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OS RIOS DE SALVADOR?*
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Resumen: la expansión urbana y la densificación desordenada en las ciudades, junto con un sis-
tema de drenaje urbano ineficiente, han llevado a cambios en el ciclo del agua, determinados por
factores como el sellado del suelo, la eliminación inadecuada de desechos sólidos y la escorrentía.
Todos estos factores han contribuido a una alteración drástica del paisaje urbano, habiendo visto
la canalización y la encapsulación de ríos que perdieron su identidad y sucumbieron a un urbanis-
mo depredador. Con un enfoque en la modernización de los sistemas de drenaje y la reducción de
tales impactos, surge un enfoque sostenible que busca incorporar aspectos de la resiliencia. Este
artículo propone discutir críticamente la relación de la ciudad de Salvador y sus ríos, analizando
la lógica detrás del drenaje urbano y la lógica que subyace en el proceso de concepción de la
planificación urbana
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esde o início das civilizações os homens mantem uma relação de proximidade
com os rios, haja vista a essencialidade da água para a sobrevivência. A passa-
gem do nomadismo para o sedentarismo, favorecida pelo domínio da agricul-
tura, quando o homem descobre as possibilidades do cultivo de sementes, dá lugar aos
primeiros assentamentos humanos. Pequenas aldeias se transformaram, gradativamente,
em vilas e posteriormente em cidades que se desenvolveram às margens de rios, que
foram afetados pelo crescimento urbano e pela perda da sua integração com a paisagem
(MUMFORD, 1998).
As cidades brasileiras, submetidas a um processo de urbanização acelerado e des-
controlado, verificado com maior intensidade na década de 80, foram gravemente impac-
tadas com a ocupação irregular – fruto de uma demanda ainda maior de água e solo – e
problemas ambientais que repercutiram, e ainda repercutem, diretamente na qualidade de
vida e na saúde da população (ALMEIDA, 2017).
Em Salvador, onde a topografia acidentada favoreceu a construção de um sistema
viário cujas vias radiais localizavam-se no fundo de vales, desconsiderou-se totalmente
as bacias hidrográficas enquanto unidades de gestão e planejamento, gerando uma série
de problemas ainda hoje ignorados. Alterações nas características naturais desses espaços
ocasionaram efeitos sobre a sua hidrologia, acarretando processos de erosão, transporte
e deposição de sedimentos. Soma-se ainda a interferência no escoamento superficial e o
aporte de sedimentos devido à urbanização, que interferiu diretamente no risco de inun-
dações (SOUZA, 2014). Por outro lado, a mudança do uso do solo nas cidades tem como
principal implicação a retirada da cobertura vegetal, reduzindo o grau de permeabilidade
e, consequentemente, diminuindo as taxas de infiltração, aumentando o escoamento su-
perficial.
Associam-se a tais fatores, algumas das principais causas de problemas relaciona-
dos à deficiência de infraestrutura e à urbanização: grande concentração de pessoas em
pequenas áreas, isto é, densidade demográfica; aumento das periferias de forma desorde-
nada; ausência de sistema de esgotamento sanitário e/ou drenagem urbana; poluição da
água; ocupação de calhas de inundação de rios e, impermeabilização e canalização dos
rios urbanos (TUCCI, 2012).
298 Goiânia, v. 5, n. 2, p. 297-311, jul./dez. 2019.
Em Salvador, o encapsulamento de rios é utilizado como solução para problemas
de esgotamento, poluição e inundação. Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é
discutir de forma crítica a relação entre o tecido urbano da cidade de Salvador e seus rios,
analisando a lógica que subjaz os projetos de drenagem e de planejamento urbano.
Art. 2º, IV — Diretriz geral da política urbana: planejamento do desenvolvimento das cidades, da
distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob
sua área de influência, de modo a evitar corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos
negativos sobre o meio ambiente.
A gestão das águas urbanas no Brasil passou por diferentes fases, que adotaram
lógicas e paradigmas diversos para a concepção do planejamento urbano, conforme se
observa no Quadro 1.
Na virada do século XIX, os rios urbanos das grandes cidades brasileiras tinham a
dupla função de ofertar água para consumo humano e levar para longe o esgoto domés-
tico. Em decorrência surgiram problemas sanitários que ocasionaram epidemias, moti-
vando o início da fase “higienista”, bem como a mudança de lugar de captação da água e
disposição de esgoto, sendo a primeira captada a montante e o segundo lançado a jusante –
solução que apenas transferiu os problemas para outras localidades. O pensamento higie-
nista incorporado ao planejamento urbano de Salvador se estendeu às primeiras décadas
do século XX, através das reformas e obras de embelezamento do governo J.J. Seabra,
cujo foco era o progresso e a modernização da cidade, mediante a melhoria das condições
sanitárias. Acontecia a primeira grande obra de confinamento de rios na cidade, a partir da
construção da Rua da Valla – uma das primeiras grandes avenidas soteropolitanas, sobre
o rio das Tripas, que tomando a forma de um pântano, tornou-se fonte de proliferação de
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doenças (PAZ, 2018). A região em questão hoje é conhecida como Baixa dos Sapateiros
(Avenida J.J. Seabra) e abriga um grande comércio.
Houve mudança da lógica com a fase “corretiva” e os esgotos passaram a ser
tratados, embora as cargas de esgoto pluvial continuassem a ser descartadas, assim
como os mecanismos de controle de lançamento de resíduos sólidos, o que está ligado a
ocorrência de inundações (TUCCI, 2007). Conforme dados divulgados, em 2017 pela,
da Agência Nacional de Águas (ANA), 9,1 toneladas de esgotos ainda são geradas por
dia nas cidades brasileiras. No entanto, apenas 61% da população brasileira é atendida
pelo serviço de coleta de esgoto; já o índice referente ao percentual de pessoas atendi-
das por infraestrutura de tratamento de efluentes é de apenas 43%, o que revela que o
atendimento é precário.
As décadas de 1970 e 1980 foram decisivas para o crescimento da cidade. O Com-
plexo Industrial de Aratu (CIA), inaugurado em 1967, e o Polo Petroquímico de Cama-
çari (COPEC) em 1978, são considerados leitmotiv quando se fala de transformação do
espaço urbano da cidade de Salvador. Um grande contingente populacional migrou para a
capital naquele período em busca das benesses oferecidas pela metrópole, na qual, supos-
tamente, Salvador se tornara. Conjuntos habitacionais populares, bem como ocupações
irregulares contribuíram para o adensamento e o espraiamento do tecido urbano, através
da periferização e do aumento da informalidade (ALMEIDA, 2017). Além desses fatores,
a construção das avenidas de vale, a partir da década de 1970, favoreceu a canalização e/
ou retificação dos rios, dando início a fase corretiva (Quadro 1).
Fica claro que ainda hoje, em Salvador, imperam ideias inerentes à lógica das fases
higienista e corretiva, priorizando exploração, controle e confinamento dos rios urbanos.
Poucas são as iniciativas que consideram o desenvolvimento sustentável no planejamen-
to urbano e na gestão das águas. A despeito dessas soluções, pode-se afirmar que houve
melhorias das condições sanitárias, embora os rios urbanos continuem poluídos e não
existam propostas concretas de recuperação.
A canalização/retificação dos rios ainda é utilizada como uma das principais al-
ternativas à expansão urbana. Cunha (1995) considera canalização como todas as obras
de engenharia praticadas no canal fluvial que têm por finalidade o controle das cheias,
a melhoria da drenagem, a redução da erosão ou o desvio do curso para a construção de
estradas. Desta forma, há alteração da morfologia fluvial e os rios passam a correr conti-
dos em leitos de concreto. Em algumas situações, os rios são ainda encapsulados, ou seja,
cobertos com placas de concreto e “enterrados” na paisagem urbana.
O encapsulamento/tamponamento de rios assim como a canalização/retificação
visa o controle de enchentes, além da abertura de novos caminhos para a construção de
avenidas e áreas de convivência e lazer. Entretanto, a canalização dos pontos críticos aca-
ba apenas transferindo a inundação de um lugar para outro na bacia, à jusante (TUCCI,
2006). Isto é, a solução adotada, resume-se à transferência do ponto de captação. Em Sal-
vador, os maiores rios encontram-se canalizados e em estado de deterioração da qualidade
das águas, conforme se observa no Quadro 2.
- Vale do Canela
Farol da
Rio dos Seixos - Fonte Nossa Canela; Graça; Av. centenário; Barra Poluído
Barra
Senhora da Graça
É urgente a necessidade de um novo olhar sobre o planejamento urbano das cidades apoia-
do em novos paradigmas que considerem a sustentabilidade na ótica do pensamento complexo
(MORIN, 2015). Conceitos transdisciplinares e transversais, a exemplo de Resiliência e Eco-
logia Urbana, surgem como aliados à concepção de novas ideias, capazes de investigar mais
profundamente as causas dos problemas de ordem ambiental e apontar medidas mitigadoras.
Sob uma vertente ecológica, a resiliência seria a capacidade de um ecossistema, es-
pécie ou população persistir, recuperando seu funcionamento e desenvolvimento normal
após sofrer mudanças e perturbações (HOLLING, 1973). Nessa perspectiva, a resiliência
urbana “concerne diretamente a objetivos ecológicos (reduzir, reutilizar, reciclar) e suge-
re outras interações (reparar, re-conceber, reagrupar, re-pensar)” (FARIAS, 2017, p. 04).
Logo, a resiliência deve abranger as diversas dimensões de risco e vulnerabilidade às
quais as cidades estão expostas, e consequentemente, possibilitar uma rápida recuperação
perante um evento desastroso, a exemplo de enchentes.
Recentemente, a cidade de Salvador iniciou um programa – “Estratégia de Resi-
liência” para a concepção de planejamento a longo prazo, prevendo iniciativas e políticas
, Goiânia, v. 5, n. 2, p. 297-311, jul./dez. 2019. 305
públicas baseadas nos princípios da resiliência. Segundo a Prefeitura Municipal de Salva-
dor (2019), este documento faz parte do Programa 100 Cidades Resilientes (100 Resilient
Cities – 100RC), capitaneado pela Fundação Rockefeller. Apresenta a visão de Salvador
numa perspectiva para os próximos 31 anos, ou seja, 2049. Para tanto, foram definidas
iniciativas para diversos campos, a exemplo de “Transformação Urbana Sustentável” pre-
vendo ações de adaptação às mudanças climáticas, prevenção de riscos e requalificação
urbana de rios.
Essa nova tendência de intervenção nos rios urbanos prioriza enfoque mais inte-
grado, incorporando aspectos de cunho ambiental e social às análises tecnológicas e de
custo-benefício (BAPTISTA; CARDOSO, 2013).
Mediante a compreensão de que a abordagem higienista ou tradicional é ineficiente
e insustentável surgem medidas modernas e menos custosas de gestão da drenagem urba-
na, consequentemente, controle das enchentes. Dentre as ações mais citadas em relação
a requalificação dos rios urbanos destacam-se revitalização, restauração, reabilitação e
re-naturalização, assim definidos na literatura:
Alguns princípios básicos para o manejo do escoamento pluvial sevem ser respeita-
dos Entre eles destacam-se: a) as bacias hidrográficas devem ser pensadas como uma tota-
lidade, e não de forma fragmentada; b) as medidas de controle estruturais e não-estruturais
devem estar associadas; c) a implantação de soluções deve ser realizada através de legisla-
ção municipal e estadual, acompanhada de um manual de drenagem, bem como um plano
diretor de drenagem; d) é necessário um plano diretor de ocupação e expansão da bacia e
seu monitoramento; e) uso de critérios sustentáveis como a manutenção de mecanismos
naturais de escoamento a exemplo da infiltração; f) manutenção do controle permanente, a
exemplo das inundações e áreas de risco; g) educação ambiental tanto para gestores quanto
para a população; h) administração eficiente (TUCCI, 2007, apud BOF, 2014).
A concepção de ideias sob essa nova lógica de planejamento urbano, especialmente
no quesito drenagem urbana e restauração de rios, é aplicada em importantes metrópoles
contemporâneas, revelando experiências exitosas e promissoras.
Uma das mais conhecidas experiências em restauração de rios urbanos foi realizada
em Seul, onde na década de 1960, com a chegada da modernização, a paisagem que in-
cluía o rio Cheonggyecheon (Figura 3) havia dado lugar a uma autopista, construída com
a finalidade de suprir a demanda de tráfego na capital sul-coreana. Aos arrojados viadu-
tos somava-se a necessidade de “esconder” os aspectos controversos ao progresso, neste
caso, o rio poluído e fétido que servia como receptor de esgoto (BAPTISTA; CARDOSO,
2013).
306 Goiânia, v. 5, n. 2, p. 297-311, jul./dez. 2019.
Figuras 3: Rio Chenonggyecheon, antes e depois da restauração.
Fonte: Coletivo Ecologia Urbana, 2008.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota
1 O PDDU 2016 de Salvador tem como uma de suas diretrizes da Política Urbana do Município a
“conservação dos recursos naturais, em especial dos mananciais hídricos superficiais e subterrâneos
de abastecimento de água, e dos remanescentes dos ecossistemas originais do território municipal,
com a viabilização de sua coexistência no espaço da cidade como elementos de conforto ambiental,
desenvolvimento econômico e qualificação urbanística”.
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