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Exclusão Digital

João V. de Alencar

Área de Engenharias, Exatas e Tecnológicas – Universidade da Região de Joinville –


(UNIVILLE) – 89.219-710 – Joinville – SC, Brasil
joao.alencar@univille.br

Resumo. Este artigo investiga a exclusão digital em sua questão geral,


avaliando a sua natureza multifacetada e explorando as suas ramificações na
sociedade atual. Serão examinadas as causas da exclusão digital e do acesso
à tecnologia. Também é aprofundado o conceito de um problema persistente,
discutindo o seu impacto na educação, na saúde e na equidade social ao
passar dos anos. Finalmente, é proposta uma abordagem holística para
enfrentar este desafio crítico, enfatizando a importância da colaboração entre
governos, partes interessadas da indústria e sociedade civil para garantir uma
inclusão digital equitativa e uma rede mundial inclusiva.

Abstract. This article investigates the digital divide in its broadest sense,
assessing its multifaceted nature and exploring its ramifications in today's
society. The causes of digital exclusion and access to technology will be
examined. The concept of a persistent problem is also explored in depth,
discussing its impact on education, health and social equity over the years.
Finally, a holistic approach is proposed to address this critical challenge,
emphasizing the importance of collaboration between governments, industry
stakeholders and civil society to ensure equitable digital inclusion and an
inclusive global network.
1. Introdução

É muitas vezes ignorado no cotidiano o fato que o crescimento da tecnologia numa


sociedade pós-Quarta Revolução Industrial oferece um fator de alienação inversamente
proporcional a si. Tal fator é conhecido como exclusão digital.

O século XXI trouxe uma transformação notável na forma como as sociedades


em todo o mundo funcionam e interagem digitalmente. Com a rápida proliferação dos
novos métodos de comunicação através do exponencial avanço da globalização em seu
ramo tecnológico, a presença da Internet e a crescente influência do domínio digital em
quase todos os aspectos da vida desenvolveu e aprimorou um novo tipo de relação
multiparadigma entre homem e máquina, assim como nas revoluções industriais
passadas. Todavia, à medida que o mundo depende cada vez mais de ferramentas e
plataformas digitais para facilitar a comunicação, a educação, o comércio e a
governação, persiste essa profunda questão. Esta divisão entre a população representa
um fosso flagrante entre aqueles que desfrutam de acesso irrestrito aos recursos digitais
e aqueles que permanecem excluídos, levantando questões críticas sobre a equidade, a
justiça social e a direção da nossa comunidade global.

2. Origens e história do termo

De acordo com Jan Van Dijk (2000), uma das primeiras aparições públicas de algo
similar ao termo “exclusão digital” ocorreu no do jornal Los Angeles Times, em 1996,
onde os colunistas Jonathan Webber e Amy Harmon desenvolveram sobre o tópico em
seu artigo “Daily Life's Digital Divide”. O texto descreve, ainda que primitivamente, a
gritante diferença entre aqueles envolvidos na área de TI e os que não interagiam com
esta nos Estados Unidos. Com o passar do tempo e evolução da complexidade do
discurso acerca da exclusão digital, a questão passou a ser tratada com um olhar mais
amplo e universal, por exemplo no influente Digital Divide: Civic Engagement,
Information Poverty, and the Internet Worldwide da cientista política Pippa Norris
(2001), que também levou em conta a importância da consideração do status de
desenvolvimento de nações, a desigualdade social e a diferença de métodos de interação
comunitária entre cada indivíduo.

Com tal consciência sobre a gravidade desta condição e seu crescimento, houve
uma grande preocupação e significante massa de estudo e projetos criados a fim de a
endereçar, começando no início até meados dos anos 2000, como caracteriza Van Dijk
(2006). Exemplos notáveis da época incluíram a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da
Informação da ONU, nos anos 2003 e 2005 e a Gates Library Initiative da Gates
Foundation, criada em 2002. Entretanto, as emergentes ramificações de causas para o
problema no começo da década seguinte revelaram que o mesmo estava longe de ser
completamente compreendido.
3. Observações recentes
No progresso da década seguinte, com o boom das redes sociais e consequentemente
mais facilidade estatística de medida global, o estudo quantitativo da exclusão digital
ganhou grande aceleração. Novas subformas do fenômeno, como o termo “Facebook
Divide” termo cunhado por Alan Yung (2007), usado para denominar ao uso e impacto
do Facebook na sociedade, exploraram novos elementos a serem explorados – como o
capital social, nesse caso. Outros exemplos observados na época de 2010 são a exclusão
digital por meio de sinal de internet móvel, colateral da popularização de smartphones,
e a exclusão de educação digital, vigorosamente documentada durante a pandemia de
COVID-19.

Figura 1. Nível de penetração global de Internet (número de


usuários como porcentagem da população do país). Fonte: Ogden,
Jeff. (2015)

A exclusão digital teve impactos significativos e de longo alcance global durante


a pandemia do coronavírus (COVID-19). À medida que a isolação forçou muitos
aspectos da vida cotidiana, incluindo o trabalho e dificuldades de busca e estabilidade
do mesmo, a educação, as barreiras de telessaúde e interações sociais, a passarem para a
Internet, aqueles que não tinham acesso e competências digitais adequados enfrentaram
numerosos desafios e desvantagens.
Sob uma análise ampla, pode se dizer que o acúmulo das experiências digitais
desse período são um microcosmo das principais barreiras da democratização da
tecnologia de informação na era atual. Notável também é que a necessidade crítica de
acesso à informação, alfabetização digital e o olhar acerca da laboração digital tiveram
uma impressão duradoura na perspectiva de grande parte do mundo. Elementos
transversais contribuintes à diferenças de perspectiva entre trabalhadores e estudantes
apareceram, como a aceitação mais ampla do home office e trabalho e/ou estudos de
modalidade híbrida, assim também como a ascensão do presenteísmo digital – termo
dado ao fenômeno do sentimento de pressão a estar disponível de forma online durante
o horário de trabalho, muitas vezes causando-o a se estender.
4. Análise de fatores e aplicação de soluções
Como já afirmado por muitos acadêmicos nas décadas anteriores, devido à sua natureza
multifacetada, se torna necessária uma análise da exclusão digital através de diversas
perspectivas, e que desfrute de métodos tão qualitativos quanto quantitativos. Com isso
em mente, Srinuan e Bohlin (2011) argumentam um meta-estudo literário como uma
abordagem geral que traz o problema à luz. Utilizando dados extraídos entre os anos de
2001 e 2010, agregando cerca de 65 artigos científicos, os fatores da exclusão digital
são sumarizados como no seguinte gráfico:

Figura 2. Fatores determinantes da exclusão social. (Sentido


horário: Infraestrutura; Status socioeconômico; Conhecimento &
Habilidades; Fatores psicológicos & cultura; Preço, Velocidade,
Conteúdo & Qualidade de serviço; Estrutura institucional e tipo de
governo). Fonte: Srinuan e Bohlin, 2011.

Baseado nos fatores determinantes, os autores do meta-estudo determinam que


três principais espécies de recomendações políticas dominaram o corpus acadêmico
acerca do tópico de exclusão digital durante a década de 2000: mecanismos de mercado,
intervenção governamental e políticas combinadas. Com um olhar empírico sobre
políticas efetivas reais que caem em pelo menos uma dessas categorias, e agem como
contramedidas contra múltiplos fatores determinantes da exclusão social, inferimos que
é beneficial a sociedade civil ter conhecimento dessas referências para a aplicação de
medidas futuras ou até incrementos à medidas atuais.
No caso dos mecanismos de mercado, podemos citar a Raspberry Pi Foundation,
amplamente conhecida por seus microcomputadores. A organização visa criar soluções
monetariamente acessíveis não somente de forma comercial, mas também atuando
como comissão de caridade e pesquisa para o desenvolvimento da educação de TI.
Também opera primariamente com código aberto em seus desenvolvimentos.
Em termos de
políticas governamentais, uma grande referência é o projeto socioeducativo Ceibal do
Uruguai. Teve seu início em 2007 com a finalidade de viabilizar o acesso universal a
computadores e à Internet aos jovens estudantes do país. Computadores foram
distribuídos aos discentes das instituições de ensino tanto públicas quanto privadas. O
governo também empreendeu investimentos na infraestrutura de uma malha nacional de
fibra óptica, estabelecendo a conectividade de grande parte das escolas com a Internet.
Esse feito foi substancial, dado que muitas das escolas em áreas rurais eram destituídas
de acesso à rede antes do programa. Adicionalmente, o governo proveu capacitação aos
professores quanto à utilização da tecnologia em contexto pedagógico, o que contribuiu
para o aprimoramento da qualidade da educação no país. Foi optado pelo
uso de software livre nos dispositivos, com a maioria dos sistemas operando sob alguma
distribuição Linux.
As políticas combinadas, no contexto atual, “[...] enfatizam a necessidade de
abordar aspectos sociais, políticos e culturais que estão relacionados com a exclusão
digital” (SRINUAN; BOHLIN, 2011). Na Suécia, a iniciativa Sámi Language
Digitalisation Project ajuda a preservar o idioma Sámi, língua minoritária indígena dos
Urais da Eurásia. Esta também possui equivalentes na Finlândia e Estônia, e é firmada a
partir da parceria dos governos dos países, instituições culturais e linguísticas locais e
grupos de policy making global, como o Helsinki Hub, ramo do Fórum Econômico
Mundial. O projeto aproveita ao mesmo tempo a tecnologia digital para fins educativos
e comunicativos, investindo na criação de recursos linguísticos digitais para este
patrimônio cultural, incluindo dicionários, guias gramaticais e aplicações de
aprendizagem de línguas. Estes recursos estão acessíveis online e foram concebidos
para ajudar os falantes e alunos de Sámi a manter e desenvolver as suas competências
linguísticas. Também foram disponibilizados arquivos digitais, incluindo gravações de
música tradicional, histórias orais e outros materiais. O projeto demonstra uma
abordagem holística e inusitada à inclusão digital que considera as necessidades
culturais únicas das comunidades indígenas.
Tais exemplos demonstram que os governos e as organizações em todo o mundo
devem reconhecer a importância de políticas que abordem tanto o lado da oferta como a
procura da exclusão digital. Estas políticas abrangem o acesso à tecnologia, a literacia
digital, a educação e o apoio às populações marginalizadas ou desfavorecidas,
contribuindo para uma sociedade digital mais inclusiva e equitativa.
5. Conclusão
Em retrospectiva, podemos afirmar que é crucial adotar uma abordagem flexível que
leve em consideração a combinação das estratégias de recomendações principais,
adaptando-as às circunstâncias locais e às necessidades das populações em questão.
Além disso, a colaboração entre as instituições internacionais, o setor público e privado
e as comunidades da sociedade civil é fundamental para garantir o sucesso das
iniciativas de inclusão digital. Essa abordagem abrangente e colaborativa pode ajudar a
reduzir a exclusão digital e promover um acesso mais equitativo à tecnologia e à
informação.

Referências bibliográficas

BOHLIN, E.; SRINUAN, C. Understanding the digital divide: A literature survey and
ways forward. In: 22nd European Regional Conference of the International
Telecommunications Society (ITS2011), 2011, Budapeste. Proceedings of the 22nd
European Regional Conference of the International Telecommunications Society
(ITS2011): Innovative ICT Applications - Emerging Regulatory, Economic and
Policy Issues, 18 - 21 set. 2011. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/254460217_Understanding_the_digital_divide
_A_literature_survey_and_ways_forward. Acesso em: 28 set. 2023.

HARMON, A.; WEBBER, J. Daily Life’s Digital Divide. Los Angeles Times, Los
Angeles, 3 jul. 1996.

NORRIS, P. Digital Divide: Civic Engagement, Information Poverty, and the


Internet Worldwide" (Communication, Society and Politics). Cambridge:
Cambridge University Press, 2001.

VAN DIJK, J. The Digital Divide. Cambridge: Polity, 2020.

VAN DIJK, J. Digital divide research, achievements and shortcomings. Poetics, v.


34, v. 4, p. 221-235, 2006.

YUNG, A. From Digital Divide to Facebook Divide. Nova Déli: Jaipuria Institute of
Management, v. 3, n. 1, p. 1, jan.-jun. 2017. Disponível em:
https://ssrn.com/abstract=2983729. Acesso em: 28 set. 2023.

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