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Philip M. Fearnside
OPINIÃO
Coordenação de Pesquisas em Ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
pmfearn@inpa.gov.br
6 4 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 4 • n º 203
OPINIÃO
do chuvas nessas regiões. A água DESCRIÇÃO FLUXOS COMPARAÇÃO Figura 2.
das chuvas flui para o leste, até o Fluxos de água
Do Atlântico para a Amazônia, por ventos alísios 10 (±1) 152% na Amazônia
oceano Atlântico, através da ba-
(em trilhões
cia do rio Paraíba do Sul e bacias Vazão média do rio Amazonas em sua foz 6,6 100%
de m3/ano)
litorâneas, ou para o oeste e o sul, Precipitação na bacia hidrográfica do Amazonas 15,05 228% e comparação
através da bacia do rio da Prata. com a vazão
Evapotranspiração 8,43 128% média na foz
Em ambos os trajetos, a água pas-
Vapor levado por ventos para outras regiões 3,4 (±1) 52% do rio
sa por represas que garantem pro-
Amazonas (%)
dução de energia e abastecimen-
to para as principais cidades do
país, inclusive Rio de Janeiro e de investimento do governo fe- sul do país ilustra claramente
São Paulo. Como o enchimento deral na região privilegiam a in- que manter grandes áreas de flo-
dessas represas depende de pou- fra-estrutura, causando a destrui- resta amazônica é do maior inte-
cas semanas de chuva intensa, em ção da floresta. Uma reavaliação resse do país. É comum ouvir, no
especial em dezembro, quando é das prioridades nacionais levaria Brasil, a opinião de que existe
máxima a contribuição da Ama- à revisão desses projetos, consi- uma conspiração permanente pa-
zônia, as conseqüências de qual- derando o desmatamento que ra enganar o país, fazendo com
quer redução no volume de vapor provocam – hoje, os estudos de im- que este não desmate a Amazô-
d’água vindo dessa região seriam pacto ambiental para licenciar nia – essa renúncia beneficiaria
muito sérias. obras só avaliam os impactos di- outras partes do planeta, em de-
A água trazida a São Paulo pelo retos da infra-estrutura, omitin- trimento dos interesses brasilei-
vento ‘jato de baixa altitude’ não do os indiretos, como a atração de ros. Manter a floresta amazônica
sai diretamente de todas as áreas pecuaristas e madeireiros a suas de fato beneficiaria o resto do
da Amazônia. À medida que o va- vias de acesso, resultando na der-
por gerado pela floresta move-se rubada da floresta.
para oeste, afastando-se do ocea- Além da revisão dos planos de A B
no Atlântico, uma parcela cres- investimento, a criação de áreas
cente é reciclada (cai como chu- protegidas e o efetivo cumpri-
va e evapora outra vez). De todo mento das leis ambientais se-
o vapor d’água que chega ao ex- riam de grande importância pa-
tremo oeste da região, 88% já fo- ra a manutenção dos serviços
ram reciclados no mínimo duas ambientais da floresta amazôni-
vezes, segundo estudos sobre o ca – como a biodiversidade, o es-
ciclo hidrológico do meteorolo- toque de carbono (que ajuda a
gista Heinz Lettau, do Instituto evitar o ‘efeito estufa’) e a cicla-
Nacional de Pesquisas Espaciais, gem de água (que inclui a provi-
e colaboradores. A água amazô- são de água para outras áreas,
nica presente nas chuvas em São como São Paulo). O valor econô-
Paulo provém de florestas na mico dos serviços ambientais é a mundo, mas isso não altera o fato Figura 3.
porção oeste da bacia: Rondônia, chave para que se encare a ques- de que o maior prejudicado com Orientação dos
Acre, oeste do Amazonas e Bolí- ventos do ‘jato
tão do desmatamento sob uma a perda dos serviços ambientais
de baixa altitude
via. Embora o desmatamento nes- nova ótica: isso transformaria a da floresta amazônica é o próprio sul-americano’
sas áreas tenha um impacto mais economia amazônica, hoje ba- Brasil. A continuação do desma- em junho-
direto sobre a chuva em São Pau- seada na derrubada da floresta, tamento reduziria, por exemplo, agosto (A)
lo, a derrubada da floresta mais a levando a um novo modelo, fun- o potencial do país para obter ‘cré- e em dezembro-
leste também é prejudicial, por- fevereiro (B) —
dado em sua manutenção. Usar ditos de carbono’ através do Pro-
nesse último
que reduz o volume de água que a floresta como provedor de ser- tocolo de Kyoto (ver ‘Como o efei- período,
chega ao oeste amazônico. viços ambientais é uma alterna- to estufa pode render dinheiro época chuvosa
A quantificação exata do trans- tiva plenamente sustentável, pois para o Brasil’, em CH nº 155, e em São Paulo,
porte de água da Amazônia para as perdas decorrentes da extinção ‘Mudanças climáticas: impasses o vento que vem
áreas como São Paulo ainda exi- da Amazônia
desses serviços (com o desmata- e perspectivas’ e ‘As florestas no
traz mais água
girá muitas pesquisas, mas o que mento) seriam maiores que os acordo do clima’, em CH nº 171)
já se sabe é suficiente para indi- ganhos que o desenvolvimento É, portanto, do interesse do Brasil
car a necessidade de uma mudan- predatório atual pode trazer. usar todos os mecanismos dispo-
ça radical nas políticas nacionais A questão do transporte de níveis para prevenir a perda de
para a Amazônia. Hoje, os planos água da Amazônia para o Centro- floresta na Amazônia. ■
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