Você está na página 1de 7

FACULDADE SANTA TERESA

SARA VIRGINIA REIS DO CARMO- 2252084

DISLEXIA: CONCEITO, ETIOLOGIA, ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS,


ORIENTAÇÕES E INTERVENÇÕES

MANAUS- AM

2023
Conceito
A definição da dislexia é permeada por uma complexidade de nomenclaturas e
descrições, gerando controvérsias e dificuldades em discernir entre diferentes quadros sob essa
síndrome. No âmago das diversas perspectivas, a dislexia é comumente caracterizada como
uma dificuldade no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, persistindo apesar da
inteligência da pessoa. Sendo assim, os principais manuais diagnósticos, tais como o DSM-5
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição) e a CID-10 (Classificação
Internacional de Doenças, 10ª edição), declaram a dislexia como Transtornos Específicos de
Aprendizagem

Assim, ela se manifesta como um desafio significativo nas habilidades fundamentais


de linguagem, notadamente na leitura (abrangendo precisão, fluência e, frequentemente,
compreensão) e na escrita (incluindo ortografia e produção textual). Sua forte predisposição
genética destaca a importância da história familiar como indicador de risco. Originando-se de
diferenças neurobiológicas, especialmente no hemisfério esquerdo do cérebro, a dislexia é
caracterizada por um déficit primário no processamento fonológico. Os indivíduos afetados
apresentam desafios na memória fonológica, limitando sua capacidade de registrar, armazenar
e evocar informações verbais.

Os desafios se manifestam em trocas, omissões, junções e aglutinações de grafemas,


além de confusões entre letras semelhantes em forma ou som. A diversidade de sintomas
abrange desde a confusão entre letras vizinhas, como "mato" por "nato", até trocas fonéticas,
exemplificadas por "trode" por "trote". Ocorrências como omissões ou adições de letras e
sílabas, e a união ou divisão inadequada de palavras, acentuam a complexidade dessa condição.

Desse modo, segundo Moojen, Bassôa e Gonçalves (2016) “existem dois grandes
grupos de dislexia: a adquirida por lesão cerebral, em que um leitor proficiente perde a
habilidade para extrair o significado de informações escritas, e a do desenvolvimento, presente
desde os primeiros anos escolares, persistindo até a vida adulta”, ou seja dislexia adquirida
surge quando o aprendizado da leitura, inicialmente adquirido de forma normal, é perdido
devido a lesões cerebrais. Nesse cenário, a lesão compromete habilidades previamente
estabelecidas, evidenciando a estreita relação entre as funções cerebrais e o processo de leitura
e escrita.

Já a dislexia de desenvolvimento relaciona-se a alterações no aprendizado da leitura e


escrita com origens institucionais, destacando fatores ambientais, neurológicos, prematuridade,
baixo peso ao nascimento e influências genéticas como possíveis causas. Peterson e Pennington
(2015) alerta que “a dislexia do desenvolvimento é um transtorno de aprendizagem que se
caracteriza por um déficit específico na aquisição da leitura, acometendo cerca de 5% a 17% de
crianças em idade escolar”, sendo assim é evidente que fatores externos, como instrução
inadequada e distúrbios emocionais, entrelaçam-se com aspectos neurológicos, contribuindo
para a complexidade do quadro.

Contudo, essa condição, longe de ser transitória, persiste ao longo da vida, podendo,
no entanto, ser atenuada pelo desenvolvimento de estratégias compensatórias. Em alguns casos,
a dislexia pode evoluir para desafios mais amplos, como o abandono escolar ou distúrbios
comportamentais. É importante observar que a dislexia não está associada a problemas de visão
ou audição, pois afeta indivíduos com essas capacidades normais ou corrigidas. Além disso,
exclui-se a presença de problemas psiquiátricos ou neurológicos graves como causa única das
dificuldades, consolidando a complexidade e especificidade desse transtorno.

Etiologia

O diagnóstico pioneiro realizado por Pringle Morgan em 1896, ao identificar um


jovem inteligente com dificuldades de aprendizagem, marcou o início da compreensão da
dislexia como um distúrbio específico. Inicialmente, a explicação estava centrada em lesões
corticais, indicando uma perspectiva neurobiológica que, ao longo dos anos, evoluiu para
investigações mais aprofundadas.

Desse modo, etiologia da dislexia tem sido objeto de extensa pesquisa médica há mais
de um século. Inicialmente associada a lesões cerebrais, a compreensão da condição progrediu
para abranger aspectos neurobiológicos mais sutis, como disfunções e falhas no processamento
cerebral. A discussão contemporânea destaca a influência genética como um fator significativo
na manifestação da dislexia.

A perspectiva dominante destaca o déficit fonológico como elemento central,


vinculado à dificuldade na consciência fonológica, essencial para a identificação de
correspondências grafema-fonema e a decifração de palavras. Contudo, críticas surgem em
razão da limitação dessa abordagem em explicar a diversidade de sintomas apresentados por
disléxicos, incluindo déficits visuais, movimentos oculares atípicos e prejuízos na coordenação
motora. Uma alternativa intrigante aponta para um déficit visual na via magnocelular como um
componente subjacente à dislexia. Evidências sustentam a ideia de comprometimento na
detecção de estímulos visuais de baixo contraste, indicando uma disfunção nessa via. Alterações
nas células magnocelulares do núcleo geniculado lateral e respostas eletrofisiológicas reduzidas
a estímulos processados por essa via fornecem suporte adicional a essa teoria.

Ao explorar o papel do sistema magnocelular no processamento visual, reconhecemos


sua importância na integração de informações temporais e espaciais durante a leitura. Assim,
“de acordo com a teoria magnocelular, as pessoas com dislexia apresentam pouca sensibilidade
relativamente a estímulos com pouco contraste, baixas frequências espaciais ou altas
frequências temporais” (PINTO, 2015), ou seja, um déficit nessa via pode afetar a capacidade
de cronometrar eventos visuais, reduzir a sensibilidade ao movimento de objetos e,
indiretamente, prejudicar o controle dos movimentos oculares necessários para uma leitura
adequada. Essa perspectiva não apenas lança luz sobre a complexidade da dislexia, mas também
oferece uma explicação para relatos de disléxicos que experimentam letras se diluindo ou em
movimento durante a leitura.

Nesse sentido, a etiologia da dislexia permanece desafiadora e, ao considerar as


diversas perspectivas, podemos ampliar nossa compreensão sobre as múltiplas facetas dessa
condição neurodesenvolvimental. A interação entre fatores fonológicos e visuais destaca a
necessidade de abordagens personalizadas no apoio a indivíduos com dislexia, promovendo não
apenas a decodificação de palavras, mas também o processamento visual essencial para uma
leitura eficaz.

Aspectos neurobiológicos

A dislexia, uma perturbação complexa do neurodesenvolvimento, encontra suas raízes


em uma origem multifatorial, predominantemente associada a fatores neurobiológicos. Dentre
esses fatores, destacam-se os genéticos, neurológicos e neurocognitivos, cada um contribuindo
de maneira única para a compreensão dessa condição.

Os fatores genéticos desempenham um papel crucial na predisposição à dislexia, como


evidenciado por estudos que identificaram cromossomas específicos (como os cromossomas 6
e 15) e genes (como KIAA0319, DCDC2 e DYXC1) possivelmente associados a essa
perturbação, sendo assim segundo Paulino (2015) “todos os três genes encontrados têm alelos
associados com o volume de substância branca em regiões temporo-parietal”, ou seja esses
alelos genéticos estão correlacionados com características estruturais específicas no cérebro,
mais precisamente nas regiões temporo-parietais, proporcionando uma compreensão mais
aprofundada das bases neurobiológicas envolvidas na dislexia. Essa relação entre a genética e
a estrutura cerebral destaca a complexidade e a interconexão dos fatores que contribuem para a
manifestação dessa condição, enriquecendo nossa compreensão sobre como as variações
genéticas podem impactar diretamente as características neurológicas associadas à dislexia.

No âmbito neurológico, áreas corticais específicas, como as regiões parietal-temporal,


occipital-temporal e inferior frontal do hemisfério esquerdo, desempenham um papel central
nos processos de leitura. Estudos neuroimagiológicos revelam uma menor atividade nessas
regiões e alterações na integridade da substância branca, particularmente na região parietal-
temporal e no feixe arqueado, em indivíduos com dislexia. Essas descobertas indicam
disfunções funcionais e estruturais associadas a essa perturbação.

Os fatores neurocognitivos, por sua vez, revelam a importância do processamento


fonológico na aprendizagem da leitura e escrita. A consciência fonológica, nomeação rápida e
memória verbal imediata são comprometidas nas crianças com dislexia, afetando a precisão,
fluência e compreensão da leitura. Além disso, défices em funções como memória de trabalho
verbal e algumas funções executivas podem coexistir, ampliando a complexidade do quadro
neurocognitivo associado à dislexia.

A dislexia emerge como uma intricada interação de fatores neurobiológicos, desde a


influência genética até alterações em áreas corticais específicas e défices neurocognitivos.
Compreender esses aspectos é essencial para desenvolver estratégias de intervenção
personalizadas que abordem não apenas as dificuldades de leitura, mas também as nuances
neurobiológicas que permeiam essa condição, visando uma abordagem abrangente e eficaz para
apoiar indivíduos com dislexia em seu percurso educacional.

Orientações e intervenções

Esse transtorno neurobiológico demanda abordagens cuidadosas e personalizadas para


promover o desenvolvimento acadêmico e emocional dos indivíduos afetados. A diversidade
de características e a variação nos perfis de cada pessoa com dislexia tornam essencial uma
intervenção específica, ajustada às suas necessidades. Desde idades mais precoces, a
intervenção pode se concentrar na construção da consciência fonológica e nas habilidades de
descodificação da leitura. A identificação precoce, muitas vezes associada à formação
especializada de educadores, é crucial para iniciar intervenções eficazes. À medida que os
indivíduos com dislexia avançam nas diferentes fases escolares, a ênfase na intervenção pode
transitar para aspectos como compreensão de texto e estratégias de estudo.
No contexto escolar, segundo Aniceto (2016) “os alunos com Dislexia devem ser
encaminhados para uma equipe multidisciplinar para que o aluno seja devidamente avaliado
nas suas peculiaridades e possa ser direcionado às intervenções efetivas que atendam às
necessidades particulares de cada criança”, por isso, a intervenção psicopedagógica
desempenha um papel central nesse âmbito. Planejar e implementar estratégias específicas para
cada caso, considerando as necessidades individuais, é crucial para o sucesso da intervenção.
O psicopedagogo, com sua expertise em psicologia e pedagogia, contribui para a criação de
ambientes de aprendizado inclusivos e adaptados, promovendo a autonomia e o potencial dos
alunos com dislexia.

No âmbito clínico, é necessário entender que as intervenções são delineadas por um


processo meticuloso e colaborativo, já que “as intervenções clínicas devem ser desenvolvidas
em conjunto com o psicólogo escolar e demais profissionais envolvidos na avaliação das
dificuldades de aprendizagem” (SANTANA; GAMA, 2021). Inicialmente, deve-se levar em
conta seis aspectos principais: história pessoal, medida intelectual, habilidades linguísticas,
processamento cognitivo, testes de leitura-escrita e observação educacional.

Desse modo, a avaliação detalhada conduzida por uma equipe multidisciplinar


desempenha um papel crucial, proporcionando um diagnóstico preciso e identificando áreas
específicas de dificuldade, como o processamento fonológico e a decodificação da leitura.
Compreendendo esses desafios, desenvolve-se um plano de intervenção personalizado,
incorporando estratégias psicopedagógicas e terapia fonoaudiológica, essenciais para fortalecer
as habilidades de leitura e escrita. O monitoramento contínuo assegura ajustes conforme o
progresso, enquanto a colaboração estreita com a família e a escola promove uma abordagem
holística, transcendendo os limites clínicos para integrar o contexto mais amplo da vida do
paciente.

A investigação do contexto familiar e sociocultural não apenas prevê possíveis


dificuldades, mas também orienta a construção de estratégias de intervenção para contornar
desafios específicos. A entrevista é essencial para compreender aspectos socioafetivos,
psicológicos e culturais, fundamentais na formulação do plano de ação. O desenvolvimento e
implementação dessas estratégias, alinhadas à perspectiva de progresso contínuo, são
adaptáveis à resposta individual ao tratamento. A manutenção do acompanhamento pela equipe
multidisciplinar, juntamente com intervenções clínicas, assegura uma abordagem adaptativa,
visando não apenas superar desafios da dislexia, mas também promover o desenvolvimento
global e a autoestima do indivíduo.
Referências

ÁLVAREZ, Cristina de La Peña; BROTÓNS, Elena Bernabéu. Dislexia y discalculia: una


revisión sistemática actual desde la neurogenética. Universitas Psychologica, [S.L.], v. 17, n.
3, p. 1-11, 6 jul. 2018. Editorial Pontificia Universidad Javeriana.
http://dx.doi.org/10.11144/javeriana.upsy17-3.ddrs. Disponível em:
https://revistas.javeriana.edu.co/index.php/revPsycho/article/view/15957. Acesso em: 21 nov.
2023.
ANICETO, Gabriela. Dislexia: conceituação e intervenções para o atendimento educacional.
In: I CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA, 13.,
2016, São Paulo. Desenhos contemporâneos da Educação Especial e Inclusiva:
fundamentos, formação e prática. [S.P.]: Capes, 2016. p. 1-6. Disponível em:
http://jee.marilia.unesp.br/jee2016/cd/arquivos/109025.pdf. Acesso em: 14 nov. 2023.
BATISTA PEIXOTO, C. .; ALVES MURTA, C. .; SILVA MACHADO, J. G. .; LOPES-
SILVA , J. B. . Subtipos de dislexia do desenvolvimento: muito além de fonológica e de
superfície. Mosaico: Estudos em Psicologia, Belo Horizonte, Brasil, v. 7, n. 1, p. 75–102,
2020. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/mosaico/article/view/24823.
Acesso em: 21 nov. 2023.
MOOJEN, Sônia Maria Pallaoro; BASSOA, Ana; GONCALVES, Hosana Alves.
Características da dislexia de desenvolvimento e sua manifestação na idade adulta. Rev.
psicopedag. São Paulo , v. 33, n. 100, p. 50-59, 2016 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
84862016000100006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 14 nov. 2023.
PAULINO, Larissa Alves. Aspectos genéticos da dislexia: uma revisão da literatura. 2015. 15
f. TCC (Graduação) - Curso de Biomedicina, Centro Universitário de Brasília, Faculdade de
Ciências da Educação e Saúde, Brasília, 2015. Disponível em:
https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/6865/1/21234860. Acesso em: 16 nov. 2023.
PETERSON RL, Pennington BF. Developmental dyslexia. Annual Review of Clinical
Psychology. 2015; 11: 283-307. doi: 10.1146/annurev-clinpsy-032814-11284. Disponível em
<https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev-clinpsy-032814-112842. Acesso em: 15
nov. 2023.
PINTO, Cláudia. Dislexia: A união faz a força. Orientador: Maria da Piedade G. Lopes Alves.
2015. 231 f. Tese (Mestrado em Necessidades Educativas Especiais - Cognição e motricidade)
- Instituto Superior de Educação e Ciências, Lisboa, 2015. DOI
https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/21505/1/TESE_FINAL_12%20de%20outubro.pdf
. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.26/21505. Acesso em: 9 nov. 2023.
SANTANA, Elinalva Jesus de; GAMA, Mariana Andrade. As dificuldades do portador de
dislexia e o comprometimento com a aprendizagem. 2021. 63 f. TCC (Graduação) - Curso
de Psicologia, Bacharel, Centro Universitário Ages, Paripiranga, 2021. Disponível em:
https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/26024/1/TCC%20-
%20Dislexia.pdf. Acesso em: 21 nov. 2023.

Você também pode gostar