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Antonio Roque
Março 2020
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5910255 - Mecânica Hamiltoniana Aula 7
As Equações de Hamilton
Na formulação hamiltoniana da mecânica clássica, descrevemos a evolução do
sistema como uma trajetória no espaço de fase. A novidade a respeito do espaço
de fase é que não usamos apenas as várias posições qi para descrever um ponto,
mas também os momentos pi dos objetos.
A primeira ideia chave é que vamos agir como se qi e pi fossem variáveis
completamente independentes. Obviamente, para uma dada partícula temos
que pi = mq̇i e veremos mais adiante que existe uma conexão íntima entre qi e pi .
Mas, por enquanto, vamos agir como se qi e pi fossem realmente independentes.
Note que isso não é possível para a velocidade q̇i porque a velocidade é
d
sempre a taxa de variaçào da posição, q̇(t) = dt qi (t).
Por outro lado, a relação entre a posiçào e o momento (generalizado) não é
sempre tão direta. Veja, por exemplo, os exemplos dados no fim da aula passada.
O importante aqui é notar que quando falamos de momento, nos referimos ao
momento generalizado definido na aula passada (equação 19):
∂L
p≡ . (1)
∂ q̇
É por isso que podemos tratar q(t) e o momento generalizado p(t) como variáveis
independentes.
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2
m (q̇(q, p))
L̃(q, p) = L (q, q̇(q, p)) = .
2
p
Da definição de momento (p = mq̇), temos que q̇ = m . Substituindo na expres-
são acima:
p 2
m m
L̃(q, p) = ,
2
que, rearranjando, nos dá:
p2
L̃(q, p) = . (8)
2m
Fazendo novamente uma analogia com uma máquina, esta expressão nos diz
que L̃ é dada pela segunda variável que aparece entre parênteses elevada ao
quadrado e dividida por 2m.
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mp2 p2
L(q, p) = 6= = L̃(q, p). (9)
2 2m
Quando uma equação não muda a sua forma funcional sob uma transforma-
ção de variáveis, isto é quando a máquina que representa a equação é a mesma
tanto para as velhas como para as novas variáveis, dizemos que a equação é
covariante. O exemplo acima mostra que a lagrangiana não é covariante.
Por causa da não covariância da lagrangiana, temos que tomar cuidado
quando formos derivar a lagrangiana escrita em termos de q e p. Vamos fa-
zer isso agora (tomando cuidado com as derivadas). Vamos derivar L̃(q, p) em
relação a q.
Pela definição de L̃ (equação 5):
∂L(q, q̇) ∂ h i
= L̃(q, p) − pq̇(q, p) . (10)
∂q ∂q
Esta é a equação de que precisamos para eliminar q̇ do lado esquerdo da equa-
ção (3).
∂L dp
= ⇒
∂q dt
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dp ∂ h i
⇒ = L̃(q, p) − pq̇(q, p) .
dt ∂q
Definindo,
∂ L̃(q, p) ∂ q̇(q, p)
=p .
∂p ∂p
Usando a independência de q e p,
∂(pq̇) ∂ q̇ ∂(pq̇) ∂ q̇
= q̇ + p ⇒ − q̇ = p .
∂p ∂p ∂p ∂p
Substituindo na expressão que estamos desenvolvendo,
∂ L̃(q, p) ∂(pq̇)
= − q̇.
∂p ∂p
Rearranjando os termos,
∂ L̃(q, p) ∂(pq̇)
− = q̇,
∂p ∂p
ou
∂ h i
L̃(q, p) − pq̇ = q̇.
∂p
Usando a definição da hamiltoniana, equação (18), obtemos:
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∂H
= q̇. (13)
∂p
Este resultado nos permite eliminar q̇ da equação (4), que torna-se então:
dq ∂H
= . (14)
dt ∂p
As duas equações às quais chegamos eliminando q em favor de p nas equações
básicas da mecânica lagrangiana (equações 3 e 4) são conhecidas como equações
de Hamilton. Como elas são muito importantes, vamos repeti-las aqui para
conveniência futura:
dp ∂H
=−
dt ∂q
dq ∂H
= . (15)
dt ∂p
Se você não gostou da maneira como obtivemos as equações de Hamilton,
não se preocupe. Mais para a frente mostraremos uma segunda maneira de
obtê-las.
Note a maneira como essas duas equações são simétricas em relação a q
e p. Como mencionado no início desta aula, tratar as posições e os momentos
com status equivalentes é uma das principais motivações por trás do formalismo
hamiltoniano.
No formalismo lagrangiano, temos uma equação simples para taxa de varia-
ção temporal da posição: dq dt = q̇. Porém, não temos uma equação igualmente
simples para a taxa de variação temporal de q̇. Em contraste, ao mudar de
variáveis, indo de (q, q̇) para (q, p), obtemos equações simples para as taxas de
variação temporal de q e de p.
Do ponto de vista matemático, no formalismo hamiltoniano temos equações
diferenciais de primeira ordem e nos formalismos lagrangiano e newtoniano te-
mos equações diferenciais de segunda ordem. O preço a pagar por isso é que
no formalismo hamiltoniano temos o dobro de equações em relação aos outros
dois formalismos. Isso decorre do fato de que no formalismo hamiltoniano pas-
samos a usar o espaço de fase, que tem o dobro de dimensões do espaço de
configurações.
Como antes, se o sistema for composto por N objetos movendo-se em três
dimensões teremos que levar em conta todas as coordenadas das posições dos
N objetos e seus respectivos momentos. As equações de Hamilton tornam-se
então:
dpi ∂H
=−
dt ∂qi
dqi ∂H
= , (16)
dt ∂pi
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H ≡ pq̇ − L. (18)
Podemos usar a relação explícita acima entre a hamiltoniana H e a lagran-
giana L para obter as equações de hamilton de forma completamenta análoga à
que foi feita na aula passada para obter as equações de Euler-Lagrange.
Rearranjando os termos na equação (18), obtemos
L = pq̇ − H. (19)
Com esta expressão, podemos reescrever a equação (17) para a ação como:
Z tf
S= dtL (20)
ti
Z tf
= dt (pq̇ − H) . (21)
ti
Podemos agora usar o princípio de mínima ação, como na aula passada, para
obter as equações de movimento.
Assim como na aula passada, nosso objetivo é encontrar a trajetória que
minimiza a ação. Mas note que agora o funcional S atribui um valor a cada
trajetória no espaço de fase Q(t) = (q(t), p(t)). Ou seja, estaremos agora pro-
curando por uma trajetória no espaço de fase e não no espaço de configurações.
Para encontrar essa trajetória, vamos novamente considerar pequenas vari-
ações em torno de uma trajetória arbitrária,
(q(t), p(t)) → (q(t) + , p(t) + ˜).
A ideia principal é novamente a de que podemos encontrar a trajetória cor-
reta fazendo com que todos os termos de primeira ordem nas perturbações se
anulem2 .
1 Aqui, para simplificar as equações, vamos nos restringir ao caso de uma partícula movendo-
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Z tf
d ∂H(q, p) ∂H(q, p)
S= dt (p + ˜) (q + ) − H(q, p) − − ˜ .
ti dt ∂q ∂p
Rearranjando:
Z tf
dq dq ∂H ∂H d d
S= dt p − H + ˜ − − + p + ˜ . (22)
ti dt dt ∂p ∂q dt dt
Nesta expressão aparece o seguinte termo:
Z tf
d
dtp .
ti dt
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pois as variações na trajetória têm seus pontos inicial e final fixos: (ti ) =
(tf ) = 0. Portanto, a integração por partes resulta em:
Z tf Z tf
d dp
dtp = − dt .
ti dt ti dt
Substituindo na equação (22):
Z tf
dq dq ∂H ∂H dp d
S= dt p − H + ˜ − − − + ˜ ,
ti dt dt ∂p ∂q dt dt
ou
Z tf
dq dq ∂H ∂H dp d
S= dt p − H + ˜ − − + + ˜ .
ti dt dt ∂p ∂q dt dt
Como estamos interessados apenas nos termos até primeira ordem nas variações
e ˜, podemos desprezar o último termo nesta expressão, ficanco com:
Z tf
dq dq ∂H ∂H dp
S= dt p − H + ˜ − − + . (23)
ti dt dt ∂p ∂q dt
A trajetória correta descrevendo a evolução do sistema é aquela para a qual
os termos lineares em e ˜ se anulam. Temos que ser cuidadosos aqui, poir
como visto acima as quantidades q e p são tratadas como variáveis indepen-
dentes. Desta forma, as variações e ˜ também tem que ser tratadas como
independentes. Isto nos nos dá duas condições que têm que ser satisfeitas:
∂H dp
+ =0
∂q dt
∂H dq
− = 0. (24)
∂p dt
A trajetória (q(t), p(t)) que satisfaz essas duas condições é a trajetória correta
que minimiza a ação e, portanto, a que descreve a evolução do sistema. Essas
equações são exatamente as equações de Hamilton (equação (15)).
Resumindo:
• Na formulação hamiltoniana da mecânica clássica, descrevemos a evolução
de um sistema como uma trajetória no espaço de fase.
• Isso exige que eliminemos a velocidade q̇ em favor do momento p. Quando
fazemos isso nas equações que definem o formalismo lagrangiano (equa-
ções (3) e (4)), obtemos as equações de Hamilton (equação (15)).
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