Você está na página 1de 7

A Função Delta de Dirac Aplicada na Representação de

Grandezas Físicas Infinitamente Concentradas


Roberto Toscano Couto
Universidade Federal Fluminense – Dep. Matemática Aplicada
24020-120, Campus do Valonguinho, Centro, Niterói, RJ
E-mail: toscano@im.uff.br

1) Introdução onde J é o jacobiano


Neste trabalho desenvolvemos um método ∂ ( x, y , z )
J ≡ . (3)
sistemático de expressar matematicamente, ∂ (ξ ,η , ζ )
por meio da função delta de Dirac, uma gran-
deza física infinitamente concentrada no seu Consideremos agora um sistema constitu-
domínio. Para expor o método, consideramos ído de um dipolo elétrico punctiforme. Um
o cálculo das fontes do campo eletromagnético dipolo é um arranjo de duas cargas elétricas
em situações concentradas: punctiformes de mesma magnitude e sinais
i) a densidade volumétrica de carga elétri-
contrários. O momento de dipolo elétrico as-
ca ( ρe ) em sistemas formados por cargas elé- G G G
sociado é, por definição, p = q (r+ − r− ) , onde
tricas que se distribuem com volume nulo, ou G
q é a magnitude de cada carga elétrica, e r+ e
seja, sistemas de partículas, fios e folhas ele- G
tricamente carregadas. r− são os vetores posição das cargas q e −q ,
ii) o vetor densidade de corrente elétrica respectivamente. Um dipolo elétrico puncti-
G G
( je ) em sistemas formados por condutores de forme p (note que, como de costume, desig-
corrente elétrica cuja seção reta tem área nula, namos por “dipolo elétrico” tanto o arranjo de
ou seja, sistemas de fios e folhas condutoras. duas cargas elétricas de sinais contrários quan-
Na Seção 2, revemos aplicações clássicas to o momento de dipolo elétrico associado) é
G G
da função delta no cálculo de ρe e je em sis- caracterizado pelo limite qh → p quando
G G
temas punctiformes. Na Seção 3, estabelece- h = r+ − r− → 0 e q → ∞ .
mos conceitos necessários no desenvolvimen-
to do método de cálculo descrito nas seções z (a) z (b)
G
−q h
seguintes. Nas Seções 4 e 5 (as principais), y q
G •
deduzimos fórmulas para ρe e je em sistemas G y
x p Figura 1 x
elétricos formados por fios e folhas.

2) Concentrações punctiformes Vamos mostrar que, num sistema conten-


G
do apenas um dipolo elétrico punctiforme p
Num sistema contendo uma carga elétrica na origem (Figura 1a), a densidade volumétri-
G G
punctiforme q0 , cujo vetor posição é r = r0 , a ca de carga elétrica é dada pela conhecida
densidade volumétrica de carga é dada por expressão (v. [2])
G G G G G G
ρe (r ) = q0 δ ( r − r0 ) , (1) ρe (r ) = − p ⋅ ∇δ (r ) . (4)
que é a expressão que satisfaz as seguintes
G G G Obtemos esse resultado calculando o limi-
condições necessárias: ρe (r ) = 0 se r ≠ r0 e
G te da densidade Gvolumétrica de carga elétrica
∫ ρe (r ) dV = q0 . Para expressar (1) num sis- de quando h = h → 0 e q → ∞ num sistema
tema de coordenadas curvilíneas (ξ ,η , ζ ) como o da Figura 1b, formado pelas cargas
genérico, fazemos uso da fórmula (v. [5]) elétricas punctiformes q e − q localizadas em
G G G G G G
δ (r − r0 ) = δ ( x − x0 ) δ ( y − y0 ) δ ( z − z0 ) r = 0G e r = − h , respectivamente. De fato, se
G
= | J | −1 δ (ξ − ξ 0 ) δ (η − η0 ) δ (ζ − ζ 0 ) , (2) eh ≡ h / h , temos, usando (1), que

— 420 —
G G G G Adiante deduziremos fórmulas para o
ρe (r ) = lim ⎡⎣ q δ (r ) − q δ (r + h ) ⎤⎦
q →∞ cálculo de ρe em sistemas não-punctiformes
h →0
G G G por um método que tem por base o lema δ.
δ (r + h eh ) − δ (r ) ⎤
= − lim ⎡⎢ qh ⎥⎦
Assim, convém tratar novamente o sistema
q →∞ ⎣ h formado por uma única carga punctiforme q0 ,
h →0
mas agora usando esse lema e um sistema de
∂δ G G G G G
= − p G (r ) = − p ∇δ (r ) ⋅ eh = − p ⋅ ∇δ (r ) , coordenadas curvilíneas (ξ ,η , ζ ) , sendo
∂ eh
(ξ0 ,η0 , ζ 0 ) as coordenadas de q0 .
pois, quando q → ∞ e h → 0 , qh → p e A carga elétrica contida num elemento de
G G G G G volume dV é dada por dq = ρe dV , ou, em
[δ (r + h eh ) − δ (r )] / h → ∂ δ (r ) / ∂ eh (deri-
G termos das coordenadas curvilíneas considera-
vada na direção do versor eh ).
das, por dq = ρe (ξ ,η , ζ ) | J | d ξ dη d ζ , uma
3) Conceitos preliminares vez que dV = | J | d ξ dη d ζ . Pois bem, no sis-
tema considerado, dq só não é zero no dV que
Nos exemplos acima, as grandezas são contém q0 ; logo,
concentradas em pontos isolados do domínio.
Para descrever grandezas concentradas em dq = ρe (ξ ,η , ζ ) | J | d ξ dη d ζ
curvas ou superfícies, é necessário desenvol-
ver um método mais elaborado. Nesse sentido, ⎧ q0 se (ξ ,η , ζ ) = (ξ0 ,η0 , ζ 0 )
=⎨
o seguinte lema é de fundamental importância:
⎩ 0 se (ξ ,η , ζ ) ≠ (ξ 0 ,η0 , ζ 0 )
LEMA δ (uma variável):
donde, pelo lema δ,
⎧ 0 ( x ≠ x0 )
f ( x) dx = ⎨ ρe (ξ ,η , ζ ) J = q0 δ (ξ − ξ0 ) δ (η −η0 ) δ (ζ − ζ 0 ).
⎩ c ( x = x0 ) G G
Essa equação é (1) com δ(r − r0 ) dado por (2).
⇔ f ( x) = c δ ( x − x0 ) . (5)
No método que desenvolvemos nas se-
Tal lema enuncia a equivalência de duas ções seguintes, um sistema ortogonal de coor-
formas de expressar uma função concentrada. denadas (ξ ,η , ζ ) é adotado. Num tal sistema,
Para entendê-lo, seja f ( x) = λe ( x) : a densi- sabemos que, se hξ , hη e hζ são os fatores de
dade linear de carga elétrica ao longo do eixo escala associados, então o elemento de com-
x. Logo, λe ( x) dx é a carga elétrica contida no primento de arco da curva coordenada em que
dx em torno de x. Assim, se só ξ varia, o elemento de área da superfície
coordenada em que ξ e η variam, o elemento
⎧ 0 ( x ≠ x0 )
λe ( x) dx = ⎨ , de volume e o jacobiano são dados por (v. [1])
⎩ q0 ( x = x0 )
ds = hξ d ξ , dS = hξ hη d ξ dη ,
então no dx em torno de x0 há carga elétrica,
punctiforme, pois dx é infinitesimal, e igual a dV = J d ξ dη d ζ , J = hξ hη hζ .
q0 . Ora, sabemos que, nesse casso, λe ( x) é
Convém ainda lembrar a expressão dos
dado por λe ( x) = q0 δ ( x − x0 ) . A recíproca é fatores de escala nos principais sistemas de
óbvia. Com mais variáveis, temos: coordenadas ortogonais (v. [1]):
LEMA δ (generalizado):
hx = hy = hz = 1 (coord. cartesianas)
⎧0 ( x ≠ x0 ou y ≠ y0 )
f ( x, y, z , w) dx dy = ⎨ hρ = 1, hϕ = ρ , hz = 1 (coord. cilíndricas)
⎩ c ( z , w) ( x = x0 e y = y0 )
hr = 1, hθ = r , hϕ = r sen θ (coord. esféricas)
⇔ f ( x, y, z , w) = c( z , w) δ ( x − x0 ) δ ( y − y0 ) .
(6) Por fim, fazemos uma definição muito útil
no que segue: associada a qualquer coordena-
Note que c não deve ser função das variáveis
da ξ, ξ a ,b (ξ ) é a função que só não se anula
cujos diferenciais, no membro esquerdo, são
multiplicados pela função f. no intervalo a ≤ ξ ≤ b , onde é unitária.

— 421 —
4) Cálculo da densidade volumé- Usando o lema δ, podemos escrever essa e-
quação na forma
trica de carga elétrica
ρe (ξ ,η , ζ ) hη hζ = λe (ξ ) δ (η − η0 ) δ (ζ − ζ 0 ) .
a) Carga elétrica em fios
Consideremos um fio eletricamente carre- Em resumo, a densidade volumétrica de
gado cuja forma é a de alguma curva coorde- carga elétrica em função das coordenadas or-
nada Γ de algum sistema ortogonal de coorde- togonais escolhidas, ρe (ξ ,η , ζ ) , no sistema
nadas (ξ ,η , ζ ) . Admitamos, sem perda de formado por um fio de densidade linear de
generalidade, que Γ seja a curva de ξ, isto é, carga elétrica λe (ξ ) ao longo de uma curva de
ao longo do fio, apenas a coordenada ξ varia, ξ completa, dada por η = η0 e ζ = ζ 0 , é ex-
permanecendo constantes as outras duas:
G pressa por
η = η0 , ζ = ζ 0 . Note que r (ξ ,η0 , ζ 0 ) é uma
δ (η − η0 ) δ (ζ − ζ 0 )
parametrização de Γ. Nosso problema consiste ρe (ξ ,η , ζ ) = λe (ξ ) . (7)
em calcular a densidade volumétrica de carga hη hζ
G
elétrica ρe (r ) no sistema contendo apenas Exemplifiquemos o uso dessa fórmula.
aquele fio, cuja densidade linear de carga elé-
G
trica λe (ξ ) = λe [r (ξ ,η0 , ζ 0 )] é conhecida. (a) z (b)
G G
Obviamente, ρe (r ) = 0 se r ∉ Γ : ρe é uma z0
ρ0 z0
grandeza concentrada no fio.
Para resolver esse problema, observamos θ0 − ρ0
que a carga elétrica contida no elemento de r0 r0
G y
volume dV localizado no ponto r (ξ ,η , ζ ) do y
x ρ
sistema é dada por dq = ρe (ξ ,η , ζ ) dV , onde 0 Figura 3 x
G G
ρe (ξ ,η , ζ ) ≡ ρe [r (ξ ,η , ζ )] . Se r (ξ ,η , ζ ) ∉ Γ
Se o fio for como a semicircunferência da
(i.e., η ≠ η0 ou ζ ≠ ζ 0 ), então dq = 0 (não há Figura 3a, ao longo de parte de uma curva de
carga elétrica num dV que não é interceptado ϕ, temos, em coordenadas cilíndricas, que
G
pelo fio). Mas, se r (ξ ,η , ζ ) ∈ Γ (i.e., η = η0
e ζ = ζ 0 ), então a δ ( ρ − ρ 0 ) δ ( z − z0 )
z ρe ( ρ ,ϕ , z ) = λe (ϕ ) ϕ 0,π (ϕ )
dV carga elétrica em dV ρ
ds é a que se encontra
(o denominador é o resultado de hρ hz = ρ ⋅ 1)
Γ G
r (ξ ,η0 , ζ 0 )
no elemento de com-
primento de arco e, em coordenadas esféricas, que
y ds = h d ξ da por-
x Figura 2 ξ δ (r − r0 ) δ (θ − θ 0 )
ção do fio dentro de ρe (r ,θ ,ϕ ) = λe (ϕ ) ϕ0,π (ϕ )
G r
dV: dq = λe [r (ξ ,η0 , ζ 0 ) ] ds = λe (ξ ) hξ d ξ (Fi-
(o denominador é o resultado de hr hθ = 1 ⋅ r ).
gura 2). Assim,
Nessas fórmulas, a função ϕ0,π (ϕ ) é ne-
dq = ρ e (ξ ,η , ζ ) hξ hη hζ d ξ dη d ζ cessária porque o arco só é encontrado onde


dV ϕ ∈ [0, π ] . Ela garante que a integral de ρe


⎧⎪ 0 fora de Γ (η ≠ η0 ou ζ ≠ ζ 0 ) em todo o espaço, V∞ , forneça a carga elétrica
=⎨
⎪⎩ λe (ξ ) hξ d ξ sobre Γ (η = η0 e ζ = ζ 0 ) total Q do fio:
2π π ∞
ou, cancelando hξ d ξ em ambos membros,
∫ V∞
ρe dV =
∫ ∫ ∫
0 0 0
ρe r 2 senθ dr dθ dϕ

[ ρe (ξ ,η , ζ ) hη hζ ] dη d ζ π

⎧0 se η ≠ η0 ou ζ ≠ ζ 0
=
∫ 0
λe (ϕ ) r
0 sen θ 0 dϕ
=
ds
∫ Γ
λe ds = Q .

=⎨
⎩ λe (ξ ) se η = η0 e ζ = ζ 0 Obviamente, λe = Q / (π ρ0 ) se a carga
elétrica Q distribuir-se uniformemente no fio.

— 422 —
Ressalve-se que, nas fórmulas acima, se a fun- ⎧0 se ζ ≠ ζ 0
ção ϕ0,π (ϕ ) tivesse sido omitida, elas descre- [ ρe (ξ ,η , ζ ) hζ ] d ζ = ⎨
⎩ σ e (ξ ,η ) se ζ = ζ 0
veriam ρe no sistema formado pelo fio circu-
lar da Figura 3b. Usando o lema δ, podemos escrever essa e-
quação na forma
b) Carga elétrica em folhas ρe (ξ ,η , ζ ) hζ = σ e (ξ ,η ) δ (ζ − ζ 0 ) .
Podemos deduzir ρe em sistemas forma-
Em resumo, a densidade volumétrica de
dos por folhas eletricamente carregadas de
carga elétrica em função das coordenadas or-
modo análogo ao apresentado acima, para fios
togonais escolhidas, ρe (ξ ,η , ζ ) , no sistema
carregados, bastando que se adaptem a termi-
nologia e as grandezas físicas ao caso. formado por uma folha de densidade superfi-
Consideremos uma folha eletricamente cial de carga elétrica σ e (ξ ,η ) e coincidente
carregada cuja forma é a de uma superfície com uma superfície de ξ e η completa, dada
coordenada Σ de um sistema ortogonal de por ζ = ζ 0 , é expressa pela fórmula
coordenadas (ξ ,η , ζ ) . Admitamos, sem perda
δ (ζ − ζ 0 )
de generalidade, que Σ seja a superfície de ξ e ρe (ξ ,η , ζ ) = σ e (ξ ,η ) . (8)
η, isto é, sobre a folha, apenas as coordenadas hζ
ξ e η variam, permanecendo constante a ter-
G z (a) z (b)
ceira coordenada: ζ = ζ 0 . Assim, r (ξ ,η , ζ 0 ) é b
uma parametrização de Σ. Desejamos calcular a
a densidade volumétrica de carga elétrica
G
ρe (r ) no sistema contendo apenas aquela
y y
folha, cuja densidade superficial de carga elé-
G ϕ0 ϕ0
trica σ e (ξ ,η ) = σ e [ r (ξ ,η , ζ 0 )] é conhecida. x x
Figura 5
Nesse caso, ρe é uma grandeza concentrada
G G
na folha: ρe (r ) = 0 se r ∉ Σ . Para exemplificar essa fórmula, supo-
Seja dV um ele- z nhamos que a folha seja como na Figura 5a, de
mento de volume bordas circulares e posicionada de modo que
dV
localizado na extre- Σ dS ϕ = ϕ0 nela. Em coordenadas esféricas, temos
midade do vetor po- G
G r (ξ ,η , ζ 0 ) que
sição r (ξ ,η , ζ ) e dq y δ (ϕ − ϕ0 )
a carga elétrica con- x Figura 4 ρ e ( r , θ , ϕ ) = σ e ( r ,θ ) ra ,b (r )θ 0,π / 2 (θ )
tida em dV. Se r sen θ
G
r (ξ ,η , ζ ) ∉ Σ (i.e., ζ ≠ ζ 0 ), então dq = 0 (cujo denominador é o fator hϕ = r sen θ ).
(não há carga elétrica num dV que não é inter- Se integrarmos essa equação em todo o
G
ceptado pela folha). Mas, se r (ξ ,η , ζ ) ∈ Σ espaço, obtemos, como é de se esperar, a carga
(i.e., ζ = ζ 0 ), então a carga elétrica em dV é, elétrica total da folha. Façamos isso no caso
como mostra a Figura 4, aquela no elemento em que σ e = 4 Q /[π (b 2 − a 2 )] (Q distribuída
de área dS = hξ hη d ξ dη da porção da folha uniformemente na folha):
G
dentro do elemento dV : dq = σ [ r (ξ ,η , ζ 0 )] dS 2π π ∞
= σ (ξ ,η ) hξ hη d ξ dη . Assim, ∫ V∞
ρe dV =
∫ ∫ ∫ ρ r senθ dr dθ dϕ
0 0 0
e
2

dq = ρe (ξ ,η , ζ ) hξ hη hζ d ξ dη d ζ π /2

π (b − a ) ∫ ∫ r dr dθ = Q .
b

4Q
= 2 2
dV 0 a
⎧⎪ 0 fora de Σ (ζ ≠ ζ 0 )
=⎨ Sem as funções ra ,b (r ) e θ0,π /2 (θ ) , a
⎪⎩ σ (ξ ,η ) hξ hη d ξ dη sobre Σ (ζ = ζ 0 )
fórmula acima expressaria ρe no sistema for-
ou, cancelando hξ hη d ξ dη em ambos mem- mado pela folha plana semi-infinita ilustrada
bros, na Figura 5b, com a mesma densidade σ e .

— 423 —
G
5) Cálculo do vetor densidade de sistema da Figura 8, em que v
corrente elétrica a carga elétrica punctiforme q G
q move-se com velocidade R(t )
O vetor densidade de correnteJJG elétrica G G G
G G G v = dR / dt , onde R (t ) é o trajetó-
je ( r , t ) é definido de modo que je ⋅ dS forne- ria de q O
seu vetor posição. Basta
ça, no instante t, a corrente elétricaJJqueG Gatra- G G
substituir ρe = q δ [r − R(t )] Figura 8
vessa o elemento de área orientado dS = n dS
G em (9):
localizado na extremidade de r no sentido de G G G G G
G G G
n se je ⋅ n > 0 ou no sentido oposto se je (r , t ) = qv δ [r − R(t ) ] .
G G
j ⋅ n < 0 . Note que, em termos mais simples, Bem, passemos para a parte principal des-
Ge
je tem magnitude igual à corrente elétrica por ta seção: o cálculo do vetor densidade de cor-
unidade de área perpendicular à sua direção; rente elétrica em sistemas formados por con-
trata-se, portanto, de uma densidade superfici- dutores cuja seção reta tem área nula, como
fios e folhas de material condutor. Ilustramos
al. Um sistema em que podemos expressá-lo
tais sistemas na Figura 9, em que Γ e Σ são a
facilmente é o da Figura 6: uma barra cilíndri- curva e a superfície que descrevem a forma do
ca conduzindo a corrente elétrica I distribuída fio e da folha, respectivamente.
uniformemente na seção reta de área A. Nesse
G G G
caso, je = ( I / A) e , onde e é o versor na dire-
ção da corrente elétrica. I Σ

G Γ
I e I
A Figura 9

Figura 6 a) Fios condutores de eletricidade


G G G G
Existe uma relação entre je e ρe , que é a Calculemos primeiramente je je = ρ ev eξ
seguinte: no sistema formado por um fio
G G
je = ρe v , (9) que conduz a corrente elétrica I
G conhecida. Usando coordenadas
onde v é a velocidade com que a carga elétri- ortogonais (ξ ,η , ζ ) tais que, co-
G
ca se desloca no ponto onde je e ρe são ava- mo antes, no fio, ξ varia, η =η0 = ds
liados. Para estabelecer essa relação, conside- const. e ζ = ζ 0 = const., vemos que
re, num certo ponto onde haja o G G G I
v dt je = ρ ev eξ nos pontos do fio, isto
movimento de cargas elétricas, G fio Γ
G
um elemento de área dS per- G é, os vetores v e je têm a direção
G v G Figura 10
pendicular a v . Seja dq a carga do versor eξ , tangente ao fio (Fi-
dS
elétrica que atravessa esse dS gura 10). Como o elemento de carga elétrica
Figura 7 dq contido no elemento de comprimento de
durante o tempo dt. Consoante a
G G arco ds do fio é dado tanto por dq = λe ds =
definição de je , temos que dq = je dS dt .
A Figura 7 mostra que dq ocupa o volume λe v dt quanto por dq = I dt , concluímos,
G igualando, que λev = I . Usando esse resulta-
dV = dS |v | dt . Logo, como ρe = dq / dV ,
temos que do na equação que se obtém com a substitui-
G G
G ção de (7) em (9), com v = v eξ , obtemos a
dq j dS dt G G
ρe = = e G ⇒ je = ρev , fórmula do vetor densidade de corrente elétri-
dV dS v dt ca no sistema em que a corrente elétrica I é
G conduzida num fio ao longo da curva de ξ
donde se obtém (9), pois a direção de je é a
dada por η = η0 e ζ = ζ 0 :
da velocidade das cargas positivas.
Por meio dessa equação, podemos facil- G δ (η − η0 ) δ (ζ − ζ 0 ) G
G je (ξ ,η , ζ ) = I (ξ ) eξ . (10)
mente calcular, por exemplo, o vetor je no hη hζ

— 424 —
Note que admitimos a possibilidade de haver No que segue, convém definir I ′(ξ ,η )
variação da intensidade da corrente elétrica ao como sendo, no ponto P(ξ ,η , ζ 0 ) de Σ, a den-
longo do fio (i.e. de I depender de ξ).
sidade linear de corrente elétrica através da
z θ I curva de η que passa por aquele ponto (ou a
Por exemplo, no sistema 0 corrente elétrica por unidade de comprimento
formado pelo fio condutor
retilíneo mostrado na figura da curva de η). Por exemplo, se I for constante
ao lado, obtemos y (independente de ξ) e os filamentos dessa cor-
ϕ0
x rente elétrica (i.e., as curvas de ξ) distribuí-
rem-se uniformemente nas curvas de η, então
G δ (θ − θ 0 ) δ (ϕ − ϕ0 ) G
je (r ,θ ,ϕ ) = I er . I ′ = I / Lη (ξ ) , onde Lη (ξ )
(r )( r sen θ )
é a largura da curva de η,
Já no caso do fio circu- que pode variar com ξ,
z Lη (ξ )
lar mostrado na figura à como na superfície ilustra-
I da à direita.
direita, temos que a
G G G y Como o elemento de
je (r ,θ ,ϕ ) = je(D) + je(E) , carga elétrica dq contido
x
no elemento de área dS = dl ds = dl v dt da
onde
G (D) δ (r − a ) δ (ϕ − π / 2) G folha (Figura 11) é dado tanto por dq = σ e dS
je = I eθ = σ e dl v dt quanto por dq = ( I ′dl ) dt , con-
r sen θ
cluímos, igualando essas expressões de dq,
G (E) δ (r − a ) δ (ϕ − 3π / 2) G
je = I (− eθ ) que σ e v = I ′ . Usando esse resultado na equa-
r sen θ ção que se obtém com a substituição de (8) em
G G
correspondem à corrente elétrica nas metades (9), com v = v eξ , obtemos
direita e esquerda da espira, respectivamente.
G δ (ζ − ζ 0 ) G
dl ds =v dt G je (ξ ,η , ζ ) = I ′(ξ ,η ) eξ . (11)
corrente G
je = ρev eξ hζ
elétrica
I Em resumo, esta fórmula fornece o vetor
dS densidade de corrente elétrica no sistema con-
tendo uma folha condutora que tem a forma de
a corrente elétrica flui ao longo Σ uma superfície de ξ e η, dada por ζ = ζ 0 , so-
das curvas de ξ e perpendicu-
bre a qual a corrente se dá ao longo das curvas
larmente às curvas de η Figura 11
de ξ e distribui-se com densidade linear I ′ nas
b) Folhas condutoras de eletricidade de curvas de η, per- z
I
Consideremos agora a corrente elétrica I pendiculares às pri- p π
meiras. AB = a senθ
que flui sobre uma folha com a forma da su- 2
perfície Σ que é descrita, nas coordenadas or- Por exemplo, no θ •B
togonais (ξ ,η , ζ ) , por v = v 0 . Essa superfície sistema ilustrado ao A •
lado, onde a corrente a
pode ser visualizada como um entrelaçado elétrica I flui unifor-
ortogonal de dois conjuntos de curvas, um y
memente distribuída
formado por curvas ao longo das quais apenas num quadrante de x
ξ varia (curvas de ξ) e outro, por curvas nas superfície esférica de
quais apenas η varia (curvas de η). Admitimos raio a, temos que
I
que a condução das cargas positivas ocorra G G
como mostra a Figura 11: ao longo das curvas ⎧⎪ je ( r ,θ ,ϕ ) = − eθ I ′ δ ( r − a ) ϕ0, π / 2 (ϕ )
de ξ, no sentido em que ξ cresce (assim, ⎨
G G ⎪⎩ I ′ ≡ I /[(π / 2) a sen θ ]
je = ρev eξ ) e, portanto, perpendicularmente
Para testar esse resultado, consideremos a
às curvas de u. Também não restringimos a
superfície cônica S dada por θ = θ 0 (com
possibilidade de I depender de ξ, isto é, de
uma corrente elétrica I (ξ ) , que varia enquan- 0 < θ < π /2 ) e orientada em cada ponto pela
G G
to é conduzida. normal n = −eθ . Como toda a corrente elétri-

— 425 —
G
ca I atravessa S no sentido de n , a integral de conhecidos ρe = σ δ (r − a) [σ ≡ Q /(4π a 2 )] e
G G G G G
je sobre ela deve ser igual a I. De fato, uma v = ω × r = ω r sen θ eϕ [ω ≡ 2π /T ] . Substi-
JJG G
vez que dS = − eθ r senθ 0 dr dθ é um elemen- tuindo essas expressões naquela equação, ob-
to de área orientado de S, temos que temos o mesmo resultado (cf. [4]).
G
G JJG 2π ∞
⎡ −2 I δ (r − b) ϕ0,π / 2 (ϕ ) eθ
∫ S
j ⋅ dS =
∫ ∫
0 0

⎣ π a sen θ 0
⋅ Comentários finais
∞ π /2 Como foram desenvolvidas, as fórmulas
G
∫ δ(r − b) dr ∫ dϕ = I .
G
(−eθ ) r senθ0 dr dϕ⎤ =
I de ρe e je dadas por (7), (8), (10) e (11) têm
⎥⎦ π /2
0 0
sua validade condicionada à adoção de um
sistema ortogonal de coordenadas. Essa restri-
Como segundo exemplo, consideremos o ção, entretanto, não impede que elas encon-
sistema formado pela carga elétrica Q unifor- trem vasta aplicação em problemas de Física,
memente distribuída numa superfície esférica haja vista, nessa ciência, predominar esse tipo
de raio a, centrada na origem e que gira em de coordenadas.
torno do eixo z com velocidade angular Quanto às operações com a função delta
G G
ω = ω ez constante. Nesse caso, como uma função — que não é! —, recorde-
G G mos que Dirac não via no seu uso qualquer
je (r ,θ ,ϕ ) = I ′ δ (r − a ) eϕ . (12) falta de rigor, pois afirmava ser sempre possí-
vel substituí-la por uma formulação equivalen-
z te, porém mais complicada (cf. [3]). Isso, de
ds fato, confirmou-se com a justificativa matemá-
a senθ tica da função delta que a teoria das distribui-
ds ções propiciou (v. [6] e [8]).
θ a
ds
y Referências
dS = ( 2π a sen θ ) ds
[1] G. B. Arfken e H. J. Weber, "Física Ma-
ω temática", Campus, 6a ed., Rio de Janeiro,
Figura 12 2007 — Cap. 2.
[2] G. Barton, "Elements of Green's Functions
Somos tentados a usar a expressão I ′ = and Propagation", Oxford U. P., Claren-
(Q /T ) /(π a ) para a corrente elétrica por uni- don, 1989 — Seç. 1.4.5.
dade de comprimento de uma curva de θ , o [3] P. A. M. Dirac, "The Principles of Quan-
que é incorreto, pois I ′ varia com θ : a carga tum Mechanics", 4a ed., Oxford U. P.,
total Q atravessa uma curva de θ sem distri- Clarendon, 1958 — p. 59.
buir-se uniformemente sobre essa curva. A
semicircunferência em negrito na Figura 12 [4] W. Greiner, "Classical Electrodynamics",
realça uma dessas curvas de θ. Note que, Springer, Nova York, 1998 — p. 209.
quanto mais perto do equador está o elemento [5] J.D. Jackson, "Classical Electrodynamics",
de comprimento de arco ds, mais carga elétri- Wiley, 2a ed., Nova York, 1975 — p. 111.
ca passa por ele. A figura também mostra que
a carga que atravessa ds durante o período de [6] M. J. Lighthill, "Fourier Analysis and
revolução T é dq = σ ( 2π a senθ ) ds , onde Generalised Functions", Cambridge U. P.,
London, 1964.
σ = Q /(4π a 2 ) . Portanto,
[7] L. D. Landau e E. M. Lifshitz, "The Clas-
(dq) /T σ ( 2π a senθ ) Q sen θ sical Theory of Fields", 4a ed., Pergamon,
I′ = = = , Oxford, 1975 — §28.
ds T 2aT
cuja substituição em (12) fornece a resposta. [8] L. Schwartz, "Théorie des distributions",
Este problema, em particular, pode ser Hermann, Paris, 1950.
resolvido usando-se (9) diretamente, pois são

— 426 —

Você também pode gostar