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POLÍTICA MACROECONÓMICA

FEP – Mestrado em Economia

2. Política Orçamental

Referências bibliográficas:
i) Carlin e Soskice (2015), cap. 14;
ii) Bénassy-Quéré et al. (2018), cap. 4;
iii) Loureiro (2008), cap. 2 e 3;
iv) Carlin e Soskice (2006), cap. 6.
v) FMI (2014), “Fiscal Multipliers: Size, Determinants, and Use in
Macroeconomic Projections”, IMF Fiscal Affairs Department
(https://www.imf.org/en/Publications/TNM/Issues/2016/12/31/Fiscal-Multipliers-Size-
Determinants-and-Use-in-Macroeconomic-Projections-41784)
2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 Conceitos e factos
 O papel da política orçamental na estabilização:
estabilizadores automáticos e políticas discricionárias
 A Equivalência Ricardiana e a eficácia da política
orçamental
 Enviesamento expansionista da política orçamental
 Dinâmica da dívida pública e consolidação orçamental
 Regras na condução da política orçamental

Política Macroeconómica, 2023/24 2


2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 Conceitos e factos

Política Macroeconómica, 2023/24 3


Conceitos e factos

 Três funções da PE: redistribuição, alocação e estabilização…


 a política orçamental contribui para a concretização destas
três funções, mas tem um papel particularmente relevante na
função da estabilização…

“Conjunto de decisões ou regras referentes a impostos e a


despesas públicas, com o propósito de atenuar as flutuações do
ciclo económico, por forma a manter o desemprego próximo do
seu valor de equilíbrio e evitar o surgimento de pressões
inflacionistas ou deflacionistas”
Paul Samuelson, 1948

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Conceitos e factos

 As entidades que constituem o Setor Público Administrativo


(SPA) e entram no orçamento de Estado:
 Administração central
 Estado (governo)
 Fundos e Serviços Autónomos
 Administração Regional e Local
 Segurança Social

 As empresas públicas não fazem parte do SPA  têm uma


perspetiva de mercado (i.e., pelo menos 50% receitas têm que
consistir na venda de bens e serviços)… mas…

Política Macroeconómica, 2023/24 5


Conceitos e factos

 Funções económicas do SPA:


 fornecer bens e serviços públicos (não rivalidade e não exclusão
 e.g., segurança pública, defesa nacional) ou “quase-públicos”
(não se aplica a não exclusão, por exemplo por causa do custo
de acesso aos mesmos  e.g., educação, saúde)
 realizar a distribuição secundária de rendimentos (eficiência vs
equidade) e promover a eficiência na alocação de recursos (e.g.,
subsidiando ou taxando determinadas atividades)
 estabilização macroeconómica e regulação

 O setor público precisa de recolher receitas para financiar as


despesas inerentes ao cumprimento destas funções  o
orçamento de estado
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Conceitos e factos

Ciclo Orçamental:
 Fase I: Elaboração do OE e da respetiva proposta de lei (até
15/out)
 Fase II: Discussão e votação da proposta de lei (até 45 dias depois
da proposta; limite de 30/nov)
 Fase III: Execução e fiscalização do OE
 Fase IV: Elaboração, discussão e fiscalização da Conta Geral do
Estado
 Conta Geral do Estado – registo ex-post da execução orçamental,
e não uma estimativa, como sucede com o OE
 Na ausência da aprovação atempada  execução por duodécimos,
de acordo com o orçamento do ano anterior (e.g., OE 2022 entrou
em vigor no dia 28/jun)
Política Macroeconómica, 2023/24 7
Conceitos e factos

Alterações ao OE  OE revisto, suplementar ou retificativo

 Como previsão, o Orçamento pode não cobrir situações imprevistas


que venham a ocorrer durante o ano e às quais a Administração
Pública tem de fazer frente, ou eventuais alterações de políticas
• Alteração de pressupostos do cenário macroeconómico com
efeitos na previsão da receita e/ou da despesa
• Dotações de despesa que se revelam desnecessárias ou, mais
frequentemente, insuficientes
• Implementação de projetos/ações ou medidas geradoras de
despesa não inscrita
• Realização de despesas imprevistas
• Insuficiência de receita, explicada por fatores macroeconómicos,
erro técnico de previsão ou excesso de otimismo

Política Macroeconómica, 2023/24 8


Conceitos e factos

Saldo Orçamental Primário:


 Saldo Orçamental Primário = Receitas – Despesas, excluindo o
serviço da dívida pública:
T–G
 T = Impostos – TR
 TR = transferências para o setor privado (e.g., subsídio de desemprego,
pensões de reforma, benefícios de assistência social como o rendimento
mínimo de inserção, subsídios pagos às empresas…)
 G = despesas em bens e serviços públicos (e.g., gastos em
equipamentos hospitalares, vencimentos dos funcionários públicos,
investimento público…)
Política Macroeconómica, 2023/24 9
Conceitos e factos

 Se G >T, o setor público recorre a endividamento  o setor público


tem que suportar os encargos do financiamento  juros da dívida
pública (ou serviço da dívida)

Saldo Orçamental total/global no período t:


(SOt) = (T – G)t – i Bt-1
 i = taxa de juro
 B = dívida pública
 i Bt-1 = juros de dívida pública

Política Macroeconómica, 2023/24 10


Conceitos e factos

 O Saldo Orçamental reflete, assim, a Capacidade ou Necessidade de


Financiamento do setor público:

SO = SO corrente + SO capital =
= CAP/NEC Financiamento do setor público

 SO corrente = receitas correntes – despesas correntes  também se


designa por poupança pública (Spúb)

 A dívida pública resulta de uma acumulação sucessiva de défices


orçamentais e do respetivo financiamento

Política Macroeconómica, 2023/24 11


Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas – Portugal, junho 2023; GPEARI –
Ministério das Finanças

Conceitos e factos

Política Macroeconómica,
2023/24 12
Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas – Portugal, junho 2023; GPEARI –

7.2 O saldo orçamental


Ministério das Finanças

Conceitos e factos
… alguns valores

Política Macroeconómica,
2023/24 13
Saldo Orçamental (% PIB)
1,0 0,1
-0,4
0,0 Conceitos e factos
-1,0

-2,0

-3,0
-3,0
-4,0
EFEITO
-5,0 CGD

-6,0
-5,8

-7,0

EFEITO
-8,0 -7,4 COVID-19

-9,0 EFEITO
NOVO
-10,0 BANCO

-11,0

-12,0
-11,4
EFEITO CRISE
-13,0 FINANCEIRA
Fonte: AMECO – Comissão Europeia Portugal Área Euro 14
Política Macroeconómica, 2023/24
Conceitos e factos

Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas – Comparações Internacionais, maio 2023;


GPEARI – Ministério das Finanças)

Política Macroeconómica,
2023/24 15
Conceitos e factos
Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas – Comparações Internacionais, maio 2023;
GPEARI – Ministério das Finanças)

Política Macroeconómica,
2023/24 16
Dívida Pública (% PIB)
140
134,9

Conceitos e factos
130
132,9
120 113,9

110 116,6

100

90

80

70

60 54,2

50

Portugal Área Euro

Fonte: AMECO – Comissão Europeia


Política Macroeconómica, 2023/24 17
Conceitos e factos

Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas – Comparações Internacionais, maio 2023;


GPEARI – Ministério das Finanças)

Política Macroeconómica,
2023/24 18
2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 O papel da política orçamental na


estabilização: estabilizadores automáticos e
políticas discricionárias

Política Macroeconómica, 2023/24 19


Estabilizadores automáticos

 Objetivo de CP: a estabilização do produto


 Um enquadramento económico estável e previsível contribui para o
crescimento económico, bem-estar económico e social: tanto famílias,
como empresas, preferem ambientes estáveis

 …e objetivo de LP: não criar restrições adicionais no ritmo de


crescimento de longo prazo (eventual trade-off entre estabilização -
CP, e YN - LP)  mas também pode contribuir diretamente para
aumentar esse ritmo de crescimento  “qualidade das finanças
públicas”; investimento público…  melhor alocação de recursos…

Fonte: Bénassy-Quéré et al. (2010)

Política Macroeconómica, 2023/24 20


Estabilizadores automáticos

 Estabilização Macroeconómica visa a diminuição da amplitude e


da persistência dos ciclos económicos  o objetivo da política
orçamental deve ser manter o nível do produto próximo do seu nível
potencial (output gap próximo de zero)

 Quando a economia está em recessão (Y<YP), o Governo deverá


recorrer a políticas orçamentais expansionistas, mas perante uma
expansão (Y>YP) deverá optar por políticas contracionistas  política
orçamental contra-cíclica  leaning against the wind  PO ativas
 SO afeta conjuntura…

 Mas, mesmo sem uma atuação discricionária de política orçamental, o


orçamento de Estado reage contra-ciclicamente ao estado da
Economia  o efeito dos estabilizadores automáticos  PO
passivas  conjuntura afeta SO…
Política Macroeconómica, 2023/24 21
Estabilizadores automáticos

 Estabilizadores automáticos:

 Algumas rubricas do SO reagem, automaticamente (sem atuação


ativa das autoridades), à situação conjuntural de forma a reduzir a
amplitude (a volatilidade e a persistência) das flutuações cíclicas

 Exemplos típicos são os impostos e o subsídio de desemprego

Défices tendem a aumentar numa recessão,


e a diminuir nas fases de expansão

Parcela endógena do Orçamento de Estado

Política Macroeconómica, 2023/24 22


Estabilizadores automáticos

 A simples existência de uma taxa de imposto reduz o efeito


multiplicador simples:

D   Y  tY  Yd  C  Y

 Outro exemplo é o subsídio de desemprego:


D   Y  U  sub.des./transferências  C  Y

SO tende, automaticamente, a deteriorar-se numa recessão

Política Macroeconómica, 2023/24 23


Estabilizadores automáticos

Características desejáveis dos estabilizadores automáticos:

 Contemporaneidade: entram em ação no timing adequado, não


estando sujeitos aos desfazamentos típicos da PO

 Simetria: contribuem tanto para atenuar o arrefecimento económico,


como para arrefecer economias quando começam a crescer
excessivamente

 Reversibilidade: o impacto sobre o SO é normalmente temporário,


pelo que o seu comportamento não se reflete em compromissos
irreversíveis

Política Macroeconómica, 2023/24 24


Estabilizadores automáticos

 Mas serão os estabilizadores automáticos mesmo efetivos na sua


ação estabilizadora?

• Na prática, os estabilizadores automáticos geram uma variação


temporária do rendimento disponível  até que ponto esta variação se
transmite ou não ao produto depende da forma como os consumidores
reagem
• Segundo a Teoria do Rendimento Permanente (Milton Friedman, 1956),
o consumo não reage (pelo menos significativamente) a variações
temporárias do rendimento  alisamento do consumo  o papel dos
estabilizadores automáticos seria, portanto, irrelevante
• Porém há consumidores que reagem a estas variações temporárias,
nomeadamente aqueles que enfrentam restrições de liquidez
(geralmente os de menores rendimentos)

Política Macroeconómica, 2023/24 25


Estabilizadores automáticos

 Outros inconvenientes…

• Entram automaticamente em ação, independentemente de serem


despoletados por choques na procura ou na oferta  no caso de
um choque na oferta, que também agrava a inflação, os
estabilizadores automáticos poderão agravá-la ainda mais… 
inflação pelos custos + inflação pela procura
• Efeitos perversos do lado da oferta, nomeadamente retirando
flexibilidade aos mercados (e.g., subsídio de desemprego…)
• Não distinguem choques temporários de choques permanentes
 num choque permanente a característica da reversibilidade
perde-se…

Política Macroeconómica, 2023/24 26


PO discricionária

 PO discricionária complementa o papel dos estabilizadores


automáticos na estabilização macroeconómica

 O papel da PO discricionária, pode ser particularmente relevante


em situações particulares de reação a choques, nomeadamente
num contexto em que instrumentos alternativos de PE estão
limitados/ausentes – a PO tem eficácia máxima
 Alternativa à PM em caso de “armadilha da liquidez”/zero lower
bound
 O caso particular de um pequeno país num regime de câmbios
fixos
 O caso particular de um pequeno país da UEM (PM “própria”
inexistente)

 Como se avalia o “estado” de uma política discricionária?


Política Macroeconómica, 2023/24 27
PO discricionária

 Saldo orçamental corrigido de flutuações cíclicas


(ciclicamente ajustado):
 A conjuntura influencia, “automaticamente”, o SO sem que
haja qualquer intervenção do setor público (e.g., numa
recessão os impostos recebidos tendem a diminuir e os
subsídios de desemprego pagos a aumentar) 
estabilizadores automáticos  efeitos do ciclo

 Saldo total ajustado do ciclo =


Saldo Total – Efeitos do ciclo

Política Macroeconómica, 2023/24 28


PO discricionária

 SO excluindo medidas temporárias e fatores especiais


(medidas one-off):
 medidas que afetam o SO mas que não podem ser utilizadas de
forma recorrente, são irrepetíveis, pontuais; tanto podem afetar
positiva como negativamente o SO
 lado da receita, e.g., venda de património, vendas de licenças de
redes móveis e TV digital, cessão de créditos tributários,…
 lado da despesa, e.g., execução de garantias concedidas pelo
Estado, reclassificação de componentes da despesa pública,
recapitalização da banca…

Política Macroeconómica, 2023/24 29


PO discricionária

 Principais medidas one-off:


 2014  reclassificação da dívida da Carris e STCP e efeito resolução do
BES / Novo Banco  lado da despesa (–3,6%)
 2015  efeito resolução do BANIF  lado da despesa (–1,4%)
 2016  Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado
(PERES)  regularização excecional de dívidas à Segurança Social com
perdão de juros  lado da receita (0,4%)
 2017  injeção de capital na CGD  lado da despesa (–2,0%)
 2018  injeção de capital do Fundo de Resolução no Novo Banco e
despesas associadas a indemnizações e operações de reconstrução na
sequências dos incêndios de 2017  lado da despesa (–0,5%)
 2019 e 2020  injeção de capital do Fundo de Resolução no Novo
Banco  lado da despesa (–0,5%)
 2021  devolução de comissões pagas antecipadamente ao FEEF no
âmbito dos empréstimos do Programa de Assistência  lado da receita
(0,5%)
Política Macroeconómica, 2023/24 30
Fonte: Conselho das Finanças Públicas, Evolução Orçamental
PO discricionária
das Administrações Públicas em 2022, maio 2023

31
PO discricionária

 Usando o conceito de saldo orçamental primário ajustado pelo ciclo


económico e excluído de medidas temporárias e fatores especiais 
saldo primário que se verificaria se a economia estivesse ao nível do
produto de equilíbrio/potencial (Y)  saldo primário estrutural

 Por definição, entre dois períodos consecutivos:


 Uma variação nula deste saldo significa a ausência de uma política
orçamental discricionária
 uma diminuição do saldo indica uma política orçamental
discricionária expansionista
 um aumento do saldo indica uma política orçamental discricionária
restritiva
 Alternativa… abordagem narrativa…
Política Macroeconómica, 2023/24 32
Fonte: Conselho das Finanças Públicas, Evolução Orçamental
PO discricionária
das Administrações Públicas em 2022, maio 2023

33
PO discricionária

14

15

Política Macroeconómica,
2023/24 34
Fonte: Conselho das Finanças Públicas, Evolução Orçamental
das Administrações Públicas em 2022, maio 2023

PO discricionária

35
PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 A política orçamental no modelo IS/LM…


i

 O multiplicador simples não ocorre na totalidade  efeito


crowding-out  alteração na composição do produto
Política Macroeconómica, 2023/24 36
PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Mas como é que o Governo financia estas despesas adicionais?

 Restrição orçamental do Governo: despesas têm que igualar o seu


financiamento…  a restrição orçamental do Governo…

G + iB = T + DB + DH
(variáveis definidas em termos nominais; H = base monetária)

 O que acontece no modelo IS/LM?

• Já sabemos que G  Y  tY…

• Mas este aumento dos impostos será suficiente para financiar o


aumento da despesa pública? Ou seja, será que DG = DT = t DY?

Política Macroeconómica, 2023/24 37


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Pelo efeito multiplicador:


( )
(ignorando o efeito crowding-out)

 Logo,
( )

 Mas: >t

 Então,
( )

 A variação dos impostos é insuficiente para equilibrar o SO

 A razão económica é óbvia: parte do aumento de G é poupada (fuga


para poupança), não contribuindo para o aumento da procura e do
produto (e dos impostos)  DG = DT apenas se s = 0 (c =1)…

Política Macroeconómica, 2023/24 38


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Perante um aumento dos gastos públicos, a simples presença


do estabilizador automático t não garante o equilíbrio do SO
 o SO deteriora-se

 Ou seja, no modelo IS/LM estamos implicitamente a assumir


outra forma de financiamento da despesa pública:
financiamento por emissão de dívida pública (obrigações do
tesouro)

 Mas, será que a forma de financiamento da despesa pública


altera os efeitos de curto prazo da política orçamental?

Política Macroeconómica, 2023/24 39


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

1. FINANCIAMENTO VIA IMPOSTOS E O MULTIPLICADOR


DO SALDO ORÇAMENTAL EQUILIBRADO

 Vamos assumir que o Governo financia o aumento dos gastos


totalmente com o aumento dos impostos  mantém o SO
equilibrado

 Por uma questão de simplificação vamos assumir que a taxa


de juro se mantém constante e que os impostos são
totalmente exógenos/autónomos (t = 0)

Política Macroeconómica, 2023/24 40


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Neste caso o multiplicador associados aos gastos será:

 E o multiplicador associado aos impostos será:

 Logo,
sendo

então,

Política Macroeconómica, 2023/24 41


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 O multiplicador do orçamento equilibrado é igual a 1  o


produto aumenta inicialmente no montante do aumento dos
gastos; o aumento dos impostos limita-se a redistribuir o
rendimento gerado a partir daí  se admitirmos que todos os
agentes têm a mesma propensão ao consumo (c), então o
consumo global não se altera  o impacto inicial dos gastos é
o único impacto que existe sobre o produto  Teorema de
Haavelmo (assumindo impostos totalmente autónomos)

 A grande conclusão que daqui se retira é que é possível ao


Governo manter o SO equilibrado e, mesmo assim, aumentar
o nível de atividade da economia
Política Macroeconómica, 2023/24 42
PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Note-se que na realidade o efeito do multiplicador do SO equilibrado


é inferior a 1  estamos a “esquecer” o impacto do aumento do
produto sobre o mercado monetário e consequentemente sobre a
taxa de juro, ou i
seja o efeito de
crowding-out…

Fonte: Carlin e Soskice (2006)

Política Macroeconómica, 2023/24 43


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

2. FINANCIAMENTO VIA DÍVIDA (OBRIGAÇÕES)


 Como vimos, no modelo IS/LM está implícito o financiamento, pelo
menos parcial, através da emissão de dívida pública  porém o
modelo ignora possíveis efeitos na procura agregada resultantes de
um stock crescente de dívida pública

 Estes efeitos dependem do facto dos agentes privados


incorporarem, ou não, os títulos do tesouro na sua definição de
riqueza  se isso acontecer existem dois efeitos adicionais da
política orçamental:
• B  Riqueza  Consumo  2ª deslocação da IS para a direita
• B  Riqueza  efeito de diversificação do portfólio  MD via
procura autónoma  deslocação da LM para a esquerda
Política Macroeconómica, 2023/24 44
PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Como vimos, no modelo IS/LM está implícito o financiamento, pelo


menos parcial, através da emissão de dívida pública  porém o
modelo ignora possíveis efeitos na procura agregada resultantes de
um stock crescente de dívida pública

 Estes efeitos dependem do facto dos agentes privados


incorporarem, ou não, os títulos do tesouro na sua definição de
riqueza  se isso acontecer existem dois efeitos adicionais da
política orçamental:
• B  Riqueza  Consumo  2ª deslocação da IS para a direita
• B  Riqueza  efeito de diversificação do portfólio  MD via
procura autónoma  deslocação da LM para a esquerda

Política Macroeconómica, 2023/24 45


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

Fonte: Carlin e Soskice (2006)


i

Política Macroeconómica, 2023/24 46


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

3. FINANCIAMENTO VIA EMISSÃO MONETÁRIA


 Emissão de moeda para pagar os acréscimos de despesa  H 
monetização da dívida pública (“senhoriagem”)  estritamente relacionado
com a inflação…
i

Fonte: Carlin e Soskice (2006)

Política Macroeconómica, 2023/24 47


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Mas nem todos os governos podem optar livremente pelo


financiamento dos défices via DB ou via DH:

• O controlo da base monetária é dos bancos centrais, cabendo


normalmente a estes a decisão de financiar os défices públicos por
criação de moeda – a decisão não pertence à esfera de competências da
autoridade de política orçamental
• Mais frequente nos países em desenvolvimento, onde os mercados
financeiros são inexistentes ou pouco eficientes  é frequente o
financiamento monetário dos défices, disparando a pressão na oferta de
moeda e, consequentemente, a inflação (hiperinflação!)
• Aos Estados-Membros da UEM é expressamente vedado o crédito direto
(no mercado primário) do BCE para financiamento dos défices públicos
(objetivo: inflação!)

Política Macroeconómica, 2023/24 48


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Note-se que este tipo de financiamento das despesas públicas é


inconsistente com a regra de política monetária adotada pelo BCE

 Perante o aumento da procura gerada pelo aumentos dos gastos


públicos, a pressão sobre o produto e a inflação gera uma resposta
da política monetária no sentido do aumento da taxa de juro 
diminui a liquidez da economia

 A emissão de base monetária para financiar esses gastos gera um


efeito exatamente oposto sobre a liquidez da economia…

Política Macroeconómica, 2023/24 49


PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

Mas, em tempos de crise a monetização pode ser parte da solução…

 Japão, 2003  num contexto de profunda crise económica, com o


risco de uma eminente espiral de deflação, o BoJ monetizou parte da
dívida pública  principal objetivo passava por criar expectativas de
inflação para diminuir o risco de deflação  intervenção indireta, via
mercado secundário da dívida…
 EUA, 2007…  no âmbito da estratégia de quantitative easing, a
Reserva Federal começou a comprar títulos do tesouro de longo prazo
 principal objetivo passava pelo aumento da liquidez da economia e
o estímulo da procura agregada…
Política Macroeconómica, 2023/24 50
PO discricionária…
… financiamento da despesa pública e os efeitos da PO

 Área do Euro, 2010…  BCE compra dívida pública no mercado


secundário no âmbito do Programa dos Mercados de Títulos da Dívida
(mai/2010 – set/2012) e das Transações Monetárias Definitivas
(set/2012); em set/2014, Mario Draghi anunciou dois programas de
compras de ativos, que foram alargado a ativos do setor público em
mar/2015 (APP - expanded asset purchase programme)  entrou em
fase de reinvestimento em julho de 2022 e começou a diminuição da
quantidade de ativos em março de 2023…  em 2020 foi reforçado
pelo PEPP - Pandemic Emergency Purchase Programme (em fase de
reinvestimento desde março de 2022 até ao final de 2024)…
Política Macroeconómica, 2023/24 51
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Definição de multiplicador orçamental: mede o impacto


sobre o produto, no curto prazo, de um choque exógeno nos gastos
públicos ou noutro qualquer instrumento de política orçamental

 Tipos de multiplicador
 Multiplicador de impacto:

ou

 Multiplicador num dado horizonte temporal i :

ou

 Multiplicador cumulativo entre t e t+n :

ou
Política Macroeconómica, 2023/24 52
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Métodos mais utilizados para calcular multiplicadores:


 Estimação empírica com métodos econométricos, com enfase
para os Vetores Autorregressivos (VAR) e os Vetores
Autorregressivos Estruturais (SVAR)
 Derivação com base em simulação de modelos teóricos,
nomeadamente modelos novo-Keynesianos de equilíbrio geral
(modelos DSGE)

 Principais problemas: grande diversidade de resultados na


literatura, alguns contraditórios; o problema da causalidade inversa
no cálculo de multiplicadores orçamentais
G ou T  Y  G ou T (estabilizadores automáticos)
Política Macroeconómica, 2023/24 53
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Determinantes da dimensão do multiplicador


orçamental:
i. Características estruturais das economias
a) Grau de abertura
b) Rigidez do mercado de trabalho
c) Dimensão dos estabilizadores automáticos
d) Regime cambial
e) Nível da dívida pública
f) Eficiência na gestão da despesa e receita pública
ii. Fatores temporários/ conjunturais
a) Fase do ciclo económico
b) Grau de acomodação por parte da política monetária
c) “Zero Lower Bound”
d) Composição do choque orçamental
Política Macroeconómica, 2023/24 54
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Determinantes “estruturais” da dimensão do


multiplicador orçamental (em valor absoluto):
i. a) Grau de abertura – quanto menor a propensão à importação,
portanto quanto menor o grau de abertura (normalmente
economias de grande dimensão), maior tende a ser o
multiplicador  fuga para importações é menor…
i. b) Rigidez do mercado de trabalho – quanto maior a rigidez no
mercado de trabalho, nomeadamente a rigidez salarial, maior
tende a ser o multiplicador  a rigidez salarial tende a
amplificar a resposta do produto a choques na procura…
i. c) Dimensão dos estabilizadores automáticos – quanto maior
a dimensão dos estabilizadores automáticos, menor tende a ser
o multiplicador…
Política Macroeconómica, 2023/24 55
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

i. d) Regime cambial – quanto mais flexível o regime cambial,


menor tende a ser o multiplicador  devido ao efeito
“amortecedor” da variação da taxa de câmbio  no limite, num
hipotético regime de câmbios flexíveis puro e no contexto de
perfeita mobilidade internacional de capitais, o multiplicador é
nulo tornando a política orçamental ineficaz (crowding-out/in
externo total)…
i. e) Nível da dívida pública – quanto maior a dívida pública,
menor tende a ser o multiplicador principalmente na sequência
de uma consolidação orçamental  efeito confiança na procura
privada e no prémio de risco implícito na taxa de juro…
i. f) Eficiência da gestão da despesa e receita pública –
quanto maior a eficiência da gestão da despesa e receita
pública, maior tende a ser o multiplicador...
Política Macroeconómica, 2023/24 56
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Determinantes “conjunturais” da dimensão do


multiplicador orçamental (em valor absoluto):
ii. a) Fase do ciclo económico – o multiplicador tende a ser maior
na fase recessiva do ciclo económico  conclusão associada,
por um lado, à maior rigidez do mercado de trabalho e a
maiores restrições ao crédito em períodos recessivos; por outro
lado, na fase expansionista do ciclo económico, na proximidade
do pleno emprego, a capacidade para aumentar o produto é
menor, podendo haver um maior impacto sobre os preços…
ii. b)Grau de acomodação por parte da política monetária –
quanto mais acomodatícia for a política monetária, maior tende
a ser o multiplicador  atenua o efeito crowding-out/in…

Política Macroeconómica, 2023/24 57


PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

ii. c) “Zero lower bound” – o multiplicador tende a ser maior numa


situação de zero lower bound  limita o efeito crowding
out/in…
ii. d)Composição do choque orçamental – multiplicador do lado
da despesa tende a ser superior ao do lado da receita 
famílias tendem a poupar uma parte significativa do rendimento
disponível após impostos; diferentes categorias de despesa
tendem a apresentar diferentes multiplicadores, sendo que os
maiores estão geralmente associados ao investimento público …

Política Macroeconómica, 2023/24 58


PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Persistência dos efeitos do multiplicador orçamental:


muitos estudos referem um efeito em U invertido, com o impacto do
choque orçamental, em tempos “normais”, a desaparecer em cerca
de 5 anos, sendo o maior impacto no 2º ano

 Determinantes da persistência dos efeitos do


multiplicador orçamental:
i. Persistência do choque orçamental
ii. Fase do ciclo económico
iii. Tipo de instrumento orçamental
iv. Comportamento da política monetária

Política Macroeconómica, 2023/24 59


PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

 Determinantes da persistência dos efeitos do


multiplicador orçamental :
i. Persistência do orçamental – quanto mais
choque
persistente o choque orçamental, mais persistentes tendem a ser
os efeitos do multiplicador  efeito sobre a procura,
nomeadamente sobre o consumo, tende a ser mais persistente
 relacionado com a Hipótese do Rendimento Permanente…
ii. Fase do ciclo económico – a persistência dos efeitos tende a
ser maior na fase recessiva do ciclo económico  relacionado
com um efeito de histerese, ou seja o facto dos efeitos
persistirem mesmo após o choque desaparecer  deve-se a uma
maior inércia na fase recessiva do ciclo, devido a uma maior
rigidez do mercado de trabalho e a maiores restrições ao
crédito…
Política Macroeconómica, 2023/24 60
PO discricionária…
… a eficácia da PO – o efeito multiplicador

iii. Tipo de instrumento orçamental – a persistência dos efeitos


tende a ser menor quando o instrumento utilizado são os
impostos indiretos, o consumo público ou as transferências e
tende a ser maior com os impostos sobre as empresas e o
investimento público  relacionado com o impacto, direto ou
indireto, sobre o investimento das empresas que afeta de forma
duradoura o stock de capital e a capacidade produtiva da
economia…
iv. Comportamento da política monetária – persistência dos
efeitos tende a ser maior quando a política monetária não
compensa o choque orçamental…

Política Macroeconómica, 2023/24 61


2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 A Equivalência Ricardiana e a
eficácia da política orçamental

Política Macroeconómica, 2023/24 62


Equivalência Ricardiana

Equivalência Ricardiana:
• David Ricardo (séc. XIX), Robert Barro (1974)
• Corolário: é indiferente o Governo financiar a despesa pública com
recurso a impostos ou a endividamento  dada a despesa
pública, o perfil temporal dos impostos não afeta as decisões de
consumo das famílias  mais endividamento hoje, apenas
significa mais impostos no futuro…
• Relacionada com a Hipótese do Rendimento Permanente (Milton
Friedman, 1957)

Política Macroeconómica, 2023/24 63


Equivalência Ricardiana

Hipótese do Rendimento Permanente:


• Famílias preferem um nível de consumo estável (no limite
constante), usando a capacidade de emprestar/endividar para
alisar as flutuações do rendimento  aplicando esta ideia ao ciclo
de vida do indivíduo…

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 21 64


Política Macroeconómica, 2023/24
Equivalência Ricardiana

Hipótese do Rendimento Permanente (HRP):


• Ao contrário do modelo Keynesiano, em que o consumo presente
depende, fundamentalmente, do rendimento disponível presente

• Na HRP o consumo resulta de um processo de alisamento, tendo


como base uma restrição orçamental do tipo

Política Macroeconómica, 2023/24 65


Equivalência Ricardiana

Implicações da HRP:
• Alterações antecipadas do rendimento disponível não têm
qualquer efeito sobre o consumo quando ocorrem  o efeito já
aconteceu no momento em que foram antecipadas
• Alterações não antecipadas do rendimento disponível afetam o
consumo, mas…
i. se forem temporárias, devido ao alisamento do consumo, geram
variações muito pequenas no consumo em cada período 
PmgC é muito baixa
ii. se forem permanentes, o consumo tende a aumentar no
montante da alteração no rendimento  PmgC = 1
Política Macroeconómica, 2023/24 66
Equivalência Ricardiana

Voltando à Equivalência Ricardiana (ER):


i. Despesa pública (G) integralmente financiada por impostos (T) 

ii. Despesa pública (G) integralmente financiada por dívida (B) 

• Antevendo o aumento dos impostos no futuro, famílias poupam


B em cada período para pagarem esses impostos

Política Macroeconómica, 2023/24 67


Equivalência Ricardiana

Voltando à Equivalência Ricardiana (ER):


• Logo,

 A forma como o Governo financia as suas despesas não afeta o


rendimento disponível das famílias, portanto não afeta o seu
consumo

Política Macroeconómica, 2023/24 68


Equivalência Ricardiana

A ER e a eficácia da PO:
• Definindo PO como alterações temporárias (contra-cíclicas) de
impostos e despesas públicas…

1. Efeito de um corte temporário nos impostos (dada a


despesa pública):
• Dada a despesa pública, um “perdão” de impostos hoje
significa, por forma ao Governo cumprir a sua restrição
orçamental, mais impostos no futuro  logo, as famílias vão
poupar exatamente no montante do “perdão” de impostos 
consumo não se altera
• PO completamente ineficaz
Política Macroeconómica, 2023/24 69
Equivalência Ricardiana

2. Efeito de um aumento temporário na despesa pública


(financiado por dívida, ou seja DG = DB):
• Famílias vão poupar exatamente no montante da dívida
emitida  tal significa que o rendimento disponível das
famílias se reduz: B   (Y – B)  consumo reduz-se, mas
num montante inferior a DG, devido ao efeito do alisamento do
consumo (HRP)
• Procura agregada aumenta, dado G > C
• PO eficaz, mas o multiplicador da despesa pública é inferior a 1

 Logo, um G integralmente financiado por um T tem


exatamente o mesmo efeito que um G integralmente
financiado por B  multiplicador positivo mas < 1
Política Macroeconómica, 2023/24 70
Equivalência Ricardiana

Pressupostos da ER:
• Ausência de restrições ao crédito, ou seja as famílias podem
emprestar e endividar-se sem qualquer restrição
• A taxa de juro das famílias é igual à do setor público
• O horizonte temporal das famílias é igual ao do setor público,
desde logo porque as famílias têm filhos e herdeiros e incorporam
a utilidade deles como se fosse sua  horizonte de vida infinito

E se não se verificarem estes pressupostos?

Política Macroeconómica, 2023/24 71


Equivalência Ricardiana

Falhas da ER:
• Se existirem restrições ao crédito, as famílias não se podem
endividar (total ou parcialmente), logo não podem reagir a
alterações no rendimento alisando o consumo
Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 25

• Este tipo de famílias prefere o “perdão” de impostos no presente,


pois o aumento do rendimento disponível permite aumentar o
consumo, aumentando a sua utilidade
Política Macroeconómica, 2023/24 72
Equivalência Ricardiana

Falhas da ER:
• Normalmente r > rG  ou seja, as famílias recebem r quando
poupam, pagando ao Governo rG pelos juros da dívida pública (via
agravamento de impostos no futuro)  mais uma vez as famílias
preferem o endividamento público
• Se o horizonte temporal das famílias for inferior ao do setor
público, elas preferem o benefício presente do “perdão” de
impostos, dado que o custo futuro dos impostos adicionais é
incerto

 Em todas estas situações, existe uma preferência pelo


financiamento por endividamento  não se verifica a ER
Política Macroeconómica, 2023/24 73
Equivalência Ricardiana

ER, evidência empírica:


• A maioria dos estudos conclui que a ER não é uma boa
representação do comportamento macroeconómico, embora tenda
a ser mais apropriada em países onde os mercados financeiros
estão mais desenvolvidos
• Porém, a evolução recente tem mostrado que:
i. houve nas última décadas uma grande evolução e integração
dos mercados financeiros
ii. os últimos anos mostraram que as diferenças entre r e rG podem
não ser significativas

 Estará a economia mundial a tornar-se mais Ricardiana?

Política Macroeconómica, 2023/24 74


2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 Enviesamento expansionista da PO

Política Macroeconómica, 2023/24 75


PO discricionária…
… problemas associados

 Problemas no uso de PO discricionárias:

• Equivalência Ricardiana: no limite a PO não tem qualquer efeito sobre o


produto…  a incerteza sobre o verdadeiro impacto da PO…
• Podem ser desestabilizadoras devido aos timings rígidos a que estão
sujeitas nos processos de decisão e implementação  diagnóstico,
decisão, aprovação, implementação  no limite uma política
contracionista pode só gerar efeitos quando a economia já está em
recessão…
• Enviesamento expansionista/deficitário da PO  normalmente, no
final de um ciclo económico, o SO devia estar equilibrado  na prática
não é isto que acontece  défices orçamentais crónicos e dívidas
públicas crescentes  comportamento assimétrico ao longo do ciclo,
principalmente da despesa pública… (cfr. gráfico do slide seguinte)

Política Macroeconómica, 2023/24 76


Enviesamento expansionista da PO

Política Macroeconómica,
2023/24 2. Política Orçamental 77
Enviesamento expansionista da PO

 Principais razões para o enviesamento expansionista:


• Motivos político-partidários: influência de grupos de interesse da
sociedade, que pretendem evitar os custos associados a uma redução
da despesa pública, e motivos meramente eleitoralistas (quer para
ganhar eleições, quer para condicionar futuros governos)  ciclos
políticos…
• Miopia dos agentes económicos: benefícios presentes ponderados
com um peso bastante superior relativamente aos custos futuros, que
são indiretos e menos óbvios  problema de informação
incompleta…
• Problema de commom pool: beneficiários da despesa pública ignoram
a externalidade que estão a impor sobre os restantes contribuintes;
benefício individual vs. custo coletivo…
Política Macroeconómica, 2023/24 78
Enviesamento expansionista da PO

 Problemas associados ao enviesamento expansionista:

i. Taxas de juro e crowding out interno


• Aumento da procura de bens e serviços  aumento da procura de
moeda  pressão sobre a taxa de juro
• Existência de um agente adicional a captar poupanças (e em valores
elevados)  concorrência por fundos  pressão sobre a taxa juro
• Prémio de risco na taxa de juro devido ao agravamento do rating do
Estado em causa  pressão sobre as taxas de juro da dívida pública
que servem, frequentemente, de referência para os contratos privados
• Subida generalizada das taxas de juro  contração da procura privada
(C e I)  crowding out interno
• Contração da iniciativa privada, via investimento  constrangimento do
crescimento do PIB a longo prazo
Política Macroeconómica, 2023/24 79
Enviesamento expansionista da PO

Política Macroeconómica,
2023/24 2. Política Orçamental 80
Enviesamento expansionista da PO
(Banco de Portugal, Boletim Económico, Abril 2014)

Política Macroeconómica,
2023/24 2. Política Orçamental 81
Diferenciais de rendabilidade da dívida pública a 10 anos face à Alemanha (em pontos
base) - fonte: BCE

Enviesamento expansionista da PO
(Banco de Portugal, Boletim Económico, Abril 2014)
1200

1100

1000

900

800

700

600

500

400

300

200

100

0
jul/14

jul/15

jul/16

jul/17

jul/18

jul/19

jul/20

jul/21

jul/22

jul/23
out/14

out/15

out/16

out/17

out/18

out/19

out/20

out/21

out/22
jan/15

jan/16

jan/17

jan/18

jan/19

jan/20

jan/21

jan/22

jan/23
abr/14

abr/15

abr/16

abr/17

abr/18

abr/19

abr/20

abr/21

abr/22

abr/23
Política Macroeconómica,
2023/24 Grécia 2. PolíticaItália
Portugal Orçamental
Espanha Irlanda 82
Enviesamento expansionista da PO

ii. Taxa de câmbio e crowding out externo

• Pressões para a apreciação na sequência de PO expansionistas


(induzidas pela subida das taxas de juro domésticas  entrada de
capitais)  perda de competitividade  crowding-out externo
• Mesmo que não haja lugar a apreciação cambial (câmbios fixos),
existem impactos sobre a procura externa  aumento do consumo
público e, potencialmente, do consumo privado não é integralmente
alimentado por bens produzidos internamente  fuga para importações
• Pressão sobre os preços internos que, num regime de estabilidade
cambial, provoca perdas de competitividade
• Os “défices gémeos”…
• Pode comprometer também, a prazo, o crescimento económico uma
vez que produtividade dos setores exportadores tende a ser superior à
dos bens não transacionáveis
Política Macroeconómica, 2023/24 83
Enviesamento expansionista da PO

iii. Transferência de riqueza para o exterior

• Défice orçamental  défice externo  transferência de riqueza para o


exterior
• Aumento da dívida pública  aumento do serviço da dívida 
transferência de riqueza para o exterior
• A transferência de riqueza determina a consequente repatriação de
rendimentos associados (juros, dividendos e rendas)

iv. Efeitos sobre a produtividade e os salários reais

• Défices orçamentais sucessivos debilitam a acumulação de capital físico


 menor produtividade marginal do trabalho  menores salários reais
relativamente aos que se observariam sob equilíbrio orçamental

Política Macroeconómica, 2023/24 84


Enviesamento expansionista da PO

v. Redistribuição intertemporal de rendimentos

• As gerações futuras são prejudicadas relativamente à geração atual


porque vão pagar impostos superiores à despesa pública de que são
beneficiários…
• Se o financiamento for feito por recurso a agravamento de impostos,
este tem efeitos de distorção  desincentivo ao trabalho, investimento
e à poupança das gerações vindouras  mais limitações ao
crescimento económico…
• Concorrência fiscal futura  deslocalização de empresas  menos
investimento, menos produto…
• Isto ainda se pode agravar devido a desenvolvimentos estruturais:
envelhecimento da população tende a criar uma pressão acrescida
sobre as contas públicas, particularmente sobre a Segurança Social

Política Macroeconómica, 2023/24 85


Enviesamento expansionista da PO

FONTE: US Census Bureau (www.censos.gov)


86
Enviesamento expansionista da PO

vi. Hipótese de incumprimento e instabilidade do sistema financeiro

• Elevados défices e dívida pública em “bola de neve”  incapacidade de


solvência por recurso a agravamento fiscal ou redução de despesas
(política e economicamente incomportável)  probabilidade de
declaração de incumprimento  especulação e instabilidade nos
mercados financeiros
• Juros elevados propagam-se ao sistema financeiro; fuga de
“investidores” do país; dificuldade na obtenção de liquidez  menos
crédito e mais caro
• Diminui o valor dos ativos que os bancos têm em carteira e aumenta o
crédito mal parado
• Potencial corrida a depósitos  risco de falência do sistema financeiro

Política Macroeconómica, 2023/24 87


Enviesamento expansionista da PO

vii. Inflação

• PO expansionista  pressão para inflação pela procura


• Efeito “bola de neve”  incapacidade de solvência por recurso a
agravamento fiscal ou redução de despesas  potencial financiamento
da dívida via emissão monetária (“senhoriagem”)  inflação
• Provocar inflação é uma forma do Governo reduzir o valor real da
dívida  transferência de riqueza dos credores para os devedores 
imposto inflacionário (assumindo emissões de dívida a taxas de juro
nominais fixas)

Política Macroeconómica, 2023/24 88


Enviesamento expansionista da PO

Enviesamento expansionista varia entre os países:


• Diferentes preferências por bens públicos: eleitores de
países com boa qualidade dos bens públicos tendem a penalizar
eleitoralmente os governos que gastam exageradamente no
presente, pondo em causa a qualidade desses bens no futuro
• Procedimentos políticos e orçamentais: procedimentos que
dificultam/ colocam barreiras ao enviesamento expansionista, tais
como (i) processos legislativos que favorecem maiorias
unipartidárias (facilita as decisões de PO e diminui a probabilidade
de pressões externas), (ii) legislaturas (iii)
mais longas,
procedimentos orçamentais do tipo top-down (em vez de bottom-
up), (iv) orçamentos de base zero e plurianuais…
Política Macroeconómica, 2023/24 89
Enviesamento expansionista da PO

E no caso de uma união monetária?


 Há incentivos adicionais para o enviesamento expansionista…
• Desaparecimento do risco cambial  diminui o prémio de risco
suportado pela emissão de dívida pública (pequenas economias)
• Ausência/diminuição de efeitos crowding-out, interno e externo  taxa
de juro e taxa de câmbio não são afetadas por défices excessivos de
pequenas economias  PO mais eficaz numa união monetária
• Ausência de coordenação de PO tende a gerar políticas mais
expansionistas na globalidade dos países da união: se alguns países o
fizerem  aumento da taxa de juro e apreciação da moeda  outros
países têm incentivo para PO mais expansionista para evitar os efeitos
perversos do crowding-out…
• A falta de coordenação pode penalizar o país “bem comportado” 
incentivo para ser “mal comportado”…
Política Macroeconómica, 2023/24 90
Enviesamento expansionista da PO

E no caso de uma união monetária?

 Há problemas adicionais deste enviesamento…


• Conflitos institucionais entre o BC e os governos nacionais  PO
expansionista tende a “gerar” PM contracionista…  contradição de
objetivos
• Contas públicas podem ser fator de desintegração da própria união 
um país pode ser “obrigado” a sair para evitar o incumprimento (via
monetização da dívida e depreciação cambial)  efeito de contágio e
ataques especulativos  desintegração da união

 Necessidade de controlar este enviesamento: Consolidação


 Necessidade de evitar futuros enviesamentos: Regras
Política Macroeconómica, 2023/24 91
2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 Dinâmica da dívida pública e


consolidação orçamental

Política Macroeconómica, 2023/24 92


Dinâmica da dívida pública

Decomposição da dívida pública:


Bt = Bt-1 – SOt ± Ajt
Aj  ajustamentos na dívida que não passam pelo orçamento (e.g.,
receitas de privatizações…)

Dinâmica da dívida pública:


Bt – Bt-1 = DBt = (G – T)t + it Bt-1 ± Ajt
 Mesmo com equilíbrio do SO primário (e sem considerar eventuais
ajustamentos), a dívida tende a crescer, à taxa it, devido aos
encargos financeiros associados à dívida acumulada  dívida pública
é um processo endógeno que se pode tornar “explosivo”
Política Macroeconómica, 2023/24 93
Dinâmica da dívida pública

Estabilização da dívida (assumindo Aj = 0):

 Para que DB = 0 (estabilização absoluta da dívida) é necessário:

(T – G) = i B
 Para a estabilização do valor da dívida pública é necessário existir um
superavit primário no montante do serviço da dívida

 Quanto mais tarde se estabelecer como meta a estabilização do valor


da dívida, maior o valor a estabilizar e, consequentemente, maior o
valor que o SO primário deve observar

Política Macroeconómica, 2023/24 94


Dinâmica da dívida pública

 Mas, na prática, a variável de dívida relevante é o rácio da dívida


relativamente ao PIB  a capacidade que o país tem para pagar a
sua dívida está diretamente relacionada com o que produz:
b = B/(Py)

 Quais as condições necessárias para uma estabilização do rácio da


dívida no PIB? Ou seja, para a estabilização relativa da dívida?

 Admitindo Aj = 0:
DB G  T iB DB
DB  G  T  iB      d  ib
Py Py Py Py
sendo d = (G – T)/Py, o défice orçamental primário em % do PIB
Política Macroeconómica, 2023/24 95
Dinâmica da dívida pública

 Sendo B = Pyb e diferenciando esta expressão,


D B  Py D b  yb D P  Pb D y
dividindo por Py,
DB Py D b yb D P Pb D y
   
Py Py Py Py
 d  ib  D b  b   b  y 
 D b  d  ib  b   b  y

usando o efeito de Fisher : i  r   ,


D b  d  (r   )b  b  b  y 
 D b  d  (r   y )b
Política Macroeconómica, 2023/24 96
Dinâmica da dívida pública

Db  0  d  (r   y )b  d  (r   y )b
(sendo –d o rácio do saldo orçamental primário no PIB)
 Podemos concluir que:
 A evolução do rácio da dívida é determinada pela evolução do SO
primário e pela relação entre a taxa de juro real da dívida e a taxa
de crescimento do PIB
 Se y > r : SO primário nulo é suficiente para diminuir o rácio da
dívida; o rácio da dívida pode inclusivamente diminuir mesmo na
presença de défices orçamentais primários
 Se r > y : o processo pode ser explosivo (efeito “bola de neve”);
são necessários saldos primários positivos para reverter a situação

Política Macroeconómica, 2023/24 97


Dinâmica da dívida pública

Vamos analisar com mais pormenor estas duas situações:

1. r > y
 a estabilização da dívida exige um superavit primário no montante
(r – y) b  d < 0
 Neste caso, o serviço da dívida está a crescer mais depressa que o
PIB, o que, por si só, tende a aumentar o rácio da dívida no PIB
 Se a isso se acrescentar um défice primário (d>0; diagrama de
fase (a)) o crescimento do rácio da dívida torna-se explosivo…
 A única forma de suster este aumento é o saldo orçamental
primário compensar aquela diferença; mesmo assim o equilíbrio
não é estável (diagrama de fase (b)) e facilmente pode tornar-se
explosivo…
Política Macroeconómica, 2023/24 98
Dinâmica da dívida pública

 Graficamente com d > 0…

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 520

Política Macroeconómica, 2023/24 99


Dinâmica da dívida pública

 Graficamente com d < 0…

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 520

Política Macroeconómica, 2023/24 100


Dinâmica da dívida pública

2. r < y

 a estabilização da dívida é possível mesmo com um défice


orçamental primário
 Neste caso, o produto está a crescer mais depressa que o serviço
da dívida, o que, por si só, tende a diminuir o rácio da dívida no
PIB
 Esta situação é consistente com a manutenção de um défice
orçamental primário
 O crescimento do rácio da dívida já não é explosivo, convergindo
para a estabilização…

Política Macroeconómica, 2023/24 101


Dinâmica da dívida pública

 Graficamente com d > 0…

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 521

Política Macroeconómica, 2023/24 102


Dinâmica da dívida pública

 Graficamente com d < 0…

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 521

Política Macroeconómica, 2023/24 103


Dinâmica da dívida pública

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 522

Política Macroeconómica, 2023/24 104


Dinâmica da dívida pública

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 522

Política Macroeconómica, 2023/24 105


Dinâmica da dívida pública

 A equação da dinâmica da dívida pública pode ser interpretada numa


lógica de sustentabilidade de longo prazo da dívida pública 
assumindo b > 0 e tendo como objetivo que Db ≤ 0:

 Ou seja, no longo prazo, para garantir a sustentabilidade da dívida


pública, assumindo uma taxa de juro real de longo prazo superior à
taxa de crescimento esperada do PIB, tem que existir um SO
primário que cumpra a regra enunciada  pode ser um método para
avaliar a sustentabilidade de um plano de PO
Política Macroeconómica, 2023/24 106
Dinâmica da dívida pública

Duas questões adicionais sobre a dinâmica da dívida pública:

i. O prémio de risco (r): até à crise económica e financeira de 2008-


2009, a discussão sobre a dinâmica da dívida pública, pelo menos
ao nível das economias desenvolvidas, assumia que o risco soberano
era nulo  a crise alterou esta perspetiva, como tão bem se viu em
alguns países da Área do Euro…

logo,

 Quanto maior o prémio de risco (r), mais preocupante será a


dinâmica da dívida pública…
Política Macroeconómica, 2023/24 107
Dinâmica da dívida pública

ii. A inflação (): a inflação reduz o valor real da dívida pública e,


portanto, contribui para a estabilização do rácio da dívida…

logo,

 Um período de deflação piora a dinâmica da dívida pública…

 Os governos podem ser tentados a gerar inflação…

Política Macroeconómica, 2023/24 108


Dinâmica da dívida pública

Dinâmica da dívida pública no contexto da Grande Recessão:

Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 527


Política Macroeconómica, 2023/24 109
Dinâmica da dívida pública

 Crise económica e financeira de 2008-2009  intervenção com PO


discricionárias contra-cíclicas, bem como o funcionamento dos
estabilizadores automáticos  d > 0
 Problemas no sistema financeiro  Governos injetam capital no
setor financeiro (e.g., Irlanda)  d > 0
 Recessão generalizada  y  y < 0
 Risco soberano aumenta com receios de possíveis incumprimentos
(e.g., Grécia, Portugal)  r
 Diminuição da taxa de inflação, com risco de deflação  r

Política Macroeconómica, 2023/24 110


Dinâmica da dívida pública

 Com y < r, os custos para a economia podem ser acentuados:


i. Evitar um trajeto explosivo implica significativos superavits primários  ou
seja, profundos cortes na despesa pública ou aumentos politicamente
impopulares nos impostos e economicamente contracionistas  desemprego
ii. Perante expectativas de um possível incumprimento da dívida, o prémio de
risco aumenta, gerando um aumento da taxa de juro  acentua, ainda mais, a
dinâmica explosiva da dívida (insustentabilidade) e reduz o investimento
iii. O crédito ao governo pode ser “cortado” (crise de liquidez ou de solvência)
pressionando-o a recorrer à monetização da dívida, a entrar em incumprimento
ou a recorrer a ajuda externa (consolidação “forçada”)
E.U.A Alemanha

60s e 70s 80s 90s 60s e 70s 80s 90s


y
3,7% 3,2% 3,1% 3,5% 1,4% 1,8%
r
0,9% 5,4% 4,5% 2,7% 4,5% 4,2%

Política Macroeconómica, 2023/24 Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 525 111


Taxa de juro implícita da dívida pública e crescimento do PIB

13,0%
Dinâmica da dívida pública
11,0%

9,0%

7,0%

5,0%

3,0%

1,0%

-1,0% 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022

-3,0%

-5,0%

-7,0%

-9,0%

-11,0%

Diferencial Taxa de juro implícita da dívida pública (IGCP) Taxa de variação nominal do PIB (Eurostat)

Fonte: IGCP e Eurostat


Política Macroeconómica, 2023/24 Fonte: Carlin e Soskice (2015), p. 525 112
Consolidação orçamental

Consolidação orçamental: “terapia de choque” ou


gradualismo?
 Consolidação orçamental: política orçamental que promove a
sustentabilidade do rácio da dívida pública no PIB

 Objetivo: perante uma situação explosiva, diminuir o rácio da dívida


pública (A para D, com D < A) para um valor consistente com um
superavit primário inferior no longo prazo (S0 para S2, com S2 < S0)
 política orçamental mais restritiva no curto prazo (S1 ou S’ > S0)

 Existem duas estratégias possíveis:


 “terapia de choque”: A (S0)  B (S1 > S0)  C (S1)  D (S2 < S0)

 processo mais gradual: A (S0)  S’ < S1  S’’ < S’  (…)  D (S2)

Política Macroeconómica, 2023/24 113


Consolidação orçamental

Geralmente, se for política e


socialmente aceitável, a
estratégia de “terapia de
Fonte: Carlin e Soskice (2006)
choque” é mais credível…
Política Macroeconómica, 2023/24 114
Consolidação orçamental

 Consolidação: gerar saldo orçamental primário tanto maior quanto…


• mais se adiar a estabilização da dívida
• maior a diferença entre r e y
• menor o financiamento monetário
• menores os ajustamentos stock/fluxo que abatem a dívida

 Como consolidar? Atuação pela via das receitas ou das despesas?


• Consolidação via redução de despesas correntes tem maior
probabilidade de ser mais bem sucedida do que via aumentos de
impostos ou redução de despesas de investimento
• Em média, os países da UEM que têm, neste momento, maiores
dificuldades orçamentais, são os que realizaram consolidação mais pela via
das receitas do que pela contenção de despesas correntes
Política Macroeconómica, 2023/24 115
(Banco de Portugal, Boletim Económico – maio 2015)

Dinâmica da dívida pública e


(Banco de Portugal, Boletim Económico – Abril 2014)

consolidação orçamental

Política Macroeconómica,
2023/24 2. Política Orçamental 116
Consolidação orçamental
 Que despesas?
• Diminuição do ritmo de crescimento das despesas correntes e não das de
investimento (estas últimas têm efeitos duradouros, potenciam maiores
ritmos de crescimento do produto potencial e, normalmente, os projetos de
investimento público são co-financiados pela UE – fundos estruturais)
• Efeito multiplicador… Cortes no investimento tendem a ser mais recessivos…
• Redução de despesas correntes pode conduzir a maior eficiência na gestão
dos recursos pelo setor público e, ao serem transferidas para o setor privado
também se podem tornar mais eficientes porque passam a ser geridas por um
setor, tradicionalmente, mais eficiente

 MAS…
• A redução de despesas correntes tem, no entanto, custos políticos
maiores que o corte em despesas de investimento porque têm maior
visibilidade pública (e.g., despedimento de funcionários, cortes salariais,
diminuição de transferências, redução de direitos adquiridos...)
Política Macroeconómica, 2023/24 117
(Banco de Portugal, Boletim Económico – Abril 2014)

Dinâmica da dívida pública e


consolidação orçamental

Política Macroeconómica,
2023/24 2. Política
(Banco Orçamental
de Portugal, Boletim Económico – maio 2015) 118
Consolidação orçamental

 A consolidação orçamental  política orçamental contracionista, com impactos de


curto prazo negativos sobre o produto e o emprego  efeitos Keynesianos
MAS…
 Efeitos não-Keynesianos  “consolidações orçamentais expansionistas”:
 Dinamarca, anos 80
 Irlanda: consolidação por aumento de receita no início dos anos 80
(1983)  efeitos Keynesianos; consolidação por redução da despesa no final
dos anos 80 (1986-87)  efeitos não-Keynesianos
 Na Nova Zelândia, em meados da década de 90, uma contração
orçamental provocou expansão
 Em Portugal, a consolidação orçamental pelo lado das receitas no início
dos anos 80 teve os esperados efeitos Keynesianos, mas quando realizada pelo
lado das despesas (1986) parece ter sido expansionista…
 (…)

Política Macroeconómica, 2023/24 119


Consolidação orçamental

 Como se explicam estes efeitos não-Keynesianos?


• redução da incerteza sobre o futuro, nomeadamente ao nível de uma
redução permanente da carga fiscal  aumento esperado do
rendimento disponível das famílias e dos lucros após impostos 
efeito positivo sobre a riqueza  aumento do consumo e do
investimento
• redução das taxas de juro relacionada com a diminuição do prémio
de risco da dívida pública  transmissão ao setor privado 
incentivo para aumento do consumo e, principalmente, do
investimento
• efeito substituição entre despesa pública e privada (a eficiência de
gestão…)

Política Macroeconómica, 2023/24 120


Consolidação orçamental

• efeitos do lado da oferta que potenciam o investimento  efeitos ao


nível do aumento da eficiência e da concorrência nos mercados 
libertação de atividades produtivas para o setor privado, mais
produtivo e concorrencial; contágio da contenção salarial do setor
público ao setor privado, bem como pressão em baixa sobre os
salários gerada por possíveis despedimentos no setor público
(redução do poder negocial dos trabalhadores)  incentivos ao
investimento
• moderação salarial significa menores custos de produção 
aumenta a competitividade externa  impacto positivo nas
exportações

Política Macroeconómica, 2023/24 121


Consolidação orçamental

Potencialidade de efeitos não-Keynesianos da PO é maior quando


 a consolidação é realizada via ajustamento nas despesas e é apercebido
como de caráter duradouro: cortes em despesas correntes são mais
credíveis que os cortes em despesas de investimento ou de manutenção
 a “qualidade do ajustamento”
 a situação das contas públicas é mais grave  prémio de risco superior
 a consolidação é conduzida simultaneamente com um conjunto de
reformas estruturais, quer no mercado de bens e serviços, quer no
mercado de trabalho, potenciadoras do aumento da competitividade
 a consolidação é acompanhada por uma atuação da autoridade monetária,
que acomode a descida da taxa de juro e a depreciação cambial
 a consolidação não está integrada numa consolidação orçamental
global/generalizada  se for este o caso, diminui o potencial do canal das
exportações
Política Macroeconómica, 2023/24 122
Consolidação orçamental

Consolidações expansionistas na Área do Euro?


 Possível incompatibilidade entre objetivos do BCE e acomodação
dos efeitos sobre a taxa de juro e a taxa de câmbio
 Consolidação orçamental global  dificulta o funcionamento do
canal das exportações
 A questão dos multiplicadores: maiores em câmbios fixos; maiores
em fases de recessão; maiores numa situação de armadilha de
liquidez…

Política Macroeconómica, 2023/24 123


2. POLÍTICA ORÇAMENTAL

 Regras na condução da política


orçamental

Política Macroeconómica, 2023/24 124


Regras na condução da PO

Regras de PO:
 de acordo com a definição mais corrente, estas regras estabelecem
objetivos quantitativos para alguns agregados orçamentais, de forma
a equilibrar custos “futuros” e benefícios “presentes”, procurando
garantir a disciplina orçamental
 objetivo passa por garantir a sustentabilidade de longo prazo
das contas públicas, através da eliminação do enviesamento
deficitário
 outros objetivos poderão passar pelo controlo de um crescimento
considerado exagerado de determinadas componentes da despesa
e/ou por evitar uma carga fiscal considerada excessiva que, no limite,
até pode reduzir a receita gerada (cfr. Curva de Laffer)
 também estabelecem uma referência relativamente à qual o
desempenho do Governo pode ser avaliado…
Política Macroeconómica, 2023/24 125
Regras na condução da PO

Quatro tipos fundamentais de regras de PO:


i. Regras de despesa: definem limites para a despesa total, primária
ou corrente, normalmente em termos absolutos, em taxas de
crescimento ou em percentagem do PIB, para um determinado
horizonte temporal
ii. Regras de receita: definem tetos ou valores mínimos para a
receita, para um determinado horizonte temporal
iii.Regras de equilíbrio orçamental: aplicam uma restrição sobre o
valor do saldo orçamental; por forma a permitirem a atuação dos
estabilizadores automáticos, são muitas vezes definidas em termos
de equilíbrio médio, estrutural ou ciclicamente ajustado, e over-the-
cycle
iv.Regras de dívida: definem um limite explícito para a dívida pública
em percentagem do PIB; objetivos estabelecidos são de médio-prazo
Política Macroeconómica, 2023/24 126
Regras na condução da PO

As regras “ótimas” e o PEC:


i. Regra prudente de PO
ii. Regra dourada (golden rule) das finanças públicas

• Regra “ótima” do PO: regra que assegura que o rácio da dívida


não aumenta ao longo do tempo, ou seja Db ≤ 0, satisfazendo, no
longo prazo, a restrição de sustentabilidade do rácio da dívida

Política Macroeconómica, 2023/24 127


Regras na condução da PO

i. Regra prudente de PO
 Uma regra prudente implica a existência de um rácio permanente
(constante) de impostos no PIB que garanta o financiamento de todas
as despesas permanentes, incluindo o serviço da dívida, isto é que
satisfaça, no longo prazo, a restrição de sustentabilidade do rácio da
dívida pública

 Primeira conclusão da aplicação desta regra: perante um aumento


temporário do programa de gastos públicos, por exemplo devido ao
aumento das transferências sociais numa recessão, ou da taxa de
juro, a regra permite o financiamento via emissão de dívida

Política Macroeconómica, 2023/24 128


Regras na condução da PO

 Segunda conclusão da aplicação desta regra: um aumento permanente das


despesas do governo (e.g., despesas relacionadas com o envelhecimento da
população) ou uma alteração que se espere permanente na taxa de juro da
dívida pública exige um financiamento permanente via impostos ou via a
redução permanente de outras despesas públicas (e.g., aumento da idade da
reforma ou diminuição da comparticipação pública nas pensões de reforma)
 Ou seja, a regra permite políticas contra-cíclicas (estabilização): numa
recessão a regra permite que o funcionamento dos estabilizadores
automáticos e eventuais políticas discricionárias sejam financiados por
emissão de dívida pública  numa expansão este aumento da dívida deve
ser devidamente compensado
 Também programas duradouros mas temporários de investimento público
podem ser financiados por emissão de dívida  programas que visam
debelar eventuais problemas estruturais (ênfase na produtividade dos
investimentos), mas que têm um final devidamente definido
Política Macroeconómica, 2023/24 129
Regras na condução da PO

ii. A regra dourada (golden rule) das finanças públicas (foi


aplicada, por exemplo, no Reino Unido entre 1997 e 2008)

 O rácio do défice primário estrutural não deve ser superior ao peso


do investimento público no PIB
 O défice primário estrutural tende a corresponder à política
orçamental discricionária e, portanto, esta regra não coloca
restrições ao funcionamento dos estabilizadores automáticos
 Um aumento do peso do investimento público no PIB pode gerar um
aumento do rácio do défice  ou seja, são permitidas políticas
orçamentais discricionárias que agravem o défice, desde que via
aumento das despesas em investimento  claro que uma adequada
avaliação dos benefícios do investimento é fundamental…
Política Macroeconómica, 2023/24 130
Regras na condução da PO

O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC)


 Regras fundamentais:
i. Rácio do défice relativamente ao PIB  3%
ii. Rácio da dívida relativamente ao PIB  60%
iii. SO estrutural (ajustado pelo ciclo) próximo do equilíbrio ou até
excedentário

Problemas:
 (i) coloca um limite rígido ao rácio do défice  limita a utilização da
política orçamental para fins de estabilização (incluindo a acção dos
estabilizadores automáticos)  numa recessão é provável que o
rácio “ótimo” deva ser superior a 3%
 (ii) limita drasticamente a condução discricionária da política
orçamental, nomeadamente a utilizada para fins estruturais, como
projetos de investimento de longo prazo
Política Macroeconómica, 2023/24 131
Regras na condução da PO

Problemas geralmente associados às regras de PO:

 Podem criar tensões entre o objetivo de disciplina orçamental e o de


promoção da política apropriada de resposta à fase do ciclo
económico observado, ou seja, uma política de estabilização 
podem limitar a ação dos estabilizadores automáticos e, no limite,
exigir a aplicação de políticas discricionárias restritivas em fases
contracionistas do ciclo
 Podem limitar o estimulo à economia através do investimento
público
 Podem incutir nos governos a prática de contabilidade criativa e
operações extraorçamentais para que os limites das regras sejam
cumpridos, comprometendo a transparência orçamental
Política Macroeconómica, 2023/24 132
Regras na condução da PO

Critérios para uma boa regra de PO:


 Definição clara e base legal
 Transparência nas contas públicas
 Simplicidade
 Flexibilidade, principalmente perante choques exógenos
 Supervisão e penalização  existência, e respetiva aplicação,
de sanções aos Governos incumpridores

Política Macroeconómica, 2023/24 133


Regras na condução da PO

 Indicador de regras de PO: Fiscal Rule Index (FRI) elaborado pela


Comissão Europeia; quanto maior o valor do FRI, maior a “força”
da(s) regra(s)

 Calculado através da ponderação de 5 critérios:


i. base estatutária/legal da regra
ii. espaço para a criação/modificação dos objetivos pré-
estabelecidos
iii. mecanismos que monitorizam o cumprimento e aplicação da
regra (e.g., existência ou não de um Conselho de PO)
iv. mecanismos de correção em caso de desvio face à regra
v. resiliência face a choques fora do controlo governamental

Política Macroeconómica, 2023/24 134


Evolução do FRI médio: UE27, AE19 e Portugal 1990-2021
2,5

Fonte: Comissão Europeia (https://ec.europa.eu/info/publications/fiscal-rules-database_en)


Regras de PO
2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

-0,5

-1,0

-1,5
Política Macroeconómica, Fonte: Vítor Coutinho (2012), Dissertação do ME - FEP
2023/24 UE27 AE20 Portugal 135
Regras de PO no mundo – 1990 vs. 2000
Fonte: https://www.imf.org/external/datamapper/FR_ind@FR_FC/FR_FC_ADV/FR_FC_EME/FR_FCWORLD

Regras de PO

Fonte: Fiscal Rules database - AMECO


Política Macroeconómica,
2023/24 136
Regras de PO no mundo – 2021
Fonte: https://www.imf.org/external/datamapper/FR_ind@FR_FC/FR_FC_ADV/FR_FC_EME/FR_FCWORLD

Regras de PO

Fonte: Fiscal Rules database - AMECO


Política Macroeconómica,
2023/24 137
O Conselho de PO

Conselho de Política Orçamental:


• Órgão independente (ou semi-independente) que fiscaliza a evolução das
finanças públicas, monitorizando o OE e a sua aplicação prática
• Devem elaborar previsões independentes sobre a evolução das finanças
públicas, promovendo a sua transparência e divulgando publicamente a
sua análise  fundamental, por exemplo, nas previsões
macroeconómicas que servem de base ao OE
• Existe há muitas décadas em alguns países (e.g., Holanda, 1947; E.U.A.,
1975), mas ganharam novo alento com a recente crise financeira e
económica global; a partir de 2007 surgem novos Conselhos de PO em
países como a Suécia, a Eslovénia, o Reino Unido e… Portugal

Política Macroeconómica, 2023/24 138


O Conselho de PO

Portugal:
• Conselho das Finanças Públicas (fev/2012): tem “a missão de proceder a
uma avaliação independente sobre a consistência, cumprimento e
sustentabilidade da política orçamental, promovendo a sua transparência,
de modo a contribuir para a qualidade da democracia e das decisões de
política económica e para o reforço da credibilidade financeira do Estado”
(www.cfp.pt)
• Presidente: Nazaré da Costa Cabral (substituiu, em 2019, Teodora
Cardoso); Vice-Presidente: Paul De Grauwe (London School of Economics,
CEPS e CEPR) (substituiu, em 2017, Jürgen von Hagen)
• Não tem poderes “executivos” em termos orçamentais, mas reflete a
importância da visibilidade mediática da regra  transparência e
responsabilização
Política Macroeconómica, 2023/24 139
O Conselho de PO

Principais funções de um Conselho de PO:


i. Produzir previsões para o crescimento da economia, o hiato do
produto e restantes variáveis fundamentais para o
enquadramento macroeconómico do OE e da sua execução
ii. Fazer análise “positiva” sobre a evolução das finanças públicas,
nomeadamente analisando o impacto económico e orçamental de
diferentes políticas
iii. Fazer recomendações “normativas”, dirigidas ao Governo, sobre
as decisões de PO

Política Macroeconómica, 2023/24 140


Conselhos de PO no mundo – 1990 vs. 2000
Fonte: https://www.imf.org/external/datamapper/FR_ind@FR_FC/FR_FC_ADV/FR_FC_EME/FR_FCWORLD

Regras de PO

Fonte: Fiscal Rules database - AMECO


Política Macroeconómica,
2023/24 141
Conselhos de PO no mundo – 2021
Fonte: https://www.imf.org/external/datamapper/FR_ind@FR_FC/FR_FC_ADV/FR_FC_EME/FR_FCWORLD

Regras de PO

Fonte: Fiscal Rules database - AMECO


Política Macroeconómica,
2023/24 142

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