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D I REI TO CON STI TUCI ON AL AM BI EN TAL BRASI LEI RO

AN TON I O H ERM AN D E V ASCON CELLOS E BEN JAM I N *


Minist ro do Superior Tribunal de Just iça, Ex-
Procurador de Just iça em São Paulo, Fundador e ex-
President e do I nst it ut o O Direit o por um Planet a
Verde e do BRASI LCON – I nst it ut o Brasileiro de
Polít ica e Direit o do Consum idor

1 Con st it u cion a liza çã o do Am bie n t e e Ecologiza çã o da


Con st it u içã o Br a sile ir a

1 .1 I n t r odu çã o

A riqueza de " t erra e arvoredos" , que surpreendeu e,


possivelm ent e, encant ou Pêro Vaz de Cam inha em 1500, finalm ent e foi
reconhecida pela Const it uição brasileira de 1988, passados 488 anos da
chegada dos port ugueses ao Brasil.

Tant os anos após, ainda há fart ura em " t erra e arvoredos" ,


m as, definit ivam ent e, o país m udou. Passou de Colônia a I m pério, de
I m pério a República; alt ernou regim es aut orit ários e fases dem ocrát icas;
viveu diferent es ciclos econôm icos; m igrou do cam po para as cidades;
const ruiu m eios de t ransport e m odernos; fom ent ou a indúst ria;
prom ulgou Const it uições, a com eçar pela de Dom Pedro I , de 1824; aboliu
a escravat ura e incorporou direit os fundam ent ais no diálogo do dia- a- dia.
Com o é evident e, t udo nesse período evoluiu, m enos a percepção da
nat ureza e o t rat am ent o a ela conferido. Som ent e a part ir de 1981, com a

*
Ex- Procurador de Just iça em São Paulo. Fundador e ex- President e do I nst it ut o O Direit o
por um Planet a Verde e do BRASI LCON - I nst it ut o Brasileiro de Polít ica e Direit o do
Consum idor. Professor convidado de Direit o Am bient al Com parado e Direit o da
Biodiversidade, na Universidade do Texas. Relat or- geral da Com issão de Jurist as da Lei
dos Crim es cont ra o Meio Am bient e. Mem bro do Sleering Com m it t ee da Com issão de
Direit o Am bient al da UI CN. Conselheiro do CONAMA – Conselho Nacional do Meio
Am bient e. Co- President e da I NECE – I nt ernat ional Net work for Environm ent al
Com pliance and Enforcem ent .

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BENJAMI N, Ant onio Herm an de Vasconcellos e. Direit o const it ucional am bient al brasileiro.
I n: CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; LEI TE, José Rubens Morat o ( Org.) . D ir e it o
con st it u ciona l a m bie n t a l br a sile ir o. São Paulo: Saraiva, 2007. part e I I , p. 57- 130.
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

prom ulgação da Lei n. 6.938/ 81 ( Lei da Polít ica Nacional do Meio


Am bient e) , ensaiou- se o prim eiro passo em direção a um paradigm a
j urídico- econôm ico que holist icam ent e t rat asse e não m alt rat asse a t erra,
seus arvoredos e os processos ecológicos essenciais a ela associados. Um
cam inhar incert o e t alvez insincero a princípio, em pleno regim e m ilit ar,
que ganhou velocidade com a dem ocrat ização em 1985 e recebeu
ext raordinária aceit ação na Const it uição de 1988.

Num a época de saudável globalização do debat e


const it ucional 59 , poucos, à exceção dos iniciados, dão- se realm ent e cont a
do avanço ext raordinário que as Const it uições significaram na evolução
dos povos e regim es polít icos cont em porâneos. Realm ent e, é difícil ao
cidadão m ediano aquilat ar o papel sim bólico e prát ico da norm a
const it ucional no processo civilizat ório, com o m arco indicador da t ransição
ent re dois m odelos de Est ado: um , avesso a rédeas pré- definidas; out ro,
regrado por pólos norm at ivos obj et ivos, sim ult aneam ent e freio de
aut oridade e m edida de liberdade.

As prim eiras Const it uições t inham por obj et ivo principal


est abelecer, no plano inst it ucional, a m ecânica governam ent al básica e,
na perspect iva subst ant iva, resguardar o cidadão cont ra governant es
arbit rários, penas vexat órias ou cruéis, assim com o cont ra apropriação da
propriedade privada sem j ust a causa ou indenização. Não era sem razão,
port ant o, que a Const it uição se organizava em feixes het erogêneos de
direit os obrigações de cunho a um só t em po bilat eral ( = indivíduo versus
Est ado) e negat ivo ( = im posição ao Est ado de deveres de non facere) .
Muit o desse arranj o bipolar é coisa do passado. Hoj e, em boa part e do
m undo, além de am eaças à liberdade física e polít ica, as pessoas com uns

59
Fala- se, inclusive, em " const it ucionalism o global" , cf. ACKERMAN, Bruce. The rise of
world const it ut ionalism . Vir gín ia La w Re vie w , v. 83, p. 771,1997.

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se preocupam com receios de out ra nat ureza e grandeza, t ípicos daquilo


que se vem denom inando sociedade de riscos 60 .

Nesse com plexo quadro de aspirações individuais e sociais,


ganham relevo cat egorias novas de expect at ivas ( e a part ir daí, de
direit os) , cuj os cont ornos est ão em divergência com a fórm ula clássica do
eu- cont ra- o- Est ado, ou at é da sua versão welfarist a m ais m oderna, do
nós- cont ra- o- Est ado 61 . Seguindo t al linha de análise, a ecologização do
t ext o const it ucional t raz um cert o sabor herét ico, deslocado das fórm ulas
ant ecedent es, ao propor a receit a solidarist a – t em poral e m at erialm ent e
am pliada ( e, por isso m esm o, prisioneira de t raços ut ópicos) – do nós-
t odos- em - favor- do- planet a. Nessa, com parando- a com os paradigm as
ant eriores, not a- se que o eu individualist a é subst it uído pelo nós
colet ivist a, e o t ípico nós welfarist a ( o conj unt o dos cidadãos em
perm anent e exigência de iniciat ivas com pensat órias do Est ado) passa a
agregar, na m esm a vala de obrigados, suj eit os públicos e privados,
reunidos num a clara, m as const it ucionalm ent e legit im ada, confusão 62 de
posições j urídicas; finalm ent e, e em conseqüência disso t udo, o rigoroso
adversarism o, a t écnica do eu/ nós cont ra o Est ado ou cont ra nós m esm os,
t ransm uda- se em solidarism o posit ivo, com m oldura do t ipo em favor de
alguém ou algo.

Não há aí sim ples reordenação cosm ét ica da superfície


norm at iva, const it ucional e infra- const it ucional. Ao revés, t rat a- se de
operação m ais sofist icada, que result a em t ríplice frat ura no paradigm a
vigent e: a diluição das posições form ais rígidas ent re credores e
devedores ( a t odos se at ribuem , sim ult aneam ent e, o direit o ao m eio

60
Cf. BECK, Ulrich. Risk socie t y: t oward a new m odernit y. London: Sage, 1992. LEI TE,
José Rubens Morat o; AYALA, Pat rick de Araúj o. D ir e it o a m bie n t a l n a socie da de de
r isco. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
61
Sobre a evolução hist órica do Est ado Social, cf. ASA BRI GGS. The Welfare St at e in
hist orical perspect ive. I n: ASA BRI GGS. Th e Colle ct e d Essa ys of Asa Br iggs. Urbana,
Universit y of I llinois Press, 1985, p. 177
62
"Confusão" aqui no seu sent ido usual do Direit o das Obrigações. Segundo o Código
Civil de 2002, " Ext ingue- se a obrigação, desde que na m esm a pessoa se confundam as
qualidades de credor e devedor" ( art . 381, repet indo idênt ica regra do Código de 1916) .

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am bient e ecologicam ent e equilibrado e o dever de prot egê- lo) ; a


irrelevância da dist inção ent re suj eit o est at al e suj eit o privado, conquant o
a degradação am bient al pode ser causada, indist int am ent e, por um ou
pelo out ro, e at é, com freqüência, por am bos de m aneira diret a ou
indiret am ent e concert ada; e, finalm ent e, o enfraquecim ent o da separação
absolut a ent re os com ponent es nat urais do ent orno ( o obj et o, na
expressão da dogm át ica privat íst ica) e os suj eit os da relação j urídica, com
a decorrent e lim it ação, em sent ido e ext ensão ainda incert os, do poder de
disposição dest es ( = dom inus) em face daqueles ( = res) .

O que causou essa int rigant e, não obst ant e obscura, m udança
de est rut ura const it ucional? Errará quem apost ar em um a inovação de
m oda, por isso efêm era, dest it uída de bases obj et ivas e alheia a
necessidades hum anas lat ent es e prem ent es, que usualm ent e ant ecedem
o desenho da norm a. Dificilm ent e, na experiência com parada, encont ram -
se inst âncias em que t ransform ações const it ucionais de fundo sucedem
por sim ples acident e de percurso ou capricho do dest ino. Aqui, sucede o
m esm o, pois é a crise am bient al, acirrada após a Segunda Guerra 63 , que
libert ará forças irresist íveis, verdadeiras corrent es que levarão à
ecologização da Const it uição, nos anos 70 e seguint es.

Crise am bient al essa que ninguém m ais disput a sua at ualidade


e gravidade. Crise que é m ult ifacet ária e global, com riscos am bient ais de
t oda ordem e nat ureza: cont am inação da água que bebem os, do ar que
respiram os e dos alim ent os que ingerim os, bem com o perda crescent e da
biodiversidade planet ária. Já não são am eaças que possam ser
enfrent adas exclusivam ent e pelas aut oridades públicas ( a fórm ula do nós-
cont ra- o- Est ado) , ou m esm o por iniciat ivas individuais isoladas, pois
vít im as são e serão t odos os m em bros da com unidade, afet ados
indist int am ent e 64 , os de hoj e e os de am anhã, ist o é, as gerações fut uras.

63
Cf. MCNEI LL R. Som e t h in g ne w u nde r t h e su n : an environm ent al hist ory of t he
t went iet h- cent ury world, W.W. Nort on, 2001.
64
FREYFOGLE, Eric T. Should we green t he bill? Un ive r sit y of I llinois La w Re vie w , v.
1992, p. 166.

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São riscos que à insegurança polít ica, j urídica e social acrescent am a


insegurança am bient al, pat ologia daquilo que o legislador brasileiro, com
cert a dose de im precisão, cham a de m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado 65 e, por vezes, de qualidade am bient al 66 .

Em t al pano de fundo, bem se com preende que, nos dias


at uais, os cidadãos não se sat isfaçam com um a sim ples cart a de direit os
básicos, do t ipo Bill of Right s, dest inada a livrar os cidadãos dos abusos do
Est ado- Rei, sem pre pront o para espalhar opressão ent re seus súdit os.
Hoj e, espera- se m ais dessas salvaguardas, em especial que sej am
dirigidas não apenas cont ra o Poder Público solit ário, m as que t am bém
vinculem um a poderosa m inoria de suj eit os privados que, em vários
t errenos e no am bient al em especial, aparecem não exat am ent e com o
vít im as indefesas de abusos est at ais, m as, ao cont rário, com o sérios
candidat os à repreensão e correção 67 por part e da norm a ( inclusive a
const it ucional) e de seus im plem ent adores.

Só em m eados da década de 70 – por um a conj unção de


fat ores, que não int eressa aqui esm iuçar – os sist em as const it ucionais
com eçaram , efet ivam ent e, a reconhecer o am bient e com o valor
m erecedor da t ut ela m aior 68 ; esse, sem dúvida, um daqueles raros
m om ent os, que ocorrem de t em pos em t em pos, em que o senso de
civilização é redefinido, para usar a expressão feliz do geógrafo Carl O.
Sauer 69 . Há, em t al const at ação, um aspect o que im pressiona, pois na

65
Const it uição da República, art . 225, caput .
66
Lei n. 6.938/ 81, art . 2°, caput .
67
RODGERS JÚNI OR, William H. En vir onm e n t a l la w . 2. ed. St . Paul: West Publishing
Co., 1994, p. 66.
68
Aqui cabe dest acar a experiência dos ant igos países com unist as do lest e europeu, dos
prim eiros a const it ucionalizar o m eio am bient e ( por exem plo, a Polônia, em 1976) , m as
que pouco fizeram para im plem ent ar t ais garant ias. Para um a análise da sit uação após a
queda do Muro de Berlim , cf. BROWN, Elizabet h F. I n defense of environm ent al right s in
East European const it ut ions. Un ive r sit y of Chica go La w Sch ool Rou n dt a ble , 1993, p.
191- 217. GRAVELLE, Ryan K. Enforcing t he elusive: environm ent al right s in East
European const it ut ions. Vir ginia En vir onm e nt a l La w Jou r n a l, v. 16,1997, p. 633- 660.
69
SAUER, Carl O. The agency of m an on t he eart h. I n: THOMAS JR., William L. ( ed.) .
Man's role in changing t he face of t he eart h. v. 1. Chicago: The Universit y of Chicago
Press, 1956, p. 68.

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hist ória do Direit o poucos valores ou bens t iveram um a t raj et ória t ão


espet acular, passando, em poucos anos, de um a espécie de nada- j urídico
ao ápice da hierarquia norm at iva, m et endo- se com dest aque nos pact os
polít icos nacionais.

Olhando em volt a, é seguro dizer que a const it ucionalização do


am bient e é um a irresist ível t endência int ernacional, que coincide com o
surgim ent o e consolidação do Direit o Am bient al 70 . Mas, const it ucionalizar
é um a coisa; const it ucionalizar bem , out ra t ot alm ent e diversa. Ninguém
desej a um a Const it uição reconhecida pelo que diz e desprezada pelo que
faz ou deixa de fazer 71 . Nessa evolução acelerada, num a prim eira onda de
const it ucionalização am bient al, sob a diret a influência da Declaração de
Est ocolm o de 1972, vieram as novas Const it uições dos países europeus
que se libert avam de regim es dit at oriais, com o a Grécia ( 1975) 72 ,
Port ugal ( 1976) 73 e Espanha ( 1978) 74 . Post eriorm ent e, num segundo

70
Consolidação est a que não é pacífica, pois, lem bra Vladim ir Passos de Freit as, alguns
ainda relut am em aceit ar o Direit o Am bient al com o " um ram o novo do Direit o que se
dist ingue de t odos os dem ais" . FREI TAS, Vladim ir Passos de. A Const it u içã o Fe de r a l e
a e fe t ivida de da s nor m a s a m bie n t a is. São Paulo: Revist a dos Tribunais, 2000, p. 26.
71
Sobre as conseqüências das norm as const it ucionais, m orm ent e daquelas definidoras
de direit os, cf. ALEXY, Robert . A Th e or y of con st it u ciona l r igh t s. Tradução de Julian
Rivers. Oxford: Oxford Universit y Press, 2002, p. 365.
72
Trat a- se do art . 24: “ 1) A prot eção do m eio am bient e nat ural e cult ural const it ui um a
obrigação do Est ado. O Est ado t om ará m edidas especiais, prevent ivas ou repressivas,
com o fim de sua conservação. A lei regula as form as de prot eção das florest as e espaços
com arborizados em geral. Est á proibida a m odificação da afet ação das florest as e
espaços arborizados pat rim oniais, salvo se sua exploração agrícola t iver prioridade do
pont o de vist a da econom ia nacional ou de qualquer out ro uso de int eresse público; 2) A
gest ão do t errit ório, a form ação, o desenvolvim ent o, o urbanism o e a ext ensão das
cidades e regiões urbanizáveis são regulam ent adas e cont roladas pelo Est ado, com o fim
de assegurar a funcionalidade e desenvolvim ent o das aglom erações hum anas e as
m elhores condições de vida possível; 3) Os m onum ent os assim com o os lugares
hist óricos e seus com ponent es est ão sob a prot eção do Est ado. A lei fixa as m edidas
rest rit ivas da propriedade para assegurar est a prot eção, assim com o as m odalidades e
nat ureza da indenização dos propriet ários prej udicados” .
73
Est abelece o at ual art . 66 ( " Am bient e e Qualidade de Vida" ) da Const it uição
port uguesa: " 1 – Todos t êm direit o a um am bient e de vida hum ano, sadio e
ecologicam ent e equilibrado e o dever de o defender. 2 – I ncum be ao Est ado, por m eio de
organism os próprios e por apelo e apoio a iniciat ivas populares: a) Prevenir e cont rolar a
poluição e os seus efeit os e as form as prej udiciais de erosão; b) Ordenar e prom over o
ordenam et o do t errit ório, t endo em vist a um a correct a localização das act ividades, um
equilibrado desenvolvim ent o sócio- econôm ico e paisagens biologicam ent e equilibradas;
c) Criar e desenvolver reservas e parques nat urais e de recreio, bem com o classificar e
prot eger paisagens e sít ios, de m odo a garant ir a conservação da nat ureza e a
preservação de valores cult urais de int eresse hist órico ou art íst ico; d) Prom over o

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grupo, ainda em período fort em ent e m arcado pelos padrões e linguagem


de Est ocolm o, foi a vez de países com o o Brasil 75 . Finalm ent e, após a Rio-
92, out ras Const it uições foram prom ulgadas ou reform adas, incorporando,
expressam ent e, novas concepções, com o a de desenvolvim ent o
sust ent ável, biodiversidade e precaução. O exem plo m ais recent e dest e
grupo ret ardat ário é a França, que em 2005 adot ou sua Charle de
l'environnem ent 76 .

aproveit am ent o racional dos recursos nat urais, salvaguardando a sua capacidade de
rem oção e a est abilidade ecológica" .
74
A Const it uição espanhola inspirou- se, genericam ent e, na Declaração de Est ocolm o e,
de m odo m ais im ediat o, na Const it uição port uguesa de 1976. Cf., nesse pont o, MATEO,
Ram ón Mart in. M a n ua l de de r e ch o a m bie nt a l. Madrid: Trivium , 1995, p. 107. Assim
dispõe seu art . 45: " 1) Todos t ienen el derecho a disfrut ar de un m edio am bient e
adecuado para el desarrollo de la persona, así com o el deber de conservalo; 2) Los
poderes públicos velarán por la ut ilización racional de t odos los recursos nat urales, con el
fin de prot eger y m ej orar la calidad de vida y defender y rest aurar el m edio am bient e,
apoyándose en la inexcusable solidariedad colect iva; 3) Para quienes violen lo dispuest o
en el apart ado ant erior, en los t érm inos que la ley fij e se est ablecerán sanciones penales
o, en su caso, adm inist rat ivas, así com o la obligación de reparar el daño causado" .
75
Sobre a prot eção const it ucional do m eio am bient e no Brasil, dent re out ros, BENJAMI N,
Ant ónio Herm an V. ( coord.) . D a n o a m bie nt a l, pr e ve n çã o, r e pa r a çã o e r e pr e ssã o,
fu n çã o a m bie n t a l. São Paulo: Revist a dos Tribunais, 1993. BENJAMI N, Ant ônio Herm an
V.; SÍ COLI , José Carlos Meloni; SALVI NI , Paulo Robert o. M a n u a l pr á t ico da
pr om ot or ia de j u st iça do m e io a m bie n t e . São Paulo: Procuradoria- Geral da Just iça,
1997. FI ORDLLO, Celso Ant ônio Pacheco; RODRI GUES, Marcelo Abelha. M a nua l de
dir e it o a m bie n t a l e le gisla çã o a plicá ve l. São Paulo: Max Lim onad, 1997. DERANI ,
Crist iane. D ir e it o a m bie n t a l e conôm ico. São Paulo: Max Lim onad, 1997. MJLARÉ,
Edis. A a çã o civil pú blica n a nova or de m con st it u ciona l. São Paulo: Saraiva, 1990.
SI LVA, José Afonso da. D ir e it o a m bie n t a l con st it u cion a l. São Paulo: Malheiros, 1994.
LEME MACHADO, Paulo Affonso. D ir e it o a m bie n t a l br a sile ir o. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004. FREI TAS, Vladim ir Passos de. D ir e it o a dm in ist r a t ivo e m e io
a m bie nt e . Curit iba: Juruá, 2004, e D ir e it o a m bie n t a l e m e volu çã o. Curit iba: Juruá,
1998 ( coord.) .
76
A Chart e de l'environnem ent fala, expressam ent e, em desenvolvim ent o sust ent ável
( preâm bulo e art . 6°) , princípio da prec aução ( art . 5°) , e diversidade biológica
( preâm bulo) . Cf., ainda, dent re out ras, a Const it uição argent ina de 1994, na qual se
observa, claram ent e, a influência da definição de desenvolvim ent o sust ent ável de " Nosso
Fut uro Com um " ( a exigencia de que " las act ividades product ivas sat isfagan las
necesidades present es sin com prom et er las de las generaciones fut uras" ) : " Art ículo 41 –
Todos los habit ant es gozan del derecho a un am bient e sano, equilibrado, apt o para el
desarrollo hum ano y para que las act ividades product ivas sat isfagan las necesidades
present es sin com prom et er las de las generaciones fut uras; y t ienen el deber de
preservado. El daño am bient al generará priorit ariam ent e la obligación de recom poner,
según lo est ablezca la ley. Las aut oridades proveerán a la prot ección de est e derecho, a
la ut ilización racional de los recursos nat urales, a la preservación del pat rim onio nat ural y
cult ural y de la diversidad biológica, y a la inform ación y educación am bient ales.
Corresponde a la Nación dict ar las norm as que cont engan los pres supuest os m ínim os de
prot ección, y a las províncias las necesarias para com plem ent arias, sin que aquéllas

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Sob o prism a t eórico, a abordagem const it ucional do am bient e


adm it e diversos enfoques. Em t odos eles, cont udo, int eressará conhecer
os possíveis m odelos ét icos e t écnicos que vêm sendo propost os e
ut ilizados, para, a part ir daí, m elhor apreciar suas repercussões concret as
no cam po legislat ivo ordinário e na im plem ent ação das norm as j urídico-
am bient ais. Nessa em preit ada, o est udo com parado é deveras út il, não só
para proj et ar a nova visão const it ucional em t ela panorâm ica, m as
t am bém para aproxim á- la, int ernam ent e, dos fundam ent os sócio- cult urais
que inform am o com port am ent o de seus dest inat ários. Afinal, com o bem
lem bra Mark Tushnet , a " experiência com parada é legalm ent e irrelevant e,
a não ser que possa se conect ar com argum ent os j á disponíveis no
sist em a j urídico int erno" 77 . O pior risco, nesses m om ent os de reviravolt a
const it ucional, é im port ar idéias, obj et ivos, princípios e inst rum ent os de
um a t radição j urídica sem ent ender, na origem , sua gênese e inserção
cult ural 78 .

O present e ensaio volt a a at enção, essencialm ent e, para os


aspect os t écnicos da const it ucionalização, o que obriga a abst rair
com plet am ent e quest ões m ais am plas, com o o fenôm eno dos
" t ransplant es legais" , t ão visíveis nessa m at éria 79 . Som ent e de form a
indiret a ou superficial, aqui e ali, com ent am - se, por serem inevit áveis,
alguns arranj os inst it ucionais que decorrem do t ext o const it ucional, bem
com o as influências ét icas que acabam por nele se reflet ir 80 . A
const it ucionalização do am bient e em erge, nos prim eiros m om ent os, em

alt eren las j urisdicciones locales. Se prohibe el ingreso al t errit orio nacional de residuos
act ual o pot encialm ent e peligrosos y de los radiact ivos" .
77
TUSHNET, Mark. The possibilit es of com parat ive const it ucional law. Ya le La w Jou r na l,
v. 108,1999, p. 1307.
78
HOWARD, A. E. Dick. The indet erm inacy of const it ut ions. W a k e For e st La w Re vie w ,
v. 31, p. 403,1996.
79
Sobre " t ransplant es legais" , cf., genericam ent e, WATSON, Alan. Le ga l t r a n spla nt s:
an approach t o com parat ive law. 2 ed. 1993. No cam po am bient al, cf. WI ENER, Jonat han
B. Som et hing borrowed for som et hing blue: legal t ransplant s and t he evolut ion of global
environm ent al law. Ecology La w Qu a r t e r ly, v. 27, p. 1295, 2001.
80
Cf., quant o aos fundam ent os ét icos do Direit o Am bient al, BENJAMTN, Ant ônio Herm an
V. A nat ureza no direit o brasileiro: coisa, suj eit o ou nada disso. Ca de r no Ju r ídico,
Escola Superior do Minist ério Público de São Paulo, ano 1, n. 2, p. 151- 171, 2001.

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fórm ula est rit am ent e ant ropocênt rica, espécie de com ponent e m ais am plo
da vida e dignidade hum anas; só m ais t arde, com ponent es biocênt ricos
são borrifados no t ext o const it ucional ou na leit ura que deles se faça;
nesse últ im o caso, pelo m enos, m it igando a vinculação norm at iva
exclusiva a int eresses de cunho est rit am ent e ut ilit arist a 81 .

I nicialm ent e, será feit a um a breve abordagem dos


fundam ent os const it ucionais do Direit o Am bient al e das caract eríst icas
gerais dos m odelos exist ent es, para, em seguida, t rat ar da conveniência
( benefícios e riscos) da const it ucionalização. Após, analisar- se- á a
prot eção do m eio am bient e na Const it uição brasileira de 1988, dest acando
a evolução hist órica da m at éria, as t écnicas nela adot as ( direit os e
deveres fundam ent ais, princípios am bient ais, função ecológica da
propriedade, obj et ivos públicos vinculant es, program as públicos abert os,
inst rum ent os, e ecossist em as especialm ent e resguardados) . Finalm ent e,
ant es das conclusões, brevem ent e, serão t ecidas considerações a respeit o
da Ordem Pública Am bient al const it ucionalizada, do Est ado de Direit o
Am bient al e da im plem ent ação das disposições const it ucionais.

1 .1 .1 I m por t â n cia da a n á lise dos fu n da m e n t os con st it u cion a is


do D ir e it o Am bie nt a l

A ecologização da Const it uição não é cria t ardia de um lent o e


gradual am adurecim ent o do Direit o Am bient al, o ápice que sim boliza a
consolidação dogm át ica e cult ural de um a visão j urídica de m undo. Muit o
ao cont rário, o m eio am bient e ingressa no universo const it ucional em
pleno período de form ação do Direit o Am bient al. A experim ent ação
j urídico- ecológica em polgou, sim ult aneam ent e, o legislador
infraconst it ucional e o const it ucional.

Considerando a lent idão da prát ica const it ucional, é


precipit ado falar em t eoria const it ucional do am bient e com o algo que se

81
Cf. Karl- Heinz Ladeur, Environm enUil const it ut ional law, in Gerd Wint er ( ed.) ,
European Environm ent al Law: a com parat ive perspect ive. Aldershot : Dart m out h, 1994,
p. 18.

9
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

aflora nat ural e facilm ent e no discurso dos const it ucionalist as. I sso,
apesar de o Direit o Am bient al, com o disciplina j urídica, t er alcançado, nos
dias at uais, o pat am ar da m at uridade, com ares de aut onom ia 82 , após
um a evolução de pouco m ais de t rint a anos, m uit o breve para os padrões
j urídicos norm ais. Mas nem m esm o aqui, ist o é, no t erreno m ais sólido do
panoram a infraconst it ucional, a obra est á t ot alm ent e const ruída. Um dos
piores erros dos j us- am bient alist as é enxergar, nos " direit os am bient ais" ,
concepções aut o- evident es, para as quais descaberia ou seria
desnecessário procurar subsídios dogm át icos ou explicação t eórica. Em
out ras palavras, seria puro desperdício de t em po e energia a verificação
das bases t eóricas da disciplina, not adam ent e aquelas de fundo
const it ucional, na m edida em que ninguém , nem m esm o seus crít icos,
ainda se dão ao t rabalho de quest ionar a im port ância e legit im idade da
at enção que o Direit o vem dedicando e deve dedicar à degradação
am bient al.

Nada m ais equivocado. O cont eúdo e o cam po de aplicação do


Direit o Am bient al parecem insuficient em ent e explorados na m esm a
proporção em que a disciplina aparent a se j ust ificar e se bast ar em si
m esm a. Muit o m enos o cam po dos direit os e obrigações que a com põem ,
relações j urídicas alt am ent e com plexas e ainda cobert as por um a cert a
aura de am bigüidade 83 e m uit o de incert eza, o que, em rigor, prej udica
seu ent endim ent o e, pior, dificult a sua efet ividade, podendo m esm o, em
cert as circunst âncias, inviabilizar a realização concret a de seus elevados
obj et ivos.

Em países conhecidos por prest arem obediência a norm a


ordinária e ignorarem ou desprezarem a norm a const it ucional ( com o o
Brasil) , m ais relevant e ainda é essa busca dos fundam ent os rem ot os do
Direit o Am bient al, pouco im port ando que ele, na superfície, t ransm it a um a

82
Não se t om e, cont udo, aut onom ia por independência.
83
SAX, Joseph L. The search for environm ent al right s. I n: Jou r na l of La n d Use &
En vir onm e n t a l La w , v. 6,1990, p. 96.

10
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

falsa aparência de consist ência e consolidação. Evident em ent e, a


diligência e a configuração t eóricas devem com eçar e t erm inar pela norm a
const it ucional, pois não é papel da Const it uição confirm ar, em j uízo
post erior, o Direit o Am bient al aplicado ( e, infelizm ent e, am iúde m al-
aplicado) , m as det erm inar, de form a pream bular, seus rum os e at é
exist ência.

Os fundam ent os dorsais do Direit o Am bient al, ao cont rário do


que se dava com as disciplinas j urídicas clássicas, encont ram - se, em
m aior ou m enor m edida, expressam ent e apresent ados em um crescent e
núm ero de Const it uições m odernas; é a part ir delas, port ant o, que se
deve m ont ar o edifício t eórico da disciplina. Som ent e por m ediação do
t ext o const it ucional enxergarem os – espera- se – um novo paradigm a
ét ico- j urídico, que é t am bém polít ico- econôm ico, m arcado pelo
perm anent e exercício de fuga da clássica com preensão coisificadora,
exclusivist a, individualist a e fragm ent ária da biosfera.

Coube à Const it uição – do Brasil, m as t am bém de m uit os


out ros países – repreender e ret ificar o velho paradigm a civilíst ico,
subst it uindo- o, em boa hora, por out ro m ais sensível à saúde das pessoas
( enxergadas colet ivam ent e) , às expect at ivas das fut uras gerações, à
m anut enção das funções ecológicas, aos efeit os negat ivos a longo prazo
da exploração predat ória dos recursos nat urais, bem com o aos benefícios
t angíveis e int angíveis do seu uso- lim it ado ( e at é não- uso) . O universo
dessas novas ordens const it ucionais, afast ando- se das est rut uras
norm at ivas do passado recent e, não ignora ou despreza a nat ureza, nem
é a ela host il.

Muit o ao cont rário, na Const it uição, inicia- se um a j ornada fora


do com um , que perm it e propor, defender e edificar um a nova ordem
pública, com o será vist o adiant e, cent rada na valorização da
responsabilidade de t odos para com as verdadeiras bases da vida, a Terra.

1 .2 Ca r a ct e r íst ica s dos m ode los con st it u cion a is a m bie n t a is

11
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

A const it ucionalização de det erm inado valor ou bem ,


not adam ent e em m om ent os de rupt ura polít ica, não é, vale repet ir, m ero
exercício aleat ório, t raduzindo, com freqüência, cert o m odelo norm at ivo,
que cobiça reescrever, em m aior ou m enor m edida, a est rut ura
const it ucional e infraconst it ucional ent ão vigent e. Um est udo com parado
dos regim es de prot eção const it ucional do m eio am bient e vai ident ificar
cinco caract eríst icas com uns, que, de um a form a ou de out ra e com
pequenas variações, inform am seus t ext os 84 .

Prim eiro, adot a- se um a com preensão sist êm ica ( = orgânica ou


holíst ica) e legalm ent e aut ônom a do m eio am bient e, det erm inando um
t rat am ent o j urídico das part es a part ir do t odo, precisam ent e o cont rário
do paradigm a ant erior. Com apoio nas palavras de Pont es de Miranda,
em pregadas em out ro cont ext o, é possível afirm ar que nesses disposit ivos
const it ucionais " não se veio do m últ iplo para a unidade. Vai- se da unidade
para o m últ iplo” 85 .

Além disso, é indisfarçável o com prom isso ét ico de não


em pobrecer a Terra e a sua biodiversidade, alm ej ando, com isso, m ant er
as opções das fut uras gerações e garant ir a própria sobrevivência das
espécies e de seu habit at . Fala- se em equilíbrio ecológico, prevêem - se
áreas prot egidas, com bat e- se a poluição, prot ege- se a int egridade dos
biom as e ecossist em as, reconhece- se o dever de recuperar o m eio
am bient e degradado, t udo isso indicando o int uit o de assegurar no
am anhã um planet a em que se m ant enham e se am pliem , quant it at iva e
qualit at ivam ent e, as condições que propiciam a vida em t odas as suas
form as.

Terceiro, est im ula- se a at ualização do direit o de propriedade,


de form a a t orná- lo m ais recept ivo à prot eção do m eio am bient e, ist o é,
reescrevendo- o sob a m arca da sust ent abilidade. Esboça- se, dessa

84
I bid., p. 105.
85
PONTES DE MI RANDA. Com e n t á r ios à Con st it u içã o de 1 9 6 7 . 1.1. São Paulo:
Revist a dos Tribunais, 1967, p. 313 ( grifo no original) .

12
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

m aneira, em escalas variáveis, um a nova dom inialidade dos recursos


nat urais, sej a pela alt eração diret a do dom ínio de cert os recursos
am bient ais ( água, p. ex.) , sej a pela m it igação dos exageros degradadores
do direit o de propriedade, com a ecologização de sua função social, com o
m elhor será vist o adiant e.

Quart o, desenha- se um a clara opção por processos decisórios


abert os, t ransparent es, bem - inform ados e dem ocrát icos, est rut urados em
t orno de um devido processo am bient al ( = due process am bient al 86 ) . O
Direit o Am bient al – const it ucionalizado ou não – é um a disciplina
profundam ent e dependent e da liberdade de part icipação pública e do fluxo
perm anent e e desim pedido de inform ações de t oda ordem . Em regim es
dit at oriais ou aut orit ários, a norm a am bient al não vinga, perm anecendo,
na m elhor das hipót eses, em processo de hibernação let árgica, à espera
de t em pos m ais propícios à sua im plem ent ação, com o se deu com a Lei da
Polít ica Nacional do Meio Am bient e, de 1981, at é a consolidação
dem ocrát ica ( polít ica e do acesso à j ust iça) do país, em 1988.

Finalm ent e, em Const it uições m ais recent es, observa- se um a


nít ida preocupação com a im plem ent ação, ist o é, com a indicação, j á no
próprio t ext o const it ucional, de cert os direit os e deveres relacionados à
eficácia do Direit o Am bient al e dos seus inst rum ent os, visando a evit ar
que a norm a m aior ( m as t am bém a infraconst it ucional) assum a um a
feição ret órica – bonit a à dist ância e irrelevant e na prát ica. O Direit o
Am bient al t em aversão ao discurso vazio; é um a disciplina j urídica de
result ado, que só se j ust ifica pelo que alcança, concret am ent e, no quadro
social das int ervenções degradadoras.

1 .3 Con ve n iê n cia da pr ot e çã o con st it u cion a l do a m bie n t e

No debat e const it ucional, um a pergunt a inicial que se põe é a


seguint e: seria a const it ucionalização da prot eção do am bient e, se não

86
BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. Os princípios do est udo de im pact o am bient al com o
lim it es da discricionariedade adm inist rat iva. Re vist a For e nse , v. 317, p. 34,1992.

13
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

indispensável, pelo m enos út il à at uação do legislador ordinário e do


im plem ent ador ( órgãos am bient ais, j uízes, Minist ério Público, ONGs e
vít im as de degradação) ?

A experiência com parada parece indicar que, em bora não


necessariam ent e im prescindível, o reconhecim ent o const it ucional expresso
de direit os e deveres am bient ais é, j urídica e prat icam ent e, benéfico,
devendo, port ant o, ser est im ulado e fest ej ado. Um regim e const it ucional
cuidadosam ent e redigido, de m odo a evit ar disposit ivos nebulosos e de
sent ido incert o, pode m uit o bem direcionar e at é m oldar a polít ica
nacional do m eio am bient e 87 .

No passado, ant es m esm o do m ovim ent o de


const it ucionalização da prot eção do am bient e, a inexist ência de previsão
const it ucional inequívoca não inibiu o legislador, aqui com o lá fora, de
prom ulgar leis e regulam ent os que, de um a form a ou de out ra,
resguardavam os processos ecológicos e com bat iam a poluição. Foi assim ,
p. ex., no Brasil, com o Código Florest al ( 1965) , a Lei de Prot eção à Fauna
( 1967) e a Lei da Polít ica Nacional do Meio Am bient e ( 1981) , norm as
ext rem am ent e avançadas e t odas edit adas em período ant erior à
Const it uição de 1988.

Ainda hoj e, uns poucos, m as im port ant es, sist em as j urídicos,


aí incluindo- se os Est ados Unidos 88 , prot egem o am bient e sem cont ar com
apoio expresso ou diret o na Const it uição. Nesses casos, com o ocorreu

87
GRAVELLE, Ryan K. Enforcing t he elusive: environm ent al right s in East European
const it ut ions. I n: Vir gin ia Envir on m e n t a l La w Jou r na l, v. 16, 1997, p. 660.
88
Ao cont rário da Const it uição da República, várias Const it uições Est aduais
incorporaram , expressam ent e, a prot eção do m eio am bient e. Um a das razões que
levaram ao naufrágio das várias em endas apresent adas, no início dos anos 70, no
Congresso nort e- am ericano, foi o enorm e sucesso na aprovação de leis am bient ais
m odernas e inovadoras, com o o NEPA – Nat ional Environm ent al Policy Act de 1969,
vit órias essas que fort aleceram o argum ent o da desnecessidade de um a em enda
const it ucional ( SCHLI CKEI SEN, Rodger. The argum ent for a const it ut ional am endm ent t o
prot ect living nat ure. I n: SNAPE, William J. Biodiversit y and t he law. Washingt on: I sland
Press, 1996, p. 221) . Dos cinqüent a Est ados, m ais de um t erço deles cont a com norm as
const it ucionais expressas reconhecendo e prot egendo o m eio am bient e ( THOMPSON JR.,
Bart on H. Environm ent al Policy and t he St at e Const it ut ions: t he pot ent ial role of
subst ant ive guidance. I n: Ru t ge r s La w Jou r na l, v. 27, 1996, p. 871) .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

aqui ant es de 1988, dout rinadores e j uízes procuram " depreender de


out ros princípios ou de out ros direit os um princípio de defesa do
am bient e, com as decorrências inerent es" 89 .

Não obst ant e essa const at ação de razoável inofensividade da


lacuna const it ucional, razões várias recom endam a const it ucionalização do
am bient e, um a t endência m undial que não passou despercebida ao
const it uint e brasileiro de 1988.

Superada a quest ão genérica da conveniência da


const it ucionalização, é oport uno t rat ar dos seus benefícios e dos riscos
específicos.

1 .4 Be n e fícios da con st it u cion a liza çã o

Mais do que um abst rat o im pact o polít ico e m oral 90 , a


const it ucionalização do am bient e t raz consigo benefícios variados e de
diversas ordens, bem palpáveis, pelo im pact o real que podem t er na
( re) organização do relacionam ent o do ser hum ano com a nat ureza.

Alguns apresent am carát er subst ant ivo, m at erial ou int erno,


ist o é, reorganizam a est rut ura profunda de direit os e deveres, assim
com o da própria ordem j urídica. Out ros, diversam ent e, relacionam - se com
a afirm ação concret a ou im plem ent ação das norm as de t ut ela am bient al –
são benefícios form ais ou ext ernos. Trat a- se- á, prim eiram ent e, dos
benefícios subst ant ivos.

1 .4 .1 Pr im e ir o be n e fício su bst a n t ivo: e st a be le cim e n t o de u m


de ve r con st it u cion a l ge n é r ico de n ã o de gr a da r , ba se do r e gim e de
e x plor a bilida de lim it a da e con dicion a da

O prim eiro aspect o posit ivo que se observa nos vários regim es
const it ucionais do m eio am bient e, especialm ent e no brasileiro, é a
inst it uição de um inequívoco dever de não degradar, cont rapost o ao

89
MI RANDA, Jorge. M a n ua l de dir e it o con st it u ciona l. 2. ed. Coim bra: Coim bra Ed.,
1993, p. 472.
90
PRI EUR, Michel. D r oit de l'e nvir on ne m e nt . 5. ed. Paris: Dalloz, 2004, p. 65.

15
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

direit o de explorar, inerent e ao direit o de propriedade, previst o no art . 5º ,


XXI I , da Const it uição Federal.

No cam po dos recursos nat urais e do uso da t erra, t al


t ransm udação im plica a subst it uição definit iva do regim e de
explorabilidade plena e in- condicionada ( com lim it es m ínim os e
pulverizados, decorrent es, p. ex., das regras de polícia sanit ária e da
prot eção dos vizinhos) pelo regim e de explorabilidade lim it ada e
condicionada ( com lim it es am plos e sist em át icos, cent rados na
m anut enção dos processos ecológicos) . Lim it ada, porque nem t udo que
int egra a propriedade pode ser explorado; condicionada, porque m esm o
aquilo que, em t ese, pode ser explorado, depende da observância de
cert as condições im post as abst rat am ent e na lei e concret am ent e em
licença am bient al exigível.

Trat a- se de dever const it ucional aut o- suficient e e com força


vinculant e plena, dispensando, na sua aplicação genérica, a at uação do
legislador ordinário. É, por out ro lado, dever inafast ável, t ant o pela
vont ade dos suj eit os privados envolvidos com o a pret ext o de exercício de
discricionariedade adm inist rat iva. Vale dizer, é dever que, na est rut ura do
edifício j urídico, não se insere na esfera da livre opção dos indivíduos 91 ,
públicos ou não.

É ainda dever de cunho at em poral e t ransindividual, o que t raz


conseqüências, com o será analisado em seguida, no cam po da prescrição,
do direit o adquirido e da livre m ovim ent ação ou t ransferência de bens no
m ercado; com o dever de ordem pública, não cabe escolha ent re respeit á-
lo ou desconsiderá- lo, abrindo- se, nessa últ im a hipót ese, a avenida dos
inst rum ent os prevent ivos, reparat órios e sancionat órios, post os à
disposição do Est ado, das vít im as e dos suj eit os int erm ediários, com o
ONGs.

91
BROOKS, Richard O. A const it ut ional right t o a healt hful environm ent . Ve r m ont La w
Re vie w , v. 16, p. 1110, 1992.

16
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Por últ im o, form ulado com o dever int rínseco ao direit o de


propriedade, cabe ao obrigado, que pret enda exercit ar seu dom ínio ou
posse, provar que o fará em conform idade com as exigências da
m anut enção dos at ribut os essenciais do m eio am bient e. Aqui, out ra
conseqüência do reconhecim ent o const it ucional do dever: a inversão do
ônus da prova da inofensividade, m at éria que se m anifest ará, com m aior
clareza, na aplicação do princípio da precaução.

1 .4 .2 Se gu n do be n e fício su bst a n t ivo: a e cologiza çã o da


pr opr ie da de e da su a fu n çã o socia l

Com o é sabido, t odas as Const it uições filiadas ao princípio da


livre iniciat iva garant em o direit o de propriedade privada, inclusive a do
Brasil 92 . A grande diferença ent re as Const it uições m ais ant igas e as
at uais é que nest as o direit o de propriedade aparece am bient alm ent e
qualificado.

Em rigor, a crise am bient al dos últ im os cem anos não deixa,


at é cert o pont o, de ser t am bém um dos subprodut os dos exageros do
m odelo ant erior de dom ínio, em que, à m íngua de det erm inações legais
explícit as rest rit ivas da exploração predat ória e não sust ent ável dos
recursos nat urais, preconizava- se que ao propriet ário t udo era perm it ido –
inclusive dest ruir o que lhe pert encesse – desde que respeit ados alguns
lim it es m ínim os, com o j á vist o, conect ados à sat isfação de cont ra-
int eresses de seus vizinhos individuais e das norm as de polícia sanit ária.

É cert o que m esm o as Const it uições edit adas na prim eira


m et ade do século XX at ribuíam ao direit o de propriedade um a função
social. Não bast ou, sej a porque o Judiciário e a dout rina civilíst ica nunca
invest iram m uit o na concret ização dessa dest inação social, sej a porque a
própria idéia de função social não levava, necessária e claram ent e, a um a

92
No caso da Const it uição brasileira, cf. os art s. 52, XXI I ( " direit o de propriedade" ) e
170, caput ( " livre iniciat iva" ) .

17
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

m aior sensibilidade com a fragilidade da nat ureza. Fazia- se necessário


cont rabalançar a hiper- ênfase no direit o de propriedade 93 .

Era im perioso, pois, cont rabalançar o rigor privat íst ico e a


visão am bient alm ent e assépt ica da função social ( = coisificação exagerada
da nat ureza) , corrigindo, j á a m eio cam inho, as dist orções produzidas por
um a dout rina e j urisprudência alheias à sort e do m eio am bient e. A
princípio, t al aspiração foi t ent ada com o uso da função social da
propriedade, j á que seu obj et ivo original, em bora não exat am ent e
am bient al, era viabilizar a int ervenção do Est ado na regulação do
t rabalho, das relações cont rat uais e do m ercado em geral, o que, em t ese,
abriria as port as para out ros e novos valores sociais de índole pós-
indust rial.

Daí que, at é a década de 70, im aginava- se que, com o


expressão renovadora do cont eúdo do direit o de propriedade, a função
social genérica serviria de pont o de part ida e apoio ao aj ust am ent o
conclam ado pelas novas dem andas sociais abrigadas pelo Est ado Social, aí
se incluindo o m eio am bient e. Em t al ót ica, m esm o sem um
reconhecim ent o explícit o do m eio am bient e com o t al no quadro
const it ucional, um a releit ura int erpret at iva ( legislat iva e j udicial) da
função social bast aria para legit im ar um novo regim e j urídico da nat ureza,
agregando aspect os ecológicos ao uso ( e abuso) da propriedade.

Mas, o Brasil t em prát ica, a t ransform ação e a evolução do


Direit o via labor exegét ico levam t em po. E t em po é exat am ent e o que não
t em os em sede am bient al, diant e do carát er cat ast rófico ou irreversível 94
de m uit os dos at ent ados à nat ureza. Sendo assim , logo a fórm ula da
am pliação int erpret at iva da função social da propriedade m ost rou- se
insuficient e, t ant o no cam po dout rinário com o no t erreno da
j urisprudência. Não é fácil m udar, por m eio t ão indiret o, fragm ent ário e

93
SCHLI CKEI SEN, Rodger. Op. cit ., p. 222.
94
PRI EUR, Michel. Op. cit ., p. 945.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

incert o, t odo um paradigm a de exploração não sust ent ável dos recursos
nat urais. Sem falar que, at é hoj e, a função social, em si m esm a, ainda
busca sua afirm ação concret a no cam po das decisões j udiciais.

A ecologização da Const it uição, port ant o, t eve o int uit o de, a


um só t em po, inst it uir um regim e de exploração lim it ada e condicionada
( = sust ent ável) da propriedade e agregar à função social da propriedade,
t ant o urbana com o rural, um fort e e explícit o com ponent e am bient al. Os
art s. 170, VI , e 186, I I , da Const it uição brasileira, inserem - se nessa linha
de pensam ent o de alt eração radical do paradigm a clássico da exploração
econôm ica dos cham ados bens am bient ais. Com novo perfil, o regim e da
propriedade passa do direit o pleno de explorar, respeit ado o direit o dos
vizinhos, para o direit o de explorar, só e quando respeit ados a saúde
hum ana e os processos e funções ecológicos essenciais.

A t ut ela expressa do m eio am bient e nas Const it uições m ais


recent es, por poder const it uint e originário ou derivado, reit era a função
social da propriedade, ou, para ut ilizar a expressão de Guilherm e Purvin,
enfat iza a " dim ensão am bient al da função social da propriedade" 95 .
Tam bém relegit im a, num a perspect iva m ais am pla e profunda, direit os
que, de um a form a ou de out ra, os indivíduos e a colet ividade, não
obst ant e o silêncio do t ext o const it ucional, sem pre foram considerados
det ent ores, na m edida em que correlat es a lim it es int rínsecos do direit o
de propriedade privada, j ust ificados sob o im pério da preservação da vida
e de suas bases nat urais.

Em t al equação renovada da propriedade e dos direit os de


usá- la, não são incom uns, nem causam est ranheza, o reconhecim ent o da
inversão do ônus da prova da inofensividade da at ividade propost a, com o
aludido at rás, bem com o a am pliação da exigência de licenciam ent o ( com

95
FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de. A propriedade no direit o am bient al: a
dim ensão am bient al da função social da propriedade. 2. ed. Rio de Janeiro: ADCOAS/ Ed.
Esplanada, 2005, p. 20 ( grifo no original) .

19
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

" licenças" com prazo cert o) e a responsabilidade obj et iva na reparação


dos danos causados 96 .

Num a palavra, aí fica evidenciado o fim redist ribut ivo do


Direit o Am bient al, reorganizando o endereçam ent o dos benefícios e cust os
am bient ais. Trat a- se de inversão da inj ust a realidade da degradação
am bient al, que, na sua essência, não deixa de ser um a apropriação
indevida ( e, agora, t am bém const it ucionalm ent e desaut orizada) de
at ribut os am bient ais, em que os benefícios são m onopolizados por poucos
(= os poluidores) e os cust os são socializados ent re t odos ( = a
colet ividade, present e e fut ura) .

1 .4 .3 Te r ce ir o be n e fício su bst a n t ivo: a pr ot e çã o a m bie n t a l


com o dir e it o fu n da m e n t a l

Além da inst it uição desse inovador " dever de não degradar" e


da ecologização do direit o de propriedade, os m ais recent es m odelos
const it ucionais elevam a t ut ela am bient al ao nível não de um direit o
qualquer, m as de um direit o fundam ent al 97 , em pé de igualdade ( ou
m esm o, para alguns dout rinadores, em pat am ar superior) com out ros
t am bém previst os no quadro da Const it uição, ent re os quais se dest aca,
por razões óbvias, o direit o de propriedade.

Assim post a, a prot eção am bient al deixa, definit ivam ent e, de


ser um int eresse m enor ou acident al no ordenam ent o, afast ando- se dos
t em pos em que, quando m uit o, era obj et o de acaloradas, m as
j uridicam ent e est éreis, discussões no t erreno não j urígeno das ciências
nat urais ou da lit erat ura. Pela via da norm a const it ucional, o m eio
am bient e é alçado ao pont o m áxim o do ordenam ent o, privilégio que

96
CHI APPI NELLI , John A. The right t o a clean and safe environm ent : a case for a
const it ut ional am endm ent recognizing public right s in com m on resources. Buffa lo La w
Re vie w , v. 40, p. 604, 1992.
97
BRANDL, Ernst ; BUNGERT, Hart win. Const it ut ional ent renchm erit of environm ent al
prot ect ion: a com parat ive analysis of experiences abroad. H a r va r d En vir onm e nt a l La w
Re vie w , v. 16, p. 8- 9,1992.

20
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

out ros valores sociais relevant es só depois de décadas, ou m esm o


séculos, lograram conquist ar.

Tant o com o dever de não degradar, com o na fórm ula de


direit o fundam ent al ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado, a
const it ucionalização prest a- se para cont rabalançar as prerrogat ivas
t radicionais do direit o de propriedade, o que ensej a novas e fort alece
velhas lim it ações im plícit as e explícit as, acim a referidas.

Concret am ent e, port ant o, pode- se ganhar m uit o, no t erreno


dogm át ico e da im plem ent ação, com o est abelecim ent o de um direit o
fundam ent al dessa nat ureza. Assim , dent re out ros benefícios diret os,
t em os que, com o direit o fundam ent al, sua norm a est at uidora cont a com
aplicabilidade im ediat a 98 , t em a a que se volt ará adiant e.

1 .4 .4 Qu a r t o be n e fício su bst a n t ivo: le git im a çã o con st it u cion a l


da fu n çã o e st a t a l r e gu la dor a

Um a das m issões das norm as const it ucionais é est abelecer o


subst rat o norm at ivo que circunda e orient a o funcionam ent o do Est ado.
Nesse sent ido, a inserção da prot eção am bient al na Const it uição legit im a
e facilit a – e, por isso, obriga – a int ervenção est at al, legislat iva ou não,
em favor da m anut enção e recuperação dos processos ecológicos
essenciais. Em t em pos de declínio de confiança nas inst it uições est at ais 99
e de redução da presença do Est ado na econom ia, é providência bem -
vinda. Da int ervenção excepcional e pont ual, t ípica do m odelo liberal,
passa- se à int ervenção im post a e sist em át ica. Em t al cenário, j á não se
requer apelos a desast res nat urais ( liberalism o) , nem a cat ást rofes
econôm icas ( welfarism o) para j ust ificar o prot agonism o ecológico do
Est ado. Para t ant o, bast a a crise am bient al, devidam ent e not ada pelo
t ext o const it ucional.

98
" As norm as definidoras de direit os e garant ias fundam ent ais t êm aplicação im ediat a"
( Const it uição da República, art . 5°, § 1°) .
99
BROOKS, Richard O. A const it ut ional right t o a healt hful environm ent , cit ., p. 1107.

21
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Ou sej a, diant e do novo quadro const it ucional, a regulação


est at al do am bient e dispensa j ust ificação legit im adora, baseada em
t écnicas int erpret at ivas de preceit os t om ados por em prést im o, pois se dá
em nom e e causa próprios. Em face da exploração dos recursos nat urais,
a ausência do Poder Público, por ser a exceção, é que dem anda cabal
j ust ificat iva, sob pena de violação do dever inafast ável de ( pront am ent e)
agir e t ut elar.

Nessa linha de pensam ent o, os com andos const it ucionais


fincam , com o será t rat ado em seguida, os m arcos divisórios daquilo que
se pode denom inar ordem pública am bient al const it ucionalizada, baseada
na explorabilidade lim it ada e condicionada da nat ureza, at rás m encionada.

Os direit os am bient ais são um bilicalm ent e associados à


agenda renovada do Welfare St at e, bem m ais com plexos que os direit os
const it ucionais clássicos, dirigidos, de m odo preponderant e, quando não
exclusivo, em face do Est ado, dest e se esperando um a abst enção e não,
em rigor, um a int ervenção. Diferent em ent e do m odelo liberal de Est ado,
por cert o se est á diant e de int ervenção est at al, que deve ser, a um só
t em po, prevent iva (e de precaução) e posit iva, na est eira do
reconhecim ent o de que est a é um a era que, cada vez m ais, dem anda
governabilidade afirm at iva 100 .

Por isso, a verbalização do discurso const it ucional de prot eção


do am bient e não anuncia, com o desiderat o principal, um non facere; ao
cont rário, inegavelm ent e prega e exige prest ações posit ivas a cargo do
Est ado, m ensagem irrecusável que vem em reforço dos deveres
infraconst it ucionais de garant ia pelas aut oridades públicas dos processos
ecológicos essenciais 101 . Um a dem anda para que assegure, com o direit o
de t odas as pessoas, cert o nível de liberdade cont ra riscos am bient ais e,

100
TRI BE, Laurence H. Am e r ica n Con st it u t iona l La w . 3. ed., v. 1. New York:
Foundat ion Press, 2000, p. 16.
101
PRI EUR, Michel. Op. cit , p. 65.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

ao m esm o t em po, acesso aos benefícios am bient ais 102 e recuperação da


degradação j á causada. Encargo afirm at ivo esse que, sem opção expressa
do const it uint e, cont aria com frágil am paro const it ucional e difícil defesa,
no universo dos conflit os diários pelo uso e cont ra o abuso dos recursos
nat urais.

1 .4 .5 Qu in t o be n e fício su bst a n t ivo: r e du çã o da


discr icion a r ie da de a dm in ist r a t iva

Vist os por out ro ângulo, os com andos const it ucionais reduzem


a discricionariedade da Adm inist ração Pública, pois im põem ao
adm inist rador o perm anent e dever de levar em cont a o m eio am bient e e
de, diret a e posit ivam ent e, prot egê- lo, bem com o exigir seu respeit o pelos
dem ais m em bros da com unidade, abrindo ao cidadão a possibilidade de
quest ionar " ações adm inist rat ivas que de form a significat iva prej udiquem
os sist em as nat urais e a biodiversidade" 103 .

Daí que ao Est ado não rest a m ais do que um a única hipót ese
de com port am ent o: na form ulação de polít icas públicas e em
procedim ent os decisórios individuais, opt ar sem pre, ent re as várias
alt ernat ivas viáveis ou possíveis, por aquela m enos gravosa ao equilíbrio
ecológico, avent ando, inclusive, a não- ação ou m anut enção da int egridade
do m eio am bient e pela via de sinal verm elho ao em preendim ent o
propost o.

É desse m odo que há de ser ent endida a det erm inação


const it ucional de que t odos os órgãos públicos levem em consideração o
m eio am bient e em suas decisões ( art . 225, caput , e § 1º , da Const it uição
brasileira) , adicionando a cada um a das suas m issões prim árias – não por
opção, m as por obrigação – a t ut ela am bient al. No Brasil, o desvio desse
dever pode caract erizar im probidade adm inist rat iva e infrações a t ipos
penais e adm inist rat ivos.

102
SAX, Joseph L. The search for environm ent al right s, cit ., p. 95.
103
SCHLI CKEI SEN, Rodger. Op. cit ., p. 222.

23
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

1 .4 .6 Se x t o be n e fício su bst a n t ivo: a m plia çã o da pa r t icipa çã o


pú blica

Por derradeiro, ent re t ant os out ros benefícios subst ant ivos da
const it ucionalização, é possível am pliar os canais de part icipação pública,
sej am os adm inist rat ivos, sej am os j udiciais, nesse últ im o caso, com o
afrouxam ent o do form alism o individualist a, que é a m arca da legit im ação
para agir t radicional 104 . Em alguns casos, conform e a dicção ut ilizada pelo
legislador const it ucional, essa legit im ação am pliada pode vir a ser
aut om at icam ent e aceit a pelo Poder Judiciário, sem necessidade de
int ervenção legislat iva.

É corret o e j ust o dizer que, no Direit o m oderno, o legislador


que at ribui o benefício ( qualidade am bient al) ou a m issão ( prot eger o
m eio am bient e, com o dever de t odos) t am bém dist ribui, explícit a ou
im plicit am ent e, os m eios e, ent re eles, os inst rum ent os processuais e
m eios adm inist rat ivos de part icipação no esforço de im plem ent ação. Logo,
é possível ext rair da norm a reconhecedora da t ut ela am bient al, com o
valor essencial da sociedade, um pot encial poder processual de part icipar
do processo decisório adm inist rat ivo ou ingressar em j uízo em favor
próprio ou de out ros co- beneficiários.

I sso porque os direit os e obrigações const it ucionais só t êm


sent ido na m edida em que podem ser im plem ent ados e usados 105 . Sem a
possibilidade de quest ionam ent o colet ivo, adm inist rat ivo e j udicial, dos
com port am ent os degradadores de t erceiros, qualquer garant ia dada ao
cidadão est ará gravada com o sím bolo da infecundidade e ineficácia do
discurso j urídico.

104
Conform e, nesse pont o, BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. A insurreição da aldeia global
cont ra o processo civil clássico. Apont am ent os sobre a opressão e a libert ação j udiciais
do m eio am bient e e do consum idor. I n: MI LARÉ, Edis. Açã o civil pú blica : Lei 7.347/ 85
– rem iniscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revist a dos
Tribunais, 1995, p. 70- 151.
105
ANTI EAU, Chest er Jam es; RI CH, William J. M ode r a con st it ut ion a l la w . 2. ed., v. 3.
St . Paul: West Group, 1997, p. 660.

24
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Claro que t al exercício exegét ico é dispensável no Brasil, pois


a Const it uição não só abre claram ent e a possibilidade da im plem ent ação
processual colet iva ( art . 129) , com o, m esm o ant es dela, o ordenam ent o
infraconst it ucional j á se encam inhara nessa direção ( Lei n. 7.347/ 85,
cuidando da ação civil pública) .

São esses, ent ão, alguns dos benefícios subst ant ivos,
m at eriais ou int ernos da const it ucionalização do regim e am bient al. Serão
vist os, em seguida, out ros benefícios, de cunho form al ( ou ext erno) , ist o
é, vant agens que se dest acam no t erreno da com preensão ou realização
form al da t ut ela j urídica do m eio am bient e.

1 .4 .7 Pr im e ir o be n e fício for m a l: m á x im a pr e e m in ê n cia e


pr oe m in ê n cia dos dir e it os, de ve r e s e pr in cípios a m bie n t a is

A regra const it ucional vem dot ada, com o m arca ext erior das
m ais relevant es, de preem inência e proem inência 106 ; aquela, significando
superioridade, at ribui- lhe posição hierárquica superior, dem andando
obediência est rit a do ordenam ent o que lhe é inferior; est a, indicando
percept ibilidade, confere- lhe visibilidade m áxim a no anfit eat ro superlot ado
das norm as que com põem o sist em a legal de um país.

Com a superioridade, busca- se afinidade est rit a ent re


m andam ent o const it ucional e disposição ordinária; da m aior visibilidade,
espera- se m ais fácil e m assificado conhecim ent o pelos dest inat ários e, a
part ir daí, respeit abilidade e efet ividade alargadas.

À Const it uição, por est ar na pirâm ide do ordenam ent o,


im put a- se o m axim ant e da respeit abilidade e da visibilidade. Com o bem
lem bra José Afonso da Silva, pela via da const it ucionalização " cert os
m odos de agir em sociedade t ransform am - se em condut as hum anas
valoradas hist oricam ent e e const it uem - se em fundam ent o do exist ir

106
CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; MOREI RA, Vit al. Con st it u içã o da Re pú blica
Por t u gu e sa a n ot a da . 3. ed. Coim bra: Coim bra Ed., 1993, p. 45- 46.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

com unit ário" 107 . Trat a- se, por conseguint e, de norm a superior na
hierarquia legislat iva; sant uário legislat ivo dot ado de preem inência
norm at iva ( Canot ilho) , pois cuida de valores fundam ent ais da sociedade.
Sobre ela, diz- se ser um m odelo para os cidadãos, propiciando, por t udo
isso, um cat alisador de um a m oralidade ecológica 108 e um a m aior
probabilidade de conhecim ent o, especialm ent e pelos im plem ent adores
( Adm inist ração e Judiciário) .

A preem inência norm at iva da norm a const it ucional ocasiona,


na palavra de Canot ilho e Moreira, t rês conseqüências j urídicas im ediat as.
I nicialm ent e, a int erpret ação das norm as infraconst it ucionais deve ser
feit a da form a m ais concordant e com a Const it uição – é o princípio da
int erpret ação conform e à Const it uição; além disso, t ais norm as, se
desconform es com a Const it uição, serão inválidas, não podendo ser
aplicadas pelos t ribunais. Finalm ent e, excet o se inquest ionavelm ent e
inexeqüíveis em si m esm os, os disposit ivos const it ucionais t êm aplicação
diret a, exist am ou não leis e regulam ent os int erm ediários; aplicação que
se dá, inclusive, cont ra ou era lugar de lei ou regulam ent o que à norm a
const it ucional se oponha 109 .

A preem inência e a proem inência do t ext o const it ucional


t raduzem - se, no cam po prát ico, em inequívoco valor didát ico. Est ar o
m eio am bient e lá, no lugar m ais elevado na hierarquia j urídica 110 , serve
de lem brança perm anent e da sua posição dorsal ent re os valores
indisponíveis da vida em com unidade.

Na vast idão do ordenam ent o, o abrigo const it ucional apart a os


valores e int eresses fundam ent ais dos que, não obst ant e sua event ual
salvaguarda j urídica em out ros t ext os norm at ivos, cedem lugar ou são

107
SI LVA, José Afonso da. Cu r so de dir e it o con st it u ciona l posit ivo. 9. ed. São Paulo:
Malheiros, 1994, p. 41.
108
SCHLI CKEI SEN, Rodger. Op. cit ., p. 222.
109
CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; MOREI RA, Vit al. Op. cit ., p. 45- 46.
110
NEURAY, Jean- François. D r oit de l'Envir on n e m e n t . Bruxelles: Bruylant , 2001, p.
149.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

sacrificados em favor daqueles. No ordenam ent o, acim a do rest o; m as,


principalm ent e, no sim bolism o da " m ent e da sociedade" 111 , acim a de t udo
m ais.

Naqueles países em que o público est á firm em ent e a par dos


problem as am bient ais e da necessidade de agir, a prot eção const it ucional
do m eio am bient e pode pouco ou nada acrescent ar, principalm ent e
quando form ulada na form a de obj et ivos públicos vagos, de frágil
im plem ent ação j udicial. São países em que, por força da pressão pública,
ao Est ado é indiferent e t er ou não t er um t raçado const it ucional m ínim o,
que o em purre para fora da inação própria do sist em a do laissez- faire. É
exat am ent e nos países sem t radição am bient al – em que a quest ão da
degradação cham a a at enção fundam ent alm ent e da elit e e da classe
m édia 112 , enquant o boa part e da população dedica- se a assegurar um
prat o de com ida – que a previsão const it ucional será út il, t ant o para
educar o povo com o para guiar o processo decisório est at al 113 .

1 .4 .8 Se gundo be ne fício for m a l: se gu r a n ça n or m a t iva

Além disso, a const it ucionalização, especialm ent e em


Const it uições rígidas com o a do Brasil 114 , é acom panhada por um a m aior
segurança norm at iva, sej a porque os direit os e garant ias individuais são
considerados norm a pét rea 115 , sej a ainda em decorrência da previsão de
um procedim ent o rigoroso para as em endas const it ucionais 116 . Em am bos
os casos, o result ado é um valioso at ribut o de durabilidade legislat iva no
ordenam ent o, o que funciona com o barreira à desregulam ent ação e a

111
FREYFOGLE, Eric T. Should we green t he bill? Un ive r sit y of I llinois La w Re vie w , p.
166, 1992.
112
FERNANDES, Edesio. Const it ut ional environm ent al right s in Brazil. I n: BOYLE, Alan E.;
ANDERSON, Michael R. ( eds.) . H u m a n r igh t s a ppr oa ch e s t o e nvir on m e n t a l
pr ot e ct ion. Oxford: Clarendon Press, 1996, p. 275.
113
BRANDL, Ernst ; BUNGERT, Hart win. Const it ut ional ent renchm ent of environm ent al
prot ect ion: a com parat ive analysis of experiences abroad. H a r va r d En vir onm e nt a l La w
Re vie w , v. 16, p. 84, 1992.
114
SI LVA, José Afonso da. Cu r so de dir e it o con st it u ciona l posit ivo, cit ., p. 47.
115
Const it uição da República, art . 5º , § 2°, e art . 6 0, § 4º , I V.
116
Const it uição da República, art . 60.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

alt erações ao sabor de crises e em ergências m om ent âneas, art ificiais ou


não.

Nisso reside, de cert a m aneira, a razão principal do inchaço


t em át ico das Const it uições m odernas, com a inclusão de vast o cam po de
m at érias, sob " o sent im ent o de que a rigidez const it ucional é ant eparo ao
exercício discricionário da aut oridade" e " o anseio de conferir est abilidade
ao direit o legislado sobre det erm inadas m at érias" 117 .

Com o indicam Brandl e Bungert , t am bém aí est á a explicação


para que, na euforia dos processos de redem ocrat ização, países que
acabam de libert ar- se de regim es dit at oriais t endam a regular
const it ucionalm ent e um universo vast íssim o de aspect os da vida individual
e social, m uit os deles m ais apropriados para t rat am ent o pelo legislador
ordinário. O t em or de ret rocesso aut orit ário dá fôlego e legit im idade aos
m ais diversos int eresses e à busca do ant eparo const it ucional 118 .

1 .4 .9 Te r ce ir o be n e fício for m a l: subst it u içã o do pa r a digm a da


le ga lida de a m bie n t a l

Por out ro lado, por força da const it ucionalização, subst it uiu- se


o paradigm a da legalidade am bient al 119 pelo paradigm a da
const it ucionalidade am bient al. Em bora se inclua t al benefício ent re os de
nat ureza form al, a verdade é que ele det erm ina um a am biciosa
reest rut uração da equação j urídico- am bient al, com im plicações m uit o
m ais am plas do que um a singela alt eração cosm ét ica da norm a e da sua
percepção social.

Const it ucionalizar, nesse enfoque, denot a que a


const it ucionalidade t om a o lugar da legalidade na função de veículo e

117
BONAVI DES, Paulo. Cu r so de dir e it o const it u ciona l. 5. ed. São Paulo: Malheiros, p.
74.
118
BRANDL, Ernst ; BUNGERT, Hart win. Op. cit ., p. 83.
119
Ant es de 1988, prot egia- se o m eio am bient e apenas pela força da lei; assim , p. ex., o
Código Florest al de 1965, a Lei de Prot eção à Fauna de 1967 ( ant igo Código de Caça) e a
Lei da Polít ica Nacional do Meio Am bient e.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

resguardo de valores essenciais 120 , firm ando- se, a part ir daí, um a ordem
pública am bient al const it ucionalizada, t em as que serão abordados m ais
adiant e.

1 .4 .1 0 Qua r t o be n e fício for m a l: con t r ole da


con st it u cion a lida de da le i

Out ra im port ant e vant agem de cunho form al da


const it ucionalização é perm it ir o cont role de const it ucionalidade de at os
norm at ivos hierarquicam ent e inferiores ( cont role form al e m at erial) 121 .
Com o se sabe, " t odas as norm as que int egram a ordenação j urídica
nacional só serão válidas se conform arem com as norm as da Const it uição
Federal" 122 . Nesse sent ido, a Const it uição " fala diret am ent e para o
parlam ent o e pode aj udar a influenciar e m oldar o debat e legislat ivo" 123 .

Essa conform idade com os padrões const it ucionais

não se sat isfaz apenas com a at uação posit iva de acordo


com a Const it uição. Exige m ais, pois om it ir a aplicação de
norm as const it ucionais, quando a Const it uição assim o
det erm ina, const it ui t am bém condut a inconst it ucional 124 .

Naquele caso, t em - se a inconst it ucionalidade por ação; nest e, por


om issão 125 , sej a por deixar- se de prat icar at o legislat ivo, sej a pela
displicência na afirm ação de at o execut ivo.

Tal cont role de const it ucionalidade, nos t erm os da Const it uição


da República, pode ser exercido t ant o de m odo difuso com o concent rado.
Lá, por via de exceção, a cargo de qualquer int eressado, em processo
j udicial em curso; aqui, por ação diret a de inconst it ucionalidade,

120
FAVOREU, Louis et al. D r oit con st it u t ionn e l. Paris: Dalloz, 1998, p. 343 e 345.
121
Essa facet a da const it ucionalização m e foi lem brada por Rogério Cam pos, à época
est udant e de graduação da UnB, durant e palest ra que proferi no Superior Tribunal de
Just iça, em Brasília, em 10 de m aio de 2001.
122
SI LVA, José Afonso da. Cu r so de dir e it o con st it u ciona l posit ivo, cit ., p. 47.
123
THOMPSON JR., Bart on H. Op. cit ., p. 906.
124
SI LVA, José Afonso da. Cu r so de dir e it o con st it u ciona l posit ivo, cit ., p. 48.
125
Const it uição da República, art . 103, § 2°.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

respeit ada a legit im ação at iva em num erus clausus previst a no art . 103 da
Const it uição brasileira.

1 .4 .1 1 Quin t o be n e fício for m a l: r e for ço e x e gé t ico pr ó-


a m bie n t e da s n or m a s in fr a con st it u cion a is

Por derradeiro, a norm a const it ucional, sobret udo em países


com firm e t radição const it ucional, é um a poderosa ferram ent a exegét ica.
Seu uso faz- se prevalent e no cot idiano da prát ica adm inist rat iva ou
j udicial. Nessa perspect iva, t raz a si o papel de servir de verdadeiro guia
para a boa com preensão da norm a infraconst it ucional por j uízes,
adm inist radores e out ros dest inat ários.

Exat am ent e porque a prot eção const it ucional do m eio


am bient e sit ua- se num a posição elevada na hierarquia das norm as ( =
preem inência) , sua sim ples exist ência det erm ina a ( re) leit ura do direit o
posit ivo nacional 126 – passado, present e e fut uro – em part icular, no
balanceam ent o de int eresses conflit ant es 127 .

1 .5 Riscos da con st it u cion a liza çã o

Alguns riscos podem ser apont ados no processo de inserção do


m eio am bient e no quadro const it ucional. Nenhum deles, cont udo,
seriam ent e obst ou a const it ucionalização crescent e da prot eção do m eio
am bient e. O int eresse que despert am é m ais acadêm ico que prát ico, pois
raram ent e são verbalizados de form a ordenada e abert a nos debat es
recent es de reform a const it ucional. A oposição que se faz à
const it ucionalização da t ut ela am bient al não é de oport unidade, m as de
cont eúdo e de form a, pois alguns preferem ver na Const it uição um t ext o
vago e am bíguo, replet o de conceit os j urídicos indet erm inados e
obrigações abert as, com isso evit ando- se ou dificult ando- se a ut ilização
diret a e eficaz do com ando const it ucional pelas vít im as de degradação.

126
NEURAY, Jean- François. Op. cit ., p. 149.
127
LADEUR, Karl Heinz; PRELLE, Rebecca. Environm ent al assessem ent and j udicial
approaches t o procedural errors: a European and com parat ive law analysis, cit ., p. 26.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

De um lado, fala- se nos perigos da const it ucionalização de


conceit os, direit os, obrigações e princípios insuficient em ent e
am adurecidos, m al- com preendidos, ou at é incorret os ou superados ( p.
ex., a noção de equilibro ecológico) . A idéia aqui é que a Const it uição é
recint o para inst it ut os e conceit os m aduros, que gozem de am pla
aceit ação polít ica e cient ífica. Em out ras palavras, a Const it uição não seria
lugar para experim ent os de polít icas públicas e m uit o m enos para noções
ainda em form ação ou em t est e nas suas disciplinas de origem .

De out ra part e, decorrência das garant ias previst as na própria


Const it uição, há, com o j á not ado, t odo um procedim ent o m ais rigoroso
para m odificação da norm a const it ucional, o que dificult a sua at ualização
e ret ificação. Com o é curial, o m eio am bient e, os seus com ponent es, as
am eaças degradadoras do processo econôm ico 128 e o conhecim ent o
t ecnológico são dinâm icos, sem pre em perm anent e t ransform ação e
evolução 129 . Não é por out ra razão que as leis am bient ais são conhecidas
exat am ent e pela sua m ut abilidade; nelas, segurança j urídica é sinônim o
de cont ínua adapt ação e alt eração, ao cont rário do que se dá e se espera
em out ras esferas da regulação j urídica.

Por derradeiro, t ant o m ais em países sem fort e t radição


const it ucional, há sem pre o receio das norm as const it ucionais ret óricas,
com m ínim o ou nenhum im pact o concret o na operação j urídica do
cot idiano das pessoas 130 . Aquele que pouco valoriza o t ext o const it ucional

128
Acert adam ent e lem brava Pont es de Miranda que " O processo econôm ico é o m ais
inst abilizador, revolvent e, m óvel, de t odos, excet o a Moda" ( Com e nt á r ios à
Con st it u içã o de 1 9 6 7 .t .I . São Paulo: Revist a dos Tribunais, 1967, p. 313) .
129
KI SS, Alexandre; SHELTON, Dinah. M a n ua l of Eu r ope a n En vir onm e n t a l La w . Op.
cit ., p. 9.
130
Fenôm eno est e que sucede at é m esm o em nações com fort e t radição const it ucional.
É o caso, p. ex., da pífia aplicação que se faz nos Est ados Unidos das norm as de prot eção
am bient al inseridas nas Const it uições dos Est ados federados. Nem m esm o Est ados com
disposit ivos const it ucionais inequívocos são poupados. É em blem át ico o caso da
Pennsylvania, cuj a Const it uição assim dispõe: " O povo t em o direit o ao ar lim po, água
pura, e à preservação dos valores nat urais, paisagíst icos, hist óricos e est ét icos do m eio
am bient e. Os recursos nat urais públicos são propriedade com um de t odas as pessoas,
incluindo as fut uras gerações. Com o deposit ário ( t rust ee) desses recursos, o Est ado deve
conservá- los e m ant ê- los para o benefício de t odos" ( art . I , § 27) . Com o bem resum e

31
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

em cam pos m ais t radicionais, pouca at enção, cert am ent e, dedicará à


t ut ela am bient al, const it ucionalizada ou não.

1 .6 Té cn ica s de con st it u cion a liza çã o do m e io a m bie n t e n o


D ir e it o Com pa r a do

São m últ iplas as vant agens da const it ucionalização do m eio


am bient e, j á vist as. Um exam e da experiência est rangeira 131 revela que a
norm a const it ucional, com um ent e, est abelece um a obrigação genérica de
não degradar, font e do regim e de explorabilidade lim it ada e condicionada
dos recursos nat urais; ecologiza o direit o de propriedade e sua função
social; at ribui perfil fundam ent al a direit os e obrigações am bient ais;
legit im a a int ervenção est at al em favor da nat ureza; reduz a
discricionariedade adm inist rat iva no processo decisório am bient al; am plia
a part icipação pública, em especial, nas esferas adm inist rat iva e j udicial;
agrega preem inência e proem inência à quest ão e aos conflit os am bient ais;
robust ece a segurança norm at iva; subst it ui a ordem pública am bient al
legalizada por out ra de gênese const it ucional; ensej a o cont role da
const it ucionalidade da lei sob bases am bient ais; e, por fim , reforça a
int erpret ação pró- am bient e das norm as e polít icas públicas.

Tais benefícios, cont udo, nem sem pre aparecem t odos


conj ugados – sim ult aneam ent e – no t ext o const it ucional, pois são
prisioneiros da t écnica ou do desenho norm at ivo escolhido pelo
const it uint e, um leque variado de opções, na sua expressão form al, valor
sem ânt ico e efeit os. Para bem ent ender o sent ido da norm a
const it ucional, apreender seus lim it es e fragilidades, e aplicá- la com
efet ividade, crucial, pois, exam inar a form ulação levada a cabo pelo
legislador.

William Rodgers, na Pensilvânia e em out ros Est ados que const it ucionalizaram a prot eção
do m eio am bient e, t ais norm as não encont raram m aior ressonância prát ica ou
j urisprudencial, " algum as delas sendo explicit am ent e sepult adas por decisões j udiciais
sob o argum ent o de que t ais disposit ivos não seriam aut o- execut áveis" ( En vir onm e n t a l
la w , cit ., p. 66) .
131
Um a das m elhores análises da experiência est rangeira pode ser encont rada em
BRANDL, Ernst ; BUNGERT, Hart win. Op. cit ., p. 83.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Sej am direit os, obrigações e princípios, sej am obj et ivos,


program as públicos e inst rum ent os de im plem ent ação, o cert o é que a
norm a const it ucional busca regular ora o uso dos m acrobens e m icrobens
am bient ais ( água, fauna, solo, ar, florest as) , ora as at ividades hum anas
propriam ent e dit as, que afet am ou podem afet ar o m eio am bient e
( biot ecnologia, m ineração, energia nuclear, caça, agricult ura, t urism o,
const rução civil) . Mas ao fazê- lo, nem sem pre a Const it uição alcança,
com o seria desej ável, t al desiderat o.

No caso da Const it uição brasileira de 1988, vê- se facilm ent e


que o legislador inclinou- se por um desenho const it ucional
pluriinst rum ent al, rico em possibilidades dogm át icas e prát icas, em bora
het erogêneo na perspect iva de seu real valor no plano da eficácia. Com o
corret am ent e indica Eros Robert o Grau, a Const it uição, nos m oldes em
que est á post a, " dá vigorosa respost a às corrent es que propõem a
exploração predat ória dos recursos nat urais, abroqueladas sobre o
argum ent o, obscurant ist a, segundo o qual as preocupações com a defesa
do m eio am bient e envolvem propost a de ret orno à barbárie” 132 .

A form a m ais út il de est udar essas t écnicas const it ucionais é,


de preferência, part ir de um sist em a nacional e, daí, prom over as
conexões necessárias com o Direit o Com parado. Sej a pela ext ensão do
t rat am ent o que deu à m at éria, sej a pela im port ância que os t ribunais vêm
a ela em prest ando nas decisões que prolat am , sej a ainda pela diversidade
das t écnicas que abraçou, a Const it uição de 1988 convida, com o poucas,
a esse exercício de prospecção acadêm ica.

1 .7 I n t r odu çã o a m bie n t a l à Con st it u içã o de 1 9 8 8 : da


m ise r a bilida de à opu lê n cia e cológico- con st it u ciona l

A Const it uição Federal de 1988 sepult ou o paradigm a liberal


que via ( e insist e em ver) no Direit o apenas um inst rum ent o de
organização da vida econôm ica, unicam ent e orient ado a resguardar cert as
132
GRAU, Eros Robert o. A or de m e conôm ica na Const it u içã o de 1 9 8 8 . 5. ed. São
Paulo: Revist a dos Tribunais, 2000, p. 255 ( grifo no original) .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

liberdades básicas e a produção econôm ica, assim reduzindo o Est ado à


acanhada t arefa de est rut urar e perenizar as at ividades do m ercado, sob o
m ant o de cert o assept ism o social. Abandonou, pois, o enfoque
convencional da Const it uição condenada a se t ornar " um sim ples
regulam ent o econôm ico- adm inist rat ivo, m ut ável ao sabor dos int eresses e
conveniências dos grupos dom inant es" 133 .

Ao m udar de rum o – inclusive quant o aos obj et ivos que visa a


assegurara Const it uição, com o em out ros cam pos, m et am orfoseou, de
m odo not ável, o t rat am ent o j urídico do m eio am bient e, apoiando- se em
t écnicas legislat ivas m ult ifacet árias. Um a Const it uição que, na ordem
social ( o t errit ório da prot eção am bient al, no esquem a de 1988) , t em
com o obj et ivo assegurar " o bem - est ar e a j ust iça sociais" ( art . 193) , não
poderia m esm o deixar de acolher a prot eção do m eio am bient e,
reconhecendo- o com o bem j urídico aut ônom o e recepcionando- o na form a
de sist em a, e não com o um conj unt o fragm ent ário de elem ent os; sist em a
esse que, não cust a repet ir, organiza- se na form a de um a ordem pública
am bient al const it ucionalizada.

Ao abraçar essa concepção holíst ica e j uridicam ent e aut ônom a


do m eio am bient e, o const it uint e de 1988 dist ancia- se de m odelos
ant eriores, prat icam ent e fazendo m eia- volt a, especialm ent e ao adm it ir
que:

– o m eio am bient e dispõe de t odos os at ribut os requeridos


para o reconhecim ent o j urídico expresso, no pat am ar const it ucional;

133
COMPARATO, Fábio Konder. O papel do j uiz na efet ivação dos direit os hum anos. I n:
D ir e it os hu m a n os: visões cont em porâneas. São Paulo: Associação de Juízes para a
Dem ocracia, 2001, p. 16.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

– t al reconhecim ent o e am paro se dá por m eio de um a


percepção am pliada e holíst ica, ist o é, part e- se do t odo ( = a biosfera 134 )
para se chegar aos elem ent os;

– o t odo e os seus elem ent os são apreciados e j uridicam ent e


valoriza dos em um a perspect iva relacional ou sist êm ica 135 , que vai além
da apreensão at om izada e da realidade m at erial individual desses m esm os
elem ent os ( ar, água, solo, florest as, et c) ;

– a valorização do m eio am bient e se faz com fundam ent os


ét icos explícit os e im plícit os, um a com binação de argum ent os
ant ropocênt ricos m it igados ( = a solidariedade int ergeracional, vazada na
preocupação com as gerações fut uras) , biocênt ricos e at é ecocênt ricos ( o
que leva a um holism o variável, m as, em t odo caso, norm alm ent e,
acoplado a cert a at ribuição de valor int rínseco à nat ureza) ;

– o discurso j urídico- am bient al passa, t ecnicam ent e, de


t ricot ôm ico a dicot ôm ico, pois, decorrência da linguagem const it ucional,
desaparece o ius disposit ivum , j á que a voz do const it uint e expressou- se
som ent e por disposit ivos do t ipo ius cogens e ius int erpret at ivum , o que
banha de im perat ividade geral as norm as const it ucionais e a ordem
pública am bient al infraconst it ucional;

– a t ut ela am bient al deve ser viabilizada por inst rum ent al


próprio de im plem ent ação, igualm ent e const it ucionalizado, com o a ação
civil pública, a ação popular, as sanções adm inist rat ivas e penais e a
responsabilidade civil pelo dano am bient al, o que nega aos direit os e às
obrigações abst rat am ent e assegurados a m á sort e de ficar ao sabor do
acaso e da boa vont ade do legislador ordinário.

134
KI SS, Alexandre; SHELTON, Dinah. M a n ua l of Eu r ope a n Envir onm e n t a l La w , cit .,
p. 36.
135
Nesse sent ido, vej a- se que a Lei da Polít ica Nacional do Meio Am bient e ( Lei n.
6.938/ 81) define m eio am bient e com o " o conj unt o de condições, leis, influências e
int erações de ordem física, quím ica e biológica, que perm it e, abriga e rege a vida em
t odas as suas form as" ( art . 3º , I – grifou- se) .

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Quant o a esse últ im o pont o, cabe not ar que a ênfase nos


inst rum ent os de im plem ent ação é um dos m ais louváveis aspect os da
Const it uição de 1988. É nít ido o desiderat o de evit ar que a norm a
const it ucional vire refém do dest ino ret órico, expedient e pouco honroso,
m as côm odo e funcional, sem pre à disposição daqueles que,
espert am ent e, advogam um m odelo de regulação prot et ória dos
vulneráveis que dá com um a m ão e t ire com a out ra.

Esse conj unt o de inovações const it ucionais, subst ant ivas e


form ais, m ais cedo ou m ais t arde haverá de levar, no plano m ais am plo
da Teoria Geral do Direit o, a um a nova est rut ura j urídica de regência das
pessoas e dos bens. Da aut onom ia j urídica do m eio am bient e decorre um
regim e próprio de t ut ela, j á não cent rado nos com ponent es do m eio
am bient e com o coisas; m uit o ao cont rário, t rat a- se de um conj unt o abert o
de direit os e obrigações, de carát er relacional, que, com o acim a referido,
é verdadeira ordem pública am bient al, nascida em berço const it ucional.

Não é, pois, sem razão, que José Afonso da Silva afirm a que
t odo o " capít ulo do m eio am bient e é um dos m ais im port ant es e
avançados da Const it uição de 1988" 136 ; nesse sent ido, salient a Vladim ir
Passos de Freit as que o const it uint e " dedicou ao t em a, ant es não t rat ado
a nível const it ucional, t odo um Capít ulo" , além de t er inovado " na form a
de repart ição de poderes" 137 .

Capít ulo dos m ais m odernos, casado à dem ocrát ica divisão de
com pet ências legislat ivas e de im plem ent ação no t erreno am bient al, e a
t rat am ent o j urídico abrangent e, a t ut ela do m eio am bient e, com o será
analisado, não foi aprisionada som ent e no art . 225. Na verdade, salt ou- se
do est ágio da m iserabilidade ecológico- const it ucional, própria das
Const it uições liberais ant eriores, para um out ro que, de m odo adequado,
pode ser apelidado de opulência ecológico- const it ucional. Um feit o e

136
SI LVA, José Afonso da. Cu r so de dir e it o con st it u ciona l posit ivo, cit ., p. 717.
137
FREI TAS, Vladim ir Passos de. D ir e it o a dm in ist r a t ivo e m e io a m bie nt e . Curit iba:
Juruá, 2004, p. 31.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

t ant o, que m uit o deve àqueles que, no Brasil e lá fora, im pulsionados pela
m issão de " celebração da vida" , para usar as palavras de Tribe 138 ,
insurgiram - se cont ra a ordem j urídica ant inat ureza e, pelo m enos
form alm ent e, venceram .

De t oda sort e, o capít ulo do m eio am bient e nada m ais é que o


ápice ou a face m ais visível de um regim e const it ucional que, em vários
pont os, dedica- se, diret a ou indiret am ent e, à gest ão dos recursos
am bient ais. São disposit ivos esparsos que, m ais do que com plem ent ar,
legit im am ( função ecológica da propriedade 139 ) , quando não viabilizam
( ação civil pública e ação popular 140 ) , o art . 225. Procedent e, pois; a
observação de Luis Robert o Barroso no sent ido de que " as norm as de
t ut ela am bient al são encont radas difusam ent e ao longo do t ext o
const it ucional" 141 .

Cont udo, é bom lem brar que, assim m odelada e apesar de


seus inegáveis avanços, a Const it uição de 1988 não foi int eiram ent e
revolucionária, no cont ext o do Direit o Com parado. Pelo cont rário,
beneficiou- se da t endência int ernacional de const it ucionalização do m eio
am bient e e ut ilizou m apa legislat ivo desenvolvido por algum as
Const it uições est rangeiras que a ant ecederam , com um a pit ada, aqui e
ali, de saudável e criat iva originalidade. Ou sej a, o const it uint e, no
desenho am bient al da Const it uição, não t rilhou propriam ent e cam inhos
desconhecidos; ao cont rário, com part ilhou o exem plo de out ros países –
em especial, Grécia, Port ugal e Espanha, at rás m encionados –
inst auradores de um regim e const it ucional de carát er pós- indust rial e pós-
m oderno. I m port ou part e significat iva do que se vê no t ext o const it ucional
em respost a à crescent e dem anda polít ica int erna de m elhor prot eção do

138
TRI BE, Laurence H. From environm ent al foundat ions t o const it ut ional st ruct ures:
learning from nat ure's fut ure. I n: Ya le La w Jou r n a l, v. 84, 1975, p. 549.
139
Conform e, por exem plo, o art . 186, I I , da Const it uição da República.
140
Sobre ação popular am bient al, LEI TE, José Rubens Morat o. Ação popular: um
exercício de cidadania am bient al. Re vist a de D ir e it o Am bie n t a l, v. 17, p. 123- 140,
j an./ m ar. 2000.
141
BARROSO, Luis Robert o. A prot eção do m eio am bient e na Const it uição brasileira.
Re vist a For e n se , v. 317, p. 177,1992.

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am bient e, m as t am bém por razões de conveniência ( se é possível copiar,


para que invent ar?) e reverência a um a expressiva t endência m undial,
encabeçada por docum ent os int ernacionais 142 com o a Declaração de
Est ocolm o de 1972 e a Cart a Mundial da Nat ureza de 1982.

De t oda sort e, ao at ent o observador não passará despercebido


que a Const it uição brasileira, conquant o siga, às vezes de m odo lit eral, os
passos de out ras Const it uições e, visivelm ent e, o discurso e a linguagem
da Declaração de Est ocolm o de 1972, nem por isso deixa de ser, pont ual e
globalm ent e, um t ext o que enuncia est rut ura, form ulações e rem édios sui
generis para os problem as am bient ais brasileiros. Tudo isso faz com que
nela se encont re, diz Edis Milaré, " um dos sist em as m ais abrangent es e
at uais do m undo sobre a t ut ela do m eio am bient e" 143 .

1 .8 O m e io a m bie n t e n os r e gim e s con st it u cion a is a n t e r ior e s:


vida , sa ú de , fu n çã o socia l da pr opr ie da de e ou t r os fu n da m e n t os
pa r a a in t e r ve n çã o e st a t a l

Tirant e um a ou out ra providência legislat iva de regência


ut ilit arist a dos recursos nat urais no período colonial e im perial, a t ut ela
legal do am bient e, no Brasil, t eve início, de m odo fragm ent ário, na década
de 30, ganhou fôlego nos anos 60, e consolidou- se nas décadas de 80 e
90. Quais os fundam ent os const it ucionais ut ilizados, à época da edição
desses at os legislat ivos, para j ust ificar e legit im ar a int ervenção do
legislador, se, com o se sabe, só a Const it uição de 1988 abrigou,
expressam ent e, a prot eção am bient al com o direit o e dever de t odos?

Ont em , no Brasil – com o, ainda hoj e, em alguns países –, os


t ribunais, confront ados com o silêncio const it ucional e com a falt a de
port o m ais seguro, exercit avam sua criat ividade e ident ificavam , na
penum bra de out ros direit os, garant ias de cunho am bient al. Um direit o ao
m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado pode ser – e, hist oricam ent e,

142
Aliás, essas duas razões não aparecem som ent e ent re nós; nesse sent ido, HOWARD,
A. E. Dick. The indet erm inacy of const it ut ions, cit ., p. 405.
143
MI LARÉ, Edis. D ir e it o do a m bie n t e . São Paulo: Revist a dos Tribunais, 2000, p. 211.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

t em sido – derivado indiret am ent e da Const it uição, por m eio da


int erpret ação de disposit ivos que asseguram out ros valores
t radicionais 144 , com o a vida 145 ( j á que sem m eio am bient e adequado
inviabiliza- se a vida hum ana e dos out ros seres) , a saúde 146 ( sob o
argum ent o de que o ser hum ano não pode viver são em am bient e
degradado 147 ) , a dignidade da pessoa hum ana, o due process, a função
social da propriedade, a disciplina da produção e consum o 148 , ou, ainda, a
part ir das regras const it ucionais que fixam as com pet ências legislat iva e
de im plem ent ação da União, Est ados e Municípios.

Lem bra Diogo de Figueiredo Moreira Net o, um dos pioneiros


do Direit o Am bient al brasileiro, que a Const it uição de 1967 referia- se à
ecologia apenas um a vez, ao dispor, no art . 172, sobre a obrigat oriedade
de " prévio levant am ent o ecológico" de t erras suj eit as a int em péries e
calam idades, no m esm o disposit ivo t am bém vedando ao propriet ário de
t erras o fom ent o público, com incent ivos e auxílio, quando inadequado o
uso que dela fizesse 149 .

144
BRANDL, Em st ; BUNGERT, Hart win. Op. cit ., p. 21.
145
" Em bora não cont em plado expressam ent e o bem j urídico 'am bient e' no at ual t ext o
const it ucional, ele est á ínsit o no direit o fundam ent al à vida, nos t erm os do art . 153 da
Const it uição vigent e" ( CABRAL, Arm ando. Direit o ao m eio am bient e com o direit o
fundam ent al const it ucionalizado. Re vist a de D ir e it o Agr á r io e M e io Am bie n t e , ano I I ,
n. 2, p. 12, ago. 1987. ( grifou- se)
146
Cf. FERNANDES, Edesio. Op. cit ., p. 268. Segundo Hélio Gom es, " É axiom a popular
que a saúde é o m aior e o m elhor bem da vida" ( GOMES, Hélio. Direit o de cura. D ir e it o,
v. 15, 1942, p. 90) . E cont inua: " Sendo assim um bem t ão est im ável, a saúde não
poderia deixar de ser legalm ent e prot egida e am parada. E o foi. Os países civilizados
criaram o cham ado – DI REI TO À SAÚDE – const it ucionalm ent e consagrado ent re nós pela
Cart a Magna de 1937, em bora leis ant eriores j á cuidassem da m at éria" ( p. 92) . Ao
cont rário do m eio am bient e, a saúde foi form alm ent e t rat ada, sob vários enfoques, por
diversas Const it uições ant eriores a 1988 ( ELI AS, Paulo Eduardo. A saúde com o polít ica
social no Brasil, cit , p. 136) .
147
Sobre a evolução da " saúde" à " eco- saúde" , cf. JACQUEMI N, Dom inique. Écologie ,
Ét h ique e t Cr é a t ion: de la Mode Vert e à l'Ét ique Écologique, Louvain- la- Neuve, Art el.
Fides, 1994, p. 157- 161.
148
A Const it uição de 1969 previa, expressam ent e, a com pet ência da União para legislar
sobre " defesa e prot eção da saúde" ( art . 8º , XVI I , c, in fine) e " produção e consum o"
( art .8º , XVI I , d) .
149
MOREI RA NETO, Diogo de Figueiredo. Polít ica agrícola e fundiária e ecologia. Re vist a
For e n se , v. 317, p. 74, 1992.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

É fat o que, ant es de 1988, as Const it uições brasileiras não


est avam desenhadas de m odo a acom odar os valores e as preocupações
próprios de um paradigm a j urídico- ecológico 150 , padrão norm at ivo est e
que é invert ido na Const it uição de 1988, seduzida pela t écnica dos
conceit os ( " equilíbrio ecológico" , " ecossist em as" ) , obj et ivos ( t ut ela da
biodiversidade per se) , direit os ( direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado) , deveres ( dever de defender e preservar o m eio am bient e
para as present es e fut uras gerações) , princípios ( da prevenção, da
precaução e da reparação int egral, p. ex.) , inst rum ent os ( áreas prot egidas
e Est udo Prévio de I m pact o Am bient al, p. ex.) , t udo sob a influência e a
inspiração da Ecologia e da gest ão am bient al.

Paulo Affonso Lem e Machado, na prim eira edição do seu


Direit o am bient al brasileiro, pregava, ainda em 1982, que o m eio
am bient e m erecia " m elhor form ulação na Const it uição Federal. O fat o,
cont udo, da inexist ência de um ordenam ent o específico não pode ser
ent endido com o inibidor das regras sobre a defesa e prot eção da saúde
not adam ent e" 151 . E acrescent ava:

Se de um lado a Const it uição não t rat ou o am bient e de


form a abrangent e e global, de out ro lado, m uit as m at érias
que int egram o t em a am bient e foram cont em pladas no t ext o
m aior do país. Assim , águas, florest as, caça, pesca, energia
nuclear, j azidas, prot eção à saúde hum ana foram obj et o das
disposições const it ucionais 152 .

Realm ent e, a lacuna nas ordens const it ucionais ant eriores a


1988 não foi óbice sério e int ransponível à regulam ent ação legal de
cont role das at ividades nocivas ao am bient e ou, m ais com um ent e, aos
seus elem ent os. Tant o assim que nesse período de vazio const it ucional,
deu- se a prom ulgação do Código Florest al, de 1965, e da Lei n. 6.938/ 81

150
Para Feldm ann e Cam ino, " Nas Const it uições ant eriores, as norm as am bient ais eram
incipient es, rest ringindo- se a disposit ivos de defesa e prot eção à saúde ou event ual
m enção à preservação do pat rim ônio hist órico e função social da propriedade"
( FELDMANN, Fábio José; CAMI NO, Maria Est er Mena Barret . O direit o am bient al: da
t eoria à prát ica. Re vist a For e n se , v. 317, p. 95,1992) .
151
LEME MACHADO, Paulo Affonso, D ir e it o a m bie n t a l br a sile ir o, cit ., p. 8.
152
I bid., p. 8.

40
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

( Lei da Polít ica Nacional do Meio Am bient e) , ainda hoj e dois m arcos
vigent es na evolução do Direit o Am bient al brasileiro.

1 .8 .1 A sa ú de on t e m

O Minist ro José Celso de Mello, escrevendo sob o im pério da


Cart a Const it ucional de 1969, apont ava que " A t ut ela j urídica do m eio
am bient e decorre da com pet ência legislat iva sobre defesa e prot eção da
saúde" 153 . Ao cont rário do m eio am bient e, a saúde, com o valor próprio e
separado do núcleo- m ãe " vida" , foi form alm ent e t rat ada, sob vários
enfoques, pelas Const it uições ant eriores à de 1988 154 .

À falt a de reconhecim ent o expresso, não rest ava ao int érpret e


out ra alt ernat iva que não equiparar degradação am bient al a degradação
sanit ária, ou, pior, incluir aquela no universo difuso dos poderes est at ais
de regulação da " produção e do consum o" . Sem dúvida, em am bos os
casos est am os diant e de um a argum ent ação de cunho est rit am ent e
ant ropocênt rico, com indisfarçável cont eúdo econom icist a e ut ilit arist a.

Naquele período, t al raciocínio, não obst ant e sua inegável


fragilidade, at é que vingou e serviu para dar sust ent ação à int ervenção
legislat iva, recebendo, inclusive, respaldo j udicial. Hoj e, cont udo, em j uízo
ret rospect ivo, é possível verificar o carát er lim it ado – em bora ainda
válido, com o será vist o abaixo – desse esforço, post o que et icam ent e
insuficient e e dogm at icam ent e frágil.

Et icam ent e insuficient e porque, com o será t rat ado adiant e, a


t ut ela am bient al gradual e errat icam ent e abandona a rigidez de suas
origens ant ropocênt ricas e acolhe um a visão m ais am pla, de carát er
biocênt rico ( ou m esm o ecocênt rico) , ao propor- se a am parar a t ot alidade
da vida e das suas bases 155 . Realm ent e, nem sem pre a degradação ou at é

153
MELLO FI LHO, José Celso de. Con st it u içã o Fe de r a l a not a da . São Paulo: Saraiva,
1984, p. 40.
154
ELI AS, Paulo Eduardo. Op. cit ., p. 136.
155
A Const it uição da República refere- se à preservação e rest auração de " processos
ecológicos essenciais" ( art . 225, § 1°, I ) ; ev ident em ent e, " essenciais" à sobrevivência do

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

dest ruição int egral de um ecossist em a ou espécie afet am , de m odo visível


e calculável, a saúde hum ana.

Dogm at icam ent e frágil porque o direit o à saúde não se


confunde com o direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado:
dividem um a área de larga convergência ( e at é de sobreposição) , m as os
lim it es ext ernos de seus círculos de configuração não são, em rigor,
coincident es. Quase sem pre quando se am para o am bient e est á- se
beneficiando a saúde hum ana e vice- versa. De fat o, há aspect os da
prot eção am bient al que dizem respeit o, de m aneira diret a, à prot eção
sanit ária. Assim é com o cont role de subst âncias perigosas e t óxicas,
com o os agrot óxicos, e com a preocupação sobre a pot abilidade da água e
a respirabilidade do ar.

Concepções vizinhas, sim , m as de m aneira algum a idênt icas.


I núm eras vezes, na int ervenção do legislador am bient al, é bom que se
diga, a saúde hum ana t em papel secundário, periférico e at é sim bólico,
com o sucede com a prot eção de cert as espécies am eaçadas de ext inção
( o m ico- leão- dourado, p. ex.) ou de m anguezais, no im aginário popular
ainda associados a ecossist em as m alcheirosos, insalubres e abrigo de
m osquit os dissem inadores de doenças. Em algum as sit uações – a
proibição, p. ex., da caça de espécies peçonhent as ou perigosas aos seres
hum anos, com o o j acaré e a onça – a det erm inação legal prot et ória chega
m esm o a reduzir a segurança im ediat a e at é a pôr em risco a vida das
populações que vivem nas im ediações do habit at desses anim ais 156 .

planet a, com o o conhecem os, concepção que ult rapassa a fórm ula t radicional da
sobrevivência do hom em .
156
Cit em - se dois exem plos concret os. Na Bahia, j á não encont ram os a ararinha- azul em
liberdade. A sua ext inção na nat ureza cert am ent e t eve im pact o zero na vida das pessoas,
e m uit o m enos na sua saúde. Do m esm o m odo, no Equador ( I lhas Galápagos) , das 14
subespécies de t art aruga gigant es, com peso de at é 270 kg, exist ent es em 1535, quando
os europeus chegaram ao local, t rês j á est ão ext int as e um a quart a, a da I lha de Pint a,
t em um só indivíduo sobrevivent e, " Solit ário Jorge" . Qual o im pact o diret o do
desaparecim ent o de Jorge na saúde da população local, do Equador ou m esm o do
m undo? A ext inção de um a espécie é sem pre last im ada, m as quase nunca por suas
conseqüências sanit árias.

42
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Na leit ura da Const it uição, sej a em favor da sua boa


int erpret ação, sej a para viabilizar um a im plem ent ação corret a de suas
norm as, às vezes é necessário separar, de um lado, o direit o de não ser
at ingido por poluent es ou pela degradação am bient al e, de out ro, o direit o
à prot eção da nat ureza em si considerada. Naquele caso, o obj et ivo da
int ervenção não é salvaguardar a nat ureza per si, m as o m eio am bient e
com o veículo de possíveis danos à pessoa ou à propriedade. Nesse caso,
diversam ent e, o que se visa a assegurar é, em prim eiro plano, a
m anut enção do equilíbrio ecológico, com o valor int rínseco, m esm o que,
indiret am ent e, garant a- se um a vida m ais segura para t odos, ou, para
usar a expressão da Const it uição, um a sadia qualidade de vida 157 .

1 .8 .2 A sa ú de h oj e

Em bora vá além , ao prever a prot eção do m eio am bient e per


si, o regim e const it ucional brasileiro at ual m ant ém a vinculação vida-
am bient e, saúde- am bient e e segurança- am bient e. Trat a de aproxim ação
que, não obst ant e arrim ada em longa t radição dout rinária e em regim es
const it ucionais ant eriores, hoj e é decorrência da let ra expressa da
Const it uição de 1988. Por exem plo, ent re as com pet ências do Sist em a
Único de Saúde, est ão o cont role, a fiscalização e a inspeção de " águas
para consum o hum ano" ( art . 200, VI ) , " produção, t ransport e, guarda e
ut ilização de subst âncias e produt os ( ...) t óxicos e radioat ivos" ( art . 200,
VI I ) , assim com o a colaboração " na prot eção do m eio am bient e, nele
com preendido o do t rabalho" ( art . 200, VI I I ) 158 .

Por conseguint e, no regim e const it ucional brasileiro, com o em


out ros países, apesar do expresso reconhecim ent o de um direit o ao m eio

157
LADEUR, Karl Heinz; PRELLE, Rebecca. Environm ent al const it ut ional law, cit ., p. 17.
158
Sobre o m eio am bient e do t rabalho, cf. FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de. Op.
cit ., FERREI RA, Daniela Câm ara; FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de. Direit o
const it ucional ao m eio am bient e de t rabalho seguro e saudável. I n: FI GUEI REDO,
Guilherm e José Purvin de ( org.) , Te m a s de dir e it o a m bie nt a l e u r ba n íst ico. São
Paulo: Max Lim onad, 1998, p. 103- 115. ROCHA, Júlio César de Sá da. Direit o am bient al,
m eio am bient e do t rabalho rural e agrot óxicos. Re vist a de D ir e it o Am bie n t a l, v. 10, p.
106- 122, abr./ j un. 1998.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

am bient e ecologicam ent e equilibrado, o direit o à saúde – no sent ido de


possibilidade de desenvolvim ent o pessoal t ranqüilo – pode ( e deve) ser
ent endido com o incluidor da prot eção cont ra riscos ( e degradação)
am bient ais 159 . É claro que aqui, com o em out ros países 160 , a com unidade
am bient alist a, ansiosa por cont rabalançar a est ridência ut ilit arist a do
ant ropocent rism o radical sem pre recorrent e, põe o foco principal de sua
m ilit ância e de seus esforços na conservação dos processos ecológicos
essenciais, invert endo a equação t radicional – da saúde ao am bient e – em
favor de out ra, m ais holíst ica – do am bient e à saúde.

Com o se percebe da análise dos vários disposit ivos cit ados,


est á- se diant e de sim biose norm at iva est reit a. Não obst ant e a crít ica
t eórica acim a feit a ( seu m arcant e t raço ant ropocênt rico original) , t rat a- se,
no t erreno est rit am ent e pragm át ico, de conj ugação que pode apresent ar
vant agens prát icas, t ant o m ais se se souber m it igar o exagerado
ant ropocent rism o original. Em out ras palavras, a aceit ação de um a
prot eção aut ônom a do m eio am bient e em m uit as sit uações não exclui, e
at é recom enda, sua conexão com a saúde e segurança hum anas.
Considerando a posição cent ral que hist oricam ent e a saúde ocupa no
ordenam ent o – um dos raros fundam ent os, at é no Código Civil de 1916,
capazes de ensej ar rest rição absolut a ao exercício do direit o de
propriedade – t al proxim idade, se bem t rabalhada e ut ilizada com
int eligência, propiciará m elhor salvaguarda do m eio am bient e in se e per
se.

Exat am ent e por despert ar essa reverência t radicional por


part e do legislador e do im plem ent ador, decorrência de seu prest ígio na
opinião pública, o argum ent o da prot eção da saúde oferece benefícios
inegáveis à t ut ela do m eio am bient e, j á que consigo t ransport a força

159
LADEUR, Karl Heinz; PRELLE, Rebecca. Environm ent al const it ut ional law, cit ., p. 27
( grifo no original) .
160
Quant o ao papel da saúde na evolução do am bient alism o nort e- am ericano, cf. o
excelent e MI TMAN, Gregg. I n search of healt h: landscape and disease in am erican
environm ent al hist ory. En vir onm e n t a l H ist or y, v. 10, n. 2, 2005.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

ret órica e visibilidade inigualáveis. No Brasil, com o em t odo o m undo, o


direit o à saúde ocupa pat am ar m áxim o no arcabouço const it ucional e
legal. Perant e ele, são lim it ados e at é int eiram ent e afast ados out ros
direit os const it ucionais, com o o direit o de greve, o direit o de propriedade,
o direit o de m anifest ação e expressão com ercial ( rest rições e m esm o
vedação da publicidade de t abaco, p. ex.) 161 .

Alguns países põem essa conexão no próprio coração dos


novos direit os vinculados ao m eio am bient e. Assim , p. ex., a Bélgica, ao
reform ar, em 1994, o art . 23( 1) de sua Const it uição, incluiu, no cam po
dos direit os econôm icos e sociais, o " direit o à prot eção de um m eio
am bient e sadio" ( grifou- se) , disposit ivo esse crit icado pela m elhor
dout rina, diant e do exagero ant ropocênt rico e por reduzir o cam po de sua
aplicação à t ut ela da saúde hum ana, m esm o que aqui se ent enda com o
abrangent e do bem - est ar de t odos os seres vivos 162 .

1 .9 Té cn ica s de t u t e la do m e io a m bie n t e n a Con st it uiçã o de


1988

É no art . 225 que se encont ra o núcleo principal da prot eção


do m eio am bient e na Const it uição de 1988. Cuida- se de disposit ivo que,
pela sua com plexidade e feição original ( pelo prism a da t radição
const it ucional brasileira) , cert am ent e m erece est udo m uit o m ais
aprofundado do que aquele que aqui se desenvolve.

Não se pode esquecer, com o j á referido, que o art . 225 é


apenas o port o de chegada ou pont o m ais salient e de um a série de out ros
disposit ivos que, diret a ou indiret am ent e, inst it uem um a verdadeira m alha
regulat ória que com põe a ordem pública am bient al, baseada nos
princípios da prim ariedade do m eio am bient e e da explorabilidade lim it ada
da propriedade, am bos de carát er geral e im plícit o.

161
No m esm o sent ido, na França, FAVOREU, Louis et al. Op. cit ., p. 856.
162
NEURAY, Jean- François. Op. cit ., p. 142.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Em t erm os form ais, a prot eção do m eio am bient e na


Const it uição de 1988 não segue – nem seria recom endável que seguisse –
um único padrão norm at ivo, dent re aqueles encont ráveis no Direit o
Com parado 163 . Ora o legislador ut iliza- se da t écnica do est abelecim ent o
de direit o e dever genéricos ( p. ex., a prim eira part e do art . 225, caput ) ,
ora faz uso da inst it uição de deveres especiais ( p. ex., t odo o art . 225, §
1º ) . Em alguns casos, t ais enunciados norm at ivos podem ser apreciados
com o princípios específicos e explícit os ( p. ex., os princípios da função
ecológica da propriedade rural e do poluidor- pagador, previst os,
164
respect ivam ent e, nos art s. 186, I I , e 225, §§ 2° e 3°) , nout ros, com o
inst rum ent os de execução ( p. ex., a previsão do Est udo Prévio de I m pact o
Am bient al 165 ou da ação civil pública 166 ) . O const it uint e t am bém prot egeu
cert os biom as hiperfrágeis ou de grande valor ecológico ( p. ex., a Mat a
At lânt ica, o Pant anal, a Florest a Am azônica, a Serra do Mar e a Zona
Cost eira 167 ) .

Na Const it uição, há direit os, deveres e princípios am bient ais


( a) explícit os e im plícit os, ( b) subst ant ivos e procedim ent ais, e ( c)
genéricos e específicos. São explícit os aqueles incorporados, com nom e e
sobrenom e, na regulação const it ucional do m eio am bient e ( a t ít ulo de
exem plo cit em - se, novam ent e, o direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado e o princípio poluidor- pagador, am bos previst os no art . 225) .
Com o im plícit os, há os direit os, deveres e princípios que defluem , via
labor int erpret at ivo, da norm a e do sist em a const it ucional de prot eção do
m eio am bient e. É o caso do dever genérico de não degradar e dos
princípios da prim ariedade do m eio am bient e e da explorabilidade lim it ada
da propriedade.

163
Na prát ica const it ucional com parada, a previsão de direit os fundam ent ais e de
obj et ivos públicos ( st at em ent s of public policy) são as duas t écnicas m ais ut ilizadas de
t ut ela am bient al. BRANDL, Em st ; BUNGERT, Hart win. Op. cit ., p. 8.
164
Cf. BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. O princípio poluidor- pagador e a reparação do dano
am bient al. I n: BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. ( coord.) . D a n o a m bie n t a l: prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: Revist a dos Tribunais, 1993, p. 226- 236.
165
Const it uição da República, art . 225, § 1°, I V.
166
Const it uição da República, art . 129, I I I , e § 1º .
167
Const it uição da República, art . 225, § 4º .

46
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Por out ro enfoque, na Const it uição, é possível localizar


direit os, deveres e princípios am bient ais subst ant ivos ( = m at eriais ou
prim ários) , além de out ros que t êm índole t ot al ou preponderant em ent e
procedim ent al ( = inst rum ent al) . Pert encem àquela cat egoria os que
definem posições j urídicas, qualificam o dom ínio ou rest ringem a
exploração dos recursos nat urais. Ent re eles, int eressa cit ar o próprio
direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado e o dever de
" preservar e rest aurar os processos ecológicos essenciais" 168 , para lim it ar-
se a apenas dois exem plos. Procedim ent ais ou inst rum ent ais são os que
se prest am à viabilização, execução ou im plem ent ação dos direit os e das
obrigações m at eriais, alguns com feição est rit am ent e am bient al, out ros de
aplicação m ais abrangent e, não rest rit os ao cam po da t ut ela do am bient e
( p. ex., o direit o à inform ação ou o direit o a audiências públicas) .

Finalm ent e, um a t erceira perspect iva vislum bra direit os,


deveres e princípios gerais e especiais ( ou set oriais) . Aqueles se
caract erizam por sua aplicação fungível a t odos os suj eit os ou cam pos
am bient ais; est es, diversam ent e, vêm com dest inação m at erial ou
subj et iva m ais definida e reduzida, ora dirigindo- se som ent e ao Poder
Público, ora a alguns suj eit os da relação obrigacional ( o m inerador, p.
ex.) , ora, ainda, recobrindo apenas part es do vast íssim o universo da
prot eção do m eio am bient e.

O carát er am bient al de cert os direit os, deveres, princípios e


inst rum ent os por vezes é original ou diret o ( direit o ao m eio am bient e
ecologicam ent e equilibrado ou o princípio poluidor- pagador, p. ex.) ; por
out ras, derivado, reflexo ou indiret o. São derivados, reflexos ou indiret os
na m edida em que, em bora não cuidem de m aneira exclusiva ou precípua
do am bient e, acabam , t angencialm ent e ou por int erpret ação, por
acaut elar valores am bient ais ( direit o à vida 169 , direit o à saúde 170 , direit o

168
Const it uição da República, art . 225, § 1°, I .
169
Const it uição da República, art . 5º , caput .
170
Est abelece a Const it uição que ao Sist em a Único de Saúde, dent re out ras at ribuições,
com pet e " part icipar do cont role e fiscalização da produção, t ransport e, guarda e

47
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

de propriedade com função Social 171 , direit o à inform ação 172 , direit os dos
povos indígenas 173 , direit o ao exercício da ação popular 174 e ação civil
pública 175 , para cit ar alguns) .

Port a- voz de direit os, obrigações, princípios, obj et ivos,


program as públicos e inst rum ent os, o cert o é que a norm a const it ucional,
em t odas as suas fórm ulas e t écnicas, conduz sem pre ao m esm o obj et ivo:
a regulação do uso dos m acrobens e m icrobens am bient ais ( água, fauna,
solo, ar, florest as) ou das at ividades hum anas propriam ent e dit as,
capazes de afet ar o m eio am bient e ( biot ecnologia, m ineração, energia
nuclear, caça, agricult ura, t urism o) .

Analisar- se- ão, agora, no âm bit o da Const it uição de 1988, as


seguint es t écnicas 176 – m ais com uns de const it ucionalização da prot eção
do m eio am bient e: a) direit os fundam ent ais; b) deveres fundam ent ais; c)
princípios am bient ais; d) função ecológica da propriedade; e) obj et ivos
públicos vinculant es; f) program as públicos abert os; g) inst rum ent os de
im plem ent ação; h) prot eção de biom as ou ecossist em as part iculares.

1.9. 7 Técnica dos direit os fundam ent ais

Form alm ent e, direit os fundam ent ais são aqueles que,
reconhecidos na Const it uição ou em t rat ados int ernacionais 177 , at ribuem
ao indivíduo ou a grupos de indivíduos um a garant ia subj et iva ou pessoal.

ut ilização de subst âncias e produt os psicoat ivos, t óxicos e radioat ivos" ( art . 200, VI I –
grifou- se) , bem com o " colaborar na prot eção do m eio am bient e, nele com preendido o do
t rabalho" ( art . 200, VI I I – grifou- se) .
171
Const it uição da República, art . 5°, XXI I I , e art . 186, I I .
172
Const it uição da República, art . 5°, XI V e XXXI I I .
173
" São t erras t radicionalm ent e ocupadas pelos índios as por eles habit adas em carát er
perm anent e, as ut ilizadas para suas at ividades produt ivas, as im prescindíveis à
preservação dos recursos am bient ais necessários á seu bem - est ar e as necessárias a sua
reprodução física e cult ural, segundo seus usos, cost um es e t radições" ( Const it uição da
República, art . 231, § 1º – grifou- se) .
174
Const it uição da República, art . 5º , LXXI I I .
175
Const it uição da República, art . 129, I I I , e § 1º .
176
No t em a, cf. BROOKS, Richard O. Op. cit ., p. 1104. BRANDL, Ernst ; BUNGERT,
Hart win. Op. cit ., p. 1992.
177
FAVOREU, Louis et al. D r oit con st it u t ionn e l, cit ., p. 780.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

São variegadas as t eorias j urídicas que buscam j ust ificá- los e explicá- los,
não cabendo, no espaço lim it ado do present e ensaio, exam iná- las 178 .

A dout rina, de form a geral, reconhece a exist ência de um


direit o fundam ent al ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado,
m orm ent e nos países que m odificaram suas Const it uições após a
Conferência de Est ocolm o de 1972. Nessa linha, para Canot ilho e Moreira,
o " direit o ao am bient e" é um dos " novos direit os fundam ent ais" 179 , ou,
nas palavras de Álvaro Luiz Valery Mirra, um " direit o hum ano
fundam ent al" 180 .

Com o direit o fundam ent al, lem bra Crist iane Derani, o m eio
am bient e ecologicam ent e equilibrado é " result ado de fat ores sociais que
perm it iram e at é m esm o im puseram a sua crist alização sob form a
j urídica, explicit ando a sua relevância para o desenvolvim ent o das
relações sociais" 181 . Na dout rina, a valoração dogm át ica desse direit o não
é uniform e. Alguns o consideram " direit o da personalidade e,
sim ult aneam ent e, com o um direit o e um a garant ia const it ucional" 182 , ou
sej a, direit o fundam ent al na visão da Const it uição de 1988 e direit o da
personalidade, na perspect iva do Direit o Privado. Out ros o reput am ,

178
Para um a concisa análise dessas várias t eorias, cf. BRANDL, Ernst ; BUNGERT,
Hart win. OD. cit ., p. 9.
179
CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; MOREI RA, Vit al. Op. cit ., p. 37. No m esm o
sent ido, Milaré enxerga o direit o ao am bient e sadio com o " um direit o fundam ent al do
indivíduo" , ist o é, " direit o público subj et ivo, vale dizer, exigível e exercit ável em face do
próprio Est ado, que t êm , t am bém , a m issão de prot egê- lo" ( MI LARÉ, Édis. D ir e it o do
a m bie nt e , cit ., p. 212- 213) . Ainda na m esm a linha, CASTRO, Carlos Robert o de
Siqueira. O direit o am bient al e o novo hum anism o ecológico. Re vist a For e nse , v. 317,
p. 34, 1992 ( " est am os diant e da novíssim a t erceira geração dos direit os hum anos" ) .
COSTA NETO, Nicolao Dino de Cast ro. Pr ot e çã o j ur ídica do m e io a m bie nt e . Belo
Horizont e: Del Rey, 2003, p. 103 e " 121. ANTUNES, Paulo de Bessa. D ir e it o a m bie n t a l.
Rio de Janeiro: Lum en Juris, 1996, p. 37. No Direit o it aliano, MEZZETTI , Luca. La
" Cost it uzione dell'Am bient e" . I n: M a n ua le di dir it t o a m bie n t a le . Padova: CEDAM,
2001, p. 85- 142.
180
MI RRA, Álvaro Luiz Valery. Açã o civil pública e a r e pa r a çã o do da no a o m e io
a m bie nt e . São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 53- 58.
181
DERANI , Crist iane. Meio am bient e ecologicam ent e equilibrado: direit o fundam ent al e
princípio da at ividade econôm ica. I n: FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de ( org.) .
Te m a s de dir e it o a m bie n t a l e ur ba n íst ico. São Paulo: Max Lim onad, 1998, p. 92.
182
RAPOSO, Mário. O direit o ao am bient e com o direit o fundam ent al. I n: Ce nt r o de
Est u a dos Ju diciá r ios, Te x t os, Am bie n t e , Lisboa , 1994, p. 115.

49
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

sim ult aneam ent e, direit o e princípio, ou, ainda, encarnação de direit o
hum ano 183 ou de direit o subj et ivo 184 ao m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado. De t oda sort e, t odas essas posições t êm em com um a
inclusão da prot eção am bient al no plano m ais elevado do caderno de
direit os reconhecido aos cidadãos.

Não são poucas, nem insignificant es, as conseqüências da


concessão de st at us de direit o fundam ent al ao m eio am bient e
ecologicam ent e equilibrado. Ant es de m ais nada, o direit o fundam ent al
leva à form ulação de um princípio da prim ariedade do am bient e 185 , no
sent ido de que a nenhum agent e, público ou privado, é lícit o t rat á- lo com o
valor subsidiário, acessório, m enor ou desprezível 186 .

Além disso, com o direit o fundam ent al, est á- se diant e de


" direit o de aplicação direct a" , em

sent ido percept ivo e não apenas program át ico; vale por si
m esm o, sem dependência da lei. A ult erior regulam ent ação
ou desenvolvim ent o pelo legislador ordinário aj udará
som ent e a densificar a sua exeqüibilidade. Vincula, desde
logo, t odas as ent idades públicas e privadas 187 .

183
Concepção est a que corre o risco de aprisionar a t ut ela do m eio am bient e em cam isa
de força ant ropocênt rica, excet o se, ao revisit á- la, est rut uralm ent e expandirm os a noção
de direit o hum ano para além de sua com preensão t radicional, t ransform ando- o num
direit o de salvaguarda, a um só t em po, do ser hum ano e do m eio em que vive; cf., nesse
pont o, PRI - EUR, Michel. Op. cit ., p. 64.
184
Sobre os direit os const it ucionais com o direit os subj et ivos, cf. ALEXY, Robert . Te or ia
de los de r e ch os fu nda m e n t a le s, cit ., p. 111- 162.
185
Prim ariedade est a que, para alguns, t em sent ido absolut o, conquant o o direit o ao
m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado " se encont ra acim a de qualquer out ro direit o
post o que diz respeit o à garant ia da vida" ( OLI VEI RA, Helli Alves de. I nt ervenção est at al
na propriedade privada m ot ivada pela defesa do m eio am bient e. Re vist a For e nse , v.
317, p. 141, 1992) .
186
No Direit o it aliano, sobre o princípio da prim ariedade do am bient e cf. CECCHETTI ,
Marcello. Pr in cipi cost it u zion a li pe r la t ut e la de ll’a m bie n t e . Milano: Giufrrè, 2000, p.
85- 116.
187
RAPOSO, Mário. Op. cit ., p. 115. A Const it uição da República, no seu art . 5°, § 1°,
não deixa dúvida a esse respeit o: " As norm as definidoras de direit os e garant ias
fundam ent ais t êm aplicação im ediat a" . Apreciando o sent ido de t al disposit ivo, lem bra
Eros Robert o Grau, com o exem plar discernim ent o de sem pre, que " I sso significa que
t ais norm as devem ser im ediat am ent e cum pridas pelos part iculares, independent em ent e
da produção de qualquer at o legislat ivo ou adm inist rat ivo. Significa, ainda, que o Est ado
t am bém deve pront am ent e aplicá- las, decidindo pela im posição do seu cum prim ent o,
independent em ent e da produção de qualquer at o legislat ivo ou adm inist rat ivo, e as

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Há m ais. Com o direit o fundam ent al, ao equilíbrio ecológico,


at ribui- se irrenunciabilidade, inalienabilidade e im prescrit ibilidade 188 ,
caract eríst icas que, post eriorm ent e, inform arão a ordem pública am bient al
e o próprio m arco j urídico dorsal do Direit o Am bient al brasileiro, conform e
m elhor será exam inado em out ra part e dest e ensaio. A fundam ent alização
de direit os dessa nat ureza – conect ados a beneficiários fragm ent ários ( a
difusidade dos suj eit os- t it ulares at uais) , fut uros ( as gerações fut uras) , ou
dest it uídos de voz ou est at ura processual próprias ( os seres vivos e os
processos ecológicos essenciais) – t raz consigo a presunção absolut a de
que a sua exist ência ou afirm ação independe da perm anent e e im ediat a
revolt a das vít im as cont ra as violações event ualm ent e prat icadas. A falt a
de zelo dos beneficiários na sua fiscalização e defesa não afet a sua
validade e eficácia, pois são verdadeiram ent e direit os at em porais,
vacinados cont ra os efeit os j urídicos decorrent es, com o regra, da inação
das vít im as diant e da prepot ência dos degradadores. São direit os que se
m ant êm direit os, não obst ant e o com port am ent o dos seus t it ulares,
individualm ent e considerados, nessa ou naquela direção.

I rrenunciabilidade, conquant o é direit o que não aceit a


renúncia aprioríst ica, em bora conviva am iúde com a om issão de exercício
e a im plem ent ação relaxada ( a conhecida e corriqueira passividade da
vít im a am bient al e do próprio Est ado) . Ou, m elhor, não adm it e que o
infrat or alegue direit o de degradar por om issão ou at é m esm o aceit ação,
expressa ou im plícit a, dos prej udicados ou de seus port a- vozes
inst it ucionais, com o a Adm inist ração, as ONGs e o Minist ério Público. Tal
conclusão, é bom explicar, não se choca, em princípio, com os poderes
norm alm ent e out orgados aos órgãos am bient ais e ao Minist ério Público
para a celebração de Term os de Aj ust am ent o de Condut a ( TACs) , excet o
quando abdicam de obrigações am bient ais principais, indo além do que
seria const it ucionalm ent e aceit ável. Os TACs que, diret a ou indiret am ent e,

t ornando j urídica ou form alm ent e efet ivas" ( cf. GRAU, Eros Robert o. A or de m
e conôm ica n a Con st it u içã o de 1 9 8 8 , cit ., p. 250) .
188
SI LVA, José Afonso da. Cu r so de dir e it o con st it u ciona l posit ivo, cit ., p. 166.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

privat izem o m eio am bient e, bem com o aqueles que cont enham m ais do
que renúncia a obrigações acessórias ou concessão de benefícios
t em porais ( p. ex., prazo razoável para a recuperação do dano causado ou
para a inst alação de equipam ent os de cont role de em issões) , cruzam a
linha divisória ent re o adm issível e o inadm issível, em m at éria de padrão
const it ucional brasileiro.

I nalienabilidade, na m edida em que, por ser de exercício


próprio, é indelegável, int ransferível e inegociável, pois ost ent a
t it ularidade pulverizada e personalíssim a, incapaz de apropriação
individual – afinal, cuida- se, para usar expressão da civilíst ica t radicional,
de res ext ra com m ercium . Se a apropriação é const it ucionalm ent e
colet ivizada ( a Const it uição brasileira refere- se a " bem de uso com um do
povo" ) , daí conclui- se que o poder de alienar não pode ser individual;
m elhor dizendo, nem individual, nem colet ivam ent e, j á que a qualificação
supraindividual é desenhada no plano da Const it uição, o que afast a
inclusive event ual t ent at iva de desafet ação ou desdest inação 189 indiret a,
por m eio de acordos celebrados pelo Est ado e pelo Minist ério Público.

Por últ im o, é direit o im prescrit ível, qualidade derivada do seu


perfil int ert em poral ou at em poral, pois consagra ent re os seus
beneficiários at é os incapazes de exercit arem seus direit os diret am ent e e
m esm o as gerações fut uras. Seria um despropósit o defender que aquilo
que não pode ser at ivam ent e alienado, por cont a de sua indisponibilidade,
adm it a alienação passiva, em decorrência do passar do t em po. A m esm a
inalienabilidade que cobre o at uar posit ivo dos t it ulares t am bém revest e o
não- at uar, a om issão de reclam ar.

189
É " o at o j urídico st rict o sensu, adm inist rat ivo ou const ant e da lei, pelo que se
desvest e de sua dest inação pública o bem , para fazê- lo volver à cat egoria de propriedade
privada" ( PONTES DE MI RANDA. Com e n t á r ios à Con st it u içã o de 1 9 6 7 .t .I . São Paulo:
Revist a dos Tribunais, 1967, p. 451) .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

O direit o fundam ent al ao m eio am bient e t om a para si feição


ora prim ária ( ou subst ant iva) , ora procedim ent al ( ou form al) 190 . No que
se refere às est rut uras norm at ivas form ais, a Const it uição, ao reconhecer
que a sim ples edição de direit os e obrigações fundam ent ais não assegura
o quadro de t ut ela que se alm ej a, elenca direit os ( e obrigações, t am bém ,
com o será vist o) fundam ent ais de est irpe procedim ent al ou de
im plem ent ação. Nunca é dem ais alert ar que, dependendo de com o a
Const it uição venha enquadrar e regular os procedim ent os de exercício de
poder, a norm a const it ucional, em boa m edida, j á est ará det erm inando a
nat ureza e o result ado de bat alhas legislat ivas e adm inist rat ivas
fut uras 191 .

São preceit os que se agregam , inevit avelm ent e, aos direit os


( e aos deveres) subst ant ivos ( com o a prevenção e a reparação do dano
am bient al) , pois esses am iúde não t êm vida própria, à m ercê que est ão
de m eios e facilidades t écnico- j urídicas que os realizem , sej a no que se
refere ao conhecim ent o da própria infração e do possível prej uízo ( direit o
à inform ação) , sej a quant o à necessidade de at uar prevent ivam ent e ainda
na fase adm inist rat iva ( direit o de part icipação) , sej a ainda no que t ange à
prest ação j urisdicional ( direit o de acesso à Just iça) . Com o se sabe,
inexist e coincidência necessária ent re o dest inat ário do ônus nas duas
cat egorias de direit os e deveres prim ários e procedim ent ais: assim , p. ex.,
o direit o de inform ação ( direit o procedim ent al) pode at ribuir, em um a
dada sit uação, ônus ao Poder Público e não ao poluidor pot encial,
dest inat ário do dever fundam ent al prim ário de conservar o m eio
am bient e.

190
Advert e Pont es de Miranda que nas Const it uições " há regras de form a" e " regras de
fundo" ( I bid., p. 287 – ( grifo no original) ; poder- se- ia acrescent ar, na perspect iva da
prot eção do m eio am bient e, que há regras que est abelecem o cont eúdo de direit os e
obrigações am bient ais e regras que det erm inam a form a de exercício e t ut ela desses
m esm os direit os e obrigações.
191
THOMPSON JR., Bart on H. Op. cit ., p. 920.

53
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Nout ra perspect iva, os direit os ( e as obrigações) fundam ent ais


podem ser classificados em posit ivos e negat ivos 192 : aqueles esperam um
at uar afirm at ivo por part e do obrigado; est es, diversam ent e, exigem um
non facere, um a abst enção 193 . Não é incom um que, no t ext o
const it ucional, apareçam , conj unt am ent e, am bas as m odalidades, com o
quando do em preendedor exige- se que não degrade o m eio am bient e
( obrigação negat iva) e que, na hipót ese de fazê- lo ilegalm ent e, m it igue o
dano e o repare ( obrigações posit ivas) .

Evident em ent e, as form ulações do t ipo


subst ant ivo/ procedim ent al e posit ivo/ negat ivo, em bora diversas em sua
expressão form al, dividem o m esm o obj et ivo m aior: assegurar a
sust ent abilidade das int ervenções hum anas no m eio am bient e. Se, para
fins analít icos e didát icos, t al esforço de classificação se j ust ifica; na
prát ica, t ais direit os e obrigações const it ucionais são aplicados de m odo
indist int o, pois o que o im plem ent ador vê na Const it uição não é
exat am ent e um j ogo harm ônico e assépt ico de cat egorias j urídicas
separadas, m as um feixe com plexo de possibilidades que se aut o-
com plem ent am e se ent ranham .

Na Const it uição de 1988, o discurso de direit o( s) aparece no


caput do art . 225: " Todos t êm direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado, bem de uso com um do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, im pondo- se ao Poder Público e à colet ividade o dever de defendê- lo
e preservá- lo para as present es e fut uras gerações" 194 . I nserida no Tít ulo

192
FREYFOGLE, Eric T. Op. cit ., p. 161.
193
Referindo- se às obrigações negat ivas, Jellinek, no início do século XX, j á afirm ava que
os direit os fundam ent ais t raduzem - se em sit uações ou funções que vão do st at us
negat ivus ao st at us posit ivus e ao st at us act ivus. Na prim eira cat egoria, t em os direit os
de carát er defensivo cont ra o Est ado, visando resguardar cert a esfera de liberdade do
cidadão ( direit os de prim eira geração) ; bem m ais t arde, na evolução const it ucional,
aparecem os direit os a um a prest ação posit iva ( segunda geração) ; e, finalm ent e,
exist em os direit os que asseguram ao indivíduo a part icipação at iva na form ação da
vont ade do Est ado ( apud FAVOREU, Louis et al. Op. cit ., p. 789) ; cf., t am bém , ALEXY,
Robert . Te or ía de los de r e chos fu n da m e n t a le s, cit ., p. 163- 177.
194
Sobre o m eio am bient e com o bem de uso com um do povo, cf. o excelent e MI RRA,
Álvaro Luiz Valery. Açã o civil pú blica e a r e pa r a çã o do da no a o m e io a m bie n t e, cit .,
p. 37- 39.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

" Da Ordem Social" ( ao lado da seguridade social, saúde, educação, cult ura
e desport o, ciência e t ecnologia, com unicação social, fam ília, criança,
adolescent e e idoso, e índios) , a prot eção do m eio am bient e
ecologicam ent e equilibrado é t ida, ent re os brasileiros, com o um direit o
fundam ent al 195 . Lem bra, corret am ent e, Ney de Baixos Bello Filho que se
est á diant e de " direit o fundam ent al, quer na dim ensão real ou t eórica,
quer na dim ensão posit iva" , t ant o m ais após 1988 196 . A fundam ent alidade
do direit o j ust ifica- se, prim eiro, em razão da est rut ura norm at iva do t ipo
const it ucional ( " Todos t êm direit o ..." 197 ) ; segundo, na m edida em que o
rol do art . 5º , sede principal de direit os e garant ias fundam ent ais, por
força do seu § 2° 198 , não é exaust ivo ( direit os fundam ent ais há – e m uit os
– que não est ão cont idos no art . 52) ; t erceiro, porquant o, sendo um a
ext ensão m at erial ( pois salvaguarda suas bases ecológicas vit ais) do
direit o à vida 199 , garant ido no art . 5º , caput , reflexam ent e, recebe dest e
as bênçãos e aconchego 200 , com o advert e a boa lição de Nicolao Dino,

195
Cf., no m esm o sent ido, CASTRO, Carlos Robert o de Siqueira. Op. cit ., p. 34 ( " est am os
diant e da novíssim a t erceira geração dos direit os hum anos" ) ; COSTA NETO, Nicolao Dino
de Cast ro. Op. cit ., p. 103 e 121. No Direit o it aliano, cf. MEZZETTI , Luca. La
" Cost it uzione dell'Am bient e" . I n: M a n ua le di dir it t o a m bie n t a le , cit , p. 85- 142.
196
BELLO FI LHO, Ney de Barros. Te or ia do dir e it o e e cologia : apont am ent os para um
direit o am bient al no século XXI . I n: FERREI RA, Heline Sivini Ferreira; LEI TE, José Rubens
Morat o. Est a do de dir e it o a m bie nt a l: t endências. Rio de Janeiro: Forense
Universit ária, 2004, p. 103. No m esm o sent ido, cf. DERANI , Crist iane. Meio am bient e
ecologicam ent e equilibrado: direit o fundam ent al e princípio da at ividade econôm ica, cit .,
p. 91.
197
Const it uição da República, art . 225, caput – grifou- se.
198
" Os direit os e garant ias expressos nest a Const it uição não excluem out ros decorrent es
do regim e e dos princípios por ela adot ados, ou dos t rat ados int ernacionais em que a
República Federat iva do Brasil sej a part e" ( art . 52, § 2º ) .
199
Na m esm a linha, Dem et rio Loperena Rot a assevera que a prot eção do m eio am bient e
ecologicam ent e equilibrado é " um direit o vinculado à própria vida hum ana ( ...) . O m eio
am bient e adequado precede logicam ent e ao próprio Direit o: sem m eio am bient e
adequado não há vida hum ana, nem sociedade, nem Direit o" ( Los pr in cipios de l
de r e cho a m bie n t a l. Madrid: Civit as, 1998, p. 51- 52) ; cf., t am bém , Crist iane Derani,
para quem " O direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado e um direit o à vida e
à m anut enção das bases que a sust ent am " , ou, por out ras palavras, " O direit o
fundam ent al do m eio am bient e prot egido é um desdobram ent o do direit o fundam ent al à
vida" ( Meio am bient e ecologicam ent e equilibrado: direit o fundam ent al e princípio da
at ividade econôm ica, cit ., p. 97) .
200
Ret irar a t ut ela am bient al da salvaguarda vida não deixa de apresent ar desafios,
com o j á not am os, pois há de se evit ar que um a vinculação t ão est reit a a int eresses
hum anos im ediat os não acabe, por força de um apelo ut ilit arist a, desfigurando a própria
valorização e reposicionam ent o que se pret ende o ordenam ent o at ribua ao m eio

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

segundo a qual " o direit o ao m eio am bient e caract eriza- se com o um


corolário do direit o à vida" 201 .

Conform e será abordado abaixo, t rat a- se de direit o explícit o e


prim ário, nesse últ im o caso, porque ensej a o aparecim ent o de out ros
direit os, de carát er inst rum ent al ( m as nem por isso m enos fundam ent ais) ,
com o o direit o de part icipação nos processos decisórios e o direit o de
acesso à Just iça. Sua índole am bient al é original, pois se encont ra no
Capít ulo do Meio Am bient e.

1 .9 .1 . 1 Ca r a ct e r iza çã o do dir e it o a o m e io a m bie n t e


e cologica m e n t e e qu ilibr a do n o a r t . 2 2 5

O direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado é


direit o de t erceira geração 202 , alicerçado na " frat ernidade" ou na
" solidariedade" . Nessa cat egoria, t em - se

direit os que não se dest inam especificam ent e à prot eção dos
int eresses de um indivíduo, de um grupo ou de um
det erm inado Est ado. Têm prim eiro por dest inat ário o gênero
hum ano m esm o, num m om ent o expressivo de sua afirm ação
com o valor suprem o em t erm os de exist ência concret a 203 .

Trat a- se de direit o, com o at rás vist o, com est rut ura bifront e, a
um só t em po negat iva – associado a um non facere – e posit iva, ist o é,
um direit o que com anda prest ações posit ivas do Est ado e da sociedade 204 .
É direit o de exercício colet ivo ( art . 129, I I I , e § 1°) , m as t am bém
individual, não se perdendo a caract eríst ica unit ária do bem j urídico
am bient al – cuj a t it ularidade reside na com unidade ( " t odos" ) – ao

am bient e ( cf. GRAVELLE, Ryan K. Enforcing t he elusive: environm ent al right s in East
European const it ut ions. I n: Vir ginia Envir onm e n t a l La w Jou r n a l, v. 16,1997, p. 638) .
201
COSTA NETO, Nicolao Dino de Cast ro. Op. cit ., p. 17. Na m esm a linha, Milaré defende
que " ( ...) a prot eção ao m eio am bient e é pressupost o para o at endim ent o de out ro valor
fundam ent al – o direit o à vida" ( MI LARÉ, Edis. D ir e it o do a m bie nt e , cit ., p. 213) .
202
Para um a análise das facet as geracionais dos direit os hum anos, em especial quant o
ao m eio am bient e, cf. PORTANOVA, Rogério. Direit os hum anos e m eio am bient e: um a
revolução de paradigm a para o século XXI . I n: BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. ( org.) . 1 0
a nos da ECO- 9 2 : o Direit o e o desenvolvim ent o sust ent ável. São Paulo: I m prensa
Oficial, 2002, p. 681- 694.
203
BONAVI DES, Paulo. Cu r so de dir e it o const it u ciona l, cit ., p. 523.
204
MI RANDA, Jorge. Op. cit ., p. 477.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

reconhecer- se um direit o subj et ivo ao m eio am bient e ecologicam ent e


equilibrado. Em out ras palavras, " a t it ularidade individual de um direit o
subj ect ivo ao am bient e não t raz consigo a subversão do am bient e com o
bem j urídico colect ivo" 205 .

Já se adiant a que, ao revés do que se poderia im aginar, o


direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado não se esgot a no art .
225, caput , pois nesse disposit ivo est á apenas a sede de sua organização
com o direit o aut ônom o e de carát er genérico – a m ãe de t odos os direit os
am bient ais da Const it uição brasileira. No decorrer do t ext o const it ucional,
t al direit o reaparece, ora com o direit o- reflexo ( prot eção da saúde, do
t rabalhador 206 et c) , ora não m ais com o direit o per se, m as com o preceit o
norm at ivo de apoio a ele ( p. ex., a função ecológica da propriedade rural,
no art . 186, I I , j á referida) .

É por isso que se diz que " o art igo 225 é, na verdade, um a
sínt ese de t odos os disposit ivos am bient ais que perm eiam a
Const it uição" 207 . Sínt ese que não im plica t ot alidade ou referência única.
Em rigor, os fundam ent os do art . 225 não est ão ilhados, pois ligam - se, de
form a um bilical, à própria prot eção à vida e saúde 208 , à salvaguarda da
dignidade da pessoa hum ana 209 e à funcionalização ecológica da
propriedade 210 .

Mas quais seriam a filiação e as m arcas j urídicas est rut urais do


direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado, quando se desce um
degrau abaixo da Const it uição? Evident em ent e, vist o sob a perspect iva da

205
DI AS, José Eduardo de Oliveira Figueiredo. Op. cit ., p. 37.
206
Sobre o m eio am bient e do t rabalho, cf. FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de.
D ir e it o a m bie n t a l e a sa ú de dos t r a ba lha dor e s. São Paulo: LTr, 2000. ROCHA, Júlio
César de Sá da. Direit o am bient al, m eio am bient e do t rabalho rural e agrot óxicos.
Re vist a de D ir e it o Am bie n t a l, v. 10, p. 106- 122, abr./ j un. 1998.
207
FELDMANN, Fábio José; CAMI NO, Maria Est er Mena Barret . Op. cit ., p. 105.
208
Const it uição da República, art . 5°.
209
Const it uição da República, art . 3°. Sobr e a dignidade da pessoa hum ana, no quadro
const it ucional brasileiro, cf. GRAU, Eros Robert o. A or de m e conôm ica na Con st it u içã o
de 1 9 8 8 , cit ., p. 216- 218.
210
Const it uição da República, art . 186, I I .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Teoria Geral do Direit o e do quadro infraconst it ucional, não se filia,


facilm ent e, nem ao Direit o Público, nem ao Direit o Privado, rebelando- se
( não será o prim eiro, nem o últ im o) , na verdade, cont ra t al dicot om ia
ant iga. Tam pouco é t ípico direit o individual, não aceit ando, por out ro lado,
a qualificação exclusiva de direit o social ( = econôm ico e social) , em bora,
na sua im plem ent ação, encont re algum a analogia com cert os direit os
econôm ico- sociais, com o, p. ex., o direit o à saúde 211 , vocação que não
passou despercebida à Const it uição de 1988, que o insculpiu no Tít ulo
VI U, " Da Ordem Social" .

Nem direit o de índole privada ( ent re out ras razões, porque


não é disponível e adm it e im plem ent ação colet iva pelo Est ado,
organism os int erm ediários e indivíduos) , nem direit o de form ação
com plet am ent e pública ( porque sua t it ularidade ou m esm o represent ação,
diret a ou indiret a, não é dada ao Est ado, nem é est e invest ido, com
exclusividade, no poder de pô- lo em prát ica) 212 .

Na est eira do que sucede com o direit o à vida e à liberdade, o


m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado, diant e de sua configuração
const it ucional verdadeiram ent e indisponível e inalienável 213 , não pode ser,
com o será vist o m ais adiant e, obj et o de desdest inação, nem de m udança
de dest inação do uso público, " pelo qual o bem se desloca da classe dos
bens de uso com um do povo para a classe dos bens de uso especial das
out ras ent idades infra- est at ais, ou vice- versa" 214 .

1 .9 .1 .2 D ir e it o de t odos, m a s qu e " t odos" ?

Mas dizer do direit o não é o m esm o que nom ear o seu t it ular
ou beneficiário. A verbalização da norm a const it ucional se dá com o uso

211
SYMONI DES, Janusz. The hum an right t o a clean, balanced and prot ect ed
environm ent . I n: I n t e r n a t iona l Jou r n a l of Le ga l I n for m a t ion , v. 20, n. 1,1992, p.
29.
212
CHI APPI NELLI , John A. Op. cit ., p. 601.
213
I bid.,p. 611.
214
PONTES DE MI RANDA. Op. cit ., p. 451.

58
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

do vocábulo " t odos" . Mas que t odos? Um a prim eira int erpret ação,
rest rit iva, vê aí apenas os brasileiros e est rangeiros resident es no País 215 .

De m odo diverso, parece que o m elhor ent endim ent o é aquele


que garant e a qualquer pessoa, resident e ou não, o benefício de t al
direit o. Não há nisso ofensa à soberania, pois é int erpret ação oriunda da
visão holíst ica e universalist a do m eio am bient e, am parada nos t rat ados
int ernacionais, ao longo dos anos, celebrados e rat ificados 216 .

Com o bem lem bra Jorge Miranda, " os direit os, liberdades e
garant ias pessoais e os direit os econôm icos, sociais e cult urais com uns
t êm a sua font e ét ica na dignidade da pessoa, de t odas as pessoas" 217 . Ao
t urist a est rangeiro preso em pleno Carnaval por acaso se negará prot eção
cont ra a t ort ura, ou cont ra a aplicação de penas vexat órias? É cert o que o
art . 5°, caput , refere- se aos " brasileiros e est rangeiros resident es no
País" , m as t al norm a há de ser int erpret ada em sint onia com o rest o da
Const it uição, not adam ent e a prot eção genérica conferida pelo art . 1° à
dignidade da pessoa hum ana.

I gual raciocínio vale no cam po am bient al. Não am pararia a


norm a const it ucional o est rangeiro não resident e, na m edida em que fosse
at ingido pessoalm ent e, sofrendo, p. ex., danos am bient ais? A prot eção da
dignidade da pessoa – assim com o a t ut ela do m eio am bient e – est á para
além da cidadania brasileira e post ula " um a visão universalist a da
at ribuição de direit os" 218 .

Num a palavra, o direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e


equilibrado não é daqueles reservados especificam ent e aos brasileiros
( direit o de sufrágio, ou de ser eleit o President e) , vigorando, na
Const it uição, o princípio da universalidade, que, para ser excepcionado,

215
Cf., p. ex., FI ORI LLO, Celso Ant ônio Pacheco. Cu r so de dir e it o a m bie nt a l
br a sile ir o. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11.
216
Sobre a concepção universalist a do Direit o Am bient al, cf. PRI EUR, Michel. D r oit de
l'e n vir on ne m e n t . Op. cit ., p. 14- 15.
217
MI RANDA, Jorge. Op. cit ., p. 167 ( grifo no original) .
218
I bid., p. 169.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

requer expressão inequívoca é explícit a do legislador const it ucional, o que


não se observa no art . 225.

Mas há out ra quest ão que se põe na análise da expressão


" t odos" , ut ilizada pelo art . 225: quis o const it uint e, ao referir- se a " t odos" ,
em vez de t odo ser hum ano, recobrir com o m ant o da qualificação de
suj eit o de direit o t am bém os out ros seres vivos? Ou sej a, " t odos" seria
igual a t odos os seres vivos, hum anos ou não?

Não obst ant e a incert eza da expressão ( dubiedade essa que


não se observa no âm bit o dos deveres previst os nos vários parágrafos do
art . 225, cada um deles dirigindo- se ao Est ado e a out ros suj eit os
reconhecidos pelo ordenam ent o) , a respost a, de acordo com um a
abordagem lit eral, parece ser negat iva, pois a fórm ula do " t odos" é
em pregada t am bém , em vários pont os da Const it uição, na garant ia de
out ros direit os fundam ent ais que não apresent am nenhum a vocação ou
necessidade de se conect arem aos com ponent es vivos não hum anos da
nat ureza, com o quando se cuida do direit o à educação 219 . Mas com o a
int erpret ação da norm a reflet e m uit o do que se colhe da realidade
cult ural, incubadora dos nossos valores ét icos, quem sabe um dia se verá
no " t odos" do art . 225, caput , um a cat egoria m ais am pla e m enos solit ária
do que apenas os próprios seres hum anos. Tam bém é oport uno salient ar,
e esse t em a será discut ido m ais adiant e, que a negação de t it ularidade de
direit o a out ros seres vivos não im plica, aut om át ica e inevit avelm ent e,
negação de reconhecim ent o de seu valor int rínseco.

A dilat ação dos fundam ent os ét icos da prot eção do m eio


am bient e, t raço m arcant e do Direit o Am bient al com o vist o hoj e, ainda não
logrou abert am ent e referendar, no pat am ar const it ucional, o uso dessa
t écnica de superação do ant ropocent rism o reducionist a; o m áxim o que se
conseguiu foi a adoção de form as m ais discret as e diluídas, m as nem por

219
" A educação, direit o de t odos e dever do Est ado e da fam ília ( ...) " ( art . 205 – grifou-
se) . Ou, ainda, no âm bit o da cult ura: " O Est ado garant irá a t odos o pleno exercício dos
direit os cult urais ( ...) " ( art . 215, caput – grifou- se) .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

isso m enos efet ivas, de incorporação de um biocent rism o m it igado, com o


será dem onst rado adiant e.

É cert o que, com o not a Marcelo Abelha Rodrigues, em


excelent e m onografia, a t it ularidade do direit o em quest ão, pela sua
com plexidade, dem anda um a análise m ais profunda do que a sim ples
avaliação do sent ido da expressão " t odos" , pois é na caract erização do
bem am bient al – m arcado pela fórm ula do equilíbrio ecológico – que será
ext raído do caput do art . 225 um a clara opção biocênt rica do legislador
const it ucional. Assim pensando, quant o ao m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado, são am plas as possibilidades de se defender que " t odas as
form as de vida são seus t it ulares" 220 .

1 .9 .1 .3 M e io a m bie n t e e cologica m e n t e e qu ilibr a do

O art . 225, caput , faz referência ao " m eio am bient e


ecologicam ent e equilibrado" . Trat a- se de expressão cuj o sent ido precisa
ser bem dem arcado, sob pena de se pert urbar a aplicação dos disposit ivos
const it ucionais e das norm as infraconst it ucionais dela dependent es.

O Direit o Am bient al é, not oriam ent e, produt o de orient ações


cient íficas e ét icas que recebe de out ras disciplinas. Equilíbrio ecológico é
um a dessas noções aceit as pela norm a j urídica, no caso, a const it ucional,
e que, in casu, baseia- se na idéia de que t odos os organism os vivos est ão
de algum m odo int er- relacionados no m eio am bient e nat ural 221 .

Por out ro lado, cada vez m ais os cient ist as se dão cont a de
que os sist em as nat urais não são t ão previsíveis com o dão a ent ender as
expressões populares, do t ipo " equilíbrio ecológico" ou " equilíbrio da
nat ureza" . Na verdade, o equilíbrio ecológico, no sent ido ut ilizado pela
Const it uição, ant es de ser est át ico, é um sist em a dinâm ico. Não é obj et ivo

220
RODRI GUES, Marcelo Abelha. I n st it u içõe s de dir e it o a m bie n t a l, v. 1. São Paulo:
Max Lim onad, 2002, p. 61
221
LAI TOS, Jan G. Nat ural resources law: cases and m at erials. St . Paul: West Publishing
Co., 1985, p. 80.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

do Direit o – Am bient al fossilizar o m eio am bient e e est ancar suas


perm anent es e com uns t ransform ações, que vêm ocorrendo há m ilhões de
anos. O que se busca é assegurar que t al est ado dinâm ico de equilíbrio,
em que se processam os fenôm enos nat urais, sej a conservado, deixando
que a nat ureza siga seu próprio curso.

Um a vez j uridicizado, o equilíbrio ecológico perde sua


referência cient ífica pura, t ransform ando- se em preocupação de int eresse
geral, obj et o de polít icas públicas – vale dizer, de int ervenção do Est ado –
por afet ar um grande núm ero de pessoas. De t oda sort e, sua
com preensão não se faz por apelo a cat egorias j urídicas, m as por ret orno
perm anent e ao seu berço, as ciências da nat ureza. Já aqui com eça a
int erdisciplinaridade do Direit o Am bient al.

1 .9 .1 .4 Qu a lida de de vida

O art . 225, caput , ainda, alude à " qualidade de vida" . Aliás,


não sat isfeit a com a com plexidade e a vagueza da expressão, a
Const it uição a qualifica, referindo- se à sadia qualidade de vida.

Qualidade de vida é noção- filhot e do m ovim ent o


conservacionist a dos anos 60, um a espécie de com plem ent o necessário da
noção de m eio am bient e 222 , sendo " um t erm o difícil de lim it ar ou
definir" 223 . Nem por isso, seu apelo ret órico e polít ico perde espaço,
not adam ent e nos t rabalhos legislat ivos.

No caso brasileiro, a expressão parece indicar um a


preocupação com a m anut enção das condições norm ais ( = sadias) do
m eio am bient e, condições que propiciem o desenvolvim ent o pleno ( e at é
nat ural perecim ent o) de t odas as form as de vida. Em t al perspect iva, o
t erm o é em pregado pela Const it uição não no seu sent ido est rit am ent e
ant ropocênt rico ( a qualidade da vida hum ana) , m as com um alcance m ais
am bicioso, ao se propor – pela ausência da qualificação hum ana expressa

222
PRI EUR, Michel. D r oit de l’e nvir on ne m e nt , cit ., p. 4.
223
GRAD, Frank P. En vir onm e n t a l la w . 3. ed. New York: Mat t hew Bender, 1985, p. 2.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

– a preservar a exist ência e o pleno funcionam ent o de t odas as condições


e relações que geram e asseguram a vida, em suas m últ iplas dim ensões.

1 .9 .1 .5 Pa r a digm a é t ico du a l do r e gim e con st it u cion a l de


pr ot e çã o do m e io a m bie n t e

O clam or por um direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e


equilibrado ( para usar a expressão adot ada pela Const it uição) nasce, no
rast ro da Declaração de Est ocolm o, de 1972, em form ulação
m arcadam ent e ant ropocênt rica, com o m ais um com ponent e da dignidade
hum ana. Pouco a pouco, cont udo, aspect os biocênt ricos infilt ram - se, com
dificuldade, é cert o, no Direit o Am bient al brasileiro, inclusive em períodos
ant eriores a 1988, exat am ent e com o se deu em regim es est rangeiros 224 .

Fugindo do m odelo de suas ant ecessoras, a Const it uição de


1988 não expressou um a visão cornucopiana 225 do m undo – os recursos
am bient ais j á não são vist os com o abundant es e, m uit o m enos, infinit os.
Talvez, aqui, est ej a um a de duas razões principais para o reconhecim ent o
const it ucional e a aut onom ização j urídica do m eio am bient e per se, at rás
referidos. Ant es, o m eio am bient e não era t ut elado, ou, se o era, não o
era adequadam ent e ou para valer, exat am ent e porque a lógica do sist em a
j urídico alicerçava- se na falsa prem issa da inesgot abilidade dos recursos
nat urais, t ot alm ent e negada pela poluição dos rios, do ar e do solo, e pela
dest ruição acelerada da rica biodiversidade do país.

A out ra t em que ver com a im agem do passado, t ant o


dissem inada, quant o equivocada, que insist ia em com preender ou t rat ar o
m eio am bient e com o um a ent idade robust a e invencível, capaz de se
aut ocurar cont inuam ent e. Em sent ido opost o, para o const it uint e de 1988,
a nat ureza é apreendida com o um a realidade frágil, sist êm ica e am eaçada
pelos seres hum anos ( daí as obrigações) , m as t am bém pelo Est ado ( daí a
list a de obrigações, m ais específicas, a ele dirigidas) .

224
Cf. LADEUR, Karl Heinz; PRELLE, Rebecca. Environm ent al const it ut ional law, cit ., p. 18
225
Cornucópia, sím bolo da agricult ura e do com ércio, era um a figura m it ológica, que
represent ava a abundância.

63
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

As t ransform ações t razidas pela Const it uição de 1988 não se


rest ringem , é obvio, aos aspect os est rit am ent e j urídicos, pois esses se
ent relaçam com a dim ensão ét ica, biológica e econôm ica dos problem as
am bient ais, sem falar de um a com preensão m ais am pla da Terra e da
nat ureza 226 . Um a Const it uição é, na sua essência, um em aranhado de
at ribut os e valores ét icos. Não seria diferent e com o m eio am bient e.

Na perspect iva ét ica, a norm a const it ucional, por reflet ir a


m arca da t ransição e do com prom isso, incorporou aspect os est rit am ent e
ant ropocênt ricos ( prot eção em favor das " present es e fut uras gerações" ,
p. ex., m encionada no art . 225, caput ) e out ros com clara filiação
biocênt rica ( p. ex., a noção de " preservação" , no caput do art . 225) . Esse
carát er híbrido, em vez de prej udicar sua aplicação e efet ividade, salpica
de fert ilidade e fascínio o labor exegét ico.

O cert o é que a Const it uição, exat am ent e por inserir- se em


época de superação de paradigm as, apóia- se, de um a só vez, em padrões
ant ropocênt ricos, biocênt ricos e at é ecocênt ricos. Ant es de levar a
" conclusões desproposit adas" 227 , t al post ura est á em perfeit a harm onia
com o conhecim ent o cient ífico sobre a nat ureza e os seus elem ent os.

O ( m it igado) ant ropocent rism o const it ucional de 1988, que


convive com expressões de inequívoco biocent rism o e ecocent rism o, t raz
o sím bolo da eqüidade ou solidariedade int ergeracional, ligada, de m odo
um bilical, ao que Konder Com parat o apelida de " civilização
com unit ária” 228 . Exat am ent e por ent ender que " esse enfoque, conquant o

226
" A t erra é azul" , exclam ou Yuri Gagarin, prim eiro hom em a ent rar em órbit a da Terra,
em 1961. A visão do planet a à dist ância com o um globo azul, int egral e frágil, causou
im pact o m undial, pois reforçou o sent im ent o de que pert encíam os a um único m undo.
Sent im ent o est e que foi acom panhado pela " crescent e consciência da necessidade de se
responsabilizar por ele" ( LENCI ONI , Sandra. Re giã o e ge ogr a fia . São Paulo: Edusp,
1999, p. 148) , não m ais com o espaço hum ano delim it ado e regido pelos m arcos do
direit o de propriedade e das front eiras polít icas.
227
FI ORI LLO, Celso Ant ônio Pacheco. Cu r so de dir e it o a m bie n t a l br a sile ir o, cit ., p.
17.
228
COMPARATO, Fábio Konder. O papel do j uiz na efet ivação dos direit os hum anos, cit .,
p. 16.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

relevant e, não é suficient e para com preender- se e aceit ar- se a prom oção
do m eio am bient e com o um bem j urídico fundam ent al" 229 , o const it uint e
fez em beber, no t ext o da Const it uição, disposit ivos claram ent e dot ados de
filiação não ant ropocênt rica.

O hibridism o const it ucional, m ais do que acident al, at é que


poderia t er sido int encional. Pret endeu o legislador fazer um a pont e ent re
o " buraco negro" const it ucional ant erior e um m odelo fut uro, hoj e só
avent ado, onde a nat ureza assum isse, por int eiro, seu m erecido papel
cent ral no ordenam ent o j urídico? Mais do que revolução, o salt o – ele
próprio gigant esco – aqui pode ser caract erizado com o evolução nat ural
do pensam ent o j urídico- filosófico brasileiro.

Em out ras palavras, o const it uint e desenhou um regim e de


direit os de filiação ant ropocênt rica t em poralm ent e m it igada ( com
t it ularidade conferida t am bém às gerações fut uras) , at relado, de m odo
surpreendent e, a um feixe de obrigações com beneficiários que vão além ,
m uit o além , da reduzida esfera daquilo que se cham a de hum anidade. Se
é cert o que não se chega, pela via diret a, a at ribuir direit os à nat ureza, o
legislador const it ucional não hesit ou em nela reconhecer valor int rínseco,
est at uindo deveres a serem cobrados dos suj eit os- hum anos em favor dos
elem ent os biót icos e abiót icos que com põem as bases da vida. De um a
form a ou de out ra, o paradigm a do hom em com o prius é
irreversivelm ent e t rincado.

Tam pouco aqui ocorreu um a inovação t ot alm ent e sem


precedent es, quando se cot ej a o quadro const it ucional de 1988 com os
precedent es est rangeiros e at é m esm o com o sist em a infraconst it ucional
brasileiro ant erior. O art . 225 não se lança solit ário nos int ervalos de
soluços do ordenam ent o; m as é, ao revés, result ado de evolução, lent a e
discret a, da nossa form a de relacionam ent o com a nat ureza e do
t rat am ent o que o Direit o lhe at ribuía.

229
COSTA NETO, Nicolao Dino de Cast ro. Op. cit ., p. 17.

65
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Muit as vezes, a condição hum ana leva à aut o- im posição de


responsabilidades de cunho não cont rat ualist a ( = sem reciprocidade) ,
inclusive em favor da nat ureza. Os hum anos t êm a capacidade de
reconhecer que os out ros seres vivos e os processos ecológicos essenciais
não est ão nos confins rem ot os da exist ência, o que leva a est ender a eles
o m esm o regim e legal, inclusive por m andam ent o const it ucional.

Essa hum ildade ét ica, m as t am bém j urídica, aceit a que a


nat ureza ant ecedeu os seres hum anos e pode exist ir sem eles e depois
deles. I sso explica a insat isfação com a sim ples prot eção, legal ou
const it ucional, dos elem ent os da biosfera considerados út eis. Propõem - se,
assim , soluções m ais int egradas, m ais ecologicam ent e equilibradas, que
valorizam a int erdependência j urídica das várias dim ensões do m eio
am bient e – ar, solo, água, flora e fauna – bem com o os processos que
com part ilham . Assim procedendo, evit am - se m edidas legislat ivas que, por
desconhecerem ou desprezarem o carát er sist êm ico da nat ureza, acabam
por t ransferir a degradação de um m eio ( com o a água) para out ro ( com o
o ar ou o solo) . Nessa m esm a linha, deve- se aceit ar que a
int erdependência am bient al não é est ancada por front eiras polít icas ou
adm inist rat ivas e pode exigir soluções regionais ou at é globais para a
degradação que a t odos afet a 230 .

1 .9 .2 Té cn ica dos de ve r e s fu n da m e n t a is

Quando se fala em prot eção const it ucional da biosfera e de


seus processos essenciais, a prim eira cat egoria de que se lem bra é o
direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado, cart ão de visit a do
const it ucionalism o ecologicam ent e reform ado. Ora, t ão im port ant e - m as
pouco explorada em com ent ários – é a previsão de deveres
const it ucionais direcionados à t ut ela am bient al, em favor dos próprios
cidadãos e fut uras gerações, ou ainda da própria nat ureza.

230
KI SS, Alexandre; SHELTON, Dinah. M a n ua l of Eu r ope a n Envir onm e n t a l La w , cit .,
p. 36.

66
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Em bora direit os e deveres sej am concepções ( norm alm ent e)


correlat as, o discurso dos direit os, t ão fest ej ado na dout rina, por vezes,
paradoxalm ent e, sensibiliza m enos o im plem ent ador ( e, port ant o, é
m enos efet ivo) do que o discurso dos deveres, fat o que t alvez explique a
m enor dificuldade de aplicação prát ica e diret a dest es em relação àqueles.
No universo da im plem ent ação j udicial real, a linguagem dos direit os,
apesar de sua força ret órica e dogm át ica, parece carregar cogência ou
vinculação m ais frágil do que as fórm ulas que se ut ilizam de deveres.

Nesse cam po do discurso de deveres, é bom advert ir, não se


est á referindo apenas a deveres correlat es a direit os previam ent e
est at uídos pelo legislador, ist o é, obrigações deduzíveis ou derivadas de
direit os out orgados previam ent e. Ao cont rário, o legislador exprim e- se por
m eio da decret ação de obrigações diret as, que ocupam , por assim dizer, o
cent ro do palco, e a part ir das quais se reconhecem poderes aos
im plem ent adores e beneficiários para fazê- las valer. Tais deveres ora
encont ram nos indivíduos ou colet ividade seus dest inat ários, ora
direcionam - se ao Poder Público 231 , ist o é, ao Est ado em t odas as suas
form as de m anifest ação 232 .

A Const it uição de 1988 im põe ao Poder Público e aos


part iculares um " caderno de encargos" , para usar a expressão de
Canot ilho e Moreira 233 . Nela, é possível ident ificar um dever geral de não
degradar (= núcleo obrigacional) , além de deveres derivados e
secundários, de carát er específico, list ados no § 1° do art . 225. São
deveres de cunho welfarist a, na m edida em que t om am por base um

231
" Poder Público é expressão genérica que se refere a t odas as ent idades t errit oriais
públicas" ( SI LVA, José Afonso da. D ir e it o a m bie nt a l con st it u ciona l, cit ., p. 49 –
grifou- se) , vert icalm ent e nos t rês níveis da federação ( União, Est ados e Municípios) e
horizont alm ent e nos t rês Poderes ( Legislat ivo, Execut ivo e Judiciário) ; cf., ainda,
I HERI NG, Rudolf von. El fin e n e l de r e cho. Buenos Aires: Heliast a, 1978, p. 154- 158.
232
Especificam ent e sobre os deveres das " Unidades da Federação" , cf. CUSTÓDI O, Helit a
Barreira. A qu e st ã o con st it u ciona l: propriedade, ordem econôm ica e dano am bient al.
Com pet ência legislat iva concorrent e. I n: BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. ( coord.) . D a n o
a m bie nt a l: prevenção, reparação e repressão, função am bient al. São Paulo: Revist a dos
Tribunais, 1993, p. 133- 136.
233
CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; MOREI RA, Vit al. Op. cit ., p. 39.

67
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

m odelo de Est ado int ervencionist a, ao qual são at ribuídas claras e novas
responsabilidades no j ogo ant igo da degradação am bient al.

Nem sem pre, com o dit o acim a, os deveres am bient ais do art .
225 e de out ros disposit ivos da Const it uição Federal ost ent am a m esm a
t it ularidade obrigacional. Por exem plo, o dever de inform ar pode ser, em
det erm inada sit uação, ônus do Poder Público e não do fut uro poluidor,
enquant o nout ras hipót eses pode haver coincidência de posições j urídicas.

De t oda sort e, im pende realçar que a const rução de um


m undo sust ent ável é t arefa que não cabe int eiram ent e ao Est ado, só dele
exigível 234 . Ao cont rário, os deveres associados a essa m udança de
paradigm a devem ser cobrados de qualquer pessoa, em especial dos
agent es econôm icos. Daí que não bast a dirigir a norm a const it ucional
apenas cont ra o Est ado, com o fazem cert os países, pois a defesa do m eio
am bient e há de ser dever de t odos, aliás, com o bem dispost o no art . 225,
t ônica acert ada, pois se afast a do m odelo polít ico do liberalism o, fundado
na cisão Est ado- sociedade civil 235 . Em especial no art , 225, fica clara essa
opção legislat iva do const it uint e, que, ao t rat ar da quest ão am bient al,
reconhece a " indissolubilidade ent re Est ado e sociedade civil” 236 . A t ut ela
am bient al não é um daqueles valores sociais em que bast a assegurar um a
liberdade negat iva, orient ada a rej eit ar a int ervenção ilegít im a ou o abuso
do Est ado. Além de dit ar o que o Est ado não deve fazer ( = dever
negat ivo) ou o que lhe cabe em preender ( = dever posit ivo) , a norm a
const it ucional est ende seus t ent áculos a t odos os cidadãos, parceiros do
pact o dem ocrát ico, convencida de que só assim chegará ar
sust ent abilidade ecológica.

1 .9 .2 .1 Cla ssifica çã o e ca t e gor ia s de de ve r e s a m bie n t a is

234
FREYFOGLE, Eric T. Op. cit ., p. 163.
235
Sobre o relacionam ent o Est ado- sociedade civil, cf. ROSENBLUM, Nancy L.; POST,
Robert C. ( eds.) . Civil socie t y a nd gove r nm e n t . Princet on: Princet on Universit y Press,
2002. SELI GMAN, Adam B. The idea of Civil societ y. New York: The Free Press, 1992.
236
DERANI , Crist iane. Meio am bient e ecologicam ent e equilibrado: direit o fundam ent al e
princípio da at ividade econôm ica, cit ., p. 95.

68
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

O t ext o const it ucional brasileiro est at ui, a um só t em po,


deveres subst ant ivos e inst rum ent ais, genéricos e específicos, expressos e
im plícit os, t odos igualm ent e relevant es, vinculant es e herdeiros das
qualidades da a t em poralidade de sua exigibilidade e da
t ransindividualidade de seus beneficiários.

Nout ra perspect iva, as obrigações fundam ent ais podem ser


classificadas em negat ivas e posit ivas. Vive- se um t em po que, cada vez
m ais, dem anda governabilidade afirm at iva 237 , o que im põe desenhar
deveres t ant o negat ivos ( = non facere, ist o é, um a abst enção) com o
posit ivos ( = facere) . Não é incom um que, na vida prát ica, apareçam
am bas as m odalidades de form a conj unt a, com o quando do
em preendedor se exige que não degrade o m eio am bient e ( obrigação
negat iva) e que, na hipót ese de fazê- lo, cont rariando as norm as de
condut a exist ent es, m it igue e repare a degradação event ualm ent e
causada ( obrigações posit ivas) .

É possível agrupar os deveres am bient ais encont rados na


Const it uição da República em quat ro cat egorias.

Prim eiro, no caput do art . 225, encont ra- se um a obrigação


explícit a, genérica, subst ant iva e posit iva de defesa e preservação do
m eio am bient e, ( " im pondo- se ao Poder Público e à colet ividade o dever de
defendê- lo e preservá- lo" ) .

Além disso, o t ext o const it ucional forj ou um a obrigação


genérica, subst ant iva e negat iva, m as im plícit a, de não degradar o m eio
am bient e, t am bém abrigada no caput do art . 225. Em am bos os casos,
est á- se diant e de deveres erga om nes, em que são co- obrigados,
indist int am ent e, o Poder Público, os indivíduos e a colet ividade.

Em t erceiro lugar, exist e, ainda, um conj unt o am plo de


deveres explícit os e especiais do Poder Público, independent em ent e de ser

237
TRI BE, Laurence H. Am e r ica n Con st it u t iona l La w , cit ., p. 16.

69
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

ele degrada- dor ou não, dispost os no art . 225, caput , e § 1°, inj unções
que são bast ant e det alhadas, em oposição a disposit ivos sem elhant es
encont rados em Const it uições est rangeiras, caract erizados pela sua
vagueza 238 . O int uit o do const it uint e, aqui, foi afast ar qualquer dúvida
sobre a índole cogent e das det erm inações dirigidas a t odo o Est ado, na
sua posição bifront e de legislador e de im plem ent ador adm inist rat ivo e
j udicial do ordenam ent o. Do legislador, espera- se que aprove novas leis e
aperfeiçoe as exist ent es, vedada a redução das garant ias am bient ais; do
Poder Judiciário, um a enérgica e rápida aplicação da lei e int erpret ação
conform e a m elhor solução de prot eção do m eio am bient e.

Por últ im o, há um leque de deveres explícit os e especiais,


exigíveis de part iculares ou do Est ado ( art . 225, §§ 2º e 3º ) , em que est e
passa a ocupar a posição de degradador pot encial ou real ( com o
m inerador, p. ex.) .

1 .9 .2 .2 O Est a do com o su j e it o de gr a da dor e su j e it o de


con t r ole da de gr a da çã o

A est rut ura do art . 225 dem onst ra um a profunda desconfiança


do const it uint e com a capacidade e a vont ade polít ica do Poder Público no
resguardo do m eio am bient e. Não sem razão. Adm it indo, com o preceit ua
Odet e Medauar, que " a at uação rot ineira da Adm inist ração é um dos
elem ent os reveladores da efet ividade das norm as const it ucionais na vida
da sociedade" 239 , ninguém duvidará, por pouco que conheça o Brasil, que
um a de suas m arcas m ais visíveis era – e, infelizm ent e, t alvez ainda sej a
– o desint eresse do Poder Público pela sort e do m eio am bient e, m esm o
quando os im pact os am bient ais reverberavam diret am ent e na saúde
hum ana, valor j urídico que várias Const it uições ant eriores à de 1988 j á
prot egiam . Olhando assim , "a at uação rot ineira da Adm inist ração"
brasileira é um espelho inequívoco que revela a falt a de efet ividade das
norm as const it ucionais de t ut ela da saúde am bient al e do próprio
238
BRANDL, Ernst ; BUNGERT, Hart win. Op.cit ., p. 78
239
MEDAUAR, Odet e. D ir e it o a dm in ist r a t ivo m ode r n o. 2. ed. São Paulo: Revist a dos
I nfam ais, 1998, p. 49.

70
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

am bient e. Um Est ado m et am orfoseado em at or polivalent e no processo de


degradação am bient al haverá m esm o de inspirar desconfiança nos
adm inist rados e naqueles que se im port am com a sort e do m eio
am bient e.

Pelo m enos t rês form as de part icipação est at al na dest ruição


am bient al podem ser ident ificadas 240 . De um lado, o Poder Público causa
degradação diret a do m eio am bient e – é o Est ado em preendedor; ele
próprio envolvido sozinho ou em associação, na const rução de
em preendim ent os degradadores, com o hidrelét ricas, hidrovias, rodovias,
aeroport os, port os e assent am ent os rurais ( = Est ado degradador agent e) .
Ent ret ant o, na m aioria dos casos o papel do Est ado é m ais discret o, na
m odalidade de degradador indiret o, p. ex., quando com issivam ent e apóia
ou legit im a proj et os privados, sej a com incent ivos t ribut ários e crédit o,
sej a com a expedição de aut orizações e licenças para poluir ( = Est ado
degradador- conivent e) . Um a t erceira m odalidade de degradação
am bient al est at al, t am bém enviesada e dissim ulada, só que por om issão,
aparece quando o Est ado despreza ou cum pre insat isfat oriam ent e suas
obrigações de fiscalização e aplicação da legislação am bient al ( = Est ado
degradador- om isso) , fraquej ando na exigibilidade de inst rum ent os
prevent ivos ( EPI A- RI MA, p. ex.) ou na ut ilização de m ecanism os
sancionat órios e reparat órios. As razões, para t ant o, são as m ais variadas,
indo da coopt ação ao est rangulam ent o por falt a de recursos financeiros,
t écnicos e hum anos, da incom pet ência t écnica à debilidade de vont ade
polít ica.

O det alham ent o, e at é a enum eração pleonást ica das m issões


indelegáveis do Est ado, t êm , pois, sua razão de ser. Ao at ribuírem - se a
ele obrigações afirm at ivas, colim a- se im possibilit ar o seu ret orno à
sit uação de hibernação am bient al, própria do m odelo liberal. Para t ant o,
parece ser insuficient e a nom eação do que se veda ao Est ado ou a
organização de genéricas obrigações posit ivas. O const it uint e vai além ,
240
BROOKS, Richard O. Op. cit ., p. 1065.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

dedicando- se a apont ar, m inuciosam ent e, ações e at ividades que devem


ser em preendidas pelo Poder Público. O padrão do não- fazer só
parcialm ent e at ende aos obj et ivos da ordem pública am bient al e do
Est ado de Direit o Am bient al.

O obj et ivo, port ant o, do art . 225, § 1°, é um só: p or m eio de


" cláusulas vinculat ivas da ação do Poder Público" 241 , pret ende- se ret irar o
Est ado, pela força do dest aque e da clareza das obrigações afirm at ivas
est at uídas, da at m osfera de laissez- faire am bient al a que est ava
acost um ado, exigindo, além disso, um a at uação posit iva pró- am bient e, de
sort e a expurgá- lo da conhecida dorm ência, que parece ser sua vocação
nat ural, quando confront ado com fenôm enos m assificados, com plexos e
de alt a conflit uosidade. Tudo isso sem prej uízo dos deveres genéricos
explicit ados no caput do art . 225, que incidem sobre a condut a de
qualquer degradador, e dos dem ais deveres form ulados nos parágrafos
subseqüent es e em out ros segm ent os da Const it uição.

São deveres que se agregam às m issões prim árias e próprias


dos vários órgãos da Adm inist ração Pública; m ais do que obrigações
incident es ou acessórias, vislum bram - se verdadeiros deveres-
pressupost o, cuj o descum prim ent o é capaz de cont am inar o it er
adm inist rat ivo de out ra form a im pecável e de invalidar seu result ado,
im plicando, para o adm inist rador – com o part ícipe da degradação do m eio
am bient e –, responsabilidades pessoais ( disciplinar, penal e civil) , sem
falar das conseqüências no t erreno da im probidade adm inist rat iva 242 . Não
é só a dicção da norm a que indica sua im perat ividade ( " incum be ao Poder
Público" ) , m as t am bém o fat o de que a própria Const it uição se encarrega
de esclarecer, com o lem bra Alexandre de Moraes, " que as condut as e
at ividades consideradas lesivas ao m eio am bient e suj eit arão os infrat ores,

241
COSTA NETO, Nicolao Dino de Cast ro. Op. cit ., p. 124.
242
No t em a, cf. PAZZAGLI NI FI LHO, Marino. Princípios const it ucionais e im probidade
adm inist rat iva am bient al. Re vist a de D ir e it o Am bie n t a l, v. 17, p. 112- 122, j an./ m ar.
2000.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

pessoas físicas ou j urídicas, a sanções penais e adm inist rat ivas,


independent em ent e da obrigação de reparar os danos causados" 243 .

Na efet ivação das norm as const it ucionais am bient ais que t êm


com o dest inat ário o adm inist rador público, não se pode desprezar o poder
prevent ivo ( = det errence) das sanções adm inist rat ivas, civis e penais.
I m pecável a lem brança de Ney de Barros Bello Filho, quando diz que

ainda que não t razendo a recom posição do dano am bient al


causado no caso em que se aplica a lei, a im posição de
sanções ao ím probo acarret ará, cert am ent e, a prevenção de
out ros t ant os at ent ados ao m eio, pois os at os
adm inist rat ivos danosos ao m eio am bient e deixaram de ser
prat icados à vist a de um a sanção cert a e inafast ável 244 .

Os deveres at ribuídos aos part iculares e ao Poder Público,


inclusive os derivados do poder regulam ent ar e de polícia, nada t êm de
ret óricos, podendo, não há dúvida, ser exigidos " j udicialm ent e na hipót ese
de om issão em agir" 245 . Não fosse assim , qual seria o sent ido de est at uí-
los na Const it uição, com dicção que não deixa m argem de dúvida sobre
sua exigibilidade im ediat a e diret a?

1 .9 .3 Té cn ica dos pr in cípios

A t écnica dos princípios é am plam ent e ut ilizada pelas


Const it uições m odernas, em t odos os cam pos 246 . Não cabe, aqui, discorrer
sobre a aut oridade dos princípios na ordem j urídica. Bast a dizer que a
dout rina, na sua unanim idade, considera- os blocos est rut urais dorsais na
com posição do ordenam ent o. No Direit o Am bient al e nas out ras disciplinas

243
MORAES, Alexandre de. D ir e it o con st it uciona l. 11. ed. São Paulo: At las, 2002, p.
680.
244
BELLO FI LHO, Ney de Barros. Aplicabilidade da lei de im probidade adm inist rat iva à
at uação da adm inist ração am bient al brasileira. Re vist a de D ir e it o Am bie nt a l, v. 18, p.
78, abr./ j un. 2000.
245
BARROSO, Luis Robert o. Op. cit ., p. 177.
246
Sobre os princípios na Const it uição de 1988, cf. FI ORI LLO, Celso Ant ônio Pacheco.
Cu r so de dir e it o a m bie n t a l br a sile ir o, cit ., p. 23- 43.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

de elaboração recent e, " os princípios auxiliam a com preensão e


consolidação de seus inst it ut os" 247 .

Não é incom um que os princípios am bient ais sej am acolhidos e


bat izados expressam ent e nos t ext os const it ucionais – princípios da
precaução e poluidor- pagador, p. ex., no Trat ado da União Européia 248 ou
narecent e Chart e de l’Environnem ent francesa, de 2005. Em out ros casos,
são deduzidos ou deduzíveis da norm a const it ucional. Num e nout ro caso,
é possível que princípios recém - chegados à Const it uição est ej am em fase
inicial de em ergência ou, ainda, em franco est ado de evolução, daí o
esforço m aior que se exige do int érpret e na sua apreensão e aplicação 249 .

A Const it uição de 1988 congrega um leque de princípios


am bient ais, que ora são expressos ou im plícit os, ora gerais ou especiais,
ora subst ant ivos ou procedim ent ais. Assim , t em - se, na Const it uição
brasileira, dent re out ros, o princípio da prim ariedade do m eio am bient e, o
princípio da explorabilidade lim it ada da propriedade ( e dos recursos
nat urais) , o princípio do uso sust ent ável dos recursos nat urais, o princípio
da prevenção, o princípio do poluidor- pagador, o princípio do usuário-
pagador e o princípio da função ecológica da propriedade. De t odo o
sist em a, e não apenas do art . 225, ext rai- se o princípio da precaução.

Direit os fundam ent ais e princípios de m esm a est irpe convivem


na at m osfera const it ucional. Com o lem bra acert adam ent e Crist iane
Derani, " é possível verificar que os direit os fundam ent ais revelam - se
sim ult aneam ent e no t ext o norm at ivo com o princípios" 250 .

Ent re os princípios expressos ( e genéricos) , cabe m encionar o


princípio do poluidor- pagador e os princípios da função ecológica da

247
MEDAUAR, Odet e. Op. cit , p. 132.
248
Cf. art . 174.
249
HOWARD, A. E. Dick. Op. cit ., p. 406.
250
DERANI , Crist iane. Meio am bient e ecologicam ent e equilibrado: direit o fundam ent al e
princípio da at ividade econôm ica, cit ., p. 99. No m esm o sent ido, Alexy, para quem ,
" independent em ent e da precisão de sua form ulação, os direit os const it ucionais são
princípios" ( ALEXY, Robert . A t h e or y of con st it u ciona l r igh t s, cit ., p. 388, posfácio) .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

propriedade e da defesa do m eio am bient e, referidos no art . 170, VI ,


verdadeiros realizadores do direit o ao m eio am bient e ecologicam ent e
equilibrado nas at ividades econôm icas 251 .

1 .9 .4 Té cn ica da fu n çã o e cológica da pr opr ie da de

At rás vim os que um dos benefícios da elevação do m eio


am bient e ao plano const it ucional é a ecologização, expressa ou im plícit a,
do direit o de propriedade 252 . Algum as Const it uições ( Colôm bia 253 e
Brasil 254 , p. ex.) , não sat isfeit as em est abelecer direit os e obrigações
fundam ent ais afeit os à t ut ela do m eio am bient e, m odificam , de form a
diret a, a função social da propriedade, que, t radicionalm ent e, j á era usada
com o font e legit im adora dos esforços legislat ivos, adm inist rat ivos e
j udiciais de salvaguarda da nat ureza 255 .

No caso brasileiro, o t ext o de 1988 reconheceu, a exem plo dos


ant eriores, o direit o de propriedade, m as im pôs lim it es const it ucionais
( int rínsecos e ext rínsecos 256 ) de duas ordens.

Prim eiro, agregando ao direit o de propriedade a exigibilidade


do cum prim ent o de um a função social 257 . Aqui, nenhum a inovação quant o

251
DERANI , Crist iane. Meio am bient e ecologicam ent e equilibrado: direit o fundam ent al e
princípio da at ividade econôm ica, cit ., p. 100.
252
FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de. A propriedade no direit o am bient al: a
dim ensão am bient al da função social da propriedade, cit .
253
" A propriedade é um a função social que im plica obrigações. Com o t al, lhe é inerent e
um a função ecológica" ( Const it uição de 1991, art . 58) .
254
Const it uição da República, art . 186, I I .
255
Sobre a ecologização da propriedade, cf. BENJAMI N, Ant ônio Herm an. Reflexões sobre
a hipert rofia do direit o de propriedade na t ut ela da reserva legal e das áreas de
preservação perm anent e. I n: I n st it u t o O D ir e it o por um Pla n e t a Ve r de : 5 anos após
a ECO- 92. São Paulo: I m prensa Oficial do Est ado de São Paulo, 1997, p. 11- 36.
256
Sobre os lim it es int ernos e ext ernos do direit o de propriedade, cf. BENJAMI N, Ant ônio
Herm an. Desapropriação, reserva florest al legal e áreas de preservação perm anent e. I n:
FI GUEI REDO, Guilherm e José Purvin de ( org) . Te m a s de dir e it o a m bie n t a l e
u r ba n íst ico. São Paulo: Max Lim onad, 1998, p. 67- 69.
257
Sobre função social da propriedade e m eio am bient e, cf. Ant ônio Herm an. Reflexões
sobre a hipert rofia do direit o de propriedade na t ut ela da reserva legal e das áreas de
preservação perm anent e, cit ., GOMES, Luís Robert o. O princípio da função social da
propriedade e a exigência const it ucional de prot eção am bient al. Re vist a de D ir e it o
Am bie n t a l, v. 17, p. 160- 178, j an./ m ar. 2000. MAGALHÃES, Maria Luísa Faro. Função
social da propriedade e m eio am bient e: princípios reciclados. I n: BENJAMI N, Ant ônio
Herm an V. D a n o a m bie n t a l: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revist a dos

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

à Cart a de 1969. Na dout rina, a função social é vist a com o princípio de


cont role da propriedade, que, conform e salient a m agist ralm ent e Eros
Robert o Grau,

im põe ao propriet ário – ou a quem det ém o poder de


cont role, na em presa – o dever de exercê- la em benefício de
out rem e não, apenas, de não a exercer em prej uízo de
out rem . I sso significa que a função social da propriedade
at ua com o font e da im posição de com port am ent os posit ivos
– prest ação de fazer, port ant o, e não, m eram ent e, de não
fazer – ao det ent or do poder que deflui da propriedade.
Vinculação int eiram ent e dist int a, pois, daquela que lhe é
im post a a t ít ulo de concreção do poder de polícia 258 .

Segundo, e agora de m odo original, o const it uint e de 1988, a


part ir das bases da função social básica, int roduziu um a função ecológica
aut ônom a, que deve ser cum prida necessariam ent e pela propriedade, sob
pena de perversão de seus fins, de sua legit im idade e de seus
at ribut os 259 . É exat am ent e nesses t erm os que se expressa o art . 186:

A função social é cum prida quando a propriedade rural


at ende, sim ult aneam ent e, segundo crit érios e graus de
exigência est abelecidos em lei, aos seguint es requisit os: ( ...)
I I – ut ilização adequada dos recursos nat urais disponíveis e
preservação do m eio am bient e.

1 .9 .5 Té cn ica dos obj e t ivos pú blicos vin cu la n t e s

Por vezes, a voz do const it uint e surge por int erm édio de
obj et ivos públicos vinculant es a serem seguidos pelo Est ado na
form ulação e na aplicação de suas Polít icas Públicas, de qualquer t ipo.
Assim , p. ex., a const rução de um a sociedade livre, j ust a e solidária ( art .
3º , I ) .

1 .9 .6 Té cn ica dos pr ogr a m a s pú blicos a be r t os

Tribunais, 1993, p. 146- 151. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função am bient al da
propriedade. Re vist a de D ir e it o Am bie n t a l, v. 9, p. 67- 85, j an./ m ar. 1998.
258
GRAU, Eros Robert o. A or de m e con ôm ica n a Con st it u içã o de 1 9 8 8 , cit ., p. 250
( grifos no original) . Sobre o poder de polícia, cf., dent re out ros aut ores nacionais,
MEDAUAR, Odet e. D ir e it o a dm in ist r a t ivo m ode r n o, cit ., p. 346- 357.
259
Cf. BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. Reflexões sobre a hipert rofia do direit o de
propriedade na t ut ela da reserva legal e das áreas de preservação perm anent e, cit ., p.
11- 36.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

No caso brasileiro, a vocação do const it uint e não foi


exat am ent e por program as públicos abert os, vist osos na roupagem e
pobres na im plem ent ação, por serem orient ações não vinculant es. De
t oda sort e, t ípica m anifest ação de program a público abert o, há no art .
225, § 1°, VI , quando o legislador diz esperar que o Poder Público
prom ova "a conscient ização pública para a preservação do m eio
am bient e" 260 .

A esse respeit o, vale lem brar que a ausência de aut o-


aplicabilidade em cert os disposit ivos const it ucionais não os condena ipso
fact o à irrelevância perant e os t ribunais, pois eles podem ut ilizá- los na
int erpret ação de norm as infraconst it ucionais ou na revisão de at os da
Adm inist ração. Ou sej a, dizer que um a norm a const it ucional não é self-
execut ing " não significa que necessariam ent e não t enha nenhum
efeit o" 261 .

1 .9 .7 Té cn ica dos in st r u m e n t os

A Const it uição prevê vários inst rum ent os am bient ais, com o
áreas prot egidas ( art . 225, § 1º , I I I ) , licenciam ent o am bient al ( art . 225, §
1°, V) , Est udo Prévio de I m pact o Am bient al ( art . 225, § 1°, I V) , sanções
penais e adm inist rat ivas ( art . 225, § 3°) e respons abilidade civil pelo dano
262
am bient al ( art . 225, §§ 2° e 3°) .

1 .9 .8 Té cn ica dos biom a s e á r e a s e spe cia lm e n t e de st a ca dos

Finalm ent e, a Const it uição, sem prej uízo da t ut ela que confere
a t odos os biom as brasileiros, ressalt ou alguns que, ao ver do
const it uint e, reclam am m aior at enção do legislador, do adm inist rador e do
Judiciário.

260
Sobre a conscient ização am bient al, vide: CUSTÓDI O, Helit a Barreira. Direit o à
educação am bient al e à conscient ização pública. Re vist a de D ir e it o Am bie nt a l, v. 18,
p. 38- 56, abr./ j un. 2000.
261
HOWARD, A. E. Dick. The indet erm inacy of const it ut ions, cit ., p. 409.
262
Cf., dent re out ros, BENJAMI N, Ant ônio Herm an V. Responsabilidade civil pelo dano
am bient al. Re vist a de D ir e it o Am bie n t a l, São Paulo, n. 9, p. 5- 52, j an./ m ar, 1998.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

São nom eados com o pat rim ônio nacional 263 o Pant anal, a
Florest a Am azônica, a Mat a At lânt ica, a Serra do Mar e a Zona Cost eira.

1 .1 0 Or de m pú blica a m bie n t a l con st it u cion a liza da e Est a do de


D ir e it o Am bie n t a l

Poucas expressões aparecem t ão freqüent em ent e em t ext os


legislat ivos e decisões j udiciais com o " ordem pública" . Em bora seu cam po
de aplicação sej a t ent acular, e venha m erecendo est udos aprofundados no
Direit o est rangeiro, a ordem pública guarda cert o grau de m ist ério 264 ,
t ant o m aior quando o seu uso invade novos t errit órios, com o o am bient al.

A Const it uição de 1988 inst it uiu um a verdadeira ordem pública


am bient al 265 , que conduz o Est ado de Direit o Social e o m odelo polít ico-
econôm ico que adot a 266 a assum irem a form a de Est ado de Direit o
Am bient al.

A am bient alização const it ucional dessa ordem pública e do


Est ado de Direit o, em bora concent rada no art . 225, aparece espalhada no
espaço da Const it uição, com dest aque para os art s. 5°, XXI I e XXI I I , 20,
I I a VI I , 21, XI X, 22, I V, 23, VI e VI I , 24, VI a VI I I , 26,1, 170, VI , 184, §
2°, 186, I I , e 200, VI I e VI I I .

Ordem , porque se at ribui organicidade, coerência int erna,


coercit ividade ext erna e direção finalíst ica; ordem , porquant o int egra em
um só sist em a det erm inações negat ivas ( de não- fazer) e im posições
posit ivas ( de fazer) ; ordem , finalm ent e, pois que indica a im posição de
lim it es est at ais, que colim am curar a desordem derivada do exercício
abusivo das cham adas liberdades privadas, em especial daquelas
associadas ao direit o de propriedade e à livre iniciat iva, referidos,

263
Const it uição da República, art . 225, § 4°. O propósit o int rodut ório do present e ensaio
não nos perm it e t rat ar aqui dos efeit os desse disposit ivo.
264
VI NCENT- LEGOUX, Marie- Caroline. L'or dr e pu blic: ét ude de droit com pare int erne.
Paris: PUF, 2001, p. 11.
265
Sobre o t em a da ordem pública am bient al, cf. PRI EUR, Michel. D r oit de
l'e n vir on ne m e n t , cit ., p. 56- 57.
266
GRAU, Eros Robert o. A or de m e conôm ica n a Con st it u içã o de 1 9 8 8 , cit ., p. 286.

78
A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

respect ivam ent e, nos art s. 5º , XXI I , e 170, caput , da Const it uição. Tal
desordem produz, hist oricam ent e, um rast ro de vít im as – o t rabalhador, o
consum idor e, naquilo que int eressa aqui, o m eio am bient e.

A ordem é pública porque inst it uída em favor de t odos e


cont ra t odos, não sendo dit ada pelo m ercado ou pela aut onom ia da
vont ade individual ( ordem privada) . Pública, ainda, porquant o exprim e um
conj unt o de regras j urídicas de int eresse público " aplicáveis de ofício" pelo
j uiz 267 .

A ordem pública é am bient al, j á que não est á m ais –


exclusivam ent e – conect ada aos elem ent os ou com ponent es pulverizados
da nat ureza ( com o as florest as, fauna ou águas) , m as dot ada de enfoque
holíst ico e aut ônom o, em que os fragm ent os são apreciados e
salvaguardados a part ir do t odo. Ordem am bient al 268 , assim , subst it ui a
desordem ecológica, subprodut o do vazio const it ucional, que m arcava as
Const it uições ant eriores.

Tal ordem pública am bient al, por est ar const it ucionalizada e


at relada a t odos os bens e at ividades, im põe a reversão do princípio
civilíst ico/ adm inist rat ivo t radicional, segundo o qual os disposit ivos
int ervent ivos na liberdade da indúst ria e do com ércio são sem pre de
int erpret ação e aplicação rest rit ivas. No sist em a vigent e, conseqüência da
m alha const it ucional const ruída, a orient ação, ao revés, é no sent ido de
que, na hipót ese de exegese de norm a am bient al infraconst it ucional
duvidosa, ou m esm o na om issão de regram ent o específico da at ividade
econôm ica, buscar- se- á, sem exceção, a referência ao dever genérico de
defesa e preservação do m eio am bient e ( art . 225, caput ) e aos princípios
da prim ariedade do m eio am bient e, da função ecológica da propriedade e
da explorabilidade lim it ada da propriedade ( e dos recursos nat urais) ,
m at riz que deve sem pre levar a ent endim ent o que propicie a m elhor e

267
PONTES DE MI RANDA, Op. cit ., p. 116.
268
Sobre ordem am bient al, no cam po const it ucional brasileiro, COSTA NETO, Nicolao
Dino de Cast ro. Op. cit ., p. 102- 105.

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A12
Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

m ais eficaz salvaguarda do " m eio am bient e ecologicam ent e equilibrado" ,


bem t ido com o essencial à sadia qualidade de vida 269 .

Result ado do regim e am bient al em vigor, na form a de ordem


pública const it ucionalizada, o ordenam ent o ordinário e regulam ent ar fica
igualm ent e colorido pelo t om da publicização, out orgando- se às norm as
de Direit o Am bient al um evident e carát er público (o que não é
propriam ent e novidade) , na exat a m edida em que se est á diant e de
regulação j urídica de int eresse basilar da colet ividade e do Est ado, ao
inverso do que, classicam ent e, dava- se com disposit ivos dest inados à
prot eção de relações ent re part iculares, com o nos direit os de vizinhança,
sob a égide do Código Civil.

Os m ecanism os privados e t radicionais, pré- const it ucionais, de


cont role da degradação am bient al ( se é que assim , am plam ent e, se
poderia cham á- los) são ont ológica e ideologicam ent e diversos dos que se
filiam ao Direit o Am bient al, porquant o não se est abelecem e operam de
m odo organizado e publicam ent e orient ados, na form a de um a ordem
pública am bient al. No m áxim o, vislum bra- se, neles, um a excepcional e
circunst ancial publicização da ordem privada que, por ser errát ica e vir de
fora para dent ro, produzia alt erações cosm ét icas e de difícil
im plem ent ação. Com o força ext erna ( em relação ao feixe de direit os
t radicionalm ent e associados à propriedade) , por isso m esm o, era
considerada espúria pelo Direit o Privado, verdadeira best a a ser
cont rolada e dom ada. Não surpreende que, em t ais bases, a publicização
m ant ivesse, na essência, int ocáveis os at ribut os originais e prim ordiais
das relações privadas.

Agora, ao cont rário, não se est á diant e de sim ples releit ura da
ordem privada, a part ir de um conj unt o ext erno e incert o de vet ores
públicos, m as de adm issão de um a ordem privada que se subm et e a um a

269
NEURAY, Jean- François. I n t r odu ct ion gé n é r a le , in l'a ct u a lit é du dr oit de
Pe n vir on ne m e n t : act es du colloque des 17 et 18 novem bre 1994. Bruxelles: Bruylant ,
1995, p. 21.

80
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

ordem pública hierarquicam ent e superior, sob o im pério de m andam ent os


e lim it es pream bular e const it ucionalm ent e fixados. A alt eração é
profunda, pois significa colocar o público- am bient al não com o lim it e
ext erno ao privado- am bient al, m as com o pressupost o nort eador da
própria est rut ura, legit im idade e funcionam ent o da exploração dos
recursos nat urais, result ado da posição logicam ent e ant ecedent e e
const it ucionalm ent e prevalent e do regim e público.

O pont o focal do Direit o Am bient al e da ordem pública


am bient al não é o am paro à propriedade individual, m as a prot eção do
m eio am bient e para t odos 270 , os de hoj e ( = gerações present es) e os de
am anhã ( = gerações fut uras) . No m odelo clássico, a possibilidade de
buscar a ordem da ( pseudo) t ut ela é baseada na desordem dos
beneficiários da prot eção, j á que vedada a represent ação colet iva do m eio
am bient e perant e as inst âncias adm inist rat ivas e j udiciais. Na ordem
pública am bient al, ao opost o, a desordem im plem ent adora é subst it uída
por um sist em a int egrado e m ult ifacet ário, que cum ula dem ocrat ização do
dom ínio am bient al ( = bem de uso com um do povo) com colet ivização da
represent ação do m eio am bient e, na fórm ula do um por t odos ( ação
popular am bient al) ou do vários por t odos ( ONGs, na ação civil pública
am bient al, conform e a Lei n. 7.347/ 85) .

1 .1 1 Or de m pú blica a m bie n t a l e a bom in a çã o do dir e it o


a dqu ir ido de polu ir

Afirm ou- se, acim a, ao se t rat ar do direit o ao m eio am bient e


ecologicam ent e equilibrado, que o discurso am bient al da Const it uição de
1988 t em , na at em poralidade da sua aplicabilidade e na
t ransindividualidade dos seus beneficiários, um a das suas m ais m arcant es
caract eríst icas. I sso porque na base do regim e de ordem pública
am bient al, int roduzida pelo const it uint e, dá- se um a dupla t ransform ação
do paradigm a dom inial do m eio am bient e. Nos t erm os do art . 225, caput ,

270
WOOLF, Sir Harry. Are t he j udiciary environm ent ally m yopic? I n: Jou r n a l of
En vir onm e n t a l La w , v. 4, n. 1, 1992, p. 4.

81
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

que proclam a ser o m eio am bient e de t odos e de ninguém em part icular,


o legislador desm ercant ilizou os valores am bient ais, colocando- os na
sim biont e posição de res com m unis om nium e res ext ra com m ercium ,
im unes à apropriação individual 271 .

Considerando o m eio am bient e, na visão const it ucional, com o


" bem de uso com um do povo" e essencial à sadia qualidade de vida, é
possível ext rair diversas conseqüências j urídicas e prát icas, m erecendo
quat ro delas m aior at enção: a inapropriabilidade,a inalienabilidade, a
im prescrit ibilidade e a inexist ência de direit o adquirido, t odas já
m encionadas, quando se abordou a fundam ent alização do direit o ao m eio
am bient e ecologicam ent e equilibrado.

Ao dizer ser o m eio am bient e bem de uso com um do povo e


essencial à sadia qualidade de vida, quis o legislador assegurar a
inapropriabilidade, a inalienalidade, a im prescrit ibilidade 272 e sua oj eriza à
alegação de direit o adquirido à poluição ant erior, pois não há direit o
cont ra o Direit o, m uit o m enos cont ra a Const it uição. É clássica a regra de
que " Os bens públicos de uso com um do povo ( m ares, rios, est radas,
ruas, praças, pont es, viadut os) são inapropriáveis" 273 e, se inapropriáveis,
t am bém inalienáveis, pois a ninguém é lícit o dispor daquilo que não lhe
pert ence. Essa m áxim a ganha cont ornos m ais rígidos e claros na norm a
const it ucional de t ut ela do m eio am bient e.

De out ra part e, im prescrit íveis são t odos os bens am bient ais


const it ucionalm ent e resguardados, querendo- se " com est a expressão
significar que os bens públicos - sej am de que cat egoria forem – não são
suscet íveis de usucapião" 274 , ou de qualquer out ra form a de apropriação

271
Cf., no m esm o sent ido, LEME MACHADO, Paulo Affonso. D ir e it o a m bie n t a l
br a sile ir o,cit ., p. 81.
272
Cf., quant o à indivisibilidade, ext rapat rim onialidade, inalienabilidade e
indisponibilidade, RODRI GUES, Marcelo Abelha. I n st it u içõe s de dir e it o a m bie n t a l, cit .,
p. 61.
273
PONTES DE MI RANDA. Op. cit ., p. 133 ( grifo no original) .
274
MELLO, Celso Ant ônio Bandeira de. Cu r so de dir e it o a dm in ist r a t ivo. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 754 ( grifo no original) .

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

forçada do seu t odo, de part e do t odo, ou de qualidades do t odo. Por


gozarem de inalienabilidade originária e const it ucional, repousa sobre eles
t am bém a im prescrit ibilidade dos bens públicos 275 . A afirm ação é de fácil
verificação: " se os bens públicos são originariam ent e inalienáveis, segue-
se que ninguém os pode adquirir enquant o guardarem essa condição" 276 .

Na m esm a linha de raciocínio, t em - se, diant e da let ra clara da


Const it uição, ser im possível a desafet ação ou desdest inação 277 do m eio
am bient e, pois sua afet ação para o uso com um , além de nat ural, é
im posição const it ucional, que não pode ser cont est ada, sem violação-
front al do art . 225, caput . Pelas m esm as razões, não se adm it e a
m udança de dest inação ao uso público, " pelo qual o bem se desloca da
classe dos bens de uso com um do povo para a classe dos bens de uso
especial das out ras ent idades infra- est at ais, ou vice- versa" 278 .

Tal inalienabilidade originária e im prescrit ibilidade não


convivem , absolut am ent e, com a alegação de direit o adquirido. No
ordenam ent o j urídico brasileiro pós- 1988, inexist e direit o adquirido a
poluir. Sendo assim , não há falar em direit o à indenização por se exigir o
est ancam ent o da poluição, m esm o quando a Adm inist ração ou o Judiciário
se ut ilizam do rem édio ext rem o do fecham ent o definit ivo da at ividade. A
Const it uição, por est ar no cim o da escala hierárquica da pirâm ide do
sist em a, " não pode ser subordinada a qualquer out ro parâm et ro
norm at ivo supost am ent e ant erior ou superior e, por out ro lado, que t odas
as out ras norm as hão de conform ar- se com ela" , devendo t oda a ordem
j urídica " ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo, de m odo a elim inar

275
Sobre a im prescrit ibilidade, cf. MEDAUAR, Odet e. Op. cit ., p. 265.
276
MEI RELLES, Hely Lopes. D ir e it o a dm in ist r a t ivo br a sile ir o. 26. ed. at ual. São
Paulo: Malheiros, 1990, p. 501.
277
Nas palavras de Bandeira de Mello: "Afet ação é a preposição de um bem a um dado
dest ino cat egorial de uso com um ou especial, assim com o desafet ação é a sua ret irada
do referido dest ino ( ...) . A afet ação ao uso com um t ant o pode provir do dest ino nat ural
do bem , com o ocorre com os m ares, rios, ruas, est radas, praças, quant o por lei ou por
at o adm inist rat ivo que det erm ine a aplicação de um bem dom inical ou de uso especial ao
uso público" ( MELLO, Celso Ant ônio Bandeira de. Op. cit ., p. 752 ( grifo no original) .
278
PONTES DE MI RANDA. Op. cit ., p. 451.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

as norm as que se não conform em com ela" 279 . Ora, se as próprias norm as
se curvam e se subm et em ao m andam ent o const it ucional, não seria
razoável deixar que as prát icas econôm icas que o host ilizam perm aneçam
inalt eradas e infensas às suas det erm inações.

1 .1 2 Té cnica s r e da cion a is, a u t o- a plica bilida de e


im ple m e nt a çã o da s disposiçõe s con st it u cion a is

De pouco adiant a legislar para não aplicar a lei ou para aplicá-


la de form a irregular, esporádica e soluçosa. A im plem ent ação é um dos
grandes desafios das norm as am bient ais, em especial as const it ucionais.
Com o ressalt a Michel Prieur, a " efet ividade do Direit o Am bient al est á
longe de ser assegurada" 280 , com o que se obriga o repensar do próprio
sent ido da j uridicização do m eio am bient e, inclusive const it ucional.

Cert am ent e não é preciso, nem se desej a, um Direit o


Am bient al sim bólico, robust o na form a, m as que enguiça na prát ica.
Regras j urídicas, t om adas em si m esm as, lem bra Bruce Ackerm an, " são
coisas sem vida – m arcas no papel que não cont rolam , nem lim it am " 281 .
Realm ent e, a prom ulgação de um t ext o const it ucional avançado não
garant e sua efet ividade 282 , nem assegura que o Poder Público m odificará
suas prát icas e t radições, inclusive de om issão, ou que os dest inat ários
privados da norm a a levarão em cont a nas suas decisões econôm icas. É
perm anent e o receio de que os disposit ivos const it ucionais se
t ransform em em sim ples " argum ent os ret óricos" 283 , com o bem advert e
Edésio Fernandes.

279
CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; MOREI RA, Vit al. Op. cit ., p. 45- 46 ( grifo no
original) .
280
PRI EUR, Michel. Op. cit ., p. 969.
281
ACKERMAN, Bruce. W e t h e pe ople : t ransform at ions. Cam bridge: The Belknap Press
of Harvard Universit y Press, 2001, p. 416.
282
Sobre a efet ividade das norm as const it ucionais, cf. BARROSO, Luis Robert o. O dir e it o
con st it u ciona l e a e fe t ivida de de sua s n or m a s: lim it es e possibilidades da
Const it uição brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Especificam ent e quant o à
prot eção do m eio am bient e, vide: FREI TAS, Vladim ir Passos de. A Con st it u içã o Fe de r a l
e a e fe t ivida de da s n or m a s a m bie n t a is, cit ., ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit ., p.
42- 44.
283
FERNANDES, Edesio. Op. cit ., p. 283.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

O art . 225, com referência à sua aut o- aplicabilidade, não é


hom ogêneo. Cont ém disposições que apresent am eficácia plena ( pelo
m enos naquilo que dizem ) , enquant o out ras são est rut uradas com núcleos
eficazes ( = núcleos duros) , m as que flut uam em com andos de eficácia
lim it ada. Finalm ent e, num a t erceira cat egoria, há disposit ivos
int eiram ent e abert os, à espera de com plem ent ação legal ou regulam ent ar,
que lhes dê força execut ória.

De t oda sort e, assist e razão a Paulo de Bessa Ant unes,


quando, ao se referir especificam ent e ao direit o fundam ent al ao m eio
am bient e ecologicam ent e equilibrado, afirm a que sua consagração no art .
225, caput , é de eficácia plena e não necessit a " de qualquer norm a
subconst it ucional" para que opere seus efeit os, m ot ivo pelo qual é exigível
sua t ut ela " perant e o Poder Judiciário, m ediant e t odo o rol de ações de
cunho const it ucional, t ais com o a ação civil pública e a ação popular" 284 .
Aí est aríam os diant e de um daqueles direit os const it ucionais com plet os,
para usar a expressão de Alexy 285 .

É út il recordar que nem sem pre a expressão." na form a da lei"


indica t ot al e absolut a ausência de rest rição const it ucional ao desem penho
das funções públicas ( execut iva, legislat iva e j udicial) e ao exercício das
at ividades econôm icas. Em realidade, é com um , no discurso form al da
Const it uição, que o afrouxam ent o inerent e ao evasivo " na form a da lei"
sej a ant ecedido de pré- acert os rigorosos e incont ornáveis – os núcleos
duros, j á referidos –, assim enunciados com o int uit o de configurar e
lim it ar de ant em ão a lat it ude do at uar legislat ivo ordinário, ou, ainda,
orient ar a realização da prest ação j urisdicional, bem com o
com port am ent os cont em porâneos da Adm inist ração Pública e dos próprios
part iculares, at é na ausência de legislação. Em out ra perspect iva, " na
form a da lei" é sinal port ador de dever irrefut ável de legislar, sej a por lei
st rict o sensu, sej a por at o de cunho regulam ent ar.

284
ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit ., p. 43.
285
ALEXY, Robert . Te or ía de los de r e chos fu n da m e n t a le s, cit ., p. 159.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Port ant o, ao cont rário do que se escut a na voz est rident e


daqueles que pret endem ver o t ext o const it ucional com o sim ples figurant e
no universo m ais am plo do ordenam ent o, as norm as do art . 225, com o
regra, não t êm carát er program át ico, m esm o quando t ingidas pela
locução " na form a da lei" . Só um j uízo ad hoc perm it e ao int érpret e,
at ent o à organização int erna da norm a e à sua inserção no rest o da
Const it uição, discernir o coeficient e program át ico ou de aut o- eficácia ( =
capacidade de im plem ent ação diret a) da art iculação norm at iva.

De t oda sort e, conhecendo bem a m á vont ade dos suj eit os


públicos e privados em relação à aplicação das norm as const it ucionais, o
const it uint e, em acréscim o a disposit ivos que não deixam dúvida sobre a
sua aut o- aplicabilidade e at ent o ao fat o de que "a Const it uição,
isoladam ent e considerada, não desencadeia nenhum processo de
m udança social” 286 , t rouxe um rol de inst rum ent os processuais, alguns
aqui já referidos, dest inados a viabilizá- las, na hipót ese de
descum prim ent o.

1 .1 3 Con side r a çõe s fin a is

Não são singelos os frut os que se esperam da Const it uição,


pois, com ela, pret ende- se, por m eio de fórm ula t écnico- j urídica, cont rolar
– ou, t alvez, m enos am biciosam ent e, apenas organizar – os conflit os
hum anos. É induvidoso que, com o afirm a Bruce Ackerm an, " enquant o
viverm os, não haverá escapat ória para a lut a pelo poder" 287 . Na m edida
em que lhe cabe regrar est a lut a pelo poder ( polít ico, m as t am bém por
recursos nat urais) , o papel da norm a const it ucional é deveras gigant esco.
Se o legislador não regula, os conflit os se acirram ; se regula, os preceit os
correm o risco de não serem aplicados ou de perecerem , passivos e
est upefat os, diant e da reação de poderosos int eresses econôm icos e
polít icos.

286
GRAU, Eros Robert o. A or de m e conôm ica n a Con st it u içã o de 1 9 8 8 , cit ., p. 299.
287
ACKERMAN, Bruce. Socia l j u st ice in t h e libe r a l st a t e . New Haven: Yale Universit y
Press, 1980, p. 3.

86
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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

Felizm ent e, sem pre haverá a possibilidade ( ou seria ut opia?)


de que, superados os est ágios m ais bárbaros da evolução hum ana, os
cidadãos vej am , na Const it uição, m ais do que um docum ent o de int enções
e ret órica inocent e, m as um verdadeiro guia im plem ent ável, capaz de
conduzir, m esm o que sej a em processo lent o e gradual, a um a sociedade
livre, j ust a e solidária, organizada na form a de um Est ado Dem ocrát ico de
Direit o, no m odelo advogado pelo art . 1° da Const it uição brasileira de
1988.

Hist oricam ent e, a nat ureza, valorizada com o recurso nat ural
ou vist a com o óbice à geração de riqueza e em prego, vem sendo um a das
principais vít im as diret as ou colat erais dessa " lut a pelo poder" . Não é de
surpreender que assim sej a, pois não se poderia esperar com port am ent o
m ais at encioso com ela do que aquele que os seres hum anos reservam
aos seus sem elhant es. Realm ent e, quem não é capaz de valorizar e
preservar a vida de sua própria espécie, cert am ent e est ará surdo à voz da
razão que conclam a à prot eção dos out ros seres vivos não hum anos e das
bases ecológicas.

Nada disso parece desest im ular ou assust ar o const it uint e


m oderno. Não é por out ra razão que as Const it uições t razem m uit o de
ot im ism o, de esperança de m udança e de renovação de conceit os e de
padrões de convivência. Ant es de m ais nada, a Const it uição é um
t est em unho de fé na capacidade hum ana de progresso. É nesse quadro
que se deve aquilat ar a const it ucionalização da prot eção do m eio
am bient e, nela se enxergando um avanço ét ico- j urídico m ensurável não
só pela análise form al das norm as, m as t am bém pela prát ica
const it ucional.

Que se acuse a Const it uição de 1988 de t udo, m enos de que,


para usar as palavras de Pont es de Miranda, " m uit o se legislou e legisla
para se ret ocar; pouco para se resolverem problem as" 288 . Os avanços

288
PONTES DE MI RANDA. Op. cit ., p. 222.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

ét ico- j urídicos nela est at uídos, ao prot eger a nat ureza, são num erosos e
inegáveis. Sem pret ender sum ariá- los, cham a a at enção a aut onom ização
j urídica do m eio am bient e, o t rat am ent o j urídico- holíst ico da nat ureza, o
reconhecim ent o, ao lado da dim ensão int ergeracional, de valor int rínseco
aos out ros seres vivos e ao equilíbrio ecológico, a ecologização do direit o
de propriedade e a inst it uição dos princípios da prim ariedade do m eio
am bient e e da exporabilidade lim it ada dos recursos nat urais, para cit ar
alguns pont os m ais expressivos.

Ult rapassada a fase da form ulação dogm át ica const it ucional, o


desafio agora é a boa com preensão e im plem ent ação da norm a. Não será
fácil. Os brasileiros – e, infelizm ent e, nesse pont o, não est ão sozinhos –
são reféns de um a int erpret ação excessivam ent e ret órica da norm a
const it ucional. Para piorar, prisioneiros da t radição civilíst ica, ainda se
usa, com o referência diária, o Código Civil, aplicando a Const it uição
apenas no preenchim ent o de lacunas ou om issões do Direit o Privado.

Elaborar a Const it uição de 1988 foi um a fest a de cidadania,


um m om ent o de celebração nacional, após anos de dit adura. Agora, com
seu t ext o na m ão, é hora de aplicá- la. Razão assist e a Bonavides quando
advert e que " A t arefa m edular do Est ado social cont em porâneo nos
sist em as polít icos inst áveis não é unicam ent e fazer a Const it uição, m as
cum pri- la” 289 . Aqui, infelizm ent e, a t radição do fat o consum ado é
suficient e para afast ar a norm a const it ucional, por m ais clara e inequívoca
que se m ost re. No cam po am bient al ( liberação de OGMs sem
licenciam ent o am bient al) , ou em qualquer out ro, é inj ust ificável a t roca da
força norm at iva da Const it uição pela força norm at iva dos fat os, sej am
eles econôm icos, sej am t écnicos; sej am út eis, sej am inút eis, sej am
geradores de em prego, sej am não geradores de em prego. " Os fact os

289
BONAVI DES, Paulo. Cu r so de dir e it o const it u ciona l, cit ., p. 162.

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Direit o Const it ucional Am bient al Brasileiro

inconst it ucionais cont inuarão a ser realidade inconst it ucional, por m ais
reit erados que sej am " 290 .

Em 1982, dez anos depois da Conferência de Est ocolm o e


out ros dez ant es da ECO- 92, Paulo Affonso Lem e Machado, num incont ido
lam ent o est am pado na prim eira edição do seu Direit o am bient al brasileiro,
escreveu que quando da prom ulgação da Em enda Const it ucional n. 1/ 69,
o t em a do m eio am bient e "ainda est ava t om ando corpo nas preocupações
cívicas" 291 . Hoj e, passados m ais de vint e anos desse desabafo acadêm ico,
há um a Const it uição plenam ent e sint onizada com a " preocupação cívica"
da degradação am bient al; m as, infelizm ent e, t al m ensagem ainda não
t ransbordou o núcleo const it ucional e inundou a prát ica em presarial,
legislat iva e adm inist rat iva do país. Tem pos m elhores virão, não se
duvida.

290
CANOTI LHO, José Joaquim Gom es; MOREI RA, Vit al. Op. cit ., p. 47 ( grifo no original) .
291
LEME MACHADO, Paulo Affonso. D ir e it o a m bie n t a l br a sile ir o, cit ., p. 6.

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