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TITULO I
ORDEM SOCIAL
no lo1
I ,l
§1. Ohomemeasociedade

1.1. A natureza social do homem

Ninguém ignora que o homem é um ser cuja natuÍeza é essencial-


mente social: é, na élebre definição de AntsrórrLEs, um animal político
porque nasceu para viver em comunidade (polis). Com efeito, sendo
dotado de sentimentos e de Íazão, precisa de comunicar, de trocar expe-
riências, de produzir bens para si e para os outros, de utilizar o produto
do trabalho alheio, porque é absolutamente impossível criar sozinho tudo
o que necessita para viver. A expressão lalina unus hotno, nullus homo
cmacteriza bem a sua natureza social porque o homem que viva absolu-
tamente isolado, sem uma comunidade social mais cu menos extensa
(afamflia, a tribo, a cidade, o Estado), não é homem: é um nada.
Ser gregário por natureza, o homem pertence a dois mundos:

a) ao mundo natural, constituído por seres animais, vegetais e


minerais. O homem é, tão-só, umâ paÍe constituinte do todo,
mas é indubitavelmente a mais importante em resultado das
suas qualidades biopsíquicas que o impõem aos restantes seres;
b) ao mundo cultural, construído pela sua inteligência e trabalho.
É constituído pelos seres humanos e bens que produzem para
viverem e obterem melhores condições de vida. Caractenza a
vitória do homem na sua luta tenaz para se destacar no mundo
natural, criando uma dualidade que o separa dos restantes seres.

É no mundo cultural que o homem afirma a sua racionalidade que


se manifesta nas realizações duma vida que decorre em convivência.
16 Ideia Geral dc Direito

Dir-se-á que viver com os outros (conviver) é o seu destino, a que não
pode fugir sob pena de deixar de ser homem (l).
Porém, a convivência postula regras que disciplinem os comporta-
mentos de cada homem e transmitam a segurança necessária à vida de
relação com os outros. Tais regras corporizam a ordem social que
importa estudar.

1.2. A ordem social. Instituições sociais

1 .2.1 . Noção e função

A palavra instituição comporta vários significados. Etimologica-


mente, deriva de institutio, instituere e pode definir-se como o que está
ou permanece numa sociedade em evolução (l).
Na linguagem corrente, fala-se de instituição em vários sentidos: um
complexo de leis, de costumes, de normas; uma obra constituída por
elementos pessoais e materiais organizados segundo leis e regulamentos
(estatutos) próprios com vista à realização dum fim determinado; etc. (2).
Juridicamente, instituição designa ora um conjunto mais ou menos
extenso de normas que, subordinadas a princípios comuns, disciplinam
um determinado tipo de relações sociais (3), ora a realidade social que
lhe está na base (a).

(t) Não passÍun de mera ficção as doutrinas correntes nos séculos XVtr a )OX
de que o homem começou por viver isolado num estado de natureza que teria pre-
cedido o estado social. Referimo-nos a Hoases para quem o homem é um ser
profundamente egoísta que a sociedade educa; e a Roussreu que vê no homem um
ser originariamente bom que a civilização corrompeu. A sociabilidade inata do
homem e as modernas investigações antropológicas desmentem aquelas doutrinas.
Vide lnocêncio GelvÃo Tslt-ps, Introdução ao Estudo de Direiro 1ll (Coim-
bra, 1999), 33-39; e José de OllvElRa AscpNsÃo, O Direito. Introdução e Teoria
G eralt3 (Coimbra, 2OO5), 23-24.
(t) Vide Oltvr.na AscrusÃo, o.c.,33-35.
(z) Vide João Barusra MecHe.po, Introduçõo ao Direito e ao Discurso lxgí-
timador3 (Coimbra, 1989), 14.
(3) V.9., o direito das obrigações, o direito de propriedade, o direito da famí-
lia, etc.
(a) Assim, a obrigação, a propriedade, a família, etc.
--J

--,i,Ceral de Direito Ordem Social 17

;iIrO, â que nao


As suas funções são muito importantes, porque ajudam a resolver
os problemas da sociedade e dos homens que a integram- As principais
-Jr
q os comporta- são a estabilidade normativa que permite orientar os seus membros na
frria à vida de prossecução de objectivos comuns e transmite a segurança indispensá-
.-rm social que vel à planificação do futuro; e a integração numa organização que uni-
fica e identifiea os seus elementos (5).
Há instituições fundamentais e secundrárias. Às primeiras pertencem:
a famflia, instituição básica que constitui o ponto de partida das demais;
-, a propriedade, que é o sustentáculo do sistema social e político dum
li povo; e o Estado, em que um povo se organiza política e juridicamente
J( numa unidade de poder. As segundas complementam as instituições
;. Etimologica- fundamentais e nem sempre se encontram em todas as sociedades: des-
-xo o que está tacamos, v. 9., o Parlamento, um tribunal, uma igreja, uma escola, um
d sindicato, uma academia, etc. (6).
os sentidos: um Importará referir que também se fala de instituto (não de institui-
*?nstituída por ção) quando se trata dum complexo normativo menor (7).
r-ryulamentos
iir^--.o; etc. (2). I .2.2. Necessidade
+.rais ou menos
ih, disciplinam Uma perspectiva antropológica moderna sustenta que o homem
-iade
social que é um ser naturalmente inacabado, uma criatura de gestação incom-
pleta que nasce prematuramente; carece dum equipamento instintivo que
o oriente e permita encontrar um rumo de acção no meio em que se
-+i
integra.
çglos XVII a XIX Por isso, tem necessidade de criar instituições que o guiem e ofe-
).a que teria pre- reçam, nas relações com os outros, a segurança indispensável à previsi-
-1)mem é um ser bilidade em que assenta a planificação da vida e o progresso (l).
vê no homem um
§ilidade inata do
2truelas doutrinas.
lieito I| (Coim_ (s) Viàe Bnprrsre Mecsapo, o.c-, 19-22.
rypdução Teoria
e (6) Vide Orlando de Ar-uslon Secco, Introdução ao Estudo do Direito3 (Rio
:l! de Janeiro, 1995), 26-31.
(t) Vide, no nosso Código Civil, v. g., a prescrição (arts. 300.'e ss.), a res-
ao Discurso l*gi- ponsabilidade civil (arts.483." e ss.), a usucapião (arts. 1287." e ss.), as responsa-
E bilidades parentais (arts.1877.'e ss., na redacção que lhes foi dada pela Lei
11..--rito da famí- n.'6112008, de 31 de Outubro), a sucessão legítima (arts.2l3l.'e ss.), etc.
(t) Vide Bernsre, Mecruno, o.c.,7-9i e Paulo Ferreira da CuNue, Princípios
de Direito (Porto, s/d.), 30,
I
l

18 Ideia GeraL de Direito

§ 2. Ordens normativas
2.1- Preliminares

Porque o homem vive necessariamente na companhia de outros


homens com os quais estabelece várias relações (de coordenação, de
subordinação, de integraçao),é absolutamente necessário que o seu com-
portamento seja disciplinado por normas ou regras de organização e de
conduta (l).
Tais normas pertencem ao mundo cultural e, por isso, não se con-
fundem com as leis físico-matemáticas que explicam um fenómeno natu-
ral segundo o princípio da causalidade. Pelo contrário, as leis culturais
caracterizam-se pela sua referência a valores ou por adequarem meios a
fins: têm, portanto, uma natureza axiológica ou teleológica. Entre as leis
físicas e as normas observam-se as seguintes diferenças:

I. a lei física explica as relações necessárias entre os fenómenos


naturais: refere-se ao que é e tem um fim teórico. A norma dis-
ciplina um compoftamento: determina o que deve-ser e o seu fim
é de ordem prática;
2. a lei física é válida quando as relações ocorrem exactamente na
forma enunciada: os factos devem confirmá-la. As normas diri- _l
gem-se a seres livres que a podem violar ou obedecer. Não
deixa de ser válida se o comportamento dum destinatário dela
se afastar: não depende da experiência e as suas excepções
repercutem-se na sua eficácia e não na sua validade (2).

Nem todas as leis culturais nos interessam: de fora ficam as leis


sociológicas, históricas e económicas porque, embora as suas conclusões
possam influenciar a ordenação dos comportamentos, não disciplinam as
nossas condutas. Ocupar-nos-emos, sim, das leis ou normas éticas, ou
lJ
(t) Vide MtcuEt- Rrale, Lições Prelintirutres de Direitoto (Coimbra, 1982),23;
e Alueroe Secco, o.c.,20-26.
l I
(2) Vide Eduardo Gancta MayNpz, Introducción al Estudio del Derecho rf
(Mexico D.F., 1944),5-8; e GelvÃo TElles, o.c., 1,28-29. l
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18 Ideia GeraL de Direito

§ 2. Ordens normativas
2.-1.. Preliminares

Porque o homem vive necessariamente na companhia de outros


homens com os quais estabelece várias relações (de coordenação, de
subordinação, de integraçáo), é absolutamente necessário que o seu com-
portamento seja disciplinado por normas ou regras de organização e de
conduta (l).
Tais normas perÍencem ao mundo cultural e, por isso, não se con-
fundem com as leis físico-matemáticas que explicam um fenómeno natu-
ral segundo o princípio da causalidade. Pelo contrário, as leis culturais
caracterizam-se pela sua referência a valores ou por adequarem meios a
fi.ns: têm, portanto, uma natureza axiológica ou teleológica. Entre as leis
físicas e as normâs observam-se as seguintes diferenças:

l. a lei física explica as relações necessárias entre os fenómenos


naturais: refere-se ao que é e tem um fim teórico. A norma dis-
ciplina um comportamento: determina o que deve-ser e o seu fim
é de ordem prática;
2. a lei física é válida quando as relações ocorrem exactamente na
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forma enunciada: os factos devem confirmá-la. As normas diri- _l
gem-se a seres livres que a podem violar ou obedecer. Não
deixa de ser válida se o comportamento dum destinatrírio dela
se afastar: não depende da experiência e as suas excepções
repercutem-se na sua eficárcia e não na sua validade (2).

Nem todas as leis culturais nos interessam: de fora ficam as leis


sociológicas, históricas e económicas porque, embora as suas conclusões
possam influenciar a ordenação dos comportamentos, não disciplinam as
nossas condutas. Ocupar-nos-emos, sim, das leis ou normas éticas, ou

(t) Vide Mtcusl REALE, Lições Prelintinares de Direitolo (Coimbra, 1982),23;


e Ar-uerpa Secco, o.c.,70-26.
(2) Vide Eduardo Gancra MeyNez, Introducción al Estudio del Derecho
(Mexico D.F., 1944),5-8; e GalvÃo Tellrs, o.c., 1,28-29. l
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-t

t..]

I
t.Geral de Direito Ordem Social 19

seja, das proposições ou enunciados linguísticos que expressam um


dever-ser que orienta o inter-relacionamento humano (3).
No entanto, as normas sociais não visam o mesmo fim e tão-pouco
reagem da mesma maneira às condutas que as não observem. Por isso,
Lnhia de outros interessa distinguir as principais ordens éticas ou normativas: a reli-
oordenação, de giosa, a moral, a de trato social e a jurídica.
que o seu com-
ryanizaçáo e de 2.2. Ordem religiosa
so, não se con- As normas religiosas são criadas por um Ser transcendente e
fenómeno natu- ordenam as condutas dos crentes nas suas relações com Deus. Apre-
as leis culturais sentam características próprias que as distinguem das demais normas
quarem meios a sociais (1). São:
:a. Entre as leis
;: f . insúumentais: preparam ou tornam possível o que não pertence
ao mundo terreno;
e ^s fenómenos 2. intra-individuais: destinam-se directa e fundamentalmente ao
r. .r nOrma diS- íntimo do homem crente, embora não deixem também de impor
)-sereoseufim um certo comportamento exterior;
3- as sanções, que estabelecem, pertencem ao foro exclusivo das
exactamente na igrejas e, portanto, são insusceptíveis de imposição pelo Estado.
As normas diri- Dizem respeito à crença e à fé numa vida ultraterrena na qual
obedecer. Não cada homem receberá a retribuição (a paga ética) da sua con-
iestinatário dela duta. O remorso é, também, uma forma de sanção imediata (2).
suas excePções
idade (2). Subjacente e como suporte da ordem religiosa está "a ideia funda-
mental da religião de que vivemos uma vida transitória que não tem
ra ficam as leis em si a medida do seu valor, mas que se mede, segundo valores eter-
suas conclusões nos, à luz da ideia de uma vida ultraterrena, na qual os homens serão jul-
o disciplinam as gados segundo o valor ético da sua própria existência" (3).
rrmas éticas, ou

(3) Vide Miguel Renle, o.c.,27-29; e Javier De LucAs e Outros, Curso de


l'' 'bra, 1982),23; Introducción al Derecho (Valencia, 1994), 18.
(t) Vide Pedro Enó, Noções ELementares de Direito (Lisboa, 1997), 19-20.
udio del Derecho (2) Vide Miguel Rrar-E, o.c.,74.
(3) São palavras de Miguel Re,tle, o.c.,74.
20 ldeio Geral de Direito

Não se diga que as normas religiosas (r. 9., o mandamento que


proibe mâtar ou o preceito que impõe que amemos o próximo como a
nós mesmos) estão ausentes das relações entre os homens. Tão-só cons-
tituem, do ponto de vista puramente religioso, deveres do homem para
com Deus e não direitos dos homens uns para com os outros (a).
Nos alvores da civilização, as normas religiosas confundiram-se,
durante muito tempo, com as normas jurídicas. O Direito Romano
constitui um campo fecundo: no vocábulo irzs, que tem na deusa lusri-
tia a sua geradora; no símbolo do direito, composto pela mesma deusa
que, de olhos vendados, segura uma balança de dois pratos com o fiel
perfeitamente aprumado (derectum) (s); alguns negócios jurídicos, em
cuja celebração se invocava a deusa
"*
Fides (6); etc. Também na Idade
Média, a ordem jurídica não foi estranha à influência da ordem reli-
giosa: bastará exemplificar com os ordálios ou juízos de Deus (7) e o
casamento de juras (8), figuras jurídicas que se caracterizam pelo directo

(a) Vide J. Drns Menques, Introdução ao Estudo do Direitoz (Lisboa, 1994),


38-39.
(s) Vide Sebastião Cxvz, Ius. DerecÍum (Directum) (Coimbra, 1914),28,39
e 44-46.
() Vide Sebastião Cxrsz, Direíto Romano ("lus Romanum") I. Introduçdo.
Fonte§ (Coimbra, 1984), 241 e 305 .
(7) Divergindo os juramentos acerca da prática dum determinado delito, recor-
ria-se ao juízo de Deus na crença de que revelaria a autoria e a inocência. Refe-
rimos a prática do ferro em brasa: depois de lavar e enxugar a mão, o suspeito
pegava num ferro em brasa, caminhava nove pés e depositava-o no chão. A mão
era abençoada por um sacerdote e coberta com um pano com cera e linho. Três dias
depois, era examinada e, se a queimadura não manifestasse sinais de cura, o indi-
víduo era condenado; de contrário, seria absolvido. Vide Marcello CerreNo, Ifis-
tória do Direito Português I (1140-1495) (Lisboa, 1981),262-263.
(8) No casamento legítimo do direito germânico (rechte Ehe), a desponsatio
solene envolvia o consentimento dos pais da noiva, a sua entrega (traditio) ao
noivo, a bênção da Igreja e a boda. No caso de os pais não consentirem e Perante
uma situação de rapto em que a mulher passava a viver com o noivo, a Igreja,
que tinha consagrado o princípio consensus facít nuptias, reconhecia o casamento
prestado in manu clerici: com a declaração de mútuo consentimento dos esposos,
na presença de testemunhas e do sacerdote. Vide Manuel Paulo MenÊ,c,, Sobre o
"Casamento de Juras", em Novos Estudos de História do Direito (Barcelos, 1937),
l3 1-138.
aa Geral de Direito Ordem Social 21

:ândamento que apelo à intervençáo de Deus e da Igreja. E não deixamos, também, de


próximo como a refeú o direito muçulmano que vai buscar à religião o conteúdo dos seus
ns. Tão-só cons- critérios normativos (9). Todavia, nos países ocidentais a ordem jurídica
-do homem para
foi-se secularizando e hoje não se confunde com a ordem religiosa,
-outros (a). cujas características assinalámos (10).
confundiram-se, Das normas religiosas de origem divina distinguem-se as norrnzrs que
lireito Romano regulam a organização e a práúica religiosa das comunidades de crentes,
- na deusa lusÍi- dirigidas por autoridades hierarquicamente escalonadas. Tais normas
:la mesma deusa têm um carácter positivo e são criadas pela hierarquia eclesiástica com
-ratos com o fiel vista à aplicação e ao desenvolvimento das primeiras (li). A sua vio-
ios jurídicos, em lação pode determinar a apLicaçáo de sanções religiosas (v- g., a exco-
arnbém na Idade munhão) que se repercutem no meio social com uma intensidade que
. da ordem reli- varia segundo as épocas históricas da civilização (12).
Je Deus (7) e o
izam pelo directo 23. Ordem moral

A moral é, nas palavras de Ceenel ne MoncRoe, constituída pelo


zlto- 1r-isboa, 1994),
"conjunto de preceitos, concepções e regras, altamente obrigatórios para
com a consciência, pelos quais se rege, antes e para além do direito, algu-
1974),28,39
-bra, mas vezes até em conflito com ele, a conduta dos homens numa socie-
Um") I. Introdução. dade't 111.
Caractenza-se pela interioridade, absolutidade e espontaneidade do
-,inado delito, recor- dever moral. A sua esfera de aplicação é imensa, porque vai até onde
a inocência. Refe-
*amão,osusPeito
o no chão. A mão
ã e iinho. Três dias (e) Vide Mrírio Júlio de ALuupa Cosra, História do Direito Português3,
nais de cura, o indi- 2.u reimpressão (Almedina, Coimbra, 2000), 153-157.
:tlo CnrraNo, His- (10) Entre nós, a Constituição da República determina que "a liberdade de
)-63. consciência, de religião e de culto é inviolável" (art.47.", n." 1); proíbe a perseguição
Ehe), a desponsatio e a privação de direitos "por causa das suas convicções ou prática religiosa"
qtrega (traditio) ao (art.41.", n." 2); e afirma que "as igrejas e outras comunidades religiosas estão
iisentirem e Perante separadas do Estado e são livres na sua organízaçáo e no exercício das suas fun-
ionoivo,algreja, ções e do culto" (art. 41.", n." 4).
>nhecia o casamento (tt) Vide Dtm Ma.neur,s, o.c., 39-40.
rr l dos esPosos, 1tz1 Vide Drns Maneups, o.c., 39-40.
--to,lERÊl, Sobre o (t) Referimo-nos à moral positiva e não a uma ética de valores absolutos.
iro (Barcelos, 1937), Vide Luís C,qsneI- »r MoNcA.oe, Filosofia d.o Direito e do Estado, II (Coimbra,
1966), 134.
22 Ideia Geral de Direito

podem chegar as projecções da consciência humana: "o homem, se tiver


consciência, sente-se permanentemente como que solicitado ou atraído
pelo dever moral, independentemente de toda e qualquer sanção externa";
e "a única sanção a que estará sujeito será, ainda e sempre, a interior do
remorso ou, pelo menos, a do desgosto de si mesmo, no caso de não
cumprir o dever moral" (2).
Consideramos aqui, tão-só, a moral geral (comum a todos os mem-
bros duma sociedade) sem, todavia, ignorarmos que há morais parti-
culares (próprias de certas profissões). Esta distinção justifica a recusa
de relativismo na moral sub specie conscientiae e a relatividade moral
sub specie societatis (3).
A relação entre a moral e o direito não foi desconhecida na Anti-
guidade Clássica que, embora não tenha elaborado um critério que per-
mitisse a sua distinção, não deixou de ter a intuição de que não se con-
fundem. Constituem exemplos significativos a afirmação de Peulus
"non omne, quod licet, honestum est" (4) e a regula atribuída a UI-pteNus
"cogiíationis poenam nemo patitur' (5).
Porém, foi na Idade Moderna que este problema adquiriu um sen-
tido mais vital ou pragmático na sequência dos conflitos enúe a Igreja
Católica e os vários cultos protestantes e das dissensões que dividiram
os protestantes em diversas correntes. Os Chefes de Estado passaram a
intervir na vida particular dos cidadãos parâ indagarem as suas convic-
ções religiosas: uns queriam que os seus súbclitos fossem católicos;
outros, protestantes. Surgiu, então, a necessidade de delimitar clara-
mente a zona de interferência do poder público, só possível através da
distinção entre os campos jurídico, moral e religioso. Merece desta-
que Tuouestus, o primeiro jurisconsulto que, para tutelar a liberdade de
pensamento e de consciência, procurou distinguir a moral e o direito
separando as acções humanas em internas (foro íntimo) e extemas (foro
externo). Ao direito só interessam os actos da vida de relação, ou seja,
a acçáo humana depois de exteriorizada; a moral ocupa-se do que se pro-

(2) São palavras de CeaneL »s Monc.q»n, o.c., 135-136.


() Vide CesnÁ.L os MoNca.oa, o.c., 136-1371.
(o) 50, 11 ,144 "Nem tudo o que é lícito (lurídico) é honesto (moral)".

e) 48, 19, 18: "Ninguém é punido por pensar".


J

l a,",r, de Direito Ordem Social 23

se tiver cessa no plano do pensamento e da consciência, que são actos inter-


fo*"., nos. Em consequência, só o que
se projecta no mundo exterior fica
ou atraído
'tado
sanÇão extema"; sujeito à possível intervenção do poder público e, portanto, nenhum
a interior do cidadão pode ser processado pelo simples facto de pensar; e tão-pouco
!e,
ào caso de não pode ser obrigado a ter esta ou aquela crença (6).
Porém, este crítério logo se revelou insuficiente porque, se há actos
Itodor os mem- puramente interiores, não há acções humanas exclusivamente externas;
trá morais parti- e o direito, porque disciplina fundamentalmente actos humanos livres, não
astifica a recusa dispensa a apreciação de factores internos (v. 9., a culpa, o dolo, o ani-
moral mus, etc.) que determinaram comportamentos extemos (). Por outro lado,
ftiviaaae a relação entre a moral e o direito não é tão linear que dispense o inte-
hecida na Anti- resse de a aprofundar-
que per- Surgiram outros critérios que é necessário analisar. Destacamos o:
fritério
Jlue nao se con-
rção de Pnulus
1. critério teleológico: a moral interessa-se pela realização plena do
homem (fim pessoal), enquanto o direito tão-só tem em vista a
Dída a Ulpnrqus
realização da justiça para asseguÍar a paz social necessária à
I
convivência em liberdade (fim social). Este critério sofre a cen-
dqurriu um sen-
sura de que a moral tem também um fim social e o direito
ls entre a Igreja
satisfaz igualmente um fim pessoal (8), além de os seus campos
§ que dividiram
variarem consoante as diferentes escalas de valores das diver-
tado passaram a
sas épocas históricas: há normas jurídicas que se convertem em
las suas convic-
morais; e normas morais que se tornam jurídicas (9).
lssem católicos; 2. critério da perspectiva: a moral incide sobre a interioridade
delimitar clara-
(a motivação) dos actos (lado interno) e o direito atende ao
1sível através da
I Merece desta-
r a liberdade de (6) Vide Miguel Reale, o.c.,53-54.
loral e o direito (7) Vide Luis Lecaz v Lecaunxa, Filnsofía del Derechos (Barcelona, 1979),
e externas (foro 434-435: e GelvÃo Telles, o.c-, I, 116-
ielação, ou seja, (8) V. S., a noÍÍna moral que dispõe que devemos ajudar um mendigo contribui
e do que se pro- também para o fim social de diminuir a delinquência; e a norrna jurídica que impõe
o pagamento de impostos não deixa de orientar os indivíduos no sentido do seu aper-
feiçoamento ético. Vide Norberto Ar-venez e J. L. Muxoz oe BeeNa, Introducción
Filosófica al Derecho (Madrid, 1989), 53-54.
(e) V.g", amoral contém normas que já foram jurídicas: quando a sua infra-
cção era punida como constitutiva de escândalo; e há normas morais num sistema
honesto (moral)" democrático (v. g., apoiar um partido político) que se tornam jurídicas em dita-
dura- Vide Norberto ALvanez e MuNoz pr Besrue., o.c.,65-66.
24 Ideia GeraL de Direito

que extemamente se manifesta (lado extemo). Já vimos, porém,


que este critório (utilizado por Tuoveslus) não satisfaz.: des-
valonzit a importância que o direito atribui ao elemento interno
das acções humanas e não atende ao relevo que a moral confere
ao elemento extemo. Ora, a moral também exige que actuemos
rectzulente, manifestando e executando os nossos propósitos (10);
e o direito penetra com frequência na consciência para analisar
os motivos da actuação hurnana (ll). No entanto, este critério
não deixa de conter um elemento útil: assinala os diferentes
pontos de partida da moral e do direito. Aquela parte da atitude
interior; esta assenta nos aspectos exteriorcs da conduta (12).
3. critério da imperatividade: a moral, porque visa a perfeição pes-
soal , é simplesmente imperativa, ou seja, limita-se a impor
deveres; pelo contrário, regulando as relações sociais segundo
a justiça, o clireito é impcrativo-atributivo: impõe deveres e
recoúece direitos correlativos (13). Por isso, talnbém se fala de
unilateralidade na moral e de bilateralidade no direito: perante
o sujeito moralmente obrigado não há uma pessoa autorizada a
exigir-lhe o cumprimento dos seus deveres: já quem se encon-
tra juridicamente obrigado está perante outra pessoa que tem a
faculdade de exigir o cumprimento da sua obrigação (la). Nem
sempre, porém , assim ó: basta pensar nas obrigações naturais
cujo cumprimento não é judicialmente exigível (15); em nor-
mas cuja violação nem sempre é susceptível de sanção; e em
alguns direitos que carccem de coercibilidade (16).

1lo1 V. g., não basta ter a intenção de visitar um doente ; é também moralrncnte
nccessário pôr em prática este propósito. Vide OLrvEtta AscENsÃo, o.c., 98-100.
(11) Bastará pensar, v. 9., no que as diferentcs formas de culpa e a boa fé
desempenharn nos direitos penal e civil. Vide Gustav Rapsnuctr, Filosofía do
Direiro, I (Coimbra, I96l), I 15-l 16.
(12) Vide Ba.rnsra Mecue»o, o.c., (fr-67; e OLtvetRa AscENsÁo, o.c., 102-103.
(13) Vide Mário Brcone CttonÃo, Introduçao ao Direíro,I (Coimbra, 1989),
200-20 1 .

(ta) Vide Gancía MrrvNrz, o .c ., 16-18, e Get-vÃo TnllEs, o .c ., | , 1ll .

(rs) Vide arÍ. 402.' do Código Civil.


(16) Vide infra, as notas 24 e 25.
J
J tia Geral de Díreito Ordem Social 25

li,ri*or, porém, 4. critério do motivo da acção: os preceitos morais têm a sua fonte
----J
ão satrstaz: des- na consciência de quem os deve cumprir que constitui, tam-
*lemento interno bém, a instância que decide sobre o seu cumprimento ou incum-
lu confere primento (17); o direito é fruto da vontade dum sujeito dife-
I -o.ul
ge que actuemos rente. Por isso, a moral ó autónoma (o autor da norma moral
,r5 propósitos (10); é a pessoa que Ihe deve obedecer) e o direito é heterónomo
p-u analisar (implica a sujeição a um querer alheio). Isto é, o cumprimento
[iu
I
rnto, este crlteno da norma moral-requer o assentimento do obrigado, enquanto a
.1la os diferentes norma jurídica se cumpre independentemente da opinião dos
seus destinatiírios- Também este critério, que foi utilizado por
lpane da atitude
--àa conduta (12). KANT, sofre de deficiências: o autolegislador de KaNr não é o
ga perfeição Pes- homem real, mas uma vontade pura cujas miíximas têm valor
hita-re a impor universal; por isso, não sendo criadas pela pessoa obrigada, as
Jsociais segundo normas morais não são autónomas. A sua obrigatoriedade não
imoõe deveres e pode fundar-se num querer empírico, mas em exigências ideais.
Ademais, se as nonnas morais fossem autónomas, sempre have-
$e* se fala de
4 t- ito: perante ria que reconhecer ao obrigado não só a faculdade de as criar,
ssoa autorizada a mas também de derrogar ou modificar segundo os seus capri-
chos, faculdade que nenhum moralista lhe atribui. É também
lq'.r"- se encon-
que tem a impossível elevar a vontade universal à dimensão de norma
-l*ttou
igação 1t+). Nem sem sabermos previamente o que é bom ou mau: o imperativo
ligaçoes naturais moral é a expressão de algo intrinsecamente valioso e não duma
--f1 itsl' em nor- vontade. Por outro lado, o direito tem também uma dimensão
de sanção; e em cle autonomia porque, sendo a vigência a base fárctica da vali-
dade, esta desvanece-se quando aquela desce a um certo grau.
J
l('9. Além de que uma "obrigação" heterónoma (isto é, imposta por
uma vontade alheia) envolve uma contradição: a obrigação
pressupõe o reconhecimento dum dever e urna vontade alheia
L** moralmente
só pode produzir, quando muito, um ter-de-ser, nunca um
o.c., 98-100'
-.hsao,
Ce culpa e a boa fé
dever-ser 1tt;. No entanto, não deixa de poder afirmar-se que
Filosofía do a dimensão de autonomia domina na moral; por isso, enquanto
lucn, a ignorantia iuris náo excusa do seu cumprimento (19), já releva
J
ENsÁo, o.c., 102-103.
I (Coimbra, 1989),
(n) Vide Javier De Lucas e Outros, o.c., 22; e José Hermano Sanatva., Moral
, o.c.,I, 177 . e Direito, em Filosofia Jurídica Portuguesa Contemporônea (Porto, s/d.), 302-303.
(tB) Vide Reonnucu, o.c., 126.
(te) Vide art. 6: do Código Civil.
Ideia Geral de Díreíto

a ignorantia moralis: quem não conhece um preceito moral


não lhe está obrigado. A moral é um imperativo categórico e,
portanto, permite ao indivíduo que aprecie as circunstâncias
fora das quais a norna moral não tem validade; a norrna jurídica
é hipotética, porque estabelece os pressupostos da sua apli-
caçao \").
5. critério da forma ou dos meios: as normas morais são incoer-
cíveis, isto é, o seu cumprimento só poderá efectuar-se espon-
taneamente (21). As normas jurídicas gozam de coercibilidade:
há a possibilidade de se recorrer à força para que sejam obser-
vadas (22). Também este critério não satisfaz plenamente. Haja
em vista que ordinariamente o direito é observado sem pensar-
mos na possibilidade de imposição pela força (23)', também, a
coercibilidade não constitui uma dimensão essencial das normas
jurídicas porque nem todas têm sançáo (24); há normas cuja
"
sanção não pode ser coactivamente imposta (2s).
6. critério do mínimo ético: o direito é aquela parte da moral
armada de garantias específicas indispensáveis à existência da
paz, da liberdade e da justiça na sociedade (7r. Identifica-se,
portanto, com as normas básicas ou fundamentais da convi-
vência e constitui um círculo menos amplo da moral. A rela-
ção entre o direito e a moral pode ser representada por dois

(20) Vide Lr,ce.z y L,A.cnMnR.n, o.c., 439-441 .


(2r) Dir-se-á, a propósito, que ninguém se toma bom à força. Vide Btçorte
CnonÃo, o.c.,207.
(22) Yide Lvcpzv Laceunne, o.c.,437-438; GancÍe M,qvI.rEz, o.c.,27-22; e
GalvÃo TEr-les. o.c, I, l18.
123) Vide Norberto Alvenrz e MuFroz ue Bar,Ne., o.c., 61; e GelvÃo Telles,
o.c., I,26-27 .
(24) Pensemos, v.8., nas obrigaçoes naturais (arÍs.402.'e 404.") e na
norÍna que fixa os deveres conjugais {art. 1672."). Víde Ouvetp,» AscEwsÃo, o.c.,
80-92.
(25) Sucede, v. g., com o Direito Canónico, absolutamente destituído de coer-
cibilidade; e com o Direito lnternacionai Público. Vide Orlstxe AscEt.,sÃo, o.c.,
84-85.
(26) Vide Berrstn Macunoo, o.c., 59-60.
26 Ideia Geral de Díreito

a ignorantil moralis: quem não conhece um preceito moral


não lhe está obrigado. A moral é um imperativo categórico e,
portanto, permite ao indivíduo que aprecie as circunstâncias
fora das quais a norna moral não tem validade; a norrna jurídica
é hipotética, porque estabelece os pressupostos da sua apli-
cação (20).
5. critério da forma ou dos meios: as normas morais são incoer-
cíveis, isto é, o seu cumprimento só pode-rá efectuar-se espon-
taneamente (21). As normas jurídicas gozam de coercibilidade:
há a possibilidade de se recorrer à força pâra que sejam obser-
vadas (22). Também este critério não satisfaz plenamente. Haja
em vista que ordinariamente o direito é observado sem pensnr-
mos na possibilidade de imposição pela força (3); também, a
coercibilidade não constitui uma dimensão essencial das normas
jurídicas porque nem todas têm sanção (24); há normas cuja
"
sanção não pode ser coactivamente imposta (2s).
6. critério do mínimo ético: o direito é aquela parte da moral
armada de garantias específicas indispensáveis à existência da
paz, da liberdade e da justiça na sociedade (2\. Identifica-se,
portanto, com as normas básicas ou fundamentais da convi-
vência e constitui um círculo menos amplo da moral. A rela-
ção entre o direito e a moral pode ser representada por dois

(2o) Vide Lzcnz v Lacalranna, o.c., 439-441 .


(2i) Dir-se-á, a propósito, que ninguém se toma bom à força. Vide Btçorrr,
CHonÃo, o.c.,207.
(22) Vide Lpcez v LÀcet'astA., o.c., 437-438; GencÍa MavNez, o.c., 21-22; e
GarvÃo Tsr-lss, o.c., l, 118.
123) Vide Norberto Alve.nrz e MutÍoz op BaeNa, o.c., 6l:. e GalvÃo TELLES,
o.c., 1,26-27.
(24) Pensemos, u.9., nas obrigações naturais (arts.402.o e 404.o) e na
norÍna que fixa os deveres conjugais (art. 1612.'). Vide Ouvetx,^, AsceNsÃo, o.c.,
80-92.
(25) Sucede, v. 9., com o Direito Canónico, absolutamente destituído de coer-
cibilidade; e com o Direito Intemacional Público. Vide OuvetxR AsceNsÃo, o.c.,
84-85.
(26) Vide B,cprrsre Mecuepo, o.c., 59-60.
J

J o;,,, de Díreito Ordem Socíal

-f,.eceito
moral círculos concêntricos: o mais pequeno representa o direito; o
-:l: categórico e, maior, as nornas morais que o direito não protege. Por isso,
: circunstâncias poder-se-á afirmar que tudo o que é jurídico é moral, mas nem
lnor-" jurídica tudo o que e moral é jurídico. Também este critério não satis-
* ou sua apli- faz. Desde logo, porque há normas jurídicas moralmente
indiferentes i27); depois, porque também as há contrárias à
ais sao incoer- moral (28).
J*ur-r" espon-
: coercibilidade: Referidos os principais critérios, nenhum fixa, de maneira certa ou
ft sejam obser- acabzda, os linrites que separam a moral e o direito, o que, aliás, se
-fiamente. Haja compreende se tivermos ern atenção que o seu relacionamento é pautado
rdo sem pensar- por atinências muito profundas a par de algumas situações de indiferença
e de colisão.
J3); tumbém, a
Jial das normas Quando o direito determina a nulidade das doações e das disposi-
há normas cuja ções testamentárias de pessoa casada ao cúmplice com quem cometeu
adultério (29) nl., atribui ao doador a faculdade de revogar a doação por
1 da moral ingratidão do clonaüírio (30). estamos perante soluções jurídicas foúemente
à cxistência da marcadas por una valoração moral. E não raro concordam os valores
-l Identifica-se, morais e jurídicos: v. g., náo matar, não difamar, não furtar, etc. são deve-
Jtais da convi- res igualmente lnorais e jurídicos.
moral. A rela- Persistem, no entanto, alguns pontos de vista valorativos que suge-
lntada por dois rem uma fronteira: a moral caracteriza-se pela autovinculação e pela
J importância prirnordial que atribui às motivações das condutas; o direito
acentua a imposição heterónoma das suas normas e os aspectos exter-
nos ou sociais cla conduta humana constituem o seu ponto de partida.
Mas convém assinalar uma ideia: o direito ordena o que é neces-
J^ ,,r"Btcon. sário ao fim tearporal do homem, enquanto a moral afecta o que de
mais íntimo há na pessoa. Sendo o fim, que é próprio da moral, supe-

e Gll-vÃo Telles,
-1.'e404.')ena 1zt1 V. g., as normas que ordenam a circulação automóvel peladiu:eita. Vide
Miguel REer-p, o"c.) 42; e OLrvenl AscENsÃo, o.c., 100-101.
:lla AscensÃo, r.c., çy V. g., a norÍna que declara nulas as disposições testamentárias a favor do
médico ou do enfermeiro que tratar o testador, se o testamento for feito durante a
1, 'rído de coer- doença e o seu autor vier a falecer dela (art. 2194."). Tais disposições podem ter
.[ ascerusÃo, o.c., sido motivadas pelo cumprimento de deveres de gratidão.
çzs) Vide arts. 953." e 2196." do Código Civil.
(30) Vide arts. 970." e 9'14." do Código Civil.
IJ
Z6 Ideía Geral de Direitct

rior ao fim que o direito rcaliza (31), a moral goza duma superioridade
que lhe permite intervir na criação, na intelpretação e na aplicação do
direito (influência material) e impor exigências formais, como o carác-
ter geral, a publicidade, a não retroactividade e a clareza das normas jurí-
dicas (32).

2.4. Ordem de trato social

As normas de trato social (também denominadas usos sociais, regras


de etiqueta ou de boa educação, norrnas convencionais, costumes, etc.) (l)
são usos ou convencionalismos sociais destinados a tomar a convivên-
cia mais agradável (2).
Dirigem a maioria dos nossos actos, como a forma de vestir, sau-
dar e responder a uma saudação, oferecer presentes a certas pessoas em
determinadas épocas, retribuir uma visita, dar os pêsames aos familia-
res duma pessoa falecida, etc. (3). Tais normas revestem duas caracte-
rísticas. São:

f . impessoais: têm origem não numa vontade concreta, mas em


usos ou práticas sociais regularmente observadas (4);
2. coactivas: impõem-se através da pressão exercida pelo grupo
social a que se pertence e a sua inobservância é punida com
diversas sanções, como a perda de prestígio e de dignidade, a
marginalização e o afastamento do grupo, etc.

(31) Vide Ltstz y LACAMBRA, o-c., M3; e Javier De Luces e Outros, o.c.,27.
(32) Vide Javier De Lucas e Outros, o.c.,27-28.
(t) Vide Norberto Alve,n-Ez e MuNoz or Berrue, o.c.,8'/-88; GnncÍe MnyNrz,
o.c.,25-26; e Llcnz y Lacnvsn.A, o.c., M8.
(2) Difereptes, por não disporem de carácter normativo, são alguns usos (tam-
bém denominados simples hábitos) que não se impõem: y. g., passear ou comer a
uma hora determinada, etc. Vide Javier De Luc,qs e Outros, o.c., l9-2O; Norberto
AlveRez e MuNoz oe Ba.eNr, o.c.,92-93; eLeaez y Le.cavnx,q,, o.c.,451.
(3) Víde Javier De Lucas e Outros, o.c., 19.
(a) Geralmente, estes usos são exigências tácitas da vida colectiva: carecem
de formulação expressa, mas nada impede que sejam escritos e até codificados,
como observamos, y. 9., nos manuais de urbanidade . Vide G*cA Mayurz, o.c., 27 .
-J

-l Geral de Direito
Ordem Social 29

Estas características mostram que as normas de trato social têm


-{I'!a aphcaçao do
superioridade
semelhanças com as normas jurídicas: são vinculativas e Eozam de san-

..como o carác- ção e de coacção (5). No entanto, há diferenças que as separam. Desde
Iogo, o direito prevê e quantifica as sanções que se aplicam a condutas
,ot-us jurí-
I, determinadas; e há órgãos especificamente criados pelo ordenamento
jurídico para as aplicar e impor segundo procedimentos adequados.
Fala-se, a propósito, da "institucionalização da sanção" que distingue o
direito dos usos sociais dotados de sanções e de meios de coacção inde-
terminados, informais e inorganizados (6). I)epois, enquanto as normas
-1 soci;tis, regras juídicas possuem uma estrutura bilateral ou imperativo-atributivo (7)
jtr."r, etc.) (l) as normas do trato social são unilaterais: obrigam, mas não facultam (8).
nar a c.onvivên- Não se trata, porém, de nomras morais: além do carácter coactivo,
as normas de trato social não exigem a rectidão da intenção que motiva
r*r,ir, ruu-
Jd* pessoas a conduta extema (9).
,rtas em Dir-se-á, portanto, que as normas de trato social não são morais
ÍFS aos familia- nem jurídicas. São usos sociais, costumes, convencionalismos ou decoro
,!,ra.s caracte- social que exercem, por vezes, uma pressão a que o direito não pode ser
J
insensível, transformando-os em normas jurídicas (10); d" contrário,

-{J"rorr,
tas (.");
mas em

..Ê,idapelo grupo (5) Esta semelhança levou Dst- VrccHto a sustentar que a actividade humana
só pode ser objecto duma regulamentação que umas vezes é moral e, outras, jurí-
| é punida com dica. E Reosnucu vê nos usos sociais a forma primitiva comum dentro da qual se
--âe ,iignidade, a encontram, no princípio, o direito e a moral, num estado ainda embrionrírio de
-l indiferenciação. Deste estado indiferenciado partem, em direcgões distintas, as
formas do direito e da moral. Vi.de Giorgio Det- Veccuto, Filosofía del Derechoe
-J (Barcelona, l99l),321-323; R.a»nxucH, o.c., 137: e Leatz v LncaÀaane, o.c.,
452-462.
y Outros, o.c.,27.
(6) Vide Javier De Lucas e Outros, o .c ., 2O-21 .
I
(7) Já vimos que perante uma pessoa juridicamente obrigada está outra que
-J GARctA. MevNrz,
tem a faculdade de lhe exigir o cumprimento da obrigação. Vide'supra, § 2.3.
(8) É um dever de cortesia ceder o assento a uma senhora que viaje de pé.num
Jalguirs usos (tam-
autocarro, mas não uma obrigação jurídica.
[tr"* ou comer a 1e; Há quem entenda que as normas de trato social também reclamam uma boa
7., tg-zo; NorbeÍo intenção. Porém, se a uma saudação amável não corresponde a verdadeira inten-
y, o.c., 451.
ção de saudar, não se violenta a noÍrna de cortesia: quem saúda não é descortês, mas
hipócrita. Vide GepcÍe, MnyNrz, o.c., 34.
Jol..tir", carecem
(r0) Manuel MantIN Fonnoze (Curso de Iniciación Juridica3 (Madrid,
l e até codificados,
1979),217) oferece-nos um exemplo dum uso social que adquiriu uma dimensão jurí-
MAYI.IEZ, o.c.,27.
I
J
I

J
30 Ideia Geral de Direito

arrisca-se ao fracasso. Mas ao direito cabe, também, a missão de liber-


tar o homem da tirania de certos usos, impondo novas formas de vida
social que o progresso e a liberdade humana reclamam (l l).

25. Ordem jurídica

Depois de procurarmos caracter'uar as ordens religiosa, moral e de


trato social, é tempo de nos ocuparmos da ordem jurídica. Deparamos,
no entanto, com várias dificuldades.
Desde logo, porque não é fácíl definir direito. Como observou.
Max E. Mavrn, "até agora não houve um jurista nem um filósofo do
Direito que tenha acertado a formular uma definição unanimemente
aceite", sobretudo porque "é impossível compreender e explicar satis-
fatoriamente as diversas formas manifestativas do direito numa única
fórmula" (l). É certo que não têm faltado definições desde as mais
modernas (que o reduzem a um conjunto de normas dotadas de coerci-
bilidade (2) ou referem uma "ordenação heterónoma, coercível e bilate-
ral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração nor-
mativa de factos e valores" (3)) às mais antigas de Dalrre que fala de
"realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae servata ser-
vat societatem; corrupta, corrumpit" (4) e de CÍceno para quem "natu.re

dica: durante algum tempo, foi uso social dar uma gorjeta aos serventes nos res-
taurantes, cafés, bares, etc. que não tinham salário. Se o cliente'não cumprisse
esse uso social, sujeitar-se-ia apenas a ser mal servido no futuro ou tratado com
alguma hostilidade. Mais tarde foi criada uma norna jurÍdica que concedeu aos ser-
ventes o direito a uma percentagem (líVo) sobre o valor do consumo. Assim se con-
verteu um uso social em noÍrna jurídica.
(1t) Vide Lecez v Lacet'lenR, o.c.,465.
(t) Vide Sebastião Cxuz, Direito Romano, cit., 20; Herbert L. A. Henr,
O Conceiro de Direitoz, trad. de A. Ribeiro Mendes (Lisboa, 1996),18-22; Menru't
FonNoze, o.c.,21; Femando José BnoNze, Lições de Introdução ao Direiroz (Coim-
bra Editora, Coimbra, 2006), 146-233; e Paulo Ferreira da CuNua, o.c., 45-46.
(2) Vide GnncÍa MRvNEz, o.c.,36.
(3) Vide Miguel Rsels, o.c., 67 .
(4) "O direito é uma proporção real e pessoal do homem para o homem que,
conservada, conserva a sociedade; comrmpida, corrompe". Vide Miguel ReRle,
o.c., 60.
I

I
lGeral de Direito Ordem Social 3l

de liber- iurís ab homine repetenda est natura" (s). »" todo o modo, a ideia de
fissão
brmas de vida direito postula uma ordem justa e, por isso, não é possível defini-lo
r). sem uma referência à justiça que lhe transmite validade (6). Poder-se-á,
portanto, dizer, com Sebastião CRUZ, que o direito "é tudo aquilo que tem
especiais atinências com o iustum" (7).
Depois, porque falta também uma noção de ordem juúdica que se
I tenha imposto sem discussão. Fala-se de "um complexo de regras, insti-
lsa, moral e de
I
tuições e órgãos" (8); de "conjunto de normas imperativo-atributivas que
i. Deparamos,
numa certa época e num determinado país a autoridade política consi-
I
dera obrigatórias" 19;' de "sistema de normas jurídicas in acto, compreen-
lmo observou.
dendo as fontes de direito e todos os seus conteúdos e projecções" 1to;'
lm filósofo do
duma "noção englobante em que se inscrevem as instituições, os órgãos,
ln4nlmgrnr.)ntê
I
as fontes do Direito, a vida jurídica ou actividade jurídica e as situações
lexplicar satis-
juídicas" (ll); de "um conjunto de normas, princípios, instituições e ins-
lo numa única
titutos jurídicos (direito positivo) trabalhados pela especulação científica
Cesde as ntais
(ciência jurídica)" (12); d" "institucionalizaçáo histórica do direito" (13); etc.
ldas de ccerci-
Ressalta, no entanto, a ideia nuclear de um direito relativamente
ir :l e bilate-
estável num certo tempo (la), constituído por um conjunto de normas cor-
ntegração nor-
relacionadas e harmónicas entre si (1s) que se denomina direito positivo
rE que fala de
(ius in civitate positum) ou-objectivo (16).
rc servata ser-
qvem "natura

(5) 'A nâtureza do direito deve ser retirada da natureza humana". Vide
:rventes nos res- Miguel Reem, o.c.,61.
:.não cumprisse (6) Vide BerrrsTa Mecnepo, o.c., 32-33; Lec ez y Lace.Nasna, o.c., 288-289;
ou tratado com e Dns Menevzs, o.c.,4748.
oncedeu aos ser- {7) Vide Sebastião Crvz, Direito Romarw, cit., 2A.
r.Assim se con- (E) Assirn a entende BARBERo, apud Ouvr;,ne. AsceusÃo, o.c.,43.
(e) Vide GaRcla MayNEZ, o.c., 37.
(to) Vide Miguel REALE, o.c., l9A.
:rt L. A. Henr, (tt) Vide OLrverne AscENSÃo, o.c.,48-5O.
, 18-22; Menru.t çrz1 Víde Carnat- »p Moxceoe, Lições de Direito Civil13 (Coimbra, 1959),55.
Direitoz (Coim- (t1) Vide António CesreNsetna Ns,vrs, Introdução ao Estudo do Direito
y.t, o.c., 45-46. (Coimbra, 1968-1969), 350.
(ra) Vide CnstaNHpne Nsves, o.c.,35O.
(ts) Vide João Casrno MBNpes, Introdução ao Estudo do Direito (Lisboa,
a cr homem que, 1984),42.
Miguel Rrele, (t6) Vide GelvÃo Telms, o.c., I, 52-55; Or-rvsrnn AsceNsÃo, o.c., 46-48; e
Femando José BtoNzE, ibidem,581 606.
32 Ideia Geral de Direito

A este direito, visto na perspectiva da ordem jurídica e considerado


globalmente como um sistema de normas, apontam-se algumas carac-
terísticas que urge expor criticamente:

1. Necessidade: resulta da natureza social do homem. Dotado de


sentimentos e de razáo, o ser humano precisa de comunicar,
de produzir e consumir bens, isto é, o homem realiza-se pela
convivência com os outros e pelo domínio e uso das coisas.
A sociedade, onde necessariamente convive, postula um conjunto
de normas jurídicas que disciplinem o seu comportamento: ubi
societas, ibi ius. De contrário, a sociedade dissolver-se-á, pois
nem a anarquia é sustentável duradouramente (o homem aspira
à ordem) nem o despostismo é tolerável por muito tempo (17).
2. Alteridade: o direito não disciplina a conduta do homem isolado,
mas enquanto vive em sociedade, comunicando, produzindo e
consumindo bens, numa palavra, convivendo (18).
3. Imperatividade: tradicionalmente tem-se entendido que as nor-
mas jurídicas, porque constituem ncirmas éticas, são imperativas.
A sua essência é um dever-ser a que devemos obedecer incon-
dicionalmente sem a possibilidade de escolhermos livremente
entre o seu cumprimento e a sua inobservância. Dir-se-á que o
direito orienta as nossas condutas independentemente da nossa
vontade porque só assim cumprirá a sua função ordenadora
indispensável à subsistência da sqciedade (le). Tratar-se-ia de
imperativos categóricos (20), porque o direito "hxa os fins e

1rt1 Vide Olrvptne AsceNsÃo, o.c., 56-59; Sebastião Cxuz, Direito Romano,
cit., ll; e GalvÃo TsLr-ES, o.c., I,32-39.
(rt)Vide Pedro Enó, o.c.,25.
çts1 Vide GelvÃo Trues, o.c., l, 124-125; e Pedro Etxó, o.c.,26.
(20) Valerá a pena distinguir os imperativos hipotético e categórico. Aquele
é condicional: subordina o imperativo a um fim e só tem valor se procurarnos
atingir esse fim. Não passa, portanto, dum simples conselho de prudência ou de habi
Iidade: v. g., se quiseres ter saúde, não cometas exageros. O imperativo categórico
é incondicional: não está subordinado a nenhum fim, tem valor em si e ordena
absolutamente sempre e em toda a paÍte, quaisquer que sejam as consequências: v. g.,
a proposição "não deves matar".
ía Geral de Direito Ordem Social JJ

ra e considerado exige a sua realização de uma forma tão incondicional, dum


algumas carac- modo exactamente tão "categórico" como a moral", observa
Karl ENctscH (2I). No entanto, além de igualmente se poder
falar de imperativo hipotético no sentido de imperativo condi-
rem. Dotado de cional (a norma jurídica representa uma hipótese e só se aplica
l de comunicar, quando se verificarem os factos aí descritos) (\, importará
r realiza-se Pela também referir que há normas que não ordenam ou proíbem
uso das coisas. uma conduta, antes atribuem um poder ou faculdade (23); e que
tula um conjunto a norma é a resposta a um problema juídico e a opção valo-
rportamento: abi rativa que Íraduz, porque condicionada pelos termos do pro-
solver-se-á, pois blema, pelas opções possíveis e pelo critério valorativo que lhe
o homem aspira imprime coerência e significado, "nunca poderá'ser um puro
ruito tempo (17). acto de vontade, puro imperativo" (24). Por isso, há quem
homem isolado, observe graus de imperatividade e recomende que "é preciso
lo, produzindo e entender a imperatividade do direito cum grano salis": sendo
18) . expressão axiológica dum complexo processo de opções valo-
J''r que as nor- rativas, a sua natureza é social e os indivíduos gozam de larga
s-o imperativas. margem de acção livre (ã). E afirma-se também que "a impe-
obedecer incon- . ratividade, que aqui nos ocupa, é somente a imperatividade pró-
rmos livremente pria da ordem normativa no seu conjunto" e "não cabe (a) cada
. Dir-se-á que o regra em particular" (26).
emente da nossa 4. Coercibilidade: é a susceptibilidade de aplicação pela força das
rção ordenadora sanções prescritas pelo direito (27). Distingue-se da coacção
Tratar-se-ia de que, definindo-se como a força (física ou psicológica) que acom-
r "fixa os fins e , panha o direito, se revela inadequada para o caracterizar: falha,
quando as noflnas juúdicas são violadas e, Inrtanto, o direito não
teve força para se impor É8); é desnecessária na esmagadora
"
z, Direito Romano,

(t) Vide Karl ENctscs, Introduçao ao Pensamento Jurídico3 (Coimbra,


, o.c.,26. 1977),27.
:ategórico^ Aquele (22) Vide infra, § 25; e Enotscu, o.c., 4l-42.
or se Procurarmos (73) Vide infra, § 26.
udência ou de habi 1z+1 Vide Barnstq, Mecseoo, o.c.,9l-92; e Miguel REALE, o.c.,33.
-ativo categórico (2s) Vide Miguel Reat-e, o.c.,33 e 129-136.
u, em si e ordena çze1 Vide Or-rvsrRa AsceNsÃo, o.c., 62-63.
:onsequências: v. 9., 1zt1 Vide Ot-tvrlne AscENsÃo, o.c., 8A-82; e Blcolre, CuonÃo, o.c., ll8-
(28) Vide Lrcrz y Lece,uana, o.c.,386-387.
34 Ideia Geral de Direito

maioria dos casos em que as normas jurídicas se observam


espontaneamente (2e). Pelo contrário, a coercibilidade é a pos-
sibilidade de aplicar uma determinada sanção a quem violar
uma norma jurídica e, por isso mesmo, é também uma força
espiritual que cumpre uma função pedagógica (30). Esta atitude,
tão cara à doutrina positivista que vê na coercitrilidade um ele-
mento essencial do direito (31), oferece grandes motivos de crí-
tica que justificam a sua recusa. Sustenta-se -que "o direito
depende da força na sua vigência (o direito tem uma existência
no tempo e no espaço), mas não no seu ser, na sua essência ou
no seu conteúdo que é determinado em função da ideia de
Direito" 1lz;. O princípio da justiça informa-o, dá-lhe validade,
mas é necessário que vigore efectivamente; por isso, não per-
tencendo à essência do direito, a coacção e a coercibilidade
constituem uma importante condição de eficácia: contribuem
pàra a sua vigência. Daqui se extrai uma conclusão não menos
importante: se a juridicidade duma nórma não resulta da coer-
cibilidade, mas esta é que deriva daquela, a coercibilidade só será
legítima se a norma jurídica também o for (isto é, conforme à
ideia de direito). Numa palavra, ao "Direito cabe legitimar e
impor limites à força" da qual pode dépender na sua vigência:
para existir (33). Importa também referir que a coercibilidade
nem sempre está presente: não é necessária nas sanções que
operam automaticamente (34); não é possível em normas regu-
ladoras dos poderes dos órgãos supremos do Estàdo em relação
aos quais se põe a eterna questão quis custodiam custodit? (3s);

l,i (2e) Vide Olrvsrna AscsNsÃo, o.c., 8l-82; e Brcorrs CuonÃo, o.c., 120.
|to1 Vide Lecrz y Lecevane, o.c.,387.
1tr1 Vide Lscez y Leceunne, o.c.,386; Migúél ReÁ,Ls, o.c.,47; Baprrsre
i."l
ill
MacHaoo, o.c.,32; Brcorrr CuonÃo, o.c., l2l-122; e GelvÃo Telles, húrodução
ii ao Estudo do Direito,lllo (Coimbra, 2000), 125-129.
ilr (32) Transcrevemos Baplsrn Macueoo , o.c., 3l-39.
irl
(33) Vide Barttsra. Mecua»o, o.c., 41-42; e Paulo Ferreira da CuNua, o.c.,
27-28.
itri
(34) Sucede, y. 9., com a ineficácia. Vide infra, § 31 .2.
ilti
(3s) Vide Or-rvetna AscENSÃo, o.c., 87-88.
il,i
la"'lo crrot de Direito Ordem Socíal

tricas se observam não funciona em alguns direitos por falta dum aparelho capaz
Jcibilidade é a Pos- de impor as suas normas (v. g.,o Direito Internacional
rção a quem violar Público) (36) o, absolutamente destituídos de coercibilidade
(v. g., o Direito Canónico) (37); nem pode existir em normas jurí-
lambém uma força
J (30). Esta atirude, dicas desprovidas de sanção (38). Todavia, embora a coercibi-
ercibilidade um ele- lidade não pertença à essência das normas jurídicas, há quem
Aes motivos de crí- entenda que "pode predicar-se da ordem jurídica globalmente
J-r" qr". "o direito considerada" (3e) e justifique com a função, que ao Poder per-
tem uma existência tence, de "necessariamente garantir a ordem jurídica da socie-
1na sua essência ou dade, defendendo-a de elementos anti-sociais" 1ao;-
Jrnçao da ideia de 5. Exterioridade: as nornas jurídicas disciplinam comportamen-
a-o, dá-lhe validade, tos que se manifestam exteriormente. É certo, o direito também
1 por isso, não Per- penetra no recinto da consciência para determinar os motivos que
J" u "o"t"ibilidade explicam as condutas sociais (41). Todavia, o ponto de partida
:ftcácia: contribuem são os actos exteriores: mera intenção, sem manifestação extema,
nclusão não menos não provoca direito (42).
ã- -esulta da coer- 6. Estatalidade: esta pretensa característica do direito está na base
:oe,.rbilidade só será duma questão que opõe o monismo jurídico estatalista ao plu-
{isto é, conforme à ralismo jurídico. Aquele, sobretudo representado por KeI-sEN que
considera o direito e o Estado dois aspectos distintos, mas inse-
.[o cabe legitimar e
der na sua vigência: paráveis, da mesma realidade (o Estado é o direito como acti-
a coercibilidade vidade normativa; o direito é o Estado como situação fixada
?e nas sançoes que pelas suas normas) (43),reduz a criação e a aplicação das nor-
la mas jurídicas ao Estado. O pluralismo jurídico sustenta, pelo
zel em normas regu-
1 Estado em relação contrário, que nem todo o direito é criado e aplicado pelos
custodit? ('ri); órgãos estatais («). Importa saber, portanto, se todo o direito
!ia*

]u cro*ao, o.c., r2o- çe1 Vide Blcorre CsonÃo, o.c., 127; e Or-rvslne AscENSÃo, o.c., 84-85.
çzt1 Vide supra, § 2.3s.
ALE. o.c., 47; BePlsre, (38) Vide supra, § 2.32a.
Inrrodução (3\ Vide Brcorrs CuorÃo, o.c., 127.
lto'rer-r-es, (4) Vide Ol.lverRe AscrusÃo, o.c., 85-88.
(41) Vide supra, § 2.3.
-a aa CutqHn, o.c., (42) Vide Pedro Ernó, o.c.,26-23.
y 1+t1 Vide Hans Ksr-sEN, Teoria Pura do Direito,Il2 (Coimbra, 1962), 163-182;
.2. Re»snucH, o.c., 126-127; e infra, § 19.1.
(a) Vide Brcorre CuonÃo, o.c., 211-212.
36 [deia Geral de Direito

é estatal. Não há dúvidas de que a produção normativa dimana


sobretudo dos órgãos do Estádo (Parlamento e Governo) que
desempenham a função legislativa; e tão-pouco se contesta que
a aplicação das normas jurídicas aos casos concretos é feita
principalmente pelo poder executivo e, nas situações litigiosas,
pelos tribunais do Estado. Porém, o Estado não tem o mono-
pólio da criação do direito nem a exclusividade da sua aplica-
ção. Há, efectivamente, normas jurídicas de outras proveniên-
cias: destacamos o Direito Internacional Público, cujas normas
têm vigência efectiva na sociedade internacional (45); os direi-
tos das comunidades primitivas, que não tinham uma autoridade
central nem tribunais permanentes (a6); o direito consuetudiná-
rio; os direitos editados pelas autarquias e regiões autónomas e
pelas diversas instituições religiosas, culturais, profissionais,
desportivas, etc. (47). E, paralelamente, são vários os tribunais
internacionais e internos que não pertencem ao Estado, mas
aplicam igualmente as norÍnas jurídicas em matérias de que
têm competência. Tanto nos basta para recusaÍ que a estatali-
dade seja uma dimensão essencial do direito (48).

Em conclusão, poder-se-á caracterizar o direito positivo, parte


nuclear da ordem jurídica, como um conjunto de normas necessárias à
convivência humana que se inspiram e fundamentam na ideia de justiça
e têm na coercibilidade uma importante condição de eficácia.

(as) Vide Barrrsre Mncue»o, o.c.,51-52; e infra, § 44.2.1 .


(46) Vide Barnsra Mecsaoo, o.c., 52-53; e GelvÃo Trr-lrs, o.c., I, 56-5'lte.
çt1 Vide Miguel Renle, o.c.,'lJ; e GelvÃo Trues, ibidem,57-58.
(aB) Vide também Paulo Ferreira da CuNua, o.c.,28-3O.
ldeia Geral de Direito

dimana
lo normativa
lto e Governo) que
)uco se contesta que
lls concretos é feita
I
situações litigiosas,
lo não tem o mono- TÍTULO II
ldud" du sua aplica- ORDEM JURÍDICA
Íe outras proveniên-
iblico, cujas normas CAPÍTULO I
cional 1+5;' os direi-
ham uma autoridade
DIREITOS SUBJECTIVOS
lireito consuetudiná-
regiões autónomas e
'i SECÇÃO I
:urais, profissionais, PRrvADOS
o vários os tribunais
:em ao Estado, mas § 3. Noção
:: natérias de que
rcusar que a estatali- O direito subjectivo é a faculdade ou o poder, reconhecido pela
ito (48). ordem jurídica a uma pessoa, de exigir ou pretender de outra um deter-
minado comportamento positivo (facere) ou negativo (nonfacere)ou de,
:eito positivo, Parte por acto da sua livre vontade, só de per si ou integrado por um acto da
rormas necessárias à autoridade pública (decisão judiciai), produzir determinados efeitos
m na ideia de justiça jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa (adversário ou
Ce eficácia. contraparte) (l).
Esta definição revela que a situação da pessoa, contra quem o titu-
lar do direíto dirige o seu poder jurídico, é diferente: se se trâta de exi-
gir ou pretender, o adversário tem um dever jurídico; se o poder produz
um efeito jurídico, está numa situação de sujeição.
Na primeira hipótese (poder de exigir ou pretender), o direito
subjectivo consiste no poder ou faculdade de domínio sobre bens mate-

{t) Vide Manuel de ANpnR»e, Teoria Geral da Relação furídica, I (Coimbra,


1972),3; Carlos Aibeúo da Mora Pwro,Teoria Geral do Direito Civila,por Antó-
t 2.1. nio Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto (Coimbra Editora, Coimbra, 2005),178-184;
, TELLES, o.c.,l, 56'51le -
Berrrsra, Macne»o, o.c., 64;, Femando Josó BnoNze, o.c., 581-606; e Francisco Ava.-
, ibidem,57-58. r-tt, Direito Civil. Introduçdo7 (Renovar, Rio de Janeiro-São Paulo, 2008), 195-201 .
-30.
Ideia Geral de Direito

riais (v. g., o direito de propriedade sobre um terreno) e imateriais


(v.g., o direito de propriedade literária); e no poder de exigir uma
determinada conduta, dita prestação, que tanto pode ser de facto (v. 9.,
realizar um certo serviço) como de coisa (v. g., entregar dinheiro).
O poder de domínio é um direito absoluto; o de exigir uma prestação
(direito de crédito) é relativo (2). Ambos são direitos subjectivos em
sentido estrito (3).
Ao poder de, mediante declaração unilateral (ou, em alguns casos,
através de decisão judicial), produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica
alheia chama-se direito potestativo (4).

§ 4. Natureza

O direito subjectivo tradaz a exigência lógica duma concepção do


mundo que é propria do individualismo. As suas raízes encontram-se
no nominalismo sustentado por teólogos do século XfV, como Duns
Escoro e sobretudo Guilherme de Ocrneu, mas foi nos séculos XVII
e XYI[, com a Escola Racionalista do Direito Natural, que se afir-
mou a noção de direito subjectivo como faculdade ou poder inato do
indivíduo, anterior à lei. Com o positivismo jurídico, deixou de ser uma
categoria "fundante" e transformou-se numa categoria "fundada" num
sistema de normas que caracteriza o ordenamento jurídico positivo'(l).
E, em consequência, define-se o direito subjectivo não como reconhe-
cimento (2), mas atribuição, por uma norna jurídica, duma faculdade ou
poder (3).

ç21 Vide B.qrrtsre MacHeoo, o.c., 88-89.


(3) Vide infra, § 5.1.
(a) Vide Berrtsm M.tcHn»o, o.c., 89-90; e infra, § 5.2-
(t)
Vide Orlando de CaRvat-so, A Teoria Geral da Relação Jurídica. Seu Sen-
tilo e Limites2 (Coimbra, l98l), 18-19; e Javier De Lucns e Outros, o.c., 125-126.
(7) Vide supra, § 3.
(3) Vide Orlando de C,cxvet-Ho , o.c., 17-78; Manuel de Ar.ronepe, o.c., 3;
Bemsu Macuaoo, o.c., 64; OLlvena AsceNsÁo, o.c., 45-47; Miguel Reels, o.c.,
258; Antonio FenNÁNprz-GALIANo, Derecho Natural. Introducción Filosófica al
Derechoa (Madrid, 1983),447; GnncÍa MRvruez, o.c., 37: e ManrtN Fonruoze,
o.c ., 27 .
Ideia GeraL de Direito Ordem Juríitcc 39

I
irreno) e lmaterlars Impoe-se, lodavia, uma referência crítica às doutrinas que procuram
ôder de exigir uma determinar anatuÍeza dos direitos subjectivos. Destacamos a:
ie ser de facto (v. 9.,
'lentregar dinheiro). 1. teoria da vontade: tem a sua origem em SevtcNy que, apoian-
do-se na filosofia de KaNr da autonomia da vontade e reflec-
xigir uma prestação
tindo um ponto de vista jurídico-político liberal, concebeu o
:itos subjectivos em
t díreito subjectivo como um instrumento que permite a liber-
dade de acçáo, o livre desenvolvimento da vontade autónoma (a).
:,u, em alguns casos,
A sua expressão final pertence, no entanto, a WtNoscur,ID que
:os na esfera jurídica
entende ser o direito subjectivo o poder da vontade reconhecido
I pela ordem jurídica: é a vontade juridicamente protegida. Con-
tra esta teoria ergueram-se viírias críticas. Referimos:
t
a) há pessoas, como os menores e os deficientes mentais, que
-rluma concepção do carecem de vontade psicológica. São incapazes de querer
raízes encontram-se e, todavia, são titulares de direitos subjectivos. Se a natu-
b xrv, como Duns reza destes direitos exigisse a presença dessa vontade, tais
'r -ls séculos XVII direitos não podiam existir;
.Iatural, que se afir- b) as pessoas colectivas têm também direitos subjectivos e,
tão-pouco, têm uma vontade psicológica ou humana; logo,
I ou poder inato do
não poderiam ser titulares desses direitos;
5, deixou de ser uma
,oria "fundada" num
c) há direitos que não têm temporariamente titular (v. g., uma
herança jacenie, um crédito incorporado num título aban-
Iurídico positivo.(l ). donado); e há direitos cujo titular se aguarda que nasça
lnão como reconhe-
(nascituro). Tais direitos deveriam extinguir-se porque não
,, duma faculdade ou
há vontade:
d) pode o titular dum direito subjectivo não querer exigir o
seu cumprimento. Se dependesse da vontade, esse direito
devia extinguir-se, o que não sucede;
e) não se extingue um direito subjectivo se o seu titular o
5.2. ignorar e, portanto, faltar a vontade;
p.ção Jurídica. Seu Sen- f) há direitos cuja renúncia não produz consequências: v. g., se
e Outros, o.c., 125-126. um trabalhador renunciar ao direito a férias ou à greve, a sua
vontade não produz efeitos jurídicos (s).
,1 de At'ipnaoe, o.c.,3;
. Vliguel Ree.le, o.c.,
o attcc ión F ilo sófic a al
' (a) Por isso, a propriedade constitui o primeiro dos direitos subjectivos.
7; e Menttu FonNoze, (5) Cf. arts.23J.", n.o 3, e 530.o, n." 3, do Código do Trabalho, aprovado
pela Lei n." 712009, de 12 de Fevereiro.
40 Ideia Geral de Direito

Wn»scrml» reconheceu a procedência destas críticas e esclareceu


que a vontade não e psicológica, mas normativa: é a vontade do
ordenamento jurídico. Porém, esta deslocação implica uma
modificação essencial da sua teoria, privando-a do seu verdadeiro
sentido: a vontade normativa é diferente da vontade (psicológica)
dos indivíduos. Caiu no positivismo normativista onde, iremos
ver, a especificidade do direito subjectivo perdeu sentido (6).
2. teoria do interesse: partindo duma concepção conflitualista da
sociedade e do direito (concebido como a regulação de inte-
resses em conflito) e procurando uma resposta para as insufi-
ciências da teoria da vontade, IHBnmc considera que o direito
subjectivo é constituído por dois elementos igualmente impor-
tantes: um, formal (a protecção ou tutela que a lei confere); o
outro, material (o interesse entendido em sentido amplo: sus-
ceptível ou não de avaliaçáo pecuniiária). E, em consequência,
cancteriza os direitos subjectivos como interesses juridicamente
protegidos. No entanto, embora o interesse se afigure um con-
ceito mais empírico e, portanto, mais facilmente determiná-
vel (7) a teoria do interesse suscitou, também várias críticas.
Destacamos:

a) o interesse é o fim em vista do qual o ordenamento juúdico


reconhece o direito subjectivo. Todavia, não se identifica
com o direito que é um instrumento para a sua realização:
náo diz respeito à sua estrutura, mas só à sua função; por
isso, não deve entrar na definição de direito subjectivo;
b) se o interesse fosse essencial ao direito subjectivo, este não
existiria se aquele faltasse. Ora, se um credor não estiver
interessado em exigir o pagamento da obrigação contraída
por um amigo pobre, o seu direito não deixa de existir: não
depende do seu interesse;

(6) Vide CnsreNHure NEvEs, o.c., 380-382; Ceanal ps MoNceoe , Lições de


Direito Civil, cit., I, 58-62; Miguel Rsalr,, o.c., 249-251; FenNÁNoez-GelleNo,
o.c.,454-455; GancÍa Maynrz, o.c., 180-181; e Javier De LucAs e Ouiros, o.c.,
121-128.
(1) Vide Javier De Lucas e Outros, o.c., 128.
:j
f l-
Jd"io Geral de Direito Ordem jurídica 4l

Jríticas e esclareceu c) há interesses juridicamente protegidos a que não corres-


Ja,éavontadedo pondem direitos subjectivos. É o caso dos interesses refle-
cação implica uma xamente protegidos: v. 9., quando a vacinação contra a
I do seu verdadeiÍo determinada epidemia é obrigatória, o nosso interesse está
Jntuae @sicológica) protegido, mas não dispomos de um direito subjectivo à
tivista onde, iremos vacinação do vizinho. Ninguém pode dirigir-se às autori-
arcrdeu sentido (6). dades sanitiírias impondo que seja vacinado;
_Io conflitualista da d) pode também suceder que o ordenamento jurídico proteja
. regulação de inte- interesses não através da concessão de direitos, mas res-
ASta para as insufi- tringindo a capacidade dos indivíduos: v. g., para proteger
Ja".u que o direito os menores determina-se a sua incapacidade de exercício
; igualmente impor- de direitos (8);
1e a lei confere); o e) há casos em que o interesse e o direito pertencem a pessoas
Jntido amplo: sus- diferentes: y. 9., num contrato a favor de um terceiro (v. g-,
i, em consequência, Á promete a B pagar uma certa quantia a C), o direito sub-
<psses juridicamente jectivo pertence a B e a interesse a C.
J' rigure um con-
:ilnrçnte determiná- Também IHenrNc procurou evitar as objecções formuladas con-
várias críticas. tra a sua doutrina, substituindo a noção psicológica de interesse
fm
I por um conceito mais vago e flexível: o de interesse médio,
ou seja, predominante numa determinada sociedade. Porém,
rrdenamento iurídico oferece-nos uma fórmula que resume o interesse da generalidade
l, nao se identifica dos indivíduos e, por isso, não capta os interesses que não se
t'u u suu realizaçáo: identificam com o interesse médio (e);
ó à sua função; por 3. teoria normativista: foi elaborada com maior ngídez por KerseN
ldireito subjectivo; que, procurando tratar cientificamente o direito, depurou-o dos
-Jubjectivo, este não elementos não estritamente jurídicos (v. g., sociológicos, psi-
n credor não estiver cológicos, ideológicos). Considera o direito uma técnica peculiar
lUrigaçao contraída de controlo social em que o único elemento juridicamente rele-
Jeixa de existir: não vante é a forma, a protecção e não a substância, o conteúdo:
numa palavra, a norma (o dever ser) e não os factos (o ser).
lJ
oe Moucn»e, Lições de
-rr rÁNprz-Gnlteno, {8} Vide art. 723." do Código Civil.
e outros, o.c., (s) Vide CesrexuerR.R Nrves, o.c.,383-384; More Pwro, o.c., 180-181;
Jlr.o, Cesnal or Mouce»e., Lições de Direito Civil, cit., I,58; Miguel RrelB, o.c.,
251-252; FenNÁnosz-GÁLrANo, o.c., 455-457; e GaRcÍe Mnynrz, o.c., lB1-184.
IJ
II
40 Ideia Geral de Direito

Wn»scrmlo reconheceu a procedência destas críticas e esclareceu


que a vontade não e psicológica, mas nonnativa: é a vontade do
ordenamento jurídico. Porém, esta deslocação implica uma
modificação essencial da sua teoria, privando-a do seu verdadeiro
sentido: a vontade normativa é diferente da vontade (psicológica)
dos indivíduos. Caiu no positivismo normativista onde, iremos
ver, a especificidade do direito subjectivo perdeu sentido (6).
2. teoria do interesse: partindo duma concepção conflitualista da
sociedade e do direito (concebido como a regulação de inte-
resses em conflito) e procurando uma resposta para as insufi-
ciências da teoria da vontade, Igenmc considera que o direito
subjectivo é constituído por dois elementos igualmente impor-
tantes: um, formal (a protecção ou tutela que a lei confere); o
outro, material (o interesse entendido em sentido amplo: sus-
ceptível ou não de avaliação pecuniiíria). E, em consequência,
catacteiza os direitos subjectivos como interesses juridicamente
protegidos. No entanto, embora o interesse se afigure um con-
ceito mais empírico e, portanto, mais facilmente determiná-
vel (7) a teoria do interesse suscitou, também várias críticas.
Destacamos:

a) o interesse é o fim em vista do qual o ordenamento jurídico


reconhece o direito subjectivo. Todavia, não se identifica
com o direito que é um instrumento para a sua realização:
náo diz respeito à sua estrutura, mas só à sua função; por
isso, não deve entrar na definição de direito subjectivo;
b) se o interesse fosse essencial ao direito subjectivo, este não
existiria se aquele faltasse. Ora, se um credor não estiver
interessado em exigir o pagamento da obrigação contraída
por um amigo pobre, o seu direito não deixa de existir: não
depende do seu interesse;

(6) Vide Ca.srensnna. Nrvrs, o.c.,380-382; CesRAr- oe MoNceoe, Lições de


Direito Civil, cit., I,58-62; Miguel Reale, o.c., 249-251; FrnNÁNoez-GaLr,+r'ro,
o.c.,454-455; Ge,ncÍa M.q.vNez, o.c., 180-181; e Javier De Luc.qs e Outros, o.c.,
121-128.
(7) Vide Javier De Lucas e Outros, o.c., 128.
eia Geral de Díreito Ordem Jurídíca 41

íticas e esclareceu c) há interesses juridicamente protegidos a que não corres-


a:éavontadedo pondem direitos subjectivos. É o caso dos interesses refle-
;ão implica uma xamente protegidos: v. 9., quando a vacinação contra a
do seu verdadeiro determinada epidemia é obrigatória, o nosso interesse esÍá
tade (psicológica) protegido, mas não dispomos de um direito subjectivo à
ista onde, iremos vacinação do vizinho. Ninguém pode dirigir-se às autori-
:rdeu sentido (6)- dades sanitiírias impondo que seja vacinado;
conflitualista da d) pode também suceder que o ordenamento jurídico proteja
:gulação de inte- interesses não através da concessão de direitos, mas res-
ta para as insufi- tringindo a capacidade dos indivíduos: v. g., para proteger
,era que o direito os menores determina-se a sua incapacidade de exercício
;ualmente impor- de direitos (8);
a lei confere); o e) há casos em que o interesse e o direito pertencem a pessoas
rtido amplo: sus- diferentes: y- 9., num contrato a favor de um terceiro (v. g.,
]m consequência, Á promete a B pagar uma certa quantia a C), o direito sub-
;ses juridicamente jectivo pertence a B e o interesse a C.
' figure um con-
rrente determiná- Também IuenrNc procurou evitar as objecções formuladas con-
n viírias críticas. tra a sua doutrina, substituindo a noção psicológica de interesse
por um conceito mais vago e flexível: o de interesse médio,
ou seja, predominante numa determinada sociedade. Porém,
:namento jurídico oferece-nos uma fórmula que resume o interesse da generalidade
não se identifica dos indivíduos e, por isso, não capta os interesses que não se
a sua realização: identificam com o interesse médio (e)l
i sua funçáo; por 3. teoria normativista: foi elaborada com maior rigidez por KuseN
ireito subjectivo; que, procurando tratar cientificamente o direito, depurou-o dos
bjectivo, este não elementos não estritamente juídicos (v. g., sociológicos, psi-
,redor não estiver cológicos, ideológicos). Considera o direito uma técnica peculiar
rigação contraída de controlo social em que o único elemento juridicamente rele-
xa de existir: não vante é a forma, a protecção e não a substância, o conteúdo:
numa palavra, a norma (o dever ser) e não os factos (o ser).

Vloucape,, Lições de
NÁN»ez-G.a,Ll,qNo, {8) Vide art. 123." do Código Civil.
ucAs e Outros, o.c., (e) Vide CesrnNuerRe Neves, o.c., 383-384; More PrNro, o.c., 180-181;
C.qn«er ne MoNcane., Lições de Direito Civil, cit., I, 58; Miguel Re,qlr, o.c.,
251-252; FpnNÁnprz-GALrANo, o.c., 455-457; e GancÍe MRyNrz, o.c., l8l-184.
42 Ideia Geral de Direito

Para não cair numa noção ideológica (a crença na prioridade


lógica e até histórica do direito subjectivo, tão cara ao jusna-
turalismo), suprime a dualidade direito objectivo direito
-
subjectivo, anulando a especificidade deste perante aquele.
Com efeito, uma norrna jurídica (direito positivo) estabelece um
dever e aquilo, a que se chama direito subjectivo, não é senão
um simples reflexo, uma consequência desse dever (10). Esta
teoria, que constitui,Íalvez, o marco mais imporiante na história
do pensamento jurídico do século XX (tl), é criticada por ter
identificado os direitos objectivo e subjectivo, confundindo
norma e faculdade, ou seja, protecçáo (udicial) e actuação
(dos indivíduos). Ora, há direitos subjectivos que carecem de
protecção (rz); há casos em que a uma acção judicial pode não
"
corresponder um direito subjectivo (13). Não menos incisiva é
a crítica de que há, nesta teoria, uma abdicação valorativa,
pois o direito reduz-se a uma simples técnica de controlo social
neutra: os valores, que não foram admitidos pelo direito posi-
tivo, não se questionam e, por isso, não tem sentido falar-se de
justiça; e tão-pouco valerá invocar os direitos inalienáveis ou
protestar contra a falta de direitos de alguns grupos étnicos,
porque o Estado (único legislador) os pode retirar ou não
criou (la). O rigor metodológico, a intenção de depurar o

1to; V. g., umâ norma jurídica (direito positivo) determina que o devedor
deve clmprir a sua obrigação ao credor; de contrário, um órgão do Estado (o
tribunal) deve aplicar-lhe uma sanção. Se esta aplicação depender da declara-
ção de vontade do credor, dir-se-á que este tem um direito subjectivo. Também
o direito de dispor livremente das nossas coisas (direito de propriedade) não é
mais do que o reflexo subjectivo da norma que estabelece o dever jurídico de
os outros não interferirem (obrigação passiva universal). As coisas tornam-se
nossas, precisamente em virtude desse dever de abstenção que recai sobre os
outros.
Vide Gartcíe M,cyNmz, o.c., 184-187 .
(tt) Vide Norberto Alvanez e Muriroz pr, BasNa, o.c.,209.
1rz1 V. g., os direitos a que correspondem os deveres conjugais (art. 1672.\.
itr; V. g., a acçáo declarativa de simples apreciação. Víde art.4.' do Código
de Processo Civil.
(ta) Vide Norberto ALVAREz e Mut(roz DE BAENA, o.c.,710-215.
deia Geral de Direittt Ordem Jurídica 43

nça na prioridade direito de elementos valorativos traduz-se, na prática, na acei-


tão cara ao jusna- tação de que qualquer conduta, por mais iníqua que seja, pode
jectivo constituir direito (15);
- direito
e perante aquele. 4. concepção normativo-integrante: considera "o direito subjectivo
ivo) estabelece urn a positiva afirmação jurídica da autonomia pessoal (suant) no
ctivo, não é senão contexto de uma certa comunidade (portanto, de uma determi-
; dever (lo). Esta nada ordem jurídica), que se traduz na titularidade ou na pre-
rortante na história tensão pessoal (proprium: como "seu"), impositiva (imposta ou
é criticada por ter exigida de outrem com o caráçter de facultas ac potestas e qüe
Livo, confundindo para os outros destinatários se traduz num dever ou obrigação)
licial) e actuação e dispositiva (cabendo de qualquer modo na disposição pessoal
)s que carecem de do titular) jurídico-normativamente válida de certos valores ou
l judicial pode não bens jurídicos". Traduz esta concepção, defendida por Cnsre-
) menos incisiva é NHETRA Nevrs (16), o entendimento de participação pessoal, mas
icaçáo valorativa, convoca também a comunidade, onde a autonomia individual se
de controlo social integra e realiza. Há uma dialéctica entre a pessoa (através do
1o direito posi- direito subjectivo) e a comunidade (com o seu direito positivo);
sentido falar-se de e, porque os dois termos desta dialéctica são inelimináveis
os inalienáveis ou (a autonomia não pode pensar-se fora do contexto comunitário,
rs grupos étnicos, mas apenas no seu seio), a preferência pelo direito subjectivo
de retirar ou não omite a dimensão comunitária do direito (erro do jusnatura-
ção de depurar o lismo individualista) e a preferência pelo direito objectivo apaga
a autonomia e a participação pessoal essencial em qualquer
ordem jurídica (erro do normativismo). Por outro lado, impli-
rmina que o devedor cando a participaçáo e a afirmação pessoal uma co-responsabi-
órgáo do Estado (o lidade e solidariedade comunitâna, a validade especifica dos
r ---r^- r^ uurrar4-
u4 i^^'l^--
lePtrtlutrl direitos subjectivos fundamenta-se não só na legítima afirmação
subjectivo. Também da autonomia pessoal, mas também na co-responsabilidade e
e propriedade) não é
solidariedade social (17).
: o dever jurídico de
As coisas tornam-se
o que recai sobre os
(]s) Vide Norberto Alvanrz e Mulroz »e Ba.exn, o.c.,217; CesreNHelnn
Nsvss, o.c.,375-379; Orlando de Cenvelso,o.c., l82; Miguel Reele, o.c.,254-255;
209. GancÍa MeyNrz, o.c., L84-189;Lecez y LecnMsnA,, o.c., 127; e Javier De LucAS
ugais (art. 1672.'). e Outros, o.c., 129-13A.
'ide aÍt.4.'do Código (16) Vide CnsraNHErna NevEs, o.c.,386-396.
(17) A não co-responsabilidade e a ausência de solidariedade sociai impli-
210-215. cam o abuso do direito: art.334." do Código Civil. Sobre a responsabilidade
Itleia Geral de Direito

Merece igual referência a doutrina defendida por ORLANDo DE


Canver-no: "Se urn direito adininistrativo que não arranquc do
Estado (...) será um direito administrativo acéfalo, um direito
civil que não arranque da pessoa - que não arranque do homem
e do seu poder de autogestão - é um direito civil sem sen-
tido" (18). Em consequência, o direito subjectivo, é um meca-
nismo de tutela e instrumento do poder dc autodetcrminação que
a ordem jurídica não cda ex nihilo, mas reconhece apoiando-se
na experiência: nas situações de prevalência das composiçõcs de
interesses. E, assim, define o direito subjectivo como um meca-
nismr: de regulamentação, tutelado pelo Direito, que consiste
na concreta situação de poder que se reconhece a uma pessoa
em sentido jurídico de intervir autonomamente na esfera jurídica
de outrern (le).

As doutrinas, que seleccionámos, poderíamos juntar outras (ditas


ecléticas) que, conjugando os pontos de vista de WtNoscuelo (teoria da
vontadc) e de Isr,ntNc (teoria do interessc) concebem o direito subjectivo
ora como um poder da vontade para a satisfação dum interesse ora como
um interesse protegido através dum poder que se reconhece à vontade.
Todavia, estas doutrinas não afastam as críticas dirigidas àquelas teorias.
Há, também, doutrinas que debilitam c até eliminarn a ideia de
direito subjectivo. Além da teoria normativista, merecem referência
algumas doutrinas que substituem o conceito de pessoa jurídica pelo de
situação jurídica (20) em consequência, negam, a existência de direi-
",

(modelos históricos, aporias modcrnas e pós-modernas e recompreensão do seu


sentido no quadro do sentido geral do direito), vide CasreNtlElRa Neves. Pessoa,
Direito a Responsabilidude, ntt RPCC, ano 6 - fasc. 1." (1996), 9-43.
(tB) Vide Oriando de C,qxvaluo, o.c.,31.
(re) Julgamos ser esta a definição de OtlaNoo »p Canvar-uo que, suPornos,
ouvimos nas suas aulas e escrevemos nuns apontanlentos a que demos o título de
Teoria (]eral da Relação Jurídica (Díreiro Cit'il) (Coimbra, 1913),58-63.
(20) O homem só pode entender-se dentro duina situação: a vida não é pas-
siva ou estática, mas uma sucessão dc mutaçoes duma situação Para outra. Há
situaçõcs impostas ao homem e outras que sào conscquência da sua vontade.
Quando o dircito lhes confere relevo jurídico atribuindo certos efeitos, podemos falar
de situações jurídicas.
Ieia Geral de Direito Ordem Jurüica 45

por ORLANDO DE tos subjectivos. Neste sentido, referimos a doutrina de Ducun que, ins-
) não arranque do pirando-se no pensamento sociológico e positivista de Augusto CourE,
:éfalo, um direito recusou a metafísica personalista (que afirma a existência do homem
ranque do homem como realidade substantiva e destaca a liberdade, o poder da vontade
to civil sem sen- e os direitos naturais e subjectivos) e só considera uma realidade posi-
:tivo, é um meca- dva: a solidariedade (consequência necessária do carácter social do
determinação que homem) que impõe uma lei que dirige e limita a actividade humana.
rhece apoiando-se Não há direitos subjectivos, mas "funções sociais" a cumprir. Uma
rs cornposições de ideia semelhante foi exposta por Karl Laneruz que, partindo do facto que
) como um meca- é a comunidade, começou por negar o direito subjectivo e a ideia abs-
:ito, que consiste tracta de pessoa: o homem é membro duma comunidade nacional que
]ce a uma pessoa determina a sua capacidade jurídica e esta não consiste em ter direitos
na esfera jurídica subjectivos, mas em estar numa determinada situação jurídica. O homem
tem deveres numa comunidade e só secundariamente tem certas facul-
dades (não direitos subjectivos) necessárias ao cumprimento desses
ntar outras (ditas deveres- As situações constituídas por relações jurídicas entre os indi-
j'^tlEID (teoria da víduos-membros têm que obedecer ao espírito da comunidade que as
u.ieito subjectivo determina e limita (21).
nteresse ora como A experiência oferece uma cítica demolidora a estas doutrinas: a
rnhece à vontade. de terem fundamentado cientificamente as legislações totalitiárias desde
as àquelas teorias. o direito nazi ao direito soviético. Os cidadãos só têm deveres e as
ninam a ideia de faculdades outorgadas nas situações jurídicas não podem chocar com o
)recem referência espírito colectivo, a honra do povo, o sentido do sangue e da raça, os
a jurídica pelo de superiores interesses do proletariado, etc. (22).
,ristência de direi- I
E necessiírio, portanto, dedicar uma atenção especial à pessoa dotada
duma unidade essencial que não se reduz à simples vontade nem se
identifrca com os seus interesses; por isso, não se afiguram satisfatórias
:ompreensão do seu
as teorias da vontade e do interesse. Também, constituindo o direito sub-
erRn NgvEs, Pessoa,
)6),9-43. jectivo uma manifestação ou projecção da pessoa no mundo jurídico, não
se reduz a um simples aspecto do direito objectivo sem especificidade
'ALHO que, supomos, (teoria normativista); e tão-pouco pode considerar-se uma simples fun-
re demos o título de
ção social ao serviço duma qualquer comunidade que não veja na pes-
973), s8-63. soa humana o sentido que a justifica.
o: a vida não é pas-
) para outra. Há,
cra da sua vontade.
:feitos, podemos falar LARENZ, apud Lecez y Leceusne, o.c-,725-721
(rr) Vide Karl
e2) Víde FanNÁNpez-GRr-rexo, o.c., 458-461.
Ideia Geral de Direito

§ 5. Modalidades

5.1. Direito subjectivo em sentido estrito (ou propriamente


dito)

Traduz a faculdade ou poder, que a ordem jurídica reconhece a


uma pessoa, de exigir ou pretender de outra um determinado compor-
tamento que pode ser positivo (facere) ou negativo (non facere) (t).
Contrapõe-se-lhe um dever jurídico.
Fala-se de faculdade ou poder de exigir quando, não obtendo a
satisfação do seu direito, o titular pode solicitar ao tribunal que aplique
determinadas medidas que the proporcionem a mesma (2) oo uma van-
tagem equivalente (3) ou outras sanções que impliquem um sacrifício ao
adversiírio (a).
Estaremos perante a faculdade ou poder de pretender, quando o
titular do direito subjectivo não pode reagir contra o adversário que não
cumpra o seu dever jurídico f). Nestes casos, fala-se também de direito
subjectivo "de potencial reduzido" (6).

5.2. Direito potestativo

É um direito que se taduzna faculdade ou poder de, por acto livre


de vontade, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produ-
zir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contrapaÍe. Cor-

(t) Vide supra, § 3.


(z)V. A., a apreensão e entrega da coisa a que tinha direito. Cf. art. 827.o do
Código Civil e arts. 930.o e 821 ." e ss. (para os quais aquele remete) do Código de
Processo Civil.
(3) V.5., a apreensão e venda de bens para pagamento da obrigação. Cf.
art.817." do Código Civil e arts.821.o e ss. do Código de Processo Civii.
(a) V.5., a conderiação numa indemnização dos danos causados. Cf. arts.483.'
e 562.o e ss. do Código Civil.
(s) Sucede, y. g., com as obrigações naturais: o credor não pode exigir judi-
ciaimente o seu cumprimento, mas, se o devedor pagar, não pode repetir (reaver)
o que pagou. Cf. arts. 4O2." e 403." do Código Civil.
() Vide Manuel de AnoR.tpe, o.c., 10-12.
leia GeraL de Direito Ordem Jur[tiica 47

responde-lhe a sujeição do adversário, ou seja, a necessidade de supor-


tar as consequências do exercício de tais direitos (l).
u propriamente Consoante o efeito jurídico que tendem a produzir, os direitos potes-
tativos podem ser:

dica reconhece a 1. constifutivos: cria-se uma nova relação jurídica. Sucede. v- g.,
rminado compor- quando o proprietiário de um terreno encravado (predio dominante)
(non facere) (L). exerce o seu direito potestativo de exigir a constituição duma ser-
vidão de passagem através do terreno (prédio serviente) que se
), não obtendo a intelpõe entre aquele e a via pública e). O exercício desse direito
runal que aplique produz uma relação jurídica nova: uma servidão de passagern (3);
r (2) ou uma van- 2. modificativos: modifica-se uma relação jurídica pré-existente.
r um sacrifício ao Sucede, u.9., quando um dos cônjuges, em perigo de perder o
que é seu pela má administração do outro, exerce o seu direito
tender, quando o potestativo de pedir a simples separação de bens (4). A relação
Jversiírio que não matrimonial mantém-se, mas o regime de bens que existia
- 'bém de direito (comunhão de aquiridos (s) ou comunhão geral (6)) modihca-se:
passa a ser o da separação de bens (7);
3. extintivos: extingue-se uma relação jurídica anterior. Sucede,
v. g., quando um dos cônjuges requer o divórcio invocando a
separação de facto por um ano, sem interrupção (8): a relação
conjugal dissolve-se (e).
de, por acto livre
o judicial, produ-
contraparte. Cor-
(t) Vide More PlNro, o.c., 183-186; e Manuel de AN»tapr, o.c., 12-13.
(2) Cf. art. 1550.'do Código Civil.
(3) Cf. art. 1543.'do Código Civil. Outros exemplos de direitos potestativos
constitutivos são: a comunhão forçada a favor do proprietário ou do superficiário
to. Cf. art.
827." do confinantes com parede ou muro aiheio (art. 1370.'); o direito de preferência
mete) do Código de (arts. 1380.", 1409.', 1535.o e 1555."); etc. Vide More PrNro, o.c., 184.
(o) Cf. arÍ. 7767." do Código Civil.
, da obrigação. Cf. (5) Cf. arts. 1721.o e ss. do Código Civil.
>cesso Civil. (6) Cf. arÍs. 1732." e ss. do Código Civil.
;ados. Cf. arts. 483." (7) Cf. art. 1770.', n.' 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela
Ler n-" 2912OO9, de 29 de Juúo. Outros exemplos (art. 1568."); a separação de pes-
pode exigir judi- soas e bens (arts. 1794." e 1195.'-A); etc.
lude repetir (reaver) (8) Cf. arts. 1773.o, n.o 3, e 1781.", al. a), do Código Civil.
(e) Cf.art. 1788." do Código Civil. Em consequência disso cessa a afinidade
(aÍ. 1585.). Subsiste, no entanto, o direito a alimentos (arts. 2016.', n.o 2, e 2016:-A,
48 Ideia Geral de Direito

Há quem ponha em causa a categoria dos direitos potestativos.


Segundo Miguel REALE, os "direitos subjectivos e direitos potestati-
vos são categorias que se excluem" porque, enquanto aqueles se tra-
duzem na possibilidade de exigir uma prestação (o seu núcleo é a pre-
tensão) e, portanto, há uma relação do tipo pretensão-obrigação,
nestes estamos perante um poder-sujeição: trata-se de situações de
poder (10). Noutra perspectiva, CasnaL DE MoNCAoe declara-se
"bastante céptico acerca do rigor científico e até da utilidade prá-
tica da doutrina dos direitos potestativos" porque, além de "servir
para aumentar ainda mais a confusão numa matéria iá, de si assaz
intrincada", afigura-se-lhe "um excesso de preocupação teórica, uma
espécie de jurisprudência nuclear, desintegrando conceitos", visto
que "todos os direitos envolvem mais ou menos poderes de intervir
na esfera jurídica alheia". Não deixa, no entanto, de referir a van-
tagem que "tal doutrina tem de chamar a atenção da jurisprudência
paÍa a grande multiplicidade de manifestações que se podem dar na
vida de todos os direitos, impossíveis de reduzir a um esquema pré-
vio" 11t;.
Porém, não se pode negar a especificidade que separa os direitos
subjectivos em sentido estrito e os direitos potestativos: enquanto aque-
les se traduzem, no lado activo, pela faculdade ou poder de exigir um
comportamento (activo ou passivo) a que corresponde, no lado passivo,
um dever jurídico (que não retira ao sujeito (passivo) a possibilidade de
não cumprir, expondo-se, embora, a sofrer as sanções que a lei comina);
estes implicam, respectivamente, um poder de agir e uma situação de
sujeição (o sujeito passivo tem necessariamente de suportar as conse-
quências do seu exercício) (12).

na redacção que resultou da Lei n." 61/2008, cit.). Vemos outros exemplos de
direitos potestativos extintivos na resolução do mútuo (art. 1150."), na revogação do
mandato (art. l1?0.'), na extinção duma servidão por desnecessidade (art. 1569.",
fl.a'Ze3),etc.
(t0) Vide Miguel Reels, o.c ., 257 , 259 e 263 .
(tt)
Vide CnaR.eL DE MoNCADA, Lições de Direito Civil, cit., I, 68-69.
(tz) Vide Manuel de ANpR.epr,, o.c., 16-18', Mora Pr.lro, o.c., 185-186; e
CesreNuerna. Npvs.s, o.c., 403-404.
I
J

- Ideia Geral de Díreito Ordem Juríüca

vlireitos potestativos. § 6. Classificação


- e dlreltos potestatl-
luanto aqueles se tra- Nos direitos subjectivos, a doutrina distingue direitos:
Q seu núcleo é a pre-
t_
j,retensao-obngaçao, f . inatos e não inatos: são inatos os direitos que nascem com a pes-
ta-se de situações de soa que, por isso, não precisa de os adquirir. Sucede com a
MoNcapn declara-se generalidade dos direitos de personalidade (l). Não inatos são
l,té da utilidade prá- os restantes direitos subjectivos que se adquirem não já com o
'que, além de "servir nascimento, mas posterioÍmente. Embora os direitos de perso.
çtéria já de si assaz nalidade sejam, em regra, inatos, são não inatos:
t-
jupaçao teonca, uma
rdo conceitos", visto a) o direito ao nome: a pessoa tem um direito à identificação
§ poderes de intervir pessoal, mas só recebe o nome quando se procede ao registo

Ito, de referir a van- do nascimento que não é imediato, mesmo quando seja pos-
;ão da jurisprudência sível efectuá-lo na propria unidade de saúde onde ocorra o
se podem dar na nascimento (2). Assim, embora não inato, o direito ao nome
$ue - ''.n
j esquema Pre- é um direito de personalidade por ser uma manifestação do
direito à identificação pessoal;
lue separa os direitos á) o direito moral de autor: a pessoa tem um direito (inato) à
fivos: enquanto aque- criação pessoal (3), mas este direito só se actualiza quando
iu poder de exigir um cria alguma coisa, adquirindo, então, os direitos aos pro-
:nde, no lado passivo, dutos da sua criação pessoal. Deste modo, por se tratar
fo) a possibilidade de duma manifestação do direito (de personalidade) à criação
-l .
ues que a lel coÍruna); pessoal, o direito moral de autor, embora não inato, é tarn-
rir
t' e uma situacão de bém um direito de personalidade;
[e suportar as conse-
J
2. essenciais e rrão esserrciais: são essenciais os direitos indisso-
luvelmente ligados à pessoa, como os direitos de personalidade.
l I
Náo essenciais são os direitos concebíveis sem a pessoa, como
v. 9., os direitos de crédito, reais e sucessórios;
mos outros exemplos de
na revogação do
1150.),
-hecessidade (art. 1569.",
(t) V. S- o direito à vida, à integridade física, à liberdade, à inviolabilidade
pessoal, à identificação pessoal, à criação pessoal, etc.
I
lrv,r, cit., I,68-69. (2) Cf. arts. 96.o e 96.'-A, n." 1, do Código do Registo Civil.
JPr*ro, (3) Todo o ser é ontogénico: criador de seres, seja através da procriação, seja
o.c., 185-186; e
por meio da criação espiritual.
'1 4 - lot. ao Estudo do DiEito
.J

Ij
50 Ideia Geral de Direito

-t. pessoais e patrimoniais: são pessoais os direitos irredutíveis a


valor pecuniário, como os direitos de personalidade, alguns
direitos de família (3), certos direitos de crédito (a) e alguns
direitos reais (5). São patrimoniais os direitos susceptíveis de
avaliação pecuniária, como alguns direitos de família (6) e a
maioria dos direitos de crédito, reais e sucessórios. A sua
expressão pecuniária justifica a indemnização dos danos cau-
sados (7). Não sendo os direitos pessoais susceptíveis de ava-
liação pecuniária, chegou a entender-se que não eram indem-
nizáveis. Hoje, porém, considera-se que devem ser reparados
para compensação da dor (pretium doloris) (8);
4. absolutos e relativos: os direitos absolutos outorgam ao seu
titular um poder directo e imediato sobre uma pessoa (9) o,
um bem corpóreo ou não corpóreo (10). São relativos os direi-
tos que versam directamente sobre a conduta duma pessoa e

(3) V.5., os direitos correspondentes aos deveres conjugais (art. 1672."), os


direitos que integram as responsabilidades parentais (arts. 1877." e ss.) e a tutela
(arts. 1927.' e ss.), etc.
(a) A prestação não necessita de ter valor pecuniário: art. 398.", n.o 2, do
Código Civil. No entanto, a pessoalidade é excepcional.
(5) V.9., o direito à restituição duma carta confidencial: art.75." do Código
Civil.
(6) V.5., o direito à indemnização das despesas feitas e das obrigações con-
traídas na previsão do casamento, no caso de rompimento da promessa de casamento
(art. 1594."); o direito de um cônjuge resultante de actos de administração pratica-
dos pelo outro em prejuízo do casal ou dele próprio (art. 1681.", n." 1); o direito de
partilha (arts. 1689.'e 1790."); o direito de um dos cônjuges à restituição dos bene-
fícios que o outro tenha deie recebido "em vista do casamento ou em consideraçáo
do estado de casado" (art. 1791.', n." l, na redacção resultante da Lei n." 61/2008,
cit.); etc.
1z; Cf. art.483.o, n." 1, do Código Civil.
(8) Cf. art. 496." do Código Civil que, todavia, fala de indemnização. Teria
sido preferível que referisse compensação.
(e) V.g., o direito de qualquer dos pais reclamar a pessoa do filho, quando
este abandone a casa onde com eles reside ou dela seja retirado. Cf. art- 1887." do
Código Civil.
1ro1 Cf. aÍl. 1302." (direito de propriedade sobre coisas corpóreas) e art. 1303.'
(propriedade inlelectual).
:€r'..E=

) ;or* Gerat de Direíto Ordem Jurídíca 5I

{áreitos irredutíveis a só indirectamente (e nem sempre) sobre um bem ou uma


-lrsonalidade,
alguns coisa(ll). Em conclusão:
, crédito (a) e alguns
ççitos susceptíveis de a) os direitos absolutos são direitos de exclusão: impõem
à generalidade das pessoas (erga omnes) o seu respeito e
_§ ae ramnia (6) e a
sucessórios. A sua abstenção. Todas são obrigadas a respeitá-los: há uma
qção dos danos cau- obrigação negativa de não intervir (12). Pelo contrário, os
de ava- direitos relativos são direitos de colaboração: exigem a cola-
_lsusceptíveis
boração da pessoa que se obrigou;
1ue não eram indem-
jevem ser reparados b) os direitos absolutos são poderes directos e imediatos sobre
uma pessoa ou coisa. Os direitos relativos são poderes aÍra-
_l t*1, vés dum comportamento-
ros outorgam ao seu
§ uma pessoa (9) ou
ho relativos os direi- Uma referência especial merece o direito do arrendatário que,
idu,u dr*, pessoa e segundo a doutrina tradicional (dita também pessoalista) tem
nat:uÍeza obrigacional e, portanto, relativa, enquanto a doutrina
''l
realista entende que se trata de um direito real e, por isso,
Jnl.uris (art. 1672.'), os absoluto 1t:;. É certo que o locador não pode praticar actos que
t. L877." e ss.) e a tutela impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatiírio (la); que
I
lo: art. 398.". n.' 2, do
este pode fazer uso, contra o locador e qualquer terceiro, dos
meios de defesa da posse (15); que vigora o princípio emp-
"
tio non tollit locatum.' pois o adquirente da coisa arrendada
ial: art. 75." do Código
sucede nos direitos e obrigações do locador (16). Todavia, a
ãs e das obrigações con-
la promessa de casamento
-b. administração 1tt; É o que sucede nos direitos de crédito: o direito do credor incide direc-
Pratica-
J8l.', n." 1); o direito de tamente sobre a conduta (prestação) do devedor e indirectamente sobre o objecto
:es à restituição dos bene- da prestação. Cf. art. 397." do Código Civil.
§nto ou em consideração 1tz; É a ehamada obrigação passiva universal. Cf. art. 1305." do Código
da Lei n." 61/2008, Civil.
-[nte 1rt1 Vide Manuel HeNnrque Mrseurr,q, Obrigações Reais e Ónus Reais (Coim-
bra, 1990), 13l-186; José de Ol-lverne AscsNsÃo, Locaçdo de Bens Doados em
tel- indemnização. Teria Garantia - Natureza jurídica da locação, na ROA, ano 45 (1985), 367; António
l Mrurzes Cotorrno, Direitos Reais, ll (Lisboa, 1979), 955; Luís A. Cenvet-so
r pessoa do filho, quando FrnNnx»rs, Lições de Direitos Rears3 (Lisboa, 1999), 163-1731, e A. Sex'ros Jusro,
{i' 'r. Cf. art- 1887." do Direitos Reais, cit., LO7-1-2A.
I
1t+; Cf. aÍt. 1037.', n." l, do Código Civit.
-s corpóreas) e art. 1303." 1ts; Cf. art. 1037.", n.o 2, do Código Civil.
(16) Cf. aÍt. 1057." do Código Civil.
.tll
l

) i

1
l
52 Ideia Geral dc Direito

violação do contrato assume uma relevância jurídica sem para-


lelo nos direitos reais de gozo (\; e os direitos atribuídos
ao locatário em relação ao locador (18) a este em face
"
daquele (19) implicam uma colaboração. Por isso, poder-se-á
considerar o direito do locatiário dotado de um regime dualista
ou misto, embora predominantemente obrigacional, ou seja,
relativo (20);
5. disponíveis e indisponíveis: são disponíveis os direitos que se
podem desligar do seu ütular, como sucede com a generalidade
dos direitos patrimoniais. Sáo indisponíveis os direitos intrans-
missíveis, como os direitos de personalidade, os direitos de
família e alguns direitos patrimoniais (21);
6. simples e complexos: são simples os direitos que se traduzem
numa pretensão e numa prestação específica, como o direito
de crédito em que o devedor se obriga a restituk determinada
quantia de dinheiro (22) ou uma certa coisa (23). São comple-
xos os direitos constituídos por um feixe de possibilidades de
actuação, como o direito de propriedade e4), as responsabilidades
parentais (2s), a tutela (26), etc.

1tz; Cf. arts. 1047." a 1050.', 1079.",1080.', 1083." e 1084.' do Código Civil.
Enquanto, nos direitos reais, o título constitutivo esgota a sua função na sua cons-
tituição: no arrendamento, a posição jurídica do locatário fica permanentemente
ligada ao contrato que lhes deu origem, jamais adquirindo a autonomia que carac-
teriza os direitos reais. Vide HeNnrque Mesqurra, o.c., l7l; e CnnveLHo Fst-
NANDES, o.c., 170-177.
1ta; Cf. art. 1031." do Código Civil.
1tr; Cf. art. 1038." do Código Civil.
(2o) Vide Hrr.rmquE Mrseulre, o.c., 171-183.
(zt) São indisponíveis o direito de uso e habitação (art. 1488.') e os direitos
constituídos intuitu personae: v. 9., o usufruto, se o trespasse a terceiro for proibido
pelo título constitutivo (art. 1444.", n." 1, do Código Civil).
1zz; Cf. art. 1142." do Código Civil.
1zr; Cf. art.1129." do Códígo Civil.
1z+1 Cf . art. 1305." do Código Civil.
(25) Cf. art. 1878." do Código Civil.
120; Cf. art. 1935." do Código Civil.
'EÍ:q.iiji.
I
Ei::=jr:
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Ideia Geral dc Direito Ordent Jurídica 53

.cia jurídica sem para-


§ 7. Direitos de direcção, poderes-deveres ou poderes-funcionais
_,s direitos atribuídos
'8) e u este em face São direitos acompanhados de deveres: o seu titular não é livre de
1 Por isso, poder-se-á exercer as inerentes faculdades ou poderes; é também obrigado a actuaÍ,
_F u, regime dualista porque em causa estão interesses que não são apenas seus. Assim
rbrigacional, ou seja, sucede com as responsabilidades parentais, a tutela e o direito de direc-
'1 ção do empresário, que devem ser exercidos no interesse, respectivâmente,
Lis os direitos oue se do filho, do pupilo e da empresa. Be.prlsra Mlcuaoo chama-lhes
cte com a generalidade "direitos funcionais ou direitos ligados ao exercício duma função'r que
qis os direitos intrans- "devem ser exercidos segundo o status desta e não no interesse subjec-
ldade. os direitos de tivo e segundo o arbítrio do titular do poder" (1).
J
); A doutrina encontra-se dividida sobre a natuÍeza destes direitos de
qitos que se traduzem direcção ou poderes-deveres. Bernsra Macueno entende que "cabem
hi.a- como o direito
I
na noção ampla de direito subjectivo" como "um poder de vontade
f restituir determinada conferido a uma pessoa para a satisfação de interesses, próprios ou
Lru (23). São comple- alheios, juridicamente protegidos" e). E Orlando de Cenver-uo observa
que "o sistema presume não uma inevitável tensão entre o interesse pró-
lrr^ oossibilidades
de
-7, -. rcspollsabilidades prio e o interesse alheio, mas, pelo contrário, uma natural compenetração
desses distintos interesses, dados os laços afectivos que unem o pai
-]
I
ao filho, o tutor ao pupilo, um cônjuge ao outro e o administrador ao
J administrado". Ainda segundo Orlando de Cenver-Ho, "a lei confia
..l
em que cada um destes gerirá. os interesses de outrem como se seus
próprios fossem, confia, em suma, na natural inserção dos interesses
i1084." do Código Civil.
fiua função na sua cons- de outrem na própria esfera de interesses do sujeito" e, por isso,
io fica permanentemente "entrega-lhe a gestão dos interesses de outrem em termos idênticos ao
la autonomia que carac- da gestão dos seus interesses". Assim, sustenta que "no plano estru-
| .: e Canveuro Frn- tural não há razãa para se sair do quadro do direito subjectivo" (3).
-117
Diferente é a'opinião de Miguel Reele que, partindo do entendimento
1 de que "o titular de um direito subjectivo pode usar ou não do seu
_l

(art. 1488.') e os direitos


Je a terceiro for oroibido
I^ (t) Vide Bnrnsre Macueoo, o.c.,.90, referindo-se naturalmente ao "poder
_t. Paternal'r, como era tradicionalmente designado o poder-dever que agora tem a
denominação de responsabilidades parentais.
'1
(2) Trata-se duma teoria eclética que conjuga as teorias da vontade e do inte-
I
resse. Vide Barrrsre M,ncnlpo, o.c.,90; e supra, § 4.
(3) Vide Orlando de CenveI-uo, Teoria Geral do Direito Civil: sumários,
cit., 81-82, com referência, também, ao "poder paternal".
'1
I

_l

-l
54 Ideia Geral de Direitc

direito" e de que a uma pretensão corresponde uma prestação, consi-


dera que estamos perante "situações de poder" e não de direitos sub-
jectivos: "o titular do poder não pode deixar de praticar as funções da
sua competência"; e "ao poder dos pais não corresponde uma presta-
ção por parte dos filhos" (a).
Afastada a teoria eclética a que recorre Baprtsre MacH,coo.
fi.cam-nos as doutrinas de Orlando de Canveluo e de Miguel REar-e.
A primeira tem, indubitavelmente, um suporte legal e a força que a
experiência transmite.
No plano legal, vemos o extremo cuidado com que a lei protege o
interesse dos filhos: na definição do conteúdo das responsabilidades
parentais (5); na irrenunciabilidade (6); na educação (7); na proibíção
de os pais praticarem certos actos sem autorizaçáo do Ministério
Público (8); na proibição de adquirirem bens dos filhos (e); nos bens
dos filhos que os pais devem administrar com o mesmo cuidado com que
administram os seus (10); na inibição do exercício das responsabilidades
parentais a pessoas que, por viários motivos, náo ofereçam a necessária
idoneidade (ll); etc. E quanto à tutela, referimos a sua equiparação às
responsabilidades parentais (12); a possibilidade oferecida aos pais de
designarem o tutor (13); o impedimento de certas pessoas serem tuto-
res (la); a proibição de o tutor praticar certos actos ou a exigência de

{a) Vide Miguel Reale, o.c.,259-260; e Mora. PrN'ro, o.c., I79-180.


(5) Cf. art. 1878.'do Código Civil.
(6) Cf. art. 1882." do Código Civil.
(?) Cf. art. 1885.'do Código Civil.
(8) Cf. aÍt. 1889.' do Código Civil. Este artigo (cuja redacção resultou do
Decreto-Lei n." 496177,de25 de Novembro, excepto no que se refere à al. /) do
n.o l) exige "autorização do tribunal". Todavia, o art.2-", n.'1, al. á), do Decreto-t-ei
n." 27212O01, de 13 de Outubro, atribui ao Ministério Público competência exclu-
siva para a decisão de pedidos de "autorização para aprática de actos pelo repre-
sentante legal do incapaz".
1r1 Cf. ut. 1892." do Código Civil.
1to; Cf. att. 1897 ; do Código Civil.
1tr; Cf. arts. 1913." e 1915.'do Código Civil.
1tz; Cf. art. 1935." do Código Civil.
1tr; Cf. arts.7927." e 1928.'do Código Civil.
1t+1 Cf. art. 1933.'do Código Civil.
]i

I ldeia Gerat d.e Direito Ordem Jurídica

lma prestação, consi- attorização do Ministério Público para que tal seja possível (15); a obri-
J não de direitos sub- gaçáo de prestar contas (16); a responsabilidade do tutor por prejuízos cau-
praticar as funções da sados por dolo ou culpa (17); a remoção do tutor por incumprimento
lsponde uma presta- dos seus deveres ou inaptidão para o exercício do cargo (18); u acção de
_l vigilância do conselho de família (le); etc.
Beptrsre MecHeno, No plano dos interesses, ninguém questionará que os progenitores
-1e de Miguel Reele. defenderão os interesses dos filhos como se fossem seus, se é que, por
e a força que a vezes, não sacrificam os seus interesses para melhor proteger os dos
-fgal filhos: a interpenetração não pode ser mais perfeita. Dir-se-á, também,
-F que a lei protege o que se o titular dum direito subjectivo pode usar ou não o seu direito,
,"rporrabi]idades normalmente só náo usará se os seus interesses assirn determinarem.
-[,
rção (7); na proibição E ter-se-á também de ver um feixe de direitos dos pais e do tutor a
.1ação do Ministério que correspondem, fundamentalmente, prestações de terceiros. Quanto
-'l rimor (e); nos bens ao empres:írio, o seu interesse identifica-se com o da empresa que admi-
:smo cuidado com que nistra e a sua actuação dirige-se sobretudo a terceiros, junto de quem
{as responsabilidades adquire direitos e contrai obrigações.
t-,
_F ?am a necessana Assim, parece-nos mais adequada a doutrina defendida por Orlando
i a sua equiparação às de CaRvar-go e, portanto, consideramos os direitos de direcção, poderes-
qferecida aos pais de -deveres ou poderes-funcionais como verdadeiros direitos subjectivos.
I

_l pessoas serem tuto-


tos ou a exigência de SECÇAO tr
-1
PÚBLICoS
I
-l'ro,
o.c., i79-180.
§ 8. Noção. Perspectiva histórica
-1
I
I Os direitos subjectivos públicos são direitos que os cidadãos podem
:uja redacção resultou do invocar contra o Estado, quer exigindo uma certa actuação quer impondo
lue se refere à al. l) do limites ao exercício dos seus poderes (1). Constituem exemplos não só
_l r, rt. à,), do Decreto-l-ei
blico competência exclu-
{ica de actos pelo repre- 1ts; Cf. arts. 1937.' e 1938.' do Código Civil. Quanto à competência do
Ministério Público, vide a nota I da página anterior.
1to; Cf. aÍt. 1944." do Código Civil.
() Cf. art. 1945." do Código Civil.
1tt; Cf. art. 1948." do Código Civil.
1tr; Cf. art. 1954." do Código Civil.
(t) Vide CasreNHema Nevrs, o.c., 4O5; CanneL or MolrcADÁ,, Lições de
Direito Civil,Lcit.,70-ll; Norberto AlvRnrz e Mur.roz pr Barne, o.c., 153-154;

_l
56 Ideia Geral de Direito

os direitos fundamentais previstos nas constitúçoes políticas, mas tam-


bém os particulares direitos subjectivos que "se faznm valer perante as
várias funções do Estado" seja em relação à Administração (2) seja
perante a Jurisdição (3), etc. Traduzem igualmente a afirmação juídica
da autonomia pessoal e foi "através do reconhecimento destes direitos que
decisivamente se impôs essa autonomia ao imperium do Estado" (a).
O problema dos direitos subjectivos públicos não deixou de preo-
cupar o pensamento jurídico medieval que, considerando que "o direito
está para a justiça como o filho para a mãe" e vendo no direito "apenas
um instrumento de revelação da justiça", recusou a lei injusta e defen-
deu que "o seu cumprimento não obriga em consciência ao súMito e deve
ser por ele repudiado como um dever", referem Ruy de At-sueupneup
e Martim de At-sueuEReuE (5). A ordem juídica humana deve sujei-
tar-se necessariamente à lei natural e, por isso, os direitos subjectivos são
invioláveis: "a necessidade de (a ordem jurídica) ser respeitada pelos
governantes representava mesmo um dado axiomático e indiscutível" (6).
Neste quadro (que traduz o pensamento de S. TouÁs D'Aqumo e
de outros Autores medievais na esteira de Santo AcosrrNuo) em que a
justiça constituía "o fim do poder político" e o próprio monarca era
considerado juiz (íudex id est rex), a sua actuaSo devia obedecer à lei
positiva e a via judicial abria-se aos particulares ofendidos, "a quem, fre-
quentemente, o tribunal foi favorável' (7).

GencÍe MevNrz, o.c., 192-193; e José Carlos Vlema ne ANonaoe, A Justiça Admi-
nistrativa (Lições)e (Coimbra, 2007), 68-71.
(2) V. g., os direitos aos seguros sociais, o direito a sernomeado como fun-
cioniírio, o direito à passagem de reforma, à concessão de alvará de actividade
licenciada etc. Vide CesreruHelne Nsvss, o.c., 4A6z2s; e Vtrrna oe ANpneos,
o.c.,70-71.
(3) V. 5., o direito de acção judicial (ius actionis), à informação e consulta juí-
dicas, ao paúocínio judici:írio, ao segredo de justiça, etc. Cf. art.20: da nossa Cons-
tituição.
(a) Transcrevemos CasteNuelRe NEvss, o.c., 405.
(5) Transcrevemos Ruy de AraueueneLrs e Martim de Alnuquenqus, História
do Direíto Português, Ir0 (Lisboa, 1993), ll2-113.
(d) Vide Ruy de Auueueneus e Martim de At-sueueR.quz, o.c., 123.
() Voltamos a transcrever Ruy de Ar-sueueneue e Martim de At-sueurReue,
o.c.,517-522.
ir:

? Direito Ordem lurídica 57

ô 1d111- Em S. TonaÁs D'AqutNo, SueRsz recolheu e desenvolveu, com


ãnte as vigor, as ideias de pacto ou contrâto (pactunt unionis) que constitui a
:) seja base do Estado; e da posterior transferência da soberania do povo para
.rídica o príncipe (pactum subjectionis), que está sempre sujeito ao direito e
tos que "é lícito à comunidade não só a resistência passiva às leis injustas,
[o" (4). como inclusivamente a resistência activa e a rebelião contra os tira-
r preo- nos" (8).
direito No campo prático, o reconhecimento dos direitos subjectivos públicos
apenas está ligado às primeiras formas de govemo representativo, constituindo
defen- a Magna Cartha Libertarum um marco muito importante: aí são impos-
e det'e tas ao Rei de Inglaterra determinadas prerrogativas que "passaram a
]=RQUE constituir limites à acção do poder público", entre as quais figura a de
, sujei- "nenhum imposto poder ser lançado sem a prévia audiência dos contri-
'os são buintes" (9).
L pelos O século XVItr clarificou a ideia de que o indivíduo tem uma esfera
ei" (6). de acção inviolável que o poder público deve respeitar: testemunham-na
I-INO e as primeiras Declarações de Di-reitos que surgiram nos Estados Unidos e
que a na França, proclamando os direitos subjecúvos públicos; e a Declaração
'ca era Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Organização das Nações
:r à lei Unidas (ONU) em l0 de Dezembro de 1948 acrescentou os direitos
:s. fre- sociais aos direitos políticos (10).

§ 9. Natureza
i -timi-
A natureza dos direitos subjectivos públicos relaciona-se intima-
i:o iun- mente com a limitação jurídica do poder político que "só pode consi-
derar-se existente na ordem positiva desde que os cidadãos tenham direi-
-?rnE tos a que correspondam deveres da parte do Estado" (1).
l- irrn--
, Corrs-
(8) São palavras de CaaRAÍ- os MoNcepa , Filosofia do Direito e do Estada,l
(Coimbra, 1947), 138-140.
i;t.7ria (e) Transcrevemos Miguel Rsem, o.c.,264, que vê nesta prerrogativa "um caso
típico de direito subjectivo público".
(to) Vide Marcello CaetaNo, Manual de Ciência Política e Direito Consti-
=1.-t-
É tucional, 16 (Coimbra, 1996), 3l l-320.
(r) Transcrevemos Marcello Caerexo, ibidem,28l .
*a1É

.:,
I:

? Direito Ordem Jurídíca 57

1Stam- Em S. TonaÁs D'AqutNo, Su,qnrz recolheu e desenvolveu, com


ante as vigor, as ideias de pacto ou contrato (pactunt uniortis) que constitui a
l) seja base do Estado; e da posterior transferência da soberania do povo para
'.rídica o príncipe (pactum subjectionis), que está sempre sujeito ao direito e
tos que "é lícito à comunidade não só a resistência passiva às leis injustas,
to'. 1+;. como inclusivamente a resistência activa e a rebelião contra os tira-
r pÍeo- nos" (8).
direito No campo pnítico, o reconhecimento dos dteitos subjectivos públicos
ap€nas está ligado às primeiras formas de govemo representativo, constituindo
det'en- a Magna Cartha Libertarum um marco muito importante: aí são impos-
tas ao Rei de Inglaterra determinadas prerrogativas que "passaram a
.=RQUE constituir limites à acção do poder público", entre as quais figura a de
sujei- "nenhum imposto poder ser lançado sem a prévia audiência dos contri-
L]\ 5dU buintes" (9).
L Prelos O século XVItr clarificou a ideia de que o indivíduo tem uma esfera
et ("1. de acção inviolável que o poder público deve respeitar: testemunham-na
Ll\o e as primeiras Declarações de Direitos que surgiram nos Estados Unidos e
que a na França, proclamando os direitos subjectivos públicos; e a Declaração
'ca era Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Organizaçáo das Nações
:r à 1ei Unidas (OI'IIJ) em 10 de Dezembro de 1948 acrescentou os direitos
:r. fre- sociais aos direitos políticos (10).

§ 9. Natureza
; -7Ctni-
A natureza dos direitos subjectivos públicos relaciona-se intima-
r,: f'-:n- mente com a limitação jurídica do poder político que "só pode consi-
:;'i:ade derar-se existente na ordem positiva desde que os cidadãos tenham direi-
_rrntr
tos a que correspondam deveres da parte do Estado" (l).

1L(t1t\-
(8) São palavras de Ce.eRAL pe MoNcapa , Filosofia do Direito e do Estada, I
(Coimbra, 1947), 138-140.
(e) Transcrevemos Miguel Rrat-e, o.c.,264, que vê nesta prerrogativa "um caso
típico de direito subjectivo público".
(ro) Vide Marcello CaeraNo, Manual de Ciência Política e Direito Consti-
-i a_'- tucional, 16 (Coimbra, 1996), 31 1 -320.
(r) Transcrevemos Marceilo CeerlNo, ibidem,28l .
58 Ideia Geral de Díreito

Por isso. destacamos duas directivas que sucessivamente se impu-


seram:

t. a doutrina contratualista: paÍe da anterioridade dos indivíduos


em relação ao Estado e sustenta que no "estado de natureza", em
que se encontrava, cada homem era já portador de direitos que
o Estado (fruto dum contrato social para os garantir) deve res-
peitar. Salientamos as doutrinas de Locrs e de Rousseau que,
embora tenham partido duma base comum (o status naturalis)
e utilizado a mesma via (o contrato sociai), chegaram a soiuções
diferentes: à fundamentação do liberalismo (Locrc); e à apologia
da democracia (RoussEeu). Assim:

a) John Locx-e considera que, no status naturalis, os homens


eram titulares de direitos naturais, com destaque para os direi-
tos à vida, à liberdade e à propriedade. No entanto, faltava
uma ordem política organizada que se encarregasse de diri-
mir os litígios (derivados das paixões humanas) e de defen-
der os seus direitos. Por isso, através dum contrato social cria-
râm o Estado (status civilis), devendo o direito positivo
respeitar a propriedade, a liberdade e a integridade de cons-
ciência e de pensamento dos homens. Locxr é considerado
o iniciador do liberalismo e a sua influência foi grande no
movimento liberal que se seguiu na Europa e na America ();
,ll
b) Jean Jacques Rousseau idealizou Dm síatus naturalis, onde
os homens viviam felizes, em harmonia e paz, quer pela
:,
sua bondade natural quer porque a natüreza satisfazia gene-
:, rosamente todas as suas necessidades. Os homens eram
,,,.j iguais, porque nada os diferenciava; e livres. porque não
ll havia uma situação de dependência. No entanto, um insen-
li,''
sato teve, um dia, a ideia de cercar uma parte dum terreno
i
e disse: "Isto é meu!". Começou, então, a dispor daquela

'l
(z) Vide Cnarqar- oE MoNCaoa., Filosofia do Direito e do Estado, cit.,I,
203-222; FsnNÁNoez-GALIANo, o.c., 305-308; e SaNros Jusro. NótuLas de História
do Pensamento Jurídico (História do Direito) (Coimbra, 2005),46
58 Ideia GeraL de Direito

Por isso, destacamos duas directivas que sucessivamente se impu-


seram:

1. a doutrina contratualista: parte da anterioridade dos indivíduos


em relação ao Estado e sustenta que no "estado de natureza", em
que se encontrava, cada homem era já portador de direitos que
o Estado (fruto dum contrato social para os garantir) deve res-
peitar. Salientamos as doutrinas de Loc«p e de RousseAu que,
embora tenham partido duma base comum (o status naturalis)
e utilizado a mesma via (o contrato sociai), chegaram a soluções
diferentes: à fundamentação do liberalismo (Loc«s); e à apologia
da democracia (Rousseau). Assim:

a) John Locxg considera que, no status naturalis, os homens


eram titulares de direitos naturais, com destaque para os direi-
.l tos à vida, à liberdade e à propriedade. No entanto, faltava
t
uma ordem política organizada que se encarregasse de diri-
ll
l mir os litígios (derivados das paixões humanas) e de defen-
ll
der os seus direitos. Por isso, através dum contrato social cria-
t.
I ram o Estado (status civilis), devendo o direito positivo
respeitar a propriedade, a liberdade e a integridade de cons-
i
ciência e de pensamento dos homens. Locrc é considerado
l

,,1
o iniciador do liberalismo e a sua influência foi grande no
l
movimento liberal que se seguiu na Europa e na America ();
rl b) Jean Jacques Roussr,eu idealizou um stotus naturalis, onde
l,,
ii os homens viviam felizes, em harmonía e paz, quer pela
i,: sua bondade natural quer porque a natüreza satisfazia gene-
i rosamente todas as suas necessidades. Os homens eram
't I

iguais, porque nada os diferenciava; e iivres, porque não


,:i havia uma situação de dependência. No entanto. um insen-
i'i',
'li
sato teve, um dia, a ideia de cercar uma parte dum terreno
li e disse: "Isto é meu!". Começou, então. a dispor daquela

(2) Vide Ca.enar- pe MoNceoa., Filosofia do Direito e do Estado, cit., I,


203-222; FpnNÁN»Ez-GALIANo, o.c., 305-308; e S,qxros Justo. Nótulas de História
do Pensamento Jurídico (História do Direito) (Coimbra, 2005),46
I
-:
- Ideia Geral de Direito
Ordem Jurídica 59

rsivamente se impu- terra com a exclusão dos demais. Surgiu, assim, a pro-
priedade privada e, com ela, a desigualdade e o desejo de
domínio dos homens. Para remediar este desequilíbrio e
--dade dos indivíduos as suas consequências, a humanidade teve que passar do
ldo de natureza", em status naturalis para o status civilis: através dum contrato
Íador de direitos que social, os homens cederam ao Estado os direitos que pos-
ã,§ garantir) deve res- suíam naquele status e o Estado devolveu-lhos transforma-
de RoussEAU que, dos em direitos civis, ou seja, garantidos e protegidos por
-e
t (o status naturalis) leis. Por isso, os direitos naturais, agora civis, conservam
<hegaram a soluções o seu carácter sagrado e inviolável que vemos consagrado
_Locx.e);
e à apologia na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
RousseRu é considerado o inspirador do modemo conceito
de democracia e o seu Contrat Social constituiu o Evange-
aturalis, os homens lho da Revolução Francesa (3).
iestaque para os direi-
- No entanto, faltava A doutrina contratualista está desde há muito superada por-
)r -üegasse de diri- que tem, na sua base, uma pura ficção: o status naturalis nunca
iurr,anas) e de defen- existiu e, ademais, contraria a natureza sociável do homem (a).
4 contrato social cria- Como observa SoeRes M.e.RTrNEz, "a integraçáo do homem em
r o direito positivo sociedade é imposta pelo instinto genésico, pelo sentido da con-
-rntegridade de cons-
servação da espécie, que não pode assegurar-se no plano indi-
Çoc«r é considerado vidual, por exigências de segurança, de protecção e também
ência foi grande no por imperativos de divisão do trabalho, que torna este mais
ipa e na Améica (); produtivo". E conclui: "O isolamento do homem nunca é natu-
tatus naturalis, onde ral, nem originário, mas superveniente e os seus efeitos são,
ía e paz, quer pela compreensivelmente, destruidores " (5).
;eza satisfazia gene-
. Os homens eram
llvres, porque nao (3) No entanto, as suas contradições permitem leituras diferentes da sua obra
: entanto, um insen- que acentuam ora um aspecto autoritário ora uma tonalidade liberal da democracia.
a parte dum terreno Vide FsnNaNDEZ-Gaunxo, o.c.,309-313: CasnnL DE MoNCADA, Filosofia do Direito
'r, a dispor daquela e do Estado,I,cit.,222-247; Marcello CaB-reNo, o.c.,266-269; Gar-vÃo TeLLes, o.c.,
I, 34e; FennÁuonz-Gelrano, o.c.,309-313; e SeNros Jusro, ibidem,49-50.
(a) O próprio RoussEAU afirma que o estado de natureza é uma mera hipó-
tese que porventura nunca existiu. Vide FenNÁN»ez-Gaure.No, o.c.,3ll; e Ge.lvÃo
, do Estado, cit., I, Trues, o.c., 1,34e.
"
:o, Nótulas de História (s) Vide Pedro. Soenes MARrrNEz, Filosofia do Direito (Coimbra, 1991),
)0s), 46. 45-47.
60 Ideia Geral de Direito

2. a doutrina da autolimitação: vê na soberania o poder de decidir


em última instância e, por isso, entende que ao Estado cabe
delimitar o que peúence ao indivíduo. Rudolf von IHeRING, o
primeiro Autor que estudou este problema com profundidade,
sustenta que a soberania, para poder actuar, vai discriminando
as esferas de acção enúe os indivíduos e os grupos e afirma ser
o Estado que se limita a si próprio. Esta teoria foi desenvolvida
por Georg JEuunecx para quem "os direitos subjectivos públicos
existem na medida em que o Estado não pode deixar de traçar
limites a si próprio, enquanto Estado de Direito" (6). Também
esta doutrina suscitou algumas cíticas: além da velha questão
de saber quis custodes custodit? ", se o Estado se autolimita,
os indivíduos ficam à sua mercê: "uma entidade que se autolimita
também pode deixar de autolimitar-se", observa Soanes Man-
rlNez (7). IHsntNc não deixou de responder que se trata duma
questão política, não jurídica: a garantia da existência dos direi-
tos subjectivos públicos eslá unicamente na consciência popu-
lar, na educação cívica do povo, na força da opinião pública, ou
seja, na resistência dos meios cultural e social. No entanto, o
problema foi deslocado: deixou de ser jurídico para se tornar
político e, por isso, a expressão autolimitação é equívoca: "dá
a ideia de que é o Estado que traça a si próprio os seus limi-
tes, quando temos diante de nós um processo de naturezahis-
tórico-cultural", afirma Miguel Rear-e (8).

Como vimos (9), os direitos subjectivos públicos constituem um


problema histórico:cultural que explica a resistência ao arbítrio e à von-
tade dos detentores do poder político. Há, efectivamente, uma riquíssima
experiência histórica que, na Idade Média, considerou a justiça o fim do
poder político; subordinou o direito positivo à lei natural; consagrou os
aforismos rex eris si recte facies e iudex id est rex; e circunscreveu a

(6) Transcrevemos Miguel Reele, o.c.,269. Vide tarr,bém Marcello Cne-


rANo, o.c., 299-302.
(t) Vide Soenes Me.nuNrz, o.c., 160-16l .

() Vide Miguel Rrlle, o.c.,27O.


(e) Vide supra, § 8.
- Ideia Geral de Direito Ordem Jurídica 6I

- o poder de decidir actuação do monarca nos limites do direito positivo. Depois, o contra-
jusnaturalista reforçou a ideia de respeito dos direitos subjec-
-ue ao Estado cabe tualismo
rdolf von IHrnrNc, o dvos pelo Estado. E terminou com o seu reconhecimento nas consti-
-com profundidade, tuições políticas.
- vai discriminando No entanto, estamos perante um problema que transcende uma
; grupos e afirma ser teoria puramente jurídica: pertence à Teoria do Estado que o deve exa-
-ia foi desenvolvida minar sob aspectos sociológicos, jurídicos e políticos.
- iubjectivos públicos
ode deixar de traçar
CAPÍTULO II
-eito" (o).TamUém
_n da velha questão FIGURAS AFINS
stado se autolimita,
*1e que se autolimita § 10. Meros interesses jurídicos
_erva SoaRES MAR-
)r que se trata duma São interesses tutelados pela ordem jurídica a que não correspon-
-xistência dos direi- dem direitos subjectivos. Podem consistir na subjectiva pretensão a um
_ rsciência popu- bem susceptível de satisfazer uma necessidade (interesse em sentido
i oprnião pública, ou subjectivo) ou na relação entre a necessidade e o bem capaz (segundo
.ial. No entanto, o um critério geral) de a satisfazer (interesse em sentido objectivo).
_lico para se tomar Na vida social são inúmeros os interesses que a ôrdem juídica tutela
:ão é equívoca: "dá e em cuja protecção estamos individualmente interessados, sem que pos-
óprio os seus limi- samos falar de direitos subjectivos. Sucede, v. g., com o interesse do
de natureza his- automobilista na boa conservação das estradas; com o interesse na ordem
_;o
das ruas, que as entidades policiais garantem; com o interesse na vacina-
ção das pessoas com quem convivemos, protegida por uma lei que a tome
:os constituem um obrigatória, etc. Porém, falta-nos a faculdade ou o poder de exigir ou
aoarbítrioeàvon- pretender esses cornportamenios que definem os direitos subjectivos (l).
)nte, uma riquíssima
r a justiça o fim do
§ 11. Faculdades em sentido estrito
:iural; consagrou os
; e circunscreveu a São possibilidades de agir (facultates agendi) que a ordem jurídica
admite e garante sem, todavia, constituírem direitos subjectivos.
Estas faculdades (denominadas primárias) são alheias aos direitos
.mbém Marcello Cee-
subjectivos e, portanto, não se confundem com as faculdades jurídicas

(t) Vide Cesre.NserRe Nevrs, o.c.,396-397; e supra, § 4.

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