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DIFERENTES PROPOSTAS METODOLÓGICAS PARA O

CURSO DE CANTO POPULAR – UM ESTUDO DE CASO1


Gabriela Ricci – gabricci@hotmail.com

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo observar e analisar diferentes propostas metodológicas
para a modalidade Voz Popular da Universidade Estadual de Campinas. Trata-se de um estudo
de caso referente ao segundo semestre de 2011, modificado com relação aos semestres
anteriores. Mas como os alunos responderam ao modelo de aulas proposto para o semestre
questão? Para responder a essa questão foram feitas observações das aulas dos alunos do
primeiro ano e entrevistas com os alunos do primeiro ao quarto, bem como com a professora
responsável. Após a coleta de dados advindos das observações e entrevistas foi feita uma
comparação entre estes e as informações obtidas através da dissertação de mestrado de
Queiroz (2009), que descreve o curso aqui analisado. O intuito desta comparação é ter uma
visão mais ampla da diferença trazida pelo segundo semestre de 2011 em relação aos
semestres anteriores, podendo pontuar os aspectos positivos e negativos de cada um dos
modelos. O estudo aponta para a conclusão de que o método estabelecido originalmente é de
fato eficaz para a formação dos alunos de canto popular. Apesar disso, a experiência no
semestre aqui analisado mostrou-se importante sobretudo para o amadurecimento individual
dos alunos com relação ao seu próprio estudo.
Palavras-chave: Canto popular; Metodologia de ensino; Ensino superior

Abstract
The aim of this study is to observe and analyze different methodological proposals for the
Singing course from the University of Campinas. This is a case study made during the second
semester of 2011, which was modified when compared with previous semesters. But how did
the students respond to the proposed model? To answer this question, observations were made
from singing classes and interviews were held with students and the professor. In order to
raise positive and negative issues, a comparison between the data collected and the
information from Queiroz (2009), that describes the course structure, was done, so differences
between this case study and previous semesters could be observed. It was possible to
conclude that the first method is efficient for the popular singing student education.
Nevertheless, the experience of the period analyzed proved important for the individual
maturation of each student in relation with their own study.
Keywords: Popular singing; Teaching methodology; Undergraduate education

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Trabalho apresentado no I Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade, Porto Alegre/RS, maio de
2015.
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Introdução

O curso de canto popular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é


formado, além das disciplinas do núcleo comum de Música, oferecidas a todos os alunos de
música popular, por outras três disciplinas voltadas especificamente para os alunos da
modalidade Voz Popular, ministradas pela professora responsável por esta modalidade,
Regina Machado.

“A professora Regina divide sua atividade pedagógica em três modalidades


de aula. Três colunas de disciplinas, dentre as doze do curso, que são
pensados de modo integrado para os alunos de Canto Popular. São elas: 1)
Voz, também referida como “aula de atendimento” ou simplesmente “aula de
canto”. 2) Canto na Música Popular, que é frequentemente chamado pelo
nome anteriormente usado de “história do canto popular”, e que será aqui
referida simplesmente como aula de História. 3) Produção Musical, que
raramente é chamada dessa forma, sendo normalmente referido pelo nome
de “aula de reflexão estética” e que chamaremos aqui como aula de
Estética.” (Queiroz, 2009, p.83)

A aula de canto é direcionada somente aos alunos da modalidade Voz Popular, e


acontece em pequenos grupos divididos por ano de ingresso. Abrange as questões técnicas do
cantar, bem como o estudo prático de repertório proposto pela professora.
A aula de história, segundo Queiroz (2009), é uma aula expositiva. Na prática, ela
acaba sendo expositiva em parte, porque permite uma participação ativa dos alunos quando
das análises das músicas ouvidas em aula, e dos comportamentos vocais de seus intérpretes.
Aqui é discutida a realização vocal em níveis físico, técnico e interpretativo, permitindo que
se faça uma reflexão sobre o cantar, passível de ser aplicada na aula de canto de cada um e em
toda a sua produção musical.
Segundo a professora Regina Machado, sobre a análise do comportamento vocal:

“Abordamos o comportamento vocal a partir dos níveis físico, técnico e


interpretativo, respectivamente. Entendemos que essa ordem para
configuração do estudo trata a voz a partir de elementos naturais, passando
pelo desenvolvimento das competências físicas através da elaboração
técnica, e chegando, por fim, ao nível interpretativo, que exige do cantor a
elaboração intelectual e sensível.” (Machado, 2007, p.53)

Na aula de estética são propostas leituras, principalmente sobre canto, mas que podem
abranger o fazer artístico como um todo, podendo ser propostos, por exemplo, textos sobre
teatro ou literatura. Nesta disciplina, os alunos são convidados a debater as questões
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colocadas pelos textos para, a partir desse exercício, refletir sobre questões concernentes ao
fazer artístico e à arte em si.
Um outro elemento importante desse modelo de aulas é o show de final de semestre,
seguindo Queiroz (2009, p.104)

“O momento culminante do processo pedagógico observado é a apresentação


de final de semestre. Atividades de classe (as três modalidades de aula) e
extra-classe (ensaios, estudos, pesquisas, leituras, audições) se voltam para
esta tarefa. Mais do que apenas apresentar um repertório no palco, se espera
dos alunos de canto a construção do espetáculo. Ou seja, a iniciativa e
coordenação do empreendimento artístico em cada um dos seus detalhes. Da
arregimentação de músicos, ao agendamento de auditório, à elaboração do
programa e dos cartazes, a alocação de equipamento de som, divulgação,
etc.”

No segundo semestre de 2011 esse modelo descrito por Queiroz foi alterado: as horas
de aula oferecidas pela docente responsável foram um pouco reduzidas, refletindo em todo o
modelo proposto. Além disso, os shows que geralmente são marcados para o final do semestre
ocorreram no meio dele, o que fez com que toda a preparação fosse diferente, e os alunos
pudessem retomar o estudo do repertório após assistir, em aula, gravações em vídeo de sua
performance.
Frente a esta situação, é interessante que se pense sobre as alternativas tomadas, tanto
pela docente como pelos discentes, para que se mantenha o conteúdo do curso, e não se
percam as reflexões, trazidas principalmente pelos debates em aula, agora a cargo de cada um
dos alunos.

Metodologia

Para realizar este trabalho, foram feitas entrevistas com os alunos da modalidade Voz
Popular do curso de Música da Unicamp, com o intuito de compreender como está sendo para
eles o andamento deste semestre atípico.
As perguntas giraram em torno das indicações de estudos vindos da professora tanto
em relação às leituras que ambientam os alunos aos períodos temáticos trabalhados, quanto às
escutas direcionadas, também atreladas aos períodos temáticos, e como estas indicações de
estudo estão sendo seguidas pelos alunos. Também foram respondidas questões relacionadas à
retomada do estudo do repertório apresentado no show.
Para avaliar como foram os estudos ao longo do semestre, foram aplicadas provas

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baseadas no conteúdo dos textos e das escutas, trazendo questões estéticas, estilísticas,
históricas, etc. O processo de estudo individual direcionado para estas provas também foi
abordado durante as entrevistas.
Outra parte importante do trabalho veio das entrevistas com a professora Regina
Machado, responsável pelas disciplinas voltadas para os alunos de Voz Popular.
A intenção destas entrevistas foi obter, do ponto de vista da docente, informações
sobre as indicações de estudos individuais e expectativas da própria professora sobre a
apreensão do conteúdo por parte dos alunos, além do desenvolvimento reflexivo e expressivo
experimentado por cada um dos discentes.
Após a coleta de dados advindos das entrevistas, foi feita uma comparação entre estes
dados e as informações sobre o curso obtidas através da dissertação de mestrado de Alexei
Alves de Queiroz e observações pessoais. O intuito desta comparação é ter uma visão mais
ampla da diferença trazida pelo segundo semestre de 2011 em relação aos semestres
anteriores, podendo pontuar os aspectos positivos e negativos de cada um dos modelos para
extrair o melhor de ambos, visando a busca pelo máximo que o curso possa oferecer.

Das entrevistas

A professora Regina Machado, responsável pelas disciplinas voltadas para os alunos


da modalidade Voz Popular do curso de Música da Unicamp, fez algumas indicações de como
deveriam ser os estudos individuais ao longo de todo o semestre, para que os discentes
pudessem ter a melhor qualidade de trabalho possível.
Uma sugestão muito relevante da professora foi que eles se reunissem semanalmente
para discutir as questões trazidas pelos textos que faziam parte da bibliografia indicada para o
semestre. Essa iniciativa permitiria uma discussão e trocas de informações, de modo que o
estudo poderia ser muito mais profundo do que se o aluno estudasse sozinho.
Apesar de saber que sua sugestão de estudo em grupo talvez não fosse seguida, a
docente confessou que espera que todos tenham dimensão de seu papel dentro da
Universidade, utilizando seu tempo de maneira efetiva em prol dos estudos.
Segundo ela, um dos pontos que mais trouxe diferenças, se compararmos esse
semestre com os anteriores, foi a menor quantidade de tempo disponível com os alunos, que
fez com que o contato ao longo do período letivo fosse mais superficial.
Um elemento novo foi a participação de Regina nos últimos ensaios anteriores aos

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shows, deixando a preparação para os recitais um pouco mais fluidas, visto que existia um
contato da docente com os instrumentistas acompanhadores e os arranjos das músicas, o que
permitiu algumas correções anteriores à exposição no palco.
As entrevistas com os alunos apresentaram respostas bem diversas, principalmente se
forem comparados aqueles de anos de ingresso diferentes. Por isso, foi feita uma divisão dos
assuntos abordados durante as conversas com eles, de maneira que fosse possível ter uma
visão mais ampla de como todos eles veem os temas levantados.

Leituras
Quase todos os alunos entrevistados não conseguiram ler toda a lista de textos
indicados pela professora, mas leram a maior parte dela. Apesar disso, nenhum deles disse
encontrar dificuldades na compreensão das leituras. Outro fator interessante é que poucos
discentes tiveram uma rotina constante de leitura ao longo do semestre.
Dentre os alunos entrevistados, somente um disse não sentir falta das aulas em que
eram feitas as discussões dos textos, porque não acha que esses debates acrescentam muito
conteúdo àquele já adquirido pela sua leitura. De resto, todos sentiram falta das aulas e das
discussões, principalmente pela possibilidade dessas discussões trazerem pontos de vista
variados, que ampliam a visão que cada aluno tem sobre determinado assunto, além de contar
com a presença da docente, que direciona as discussões frisando, entre outras coisas, questões
técnicas ligadas à realização vocal.
Mais um ponto que me parece relevante, com relação às leituras e às discussões, é o
levantado por um dos discentes que diz que, em decorrência dos debates, os alunos acabam
sentindo uma maior obrigatoriedade em ler os textos propostos durante todo o semestre para
que, dessa maneira, possa participar ativamente das discussões.
Talvez essa consideração possa ser aplicada aos alunos de maneira geral visto que, em
nenhuma das turmas, os textos foram lidos integralmente por todos os seus componentes.
Somente a turma do terceiro ano manteve encontros semanais para discussão dos
textos e das escutas propostos pela professora, o que fez com que o andamento do semestre
fosse um pouco diferente das outras turmas neste aspecto.

Escutas
A grande maioria dos discentes, em todos os anos, afirmou ouvir a maior parte do
repertório proposto para o semestre.
A constância das escutas variou muito de um aluno para outro. Alguns afirmaram ter
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ouvido durante todo o semestre, enquanto outros disseram ouvir somente no começo. Em
alguns casos, a escuta do repertório como um todo foi deixada de lado para que o aluno se
debruçasse sobre as músicas a serem estudadas para os shows.
Durante as audições, a maioria dos alunos disse que se ateve principalmente à voz,
mas foi muito recorrente a escuta mais dispersa, sem foco central de análise. Um ponto que
apareceu em vários depoimentos foi a dificuldade em se ater a fatores pontuais, devido
principalmente à falta de bagagem técnica para análise vocal.
Quando perguntado sobre as discussões em aula acerca das músicas, praticamente
todos disseram sentir falta de opiniões dos colegas, que podem trazer impressões e pontos de
vista diferentes dos seus. Também foi levantada a falta do direcionamento dado pela docente,
que além de focar alguns pontos específicos, trata de questões técnicas e estilísticas, muitas
vezes sanando dúvidas desses aspectos.
Novamente somente os alunos do terceiro ano realizaram reuniões semanais para
discutir sobre as canções que ouviam para o repertório a ser estudado no semestre. Porém,
mesmo com essas reuniões, esses discentes disseram sentir falta a presença da professora
direcionando e esclarecendo dúvidas.
É importante observar a ligação feita por muito poucos alunos entre as leituras e as
escutas, visto que o intuito da professora, com o uso desse material, é fazer com que eles se
insiram realmente no estilo proposto para cada semestre. Portanto, estes estudos são sim
complementares, e servem como base para o desenvolvimento das canções a serem
apresentadas nos shows.

Retomada do repertório
A maioria dos alunos afirmou ter gostado da ideia de retomar o estudo do repertório já
apresentado em seu show. Em geral, eles veem esse estudo como uma oportunidade de
melhorar seu desempenho como cantores, porque entram em contato com seus erros
observando a si mesmos através de gravação em vídeo, o que possibilita uma análise mais
crítica acerca de seu desempenho no palco.
A postura de palco foi um ponto levantado por vários alunos e parece ser uma
preocupação recorrente, visto que muitos deles não se sentem ainda à vontade nessa situação
de show. Vários comentaram que o nervosismo causado pelo estar no palco atrapalha sua
performance como cantores, interferindo na técnica vocal e na interpretação, que muitas vezes
não sai a contento. Apesar disso, há um consenso no sentido de que a boa realização vocal
deve estar acima da presença de palco.
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O aprofundamento do estudo técnico e interpretativo é, sem dúvida, o objetivo maior
da retomada dos estudos após o show e, sem a pressão de ter um show (que inclui todos os
preparativos para que ele aconteça) logo adiante, esse estudo é feito de forma mais cautelosa,
menos afobada.

Conclusões

Em geral, os alunos conseguiram desenvolver seus trabalhos ao longo do semestre de


maneira satisfatória. Porém, ficou claro que a maioria deles sente falta da presença mais
constante da professora para enriquecer discussões e sanar dúvidas a respeito dos conteúdos
trabalhados em aula.
O menor contado da docente com os discentes foi colocado também pela Regina como
um ponto negativo do segundo semestre de 2011, pelos mesmos aspectos colocados pelos
alunos, e por acompanhar a maior distância o desenvolvimento dos estudos de cada um.
Com relação à independência que os discentes poderiam/deveriam ter com os estudos,
tivemos clara a posição da professora, que em sua entrevista apontou que espera que cada um
seja responsável pelo seu desenvolvimento, porém, sabe que talvez essa expectativa não seja
sempre cumprida ou, se for, existe a possibilidade de que seja parcialmente.
Observando as entrevistas dos alunos, nota-se que houve um desenvolvimento, se
compararmos as turmas entre si, sob esse aspecto, visto que o terceiro ano manteve certa
rotina de estudos coletivos, fato que não aconteceu nos anos anteriores, talvez por conta de
um menor amadurecimento sobre suas responsabilidades como estudantes universitários.
Comparando o segundo semestre de 2011 com semestres anteriores, podemos observar
duas posturas diferentes vindas dos discentes.
A primeira foi um estudo individual direcionado para as avaliações do final do
semestre, um pouco truncado e com pouca ligação com o repertório estudado nas aulas de
canto. Essa postura fez com que, em alguns casos, a atenção dos alunos fosse desviada do
estudo dos textos e das audições para a preparação dos shows, quando na verdade um deveria
servir de suporte para o outro.
A segunda foi a procura um estudo mais dinâmico, buscando a interação com os
colegas de turma, no caso do terceiro ano, e a ligação entre o estudo proposto pela professora
e a preparação do repertório e das apresentações como um todo.
Quando existe a rotina de aulas semanais os alunos se sentem (segundo palavras de

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um dos entrevistados) obrigados a responder às exigências advindas das aulas, o que faz com
que o estudo seja mais compromissado, porém nem sempre esclarecido quanto à sua utilidade
na formação de cantores.
É importante que os alunos tenham clara a interação entre o estudo mais teórico (as
leituras dos textos e a escuta de canções de determinados períodos temáticos) e o estudo
prático (das músicas dos shows). Para realmente se aprofundar no trabalho com o repertório, o
estudante tem que entender o contexto em que cada um desses estilos aconteceu, quem eram
seus criadores e intérpretes, e qual a real intenção daquela produção musical e cultural.
Infelizmente, essa compreensão mais completa não é possível somente através do estudo
prático, e como universitários, os discentes em questão devem entender esse fato.
O modelo de aulas com as três disciplinas já citadas – canto, história e estética – é
sem dúvida muito eficaz para suprir as necessidades de um futuro intérprete em música
popular brasileira, e através desse estudo pode-se ver a dificuldade que os alunos têm em
estudar sozinhos todo o conteúdo proposto.
Apesar disso, fica claro que existe um amadurecimento com relação ao compromisso
que cada um tem com seu estudo, e à importância que esse estudo tem para seu objetivo final,
o cantar.

Referências
MACHADO, Regina. A voz na canção popular brasileira: um estudo sobre a Vanguarda
Paulista. (Dissertação de Mestrado). Campinas, SP: Instituto de Artes/Unicamp, 2007.

QUEIROZ, Alexei A. Canto popular; pensamentos e procedimentos de ensino na Unicamp.


(Dissertação de Mestrado). Campinas, SP: Instituto de Artes/Unicamp, 2009.

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