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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Matemática
Programa de Pós-Graduação em Matemática
Disciplina: Álgebra Linear
Docente: Prof. Dr. Ricardo Rosa

Sobre a Cardinalidade de Bases de


Hamel de Espaços de Banach
Luan Lima Freitas

Rio de Janeiro, Brasil


Dezembro, 2023
1 Bases de Hamel
O conceito de base de Hamel de um espaço vetorial é uma generalização
natural do conceito de base de um espaço vetorial, estudado no caso de espaços
vetoriais de dimensão finita1 , para espaços vetoriais de dimensão arbitrária.

Definição 1.1 (Base de Hamel). Seja X um espaço vetorial sobre um corpo


K. Um subconjunto β de X é dito uma base de Hamel de X se é linearmente
independente e gera X, ou seja, se satisfaz as duas seguintes propriedades:

(1) Para todo subconjunto finito {w1 , . . . , wn } de β, dados x1 , . . . , xn ∈ K,

x1 w1 + · · · + xn wn = 0 ⇒ x1 = · · · = xn = 0.

(2) Para todo u ∈ X, existem n ∈ N, w1 , . . . , wn ∈ β e x1 , . . . , xn ∈ K tais


que
u = x1 w1 + · · · + xn wn .

É evidente que as definições de base e base de Hamel coincidem para


espaços vetoriais de dimensão finita.
É possível demonstrar, assumindo o Lema de Zorn (ou, equivalentemente,
o Axioma da Escolha), que todo espaço vetorial possui uma base de Hamel.
De maneira geral, o interesse por trás de se obter bases (lato sensu) de
espaços vetoriais consiste em reduzir o estudo destes espaços e dos objetos
a eles associados ao estudo de bases convenientes e das expressões de tais
objetos nas mesmas. Podemos, por exemplo, determinar completamente uma
transformação linear T : X → Y pela representação em uma base de Hamel
βY de Y da ação de T sobre os elementos de uma base de Hamel βX de
X. Nesse sentido, é desejável que a cardinalidade das bases dos espaços de
interesse seja tratável, i.e., finita ou - na pior das hipóteses - enumerável.
Veremos, porém, que existem condições perfeitamente naturais nas quais
espaços vetoriais possuem apenas bases de Hamel não-enumeráveis. Isto será
o caso para espaços de Banach de dimensão infinita.
1
Mais precisamente, dizemos que um espaço vetorial X possui dimensão finita n =
dim(X) ∈ N quando X possui uma base {w1 , . . . , wn }.

1
2 Espaços de Banach
Nesta seção, introduziremos o conceito de espaço de Banach, demonstraremos
que todo espaço vetorial normado de dimensão finita é um espaço de Banach
e apresentaremos alguns exemplos de espaços vetoriais normados de dimensão
infinita completos e incompletos.

Definição 2.1 (Espaço de Banach). Um espaço vetorial normado (X, ∥ · ∥)


é dito um espaço de Banach se X é completo em relação à métrica induzida
pela norma ∥ · ∥.

2.1 Espaços normados de dimensão finita


A completude dos espaços vetoriais normados de dimensão finita tem por
fundamento a completude de R.

Proposição 2.1. R é completo em relação à métrica dada por d(x, y) =


|x − y|.

Demonstração. A completude de R é estabelecida de maneira praticamente


axiomática. De fato, ela é consequência do Axioma da Cota Superior Mí-
nima, segundo o qual existe um corpo ordenado, que identificamos como R,
satisfazendo a propriedade:

(P) Todo subconjunto limitado superiormente e não vazio de R possui uma


cota superior mínima.2

Este axioma é equivalente a diversas outras proposições da análise real, dentre


as quais o Teorema da Convergência Monótona, o Teorema de Bolzanno-
Weierstrass e o Teorema do Valor Intermediário. A título de esboçar uma
demonstração da completude de R, vamos assumir que valha o Teorema de
Bolzanno-Weierstrass. Seja (xn ) uma sequência de Cauchy em R. Então
2
É possível demonstrar que o corpo ordenado satisfazendo (P) é único a menos de um
isomorfismo.

2
existe N tal que n, m > N ⇒ |xn − xm | < 1, de modo que

{xn : n ∈ N} = {x1 , . . . , xN } ∪ {xn : n ∈ N, n > N }


⊂ {x1 , . . . , xN } ∪ (xN +1 − 1, xN +1 + 1),

donde segue que (xn ) é limitada. Assim, pelo Teorema de Bolzanno-Weierstrass,


(xn ) possui uma subsequência convergente (xnk ). Seja x = lim xnk . Dado
ε > 0 arbitrário, como (xn ) é de Cauchy, existe Nε tal que n, m > Nε ⇒
|xn − xm | < ε/2. Por outro lado, como lim xnk = x, existe nk > Nε tal que
|x − xnk | < ε/2. Então

n > Nε ⇒ |x − xn | ≤ |x − xnk | + |xnk − xn | < ε,

donde segue que lim xn = x, portanto (xn ) é convergente, o que conclui a


demonstração de que R é completo.

Observação 2.1. Podemos enxergar R como espaço vetorial real munido da


norma | · |. Assim, pela Proposição 2.1, (R, | · |) constitui o nosso primeiro
exemplo de espaço de Banach.
A completude de Rn pode ser prontamente deduzida do fato de que o pro-
duto de um número finito de espaços métricos completos é um espaço métrico
completo (LIMA, p.166). Alternativamente, podemos dar uma demonstração
direta desta proposição central para o nosso texto.

Proposição 2.2. O espaço vetorial real normado (Rn , ∥ · ∥2 ), com ∥ · ∥2


dada por q
∥(x1 , . . . , xn )∥2 = x21 + · · · + x2n ,

é um espaço de Banach.

Demonstração. Seja (xk ) = ((x1k , . . . , xnk )) uma sequência de Cauchy em


Rn . Dado ε > 0 arbitrário, como (xk ) é de Cauchy, existe Kε tal que
k, j > Kε ⇒ ∥xk − xj ∥2 < ε. Então, para todo 1 ≤ m ≤ n,
q
|xmk − xmj | ≤ (x1k − x1j )2 + · · · + (xnk − xnj )2 = ∥xk − xj ∥2 < ε

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para todos k, j > Kε . Assim, para todo 1 ≤ m ≤ n, a sequência (xmk )k é de
Cauchy em R, que é completo, portanto existe xm = lim xmk .
Seja x = (x1 , . . . , xn ). Vamos provar que lim xk = x. Dado ε > 0
(m)
arbitrário, para cada 1 ≤ m ≤ n existe Kε tal que |xmk − xm | < ε/n para
(m)
todo k > Kε . Seja

Kε = max{Kε(1) , . . . , Kε(n) }.

Então k > Kε implica


p
∥xk − x∥2 = (x1k − x1 )2 + · · · + (xnk − xn )2
≤ n · max{|x1k − x1 |, . . . , |xnk − xn |}
< ε,

donde segue que lim xk = x, i.e., (xk ) é convergente, o que conclui a demons-
tração de que (Rn , ∥ · ∥2 ) é um espaço de Banach.

Corolário 2.1. C é completo em relação à métrica dada por dC (z, w) =


|z − w|C , onde
p
|z|C = Re(z)2 + Im(z)2 .

Demonstração. Seja d a métrica de R2 induzida pela norma ∥ · ∥2 . Pela


Proposição 2.2, (R2 , d) é completo. É fácil ver que a função ϕ : (R2 , d) →
(C, dC ) dada por ϕ(x, y) = x+iy é uma isometria, portanto (C, dC ) é completo.

Observação 2.2. Podemos enxergar C como espaço vetorial real ou complexo


munido da norma | · |C . Assim, pelo Corolário 2.1, (C, | · |C ) é um espaço de
Banach.
No restante do texto, utilizaremos a notação | · | para nos referirmos
indiscriminadamente às funções valor absoluto | · | de R e | · |C de C. O
Corolário 2.1 naturalmente tem por consequência que Cn é completo.

Proposição 2.3. O espaço vetorial complexo normado (Cn , ∥ · ∥2,C ), com

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∥ · ∥2,C dada por
p
∥(z1 , . . . , zn )∥2,C = |z1 |2 + · · · + |zn |2 ,

é um espaço de Banach.

Demonstração. Procede-se exatamente como na demonstração da Proposição


2.2, levando em consideração que C é completo.

Observação 2.3. Alternativamente, poderíamos demonstrar a Proposição


2.3 apenas observando que a função ϕ : (R2n , ∥ · ∥2 ) → (Cn , ∥ · ∥2,C ) dada por

ϕ(x1 , y1 , . . . , xn , yn ) = (x1 + iy1 , . . . , xn + iyn )

é uma isometria e utilizando o fato de que (R2n , ∥ · ∥2 ) é um espaço de Banach


para concluir que (Cn , ∥ · ∥2,C ) é um espaço de Banach.
No restante do texto, utilizaremos a notação ∥ · ∥2 para nos referirmos
indiscriminadamente às normas ∥ · ∥2 de Rn e ∥ · ∥2,C de Cn e assumiremos
tacitamente que seja sempre K = R ou K = C e que, em ambos os casos, o
espaço vetorial Kn esteja definido sobre o corpo K. A seguir, vamos relembrar
alguns fatos úteis sobre espaços métricos compactos.

Proposição 2.4. Seja N um espaço métrico completo e M um subconjunto


de N . Se M é fechado, M é completo.

Demonstração. Seja M um subconjunto fechado do espaço métrico completo


N e seja (xn ) uma sequência de Cauchy em M . Como N é completo, existe
lim xn = x ∈ N . Mas M é fechado, logo x ∈ M , o que conclui a demonstração
de que M é completo.

Corolário 2.2. Todo subconjunto fechado de (Kn , ∥ · ∥2 ) é completo.

Demonstração. Segue imediatamente das Proposições 2.2, 2.3 e 2.4.

A demonstração da próxima Proposição foge ao escopo do nosso texto. O


leitor curioso poderá se referir a (LIMA, p.219).

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Proposição 2.5. Seja M um espaço métrico. Se M é completo e totalmente
limitado, M é compacto.

Corolário 2.3. Seja X um subconjunto de (Kn , ∥ · ∥2 ). Se X é fechado e


limitado, X é compacto.

Demonstração. Pelo Corolário 2.2, X fechado ⇒ X completo. Além disso,


X limitado ⇒ X totalmente limitado (LIMA, p.219). Assim, pela Proposição
2.5, X fechado e limitado ⇒ X compacto.

Observação 2.4. O Corolário 2.3 corresponde por alto a metade do Teorema


de Heine-Borel. A outra metade (X compacto ⇒ X fechado e limitado) não
nos interessará neste trabalho.

Corolário 2.4. A esfera unitária

S n−1 = {x ∈ Kn : ∥x∥2 = 1} ⊂ (Kn , ∥ · ∥2 )

é compacta.

Demonstração. Com efeito, S n−1 é a pré-imagem do conjunto fechado {1}


pela função contínua x 7→ ∥x∥2 , logo S n−1 é fechada. Além disso, S n−1 é
obviamente limitada. Assim, pelo Corolário 2.3, S n−1 é compacta.

Dizemos que duas normas ∥ · ∥A e ∥ · ∥B em um espaço vetorial X são


equivalentes quando existem c > 0 e C > 0 tais que

c · ∥x∥A ≤ ∥x∥B ≤ C · ∥x∥A

para todo x ∈ X. A equivalência entre normas é, obviamente, uma relação


de equivalência. A discussão precedente sobre espaços métricos compactos
serviu para preparar o terreno para o resultado a seguir, que será uma peça
chave na demonstração de que todo espaço vetorial normado de dimensão
finita é um espaço de Banach.

Proposição 2.6. Todas as normas em Kn são equivalentes.

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Demonstração. Como a equivalência entre normas é uma relação de equi-
valência, será suficiente demonstrar que toda norma em Kn é equivalente à
norma ∥ · ∥2 . Seja ∥ · ∥∗ uma norma qualquer em Kn . Primeiramente, vamos
encontrar C > 0 tal que ∥x∥∗ ≤ C · ∥x∥2 para todo x ∈ X. Seja {e1 , . . . , en }
a base canônica de Kn . Para todo x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Kn , temos que

∥x∥∗ = ∥x1 e1 + · · · + xn en ∥∗
≤ |x1 | · ∥e1 ∥∗ + . . . |xn | · ∥en ∥∗
p p
≤ |x1 |2 + · · · + |xn |2 · ∥e1 ∥2∗ + · · · + ∥en ∥2∗ ,

onde da segunda para a terceira linha fizemos uso da desigualdade de Cauchy-


Schwarz para o produto escalar em Rn . Assim, tomando
p
C= ∥e1 ∥2∗ + · · · + ∥en ∥2∗ > 0,

temos que ∥x∥∗ ≤ C · ∥x∥2 para todo x ∈ Kn .


Agora, vamos encontrar c > 0 tal que c · ∥x∥2 ≤ ∥x∥∗ para todo x ∈ Kn .
Seja S n−1 a esfera unitária em (Kn , ∥ · ∥2 ). Defina a função f : (S n−1 , ∥ · ∥2 ) →
R≥0 por f (x) = ∥x∥∗ . Dados x, y ∈ S n−1 quaisquer, temos que

|f (x) − f (y)| = |∥x∥∗ − ∥y∥∗ |


≤ ∥x − y∥∗
≤ C · ∥x − y∥2 ,

logo f é Lipschitz, portanto é contínua. Em particular, como S n−1 é compacta


(pelo Corolário 2.4), segue do Teorema de Weierstrass que existe

c = min{f (x) : x ∈ S n−1 }.

É evidente que c > 0. De fato, se fosse c = 0, haveria x ∈ S n−1 tal que


0 = f (x) = ∥x∥∗ , donde seguiria que x = 0, contradizendo x ∈ S n−1 .
Afirmamos que c satisfaz à propriedade desejada. A verificação deste fato é
imediata para x = 0. Seja, portanto, x ̸= 0. Então ∥x∥2 ̸= 0. Temos que

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x/∥x∥2 ∈ S n−1 , logo

c ≤ f (x/∥x∥2 ) = ∥x∥∗ /∥x∥2 ,

portanto c · ∥x∥2 ≤ ∥x∥∗ . Como ∥ · ∥∗ foi tomada arbitrariamente, isto conclui


a demonstração de que qualquer norma em Kn é equivalente à norma ∥ · ∥2 ,
donde segue que todas as normas em Kn são equivalentes.
Proposição 2.7. Seja X um espaço vetorial sobre K. Se X possui dimensão
finita, todas as normas em X são equivalentes.
Demonstração. Seja n = dim(X) ∈ N e sejam ∥ · ∥A e ∥ · ∥B duas normas
quaisquer em X. Como dim(X) = n, X possui uma base β = {w1 , . . . , wn }.
Defina a função ϕ : Kn → X por

ϕ(x1 , . . . , xn ) = x1 w1 + · · · + xn wn

e as funções fA , fB : K n → R por fA (x) = ∥ϕ(x)∥A e fB (x) = ∥ϕ(x)∥B .


Afirmamos que fA e fB são normas em Kn . De fato, fA satisfaz às seguintes
propriedades para todos x, y ∈ Kn e t ∈ K:
(P1) fA (x) = ∥ϕ(x)∥A ≥ 0.

(P2) fA (0) = ∥ϕ(0)∥A = ∥0∥A = 0. Além disso, fA (x) = 0 ⇒ ∥ϕ(x)∥A = 0 ⇒


⇒ ϕ(x) = 0 ⇒ x = 0.

(P3) fA (t · x) = ∥ϕ(t · x)∥A = ∥t · ϕ(x)∥A = |t| · ∥ϕ(x)∥A = |t| · fA (x).

(P4) fA (x + y) = ∥ϕ(x + y)∥A = ∥ϕ(x) + ϕ(y)∥A ≤ ∥ϕ(x)∥A + ∥ϕ(y)∥A =


= fA (x) + fA (y),
Desta forma, fA e, por analogia, fB , são normas em Kn . Assim, pela Proposi-
ção 2.6, existem c > 0 e C > 0 tais que

c · fA (x) ≤ fB (x) ≤ C · fA (x)

para todo x ∈ Kn . Deste modo, para todo u ∈ X, temos que

c · fA ([u]β ) ≤ fB ([u]β ) ≤ C · fA ([u]β ),

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i.e.,
c · ∥u∥A ≤ ∥u∥B ≤ C · ∥u∥A ,

portanto ∥ · ∥A e ∥ · ∥B são equivalentes.

Proposição 2.8. Seja (X, ∥ · ∥) um espaço vetorial normado sobre K. Se


X possui dimensão finita, X é um espaço de Banach.

Demonstração. Sejam n = dim(X) ∈ N, β = {w1 , . . . , wn } uma base de X e


β ′ = {f1 , . . . , fn } a base dual de β. Defina a norma ∥ · ∥β em X por

∥u∥β = max{|⟨f1 , u⟩|, . . . , |⟨fn , u⟩|}.

Pela Proposição 2.7, existe c > 0 tal que c · ∥u∥β ≤ ∥u∥ para todo u ∈ X.
Daí segue que c · |⟨fm , u⟩| ≤ ∥u∥ para todo u ∈ X para todo 1 ≤ m ≤ n.
Seja (uk ) uma sequência de Cauchy em X. Para cada k ∈ N, existem
x1k , . . . , xnk tais que

uk = x1k w1 + · · · + xnk wn .

Dado ε > 0 arbitrário, como (uk ) é de Cauchy, existe Kε tal que k, j > Kε ⇒
∥uk − uj ∥ < cε. Então, para todo 1 ≤ m ≤ n,

cε > ∥uk − uj ∥ ≥ c · ∥uk − uj ∥β ≥ c · |⟨fm , uk − uj ⟩| = c · |xmk − xmj |,

i.e., |xmk − xmj | < ε, para todos k, j > Kε . Assim, para cada 1 ≤ m ≤ n, a
sequência (xmk )k é uma sequência de Cauchy em K, portanto existe xm =
lim xmk .
Seja
u = x1 w 1 + · · · + xn w n .

Vamos provar que lim uk = u. Dado ε > 0 arbitrário, para cada 1 ≤ m ≤ n


(m) (m)
existe Kε tal que |xmk − xm | < ε/(n∥wm ∥) para todo k > Kε . Seja

Kε = max{Kε(1) , . . . , Kε(n) }.

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Então k > Kε implica

∥uk − u∥ = ∥(x1k − x1 )wk + · · · + (xnk − xn )wn ∥


≤ |x1k − x1 | · ∥wk ∥ + · · · + |xnk − xn | · ∥wn ∥
< ε,

donde segue que lim uk = u, i.e., (uk ) é convergente, o que conclui a demons-
tração de que (X, ∥ · ∥) é um espaço de Banach.

Concluímos esta seção com a seguinte Proposição, cujo Corolário será


fundamental para o resultado final do texto.

Proposição 2.9. Seja N um espaço métrico e M um subconjunto de N .


Se M é completo, M é fechado

Demonstração. Seja M um subconjunto completo do espaço métrico N . Seja


(xn ) uma sequência em M convergindo para x ∈ N . Dado ε > 0 arbitrário,
existe Nε tal que n > Nε ⇒ d(xn , x) < ε/2, de modo que

n, m > Nε ⇒ d(xn , xm ) ≤ d(xn , x) + d(x, xm ) < ε,

logo (xn ) é de Cauchy. Como M é completo, existe lim xn = y ∈ M . Pela


unicidade do limite, x = y, portanto x ∈ M , o que conclui a demonstração
de que M é fechado.

Corolário 2.5. Seja (X, ∥·∥) um espaço vetorial normado. Todo subespaço
vetorial de X de dimensão finita é fechado.

Demonstração. Segue imediatamente das Proposições 2.8 e 2.9.

2.2 Espaços normados de dimensão infinita


Vamos estudar alguns exemplos de espaços vetoriais normados de dimensão
infinita para motivar a teoria subsequente.

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Exemplo 2.1. Seja (M, d) um espaço métrico. O espaço B(M ) das funções
f : M → R limitadas, munido da norma ∥ · ∥∞ dada por

∥f ∥∞ = sup{|f (x)| : x ∈ M }

é um espaço vetorial real normado. Vejamos que B(M ) é um espaço de Banach.


Seja (fn ) uma sequência de Cauchy em B(M ). Dado ε > 0 arbitrário, como
(fn ) é de Cauchy, existe Nε tal que

n, m > Nε ⇒ ∥fn − fm ∥∞ < ε.

Assim, para todo x ∈ M ,

n, m > Nε ⇒ |fn (x) − fm (x)| ≤ ∥fn − fm ∥∞ < ε,

logo (fn (x)) é Cauchy em R, portanto existe lim fn (x) = f (x). Além disso,

∥fn − fm ∥∞ < ε ∀n, m > Nε ⇒ ∥fn − f ∥∞ ≤ ε ∀n > Nε ,

logo lim fn = f . Enfim, como (fn ) é de Cauchy, existe N tal que

∥fn − fN ∥∞ < 1 ∀n ≥ N,

logo
∥f − fN ∥∞ ≤ 1,

e como fN é limitada, f é limitada, i.e., lim fn = f ∈ B(M ), o que conclui a


demonstração de que B(M ) é um espaço de Banach. Em particular, o espaço
vetorial real
ℓ∞ = {(xn ) : supn |xn | < ∞}

munido da norma ∥ · ∥∞ dada por

∥(xn )∥∞ = supn |xn |

é um espaço de Banach.

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O subespaço C0 (M ) de B(M ) composto pelas funções f : M → R contí-
nuas e limitadas também é um espaço de Banach. Com efeito, a convergência
na norma de B(M ) é a convergência uniforme, i.e,

u
lim fn = f ⇐⇒ fn →
− f.

Assim, se (fn ) é uma sequência convergente de funções em C0 (M ), como o


limite uniforme de funções contínuas e limitadas é uma função contínua e
limitada, lim fn = f ∈ C0 (M ). Deste modo, C0 (M ) é fechado em B(M ), e a
Proposição 2.4 garante que C0 (M ) é um espaço de Banach.
Mais interessante, porém, será demonstrar que se M é infinito, C0 (M )
possui dimensão infinita. Para isso, vamos exibir, para cada n ∈ N, um
conjunto LI {f1 , . . . , fn } ⊂ C0 (M ). Seja n ∈ N. Como M é infinito, existem
n pontos distintos x1 , . . . , xn ∈ M . Para cada 1 ≤ m ≤ n, existe rm > 0 tal
que
B(xm ; rm ) ∩ {xk : 1 ≤ k ≤ n, k ̸= m} = ∅.

Tome r = min{r1 , . . . , rm }. Para cada 1 ≤ m ≤ n, defina a função fm por

fm (x) = max{0, 1 − d(xm , x)/r}.

Como o máximo de funções contínuas é uma função contínua e 0 ≤ |fm (x)| ≤ 1


para todo x ∈ M para todo 1 ≤ m ≤ n, {f1 , . . . , fm } ⊂ C0 (M ). Afirmamos
que {f1 , . . . , fn } é LI. De fato, sejam λ1 , . . . , λn tais que

λ1 f1 + · · · + λn fn = 0.

Então
0 = (λ1 f1 + · · · + λn fn )(xm ) = λm

para todo 1 ≤ m ≤ n, portanto {f1 , . . . , fn } é LI. Isto conclui a demonstração


de que C0 (M ) possui dimensão infinita. Em particular, como C0 (M ) é um
subespaço de B(M ), B(M ) possui dimensão infinita.

Exemplo 2.2. O subespaço c00 de ℓ∞ composto pelas sequências que even-

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tualmente se anulam não é um espaço de Banach. Com efeito,

lim ((1, 1/2, 1/3, . . . , 1/n, 0, 0, . . . ))n = (1, 1/2, 1/3, . . . ) ∈


/ c00 ,
n→∞

logo c00 não é fechado, portanto (pela Proposição 2.9) não é completo, i.e.,
não é um espaço de Banach. De forma semelhante, o subespaço P([0, 1])
de C ([0, 1]; R) composto pelos polinômios p : [0, 1] → R não é um espaço de
Banach. De fato,

x2 xn
 
lim 1+x+ + ··· + / P([0, 1]),
= ex ∈
n→∞ 2! n!

logo P([0, 1]) não é fechado, etc.


Temos que c00 e P([0, 1]) possuem bases de Hamel β = {(δnk )k : n ∈ N} e
β = {xn : n ∈ N}, respectivamente, com |β| = |β ′ | = ℵ0 . Conforme veremos,

isto é suficiente para provar que c00 e P([0, 1]) não são espaços de Banach,
sem que seja necessário calcular rigorosamente os limites exibidos acima.

3 O Teorema de Baire
O Teorema da Categoria de Baire, de natureza topológica, é uma peça central
no estudo de espaços de Banach, sendo utilizado para demonstrar diversos
teoremas importantes da análise funcional, como o Teorema da Limitação
Uniforme, o Teorema do Mapeamento Aberto e o Teorema do Gráfico Fechado
(KREYSIG, p.246). Apesar disso, sua demonstração é bastante elementar e
pode ser efetuada sem recurso a resultados prévios sobre espaços métricos.

Proposição 3.1 (Teorema da Categoria de Baire). Seja M um espaço


métrico não-vazio. Se M é completo, M não pode ser expresso como a união
enumerável de conjuntos fechados de interior vazio.

Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que existam conjuntos F1 , F2 , F3 . . .


fechados e de interior vazio tais que

[
M= Fk .
k=1

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Vamos construir recursivamente uma sequência de Cauchy (xn ) em M tal que
lim xn ∈
/ Fk para todo k ∈ N, obtendo assim uma contradição.
Como M é não-vazio, existe x0 ∈ M . Tome r0 = 1.
Para cada n ∈ N, dados xn−1 ∈ M e rn−1 ∈ R>0 , obtemos xn e rn da
seguinte forma: Seja B = B(xn−1 ; rn−1 ). Como Fn possui interior vazio,
B ̸⊂ Fn , de modo que existe xn ∈ B ∩ FnC . Além disso, como Fn é fechado,
FnC é aberto, portanto B ∩ FnC é aberto. Assim, existe 0 < rn < 1/n tal que

B(xn ; rn ) ⊂ B ∩ FnC ,

donde segue que B(xn ; rn ) ⊂ B(xn−1 ; rn−1 ) e B(xn ; rn ) ∩ Fn = ∅.


Pela construção acima, obtemos (xn ) ∈ M N e (rn ) ∈ (R>0 )N tais que
rn < 1/n, B(xn ; rn ) ⊂ B(xn−1 ; rn−1 ) e B(xn ; rn ) ∩ Fn = ∅ para todo n ∈ N.
Afirmamos que (xn ) é uma sequência de Cauchy. De fato, dado ε > 0
arbitrário, existe N ∈ N tal que 1/N < ε/2. Como {xn : n > N } ⊂ B(xN ; rN ),
vale que
n, m > N ⇒ d(xn , xm ) < 2rN < 2/N < ε,

donde segue que (xn ) é de Cauchy. Assim, como M é completo, existe


x = lim xn . Vejamos que x ∈
/ Fk para todo k ∈ N. Seja k ∈ N qualquer. Para
todo n ≥ k, segue de xn ∈ B(xk ; rk ) que

d(x, xk ) ≤ d(x, xn ) + d(xn , xk ) < d(x, xn ) + rk .

Como lim d(x, xn ) = 0, temos que d(x, xk ) ≤ rk , logo x ∈ B(xk ; rk ). Mas


B(xk ; rk ) ∩ Fk = ∅, portanto x ∈
/ Fk . Como k foi tomado arbitrariamente,
temos que

[
x∈/ Fk = M,
k=1

o que contradiz x ∈ M .

O resultado final do texto será uma consequência direta do Teorema de


Baire, em função do enunciado apresentado a seguir a respeito dos subespaços
próprios de dimensão finita de um espaço vetorial normado.

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Proposição 3.2. Seja (X, ∥ · ∥) um espaço vetorial normado sobre K e
Y um subespaço próprio de X. Se Y possui dimensão finita, Y é fechado e
possui interior vazio.

Demonstração. Seja Y um subespaço próprio de dimensão finita de X. Pelo


Corolário 2.5, Y é fechado. Resta provar que Y possui interior vazio. Seja
u ∈ Y qualquer. Como Y é um subespaço próprio de X, existe v ∈ X \ Y . É
claro que u + δv ∈
/ Y para todo δ ∈ K \ {0}. Com efeito, se fosse u + δv ∈ Y ,
teríamos
1 1
v = (u + δv) − u ∈ Y,
δ δ
contradizendo v ∈ X \ Y . Dado ε > 0 arbitrário, tome δ = ε/(2∥v∥). Então

∥u − (u + δv)∥ = |δ| · ∥v∥ < ε,

de modo que u + δv ∈ B(u; ε). Assim, B(u; ε) ̸⊂ Y para todo ε > 0, logo
u∈/ int(Y ). Como u foi tomado arbitrariamente, u ∈
/ int(Y ) para todo u ∈ Y ,
portanto int(Y ) = ∅.

Podemos, enfim, juntar todas as peças para demonstrar a última Proposi-


ção.

Proposição 3.3. Seja (X, ∥ · ∥) um espaço de Banach sobre K. Se X possui


dimensão infinita, toda base de Hamel de X é não-enumerável.

Demonstração. Seja (X, ∥·∥) um espaço de Banach de dimensão infinita sobre


K. Então toda base de Hamel de X é infinita. Suponhamos, por absurdo,
que X possui uma base de Hamel enumerável β = {wn : n ∈ N}. Para cada
n ∈ N, defina
Yn = span({w1 , . . . , wn }).

Afirmamos que

[
X= Yn . (∗)
n=1

A inclusão ∪∞ ∞
n=1 Yn ⊂ X é trivial. Resta provar que X ⊂ ∪n=1 Yn . Seja u ∈ X
qualquer. Como β é uma base de Hamel de X, existem k ∈ N, n1 , . . . , nk ∈ N

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e x1 , . . . , xk ∈ K tais que

u = x1 wn1 + · · · + xk wnk .

Seja N = max({n1 , . . . , nk }) ∈ N. Então



[
u = x1 wn1 + · · · + xk wnk ∈ YN ⊂ Yn .
n=1

Como u foi tomado arbitrariamente, temos que X ⊂ ∪∞ n=1 Yn . Isto conclui a


demonstração de (∗).
Como X possui dimensão infinita, Yn é um subespaço próprio de dimensão
finita n = dim(Yn ) ∈ N de X para todo n ∈ N. Assim, pela Proposição 3.2,
Yn é fechado e possui interior vazio para todo n ∈ N. Mas o Teorema de Baire
nos diz que X não pode ser expresso como a união enumerável de conjuntos
fechados de interior vazio, contradizendo (∗). Deste modo, X não possui base
de Hamel enumerável, i.e., toda base de Hamel de X é não-enumerável.

Corolário 3.1. Seja M um espaço métrico. Se M é infinito, toda base de


Hamel dos espaços B(M ) e C0 (M ) é não-enumerável. Em particular, toda
base de Hamel de ℓ∞ é não-enumerável.

Corolário 3.2. Os espaços c00 e P([0, 1]) não são espaços de Banach.

Demonstração. Segue imediatamente do fato de que c00 e P([0, 1]) possuem


as bases de Hamel enumeráveis β = {(δnk )k : n ∈ N} e β ′ = {xn : n ∈ N},
respectivamente, conforme discutido no Exemplo 2.2.

4 Referências
KREYSIG, Erwin. Introductory Functional Analysis with Applicati-
ons. Wiley Classics Library. Nova York: John Wiley & Sons, 1989.
LIMA, Elon Lages. Espaços Métricos. 6a ed. Rio de Janeiro: Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, 2020.

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