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Tullo Vigevani; Gabriel Cepaluni, "A Política Externa de Lula da Silva: a

Estratégia da Autonomia pela Diversificação" Vigevani_C


terça-feira, 7 de novembro de 2023 15:12 epaluni-L...

Introdução
• A política externa do presidente Lula em seu primeiro governo (2002-2006) reflete as posições tradicionais do Partido dos Trabalhadores (PT) desde sua formação nos anos 1970.
○ Lula, em seu discurso de posse como presidente, enfatizou a necessidade de mudança em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso, destacando a importância da esperança e da
mudança na sociedade brasileira.
• Um dos principais aspectos da política externa de Lula foi a ênfase nas negociações comerciais internacionais e na busca por coordenação política com países em desenvolvimento e emergentes,
como a Índia, África do Sul, China e Rússia.
○ Com a Índia e a África do Sul, o governo brasileiro estabeleceu relações estratégicas por meio do IBAS (Índia, Brasil, África do Sul) ou G-3.
○ Com a Rússia e a China, o objetivo foi ampliar os intercâmbios comerciais, tecnológicos e militares.
▪ A relação com a China gerou algumas críticas, especialmente de setores afetados pela concorrência considerada desleal. Embora a China tenha se tornado um importante parceiro
comercial do Brasil, o crescimento das importações superou o das exportações, o que levantou preocupações. A China não apoiou a reivindicação do Brasil por uma vaga no Conselho
de Segurança das Nações Unidas, devido às relações da China com o Japão, e não se tornou parceira nas negociações não-agrícolas da Rodada Doha da OMC.
▪ Com a Rússia, buscou apoio para a entrada do país na OMC. Esse acordo estava relacionado à manutenção do acesso das carnes brasileiras ao mercado russo e demonstra como a
política externa é influenciada por fatores econômicos e estratégicos.
• Embora tenham ocorrido mudanças de ênfase e novas opções na política externa brasileira, não houve uma ruptura significativa com os paradigmas históricos. Tanto os governos de FHC quanto o
de Lula buscaram desenvolver economicamente o país, preservando uma certa autonomia política.
○ A questão da autonomia política foi central no debate sobre a política externa brasileira ao longo da história, com diferente s abordagens, como a busca de amizade com os Estados Unidos e
uma estratégia de 'autonomia pela participação'.
○ Os governos de FHC e Lula são representantes de tradições diplomáticas brasileiras distintas, com diferenças nas ações, prefe rências e crenças, mas com o objetivo comum de desenvolver
economicamente o país e preservar certa autonomia política.
• Sobre o artigo:
○ O objetivo é analisar se houve mudanças significativas na política externa brasileira sob a presidência de Lula, examinando a extensão e o conteúdo dessas mudanças.
○ Adota uma abordagem metodológica construtivista, considerando o peso das ideias na formulação da política externa e como as interpretações e ideologias dos lí deres, como Lula,
influenciam as percepções sobre os constrangimentos e as possibilidades da ordem internacional.
○ Os materiais da pesquisa se concentraram em documentos, discursos, trabalhos acadêmicos e matérias jornalísticas relacionadas à política e xterna brasileira, a fim de avaliar a hipótese de
mudanças substantivas na política externa sob a administração de Lula.

Modelo de Hermann para o Entendimento das Mudanças da Política Externa


• O modelo analítico de Charles Hermann foi utilizado como método para entender as mudanças na política externa do Brasil nos anos desde a redemocratização até o governo Lula.
○ O continuum de mudanças na política externa varia desde pequenos ajustes até alterações fundamentais no comportamento internacional do pa ís.
• Quatro fatores de Hermann que desencadeiam mudanças na política externa:
○ Líderes: este fator se concentra na influência da liderança política, em particular do Chefe de Governo, como o presidente de um paí s. Hermann argumenta que os líderes desempenham um
papel crucial na formulação e mudança da política externa.
▪ Para que uma mudança ocorra, o líder precisa ter algumas características essenciais, como convicção, poder e energia. A convicção se refere à crença do líder de que a política externa
atual precisa ser alterada de alguma forma. O poder se relaciona com a capacidade do líder de tomar decisões e implementar mudanças na política externa. A energia refere-se à
determinação e ao compromisso do líder em direcionar a política externa em uma nova direção.
▪ Um líder forte e carismático pode ser capaz de influenciar significativamente o curso da política externa de um país.
○ Burocratas: este fator reconhece o papel da burocracia governamental na formulação da política externa.
▪ Hermann observa que não se trata de toda a burocracia, mas de um grupo dentro dela que defende o redirecionamento das políticas. Esse grupo pode estar localizado em uma agência
específica ou espalhado entre várias agências. Para efetuar mudanças na política externa, esse grupo precisa do apoio dos principais líderes da nação ou, pelo menos, de uma
concordância tácita para se destacar politicamente. Isso implica que a burocracia não é homogênea, e diferentes agências ou setores dentro dela podem ter visões divergentes sobre a
política externa.
○ Reestruturação doméstica: neste caso, a reestruturação doméstica se refere a mudanças na sociedade, especialmente quando um segmento relevante da soc iedade apoia a necessidade de
governabilidade e tem a capacidade de desencadear mudanças na política externa por causa de suas demandas.
▪ Os grupos de interesse ou movimentos sociais podem exercer pressão para alterar a política externa de um país. Por exemplo, um setor econômico que depende fortemente das
exportações pode pressionar o governo a adotar uma política externa mais favorável ao comércio internacional.
○ Choque externos: este fator destaca a influência de eventos internacionais dramáticos na mudança da política externa. Tais eventos podem inc luir ataques terroristas, mudanças nas relações
de poder global ou crises econômicas internacionais.
▪ Esses eventos podem impactar a percepção dos líderes ou formuladores de políticas sobre a segurança e os interesses do país, levando a alterações na política externa.
▪ Os choques externos são eventos que não podem ser ignorados e têm um impacto imediato e significativo na política externa.
• Os autores destacam que mudanças na política externa raramente resultam de um único fator, mas sim de uma combinação de influências.
○ Os ataques de 11 de setembro de 2001 e as dificuldades da Rodada Doha da OMC foram e.g. choques externos que colaboraram para a alteração da política externa brasileira.
• A principal hipótese dos autores é que na transição entre os governos FHC e Lula, a política externa adotara por este último se caracterizou por ajustes e mudanças de programa em relação à
administração FHC. Isso inclui uma estratégia denominada 'autonomia pela diversificação', enfatizando a cooperação Sul-Sul para buscar maior equilíbrio nas relações internacionais.

As Três Autonomias: Distância, Participação e Diversificação


• O contexto econômico brasileiro dos anos 1980 influenciou a política externa do país desde este momento até o governo Lula.
• No final da década de 1970, o modelo nacional-desenvolvimentista, que se baseava em um Estado forte, empreendedor e protecionista, entrou em decadência devido à crise da dívida externa e
aos choques do petróleo. Nesse contexto de instabilidade econômica e política, crescentes setores das elites e da classe média passaram a demandar reformas democráticas no país.
• A transição para a democracia aumentou a percepção da crise do Estado e seus fundamentos. Isso impactou a política internacional do Brasil, especialmente as relações econômicas com o mundo
exterior, como fluxos de investimentos, financeiros e de comércio.
• A partir do final da década de 1980 e no início dos anos 1990, ideias de cunho liberal ganharam força na agenda internacional e, por consequência, na agenda doméstica do Brasil. Isso ocorreu
devido a vários fatores, como a crise do modelo keynesiano (fundamentado em Bretton Woods), o papel de agências internacionais e a convicção de parte das elites e da opinião pública sobre os
benefícios das ideias liberais.
○ Essas mudanças influenciaram a adoção de reformas econômicas, como a abertura comercial e a integração regional, para enfrent ar os desafios da globalização. A política externa brasileira
evoluiu da busca por 'autonomia pela distância' para a estratégia de 'autonomia pela participação'. Isso significava que o Br asil buscava participar ativamente no cenário internacional,
defendendo valores como direitos humanos, proteção ambiental, transição democrática, direitos sociais e reformas liberais.
○ Na década de 1990, questões econômicas, ambientais, comerciais, tecnológicas, direitos humanos e sociais ganharam destaque na política externa, refletindo soft power do país. Essas
mudanças ocorreram em coordenação com segmentos importantes do setor empresarial.
• No governo Lula, a política externa brasileira continuou a busca por autonomia, mas houve uma transição da 'autonomia pela participação' para a estratégia de 'autonomia pela diversificação'. Isso
envolveu a busca por equilíbrio internacional, fortalecimento de relações bilaterais e multilaterais, intensificação das relações com países emergentes e a promoção de objetivos sociais visando
maior equilíbrio entre Estados e populações.
• Em síntese:
○ Autonomia pela Distância:
▪ Caracterizou-se por um distanciamento em relação aos centros de poder internacionais.
▪ Predominou durante a Política Externa Independente (1961-1964) e alguns governos militares, especialmente na presidência de Ernesto Geisel (1974-1979).
▪ A busca pela autonomia implicava manter certa distância das principais potências mundiais, evitando alinhamentos indesejáveis. O Brasil adotou uma postura mais independente em
relação aos Estados Unidos e outras potências globais.
▪ O objetivo era defender os interesses brasileiros e a tradição diplomática do país, mas sem se envolver demasiadamente em alianças ou ações internacionais que pudessem
comprometer essa autonomia.
○ Autonomia pela Participação:
▪ Surgido em decorrência do período pós-Guerra Fria. Característica especificamente dos governos de José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco
(1992-1994).
▪ Nesse modelo, a autonomia não significava mais distância dos temas polêmicos, mas sim a participação ativa nas questões globais.
▪ A política externa brasileira passou a adotar uma postura mais engajada na comunidade internacional, buscando influenciar a agenda global com base em valores e tradições
diplomáticas próprios.

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diplomáticas próprios.
▪ Esse modelo enfatizava a importância de incorporar à agenda externa temas como direitos humanos, proteção ambiental, transição democrática, direitos sociais e reformas liberais,
refletindo a nova configuração internacional.
○ Autonomia pela Diversificação:
▪ Esse modelo emergiu posteriormente, especialmente durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).
▪ Nesse modelo, o Brasil buscou diversificar suas relações internacionais, estabelecendo parcerias com uma variedade de atores globais. Isso envolveu a intensificação das relações com
países emergentes, como Índia, China, Rússia e África do Sul, além do fortalecimento das relações no âmbito sul-americano.
▪ A estratégia visava não depender excessivamente de uma única parceria internacional, mas sim manter uma rede ampla e equilibrada de relações econômicas, políticas e diplomáticas.
▪ O Brasil também se engajou em esforços para reformar instituições internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, na busca por maior representatividade global.
• Durante a gestão de FHC, a política externa do Brasil evoluiu em direção a uma maior inserção internacional e a um engajamento ativo em questões globais. Isso incluiu a busca de maior equilíbrio
internacional, a promoção de relações bilaterais e multilaterais para aumentar o peso do país nas negociações políticas e econômicas internacionais, além de uma atuação destacada na Rodada
Doha e na OMC. Também se esforçou para fortalecer as relações com países emergentes, como Índia, China, Rússia e África do Sul, e manteve relações de amizade e desenvolvimento com os
países ricos, incluindo os Estados Unidos. A política externa sob FHC visava a uma diplomacia pragmática que buscava a promoção dos interesses nacionais do Brasil no contexto internacional.
Desse modo, a política externa de FHC pode também ser enquadrada no modelo de 'autonomia pela participação'.

O Significado da Cooperação Sul-Sul


• O Partido dos Trabalhadores, em seu discurso sobre política internacional, sempre enfatizava alianças preferenciais com parceiros do Sul, o que pode ser interpretado como uma retomada do
terceiro-mundismo.
• Em um mundo caracterizado por desigualdades econômicas, políticas e militares, e pela influência de Grandes Potências, especialmente os Estados Unidos, o Brasil buscou reagir de forma
estratégica. A estratégia adotada visava articular alianças políticas, econômicas e tecnológicas com Estados localizados na periferia do sistema internacional, i.e. os países do Sul, com o objetivo de
promover e proteger seus interesses nacionais, além de aumentar seu poder de barganha no sistema.
• A política externa evoluiu ao longo do tempo:
○ Durante a Guerra Fria, o Brasil defendeu questões da agenda Norte-Sul, mesmo quando mantinha relações políticas estreitas com os Estados Unidos. Isso incluiu o apoio ao movimento G -77,
simpatia por nações que não se alinhavam estritamente com EUA ou URSS e esforços para se aproximar de países do Oriente Médio e da África, marcando uma abordagem terceiro-mundista.
○ Durante o governo FHC (1996-2002), a ênfase se deslocou dos elementos terceiro-mundistas para uma abordagem que enfatizava a cooperação e reconhecia as desigualdades nas relações
internacionais.
○ O colapso do Muro de Berlim em 1989 e os desenvolvimentos acelerados da globalização nas décadas de 1980 e 1990 tiveram impli cações significativas na política externa brasileira, exigindo
uma revisão de seus objetivos centrais.
○ A chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva viu a política externa brasileira inicialmente associada a um possível retorn o ao terceiro-mundismo. No entanto, as mudanças no cenário
doméstico e global exigiram uma reinterpretação dessa abordagem.
• A governo Lula buscou alianças estratégicas no Sul, destacando a importância da cooperação Sul-Sul, com exemplos notáveis sendo a formação do G-20 e do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Isso
significa que o Brasil buscou ativamente construir parcerias estratégicas com outros países em desenvolvimento; o objetivo era estabelecer alianças com nações que compartilhavam desafios e
interesses comuns, criando uma abordagem de cooperação horizontal, em contraste com a tradicional cooperação Norte-Sul, que frequentemente envolve relações desiguais entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento.
○ A cooperação Sul-Sul entre o Brasil, Índia e África do Sul e.g. foi construída com base na ideia de que essas nações compartilhavam interesses comuns em várias áreas. Esses interesses
abrangiam questões como comércio internacional, segurança, tecnologia, turismo e outros campos. A cooperação Sul -Sul entre esses países não se limitava apenas a acordos econômicos, e
também incluía uma visão compartilhada de uma ordem mundial mais justa e igualitária.
○ Essas alianças Sul-Sul permitiram que esses países atuassem de maneira coordenada em fóruns internacionais, como a OMC, onde buscaram promover a eliminação de subsídios às
exportações agrícolas dos países desenvolvidos, bem como um maior acesso a mercados desenvolvidos, como os norte -americanos e europeus. Essas iniciativas tinham o potencial de trazer
benefícios econômicos significativos para os países envolvidos.
○ A cooperação Sul-Sul representou uma abordagem estratégica que visava fortalecer a posição negociadora desses países em um mundo caracterizado por relações internacionais complexas e
assimetrias de poder. Essas alianças refletiram a crença compartilhada de que, ao trabalharem juntos, os países em desenvolvi mento poderiam buscar uma ordem global mais justa e
equitativa, mesmo diante de desafios e pressões provenientes das nações mais poderosas.

Papel Regional, relações com os Estados Unidos e diversificação das parcerias


• Ao longo dos últimos anos, houveram mudanças e continuidades na perspectiva brasileira com relação à sua posição regional, às relações com os Estados Unidos e à busca por parcerias.
• No governo FHC:
○ Adotou-se uma abordagem multilateral na política externa. Isso envolveu a ênfase no direito internacional, especialmente sob a gestã o do ministro Celso Lafer. Esta administração se
concentrou em negociações diretas com países centrais, em vez de buscar alianças prévias com nações do Sul. Isso se deveu, em parte, à percepção da assimetria de poder no sistema
internacional.
○ Reconheceu-se a importância estratégica do Mercosul e das relações com a Argentina. Houve esforços para avançar na construção de um bloc o regional, mas isso não foi uma estratégia
política dominante. A convicção era de que o ativismo regional não resolveria o problema da falta de poder de barganha do Bra sil.
○ Defendeu-se princípios de direitos humanos e desenvolvimento sustentável, buscando preservar a paz e a democracia. A abordagem incluiu maior institucionalização, transparência e
democratização das organizações e regimes internacionais.
• No governo Lula:
○ A ênfase na soberania nacional foi reforçada em relação à administração anterior. A política externa buscou maior diversifica ção em suas relações e, em alguns momentos, uma liderança
regional. A liderança, no entanto, não era vista como hegemonia, mas como resultado do ativismo diplomático e do compromisso com questões 'universais'.
○ O conceito de liderança na política externa foi debatido, com ênfase nas dificuldades e desafios que ela traz. A liderança re gional, por exemplo, implicou a necessidade de um compromisso
significativo com países vizinhos, como evidenciado no caso da Bolívia e do gás boliviano.
○ A busca por diversificação de parcerias foi um dos pontos-chave da política externa do governo Lula. Isso incluiu o fortalecimento das relações com países africanos de língua portugue sa e o
compromisso com a estabilidade regional, como no caso do Haiti.
○ A relação com os Estados Unidos permaneceu importante, mas não exclusiva. O governo Lula adotou uma abordagem mais pragmática e realista, considerando as mudanças no cenário
internacional, como o unilateralismo norte-americano. A relação com os Estados Unidos não era mais vista como a única alternativa para atingir os objetivos diplomáticos e econômicos do
Brasil.
• O autores criticam alguns pontos da política externa de Lula, como a falta de foco e a lentidão nas negociações de áreas de livre-comércio. Elencam também o desafio e a importância de um forte
projeto de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil e o Mercosul.

Integração e Relação com a América do Sul


• As relações com os países da América do Sul foram fundamentais na política externa brasileira, tendo influenciado as estratégias do país desde o século XIX.
• A notável melhoria nas relações entre Argentina e Brasil, que teve início em 1985 e tem raízes que remontam a 1980, representa um marco significativo na política externa brasileira. Isso se deve
em parte ao envolvimento de grupos empresariais e funcionários que reconheceram o potencial positivo dessa parceria.
• Mesmo durante os governos de Collor e de Franco, quando a região estava passando por uma transição de um modelo de desenvolvimento para um modelo liberal, a aproximação entre os dois
países continuou.
• Durante o governo de FHC, as relações com os países da região foram consideradas uma prioridade. No entanto, devido ao foco em outros objetivos de política externa, como as negociações para a
criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), houve iniciativas limitadas, especialmente durante o primeiro mandato de FHC, até 1998.
○ Nesse período, um destaque positivo foi a mediação bem-sucedida no conflito entre Peru e Equador, que resultou em um acordo assinado em outubro de 1998, no Ministério das Relações
Exteriores em Brasília, na presença dos reis da Espanha e do secretário -geral da OEA.
○ No final do governo FHC, foi anunciada a assinatura de um Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina das Nações (CAN), mas esse acordo não foi concretizado
durante o seu mandato. Foi durante o governo de Lula que as negociações foram retomadas e o acordo entre o Mercosul e a Comun idade Andina (Colômbia, Equador e Venezuela) foi
finalmente firmado em dezembro de 2003, sendo incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro em janeiro de 2005.
○ Um evento importante que também merece destaque é a reunião de chefes de Estado da América do Sul realizada em agosto/setembr o de 2000 em Brasília, que resultou na criação da
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), com o envolvimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A partir dessa reunião e de outro enc ontro realizado no
governo FHC em 2002, surgiu a estratégia para a criação da Comunidade Sul -Americana de Nações (Casa), na qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Brasil
desempenhou um papel fundamental.
• A visão do governo brasileiro com relação à América do Sul é clara, buscando desenvolver relações cooperativas com todos os países da região, de acordo com sua capacidade, atuação e recursos.
• No que diz respeito à Venezuela, o Brasil liderou, no final de 2002, a criação do Grupo de Amigos da Venezuela, uma iniciativa coordenada pelos governos de FHC e Lula, com o apoio de países
como Chile, México, Portugal e Espanha.
• Todos os governos brasileiros desde 1985 afirmaram que o pilar das relações internacionais do país é o acordo estratégico com a Argentina, refletido em textos diplomáticos e declarações
conjuntas dos chefes de Estado.
○ O governo Lula demonstrou uma inclinação para ir além de um Mercosul puramente intergovernamental, sinalizando uma postura ma is favorável para o desenvolvimento de políticas
setoriais comuns e a construção de instituições supranacionais.

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setoriais comuns e a construção de instituições supranacionais.
○ A relação com a Argentina é considerada a pedra angular da integração regional, e as convergências entre os governos de Lula e Kirchner, especialmente na Cúpula de Chefes de Estado das
Américas em Mar del Plata em 2005, contribuíram para fortalecer a cooperação entre os dois países.
○ Ao longo do governo Lula da Silva, surgiram desafios nas relações com a Argentina devido a várias razões, incluindo resistênc ia de setores empresariais brasileiros que viram mais
oportunidades nos mercados dos Estados Unidos e da União Europeia. Além disso, questões como desenvolvimento regional desigua l, criminalidade e a ideologização dos debates sobre
política regional e internacional afetaram as relações regionais.
• As relações com a América do Sul são complexas, possuem uma natureza intricada e multifacetada. A América do Sul é uma região com uma grande diversidade de nações, culturas e interesses, o
que torna as relações nessa área complexas e desafiadoras de entender e gerenciar.
• No caso da ALCA, que era um projeto que buscava criar uma grande zona de livre-comércio que abrangesse todos os países das Américas, com exceção de Cuba, o Brasil adotou uma relação
ambígua ao projeto. Isso se refere ao papel e à influência dos Estados Unidos na região: o país historicamente teve influência política, econômica e diplomática em vários países sul-americanos, e
essa influência afetou as políticas e decisões do Brasil.
• O Brasil também procurou outras opções e estratégias de política externa, provavelmente em resposta a desafios ou pressões externas, como a influência dos Estados Unidos ou as dinâmicas
regionais complexas. O Brasil buscou fortalecer suas relações com outros países ou blocos regionais também como uma alternativa à sua abordagem anterior.
• Além do Mercosul, o Brasil reforçou sua parceria com a União Europeia enquanto uma prioridade, para fortalecer os laços econômicos e políticos com o continente europeu.

Um Balanço Final
• A política externa de Lula apresenta elementos de "mudança dentro da continuidade" ou "ajustes e mudanças de programa." Isso significa que, embora tenha havido mudanças nas ideias e
estratégias para lidar com questões de política externa, essas mudanças não foram essencialmente diferentes das abordagens históricas do Brasil nesse domínio.
• A política externa de Lula manteve o princípio de que a política externa é um instrumento para promover o desenvolvimento econômico e garantir a autonomia do país. Lula buscou parcerias
estratégicas no Sul Global para fortalecer a posição do Brasil nas negociações internacionais. No entanto, os autores reconhecem que existem limitações estruturais, como custos econômicos, falta
de recursos diplomáticos e a dificuldade de coordenar ações entre diferentes países na esfera internacional.
○ Os autores sugerem que a estratégia de 'autonomia pela diversificação' podem render frutos a longo prazo, consolidando os obj etivos históricos de desenvolvimento e diminuição da
assimetria de poder internacional, com um maior peso dos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Eles concluem que as mudanças na política externa de um país como o Brasil devem
ser analisadas levando em consideração a variabilidade de comportamento inerente às potências médias, que buscam equilibrar s eus interesses em diferentes áreas temáticas e não
necessariamente buscam uma ruptura com os países ricos.
○ A política externa de Lula é vista como uma tentativa de encontrar um equilíbrio entre buscar autonomia e promover o desenvolvimento econômico , mantendo relações com as nações mais
poderosas, e isso depende da capacidade de distinguir questões específicas de objetivos mais amplos. A abordagem de 'autonomi a pela diversificação' não é dominante, mas é uma tendência
significativa entre os formuladores de políticas e líderes políticos brasileiros com uma visão de mundo não alinhada com a he gemonia e o unilateralismo.

Quadro Resumo

Temas importantes da A ideia de 'Autonomia pela Participação' do Governo FHC A ideia de 'Autonomia pela Diversificação' do Governo Lula
Agenda da PEB
ALCA Apesar de não considerá-la prioritária para o Brasil, FHC tinha uma postura Passou-se a negociar de forma mais dura, argumentando-se que as negociações só
mais favorável à ALCA. A estratégia era atrasar as negociações e apenas assinar prosseguiriam se as demandas brasileiras fossem atendidas.
o acordo se fosse favorável ao país.
Combate à Fome Tema não presente na agenda brasileira durante a administração FHC. O tema ganhou destaque nos pronunciamentos internacionais do governo Lula,
Internacional principalmente no início de seu mandato. Tentou-se a inserção formal na agenda
internacional, com resultados discutíveis.
CSNU Desejava-se uma vaga de membro permanente no CSNU, mas a diplomacia O ministro Celso Amorim expressou com mais firmeza o desejo do país de obter um
brasileira não investiu muitos esforços nesta empreitada. FHC chegou a assento permanente no Conselho de Segurança. A energia diplomática despendida
declarar que preferia aprofundar a integração regional e fazer parte do G -7 do foi considerável. Os custos da liderança brasileira no Haiti seriam uma tentativa de
que do Conselho. provar à comunidade internacional que o país tem condições de fazer parte do
Conselho.
Cooperação Sul-Sul A administração FHC privilegiou as relações com países desenvolvidos, A aproximação com os países do Sul ganhou destaque no governo Lula. Defendeu-
principalmente com a União Europeia e os Estados Unidos. A aproximação com se uma relação mais duradoura com os países em desenvolvimento, motivada por
grandes países do Sul visava benefícios materiais, principalmente em setores visões de mundo e pelas raízes ideológicas do Partido dos Trabalhadores,
comerciais. No final do segundo mandato, o governo buscou ampliar relações parcialmente coincidentes com a tendência existente em parte da diplomacia.
com a China, Índia, Rússia e África do Sul. No caso do contencioso das patentes Institucionalizou-se a parceria entre Índia, Brasil e África do Sul, abrangendo uma
farmacêuticas contra os Estados Unidos, o Brasil aproximou -se da Índia e da série de temas, como segurança, comércio, intercâmbio tecnológico, com
África do Sul, mas não institucionalizou a parceria durante o seu governo. resultados ainda incertos. Na administração Lula, ganhou destaque a formação do
G-20, grupo de países em desenvolvimento que visam a liberalização do comércio
agrícola. Tal tipo de coalizão tem o objetivo de reduzir as assimetrias.
Estados Unidos A administração FHC pautou-se pela lógica da participação ativa na formulação Reconhecendo a importância dos Estados Unidos como o país mais rico e poderoso
de regimes internacionais, nas quais os norte-americanos tinham papel do globo, a política externa de Lula busca aprofundar as relações com grandes
relevante. O presidente brasileiro desenvolveu relações pessoais com o nações em desenvolvimento, e com algumas da União Europeia, visando reduzir as
presidente Clinton. No final da administração FHC, já na administração George assimetrias de poder com a potência norte-americana. A busca de fortalecimento
W. Bush e especialmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o do Mercosul e as negociações entre o Mercosul e a União Europeia também
presidente passou a criticar o unilateralismo norte-americano. Buscou-se nesta procuram ampliar o poder de barganha do país ao diversificar as opções
fase novas parcerias comerciais com grandes nações em desenvolvimento para estratégicas. Nesse contexto, o governo Lula buscou evitar confrontos com os
contrabalançar o poderio comercial norte-americano. Estados Unidos.
Integração Latino-americana O tema da integração regional sul-americana, sobretudo o Mercosul, é central O governo Lula mantém o interesse pelo Mercosul, acentuando fortemente o peso
na agenda brasileira desde a redemocratização do país em 1985. Na do projeto da Comunidade Sul-americana de Nações (Casa). Há uma ênfase
administração FHC, o processo de integração regional era visto como um retórica em que desenvolve-se a IIRSA. A integração estaria no topo da agenda do
instrumento com o qual o Brasil poderia disputar um espaço político e país. Na administração Lula, busca-se manter equilíbrio nas relações com os países
econômico maior no mundo. da região para capitalizar a aparente convergência em relação à integração e evitar
agravar situações potencialmente conflituosas.
Liderança Brasileira O governo FHC acreditava que a liderança não se proclama, ela deve ser A administração Lula colocou não ostensivamente o tema no debate político
exercida. Nesse sentido, o tema não recebia muito destaque em sua gestão. brasileiro. O desejo de obter um papel de destaque na região e entre os países em
desenvolvimento foi introduzido e, em parte, tem se constatado uma maior
cobrança por parte dos países sul-americanos em relação ao Brasil
OMC De todos os fóruns de negociações comerciais em que o Brasil participa, a OMC As negociações na OMC são consideradas fundamentais para o Brasil. Há a
foi a que recebeu maior atenção da administração FHC, principalmente por se tentativa de assumir uma liderança mais pronunciada em coalizões Sul-Sul para
acreditar que nesta instituição a assimetria de poder era reduzida pelo respeito alterar as relações de poder dentro da instituição.
às regras internacionais acordadas pelos Estados participantes.

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