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PGR-00020975/2023
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GUIA SISTEMA PERICIAL SP nº 101/2023 URGENTE
COORDENADAS Parâmetro para georreferenciamento da Informação Técnica.
1 INTRODUÇÃO
Este documento atende1 à solicitação do Dr. Sérgio Gardenghi Suiama,
Procurador da República no Rio de Janeiro/RJ, para análise de desenvolvimento de obra
costeira em faixa de praia. Neste caso, trata-se de Notícia de Fato, a qual evidencia que a
Secretaria de Infraestrutura da Prefeitura do Rio de Janeiro está realizando uma obra de
revitalização do calçadão na orla da Praia da Barra da Tijuca entre os postos 3 e 8, com
remoção de areia para instalação de placas de concreto com mantas de geotêxtil.
Neste sentido, o objeto de análise deste Laudo Técnico refere-se, tão somente,
à execução de obra rígida, placas de concreto, cujas dimensões não foram disponibilizadas,
além da execução da manta de geotêxtil junto à faixa de praia, não fazendo referência às obras
previstas a serem realizadas no calçadão da praia.
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obras e intervenções costeiras, o MPF, no âmbito do seu projeto MPFGerco, já se posicionou
em suas manifestações por uma abordagem sistêmica, a qual considere a integralidade dos
intervenção aqui discutida, tem seu impacto negativo pelo fato de desregularem a
morfodinâmica local, o que induz em alterações na estrutura de mais de um ecossistema
costeiro, como estuários, praias, manguezais, entre outros, e que por essa razão requerem
estudos de viabilidade sistêmicos (NORDSTROM, 2010) 4. Inclusive no âmbito do Gi-Gerco
se insere o Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira, o qual tem, por
consenso interinstitucional, que intervenções na dinâmica natural no ambiente costeiro sempre
desencadearão impactos negativos, no entanto, as que podem ter atenuados seus impactos são
aquelas que contam com estudos abrangentes e sistêmicos, os quais garantem a possibilidade
de ações complementares em prol da manutenção e, consequente, recuperação do ambiente
costeiro.
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estudos/apontamentos afeitos a estas questões, tanto em abrangência quanto em qualidade.
4 NORDSTROM, K.F. Recuperação de Praias e Dunas. São Paulo: Oficina de Textos, 2010. 352p.
5Disponível em: <https://app.powerbi.com/view?
r=eyJrIjoiN2I5NDdiMDEtMjU0NS00ZjMyLTliMTMtZDVhZGQ1MTIyNTI2IiwidCI6IjZmZWZlOGVlLTlmY
mItNGRiYy05YTU4LWFkYmQ3NDMwODMyMiJ9 > Acesso em: 18 jan. 2023.
2.2 Foi realizado algum estudo ambiental ou análise por parte de órgão público para
avaliar os impactos ambientais da obra em questão?
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portais de licenciamento ambiental, geralmente, estão dispostos os estudos ambientais afeitos
à obra em análise.
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acadêmica e técnica.
8 Lei nº 7.661 de 16 de maio de 1988, art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo,
construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da
Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e
municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
9 NORDSTROM, K.F. Recuperação de Praias e Dunas. São Paulo: Oficina de Textos, 2010. 352p.
10 Ministério do Meio Ambiente (MMA). Panorama de erosão costeira no Brasil. Brasília: MMA, 2018. 759p.
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nos trabalhos de Coutinho (2007)11 e Carvalho et al. (2020) 12 em que estes autores discorrem
11 COUTINHO, N.M. Erosão e deposição de sedimentos no arco de praia da Barra da Tijuca - Recreio dos
Bandeirantes, Rio de Janeiro – RJ. 2007. 80f. Dissertação (Mestrado em Geologia) – Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: < >. Acesso em: 18 jan. 2023.
12 CARVALHO, B. C., DALBOSCO, A. L. P., & GUERRA, J. V. (2020). Shoreline position change and the
relationship to annual and interannual meteo-oceanographic conditions in Southeastern Brazil. Estuarine, Coastal
and Shelf Science, 235, 106582. Disponível em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0272771419306201 >. Acesso em: 18 jan. 2023.
13 Desastre natural “Erosão Costeira” reconhecido pela Classificação e Codificação Brasileira de Desastres
(Cobrade).
14 Este é um entendimento simplificado, mas ainda utilizado, pois o conceito atual de risco de desastres já
engloba outras variáveis além da correlação aqui elencada, a visão aqui apresentada é baseada na publicação
recente da Secretaria Nacional de Defesa Civil, o Caderno Técnico de Gestão Integrada de Riscos e Desastre.
Disponível em: <https://www.gov.br/mdr/pt br/assuntos/protecao e defesa-civil/Caderno_GIRD10__.pdf>.
Acesso em: 18 jan. 2023.
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agregaram o conhecimento técnico tanto das instituições de ensino quanto de órgãos
a literatura técnica demonstra que são certos os impactos negativos e sistêmicos na morfologia
e no balanço sedimentar costeiro a médio e longo prazo. Em resumo, sabe-se que o efeito de
enrocamentos, paliçadas, muretas, bagwalls, escadarias, e qualquer outra obra rígida no
ambiente praial é o de evitar que ondas em condições de alta hidrodinâmica (ressacas) possam
remover os sedimentos que se encontram na face e no limite do ambiente pós-praia
(NORDSTROM, 2010; CIRM, 2018)16. Entretanto, tais obras podem ser antagônicas, de
modo que o efeito reflexivo destas pode vir a concentrar a energia das ondas na face da praia.
Esse processo compromete a morfologia praial, criando bancos de areia, o que geralmente
ocorre na mudança de praias dissipativas para reflexivas. Ademais, a depender da disposição
destas obras rígidas, estas também podem propiciar a formação de promontórios erosivos e
agravar a erosão nas adjacências do local a que protegem.
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comprometer efetivamente o usufruto da praia ali existente, ou até mesmo agravar a
que os quais se propuseram a mitigar, do mesmo modo que acabaram por agravar a erosão e
seus efeitos nas áreas e que foram construídos, a saber:
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iii. Inquérito Civil nº 1.28.000.000147/2014-71, que acompanhou os processos
erosivos costeiros na praia de Ponta Negra, Natal/RN, neste caso em um primeiro momento
Aliás, livros como o Panorama de Erosão Costeira no Brasil (MMA, 2018) 18,
destacam que boa parte do recuo e comprometimento de ambientes pós-praia, nos casos de
erosão costeira no Brasil, advieram da utilização de obras emergenciais carentes de estudos e
medidas complementares após a sua utilização pontual.
No caso da supressão das restingas, no caso da erosão costeira, os sedimentos
disponíveis em uma praia variam ao longo do ano entre o seu perfil exposto e seu perfil
submerso, de acordo com as alternâncias entre tempo bom (engordamento) e tempestade
(erosão). Nesses períodos, a vegetação retém o sedimento em períodos de acresção da praia e
disponibiliza o sedimento em períodos erosivos, favorecendo um novo equilíbrio do ambiente
(HOEFEL, 199719; NORDSTROM, 2010). Geralmente, durante o verão, em condições de
tempo bom (menor intensidade de ondas), a vegetação de restinga costuma expandir seus
domínios e reter areia. No inverno, em que as condições de ondas são mais intensas, a
vegetação e o acúmulo de sedimentos no ambiente pós-praia ajuda a amortizar os efeitos das
ondas, protegendo a praia de perder sedimentos.
Assim, quando se ocupa o ambiente praial, seja a faixa de praia, ou o pós-praia
onde se encontra a vegetação de restinga, ocorre que tanto a manutenção explanada quanto a
conformação dos perfis praiais acaba sendo desregulada. Neste caso, uma obra do tipo placas
de concreto com manta de geotêxtil não só é uma obra rígida que favorece a erosão costeira,
como também não propicia a manutenção adequada das ações que mitigam esse fenômeno.
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Universidade Federal Fluminense e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, instituições
que possuem corpo técnico com expertise na temática objeto da lide, não foram encontrados
Para uma análise mais exaustiva sobre esta questão, sugere-se que sejam
consultados os especialistas na temática de erosão costeira no Estado do Rio de Janeiro. Neste
sentido, recomenda-se a consulta aos Departamentos de Geologia e Oceanografia, tanto da
Universidade Federal quanto da Estadual do Rio de Janeiro.
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Além disso, quando se observa o quadro geral de obras costeiras no litoral
brasileiro, observa-se que as próprias obras rígidas podem contribuir para o aumento dos
FIG. 5: Bagwall ou tubos de geotêxtil como caracterizado pelos empreendedores, esta estrutura foi danificada e
ficou na praia de Icaraí, Caucaia/CE. Fonte: ICP nº 1.15.000.002630/2013-63
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os impactos ocorra com maior probabilidade.
FIG. 6: Esquematização discretizada dos perfis e da morfodinâmica praial, onde modificações na área emersa
são diretamente relacionadas a efeitos nas áreas submersas. Tais perfis são dinâmicos e podem variar em curto ou
longo prazo; a depender das intervenções, seu estudo é essencial para mitigar a erosão. Fonte: Modificado do site
da Coastal Research Plymouth University.
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predominante dissipativo, o que confere certa estabilidade diante de eventos erosivos. Assim,
a obra em análise parece ser uma técnica que vai na contramão do que preleciona a literatura
iii. a conformação da placa de concreto com a manta geotêxtil não ficou clara
na questão da linha de costa, se estes serão dispostos somente no local que visam proteger ou
se vão se estender por uma maior área, na conformação do litoral. Neste caso, não se sabe se
24SANCHEZ, L. E. Avaliação de impacto ambiental: conceito e métodos. São Paulo: Oficina de Textos. 2013.
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Não menos importante, o que mais contribuiu para que esta equipe pericial
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ponderasse suas observações sobre a tecnologia/obra apresentada, é o fato que,
25 Tentativa e erro é um método de resolução de problemas em que várias tentativas são feitas para chegar a uma
solução.
placa de concreto com manta de geotêxtil, sua disposição parece ser do tipo de pretende evitar
o ataque de ondas diretamente no ambiente pós-praia.
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favorecer um processo de remoção abrupta (como uma lavagem) dos sedimentos no pós-praia
em condições de alta hidrodinâmica.
Exemplos destes casos na atuação do MPF são recentes, como é o caso da obra
de revitalização da orla da Praia Central de Balneário Camboriú, que contou com a
alimentação artificial da faixa de praia. Este exemplo, pode ser observado no Inquérito Civil
nº 1.33.008.000067/2021-19, em que as análises do MPF atentaram para o acúmulo de águas
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No tocante as valas de drenagem, a depender da disposição das placas de
concreto e mantas de geotêxtil, estas podem criar canais que concentrem a drenagem de águas
Esta questão requer também uma análise das áreas de escoamento e das mais
propícias para o acúmulo de águas. Esta avaliação é essencial para verificar as áreas
conhecidas como valas de drenagem, escoadouros, sangradouros, ou “washouts”, locais em
que se concentram o fluxo de escoamento das águas e, geralmente, se observam erosões
indesejadas, que podem impactar os ambientes praiais, dunares e as áreas vegetadas.
2.10 Podem ser citados impactos durante a implantação da obra e após sua conclusão
no meio biótico da praia da Barra da Tijuca? Especifique.
Os peritos subscritores não possuem a formação adequada para desenvolver
uma análise abrangente referente ao meio biótico. Entretanto, pela literatura técnica
especializada, os impactos no meio biótico, usualmente, associados as obras de proteção
costeira do tipo placas de concreto são, o comprometimento do habitat de espécies que se
utilizam do pós-praia, a remoção e o impacto direto nos organismos bentônicos de uma praia
arenosa.
27 Atualmente alagamentos se desenvolvem nesta orla e são observadas grandes acúmulos de água no pós-praia
e na face da praia Central de Camboriú.
28 TUCCI, C. E. M. Inundações urbanas. Porto Alegre: UFRGS/ABRH, 2007. 389p.
2.11 Há outras soluções técnicas que se mostram mais adequadas para viabilizar,
técnica-ambiental e financeiramente, a proteção costeira, bem como a sustentabilidade e
preservação dos ecossistemas presentes na praia da Barra da Tijuca?
Como já destacado, a vegetação litorânea atua na manutenção dos estoques
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hidrodinâmica no perfil praial, como também fornece sedimentos na recuperação deste perfil
em condições de baixa hidrodinâmica.
rol de alternativas voltadas para mitigar a erosão costeira existem diversos tipos de tecnologia,
métodos e estruturas que podem ser apresentados como soluções emergenciais para se evitar
danos. Tipos que vão desde soluções usuais até as caseiras, as quais por vezes não possuem
nenhum fundamento técnico, ou são tecnologias sustentadas por particulares que, sabendo da
carência de normativas nacionais e desconhecimento dos gestores municipais e estaduais,
apresentam soluções paliativas eivadas por erros estruturais e carência de análises sistêmicas.
Por exemplo, existem soluções que podem ser inseridas no ambiente pós-praia,
na faixa de praia, no espelho d’água e, até mesmo, em áreas submersas. Estas soluções
amparam-se no objetivo de atenuar ou modificar a hidrodinâmica local e, em alguns casos,
favorecer a deposição, ou manutenção, dos estoques sedimentares na área a ser protegida.
Soluções como muretas, enrocamentos, gabiões, quebra-mares, paliçadas, escadarias e
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impede o efeito reflexivo (como já foi aqui destacado). Já soluções como molhes, guias
32 No Brasil estes projetos possuem os nomes das empresas que os desenvolvem, sendo observados nomes
como Cezarswell (Icaraí/CE).
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Carolina do Norte, demonstrou que um projeto de alimentação artificial de praias só teve êxito
33 KACZKOWSKI, H. L.; KANA. T. W.; TRAYNUM, S. B.; VISSER, R. Beach-fill equilibration and dune
growth at two large-scale nourishment sites. Ocean Dynamics (2018) 68:1191–1206. Disponível em:
<https://link.springer.com/article/10.1007/s10236-018-1176-2 >. Acesso em: 19 jan. 2023.
34 PORTZ, L.; MANZOLLI, R. P.; ALCÁNTARA-CARRIÓ, J. Dune System Restoration in Osório
Municipality (Rio Grande do Sul, Brazil): Good Practices Based on Coastal Management Legislation. In: Beach
Management Tools – Concepts, Methodologies and Case Studies, pp.41-58. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/
321538613_Dune_System_Restoration_in_Osorio_Municipality_Rio_Grande_do_Sul_Brazil_Good_Practices_
Based_on_Coastal_Management_Legislation >
. Acesso em: 19 jan. 2023.
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lograram êxito, tanto na preservação do pós-praia quanto da restinga.
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estudos acadêmicos, é que foram as próprias obras costeiras com a ocupação do pós-praia que
Ademais, estas obras acabam por modificar as dinâmicas ali presentes, o que
contribui para perpetuar um ciclo de reparos emergenciais tanto no espelho d’água quanto no
ambiente pós-praia, principalmente nas áreas adjacentes. Dessa forma, observa-se que os
impactos locais, passam a ser expandidos para as adjacências das obras e, assim, a
problemática da erosão costeira ocorre em localidades até então estabilizadas.
FIG. 7: Obras de proteção costeira desenvolvidas em Caucaia. Observe o comprometimento da faixa de praia e a
disposição destas obras. Fonte: Apresentação do Prof. Dr. Davis de Paula (PROPGEO-UECE) no âmbito do
Evento XII Encontro Rede Braspor" 2022 para Discussões Temáticas Relacionadas a Gestão de Zonas Costeiras.
3 CONCLUSÃO
Diante do exposto, acredita-se que a obra “Recuperação de Taludes em Manta
Geotêxtil – Orla da Barra da Tijuca” não seja a solução mais adequada para a contenção da
erosão na praia da Barra da Tijuca, pois esta obra não encontra respaldo na literatura técnica
pertinente e nas instituições com expertise na temática. Outrossim, não foram encontradas
referências que fundamentem situação emergencial e a premência por obras nesta praia.
Dessa maneira, pela experiência do MPF, bem como pelas recentes publicações
e manifestações técnicas citadas no presente laudo, entende-se que a obra em análise pode
propiciar um efeito antagônico à proteção costeira, comprometendo não só a estabilidade
morfodinâmica da praia da Barra da Tijuca, mas também ensejando uma necessidade de obras
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possam assegurar que as obras de proteção costeira sejam não só necessárias, mas também
adequadas aos casos para que se propõem solucionar. Do contrário, os projetos de obra
É o Laudo.
37 Medida Provisória nº 2.200-2, de 24/8/2001; Portaria MPF/PGR nº 350, de 28/4/2017, art.18, caput, § 3º, I.