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PGR-00524393/2019

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
SECRETARIA DE PERÍCIA, PESQUISA E ANÁLISE
Centro Nacional de Perícia

PARECER TÉCNICO Nº 2231/2019 – CNP/SPPEA

REFERÊNCIA Ação Civil Pública nº 1001209-11.2018.4.01.4100


UNIDADE SOLICITANTE Procuradoria da República em Rondônia (PR-RO)
AUTORIDADE REQUERENTE Daniela Lopes de Faria
EMENTA Meio Ambiente. Mineração. Espaços territoriais especialmente
protegidos. Área de Preservação Permanente. Laudo pericial
sobre danos ambientais em áreas de extração de cassiterita na
bacia do Rio Candeias (Braço Direito). Campo Novo de
Rondônia/RO. Análise documental.
TEMÁTICA Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
GUIA DO SISTEMA PERICIAL Sppea/PGR - 000557/2019
COORDENADAS GEOGRÁFICAS Feição considerada: ( )pontual ( )linear (x)poligonal
Lat/Long dec.: -10.500434° Lat. -63.646940° Long.
(Sirgas 2000) -10.500402° Lat. -63.613299° Long.
-10.517346° Lat. -63.613298° Long.
-10.517353° Lat. -63.646191° Long.

1 INTRODUÇÃO
Este parecer, elaborado em atendimento a demanda da Dra. Daniela Lopes de
Faria (Titular do 2º Ofício da PR-RO), traz uma análise sobre o laudo pericial contido na Ação
Civil Pública (ACP) nº 1001209-11.2018.4.01.4100, ajuizada em desfavor da Cooperativa
Mineradora dos Garimpeiros de Ariquemes (Coomiga) pelos danos ambientais provocados em
áreas de extração de cassiterita na bacia do Rio Candeias (Braço Direito), município de
Campo Novo de Rondônia.
Para a avaliação do laudo, foram consideradas informações extraídas de outros
documentos incluídos na ACP (em especial, os relatórios de monitoramento ambiental da
cooperativa, produzidos entre 2011 e 20161), bem como de trabalhos técnico-científicos, bases
vetoriais públicas, imagens de satélite e páginas da Internet.

1 Ver documentos eletrônicos 18042414355565600000005455631 (p. 27), 18042414361961500000005455643


(p. 19), 18042414364256600000005455660 (p. 12), 18042414370558900000005455676 (p. 12),
18042414372310300000005455686 (p. 3; 34).

PGR – Anexo III – SAS Quadra 3 Bloco J – CEP 70.070-925 – Brasília-DF


Tel. (61) 3213-2881 – PGR-Pericial@mpf.mp.br
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2 ANÁLISE
O laudo pericial em questão2 foi elaborado em 31/8/2017 pelo engenheiro
florestal George Luiz Ribeiro Matheus (Assessor Especial de Proteção Ambiental da
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental – Sedam), no interesse da Ação Civil
Pública nº 0001553-50.2011.8.22.0021 (Poder Judiciário do Estado de Rondônia, 1ª Vara de
Buritis), e teve por objetivo avaliar os danos ambientais gerados pelas atividades da Coomiga
no imóvel denominado “Fazenda Quero Mais” (Figura 1).

FIG. 1 - Área da Fazenda Quero Mais (linha amarela), adotada pelo perito como referência
para a quantificação das áreas degradadas pela Coomiga (polígonos hachurados).
Fonte: Documento eletrônico nº 18060815241812200000006116276 (Laudo Pericial), p. 12.

2 Ver documento eletrônico nº 18060815241812200000006116276 (p. 3).

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Esse imóvel está inscrito no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural


(Sicar), com o código RO-1100700-97C8747DDAAB4D6AB0E34F6319BFDDBC. Possui
área aproximada de 392,67 hectares (ha) e abrange apenas parte da poligonal do processo
minerário nº 886081/2010, de 2.641,11 ha, referente à permissão de lavra da Coomiga na
bacia do Rio Candeias, Braço Direito. Assim, vários locais explorados descritos nos relatórios
de monitoramento da cooperativa não foram incluídos na avaliação pericial (Figura 2).

FIG. 2 - Discrepância entre a área do processo minerário da Coomiga e a área considerada no laudo pericial
(Fazenda Quero Mais).

Não constam do laudo os motivos pelos quais as análises ficaram limitadas à


Fazenda Quero Mais, em vez de contemplarem toda a região afetada pelas atividades da
Coomiga. É possível que o processo judicial correlato (ACP nº 0001553-50.2011.8.22.0021)
aborde apenas os danos ambientais no interior dessa fazenda, levando o autor do laudo a
restringir sua avaliação. De toda maneira, entende-se que ele falhou em não citar a existência
de outras áreas exploradas pela cooperativa, nas vizinhanças do imóvel considerado.
Imagens disponíveis no Google Earth Pro (Figuras 3-13) mostram que, em
tempos recentes, as áreas lavradas pela Coomiga – dentro e fora da Fazenda Quero Mais –
permaneciam degradadas, pois: (i) não houve a recomposição da mata ciliar nas margens dos
cursos d'água, que são Áreas de Preservação Permanente (APPs); (ii) apresentavam vários
trechos de solo exposto, apesar de terem passado por regularização topográfica e plantio de
gramíneas, de acordo com os relatórios de monitoramento. Além disso, na área conhecida
como Cassolão, as condições hidrológicas originais não parecem ter sido recuperadas, pois
não houve a remoção das barragens construídas nos cursos d'água.

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FIG. 3 - Vista panorâmica da região que engloba os pontos fornecidos pelos relatórios de monitoramento ambiental da Coomiga.

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FIG. 4 - Áreas 1 e 2, em 11/8/2010. FIG. 5 - Áreas 1 e 2, em 5/9/2018.

FIG. 6 - Área 3, em 11/8/2010. FIG. 7 - Área 3, em 5/9/2018.

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FIG. 8 - Áreas no local “Cassolão”, em 10/6/2013. FIG. 9 - Áreas no local “Cassolão”, em 5/9/2018.

FIG. 10 - Áreas no local “Piçarra”, em 10/6/2013. FIG. 11 - Áreas no local “Piçarra”, em 5/9/2018.

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FIG. 12 - Área sem denominação na fazenda de FIG. 13 - Área sem denominação na fazenda de
Antônio Mineiro, em 11/8/2010. Antônio Mineiro, em 5/9/2018.

Portanto, a extensão antropizada indicada no laudo (9,60 ha) não corresponde à


área total degradada pela Coomiga. Tampouco equivale à área degradada pela cooperativa
dentro da Fazenda Quero Mais, pois, ao delimitar os polígonos antropizados (ver Figura 1), o
perito desconsiderou vários trechos de APPs marginais ao Rio Candeias, que permaneceram
sem cobertura vegetal nativa após o término das atividades de extração mineral.
A valoração monetária dos danos ambientais foi realizada segundo o método
conhecido como Custos Ambientais Totais Esperados – Dano Ambiental Intermitente (Cate I),
proposto por Ribas (1996)3, que deriva de metodologia descrita na norma NBR 14653-6 4
(“Custos de Reposição”) e é empregado pelos corpos técnicos de vários Ministérios Públicos

3 RIBAS, Luiz Cesar. Metodologia para avaliação de danos ambientais: o caso florestal. 1996. Revisão da
Tese apresentada à Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Engenharia – São Paulo,
1996. Disponível em:
<https://www.fca.unesp.br/Home/Instituicao/Departamentos/Gestaoetecnologia/docentes/metodologia-para-
avaliacao-de-danos-ambientais.pdf> . Acesso em: 11 nov. 2019.
4 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14653-6: Avaliação de bens Parte 6:
Recursos naturais e ambientais. Rio de Janeiro, 2008. 16 p.

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estaduais (por exemplo, do Mato Grosso5, Minas Gerais e Espírito Santo6) para a valoração de
danos decorrentes da ausência de cobertura vegetal nativa.
Assim, entende-se que o método escolhido pelo perito é tecnicamente
adequado à situação em análise. Porém, ao aplicar a expressão matemática do Cate I (Figuras
14-15), o perito utilizou valores bastante questionáveis para alguns parâmetros, conforme
explicações a seguir:
• Os custos considerados para a recuperação da área (variável Cd) foram de R$
2.000,00/ha, contemplando a adubação orgânica (denominada, equivocadamente, de
“compostagem” pelo perito) e o plantio de espécies florestais nativas. Porém, esse
valor está muito abaixo dos apontados por trabalhos técnico-científicos para o
reflorestamento de áreas degradadas com o uso de métodos convencionais. Nas ACPs
do projeto Amazônia Protege7, considera-se um custo de R$ 10.742,00/ha, o qual
inclui o cercamento da área (R$ 5.367,80/km), a semeadura direta de espécies nativas
(R$ 3.350,00/ha) e a manutenção/monitoramento por um período de três anos (R$
2.025,00/ha), conforme nota técnica do Ibama elaborada em 20168. O Instituto
Escolhas aponta custos de R$ 13.904,00/ha e R$ 18.547,00/ha para a recomposição na
Amazônia Ocidental, sem cercas, mediante plantios de sementes e de mudas,
respectivamente9. Silva e Nunes (2017)10 informaram custos de R$ 11.243,00/ha para a
execução de reflorestamentos em área total no estado do Pará, englobando o preparo
da área (R$ 1.192,00/ha), o cercamento (R$ 1.640,00/ha), o plantio de mudas (R$
5.090,00/ha) e a manutenção por dois anos (R$ 3.321,00/ha). Em locais minerados, a
degradação do solo é mais intensa do que em áreas de uso agropecuário (devido à
remoção das camadas superficiais e à compactação provocada por máquinas pesadas),
de modo que os custos de recuperação costumam ser bem maiores do que os citados
acima, podendo alcançar valores da ordem de R$ 50.000,00/ha, conforme Rodrigues
(2016)11. Custos inferiores a R$ 5.000,00/ha são compatíveis apenas com técnicas

5 Valoração do dano ambiental: casos aplicados ao estado de Mato Grosso. Disponível em:
<https://pjedaou.mpmt.mp.br/wp-
content/uploads/2017/10/VALORACAO_DANO_AMBIENTAL_MT_PJEDAOU-1.pdf>. Acesso em: 11 nov.
2019.
6 CARPANEZZI, Fernando Bertol. Estudo de caso: a valoração ambiental no Ministério Público do Estado do
Espírito Santo. 2016. Monografia (Pós-Graduação em Economia e Meio Ambiente) – Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, 2016. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/52666>. Acesso em: 11 nov.
2019.
7 <http://www.amazoniaprotege.mpf.mp.br/>. Acesso em: 12 nov. 2019.
8 Not. Tec. 02001.000483/2016-33 DBFlo/Ibama.
9 <http://quantoefloresta.escolhas.org/>. Acesso em: 12 nov. 2019.
10 SILVA, D.; NUNES, S. Avaliação e modelagem econômica da restauração florestal no estado do Pará.
Belém, PA: Imazon, 2017. Disponível em: <https://imazon.org.br/publicacoes/avaliacao-e-modelagem-
economica-da-restauracao-florestal-no-estado-do-para/>. Acesso em: 14 nov. 2019.
11 RODRIGUES, Nikolas Gebrim. Custo para recuperar uma área degradada: um projeto para a cascalheira
do Parque Sucupira. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Gestão Ambiental) – Universidade

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nucleadoras ou com práticas de regeneração natural assistida, que, todavia, não


parecem ser adequadas para as áreas exploradas pela Coomiga, em função de sua
baixa resiliência;
• O tempo considerado para a recomposição ambiental (variável n) foi de dez anos – ou
seja, inferior à metade do prazo sugerido por Ribas (1996) para a aplicação do Cate I a
situações de desmatamento (25 anos) e do estipulado por Corrêa e Souza (2013) 12 para
a restauração, via plantio de mudas, de uma área florestal degradada por extração
mineral (30 anos), com base em artigo de Jones e Schmitz (2009)13. Geralmente, em
dez anos, a maioria dos atributos vegetacionais de áreas reflorestadas não alcança
valores semelhantes aos de locais não perturbados (SUGANUMA e DURIGAN,
201514; SHOO et al., 201615; GARCIA et al., 201616);
• A taxa de juros anuais (variável j) utilizada, equivalente a 26,91% 17 ao ano (a.a.), é
quase três vezes maior do que a taxa Selic (taxa básica de juros da economia
brasileira, estabelecida pelo Banco Central) vigente na data de conclusão do laudo
(9,25% a.a.18). Tal discrepância é ainda maior com relação à taxa Selic atual (5% a.a).

FIG.14 - Expressão matemática do método FIG.15 - Aplicação da expressão do Cate I,


Cate I, utilizada pelo perito judicial. a partir dos valores assumidos pelo perito.
Fonte: Documento eletrônico nº Fonte: Documento eletrônico nº
18060815241812200000006116276, p. 13. 18060815241812200000006116276, p. 14.

de Brasília, Planaltina, 2016. Disponível em: <http://bdm.unb.br/handle/10483/14342>. Acesso em: 12 nov.


2019.
12 CORRÊA, R. S.; SOUZA, A. N. Valoração de danos indiretos em perícias ambientais. Revista Brasileira de
Criminalística, v. 2 (1), p. 7-15, 2013. Disponível em: <http://rbc.org.br/ojs/index.php/rbc/article/view/23>.
Acesso em: 13 nov. 2019.
13 JONES, H. P.; SCHMITZ, O. J. Rapid recovery of damaged ecosystems. Plos One, v. 4 (5), 2009. Disponível
em: <https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0005653>. Acesso em: 13 nov. 2019.
14 SUGANUMA, M. S.; DURIGAN, G. Indicators of restoration success in riparian tropical forests using
multiple reference ecosystems. Restoration Ecology, v. 23, n. 3, p. 238-251, 2015. Disponível em:
<http://lerf.eco.br/img/publicacoes/Suganuma,%20Durigan2015-Indicators%20of%20restoration%20success
%20in%20riparian%20tropical%20forest%20using%20multiple%20reference%20ecosystems.pdf >. Acesso em:
19 nov. 2019.
15 SHOO, L. P. et al. Slow recovery of tropical old-field rainforest regrowth and the value and limitations of
active restoration. Conservation Biology, v. 30, n. 1, p. 121-132, 2015. Disponível em:
<https://conbio.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/cobi.12606>. Acesso em: 19 nov. 2019.
16 GARCIA, L. C et al. Restoration over time: is it possible to restore trees and non-trees in high-diverse forests?
Applied Vegetation Science, n. 19, p. 655-666, 2016. Disponível em:
<https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/avsc.12264>. Acesso em: 19 nov. 2019.
17 Obtida por meio da resolução da equação (1+j)10 = 10,835, pois o perito não informou o valor isolado de j.
18 <https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros>. Acesso em: 14 nov. 2019.

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Ao final dos cálculos, o perito obteve um valor de R$ 6.613,37/ha (seis mil,


seiscentos e treze reais e trinta e sete centavos por hectare) para os danos ambientais
decorrentes das atividades da Coomiga no Braço Direito do Rio Candeias. Como a área
degradada considerada no laudo foi de 9,60 ha, o valor total dos danos foi estimado em R$
63.448,35 (sessenta e três mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e trinta e cinco centavos).
No entanto, se o perito tivesse contabilizado todas as áreas degradadas pela
Coomiga e assumido valores mais plausíveis para as variáveis Cd, n e j, teria chegado a
valores (total e por hectare) bem maiores para os danos ambientais.

3 CONCLUSÃO
Considerando todo o exposto, entende-se que o laudo pericial acostado à ACP
possui várias inconsistências técnicas, que implicaram em subestimativa do valor monetário
dos danos ambientais provocados pela Coomiga na bacia do Rio Candeias (Braço Direito).
É o Parecer.

Manaus, 21 de novembro de 2019.

[Assinatura digital]
MARIANA PIACESI BATISTA CHAVES
Analista do MPU/Perita em Engenharia Florestal
Assessoria Nacional de Perícia em Meio Ambiente

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