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Copyright © 2020 por Kaleo Mendes

Copyright © 2021 por Luo Editora

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer


semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência e não é
intenção do autor.

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sistema de recuperação ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer
meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão
expressa por escrito da editora.

Capa: João Correia


Ilustração Interna: Midori
Edição: Isabelle Lorrayne
Revisão: Isabelle Lorrayne e Amanda Gabriela
Diagramação: Raysa Sousa

Todos os direitos reservados, por Luo Editora Ltda.


E-mail: sac.luoeditora@gmail.com
www.luoeditora.com
Contents

MAPAS
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
CAPÍTULO XXVI
NOTAS
TRILOGIA INCONTROLÁVEL
SOBRE O AUTOR
LUO EDITORA
MAPAS
Esta história acontece em um país fictício localizado na América do Sul.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

As dimensões do país de Cicék são de uma ilha pequena de


aproximadamente 2000 km², sendo que todos os mapas são apenas
referências, não havendo nenhum compromisso com a lógica cartográfica e
suas formalidades.
Era uma vez uma árvore de Teixo, a maior de todo o campo.

Sua copa podia ser vista há muitos quilômetros e seu tronco era tão
denso que seria preciso um vilarejo inteiro unido para abraçá-lo.
Suas raízes eram tão grandes e profundas, tão intensamente
atreladas ao solo, que nada ao redor podia florescer.

Todavia, do outro lado do mundo, nos lagos, uma ameaça que não
precisava da terra era a única capaz de sobreviver longe do domínio
do Teixo. Tomando os vastos caminhos de água frias e obscuras, a
Lótus controlava tudo, brilhosa e desejada, a mais rica e bela. Ela
não precisava consumir nada e prosperava tão forte quanto o Teixo,
permitindo que a vida na água a fortalecesse.

Há centenas de anos o Teixo odiava a Lótus e a Lótus odiava o Teixo.


O destino dos grandes domínios.

O que ninguém contou, entretanto, era que revirando o destino fadado


de ódio eterno, abaixo do solo do Teixo uma raiz havia fugido do
rumo e, guiando-se em busca da água para a sobrevivência,
aproximou-se do lago da Lótus.

Aquela raiz desgarrada, achou ali sua fonte de vida e viveu mutando-se
em si mesma: era Teixo, mas se alimentava demais da água da
Lótus. Morte e vida em uma só raiz.

Chegou um ponto que não era mais Teixo. Mas tampouco era Lótus. A
raiz havia se metamorfoseado e, sem saber exatamente o que era,
tomou um rumo em um meio termo de terra e água.
Da lama, um pequeno broto nasceu, e aquela raiz se revelou uma
roseira. Seus espinhos eram tão afiados que nenhum predador
poderia desafiá-los, suas folhas eram tão serrilhadas que qualquer
um temia se aproximar. Era elegante e frondosa por ser alimentada
pela Lótus, mas mortal e implacável por descender do Teixo.

Muito tempo depois, dessa roseira finalmente floresceu uma Rosa tão
linda que não havia ninguém no mundo que não a desejasse. E da
terra, à beira do lago, a Rosa e a Lótus se apaixonaram
perdidamente, fazendo duas forças improváveis se unirem por amor.

Seria a Rosa a única capaz de pôr fim na maior guerra de todos os


tempos?

Essa é a sua história.


PRÓLOGO

A bala acertou seu alvo pelas costas, cortando o vento como uma flecha
sibilante.
Logo em seguida, em uma fração de segundo, houve um caos de outros
tiros precisos no grande salão: seguranças que haviam chegado bem a tempo
por um corredor de acesso paralelo tinham como alvo o homem que agora
estava no chão. Os Aliados, ao centro, recuaram defendendo-se da investida
inimiga repentina e, rapidamente, abateram os que haviam chegado com
facilidade.
Gabriel havia feito o disparo sem que ninguém soubesse.
Ele sentiu sua vida se esvair com um suspiro tenso antes de cair no chão
do corredor deserto onde estava, a perna muito ensanguentada do ferimento
aberto de outrora não doía tanto quanto tentar respirar — aquela,
definitivamente, era a pior parte. Um tremor intenso e frio preencheu seu
estômago dolorido graças ao corte profundo que também sangrava muito.
Sua visão ficou turva enquanto encarava o teto pálido. O moreno
conseguia ouvir a correria e as pessoas gritando no salão, reconhecia a voz
de Carla, de Thiago e, finalmente, a voz que mais ansiava ouvir. Refletia
enquanto a consciência o deixava devagar: que sorte que não havia sido
atingido por um tiro no conflito que ele mesmo havia começado. Já tinha
ferimentos demais e sem dúvida não suportaria mais um.
Ele apertou o próprio abdômen sem largar a arma com que havia
atirado e sorriu de canto fracamente, aliviado por ter acertado seu alvo antes
dos outros.
— O que aconteceu?! — Carla exclamou enquanto recuava checando se
não havia restado nenhum inimigo vivo. Voltou-se para um dos Aliados em
seguida, imperativa: — Mandem o outro esquadrão entrar agora! Deve ter
mais seguranças! Limpem todos os andares até encontrarem ele!
— O primeiro tiro veio de lá! — Thiago gritou correndo em direção ao
corredor onde Gabriel tentava manter-se acordado.
Felipe apontava a arma para o homem que foi atingido primeiro, à sua
frente. Mesmo sem saber quem havia efetuado o disparo que o derrubou,
estava muito satisfeito em vê-lo caído ali, em cima do símbolo que mais
odiava cravado no piso ao centro do salão. O ruivo o encarou com desprezo
e engatilhou sua arma, preparado para matá-lo.
— Você queria tanto que eu fosse um vilão. Eu não me importaria em
ser um agora — o ruivo murmurou friamente.
— Felipe! Aqui! — Thiago gritou desesperado, chamando sua atenção,
e se ajoelhou ao lado de Gabriel. Retirou a arma de sua mão, mostrando-a ao
ruivo que estava no centro do salão. O moreno tremeu semi-inconsciente e
grunhiu, forçando-se a permanecer acordado. — Ele está aqui!
Felipe voltou a travar a arma, guardando-a no coldre. Seus olhos
afundando em agonia agora que via Gabriel sangrando muito no chão.
Sentia que seu coração havia parado, fazendo sua carne estremecer
muito fria e causando aquela sensação perturbadora de desmaio.
Em seguida, encarou com ódio o homem à sua frente, o culpado de tudo
aquilo. Chutou a face alheia com força e o deixou para trás, correndo na
direção do rapaz que definhava no corredor.
Gabriel tremia muito enquanto o frio se espalhava por seus membros,
não conseguia mais pressionar o ferimento quente em seu abdômen e sua
perna formigava pegajosa. As mãos de Felipe o seguraram com força,
repentinamente, o que o fez abrir os olhos devagar.
— Foi ele que fez o disparo! — Thiago disse puxando o telefone
apressadamente.
Ele discou exigindo reforços enquanto Carla comandava os assassinos e
atiradores a limpar a área no grande salão e manter possíveis novas
investidas distantes daquele corredor. Os outros três corredores de acesso
foram ocupados pelos novos esquadrões Aliados que agora invadiam a
mansão, dominando-a.
Thiago passou a fazer um garrote apressado na perna de Gabriel, o
telefone ainda apoiado com o ombro.
Silêncio.
O moreno sorriu fracamente sentindo as mãos desesperadas de Felipe o
tocando e apertando a vazão do sangue com urgência. Tudo parecia turvo e
distante como gotas caindo ao longe, pingando uma a uma dentro de uma
catedral, a alvura do ambiente tornando quase impossível manter-se com os
olhos abertos.
Felipe gritava por ajuda e insistia que ele ficasse acordado ao mesmo
tempo que dava ordens a todos ao seu redor, furioso e confuso. Gabriel
engoliu com dificuldade o sangue que insistia em querer engasgar sua
respiração, não queria demonstrar fraqueza.
Fitou o suor e a sujeira no rosto do homem que o segurava, seu cabelo
escarlate muito escuro e denso como sangue vivo colando em sua pele de
porcelana. Os olhos dourados brilhavam insanos, cheios de ódio e desespero
puro. Gabe sentiu sua respiração falhar, deitado nos braços quentes dele e,
com a mão trêmula, tocou na mão que pressionava fortemente sua barriga
lacerada.
O ruivo tremia, as lágrimas escorrendo descontroladas em sua face suja.
Ele que sempre fora calmo e controlador, preciso e cauteloso, sentia mais
uma vez o poder do incontrolável e o medo o consumia.
— Me perdoa! Me perdoa ter te metido nisso! Gabo, não dorme! — ele
disse rouco, pressionando mais a ferida. — Vai ficar tudo bem. Olha pra
mim, meu gatinho arisco... Por favor! Não dorme!
Ele se voltou para o salão gritando muito alto, desesperado:
— CADÊ A PORRA DO CARRO?!
As mãos sujas de sangue se entrelaçaram e o ruivo voltou a fitar o
homem que combalia. O tempo gotejava lento, insistente e exaustivo na
noite muito quente e abafada. O barulho e o silêncio formavam linhas
confusas nas mentes feridas.
— Mandão pra caralho — Gabriel murmurou.
Felipe apertou os olhos gemendo, ouvir aquilo o destruía
completamente.
“Nem nos meus mais problemáticos sonhos ou nos meus piores
pesadelos eu poderia imaginar a sensação de ser tão intensamente dominado.
Exaustivamente demandado e possuído até ser forçado a perceber que não
comandava mais nada em mim.
Sem descanso, seu desgraçado, você não saiu da minha mente nenhuma
vez! Nunca! Não sei exatamente em que momento pensei que estava em paz
antes de sentir o teu cheiro e ouvir sua voz.
Talvez eu estivesse mesmo muito iludido e frustrado tentando me
proteger, porque eu só experimentei paz no segundo que você me tocou”
Gabriel pensou.
Sua mente parecia muito confusa e delirante agora, sabia que já havia
pensado isso antes, mas não tinha certeza quando. Sua única certeza era que
a sensação associada àquela lembrança era de melancolia e separação.
Ele queria poder falar, falar tudo que sentia. Falar tudo que não
conseguiu por ser muito estúpido. “Eu realmente queria conseguir te dizer
que eu sou seu. Que eu sempre fui seu, Felipe. Eu queria poder ter dito antes
o que eu nunca disse. Eu deveria ter dito…”
Ele arfou puxando o ar com força, sentiu uma náusea com aquele
movimento e balbuciou algo incompreensível. Felipe chorava suspendendo-
o com a confirmação de que já podiam partir e passou a levá-lo com
velocidade em direção ao carro do lado de fora. A paisagem, que mudava
enquanto se deslocavam, já era apenas manchas na visão do outro.
— Não se esforce! Aguenta firme! Aguenta firme, Gabo.
Eles entraram no veículo apressados. O ruivo o arrumava com agonia
em seu colo no banco traseiro, cobrindo-o com sua jaqueta de couro que
estava jogada ali. Thiago, que estava na direção, acelerou arrancando
enquanto Carla fazia inúmeras ligações gritando ao seu lado, no carona.
— Lipe… — Gabriel conseguiu murmurar finalmente.
— Não se esforce. Vai fi-
— Eu te amo — ele disse com suas últimas forças, puxando o ar
nauseante novamente antes de perder a consciência.
Todos emudeceram, o choro soluçante e atormentado de Felipe ecoando
em um lamento mórbido. Era a primeira vez que havia ouvido aquelas
palavras dele
CAPÍTULO I
Aproximadamente um ano antes...

Gabriel respirou fundo e tomou um gole longo de água enquanto


esperava ao lado da cabine do DJ, pousou a garrafa vazia sobre a caixa de
som e voltou ao seu estado de concentração total. O caminho principal para
o centro do salão do clube estava lotado de pessoas dançando amontoadas,
rindo e se divertindo, todas tonalizadas pela iluminação púrpura e magenta
piscante.
Ele sentiu o nervosismo percorrer a espinha como uma corrente elétrica
tensa por conta da expectativa da apresentação e suspirou mais uma vez o
cheiro glicerinado de fumaça artificial, cerveja e suor; sua expressão
agressiva habitual tomando toda sua feição. Por mais que já houvesse
dançado tantas vezes no clube da Lizzo, ainda sentia a mesma ansiedade da
primeira vez apertar seu estômago como uma gosma gelada e pegajosa.
Podia sentir a batida da música que vibrava sob seus pés percorrendo
todo o ambiente: um clube amplo com uma enorme pista de dança, dois
bares, e mesas com cadeiras aconchegantes espalhadas nas laterais. As
escadarias que levavam ao porão, ocupadas por pessoas que se beijavam no
escuro, eram iluminadas vez ou outra por quem saía pela saída de
emergência lateral.
Lizzo era a primeira travesti a abrir um clube queer no centro de
Tanrisa e, sem dúvida, tinha os melhores drinks, festas e um diferencial
único em relação a qualquer outra boate das redondezas: as apresentações
semanais de dança. Era definitivamente um lugar acolhedor para todo
público se divertir e se expressar, inclusive ele e seus amigos.
A batida fez Gabriel mexer o quadril lentamente e distraído, suas mãos
percorrendo seus próprios fios negros enquanto ele fechava os olhos
tentando se acalmar. Essa noite ele se apresentaria sozinho, ao contrário de
como geralmente era. Os sons já se convertiam em vibrações intensas que
penetravam seus poros. Deu uma rápida olhada ao redor antes de puxar com
força o próprio cabelo da nuca sentindo uma dor intensa ao mesmo tempo
que mordeu o próprio lábio até quase rasgá-lo.
A dor o ajudava a focar.
Repentinamente, seus olhos foram atraídos para alguém que ele teve a
sensação que o encarava do bar à sua direita: um homem alto de ombros
largos e cabelo vermelho intenso que caía sobre os seus olhos. Parecia um
punk vestindo jaqueta de couro e segurando uma câmera profissional na mão
tatuada.
Estava errado. Ao contrário da sensação, o homem não estava o
encarando e permanecia sério olhando apenas para Lizzo, a dona do clube e
sua amiga, com quem conversava. Tinha uma feição fria e indiferente e os
olhos amarelados como de um lince, dourado e brilhante. Gabriel arqueou
uma sobrancelha confuso, jurava ter visto ele o fitando há alguns segundos
com um olhar profundamente assustador.
Seu coração acelerou no peito no ritmo da batida e tremeu
involuntariamente como um cervo sendo caçado. Sua visão foi coberta por
Josh, que apareceu sorrindo ao lado de Ron, e o moreno suspirou
pesadamente.
— Eu tenho certeza que ele vai enlouquecer todo mundo de novo! —
disse Josh no que parecia ser a continuação de uma conversa a qual Gabe
não ouvira o início.
Os olhos muito azuis brilhavam como safiras e seu cabelo muito claro
faziam Joshua Liam parecer um anjo de desenhos animados. Gabriel
suspirou novamente. Mesmo depois de tanto tempo, ainda estava se
acostumando com o inevitável: nunca ficaria com o homem por quem ele foi
apaixonado por tantos anos, graças a ele. O moreno encarou Ron Collins
com o cenho cerrado. O homem usava uma camiseta de time de futebol e
uma jaqueta pesada que contrastava com a tez negra escura e brilhante, o
cabelo curto e perfeitamente cortado realçando o rosto anguloso. Tinha
lábios grossos e olhos escuros expressivos.
O casal diante do moreno trocou um olhar rápido e o mais alto de todos
parecia ter entendido que deveria ser simpático e motivador: Ronald
obedeceu suavizando sua feição e sorrindo levemente. Gabe revirou os
olhos, já havia se acostumado com aquilo.
Quando Josh e Ron estavam juntos quase nunca trocavam muitas
palavras, eles claramente se entendiam com o olhar. Pareciam feitos um para
o outro esfregando na cara de todos o quanto eram um casal perfeito e em
sincronia. Josh assentiu satisfeito pelo companheiro ter entendido o recado, a
aliança dourada cintilando em sua mão direita.
— Boa sorte, Gabriel — Ron disse esboçando um sorriso sem graça e
Gabe assentiu sério fugindo com o olhar irritado de sempre.
Joshua riu e abraçou repentinamente Gabriel em um aperto. O outro
xingou assustado com aquilo e sentiu o desconforto causado pelo contato tão
próximo e inesperado.
Ele encarou Ron dentro dos braços do loiro e reparou que ele o olhava
cuidadosamente, piscando rápido e enciumado. Ronald sabia que Gabe havia
sido apaixonado por Josh por longos dez anos, já que os piores
desentendimentos entre eles ocorreram por causa daquilo.
O moreno continuou com a expressão sisuda e fechada de sempre
enquanto afastava Josh do abraço eletrizante:
— Tá. Valeu — ele murmurou.
Josh ignorou a rudeza habitual do amigo com seu sorriso iluminado:
— Ah! A Lizzo chamou um amigo fotógrafo dela e parece que ele vai
tirar umas fotos por aí hoje! Então... — Josh emoldurou o rosto com as mãos
piscando muito e sorrindo mais ainda, sugestivo. — Sorria!
Gabriel lembrou imediatamente do homem assustador de cabelo
escarlate e jaqueta de couro, muito alto e intimidador, segurando uma
câmera perto do bar. Deu uma olhada rápida e confirmou que dessa vez ele o
encarava com um olhar sádico e cheio de lascívia, quase curioso? O moreno
revirou os olhos com desdém e deboche como fazia quando se sentia
irritado, odiava ser assediado.
Ele bufou afastando todos os pensamentos e o ignorou, ouvindo a voz
do DJ que chamava a atenção do público para o que aconteceria a seguir.
Um tremor percorreu sua espinha e seus olhos se esvaziaram em foco total.
Josh e Ron entreolharam-se em compreensão mútua e indicaram que
recuariam esperando por ele ao lado do bar. O outro assentiu indiferente. Era
a hora da apresentação.
De súbito, gritos de empolgação se fizeram enquanto muitos já olhavam
sorrindo e aplaudindo na direção de Gabriel. O DJ ria com aquela reação
esperada convocando todos para assistirem à atração principal, orientava as
pessoas que ocupavam o centro da pista a afastarem-se até abrir uma
clareira.
Gabe suspirou devagar olhando para o chão, assovios e palmas de
incentivo ecoaram distantes dentro de si até sumirem completamente.
Naquele momento só conseguia pensar no quanto precisava dançar, no
quanto necessitava expressar-se através de seu corpo e de seus movimentos.
Era ali que estavam as palavras que não dizia, os sentimentos que escondia e
a parte mais verdadeira e completa de si, o seu eu que ninguém no mundo
era autorizado a conhecer.
Muitos homens que frequentavam o clube ansiavam por esse momento
a semana toda e já observavam o moreno de pele castanha e olhos felinos
com desejo, competindo pela melhor visão do dançarino. Gabe os ignorava.
Tinha consciência que muitos o desejavam, ansiando por uma chance, mas,
talvez por ter passado tanto tempo gostando da mesma pessoa, ninguém
parecia interessante para ele. Todos eram monótonos e cinza. Ninguém
alcançava o padrão que impusera para si sem nem mesmo notar.
Por conta disso, inclusive, era comum acharem que ele era metido e
arrogante, sustentando-se no fato de ser muito bonito e talentoso. Mas isso
não era suficiente para diminuir sua popularidade, apenas aumentava mais
ainda a expectativa em relação a ele: era inalcançável.
Ele andou lentamente em direção ao centro do vão circunscrito pela
plateia agitada. Sempre quando a música começava, era quando podia
assumir a personalidade que tentava esconder dentro de si. Colocava toda
sua alma em seus movimentos, a técnica sendo aplicada sem dificuldade
enquanto sua emoção transbordava com o suor que escorria em sua pele
extasiada.
Gabriel tinha um porte alto e viril, a expressão sempre séria e o cenho
cerrado que lhe conferiam uma pesada feição mal-humorada, seus olhos
castanhos em tons de chocolate avermelhado refletindo uma sombra intensa
e sensual. Um gato elegante e violento.
Enquanto começava sua coreografia sentiu o ar sair quente de seus
lábios feridos por si mesmo. Tocava-se no ritmo, da forma que gostaria de
ser tocado dentro de sua melodia. Agora não ouvia mais nada ao redor,
sentia-se confiante ali, sentia-se livre.
Seu quadril elástico e movimentos precisos faziam os espectadores
gritarem cada vez mais alto, bater palmas e estalar os dedos para o alto. As
reações só o faziam entregar-se mais, e, secretamente, sentia vontade de rir
amargamente pensando em como nenhum deles entendia o que aqueles
passos significavam para si. Prepotente.
A música que tocava muito alto e o calor da plateia, somado aos
tremores do chão, o deixavam imerso na atmosfera, era rude e firme,
verdadeiramente agressivo. Seu corpo permanecia se movimentando pelo
salão e, a cada passo diferente, mais gritos empolgados reverberavam.
Enquanto seu peitoral e braços faziam movimentos improváveis, as pernas
sempre firmes, que giravam seu corpo rapidamente, convidavam e
desafiavam. Gabe sorriu de canto sensual, o suor que escorria em sua pele
tornando-a brilhante e quente. Saboroso ao extremo.
O moreno levantou os olhos incendiando de desejo e viu a mancha
vermelha embaçada no meio das pessoas o sugar para a realidade
brevemente. Seguiu a coreografia tentando focar os olhos de gato no homem
muito alto, parado no limite da clareira.
Ele o encarava sério, absorto como se o lesse. Aquele olhar caótico e
cheio de malícia parecia compreender tudo, cada mínimo detalhe do que
dizia sem utilizar nenhuma palavra. Gabriel arfou excitado com aquele olhar
faminto e se movimentou com mais intensidade, talvez fosse sua
imaginação, mas agora tinha a impressão de que ele estava realmente
compreendendo. Suas mãos percorreram seu corpo em um delírio rápido e
incoerente de que era aquele homem que o tocava, arranhava-se para além
do ensaiado. A melodia chegava ao fim e a última coisa que viu antes de
fazer o movimento final e as luzes apagarem foi um sorriso sádico por
trás da câmera profissional. Estava para sempre cativo naquela captura.

✽✽✽
Josh e Ron permaneciam ao lado do bar, o mais isolado possível do
público da boate, e receberam Gabe que ainda tentava controlar o coração
disparado em sua garganta. Estava sedento. Josh aplaudia muito empolgado.
— Eu nunca canso disso! Metade desses caras querem que você sente
na cara deles e a outra metade quer sentar na sua cara, isso é incrível! —
Josh riu alto enquanto entregava a garrafa de água para o amigo, o qual se
sentou em uma cadeira encostada à parede. Ron assentiu discretamente
apoiando-o.
— E eu quero que todo mundo se foda igualmente — o moreno
resmungou enquanto bebia toda a água, seu pescoço suado escorria.
Debruçou-se para frente apoiando os antebraços nos joelhos enquanto
recuperava seu fôlego. — Ah, e obrigado por ter pegado as turmas da manhã
hoje, eu realmente tive que ir ao centro fazer o pagamento dos funcionários.
O loiro negou com a cabeça e balançou as mãos para que ele não se
preocupasse.
— Tudo bem, você sabe que o karatê e a academia são tudo para mim.
Eu não me importaria nem de assumir todas as turmas. Você que deveria
considerar largar a administração e a faixa de uma vez e se dedicar ao que
realmente é importante para você — ele disse apertando o ombro do amigo,
aproximou-se mais piscando os olhos azuis profundos e indicou o centro da
boate que à essa altura já voltava ao seu estado normal e eufórico de festa —
Aquilo ali é o que você realmente gosta de fazer, Gabe. Por que insiste em
ignorar isso?
O outro bufou encarando o chão.
— A academia era importante para o meu pai, eu já disse — ele
murmurou. Ron suspirou trocando um olhar com o noivo, era melhor não
insistir naquela discussão. Josh rolou os olhos:
— Eu tenho certeza que tudo que o tio Valter queria era que você
fizesse o que te deixa feliz de verdade.
Gabe bagunçou o próprio cabelo contrariado.
Há anos, Gabriel e Josh ensinavam karatê na academia que fora do pai
do moreno e também dançavam juntos no clube de Lizzo. Haviam se
conhecido na adolescência e naqueles dez anos de amizade Gabe sempre foi
o mesmo: resoluto e cabeça dura. Com a morte de Valter, seu pai, ele havia
piorado muito, desdobrando-se em administrar a academia, lecionar a arte
marcial e ainda coreografar, ensaiar e dançar ali — o que no fundo, ambos
sabiam que era a única coisa que realmente queria.
Antes que o moreno pudesse retrucar, Lizzo se aproximou seguida do
fotógrafo ruivo. Ela era muito mais alta que todos e cintilava usando um
vestido de paetês furta-cor perfeitamente ajustado ao seu corpo, os cabelos a
conferindo mais cinco centímetros de ondas loiras artificiais de uma lace
perfeitamente armada. O homem assustador que a acompanhava mantinha
seus olhos deslizando entre Josh e Gabriel, analisando-os, quando a loira
agarrou o rosto de Gabe com seus dedos longos repentinamente, emanava
um cheiro doce intenso.
— Gabe, amorzinho! Nossa, eu sempre fico tão orgulhosa em te ver
dançar. Garoto, você precisa me ensinar a rebolar desse jeito. Essa bunda
linda é de tirar o fôlego! — Lizzo disse abusada, rindo alto, suas mãos com
unhas muito grandes e decoradas apertando suas bochechas. Gabriel sentiu
seu rosto esquentar muito envergonhado e cerrou mais ainda as sobrancelhas
em uma expressão brava.
Ela se voltou para o ruivo ao seu lado, simpática, e apontou para os
rapazes sorrindo.
— Felipe, esse é o Gabriel, o Josh e o Ron. E o Gabe aqui é a minha
jóia rara que você viu se apresentar ainda agora. Ele que me ajuda a dar um
rumo nos meninos da casa! Eu não sei o que faria sem esse gatinho raivoso!
O Josh aqui dança com os meus filhotes também... — Agora ela estava
muito empolgada tagarelando animada, falava sem parar. Felipe
cumprimentou Josh e Ron com a cabeça, seus olhos parando friamente em
Gabriel. O moreno por sua vez revirou os olhos novamente
desdenhosamente. Lizzo se dirigiu aos rapazes na sua frente prosseguindo
sem parar:
— Ah, meninos, e esse é meu amigo Felipe. Ele é fotógrafo e eu pedi
que ele tirasse umas fotos do clube. Ele trabalha com um amigo meu no
jornal! Vamos conseguir um espaço ótimo de divulgação na primeira página.
Josh bateu palmas alegre em uma exclamação, ele estava sempre
exultante. Lizzo comemorou a empolgação em resposta e voltou a tagarelar
sobre seu plano para divulgar o clube ainda mais nas redes sociais, além de
aproveitar o engajamento da matéria no jornal.
Josh e Ron a ouviam com atenção tentando acompanhar a energia da
dona do clube. Enquanto ela permanecia falando, Gabriel encarava
desconfiado o homem em pé à sua frente que devolvia a encarada,
provocativo. O moreno sentiu um arrepio de excitação percorrendo sua
espinha.
Em uma fração de segundo, Felipe passou a fitar Josh e Ron muito
próximos e mudou sua aura bruscamente, sorrindo simpático pela primeira
vez e evitando o olhar inquisidor do moreno. Ele se aproximou de Josh,
piscando galante, seus dentes perfeitos reluzindo num sorriso sedutor. Sua
voz rouca fez Gabriel recuar um pouco surpreso e sem ar, era grave e
intensa, mas não estava falando com ele:
— Então você também é dançarino aqui? Será que eu posso tirar uma
foto sua? Eu achei seus olhos… muito lindos — ele disse fazendo mais um
movimento em direção a Josh, dessa vez avançando como se fosse tocá-lo.
Todos se moveram em um lapso: Ron puxou o loiro seriamente pela
cintura e Gabriel, que estava sentado, levantou em um salto posicionando-se
na frente do amigo interceptando a abordagem. Lizzo se assustou com toda
aquela reação repentina e Felipe sorriu malicioso, ignorando Gabriel que o
encarava de perto. Fitou o casal sonsamente:
— Desculpa, eu disse algo errado?
Josh encarou Ron tranquilizando-o e finalmente tentou afastar Gabriel
de sua frente rindo sem graça:
— Relaxa, Felipe. Meu noivo aqui e meu amigo são dois ciumentos.
Um silêncio constrangedor se fez.
— Já sei! Tirem uma foto vocês três juntos! — Lizzo concluiu tentando
aliviar a tensão daqueles olhares. Felipe assentiu de leve dando de ombros.
— Vamos, Vamos! — ela insistiu balançando as mãos a fim de dissipar a
atmosfera hostil.
Os rapazes concordaram, com exceção de Gabriel que ainda apertava os
olhos raivosos para o ruivo, muito perto. Seus rostos estavam tão próximos
que o menor conseguia sentir sua respiração. Felipe o encarou sorrindo
provocativo, também sentia o calor vindo da pele alheia e seu cheiro:
tropical e levemente adocicado. Reparou nos cabelos densos e negros
alvoroçados emoldurando a face arisca, os olhos de gato muito bravos e
selvagens o perfurando. Analisava-o com cautela, convidativo.
O ruivo finalmente recuou fazendo uma mesura singela com a cabeça,
como se desculpasse, enquanto Lizzo puxava o outro, insistindo para que
posasse para a foto com os amigos até que ele cedeu. A câmera foi
posicionada em direção ao trio: Ron relaxou lentamente e tentou sorrir assim
como Josh, mas Gabe cruzou os braços ao lado dos amigos e manteve a
expressão de raiva de sempre.
O fotógrafo fitava o moreno através do visor da câmera, seu corpo tinha
espasmos de ansiedade e seu coração batia com violência dentro do peito de
forma inédita. Sentia a excitação o consumir e, pelo rubor na pele do homem
que mirava, tinha certeza de que ele também não era indiferente. Gabe
encarou a lente como se pudesse fitar os olhos por trás daquela máquina, seu
corpo ardia de raiva: “aquele filho da puta deu em cima do Josh na frente de
todo mundo?” pensou possesso enquanto sentia descargas elétricas
percorrendo sua espinha.
O clique da câmera soou.
Josh sussurrou algo para Ron em um canto e Gabriel revirou os olhos
com desprezo, sentindo todas as suas defesas ativas, a raiva o consumindo
sem precedência. Felipe o fitava calmamente com um sorriso de canto.

✽✽✽

Quente e úmido.
Gabriel se via pelo reflexo no espelho do banheiro. Observava os
detalhes de suas sobrancelhas muito cerradas em uma expressão séria e
intimidadora, seus lábios desenhados rígidos em uma linha tensa. Seu cabelo
negro estava uma bagunça desordenada apontando para todos os lados e seus
olhos castanhos brilhavam.
Uma mão tatuada apareceu por trás de si e segurou o seu queixo com
violência fazendo-o sentir a parte interna de suas bochechas rasgar até
sangrar. Gabe gemeu. Sua expressão séria dissolveu-se pelo prazer com a
dor que sentia e então, finalmente conseguiu ver os olhos sombrios,
brilhantes e dourados, além do cabelo vermelho vivo, do homem atrás de si
que sorria sádico.
Sentiu um latejar entre as pernas enquanto a outra mão do ruivo invadia
sua blusa e, com as pontas dos dedos acariciava seu abdômen e mamilos
lentamente. O moreno arquejou fechando os olhos, arfava excitado e seu
coração batia muito rápido quando sentiu todo o corpo do homem atrás do
seu pressioná-lo contra a pia de mármore, o membro alheio muito rígido
contra suas nádegas...
O sol já havia levantado, aquecendo as ruas movimentadas, e sua
claridade invadia o quarto pelas frestas da cortina leve e esvoaçante quando
o homem adormecido teve um sobressalto.
Seus olhos se abriram repentinamente: acordou atordoado e sozinho em
sua cama. O coração palpitava na garganta e seu próprio membro pulsava
rígido, melando sua cueca debaixo do lençol. “Só pode estar de sacanagem”
ele pensou enraivecido. Gabe bufou afastando o sonho erótico e sem sentido
da mente e levantou-se para ir trabalhar.
Ele morava sozinho há 8 anos naquele pequeno apartamento que ficava
nos altos da academia que agora o pertencia. Antes disso não tinha a
intenção de viver em Tanrisa. A princípio, ele viera ali com a mãe apenas
para vender aquele imóvel onde funcionava a academia de musculação e
artes marciais que seu pai administrava em vida. Um negócio que Valter
manteve por anos mesmo que isso significasse viajar de carro por pelo
menos três horas para chegar lá e mais três horas para voltar diariamente.
Àquela época, aos 16 anos, presenciou pela primeira vez um treino de
karatê no qual conhecera Joshua Liam e, imediatamente, se apaixonou pelos
olhos azuis e o sorriso sempre otimista do loiro. Naquele mesmo dia Gabriel
insistiu para manter a academia e não a vender. Decidiu que queria aprender
a lutar para conhecer o divertido karateca que, depois, se tornou seu melhor
amigo.
A partir dali, Gabriel passou a fazer o mesmo trajeto cansativo de
ônibus várias vezes por semana, de onde morava desde que nasceu, Kilife,
para o centro da metrópole, Tanrisa, exatamente como seu pai. Até mudar-se
completamente aos 18 anos e seguir o que ele considerava ser uma
existência um pouco medíocre, mas feliz.
Trabalhar, estudar e cuidar de sua família, que ficou muito fragilizada
depois que seu pai morreu, tornou-se sua vida. Até mesmo o amor não
correspondido que sentia por seu melhor amigo era parte da sua rotina: ele
sempre tinha o controle de tudo.
Após o banho, o moreno se vestiu e passou o café preto indispensável.
Desceu despreocupadamente as escadas de ferro segurando sua xícara e
entrou na academia que já estava aberta desde mais cedo. Talita, a
funcionária da recepção, e outros funcionários cuidavam de tudo. Assim, ele
administrava as finanças, compras e pagamentos além da coordenação geral
do negócio. Fora isso, ele mesmo era sensei de karatê com Josh.
O moreno suspirou e cumprimentou a funcionária da entrada, além dos
outros personal trainers no caminho com sua expressão sisuda habitual. A
academia tinha o mesmo cheiro familiar de abafado e frio, suor e
equipamentos de sempre. Vasculhou o olhar pelo ambiente reconhecendo
cada mínimo centímetro do seu espaço, sua zona de controle, e finalmente
avistou Josh de quimono alongando-se na sala de artes marciais que ficava
no fundo da academia, depois de todos os aparelhos de musculação no
caminho.
Gabe caminhou devagar em direção àquela sala, que tinha uma
divisória de meia parede com o resto do ambiente, e mais janelões de vidro
que permitiam a visão do treino interno por todos que faziam musculação.
Como também, panoramicamente, a vista interna da academia toda. Ele
gostava de ficar de olho em tudo sempre.
— Bom dia — Josh disse animado enquanto se esticava, pronto para a
aula da manhã. Passou a alongar as pernas. O ar-condicionado deixava a
sala, ainda vazia, muito silenciosa enquanto que, do lado de fora, o
movimento na academia aumentava gradativamente.
Gabriel grunhiu e levantou uma mão em silêncio, bebeu seu café quente
devagar sentado no longo banco que ficava na lateral do tatame. Ele sentiu o
líquido quente devolvê-lo à vida enquanto observava as pessoas que
chegavam para cumprir seus itinerários de exercícios na área da musculação.
Josh riu baixinho compreendendo o sinal, seu amigo precisava sempre
do seu café antes de estabelecer qualquer diálogo pela manhã.
Gabriel permaneceu distraído bebericando do seu café lentamente. Lá
fora estava muito mais quente, o sol alto agora lutava para entrar pela
fachada de vidro espelhado e a música que vinha da área de musculação
soava abafada e isolada, diferentemente do espaço destinado às artes
marciais onde estava. Ali, o amplo tatame, os bancos e armários de ferro só
transmitiam paz. Utensílios para o treino se amontoavam em um canto mais
próximo à porta. Um bom potencial de agressão, porém quieto e silencioso.
Involuntariamente, lembrou-se do sonho erótico que teve com o
fotógrafo da noite passada e desbloqueou o celular que trazia no bolso por
impulso. Com alguns deslizes de tela e buscas rápidas, através do perfil de
Lizzo, rapidamente encontrou o do ruivo. Arfou prendendo a respiração. A
foto de perfil não era seu rosto, mas sim a foto de uma montanha em tons de
preto e branco. Ao fundo, vários jogos de luz distorcidos das estrelas, como
se elas se movimentassem. Ele era o único Felipe que ela seguia. “Felipe
C.”. Era ele?
Seu coração acelerou ao clicar no perfil. Na descrição havia apenas a
indicação de uma exposição de fotografias intitulada “Incontrolável” e
muitas fotos incríveis de paisagens absurdamente lindas. Cenas chuvosas,
caóticas. Imagens distorcidas e experimentais com sobreposições dando a
impressão de tempo passando e movimento. Sombras. Vultos. Borrões
assustadores e simbólicos.
O moreno arfou mais uma vez vendo a qualidade das fotos, todas
extremamente sensitivas e intensas. Permanecia deslizando o dedo na tela
hipnotizado pelas fotografias e mordeu o canto do lábio com força até sentir
a ferida que tentava cicatrizar ali romper-se. Ele não ligou. Arregalou os
olhos sentindo suas pupilas dilatarem: havia encontrado a única foto de
Felipe naquela conta. Ele estava de perfil fumando em uma varanda, a franja
vermelha cobrindo o rosto perfeito e anguloso.
Gabe engoliu o café com dificuldade, a quentura do líquido ardendo
contra a ferida do lábio. Em contraste, sentiu um frio no estômago só de
lembrar daquele homem na sua frente, o sorriso sádico e provocador, o olhar
dourado que parecia querer invadi-lo. A forma como ele o encarava
enquanto dançava como se pudesse ler cada mínimo canto sombrio da sua
mente.
O moreno bufou. Também era inevitável lembrar de Felipe flertando
com Josh na noite anterior e percebeu que tudo aquilo, inclusive seu sonho
maluco, era causado, na verdade, por estar furioso com aquele homem.
“Quem esse imbecil pensa que é? Dando em cima do Josh assim do nada?
Ele nem o conhecia. Claramente o Josh e o Ron estão juntos, não é possível
que ele não notou. Babaca” ele sentiu seu rosto esquentar, o que o fez fechar
ainda mais sua expressão e as sobrancelhas.
Josh o olhou confuso.
— Nossa, eu sei que você não gosta de conversar antes do café, mas
nunca tinha visto você tão mal-humorado até depois de tomar — o loiro
comentou e riu divertido.
— Não é por causa do café. Eu só não acordei bem. Não gostei da
apresentação de ontem — Gabriel mentiu bloqueando o celular e o
abandonou ao seu lado, mal-humorado.
— O que?! Ah, para Gabe, a apresentação foi incrível. Todo mundo
adorou! Eles até preferem quando você se apresenta sozinho do que quando
dança com a gente! É óbvio que a maioria daqueles caras são doidos para te
pegar.
O menor revirou os olhos encarando o celular de novo. Queria voltar a
ver as fotos, mas controlou-se.
— Foda-se, não tenho interesse — Gabriel disse rudemente.
Lembrava-se nauseado do último cara com quem transara uns meses
atrás. Era mais do mesmo, sem graça e repetitivo: Gabe sempre assumia a
mesma posição de ativo e normalmente se decepcionava com algo rápido e
comum. Desistiu totalmente de sexo casual. Sentia-se estranho toda vez,
reprimindo-se e se limitando sempre quando tentava.
Odiava a frustração que o invadia sempre que acabava. Um vazio sem
fim.
— Eu te entendo. — Josh sentou no banco ao seu lado suspirando. —
Mas você sabe o que rolou comigo no passado então você entende porque eu
não curtia sair com qualquer cara antes do Ron.
Gabriel o encarou sombrio “eu era qualquer cara?” ele pensou,
refletindo-se em toda sua face. Josh entendeu instantaneamente a sua
expressão e engoliu em seco. O moreno sempre quis uma chance com o
amigo, mas nunca, em nenhuma hipótese, recebeu mais que amizade:
— O que quero dizer… — o loiro se corrigiu sem graça e apressado,
explicando-se: — é que você podia tentar conhecer mais pessoas, se
aventurar um pouco, tentar coisas novas. Você não é como eu que tive uma
experiência traumática. Você deveria, sei lá... Só... tentar. Nem que seja para
se divertir um pouco.
— Não quero me divertir. — Gabe bufou e encarou o celular de novo,
estava quase cedendo ao desejo de vasculhar mais um pouco naquele perfil.
Negou com a cabeça e se controlou de novo, habituado. — Eu tenho muito o
que fazer para perder tempo com isso. Relacionamentos e toda essa merda.
Não.
O outro suspirou pesadamente.
— É exatamente por isso que estou te falando isso, Gabe — Josh
retrucou. Parecia se sentir culpado pelo amigo se sentir sozinho e mal-
humorado. — Se tentar conhecer pessoas novas pode acabar... rolando algo
de verdade... Entende?
Josh olhou para cima contendo-se, já havia perdido a conta de quantas
vezes já havia insistido naquilo. Tentando tirar o melhor amigo de trás dos
altos muros que ele construiu ao seu redor, afastando todos de si,
bloqueando-se do mundo.
Ambos sabiam que um nunca poderia corresponder aos sentimentos do
outro, mas ainda assim, parecia algo complicado demais de se resolver. O
loiro massageou as têmporas e, de relance, viu o vulto rubro à entrada da
academia. Endireitou-se no banco e fitou o amigo que parecia absorto em
pensamentos agora encarando a xícara de café que segurava.
— Sem chance — Gabe ecoou entredentes.
— Não mesmo? Não tem mesmo nenhuma chance de você tentar, por
exemplo, sei lá… Conhecer aquele fotógrafo de ontem? Você parecia
interessado — Josh disparou empolgado. Gabriel revirou os olhos bufando,
seu rosto assumindo uma cor avermelhada intensa.
— Interessado em quebrar a cara dele — grunhiu.
— Hum, tem certeza? Eu te conheço há 10 anos, Gabe. Você
definitivamente parecia interessado nele. E ele em você.
— Ele estava interessado em você — Gabe retrucou, mais amargo do
que gostaria, encarando o amigo em seguida, mal-humorado. Josh deu uma
risadinha debochada e fez um movimento com a cabeça indicando a entrada
da academia.
— Será mesmo? Vamos descobrir.

✽✽✽

À entrada, Felipe observou os aparelhos e o movimento


cautelosamente. O cheiro que se alastrava no ambiente o surpreendeu de
imediato: café, um de seus maiores vícios. Ele arqueou a sobrancelha
surpreso. Aquilo era estranho, considerando que dentro de uma academia
normalmente o único cheiro recorrente era de suor.
O ruivo tinha acabado de se matricular e a recepcionista fazia uma série
de perguntas. Em resposta, ele entregou distraído o papel com seu plano de
exercícios da academia que costumava frequentar anteriormente enquanto
permanecia vasculhando com os olhos dourados ao redor atentamente,
buscando.
Viu de relance Josh o encarando através de vários janelões
transparentes na sala nos fundos da academia e automaticamente fixou seus
olhos em Gabriel. Sentiu breves espasmos de ansiedade nas mãos e xingou
mentalmente quando lembrou que não poderia fumar lá dentro, normalmente
era a única coisa que o acalmava.
Assinou os papéis e aceitou lacônico a proposta da mulher de guiá-lo no
novo espaço. Ele a seguiu, ouvindo o som dos pesos e da música de fundo,
além de todas as orientações da moça à sua frente. Acompanhava de longe
atentamente, com o olhar, Gabriel, que depois de ouvir algo que Josh havia
dito, virou-se com violência prendendo seus olhos nos do ruivo.
Os dois se encararam brevemente e o homem reparou que o moreno
segurava uma xícara de café na mão. Sorriu discretamente e involuntário,
pensando que então era ele o responsável por espalhar aquele aroma no
ambiente. Imaginou por um instante sentir o sabor do café diretamente
daqueles lábios feridos, só mais uma das muitas coisas que vinha
imaginando em tão pouco tempo envolvendo aquela criatura raivosa.
Suspirou. Estava indo longe demais?
Felipe sentiu outra onda de tremores nas mãos ao lembrar-se daquele
rosto em uma expressão profundamente concentrada, inebriado pela batida
da música, na noite anterior. Era capaz de ver seus movimentos precisos e
hipnotizantes vividamente diante de seus olhos. Vê-lo dançar havia sido
como ouvi-lo falar de tudo que sentia e queria dizer ao mundo, seus desejos
contidos e sombrios. Alguns minutos que, para ele, pareceram horas
conhecendo-o intimamente.
Ele desviou o olhar para concordar com a recepcionista sem ter
realmente ouvido uma palavra sequer dela, sugado para a realidade contra
sua vontade.
— Então é isso, qualquer dúvida só me chamar — Talita disse um
pouco corada, nunca havia visto um homem tão bonito e grande na vida. E
ele a ignorava. Totalmente.
Ao mesmo tempo, Josh havia saído da sala e vinha na direção do ruivo
seguido por um Gabriel muito mais mal-humorado que o comum, seus
braços cruzados e punhos cerrados. Tinha cabelo negro bagunçado e a
expressão sisuda que realçavam o rosto castanho perfeito.
O moreno deu uma encarada fria na funcionária e movimentou a cabeça
para que ela seguisse com seu trabalho, apertando os olhos para a forma
como ela parecia inclinar-se na direção do ruivo. Talita engoliu em seco e
fez um sinal com a cabeça fugindo de fininho em seguida.
— Ei, Felipe! Que coincidência te encontrar — Josh cumprimentou-o
estendendo a mão. Felipe olhou para o loiro sorrindo sedutor, dessa vez mais
empenhado em flertar, provocativo.
Apertou sua mão simpático:
— Ah, realmente. Uma ótima coincidência — Felipe disse sonsamente
com a voz rouca e baixa.
— Foi a Lizzo que te falou que trabalhávamos aqui?
— Não. Foi realmente só coincidência. — O ruivo deu de ombros e
fitou Gabriel. — Eu já precisava mudar de academia e essa fica melhor na
minha rota para o trabalho
— Caramba. Que coisa, não? — Josh disse não muito convencido da
desculpa. — Você acredita que essa academia aqui é do Gabriel? Nós damos
aula de karatê aqui também.
Felipe reparou no quimono e na faixa preta na cintura de Josh. Gabriel
acompanhou o olhar do ruivo deslizando pelo corpo de seu amigo e bufou.
“Babaca, vai dar em cima dele aqui também? O que esse idiota está fazendo
aqui?” sua mente estava um caos, pura fúria e algo mais que não conseguia
definir.
O ruivo deu uma risadinha rouca baixa enfiando as mãos nos bolsos da
calça de moletom escura.
— Hum. Interessante. Nunca fui bom em artes marciais. Prefiro
exercitar disciplina em outras áreas na minha vida — Felipe disse sedutor e
Josh riu sem graça. — E você? Trabalha o dia todo? Vai sair que horas?
O loiro recuou um pouco com a pergunta repentina, mas não se
assustou, estava esperando aquele tipo de investida e acabou confirmando
sua impressão sobre o fotógrafo. Viu que Gabriel não iria se segurar por
muito tempo, e ao contrário do que pôde prever, ele se intrometeu
imediatamente:
— Treine à vontade, peça ajuda aos funcionários se precisar e tente não
importunar caras comprometidos. Não sei como você acha que as coisas são,
mas na dúvida, vê se não perturba ninguém — Gabriel disse friamente em
disparate.
— E é você que está comprometido com ele? — Felipe retrucou
debochado, encarando-o finalmente de cima.
Gabriel o ignorou, revirou os olhos com desdém e voltou-se para Josh:
— Pronto já fomos educados. Os meninos já estão chegando para o
treino. Eu vou trocar de roupa.
Ele virou e foi em direção à sala de treino bufando, a raiva preenchia
seu corpo e o deixava visivelmente tenso.
Silêncio. Josh não se moveu e sorriu friamente para Felipe. Podia ser
sincero agora que estavam à sós:
— Sabe? Eu sou muito bom em interpretar as pessoas. Eu diria que é
um dom. Dificilmente eu erro um julgamento sobre alguém. — O loiro
começou falando e Felipe percebeu a seriedade na sua voz apesar do sorriso
que ele tinha no rosto. De repente, o rapaz educado e extrovertido parecia
muito mais velho e experiente. O ruivo continuou em silêncio ouvindo-o
com atenção e curiosidade enquanto ele prosseguia:
— Eu sei quando algo é direcionado para mim e quando não é. E por
melhor que tenha sido a sua jogada de provocá-lo através de mim, eu não
vou tolerar que faça isso de novo. Aliás, eu conheço o Gabe há dez anos e eu
sei que ele não é tão atento quanto eu quando se trata dele mesmo.
Felipe deu uma risadinha que mais parecia uma bufada leve.
— E? — o ruivo falou instigando-o a continuar.
— E que você parece com ele nesse ponto, se escondendo atrás da pose
de cara mau. Eu já estou bem acostumado com isso vindo do Gabe. Acredite,
ficar nesse tipo de provocação boba não vai abrir caminho para você. Seja
claro de uma vez, sem joguinhos. Está no seu olhar que você quer algo com
ele — Josh disse e suspirou. Uma coisa tinha certeza, mas não poderia
admitir: provocar Gabriel a ponto de irritá-lo foi perspicaz demais. Era
exatamente o que mais chamava a atenção do seu amigo. Mas não seria
suficiente:
— Se quiser se aproximar dele de verdade vai ter que ser sincero,
Felipe. É como ele funciona. Ele fica com essa cara fechada, mas é muito
transparente.
Felipe estava surpreso com a precisão do loiro. Ele sorriu de canto e
concordou.
— Você realmente é bom nisso. E eu... Agradeço a dica — o ruivo
concluiu com a voz rouca.
Josh deu de ombros risonho e preparou-se para sair do entorno daquele
homem. Estagnou repentinamente como quem se lembra de algo e voltou-se
para ele de novo:
— Ah, e é bom que não seja um babaca que faça mal para ele ou você
vai se ver comigo — Josh ameaçou apontando para si mesmo, hesitou por
um instante analisando-o da cabeça aos pés e deu uma risadinha divertida.
— Na verdade, pior ainda, você vai se ver com ele. Eu realmente tenho pena
do maluco que tentar magoá-lo. Você o viu dançando, mas não o viu lutar,
não sabe nada sobre ele. Acredite, o Gabe não se curva para ninguém. Então,
esteja avisado do problema que está procurando e não o machuque.
A ironia daquilo fez o ruivo rir, estava mais curioso que nunca. Ele
levantou as duas mãos em alerta como quem se rende, divertindo-se.
— Tudo bem, não precisa se preocupar... Eu não tenho intenção de
machucá-lo. — “A não ser que ele peça.” Felipe pensou malicioso.
— Eu não estou preocupado, não tenho medo de você. — Josh sorriu
amarelo como despedida e caminhou em direção à sala na qual já via Gabriel
através do janelão se alongando de quimono.
Assim que Josh adentrou a sala, o ruivo negou com a cabeça satisfeito
sorrindo de canto:
— Talvez devesse ter. — Murmurou para si mesmo sombriamente.
Ele começou a sequência de exercícios. O corpo muito grande e a aura
intimidadora afastando as pessoas de seu entorno. Não demorou para os
alunos chegarem e os dois tutores de karatê iniciarem o treino na sala
reservada. Gabriel estava pegando mais pesado com seus pupilos que o
costume, irritado em seu auge, enquanto Josh continha os risinhos divertidos
sempre que pegava os dois homens se encarando através da vidraça.
Mesmo que o moreno evitasse olhar para a academia em busca de
Felipe, sentia a sensação de ansiedade e fúria o consumir, impelindo-o a
voltar-se para ele sem perceber. “Por que os caras filhos da puta sempre são
gostosos? Olha o tamanho desse braço. Vai se f...” seus pensamentos o
deixavam cada vez mais irritado. Xingava como de costume sem evitar
transparecer o quanto estava afetado pelo exibicionismo do outro.
Ao fim do treino, Josh rapidamente inventou uma desculpa para sair o
mais rápido possível, afirmando às pressas que tinha que encontrar com Ron
no trabalho e ignorou os protestos do amigo para ajudar na arrumação da
sala pós treino. E ao sair, o loiro trocou um olhar com Felipe o qual
observava seus movimentos atentamente. Os dois se despediram
silenciosamente com o olhar e o ruivo assentiu, grato por aquela
oportunidade. Era sua chance.
Gabriel resmungava enquanto guardava o equipamento do treino e
esperava todos os alunos saírem até não restar mais nenhum. O silêncio se
fez dentro da sala antes de ouvir o som de alguém se aproximando. Felipe
entrou em silêncio e encostou-se em um ponto cego ao lado da porta, dali as
pessoas do lado de fora não eram capazes de vê-lo pelas vidraças.
O moreno girou o corpo para guardar os últimos aparadores e
estremeceu com a figura que via. Ignorou-o tentando manter a expressão
cerrada e indiferente.
— O que é que você quer? Se veio perturbar o Josh, ele já foi — Gabe
disse e jogou os itens na pilha de aparadores rudemente. Caminhou até o
ruivo com raiva em seguida, estava aquecido e pronto para socá-lo.
Felipe permanecia de braços cruzados encostado na parede
despreocupadamente, seus olhos sádicos analisando o moreno suado: parte
do peitoral exposto através do quimono desorganizado, o mamilo indefeso e
arrepiado pelo frio.
— Hum? É mesmo? Então, você está sozinho aqui?
Gabriel parou diante dele com os braços cruzados e a expressão muito
séria.
— Qual é a sua, cara? É algum tipo de babaca que se acha melhor que
todo mundo para sair provocando as pessoas? Saiba que eu odeio essa sua
atitude de merda — Gabriel disparou e se aproximou um pouco mais, seus
olhos cintilando de fúria. Talvez, subconscientemente, desejasse irritá-lo a
ponto de criar uma briga real, seria ótimo realmente descontar sua raiva da
sua forma favorita: violência.
Irritá-lo, sim, sentia-se impelido a irritá-lo cada vez mais.
— Não parece que odeia. Para mim parece estar gostando de ser
provocado — Felipe murmurou sorrindo de canto e impulsionou-se da
parede em um movimento rápido.
— O que?! — Gabe se desarmou por um segundo, não esperava aquela
resposta, ainda mais em um tom tão calmo.
Subitamente, Felipe o puxou e o pressionou contra a parede
violentamente fazendo-o tomar a posição que estava antes. Gabe reagiu
tentando fugir do aperto e entraram em um impasse firme, um segurando os
pulsos do outro.
O moreno tentava fazer força para sair da encurralada enquanto o
homem que o pressionava lutava para mantê-lo no lugar. Felipe sorriu mais
ainda apertando-o com todo seu corpo, tinha a pele muito alva e um cheiro
gostoso de cedro e cravo que fazia o menor perder a concentração com
facilidade. O ruivo chiou como se acalmasse um animalzinho, divertindo-se
com a expressão raivosa que recebia como resposta.
— Você parece como um gatinho arisco para mim, sempre com essa
expressão malcriada querendo arrumar confusão — o ruivo disse em um
sussurro sibilante. Gabriel fazia força para sair, mas inesperadamente aquele
homem tinha uma base muito sólida e era tão forte quanto parecia.
Felipe aproximou a boca de seu ouvido e falou muito baixo, a voz rouca
causando múltiplos arrepios na pele alheia:
— Brigar com um gatinho tão arisco assim não vale a pena... Eu só
quero agradá-lo.
— Me solta! — Gabriel sentiu-se muito rígido com a aproximação,
aquela voz em seu ouvido atordoando-o. Ele não queria ser notado na ereção
indesejada e não conseguia se concentrar o suficiente para se livrar da
encurralada. — Eu vou te quebrar, porra! Fica longe do Josh!
O ruivo riu divertido. Uma risada que só piorava a condição inesperada
de Gabe.
— Sério que você ainda está nisso? — Felipe disse e o fitou de perto,
pressionando mais ainda seu corpo contra o do rapaz a sua frente. — Eu não
tenho interesse nenhum no seu amigo.
Silêncio.
Gabriel estava surpreso e confuso, sentia uma neblina densa e sufocante
que o incapacitava de reagir. Era como se aquele homem agisse como um
tipo de droga sobre si, o seu cheiro penetrando pelos seus poros
anestesiando-o.
Agora finalmente sentia a textura do membro alheio, muito rígido,
contra o seu próprio e tremeu. Era não só incapaz de fugir, como até mesmo
de piscar fora daquele olhar intimidador. A raiva de outrora dissolvia-se ao
mesmo tempo que se fortalecia mesclando-se com a ansiedade e a excitação.
Suas bocas estavam muito próximas e a dor, que secretamente sempre o
fazia ficar excitado, destituía-o de qualquer vestígio de concentração ou
intento de parecer indiferente.
“Droga” Gabriel pensou. Gostava daquilo, gostava da forma como ele
parecia agressivo e rude. Gostava mais ainda da forma como ele o segurava.
Sentia a curiosidade adormecida dentro de si revirar-se implorando por mais,
gritando para que ele continuasse. “Droga…”.
Felipe se aproximou um pouco mais, o cabelo muito vermelho caindo
em uma franja emoldurava seu rosto abaixo da altura dos pômulos, a parte
da nuca e lateral mais baixa em um corte raspado. Parecia gostoso de tocar e
Gabriel agora tentava conciliar esse com os outros muitos impulsos que
tinha perto dele. Estavam tensos, a expectativa entre seus corpos causando
uma sensação dolorosa.
O ruivo lambeu lentamente os próprios lábios revelando um piercing na
língua. Era demais. Gabe arfou acompanhando sedento aquele movimento e
pensou automaticamente que nunca havia beijado alguém com piercing.
Mais curiosidade. “Droga…” repetiu mentalmente.
O ruivo murmurou brincalhão:
— Por que você não relaxa um pouco e escuta a proposta que eu tenho
para te fazer?
Dito isso, ele se afastou devagar e ajeitou o cabelo todo para trás
deixando Gabriel estertorando contra a parede. Finalmente estavam livres
daquela atmosfera absurda.
O moreno ponderava se realmente devia ouvi-lo ou só aproveitar a
oportunidade para socá-lo, porém a resposta parecia muito clara como se na
realidade só houvesse uma opção ali. Seu coração batia rápido e ansioso. Ele
realmente não esperava que, na realidade, todo aquele flerte do fotógrafo
direcionado para o seu amigo era apenas uma provocação para chamar sua
atenção.
Um misto de lisonja e curiosidade agora o tomava, só por aqueles olhos
cheios de desejo ele já conseguia interpretar que aquela proposta seria algo
sexual. Hesitou lembrando do sonho erótico que teve com aquele homem e
tentou administrar a raiva que se mesclava com o tesão.
— Fala — ele retrucou rudemente.
Felipe negou sorrindo provocativo.
— Eu te busco às sete. Vamos tomar um café e eu te falo — Felipe
disse se divertindo com sua expressão contrariada.
Gabriel rolou os olhos com desprezo, sua expressão fechando-se em
uma carranca adorável enquanto uma aura de fúria o rondava. O ruivo sorriu
de canto lambendo os lábios de novo, de perto era possível perceber detalhes
que não havia conseguido notar antes.
Analisava cada tom mais avermelhado daquela pele castanha e como
ele fazia um biquinho lindo inchando as bochechas levemente sempre que
tentava não demonstrar como se sentia de verdade. Estava encantado e não
podia parar de pensar em quantos outros detalhes ele poderia ver se chegasse
cada vez mais perto. Queria chegar cada vez mais perto.
O moreno engoliu em seco e fugiu com o olhar daquela encarada.
— Que seja — ele disse por fim dando de ombros, fingindo indiferença.
“Quem é esse cara? Quem... É você?” Gabriel pensava atordoado.
CAPÍTULO II

Do lado de fora do banheiro, o noticiário passava na TV ligada apenas


para Gabriel não se sentir tão só. Às vezes deixava-a assim, simulando a
companhia que não tinha e nem queria ter, o som quebrando o silêncio entre
os poucos cômodos de seu pequeno apartamento.
A voz da jornalista noticiava os crescentes casos de conflitos entre
gangues e o mercado de ações fraudulento, além de mais um par de
escândalos políticos. O território todo parecia cada vez mais tomado pela
máfia que dominava Cicék. De Tentáculos de Pátia até Cicége. E em Tanrisa
não era diferente.
O ponteiro do relógio seguia em um ritmo acelerado enquanto o
moreno tentava manter a respiração calma, sem sucesso. No banho, ele
tocava o próprio corpo devagar com as pontas dos dedos úmidos, os olhos
fechados e apertados. Lembrava-se da sensação da proximidade repentina
daquele homem tão misterioso e atraente, a água do chuveiro caindo em um
chiado ao redor de si. Era inevitável, aquilo não saía da sua cabeça.
No fundo, sabia que poderia ter escapado daquele aperto se tivesse
focado o suficiente, mas naquele momento seu corpo simplesmente parecia
não responder aos seus comandos. O olhar carregado de desejo de Felipe e
seu cheiro inebriante o fazendo perder todas suas tão preciosas defesas.
“Você fez parecer tão fácil...” ele pensou passando a ponta dos dedos
em sua coxa “É só rejeitá-lo. Exatamente como todos os outros”. Negou com
a cabeça percebendo que estava se enganando sobre como se sentia e
grunhiu contrariado. O som do noticiário agora estava cada vez mais
distante, era como se estivesse submerso naquela sensação.
A água permanecia escorrendo pela sua pele muito sensível. Havia
muito tempo desde que ele tinha transado pela última vez e agora
considerava que talvez só estivesse muito excitado por conta da necessidade
do seu corpo por contato. “É isso, é só carência” ele continuou pensando. A
imagem de Felipe lambendo os lábios com lascívia, o piercing prateado que
parecia chamá-lo para um beijo muito quente, invadiu sua mente sem
autorização.
Sua mão deslizou para entre as próprias pernas molhadas e a apertou
com as coxas sentindo a pressão ali. Com suas unhas ele agatanhou sua
carne com muita força por cima da fileira de cicatrizes secretas, algo que ele
fingia não existir. Sentiu a dor estonteante o excitar muito mais.
Quase podia ouvir o ruivo chamando-o de gato arisco, muito perto. A
voz rouca afetando-o mais do que qualquer coisa que já havia ouvido.
Gabriel riu daquele apelido. Encarou seu membro muito duro batalhando
contra a força do jato de água que caía do chuveiro e tentou focar na
sensação das muitas gotas agressivas batendo em sua glande. Ele gemeu e
jogou a cabeça para trás arfando, controlava sua mão para não o tocar,
torturando-se. “É só sexo. Que seja, se ele quer transar... Que seja. Uma vai
ser suficiente para matar a vontade e nunca mais eu tenho que ver esse
babaca” pensou desligando o registro agressivamente.
Após se vestir, Gabe fitou seu próprio rosto no espelho repetindo
mentalmente o mesmo mantra: “É só sexo, não abaixe a guarda para ele”.
Sentia-se estúpido por ter demorado tanto para entender as intenções do
fotógrafo devasso que fingia flertar com Josh apenas para provocá-lo.
O moreno sorriu. Estava indignado por ele ter jogado tão sujo para
chamar sua atenção, mas ao mesmo tempo entendia porque se sentia tão
atraído por ele. Afinal, jogos sujos e complicados o excitavam muito. Felipe
não havia se aproximado flertando e se exibindo como todos os outros. Ele o
analisou. Achou seu ponto fraco e brincou com Gabriel como se estivesse
acostumado com isso. Gabe assoviou e riu sozinho, impressionado.
O horário combinado para encontrá-lo já estava muito perto. Ele se
jogou na cama e desbloqueou o celular ansioso, voltando a encarar o
portfólio do fotógrafo. Já havia perdido a conta de quantas vezes havia feito
aquilo durante todo o dia, mas ali estava ele vendo-as mais uma vez:
paisagens mudando em longa exposição, pessoas transitando em uma
captura dinâmica e desfocada, fotografias que transmitiam uma sensação
muito melancólica.
Quanto mais olhava aquelas fotos mais se sentia perturbado por elas.
Assim como ao dançar Gabriel se expunha, tinha a sensação de ver através
dos olhos de Felipe com aquelas imagens, mergulhar em seu íntimo. A
coleção que ele mesmo intitulou “Incontrolável” retratava cenas diversas e
caóticas, comuns e naturais que ninguém pode manipular, impedir ou, como
o nome sugeria, controlar.
Vê-las causava uma sensação de desespero e angústia diante de todas
aquelas cores, vultos e sombras, as estrelas e luzes artificiais da cidade
arrastadas como se o observador estivesse estagnado, preso, vendo o mundo
à sua volta girar.
Gabriel se levantou em um salto, bloqueando a tela, ofegante. Arrumou
e desarrumou o próprio cabelo várias vezes sentindo-se ansioso e vestiu seu
casaco xadrez consumido por um frio repentino. Desligou a televisão
olhando através da cortina, o sol já havia se posto há muito do lado de fora e
ele começava a desconfiar que sete horas parecia muito tarde para um café.
— Que imbecil... Se quer só transar para que café? — murmurou com
um sorriso bobo.
“Talvez ele não queira só transar” uma vozinha interior sussurrou
esperançosa em sua cabeça e ele automaticamente riu debochado revirando
os olhos para si mesmo: “só pode ser carência mesmo”.
Finalmente saiu de sua casa pontualmente e, dos altos, surpreendeu-se
com o ruivo encostado em sua motocicleta Harley Davidson estacionada no
meio fio. Ele fumava despreocupado. Usava a jaqueta de couro, camiseta de
banda, jeans e coturno, além da franja vermelha bagunçada emoldurando o
rosto anguloso, seu maxilar travado. Absurdamente lindo.
Gabriel arfou se perguntando como era possível um homem ser tão
bonito assim. O corpo dele era muito atraente e grande, os olhos sádicos
dourados cintilavam analisando o moreno como se o consumissem. Xingou
repetidamente em sua mente enquanto se aproximava do fotógrafo que
fumava calmamente, mal percebia o quão apressado e ansioso parecia em
seus passos acelerados, saltando os degraus de dois em dois.
Agora que estava mais perto, podia sentir sua presença como se tivesse
sido marcado por ele, o aroma de seu cigarro amadeirado diferente de
qualquer outro que já havia sentido o cheiro. Chipre e especiarias.
Sofisticado e peculiar exatamente como o ruivo a sua frente.
Gabe estagnou de braços cruzados e sobrancelhas muito cerradas diante
dele. Felipe sorriu tragando pela última vez e soprando noutra direção sem
tirar os olhos dourados daquele homem:
— Vamos? — ele disse com a voz rouca e desfez-se do que restou do
cigarro. Gabriel hesitou encarando severamente a motocicleta, e o ruivo
arqueou uma sobrancelha, provocativo. — Que foi? Tem medo de moto?
— Vai se foder, claro que não — o moreno grunhiu. — E isso não é
uma moto. Você tem a porra de uma Fat Boy, eu nunca pensei que fosse
subir em uma dessa. É bom que saiba realmente pilotar.
Felipe recuou surpreso e sorriu involuntariamente.
— Não tem o que se preocupar, gatinho, eu dirijo bem. Vem — garantiu
entregando o capacete para Gabe, a claridade das luzes noturnas da cidade
projetando-se sobre o ruivo. Seu rosto normalmente muito alvo parecia ter
sido afetado pelo tom rubro do cabelo. Ou seria apenas impressão de
Gabriel?
O moreno apertou os olhos, desafiador, e pegou o capacete com rudeza,
tentava manter sua expressão sóbria e mau humorada enquanto evitava
demonstrar a excitação de subir em uma moto tão incrível e icônica. Felipe o
observava sentindo seu coração descompassado de maneira inesperada, já
havia feito isso algum par de vezes antes e nunca nenhum cara o olhara
como aquele.
Sentia como se seus olhos o atravessassem, sua expressão fechada o
irritando e provocando-o em níveis que ele queria evitar e controlar ao
mesmo tempo. Desejava intensamente testar cada limite que ele podia
atingir. “Controlar. Ele só precisa de controle e tudo vai ficar melhor”
pensou ansioso, brincando com o piercing dentro da boca.
— É melhor você me segurar — o ruivo avisou divertido, fazendo
Gabriel, que já estava posicionado atrás dele, arregalar os olhos e hesitar.
Felipe acelerou para partir, a inércia obrigando o outro a se segurar com
força em sua cintura. Os dois estremeceram com aquele contato e seguiram.
Agora Gabriel sentia o vento contra sua pele através do casaco e
capacete, suas mãos apertavam inconscientemente o abdômen de Felipe
enquanto ele desfrutava do passeio tão breve. A paisagem urbana do centro
agora reluzia pelos outdoors e iluminação artificial das vias, o cheiro de
maresia que vinha do oceano não muito distante dali permeava seus corpos
muito próximos.
Inevitavelmente, chegaram à cafeteria mais rápido do que gostariam. O
ambiente de decoração rústica decorado em tons amarelados graças às
lâmpadas incandescentes criava um clima quase romântico. “Esse maluco
quer transar ou namorar comigo?” Gabe pensou com raiva olhando ao redor
“até parece que eu sou algum bobo impressionado que vai cair nessa
baboseira”. Suspirou o cheiro do café mordendo o lábio involuntariamente.
Não tinha como mentir para si mesmo, estava impressionado.
Não havia muitos clientes ali e o clima era calmo e suave, uma
sensação reconfortante se espalhando pela atmosfera graças à música leve
que tocava ao fundo. Enquanto andavam, o ruivo encostou a ponta dos dedos
na base das costas do outro guiando-o na direção de uma mesa mais isolada,
próximo dos banheiros, assim teriam mais privacidade para conversarem.
Dali dificilmente podiam ser vistos pelos outros.
Gabriel mordeu o lábio ao sentir aquele toque dominador, um arrepio
intenso que partira daquele contato eriçando os pelos de seu corpo como um
gato. Ele permaneceu em silêncio e sentou-se na cadeira indicada por Felipe,
cruzando os braços de imediato. Aquela tensão entre ambos que
experienciaram antes já era perceptível como uma aura densa.
— Tá. Já estamos aqui. Fala — Gabe disse pontual.
— Não quer tomar alguma coisa?
Gabriel revirou os olhos com desprezo, impaciente.
— Com essa são seis — Felipe disse calmamente e Gabriel o fitou
confuso.
— Seis?
— Seis vezes que você revirou os olhos assim para mim.
Felipe o olhou com frieza e Gabriel sentiu sua postura assustadora e
dominadora o pressionando de novo. Um medo instintivo como de um
animal sendo caçado o tomou, exatamente como na noite anterior quando
pensou que estava só nervoso para sua apresentação. Ali, sentira que ele o
observava, mas não tinha certeza.
Gabe apertou o próprio braço sentindo um pouco de dor, o que o fez
recobrar a consciência: “foco, não deixa ele te intimidar. É só sexo”. Uma
atendente se aproximou insegura pelo lado da mesa para anotar os pedidos,
parecia hesitante e incerta se os dois estavam prestes a brigar ou não. A
tensão entre ambos cada vez mais intensa.
Felipe pediu um café americano sem olhar para a moça e fez sinal para
Gabriel pedir algo, o outro deu de ombros. O ruivo suspirou e concluiu
pedindo dois do mesmo. A moça se retirou apressada olhando rápido de um
para o outro preocupada.
Silêncio.
— Tá. E daí? — Gabriel disse finalmente quando ela se afastou.
— Você nem olhou o cardápio. Tem muitos cafés bons aqui — Felipe
disse percebendo que o moreno estava ficando muito arisco de novo.
— Eu perguntei “e daí?” Por que você ‘tá contando essa merda, afinal?
O ruivo suspirou e inclinou-se um pouco para frente.
— Hum, digamos que eu gosto de ter as coisas sob controle. E você
parece exatamente um cara difícil de controlar — ele falou com sinceridade.
Gabriel arqueou a sobrancelha esperando Felipe continuar. O ruivo suspirou
de novo e apoiou os cotovelos na mesa que os separava, uma das mãos
sustentando seu queixo, os olhos sombrios e dourados fizeram Gabe sentir
um calafrio. — Como eu disse antes, eu tenho uma proposta.
— Sexo. É isso, não é? Se quer transar comigo não entendo para que
tudo isso — Gabriel concluiu assertivamente e Felipe riu.
Fez-se um silêncio breve interrompido pela atendente que trazia as duas
xícaras dos pedidos, o som da louça demonstrava que tremia. Ela as colocou
na mesa e saiu apressada sem falar nada. Os dois se encaravam. Gabriel
olhou para o café e percebeu que ele estava muito quente, a fumaça densa
fazendo espirais sobre o líquido escuro.
Por impulso pegou a xícara e encostou o líquido ardente nos lábios
sentindo um prazer imenso com a dor que queimava sua pele. Felipe apertou
os olhos com precisão e continuou sua fala do ponto onde pararam antes de
serem interrompidos:
— É. Em essência, sim... Sexo — ele admitiu engolindo em seco. O
moreno o olhou através da xícara robusta de porcelana ainda desfrutando da
queimadura proposital. Felipe continuou admirando-o. — Mas antes eu
preciso saber que tipo de sexo você faz.
Gabriel abaixou um pouco a xícara com o cenho cerrado e deu de
ombros confuso.
— Sei lá. Normalmente eu sou ativo — ele disse sem entender bem o
significado da curiosidade alheia.
— Não perguntei isso. Perguntei que tipo.
— Do tipo normal, porra. — Gabriel colocou a xícara em seu lugar com
violência e cruzou os braços de novo impaciente, perguntava-se onde diabos
ele queria chegar com aquilo. Felipe riu e Gabriel não conseguia evitar
tremer um pouco ao ouvir sua risada rouca.
Silêncio.
— Eu não faço o tipo normal, gatinho. Até podemos fazer isso, mas eu
tenho regras — o ruivo disse.
Gabriel parecia mais perdido que nunca, sua boca fazendo uma linha
tensa exceto pelo ponto onde ele mordia o lábio levemente dolorido pela
queimadura. Felipe prosseguiu depois de bebericar de seu café
pacientemente:
— Isso significa que eu não transo com ninguém sem um contrato —
concluiu.
— Contrato?! Você está me chamando para um emprego?
Felipe riu divertido mais uma vez. Gabriel, sem intenção nenhuma,
conseguia ser sexy, perspicaz e divertido. Mesmo na sua agressividade era
intensamente adorável e provocativo. O ruivo sentiu os tremores na mão de
novo, a ansiedade o consumindo. Sua voz, por outro lado, não demonstrava
nenhuma alteração evidente:
— Sim, gatinho, um contrato. Não é um emprego, mas vai poder me
considerar seu chefe. Nele estão todas as nossas vontades, limites, funções e
regras. — Felipe tirou do bolso de dentro da jaqueta um conjunto de folhas
cuidadosamente dobradas e grampeadas juntas, colocou-as em cima da mesa
seguras por seus dedos. Gabriel manteve os olhos ávidos enquanto Felipe
continuava a explicação: — Eu sou adepto de um tipo muito específico de
dominação. A partir do momento que você assinar isso podemos começar a
nos divertir.
— Dominação? — Gabriel ecoou quase em um sussurro, curioso pelo
documento que o ruivo segurava. Sentia-se imerso de novo, a sensação
sufocante o deixando silencioso e inerte, hipnotizado por algo muito
inesperado que tentava emergir de dentro de si. Algo que ele tentou manter
silencioso por muito tempo. Seu coração palpitava tão rápido a ponto de
senti-lo na garganta.
O ruivo apertou os olhos e sorriu de canto:
— Sim. Em outras palavras: eu sou um dominador e quero que você
seja meu submisso.
Um silêncio quase infinito invadiu o espaço entre os dois. Gabriel não
piscava fitando o papel a sua frente, ele já havia lido algo sobre BDSM, mas
nunca realmente se aprofundou o suficiente. Acabou buscando sobre a
prática ao perceber que a dor o colocava em situações prazerosas, uma parte
sua tão profunda e constrangedora que ele escondia e omitia principalmente
de si mesmo. Porém, nunca havia realmente tentado explorar aquilo.
Algo dentro dele ardeu com intensidade, chamas o consumindo entre as
coxas e no baixo ventre. Seus olhos assumiram um brilho único. Ele
suprimiu todos os pensamentos e tentou neutralizar sua voz o máximo
quanto pôde, a sua expressão indiferente parecia bem convincente:
— Sabia que você era um pervertido — concluiu em uma risadinha
tensa.
Felipe sorriu percebendo o esforço alheio em não demonstrar como se
sentia de fato e lambeu o lábio superior confiante, o piercing cintilava
enquanto Gabe o olhava com atenção.
— Isso foi um sim?
— Não — Gabriel falou muito sério. — Como eu vou saber que isso é
sério e que você não é um maluco ou está de sacanagem comigo? Que
provas eu tenho que você poderia fazer isso de verdade?
O ruivo travou o maxilar.
— Todos os detalhes e limitações, além de palavras de segurança vão
estar aqui no contrato — Felipe disse friamente, os dois dedos batendo no
papel com força. — E eu não. Estou. Brincando.
Gabriel tinha as sobrancelhas muito cerradas e mordia com força a
parte interna do lábio. A intensidade com que Felipe dissera aquelas palavras
pausadamente o acertaram em cheio, ele estava muito duro, excitado ao
extremo.
Evitava ao máximo demonstrar e, por costume, revirou os olhos com
desdém tentando afastar o turbilhão de pensamentos em sua cabeça, o que o
ruivo rapidamente interpretou como uma provocação.
— Já chega — ele disse baixo e muito firme se levantando da mesa.
Puxou Gabriel rapidamente pelo braço, obrigando-o a se levantar, e o
arrastou na direção do banheiro.
O moreno protestou uma interjeição em um sussurro, não conseguia
reagir ou se dar conta do que acontecia com tanta rapidez. Antes que ele
falasse mais alto, Felipe estagnou à entrada do banheiro encarando-o de
perto.
— Você quer provas? É isso? — ele sibilou agressivo e largou
violentamente o braço alheio, permitindo ali que ele fugisse. Gabriel
permaneceu parado, estertorante. Não queria fugir. Pelo contrário, encarou o
homem na expectativa que o puxasse novamente.
O ruivo sorriu de canto e agarrou o braço dele de novo, com mais força
ainda. “Então eu vou te dar provas.” pensou.
Antes que Gabriel desse conta, já estavam no espaço amplo do banheiro
da cafeteria, as lajotas pálidas e as fileiras de cabines individuais, além da
linha de espelhos alinhados defronte elas como suas únicas testemunhas. A
decoração caprichosa foi severamente ignorada. Felipe empurrou o moreno
para dentro de uma das cabines do ambiente deserto e trancou a porta
rudemente em seguida.
— Que porra é-? — Gabriel tentou falar, mas Felipe o segurou pelo
pescoço com as duas mãos sem nenhuma delicadeza. Os seus polegares
percorreram o queixo dele brevemente antes dele o beijar com violência,
sedento.
Era como uma explosão intensa e ao mesmo tempo silenciosa, um
alívio amortecedor que anestesiava ambos os corpos pressionados contra a
estrutura de mármore do box. Gemeram em sincronia sentindo a mesma
sensação arrepiante do contato urgente. Gabriel testemunhou suas pernas
estremecerem e desistiu imediatamente de qualquer movimento brusco.
Novamente seu corpo não obedecia a ele. “Eu quero isso, droga como eu
preciso disso…” pensou atordoado.
A boca de Felipe estava muito quente e úmida, seu piercing dava uma
sensação única e extremamente excitante esfregando contra a sua língua. O
moreno tentou tocá-lo, mas antes que o fizesse, o outro largou seu pescoço
rapidamente e segurou com uma mão as suas duas acima de sua cabeça,
restringindo-o dos movimentos.
Ele não conseguia respirar com a força daquele beijo muito molhado.
Correspondia como podia, mal percebendo que gemia arrastado e ofegante.
Felipe estremeceu com aquele som e pressionou-o mais ainda com seu
corpo. O ruivo recuou a boca deixando Gabriel sedento e arfando, as mãos
presas pelo aperto muito forte acima da cabeça, completamente imobilizado.
— Você é muito malcriado. — Felipe apertou com força as mãos do
moreno e se aproximou um pouco mais, sussurrando em seu ouvido: — e
está precisando ser punido para aprender como se comportar.
Felipe lambeu devagar os lábios de Gabriel, o qual o olhava com os
olhos carregados de raiva e tesão. Com a mão livre invadiu lentamente a
calça do moreno, expondo a ereção úmida que masturbou lentamente, o
polegar espalhando devagar a umidade pela sua glande.
Gabe gemeu entrecortado tentando puxar as mãos do aperto sem
sucesso, não tinha mais nenhuma força e perdia cada vez mais os sentidos
conforme o ruivo o estimulava. “Tão... bom” seus pensamentos ficavam
incoerentes e turvos conforme sentia aquele toque, arfava.
Felipe largou as mãos cativas do outro e o girou virando-o de costas
para si sem soltar seu membro, fazendo Gabe apoiar as duas mãos na parede
para evitar bater seu rosto. O ruivo sorriu satisfeito e enfiou a mão em seus
cabelos muito negros. Puxou sua cabeça para trás com violência
masturbando-o com mais intensidade agora.
Com a boca, ele beijava e chupava o pescoço do rapaz que tremia
extasiado. Ao mesmo tempo, puxava os fios com força e friccionava sua
carne quente e imobilizada pelo prazer. O ritmo foi ganhando uma
velocidade alta, um som úmido se misturando ao som de suas respirações
pesadas. Os dois estremeciam. Gabe sentia as mãos de Felipe: uma puxando
seu cabelo e outra o masturbando. Em sua bunda o membro muito rígido
dentro do jeans alheio o pressionando. Involuntariamente começou a rebolar.
— Eu... vou... — Gabe tentava dizer sem muito sucesso. Felipe
repentinamente parou o movimento e dessa vez empurrou o rosto de Gabriel
contra parede com muita força.
O moreno gemeu e tentou usar as próprias mãos para terminar o que o
outro começou, estava tão perto. Felipe puxou suas duas mãos para trás e o
imobilizou com muita força tomando muito cuidado para não encostar muito
nele.
— Não vai — Felipe disse em seu ouvido fazendo Gabriel gemer mais,
contrariado em meio a sua respiração muito pesada. — Você não vai gozar,
nem se tocar, nem fazer nada que eu não queira se assinar esse contrato. Isso
não é… nem o começo do que eu posso fazer.
Silêncio. Os dois ofegavam pesadamente. O ruivo provocou baixinho:
— Como se sente agora? — Gabe bufou enquanto tentava fuzilá-lo
com o olhar. O maior riu e prosseguiu: — frustrado?... Contrariado?... Com
raiva? É assim que eu me sinto quando você vira seus olhos para mim. —
Ele lambeu devagar a orelha do moreno fazendo-o arfar mais uma vez e ter
muitos arrepios. — Se quiser brincar, você está proibido de se tocar.
Entendeu?
Gabriel hesitou antes de concordar lentamente enraivecido. Sentia-se
completamente prostrado. Já havia derrotado caras muito maiores que ele em
lutas sérias, mas nunca pensou que se sentiria tão frágil assim na vida. Havia
algo na voz de Felipe e na forma como ele o olhava que o fazia sentir suas
pernas tremerem extasiadas, a força que ele empregava tinha intenção real de
machucá-lo e Gabe não conseguia fingir que não gostava disso.
O fotógrafo o soltou devagar e suspirou lentamente, seu membro muito
duro dentro do jeans marcava visível. Ele queria fazer muito mais, mas
sabia que não conseguiria se conter caso começasse. Já havia feito até
demais, uma vez que nunca havia sequer tocado em nenhum submisso antes
de assinar o contrato. Pior que isso, nunca havia beijado um submisso. Beijar
para ele era uma intimidade que não queria ter com nenhum deles, com
ninguém, mas não pôde se conter com Gabe.
Na realidade, só de olhar para aqueles olhos de gato, Felipe conseguia
enumerar mentalmente uma lista longa de atos estúpidos e inéditos que ele o
impeliu a fazer mesmo em tão pouco tempo. “O que eu estou fazendo?
Agindo que nem um amador aqui…” pensou. O avaliou tentando
compreender o que se passava por aquela linda cabeça, mas o moreno à sua
frente mantinha-se fechado, sério e bravo.
— Vista-se. Vou te esperar lá fora — Felipe disse autoritário e saiu do
box. Lavou as mãos em silêncio e saiu do banheiro voltando para o ambiente
inalterado da cafeteria.
Ao sentar-se novamente em seu lugar na mesa onde estavam antes, o
ruivo encarou o café já frio e o contrato inerte ao seu lado. Fechou os olhos e
puxou o ar lentamente com o nariz enquanto sentia a sanidade voltar a si à
conta-gotas. Apesar de dispor de um histórico impecável de autocontrole,
por muito pouco supôs que perderia o controle de si dentro daquele
banheiro. Na realidade, sabia que havia cometido muitos erros graças ao seu
impulso. “Eu fui longe demais?” pensou.
Soltou o ar devagar tomado por uma leve vertigem. Felipe geralmente
não fazia questão de submissos. Eram eles quem iam até ele pedindo por um
contrato, e, mesmo que já houvesse se divertido o suficiente com ótimos
deles, nunca havia se sentido pressionado ou emocionalmente abalado por
nenhum. Apaixonar-se estava totalmente fora de cogitação.
Além disso, a imprudência não combinava com Felipe, não nesse
aspecto. Sempre era responsável e consensual, impondo a si mesmo o
máximo de frieza naquela sua prática tão íntima. Mas então aconteceu
aquilo… Ver Gabriel dançar na noite anterior o havia descontrolado de
forma inédita a ponto de, imediatamente, o impulsionar em busca de uma
forma de encontrá-lo e entrar em contato. De tê-lo por perto.
Precisava que ele fosse seu submisso, necessitava disso. Era a única
forma que sabia se relacionar com alguém.
Agora lembrava da coreografia da noite passada e estava certo de que
era capaz de ver o que os outros não viam naquela apresentação. Sentia em
seus movimentos muito mais que um padrão ensaiado: era tudo de Gabriel,
sua alma, seus sentimentos, seu corpo todo em diálogo e equilíbrio. Uma
dança que gritava uma sensação secreta e sombria de supressão.
Nela, Gabriel lamentava a força descabida que usava para conter algo
que ele não tinha como entender, que não podia enfrentar, dançava sobre a
sensualidade e violência que continha. Estava certo disso.
Vê-lo puxando o próprio cabelo para acalmar-se, mordendo os lábios e
queimando-se propositalmente apenas confirmou sua impressão. Felipe era
tomado pela curiosidade de ver como ele se comportaria quando aprendesse
que não precisava evitar que os outros vissem seu lado mais sombrio. Que
havia prazer em perder o controle.
De fato, tinha a sensação de que talvez eles fossem mais parecidos do
que pudesse imaginar, e por isso, mais do que nunca, era perigoso se
envolver demais. “É só um contrato. Sexo. Fim.” ele pensou suspirando e
tomando o café gelado, seus lábios formigavam com a sensação do beijo
intenso que experienciou há pouco, mesclando-se ao gosto amargo do
líquido denso. O coração acelerado contradizia seus pensamentos ao mesmo
tempo que era incapaz de impedir querer sentir aquilo de novo.
— Eu quero ver o contrato — Gabriel falou repentinamente ao se
aproximar por trás dele. Sentou-se desconcertado em seu lugar à mesa
arrancando um sorriso de canto do outro que o analisava.
Antes de retornar, o moreno havia pensado inúmeras vezes em terminar
o serviço e gozar de uma vez, talvez assim tivesse mais clareza para tomar
uma decisão, porém não pôde fazê-lo e nem queria. Queria mesmo saber
como ele continuaria, o que Felipe faria consigo e como funcionaria o
contrato. Obedecê-lo parecia tão divertido quanto desobedecê-lo.
Secretamente estava grato por tê-lo irritado a ponto de ganhar uma
amostra grátis do que o esperava se assinasse aquele documento,
sinceramente agora estava absurdamente mais dentro disso do que antes. Era
aquela atitude que buscava, mas nunca encontrava. Alguém corajoso o
suficiente para entender seus sinais.
“É só... Sexo. Um sexo diferente, mas sexo” ele havia repetido
mentalmente com dificuldade, recompondo-se e tentando ajeitar a ereção
dentro da calça sem muito sucesso. Por fim desistiu de disfarçá-la e amarrou
o casaco xadrez na cintura para tentar pelo menos evitar a exposição, lavou
as mãos e encarou-se no espelho, “Que sorte que ninguém entrou no
banheiro”.
De volta ao presente, Gabe imitou o ruivo nervosamente tomando seu
café gelado com dificuldade enquanto o homem permanecia fitando-o com a
mesma intensidade e lascívia, agiam como se nada tivesse acontecido. O
moreno estremeceu e continuou ao devolver a xícara ao lugar:
— Eu vou logo avisando que não entendo nada sobre essa merda de ser
submisso. Eu estou falando sério. Vamos, eu quero ver o contrato — ele
disse esticando a mão para solicitar o documento.
Felipe apertou os olhos em um sorriso leve:
— Não se preocupe, vou deixar com você. Leia, e pesquise o que
quiser, separe suas dúvidas — ele disse, mas colocou as folhas de volta no
bolso interno da jaqueta — Te entrego quando chegarmos na sua casa, vou te
deixar lá. Está ficando tarde, amanhã nos encontramos de novo para falar
disso.
— Que?! — Gabe queria que fosse mentira. Não sabia se conseguiria
aguentar mais um dia inteiro e noite sem se tocar lutando contra o tesão, a
ansiedade o consumindo. Seria impossível. — Não! Eu posso fazer isso
agora!
— Não pode. Vai precisar ler com calma. E... — Felipe suspirou
devagar chamando a atendente com a conta. — Se formos para algum outro
lugar agora...Enquanto eu tentar te explicar tudo que precisa saber... Eu não
acho que eu conseguiria esperar até você ler tudo ou até mesmo assinar —
confessou suspirando. “Por que está sendo tão sincero? Controle-se” o ruivo
pensou travando o maxilar.
— Então sem contrato. Pronto — Gabriel concluiu em um resmungo,
emburrado. Sentia-se um pouco lisonjeado com aquele comentário, agora
que sabia que o deixava tão excitado a ponto de fazê-lo quebrar as próprias
regras.
Felipe negou com a cabeça sorrindo de canto, mesmo ainda se
repreendendo pelo deslize de se expor, sentia-se satisfeito com o efeito que
ela causou no homem a sua frente: a expressão dócil e corada, as bochechas
inchadas pelo bico contrariado. “Você é tão fofo, gatinho” pensou encantado.
Josh estava certo quando o avisou que Gabe era transparente e
respondia melhor à sinceridade. Porém, ser claro sobre como se sentia era
um desafio para o ruivo. Ele abaixou a cabeça se contendo e negou,voltando
a encará-lo depois de se recompor.
— Não — falou dura e definitivamente.
O moreno estava distraído em um muxoxo de frustração e bagunçou o
próprio cabelo em irritação, um outro hábito que tinha quando estava muito
contrariado. Quando a atendente se aproximou com a conta, o ruivo colocou
a nota alta dentro do suporte de couro rapidamente antes que o outro
percebesse e fez um sinal para que ela ficasse com o troco. Gabe arregalou
os olhos assim que a moça se afastou apressada e sorridente, arfou
desconcertado.
— Ei, eu posso pagar pelo meu café — Gabriel resmungou de novo,
dessa vez mais baixo.
— Não precisa se preocupar com nada assim quando estiver comigo.
Eu insisto — Felipe disse e se levantou, encerrando o assunto bruscamente.
O moreno acompanhou-o com o olhar estarrecido, afastando-se sem
dizer mais nada, e finalmente se levantou para segui-lo apressado. Os dois
seguiram para a saída e Gabe se esforçou para tentar esquecer sobre a conta,
mesmo que seu orgulho estivesse ferido. Sentia que se discutisse sobre
aquilo agora, muito provavelmente acabaria o beijando de novo e mordeu o
lábio ansioso ao alcançar o lado de fora.
A brisa noturna e fria o atingiu arrepiando sua pele castanha, fitava as
costas do ruivo que havia estagnado encarando a paisagem da noite que caía
escura. O fotógrafo suspirou pesadamente e sacou a carteira de cigarros do
seu bolso, colocou um deles na boca acendendo-o em seguida, deu uma
tragada lenta e, depois de guardar os itens de volta em seus bolsos,
permaneceu silencioso e contemplativo.
Gabriel se aproximou com os braços cruzados ao seu lado, suspirou o
aroma amadeirado sentindo-se estranhamente excitado com aquilo e passou
a encarar a paisagem urbana junto dele.
— Então… Qual é a daquela montanha? — Gabe quebrou o silêncio
depois de um tempo, tinha a voz baixa enquanto fitava o céu nublado e sem
estrelas, os prédios brilhantes tomando as cores e iluminação dos astros.
— Que montanha? — Felipe perguntou confuso, olhando ao redor e
fumando devagar. Apenas a cidade movimentada ao seu redor, as luzes
artificiais era tudo que podia ver no cenário frio.
Secretamente, o ruivo torcia para o seu cigarro durar um pouco mais.
— A foto. Do seu perfil. É uma montanha — Gabe disse olhando-o
repentinamente. — Eu gosto muito das fotos da cidade, as pessoas, ou
melhor... Os vultos. Fico um pouco doente com a sensação que sinto vendo o
tempo passando nelas, as estrelas parecem puxar quem vê aquelas fotos para
dentro dela, mas ao mesmo tempo faz querer fugir. Sei lá. Enfim, só não
entendi a montanha.
Gabriel tagarelava. Não gostava de se sentir um tagarela, mas também
não se importava com o que ninguém pensava dele, e não iria fingir que não
estava instigado apenas para agradar o homem ao seu lado. Ele deu de
ombros sem se importar muito com o que havia dito. Felipe segurava o seu
cigarro atônito, os lábios entreabertos.
Ele nunca havia conversado sobre suas fotografias. Até com os
curadores que o procuravam para expô-las ele evitava. Mesmo tendo
recebido muitos prêmios por elas, sentia que nenhum dos avaliadores
realmente entendia suas fotos, tampouco estava disposto a ouvir o que
tinham a dizer sobre o que fotografava. Era muito pessoal.
Felipe era mesmo presunçoso e possessivo, sua mania de controlar tudo
ao seu redor o fazia subestimar as pessoas, raramente sendo surpreendido.
Não gostava de pessoas entediantes e repetitivas, algo que Gabriel
definitivamente não era, como também dificilmente suportava intrometidos.
E lá estava aquele homem tão repentinamente falando sobre isso
naturalmente e, mesmo conhecendo-o tão pouco, parecia ver através dele
com os olhos felinos astutos. Sentiu-se invadido e envergonhado pela
primeira vez na vida e engoliu em seco piscando perplexo.
— É só uma foto qualquer — mentiu tragando lentamente e fugindo do
assunto, as cinzas caindo devagar. O tempo estava se esgotando com elas.
Felipe se arrependeu imediatamente de ter mentido.
Gabe emitiu um som de compreensão e deu de ombros sem acreditar
naquilo. O cigarro finalizado, os dois subiram na moto e Felipe dirigiu muito
tenso durante todo o trajeto, tomava o caminho mais longo que o necessário,
a paisagem noturna passando devagar ao redor deles por beirarem sempre a
velocidade mínima permitida nas vias.
Quando finalmente chegaram, o ruivo parou a moto um pouco depois
da entrada da academia, ficando fora do campo de visão dos que ainda
estavam por lá. O lugar iluminado ainda estava aberto, mas não muito
movimentado. “Talita talvez já vá fechar, já são quase nove horas. Depois eu
desço para ajudar” Gabriel pensou distraído e hesitante ao descer da moto e
tirar o capacete, e então se deu conta muito surpreso:
— Pensando bem, como você sabia que eu morava aqui? — Gabe
perguntou tentando lembrar se quando eles combinaram de se encontrar ele
havia dito, mas tinha certeza que não. Ele sabia que Felipe sabia apenas que
ali era seu trabalho, não sua casa. Ele estava tão nervoso depois do que
houve mais cedo que nem havia notado aquilo.
— Hum... O Josh que me falou depois que você foi trocar de roupa hoje
de manhã — Felipe disse muito vago e Gabe xingou o melhor amigo
mentalmente lembrando do que o loiro falou sobre “testar coisas novas”
mais cedo. É claro que Josh havia percebido antes dele que era tudo
provocação.
Felipe tirou as folhas dobradas de dentro da jaqueta e as entregou a
Gabriel o qual pegou-as com impaciência e esquecendo aquele assunto
completamente. Depois lidaria com Josh.
— Amanhã eu venho aqui pela tarde. Leia com atenção e esteja pronto.
Agora, sobe — disse autoritário.
— Você é mandão pra caralho. Eu ainda não assinei nada para ficar
mandando em mim assim — Gabe resmungou bravo, as sobrancelhas
cerradas e a expressão séria.
— Ainda? — O ruivo sorriu provocativo. Gabe percebeu a gafe e ficou
mais mal-humorado, seu rosto aquecendo muito. — Realmente, ainda não.
Agora sobe.
Silêncio.
Os dois se encararam tensamente, nenhum dos dois queria ir embora.
Gabriel suspirou pesadamente para obedecer ao comando, virou-se e
começou a subir as escadas sentindo cada mínima partícula do seu corpo
impelindo-o a voltar.
— Gabo! — Felipe chamou-o. O moreno o olhou na metade das
escadas. — O que eu te proibi no café... Ainda é válido.
Gabriel corou entendendo que não poderia gozar sem ele se quisesse
aquele contrato. Seu corpo estremeceu e ele tentou fingir que não estava
envergonhado tanto pelo lembrete quanto pela forma que ele o chamou.
Normalmente só o chamavam de “Gabriel” ou “Gabe”, mas aquela forma era
totalmente nova. Felipe parecia fazer questão de ser totalmente diferente de
tudo e todos.
— Tá, que seja — Gabe concordou subindo e segurando as folhas com
muita força em suas mãos.
A noite seria longa enquanto ele lia o documento que poderia fazer dele
o submisso de Felipe. “Se eu não gostar é só não assinar e acabou” pensou e,
na porta de casa, olhou para baixo vendo o ruivo ainda parado no meio fio o
fitando atencioso.
Entrou em seu apartamento e encostou-se na porta recém-fechada até
ouvir o som da moto partindo. Grunhiu no escuro sentindo o coração muito
acelerado “Merda...”.

✽✽✽

A noite aprofundava-se lenta e abafada, a solidão e silêncio do


ambiente já sendo habituais ali. Gabriel passou a ler ansiosamente as quatro
folhas grampeadas em choque ainda apoiado na bancada da cozinha,
confirmando que havia conteúdo na frente e no verso de cada uma:

“O propósito fundamental deste contrato é permitir que o


Submisso explore sua sensualidade e seus limites de forma
segura, com o devido respeito, além de estimular que cuide de
suas necessidades, seus limites, possibilidades e seu bem-
estar.”

Gabriel estremeceu sentindo seu corpo todo reagir imaginando tudo


aquilo sendo lido com a voz de Felipe. Ele tentou manter-se sóbrio diante do
que lia, mas falhava. Em uma passada veloz de olhos pelo documento,
percebeu que era realmente um contrato sério com muitos termos,
possibilidades, opções e regras.
“Este contrato terá efeito durante um período de três meses a
partir da data de início [...] Ambas as partes podem propor
ampliar o contrato e ajustar os termos ou os acordos que nele se
estabelecem, sendo que, após uma renovação, não poderá ser
mais renovado cumprindo um limite de seis meses em contrato.”

— Esse cara quer ficar comigo por três meses? — Gabriel falou em voz
alta estarrecido, lendo tudo muito superficialmente, indo e voltando em
ansiedade. Sorria sem perceber.
Confirmou que precisaria dar devida atenção aos detalhes do
documento e o deixou de lado em cima de sua cama. Passou a preparar um
café quente que o fizesse ficar acordado e mais calmo, sentindo seu membro
formigar com a sensação fantasma das mãos grandes de Felipe. Já estava
rígido e pulsante de novo.
Ser controlado? Que ironia. Suspirou tentando relaxar.
O relógio ainda não marcava o horário avançado que costumava subir
para dormir depois de um dia inteiro trabalhando na academia, e estranhou a
sensação de clausura da própria casa. Por oito anos seguidos sentia aquilo:
trabalhava todos os dias, mesmo que sem necessidade, ensaiando no clube
da Lizzo com o grupo de dança e indo para casa exausto depois de um dia
muito cheio ou uma noite muito agitada de apresentações. Ninguém invadia
seu mundo, sua privacidade. Por toda sua vida, até então, Gabriel
permanecera tentando convencer a si mesmo que não necessitava de
ninguém.
Logo no início dos seus 20 anos, quando seu melhor amigo Josh se
percebeu apaixonado por Ronald Collins, Gabe foi tomado pela evidência de
que seu sentimento pelo loiro nunca seria recíproco. Passou, então, a
dedicar-se mais a cursos de dança avulsos até confirmar que não era o
suficiente para suprir sua necessidade. Àquela altura, mesmo que já
houvesse conquistado a faixa preta no karatê, cursou a faculdade de dança e
formou-se sem usar realmente o diploma para nada. O vazio permanecia ali.
Nada o solucionava.
Gabe ganhava seu dinheiro com a academia, treinava e agora dedicava-
se ao seu amor pela dança simultaneamente. Sentia-se independente. Sim,
independente era a palavra, já que estava sempre evitando o termo “solidão”.
Odiava a sensação de dormir e acordar sozinho, mas odiava mais ainda a
arrogância que lhe consumia, seu maior defeito. Estava certo de que
ninguém era bom o suficiente para ele.
De fato, Gabriel estava frustrado. Cuidar de sua família desde muito
cedo após a morte de seu pai o desestruturou: seus dois irmãos mais novos,
Jéssica e Luan, sempre foram barulhentos e arranjavam muitos problemas,
então ele precisava ser o responsável. Além disso, sua mãe havia sofrido
muito pela depressão após perder o marido e contava com o filho mais velho
incondicionalmente.
O moreno não tivera espaço para cometer erros. Precisava ser perfeito e
manter tudo sob controle. Assim, ao atingir a maioridade, depois que seu
irmão mais novo havia ido estudar no exterior e sua irmã passado a trabalhar
estabilizada, estendeu aquela necessidade compulsiva de cuidar das pessoas
ao seu redor a Josh, seu primeiro amor, e aos filhos que Lizzo amparava.
Sentia-se simplório, de fato. Por mais abalado que estivesse, nunca
demonstrava para ninguém. “Depender sexualmente de um cara assim é
patético. Ter um contrato...” ele pensava sentindo o cheiro denso do café
ocupar o cômodo com velocidade.
Finalmente, ele se sentou na cama com tudo que precisava e tirou a
camisa acalorado. Tomou um pouco do seu café e iniciou a leitura com
atenção, destacando com a caneta todos os pontos importantes, fazia notas
inconscientes em praticamente cada cláusula que lia.
Várias vezes voltava para checar se havia entendido certo, sua mente
levando-o a imaginar Felipe o dando ordens e punindo-o, ferindo-o com toda
sua força. Pesquisava um ou outro termo desconhecido na internet e ofegava
empolgado com os resultados, estremecendo inquieto e surpreso em como se
sentia ansioso por tudo aquilo.

“O Submisso obedecerá a todas as instruções do dominador,


sem duvidar, sem reservas e de forma expedita. Aceitará toda
atividade sexual que o dominador considere oportuna e
prazerosa, exceto as atividades contempladas nos limites
infranqueáveis e o fará com entusiasmo, sem duvidar.”

Involuntariamente fechou os olhos pensando naquele homem


autoritário e rude. Tinha uma inegável curiosidade em como seu corpo era
por baixo daquela camiseta de banda, como era a sensação de tocar a sua
pele. Definitivamente a amostra que havia recebido na cafeteria apenas o
havia atiçado mais ainda e agora tinha certeza de que precisava de mais.
Gabriel estava muito excitado, e ficava ainda mais analisando todas as
possibilidades propostas por aquele contrato. Mesmo sem tê-lo assinado,
resistia a tocar-se, divertindo-se com a restrição agoniante. Não precisava
obedecê-lo ainda, mas gostava da sensação.
Ele gemeu e continuou lendo, o nervosismo e ansiedade já sendo sua
tortura particular e constante. Sabia que não conseguiria dormir aquela noite.
Era como se já o pertencesse.

“O dominador pode utilizar o corpo do Submisso em qualquer


momento durante as horas atribuídas, ou em horas adicionais
acordadas, da maneira que considere oportuno, no sexo ou em
qualquer outro âmbito, pois o Submisso pertence ao seu
dominador integralmente.”

✽✽✽

Não muito longe dali, Felipe fumava apoiado no parapeito da janela de


sua casa, tomado por tremores intensos. Quando estava muito ansioso sentia
a necessidade de fumar aflorar com mais intensidade, além daqueles
espasmos involuntários. Sua mente muito distante.
Naquele momento, sentia-se levemente preocupado e inseguro
pensando no homem com olhos de gato com quem havia se encontrado, e já
previa mais uma madrugada habitual sem dormir. Seu celular vibrou com
mais uma mensagem incômoda:

CARLA
“Eu te dei a informação que você queria sobre onde o cara mora e
você não apareceu na reunião de hoje como prometeu. O que mais eu
vou ter que fazer para você voltar?
O J. está ficando puto com os boatos do seu retorno e você sabe
como ele é irritante! Por favor Felipe, já se passaram três anos.
PRECISAMOS DE VOCÊ DE VOLTA NA CÚPULA.”

O ruivo leu e bufou, ignorando a mensagem ao bloquear a tela. “Não


me interessa” pensou.
CAPÍTULO III

O dia passava lento e o calor abafado no início do outono ocupava as


ruas como uma estufa úmida. O início daquela estação normalmente sempre
era regado por chuvas torrenciais causando aquela sensação de nunca estar
seguro o suficiente para sair sem um guarda-chuva.
Gabriel não parava de checar a hora em seu celular a cada momento
que podia entre os treinos. No meio da semana às vezes tinha duas turmas de
karatê para treinar por dia e Josh definitivamente parecia muito mais
disposto ao trabalho que o outro. O loiro agora repassava o kata[1] com uma
parte da turma enquanto Gabe fazia os circuitos de condicionamento físico
com outra, suando muito, mesmo com o ar-condicionado ligado.
Assim que os alunos haviam sido dispensados, o moreno aproveitou a
oportunidade para conversarem.
— Ok, espertinho, eu tenho que perguntar uma coisa — Gabe falou
sério ao amigo que se arrumava para ir embora. — Por que caralhos você
falou para o Felipe que eu moro aqui?
Josh o olhou confuso. Ele organizava os seus equipamentos sem
entender.
— Eu falei o quê?
— Você não disse a ele que eu morava aqui? — Gabriel perguntou
igualmente confuso.
— Por que eu faria isso, Gabe? Tá doido? Eu nem conheço o cara —
Josh disse passando a enfiar o quimono bem dobrado na sua mochila, ele
usava uma camiseta azul clara que fazia sua pele muito pálida parecer
nuvens no céu de verão. Seu amigo se destacava em uma aura pura, o
completo oposto de Felipe: sombrio e fechado.
Gabriel permaneceu em silêncio, perguntando-se como o fotógrafo
poderia saber onde ele morava e trabalhava, não estava convencido que
havia descoberto sobre aquele lugar coincidentemente. “Por que ele mentiria
sobre isso?” pensou desconfiado, seus olhos vasculharam o tatame vazio.
Por um instante considerou se deveria afastá-lo, afinal, aquele poderia ser
um alerta muito sério de que ele era alguém mal-intencionado e perigoso.
Ele lembrou das fotografias de Felipe, de todas as vezes que
conversaram e como ele, mesmo sendo silencioso e frio, parecia sempre
sentir mais do que demonstrava. Por alguma razão, não sentia medo. Não
queria julgá-lo antes de entender realmente o que poderia estar acontecendo.
Odiava julgar as pessoas e mais ainda ir contra seus instintos.
— Deixa pra lá — Gabe falou pensativo e o amigo arqueou uma
sobrancelha ainda sem entender.
— Então… Vocês conversaram? Ele parecia realmente afim de você —
Josh disse despreocupadamente e o encarou profundamente. — Ele tem cara
de ser um problemão, que nem você.
— Você não tem nem ideia — Gabe falou com as sobrancelhas muito
cerradas.
Josh riu divertido.
— Eu imaginei. Mas eu não acho que ele queira te fazer mal. Tem
alguma coisa no olhar dele que me lembra quando eu comecei a falar com o
Ron — Josh disse sorrindo bobo.
Gabriel apertou os olhos na direção do amigo para que ele prosseguisse.
Josh suspirou.
— No início eu achava que o Ron me odiava, sabe? Ou pelo menos que
era indiferente. Mas não. Eu o interpretei errado. É um olhar de quem quer
muito algo e não sabe bem como lidar com isso. Não admite nunca. — Josh
suspirou de novo, num muxoxo. — E você faz a mesma coisa quando olha
para ele. Por isso acho que vocês dois juntos vão ser um problemão.
Gabriel o fitou com raiva, seu amigo era muito bom em entender as
pessoas sem elas falarem uma palavra sequer. Era uma habilidade bizarra a
qual ele sempre confiava.
— Ah, ontem era para eu tentar coisas novas e hoje já é “vai ser um
problemão”? — O moreno revirou os olhos e travou percebendo o que havia
feito. Precisaria monitorar melhor aquele hábito quando estivesse com o
ruivo. “Ou o que? Ele vai me punir?” pensou divertido mordendo o lábio.
— Mas... — o loiro continuou, ignorando-o, falava enquanto andava
para a saída da sala: — eu continuo dizendo que você deveria tentar sim, seu
chato. Talvez ele seja meio esquisitão... Mas, como eu disse, você também
não é muito fácil, né?
Gabriel levantou com raiva o dedo do meio para Josh e o loiro, por sua
vez, mostrou a língua e saiu da sala rindo. Ele se despediu em um grito do
lado de fora, mas Gabe se recusou a responder, pensando no longo dia que
ainda tinha pela frente. “Que se foda como ele descobriu onde eu moro”
pensou sombriamente.
Após o trabalho na academia, Gabe também precisava continuar a
planilha de pagamento dos funcionários no banco, além de passar no clube
de Lizzo para remarcar o próximo ensaio que deveria ocorrer naquele dia.
A maioria dos rapazes que dançava no grupo liderado por ele, com
exceção apenas de Josh, foram expulsos de casa e adotados pela dona do
clube. Assim, os filhos de Lizzo trabalhavam com ela, ajudando-a como a
uma mãe de fato. Também colaboravam na limpeza e decoração. Os mais
fortes podiam carregar equipamentos enquanto alguns cozinhavam e faziam
serviços gerais na habitação que ficava no prédio ao lado do clube, onde
moravam todos juntos. Eram uma família e tinham todo aquele lugar como
seu lar.
Gabe também se sentia responsável por eles. Considerava a dona do
clube uma segunda mãe, então nada mais justo que tratar os filhos dela como
seus irmãos mais novos. Ensinava-os a dançar e os coreografava para que,
juntos, oferecessem entretenimento aos fins de semana: espetáculos que
serviam não só de atração, mas também como uma forma de sempre manter-
se de olho neles. Era divertido e mantinha a cabeça do moreno ocupada.
Ele já estava saindo do banco quando recebeu uma ligação de Lizzo:
— Alô.
— Oi, querido! Como está? Os garotos já estão aqui, você vem ensaiar
hoje? — A voz animada da mulher do outro lado da linha fez Gabriel
suspirar, havia acabado de sair do banco e sentia o calor das vias do centro o
sufocar tanto pela fumaça em excesso quanto pela ansiedade contra a qual
batalhava desde cedo.
— Oi, Lizzo... Não posso ensaiar hoje, tenho um compromisso e
preciso ir para casa — Gabriel disse lembrando que precisava esperar a boa
vontade do ruivo aparecer durante a tarde para decidir falar sobre o contrato.
Acabaram não trocando seus números de telefone e agora estava à mercê
dele ir até sua casa para se encontrarem. — Eu ia passar aí para falar com
eles e marcar outro dia, mas já que a gente já está se falando por aqui-
— Ah, Gabe, poxa... — Lizzo o interrompeu. — Eu estou aqui com o
Felipe vendo as fotos da sua última apresentação. E eu queria muito te
mostrar como ficaram. Garoto, você saiu bem em todas! Além disso, esses
meninos não param de me perturbar aqui para ensaiar.
Gabriel sentiu um frio na sua espinha ao pensar em Felipe ao lado dela
naquele momento. “Será que foi ele que sugeriu que me ligasse? Ele sabia
do ensaio?”. Ele riu sem graça para Lizzo ao telefone e tentou se acalmar. O
contrato guardado em seu bolso pesava uma tonelada. Ele poderia só ir para
casa esperar por Felipe, mas não queria. Queria vê-lo. Já.
Ele bagunçou o cabelo escuro nervoso.
— Lizzo, eu já vou chegar aí. Avise os meninos para mim.
— Ah… Certo! — ela retrucou animada.
Lizzo gritou do outro lado da linha para que os meninos se aquecerem e
Gabriel desligou o telefone passando a acelerar o passo, quase correndo. Não
esperaria mais nem um segundo.

✽✽✽

O moreno hesitou antes de entrar no bar da Lizzo. Ele sempre nsaiava


ali pelo menos duas vezes por semana antes das apresentações e já conhecia
a posição dos móveis inertes, dos dois bares, da cabine do DJ e de tudo que
compunha o vasto espaço que, durante a semana, podia ser quieto e sereno,
mas durante o final de semana tomava vida e agitação madrugada adentro.
Sentiu-se inseguro quando viu a moto de Felipe parada do lado de fora
e foi tomado pela vontade de rir e chorar simultaneamente, confirmando
quão improvável aquele homem era, causando tantos efeitos sobre si com tão
pouco. Colocou sua expressão mais calma e entrou muito sério,
cumprimentando uma das bartenders que tomava notas do estoque de
bebidas do bar mais próximo daquela entrada.

“O Submisso aceita o dominador como seu dono e entende


que agora é de sua propriedade e que está ao seu dispor
quando o dominador desejar durante a vigência do contrato em
geral, mas especialmente nas horas atribuídas e nas horas
adicionais acordadas.”

Gabriel recapitulou mentalmente uma das cláusulas enquanto entrava


no bar, cada palavra ecoando em sua mente sem parar exatamente como
havia sido por todo aquele dia.
O amplo salão da boate estava praticamente vazio, as cadeiras
dobráveis enfileiradas em muitas linhas nas laterais. Poucas mesas
permaneciam espalhadas abertas pelo centro do espaço enquanto que, ao
fundo, a cabine do DJ estava vazia e os filhos de Lizzo se aqueciam ouvindo
música. Riam cochichando entre si enquanto olhavam fixamente e curiosos
para uma mesa onde Lizzo e Felipe estavam sentados, conversando e
ignorando-os.
Alguns deles pareciam tentar flertar com o fotógrafo: Yuri e Oliver
particularmente sempre foram mais afoitos com homens bonitos enquanto
George e Marcelo conversavam entre si absortos. Os quatro tinham
personalidades distintas, mas, mesmo sendo adultos, tinham aquele ponto em
comum: eram pura energia.
Gabriel sentiu uma raiva infundada com a forma como olhavam para
Felipe e continuou caminhando com passos pesados em direção à mesa. A
loira percebeu a aproximação e girou o corpo para recepcioná-lo.
— Gabe! — Lizzo gritou alegre levantando-se da mesa num salto e
abraçando-o. Ela usava um vestido longo e confortável rosa claro e seu
cabelo loiro natural estava preso em um coque alvoroçado. Continuava linda
mesmo sem seu modo “dona de um clube super badalado”. — Que bom que
conseguiu vir, amorzinho. Vai mesmo remarcar o ensaio? Esses meninos
aqui estão realmente me atazanando!
Gabriel sorriu para a amiga dentro de seu abraço e encarou Felipe. O
homem devolveu a fitada na mesma intensidade, muito sério, enquanto
fumava calmamente sentado confortavelmente na cadeira.
Ele usava uma calça preta justa com muitos cintos de couro, além de
uma camiseta branca sem manga que deixava à mostra seus braços fortes,
uma grande tatuagem de um dragão assustador se estendia por todo o
comprimento do braço esquerdo desde seus bíceps, passando pelo antebraço,
até à mão.
O moreno arfou com mais aquela amostra gratuita dele, e mordeu o
lábio curioso ao perceber que não havia visto quase nada daquele corpo
ainda. “Ainda...” Gabe sorriu provocativo e Felipe tragou em silêncio, sentia
o desejo carregado naquele olhar e aproveitava-se disso.
— Não sei se vou poder ensaiar. Eu tenho compromisso agora à tarde.
Os meninos aproximaram-se como pássaros em cima de migalhas:
George, Marcelo, Yuri e Oliver, todos ao mesmo tempo. Eles se
amontoavam próximo de Gabe.
— O que? Não vai ter ensaio? — Marcelo murmurou para George, que
deu de ombros em resposta, também sem entender.
Oliver protestou:
— Por que, Gabe?! Poxa, você se apresentou sozinho esse final de
semana e a gente não podia! Nesse a gente pode né, mãe? — perguntou para
Lizzo.
— Semana passada vocês estavam de castigo por ficarem chupando os
namoricos de vocês enquanto deviam estar trabalhando! Por isso não se
apresentaram. Não se façam de santos — Lizzo retrucou estressada e
maternal. Yuri e Oliver se encolheram, culpados.
Gabriel riu sem graça, infelizmente os meninos eram mais devassos do
que ele ou ela podiam controlar.
— Eles são novos, Lizzo. Deixa eles, vai — Gabe defendeu-os e se
sentou em uma cadeira de frente para Felipe sem olhá-lo.
— Eu sou mais velho que você. — Oliver protestou e cruzou os braços,
levantando o queixo. Yuri riu.
— Mas sua mente parou no tempo né, bee.
— Te aquieta, nojenta — Oliver retrucou.
George riu baixinho e cutucou discretamente Marcelo ao seu lado.
— O Marcelo aqui é o mais novo de nós e tem mais maturidade que
você, Oliver.
Era o suficiente: Oliver abriu a boca dramaticamente enquanto Yuri ria
batendo palmas. A discussão havia começado, apenas mais uma das muitas
que sempre aconteciam quando eles se juntavam assim. Lizzo suspirou
massageando as têmporas.
Gabriel espreguiçou-se gostosamente, aproveitando a distração da
discussão alheia. Sabia que estava usando uma camiseta muito fina que
levantaria com o movimento dos braços e, principalmente, que estava sendo
observado por olhos particularmente sedentos. Ao sentir uma brisa gostosa
no abdômen exposto e um certo olhar dourado preso nisso, finalmente se
apoiou na mesa apontando para Marcelo e interrompendo a discussão alheia:
— Certo, mais novo ou não ele já tem 20 anos. Aliás… Cadê? Já
passou na prova do supletivo? — ele pressionou Marcelo, muito sério.
Felipe encarava o moreno sereno com um olhar muito frio, insondável.
O maxilar travado e as pontas das orelhas avermelhadas.
— Eu estou tentando. Ainda estou estudando — Marcelo murmurou,
era um rapaz franzino e tímido. Ele gemeu baixinho se escondendo
levemente atrás de George.
Gabe assentiu orgulhoso.
— Não desista. Você consegue.
Lizzo assentiu e Yuri apoiou-se na mesa retomando o primeiro tópico:
— Não, agora sério… Vai, Gabe. Deixa a gente ensaiar hoje para
dançar esse final de semana! Se a gente não começar agora não vamos
aprender até lá.
— Hum. Eu já disse que tenho compromisso hoje. Não sei se vai dar.
Eu teria que... — Gabriel olhou despreocupado para Felipe que fumava
prestando atenção na conversa. — Ver se eu posso.
Felipe sorriu sádico demonstrando alguma reação pela primeira vez e
lambeu os lábios antes de estalar com o polegar em seu cigarro a fim de
livrar-se do excesso de cinzas.
— Não acho que vá se atrasar tanto para seu compromisso se ensaiar
um pouco — disse Felipe sonsamente. Sua voz muito grave fez Gabriel
recuar afetado por ela, as sobrancelhas cerrando mais e enfatizando sua
expressão naturalmente mal-humorada. Não estava acostumado com a forma
como aquilo o afetava.
Ele ouviu um dos meninos cochichar para o outro:
— Esses dois parecem não se dar muito bem — Yuri murmurou um
pouco alto demais ao pé do ouvido de Oliver. A loira apertou os olhos para
os filhos e grunhiu:
— Ah, é mesmo Felipe! Mostra a foto do Gabriel, aquela que você
gostou — Lizzo falou empolgada apontando para um envelope de papel
pardo em cima da mesa. Gabriel corou imaginando-o dizendo abertamente
que gostou de uma foto dele.
O ruivo assentiu e tirou um bolo de fotografias de dentro do envelope
passando-as para Gabriel.
— Você é muito fotogênico. Até mesmo dançando — ele disse sorrindo
de canto para o outro.
Gabriel pegou as fotos e passou a olhá-las sendo imediatamente cercado
pelos meninos afoitos que também queriam vê-las. Ele se surpreendeu com a
qualidade e proximidade que as imagens foram feitas, nunca havia se visto
daquele jeito.
Parecia que Felipe havia capturado os exatos momentos em que ele
tinha a expressão mais intensa da dança, a captura dos pontos mais sensuais
de sua coreografia fez o moreno sentir-se envergonhado e cobrir o próprio
rosto um pouco.
— Cara! Olha isso! — disse Yuri. Gabriel notava agora que seu cabelo
rosa intenso espetado reluzia, e a maquiagem forte nos seus olhos realçava
os cílios densos. — Eu já sabia que o Gabe era gostoso, mas isso aqui é
ridículo!
Os outros riram concordando.
— Cala a boca, porra — disse Gabriel, passando as fotos com
velocidade. Sentia-se exposto e lisonjeado. Seu rosto estava queimando e
não conseguia parar de pensar que aquele era ele mesmo visto pelos olhos de
Felipe. E gostava de como o fotógrafo o via, era lindo e muito atraente.
Lizzo interrompeu-o e pegou uma das fotos que ele passou
rapidamente.
— Espera, é essa aqui! Sua favorita, Felipe! É a minha também! —
disse a loira, mostrando a fotografia para todos.
Nela Gabriel aparecia sorrindo levemente, o cabelo preto bagunçado
brilhando. Ele parecia um modelo despreocupado com a expressão cerrada
mesmo que estivesse distraído. Gabe não se lembrava de quando aquela foto
poderia ter sido tirada naquela noite, mas aparentemente foi antes de ter se
apresentado. “Ele já tinha me visto desde que eu cheguei naquela noite?”
pensou disparando o olhar para o ruivo que permanecia fumando
calmamente ainda sem tirar os olhos dele.
— Eu nunca vi o Gabriel sorrindo assim, você já? — George perguntou
divertido para Oliver que negou com a cabeça. Eles gostavam de brincar
com a forma que Gabe sempre parecia muito fechado e antipático.
— Ele não sorri! Está sempre puto! — disse Yuri imitando a expressão
mal-humorada de Gabriel.
— Eu já o vi rindo uma vez sim! — Oliver intrometeu-se como se fosse
defendê-lo. — Lembram do cara que tentou dar em cima dele dizendo que
tinha uma casa na praia e era milionário?!
— Ah, mas rir de deboche não conta — Marcelo acrescentou
timidamente, apertando a blusa de George ainda muito próximo a ele.
— Eu lembro desse dia! — George confirmou assentindo e rindo.
Simulou o porte do homem muito grande com os braços arqueados e feição
de galã forçada jogando seus cabelos longos e lisos para trás: — “e aí gato,
eu tenho um carrão e uma casa na praia! Posso te dar o que quiser, por que
não rebola assim só para mim?” — George imitou a voz grossa do homem
da história encenada.
— CORAGEM — Oliver debochou.
Todos riram divertidos com a brincadeira. Felipe continuava fitando
Gabriel que parecia desconfortável.
— Acho que eu nunca vi o Gabe rir tanto na vida! — Yuri disse rindo.
— O cara ficou tão desconcertado que disse que ele era amargurado! Olha,
eu não duvido!
Os garotos fizeram um coro de “oh” com o comentário.
— Ah, mas eu ia com o ricaço! Nem que fosse para explorar ele! —
Oliver acrescentou. Gabriel bufou sentindo-se pronto para socar alguém.
— Já deu! — Gabriel colocou as fotos em cima da mesa com força e
fuzilou os meninos com o olhar. — Vão se alongar agora se não vocês não
dançam esse final de semana!
Os rapazes riam quando correram, como galinhas assustadas, em
direção às suas posições próximo à cabine do DJ para se alongar, faziam
caretas para o moreno estressado infantilmente. “Que merda, eles adoram me
envergonhar” pensou constrangido e incapaz de olhar para Felipe. O homem
o encarava com um sorriso divertido e Lizzo também ria discretamente da
situação.
— Ai, amorzinho — Lizzo disse rindo enquanto apertava as bochechas
do moreno. Ela recuou sorridente. — Você não sabe como é fofo com essa
carinha de bravo!
Felipe cobriu a boca e virou o rosto para rir discretamente e Gabriel o
olhou fuzilante. Em seguida, o moreno levantou-se de súbito tirando a
camiseta devagar, seu peito nu fazendo Felipe apertar os olhos com atenção.
O olhar sádico percorreu devagar a pele alheia, macia e castanha, até a
barra da cintura da calça preta larga de moletom que ele usava. Ali a barriga
marcada do dançarino fazia dois sulcos provocantes que sumiam dentro da
peça e sugeriam uma bela continuação.
— Certo, que seja. Vou só passar os passos e já volto — Gabe disse
colocando a camiseta agressivamente em cima da mesa e bagunçou o
próprio cabelo antes de sair.
Felipe e Lizzo passaram a observar o ensaio de onde estavam, enquanto
Gabe tentava agir naturalmente com os rapazes. Ele passava os passos e,
como estava sob a pressão dos olhos de lince do fotógrafo, acabava pegando
mais pesado com os meninos que o necessário exatamente como fizera com
seus alunos no karatê. Tentava não exagerar nos próprios movimentos mais
sensuais por não querer se sentir exibido, mas acabava dando mais ordens do
que executando a coreografia.
Quanto mais Felipe o olhava dançando, mais sentia os tremores se
intensificando em suas mãos. Lizzo suspirou encarando a fotografia de Gabe
e sorriu com carinho.
— Ah, esse cara. Quando ele e o Josh apareceram aqui... Eu gostei
deles de primeira. O Josh estava passando por umas coisas horríveis, sabe? E
o Gabe cuidava dele como se fossem irmãos.
Felipe apertou os olhos para Lizzo indicando curiosidade. Ela
continuou falando, dessa vez um pouco mais baixo para não ser ouvida.
— Sei que não deveria falar sobre isso, mas eu sabia que o Gabe
gostava do Josh. Ele simplesmente fazia tudo por ele sempre. Agora o cara
está prestes a se casar enquanto o Gabe... — Ela suspirou e apoiou o queixo
com as mãos. — Acho que ele sentiu algo tão único que ninguém é bom o
suficiente para superar aquilo. E isso me preocupa. Ele sempre se fecha atrás
dessa carinha de mau e afasta qualquer um.
Felipe assentiu e vacilou na sua expressão por um segundo. “Será que
ele vai negar assinar o contrato? Não...”. Ele passou a fixar seu olhar frio nas
costas malhadas do moreno que dançava comedido. “Ele vai aceitar ser meu,
é só um contrato. As emoções são dispensáveis. Depois que acabar eu não
me importo como ele vai seguir” Felipe pensou engolindo em seco, sentia-se
levemente estressado com a forma que aquele pensamento parecia forçado.
O ruivo controlava-se com a maestria de quem estava habituado a
estabelecer bem seus limites. Não gostava da sensação de estar no seu
extremo, prestes a ser inconsequente e estúpido. Ele não fazia isso por
ninguém, não até então.
Fitou aquele homem dançando concentrado, agressivo em tudo: dava
ordens aos outros com firmeza e tinha um olhar provocante que o estimulava
muito. Felipe podia sentir a energia da presença dele por onde passava, como
se ele atraísse os olhares e as pessoas. Depois as repelia com sua postura
provocativa e maus modos. É claro que mesmo assim tinha muitos
admiradores, mas não saía de seu pedestal para aceitar nenhum deles.
Arrogante.
Felipe gostava disso. Gostava muito.
Ao final do ensaio, Gabe passou a tomar sua água calmamente sentado
distante de Felipe. Ouvia a música que ainda tocava na caixa de som
enquanto tentava controlar sua respiração exaurida. Os garotos mais
próximos de si cochichavam sobre o ruivo de maneira afoita:
— Meu Deus, o tamanho daquele braço. Imagina o... — disse Oliver
fazendo um gesto com o punho fechado o que fez os outros rirem. Gabriel
corou e bufou.
— Vocês são nojentos.
— Ah, Gabe! Não tem nada demais. Todo mundo aqui é adulto. Você
só está com raiva porque não se deram bem desde o início — retrucou Yuri.
— Uma vez eu ouvi que dois ativos normalmente não se dão bem
mesmo — falou Marcelo baixinho.
Os garotos passaram a teorizar sobre aquilo com a voz muito alta e
Felipe, mesmo de longe, prestava atenção na conversa. Gabe se levantou em
salto e foi até a mesa onde ele estava, pegou sua camisa de volta de onde
havia deixado, vestindo-se.
Ele tinha um cheiro gostoso de pele suada, perfumada com seu próprio
cheiro tropical. Felipe suspirou sentindo a brisa com aroma de óleo de coco e
karité que vinha do moreno, não pôde disfarçar como isso o afetou. Lizzo
havia saído há alguns minutos.
— Acho que precisamos conversar — disse Gabriel friamente. Ele
cerrou as sobrancelhas, cruzou os braços e esperou em pé, sentindo-se suado
e um pouco cansado. Não havia dormido direito noite passada e também
acabou se esforçando um pouco mais que o esperado no ensaio.
Felipe hesitou analisando-o.
— Você parece cansado — ele disse ao se levantar e se aproximou de
Gabriel, seu rosto levemente acima por ser mais alto. Os dois se olhavam
tensamente e Gabe lembrou-se da sensação do beijo do ruivo, obrigando-o a
desviar o olhar timidamente e com raiva. — É melhor eu te levar para casa
para você descansar.
— Não quero. — Gabe deu de ombros. — Eu estou bem. Consigo
conversar.
Felipe analisou a situação e aproximou-se do ouvido do moreno em um
ângulo que os garotos abelhudos não ouvissem ou lessem seus lábios.
— Não vamos só conversar, Gabo — o ruivo sussurrou lentamente
fazendo o rapaz recuar nervoso. — Mas se você insiste. — Felipe despediu-
se repentinamente dos meninos que tentavam entender algo da conversa dos
dois. — Avisem a Lizzo que eu já fui. As fotos vão ficar aqui.
Ele caminhou em direção à saída e Gabriel apenas acenou despedindo-
se malmente dos outros. Tentava acompanhar o homem que caminhava
rápido e tenso, os coturnos batendo pesados no solo.
Do lado de fora, Felipe entregou o capacete a Gabe que hesitou antes de
colocá-lo.
— Espera, aonde vamos?
— Para minha casa — Felipe disse indicando com a cabeça para ele
subir. Gabe obedeceu aparentemente a contragosto, batidas descompassadas
violentando suas costelas. “Droga, o que eu faço?” pensou, e o ruivo falou
autoritário como se pudesse ouvi-lo:
— Segure-se em mim.

✽✽✽

“Não é estranho demais tudo isso? Não estou me precipitando?” Gabe


refletia. Suspirou sentindo o vento contra seu corpo enquanto a moto de
Felipe acelerava em uma via livre. “Eu não o conheço de verdade, mas sinto
como se soubesse tudo sobre ele. Como se eu pudesse ler a alma dele” a
confusão dos pensamentos cada vez mais atordoantes. Desde quando ele era
tão emocional assim? Era só sexo, não era?
Apertou o abdômen do ruivo que reagiu acelerando um pouco mais. Os
dois entraram em um bairro nobre próximo da orla e da fronteira com Iapraq.
Naquela área havia poucos prédios por ser composta, principalmente, por
conjuntos habitacionais elitizados, casas grandes e muito elegantes cercadas
por altos muros de proteção máxima. Felipe apoiou-se em um pé ao entrar
pelo portão automático.
“Eu sabia que ele não era pobre, mas isso é ridículo” Gabriel pensou
por um instante ao fitar o casarão que, apesar de ter apenas um andar,
parecia uma propriedade vasta e horizontal com a arquitetura moderna
impecável. Ele tentou parecer indiferente ao descer da moto, o portão
eletrônico isolando-os da rua serena.
— Você mora aqui sozinho? — Gabe perguntou entregando o capacete
ao ruivo que parecia muito compenetrado, concentrado nos próprios
pensamentos e levemente aéreo. Felipe olhou ao redor indiferente e deu de
ombros.
— Hum.
Gabriel assentiu. Pensou em perguntar se ele tinha medo de morar
sozinho naquela casa enorme, mas sabia a resposta. Pensou em perguntar por
que havia mentido sobre saber onde ele morava e trabalhava com a desculpa
que a academia era próxima da sua casa, mas também sabia que receberia
outra mentira. Por que estava insistindo nisso?
Sim, pensava igualmente por que ele mesmo continuava confiando
naquele cara que parecia ser qualquer coisa menos um fotógrafo comum que
trabalhava em um jornal. Sua mente estava a mil, a ansiedade mesclando-se
com a curiosidade e mais tantas coisas que não podia definir. Sabia apenas o
que sentia: um desejo incontrolável e uma confiança infundada. Só não
entendia.
Os dois caminharam em silêncio do estacionamento lateral até a grande
porta principal, Gabriel seguindo-o atencioso. A entrada da casa contava
com uma chave eletrônica que desbloqueava com senha ou digital, coisa que
o moreno nunca havia visto fora dos filmes. Seu corpo tremeu. Eles entraram
em uma casa muito ampla e neutra, parecia recém alugada por indispor de
qualquer adornamento e era aparentemente desabitada.
Gabriel percebeu que não havia muitas divisórias, uma cozinha
americana grande e aparentemente intocada dividia quase que o mesmo
ambiente espaçoso com a ampla sala com grandes sofás e poltronas de
mesmo molde, uma mesa de centro retangular e televisão tela plana. Um
janelão de esquadria ao extremo norte era coberto por cortinas cinzas. Nada
de decoração ou quadros, plantas ou utensílios de cozinha visíveis.
O moreno percebeu três portas relativas aos cômodos: uma mais
próxima da cozinha e duas lado a lado, mais próximo do que seria a ampla
sala de sofás. Na lateral dos fundos, à direita, tinha o acesso à lavanderia e
área de serviço. Fora isso, sabia que tinha mais, mas nada que sua vista fosse
capaz de alcançar.
Felipe guiou-o até o sofá e sentou-se fazendo sinal para que o outro
sentasse também.
— Se mudou há pouco tempo? — Gabriel tentou evitar, mas não
conseguia parar de olhar ao redor, todo o ambiente passava uma sensação de
vazio, requinte e solidão. Sabia que era a casa dele porque pequenos detalhes
provavam que alguém vivia ali, mas nada era íntimo o suficiente para
demonstrar apego.
— Não. Sempre morei aqui. — Felipe acendeu um cigarro e o tragou
devagar, tirou tudo que tinha nos bolsos colocando-os sobre a mesa de
centro. — Então, você leu o contrato?
O exterior cinza e neutro, vazio e indiferente, era exatamente como o
que Felipe tentava transparecer para o mundo em si mesmo. Gabe sentiu que
precisaria cavar mais a fundo se quisesse ver algo que realmente fosse
autêntico e não apenas uma construção para intimidar forasteiros.
Ele assentiu para o ruivo e puxou as folhas do bolso grande enquanto
sentava-se no sofá despreocupado. Desdobrou as páginas com cuidado e
suspirou.
— Essa porra é séria — ele começou, folheando. Felipe se apoiou
confortavelmente no encosto do sofá fumando em silêncio evitando sempre
que suas mãos fossem vistas pois estavam trêmulas. Encarava-o com
seriedade. Gabe continuou: — eu tenho muitas, muitas anotações. Espero
que não se importe porque eu rabisquei quase tudo. Eu tenho costume de
tomar notas e classificar as coisas de um jeito particular, sou meio metódico.
O ruivo deu uma risadinha piscando devagar.
— Hum. Pode começar.
Silêncio. O outro suspirou hesitante e voltou a encarar o documento.
— Bom, primeiro essa parte de o submisso ter que obedecer em tudo
sem perguntar ou duvidar... — Gabriel riu debochado. — Não é minha cara,
eu confesso. Eu pergunto tudo e duvido de tudo. Você vai acabar se irritando
pra caralho, então eu coloquei uma nota aqui:

“Talvez eu te dê trabalho.”
Felipe sorriu levemente e assentiu:
— Se eu me irritar de verdade, encerro o contrato e acabou.
Gabe o encarou provocativo e sorriu muito sensual dando de ombros.
“Não se eu acabar antes, não pense que só você sabe o que quer aqui”
pensou.
— Certo. Que seja. Agora, a parte do prazo… Três meses? Eu acho que
não vamos precisar de tanto. — Gabriel hesitou levemente e pensou que
queria apenas uma transa. Ia ser suficiente, supunha. E então acabava com o
contrato ele mesmo.
Os dois julgavam que estavam apenas com tesão um pelo outro e não
precisavam se alongar apesar de toda burocracia do contrato que o ruivo
fazia questão de ter. Felipe suspirou concordando pensando em algo
semelhante. O moreno prosseguiu passando as folhas e voltando:
— Aqui. Tem essa parte sobre o treinamento. O que exatamente é isso?
Felipe tragou lentamente.
— Basicamente vou te ensinar a ser mais resistente. Aguentar mais
tempo, aguentar mais forte.
Gabriel estremeceu com o tom de voz frio e pesado de Felipe e logo
começou a sentir-se irritado.
— Não preciso de nada disso. Eu aguento — ele disse, fechando a
expressão muito bravo.
Felipe sorriu levemente, gostava muito de vê-lo com aquele rosto
bravo.
— É o que veremos... Né?
Gabriel bufou contrariado e continuou correndo os olhos sobre suas
anotações.
— Hã... Os dois “garantem que não padecem de infecções sexuais nem
enfermidades graves”, sim meus exames estão em dia. Eu anexei tudo aqui
como solicitado e também já vi os seus. Tudo certo. — Felipe concordou
afirmando o mesmo. Por mais que Gabriel fosse um fã de sexo seguro, agora
que podiam checar antes que estavam saudáveis daquele jeito, aceitaria a
possibilidade de fazer isso sem proteção. — Agora, essas partes sobre você
ser meu dono. Eu ser propriedade. Te servir e fazer de tudo para te
agradar… — Gabriel falou tentando se controlar. Ele estava excitado e
levemente contrariado. — Talvez nem sempre eu vou querer te agradar.
Dane-se.
Felipe assentiu e riu.
— Você está dizendo que não consegue fazer o básico? — o ruivo disse
provocativo.
Gabe o olhou furioso. Tirou seu casaco xadrez sentindo calor. Felipe
encarava atentamente aquele corpo e o volume evidente na calça alheia.
— Estou dizendo que eu posso fazer, mas pode ser que nem sempre eu
esteja a fim de te agradar. Por quê? Você não consegue controlar alguém
com personalidade?
O ruivo tragou sentindo-se mais ansioso que nunca. Fez sinal para
prosseguir. Gabe mordeu o lábio e continuou olhando o documento.
— Ok. Aqui no apêndice 1 fala que o submisso tem que manter relação
sexual apenas com o dominador. Adicionei uma nota: “e o dominador só
pode manter relação sexual com o submisso”. Seria mais seguro, digo. Já
que eu optei por fazer isso sem proteção... — Gabe deu de ombros. —
Parece justo?
— Parece óbvio — Felipe disse enquanto debruçava-se na direção da
mesinha de centro, em busca do cinzeiro. Apagou o cigarro e olhou para
uma das portas fechadas, recapitulando se teria tudo que precisava no quarto
dos submissos para onde intentava levá-lo.
Ele lambeu os lábios ansioso. O moreno continuou:
— Ótimo. Ok. Eu concordo com todos os limites rígidos e adicionei
mais alguns, já defini tudo da escala do apêndice 3 também. — Gabe
entregou a folha para Felipe.
O ruivo pegou os papéis e analisou com cautela os seus limites,
lentamente: “Ele marcou aceitável todos os tipos de dor e castigo?
Interessante” pensou.

“Quanto de dor o Submisso está disposto a experimentar?


Onde 1 equivale a que gosta muito e 5, a que lhe desgosta
muito”

“Ele marcou 1…” pensou.

“Aceita o Submisso as seguintes formas de


dor/castigo/disciplina? Onde 1 é para aceitável e 5 é para grave”

“De novo... 1 em tudo.” Felipe pensava divertido, analisando. Seus


limites rígidos eram completamente aceitáveis e ele havia revogado
completamente a cláusula que impedia o dominador de deixar marcas
permanentes no submisso:
“Eu quero ser marcado. Muito.” dizia a nota feita por Gabe.
Gabriel continuou falando enquanto o outro lia suas anotações:
— Nunca fiz a maioria dessas coisas que estão aí, nem usei nenhum
tipo desses brinquedos. Não tenho ideia de outros métodos de dor ou sei lá,
então todos são aceitáveis até eu testar. Qualquer coisa eu uso as palavras de
segurança. Aliás, eu queria entender algo sobre isso. Eu entendi ter uma
palavra de segurança para quando está perto do limite de resistência e uma
para quando não se pode mais tolerar exigências... Mas para que uma
terceira palavra de segurança que anula o contrato?
— Eu não gosto de despedidas. Uma vez a palavra dita os dois já
entendem que o contrato acabou. Sem reclamações — Felipe disse dando de
ombros.
— Sem conversa ou argumentos, certo? É a única palavra que é válida
para nós dois — Gabe murmurou pensativo tentando imaginar se depois
dessa única vez usaria mesmo essa palavra tão abrupta.
Felipe assentiu pensando o mesmo. “É só sexo...” repetiam
mentalmente sem parar, em sincronia, tentavam apaziguar os corações que
batiam muito rápido.
— Também preciso te perguntar algo — Felipe o interrompeu
entregando o documento ao moreno, levantou-se buscando uma caneta em
alguma das gavetas dos armários da cozinha. Ele voltou com a caneta e
sentou-se em frente ao rapaz que o encarava ansioso. — Quando você
percebeu que era masoquista?
Silêncio.
Gabriel arregalou os olhos assustado, hesitando. Ele tentou disfarçar
sua surpresa enquanto sentia seu rosto esquentar. É óbvio que ele havia
percebido. Felipe parecia muito observador.
— Não sei. A dor sempre me ajudou a focar. Me manter atento e
calmo… E me dá prazer — Gabriel admitiu sério. Nunca havia falado sobre
isso com ninguém.
O ruivo concordou com a cabeça.
— E já tentou usar isso no sexo? — Felipe lambeu os lábios salivando,
seu piercing cintilava fazendo Gabe desviar a atenção para sua boca
inúmeras vezes. “Se ele já tiver alguma experiência, não preciso pegar tão
leve agora” pensava. A tensão tornava-se perceptível como se adensasse o
ar, tornando-se cada vez mais quente e opressivo ao redor de ambos. Suas
respirações descompassadas ocupavam todo o amplo espaço da sala nua e
bem iluminada.
— Não — Gabriel falou, finalmente. — Para ser sincero eu nunca fiz
nada disso. Nem essa coisa de submisso, nem dor no sexo e nem mesmo...
ser o passivo.
Felipe pareceu um pouco atônito, como se tivesse sido acertado
diretamente na face. Isso mudava tudo.
— Você... nunca foi passivo? — ele ecoou sem acreditar.
Gabriel deu de ombros concordando e o encarou.
Felipe queria perguntar mais coisas, queria desvendar tudo sobre aquele
homem fascinante. Odiava se sentir tão deslumbrado, era um sentimento
insólito que não havia sido requisitado. Estava certo de que não podia e nem
queria se envolver mais do que o necessário com ninguém, muito menos um
submisso, e supôs que toda aquela sensação fosse, na verdade, pela
empolgação e excitação que aquele olhar felino e irritadiço o causava. Uma
vez domado poderia cessar o contrato e não precisaria se preocupar.
O ruivo olhou novamente para a porta fechada do quarto à direita para
onde levava seus submissos e negou com a cabeça. De repente, Gabriel
parecia bom demais para aquele quarto. Precioso.
— Assine — ordenou.
O moreno sentiu um frio na espinha e falou rápido:
— Eu acrescentei mais uma nota aqui: “Não quero ser proibido de
dançar”. Na verdade, eu não gosto de ser impedido de nada, já que é só sexo
não precisa limitar minha vida. Por favor — Gabe pediu e Felipe sentiu seu
corpo enrijecer com muita força, cada músculo seu parecia extremamente
tenso só de ouvi-lo usar aquela palavra.
— Por mim tudo bem, não tenho interesse na sua vida pessoal. Se você
concorda com tudo, é consensual. Assine — Felipe disse novamente.
— Hum... Tem certeza que me quer nisso? Mesmo eu sendo
inexperiente? — Gabe deu de ombros satisfeito, enrolava propositalmente
olhando para o documento provocativo. Ele lambeu os lábios e se
espreguiçou gostoso deitando-se lentamente. Lembrou que precisava de um
banho por causa do ensaio, estava suado apesar de cheirar muito bem.
Antes que ele pudesse se dar conta, o ruivo avançou ficando sobre ele
no sofá, seus rostos muito próximos. Gabriel o encarou impassível com a
expressão mal-humorada de sempre e a cabeça apoiada no encosto do sofá.
Ele não cedia para qualquer um. Na realidade não lembrava de ter cedido e
muito menos se sentido tão excitado assim antes.
Felipe olhou o moreno nos olhos longamente. Encaixou o joelho entre
as pernas do rapaz sentindo o volume muito rígido ali.
— Eu é que te pergunto se você tem certeza disso. O que aconteceu no
café, aquilo não foi nem a metade do quanto eu posso ser rude. Eu não vou
ser dócil com você, nem amável e muito menos me preocupar com suas
emoções. Você entende que não estamos entrando em um relacionamento
amoroso, não é? — o maior questionou ansioso e o outro riu fracamente.
— Eu não espero um relacionamento. É só sexo, Felipe, eu não estou
emocionado.
Felipe riu analisando o rosto abaixo de si.
— Ótimo.
Ele não precisava beijá-lo, normalmente não o fazia com nenhum dos
seus submissos, mas não conseguia evitar a atração que tinha pelos lábios
daquele homem. Ele era sensual em cada detalhe.
O ruivo se aproximou, rejeitando mais uma vez toda sua rotina e lógica,
e o beijou lentamente, aumentando o ritmo com vontade assim que suas
línguas se encontraram. Sua mão invadiu a blusa alheia e, com as unhas,
arranhou levemente o seu abdômen. O menor arfou em meio ao beijo e
passou a esfregar-se na perna dele devagar, levantando suas mãos para
segurá-lo pelo pescoço.
Felipe sentia o desejo tomar conta de si e precisou conter-se mantendo
uma distância segura. Antes que o moreno conseguisse tocá-lo, segurou as
mãos dele acima de sua cabeça em um aperto forte. Gabriel gemeu com a
dor.
— Assina — o ruivo ordenou no que mais parecia uma súplica,
interrompendo o beijo e largando-o completamente. Limpou sua boca úmida
com a costa da mão e olhou-o de cima.
A respiração de Gabriel estava muito pesada e descompassada, ele
sentia o gosto do homem à sua frente agindo como um anestésico em sua
língua, sua visão muito turva o atrapalhava enquanto ele tentava se controlar
sem sucesso. Ele riu trêmulo e recuperou as folhas caídas no chão depois de
puxar os pulsos manietados com violência. Entregou-as para Felipe em
seguida.
O ruivo analisou o documento confuso e pulou para a parte final das
assinaturas na qual, surpreendentemente, Gabriel já havia assinado desde
antes de chegar ali. O ruivo riu sádico e muito satisfeito com aquela
surpresa, rubricou sua assinatura de qualquer jeito na área que lhe competia
e, ignorando aquelas folhas oficiais, puxou o moreno pela cintura para si
com um braço.
O menor arfou e os dois voltaram a se beijar com intensidade. Dessa
vez, Gabe foi mais rápido passando as mãos com força pela nuca de Felipe,
o qual agora o pressionava contra o sofá com seu peso, esfregando-se nele
com muita vontade. O maior deslizou a mão pela nuca do moreno puxando
seu cabelo ondulado com muita força e fazendo-o gemer entrecortado. Não
queria parar de beijá-lo. Poderia ficar só nisso por horas.
Finalmente, ele puxou Gabe pelo braço, levantando-se devagar. Guiava-
o entre beijos em direção às duas portas. Olhou de relance para a porta da
direita, mas por impulso entrou no quarto da esquerda sem pensar muito no
que estava fazendo. O moreno permanecia muito atordoado, caminhando
vacilante, o cheiro de Felipe e a sensação do seu toque o deixando fora de
si.
O maior o afastou um pouco e o outro admirou-se brevemente com o
quarto que entravam: era completamente diferente do resto da casa. O atual
cômodo era aconchegante, grande, cuidadosamente decorado e ocupado.
Havia uma cama larga com cabeceira e dossel coberta de lençóis
escuros defronte a entrada, além de um grande guarda-roupa de portas de
correr todo espelhado na parede ao lado da porta pela qual entravam.
Também havia mais um outro espelho longo vertical de frente para o
guarda-roupa que fazia um jogo de múltiplas imagens e entre os dois
móveis. No centro do quarto, um grande carpete felpudo e castanho tomava
o assoalho.
A grande janela que dava acesso à sacada e para a parte de trás da casa
era coberta por uma densa cortina cor de vinho. No canto da extrema
esquerda havia uma escrivaninha e cadeira de escritório. Em cima da mesa,
um notebook e muitos papéis, além de muitas bolsas com câmeras, lentes e
diferentes tipos de utensílios para fotografia estavam organizados.
Na parede, um grande quadro de camurça com muitos negativos,
fotografias e pedaços de avisos presos por alfinetes fazia a composição
informal. Gabriel também reparou em uma porta entreaberta ao lado da
escrivaninha que dava acesso ao banheiro da suíte. O moreno sentiu-se
invadindo um espaço muito pessoal ali, como se estivesse passando da linha
que os outros podiam ver e adentrando em um plano particular e único,
inédito para o resto do mundo.
Não sabia exatamente por que estava se sentindo tão privilegiado e
excitado ao reparar que Felipe estava levemente corado agora, observando-o
se misturar ao ambiente como se sempre tivesse pertencido àquele lugar.
Como se fosse o item que faltava. Seria coisa da sua cabeça?
— Tire os sapatos — Felipe mandou friamente e Gabe obedeceu
imediatamente. O outro se sentou na cadeira da escrivaninha e passou a tirar
seu coturno com violência. — Ajoelhe-se. No centro — ele continuou
ordenando apontando para o centro do carpete exatamente entre o espelho
longo de pés e o amplo guarda-roupa espelhado.
Gabriel hesitou deixando seus tênis no canto ao lado do móvel, tirou
tudo que estava em seus bolsos, deixando ali também. Obedeceu-o sentindo
em seus pés a sensação macia e atoalhada do tapete escuro e ajoelhou-se
sentando sobre as pernas em seguida.
Dali podia ver seu reflexo no espelho de frente e de costas por causa do
jogo de reflexões entre as duas superfícies refletoras em paralelo. Observou-
se muito descabelado e emburrado com o rosto vermelho e ofegante, seus
lábios estavam úmidos e entreabertos, a respiração entrecortada.
O ruivo o observava com atenção, mantinha as mãos diante do rosto
pensativo. Depois de um tempo reflexivo, ele se levantou e caminhou
devagar rodeando o moreno que passou a acompanhá-lo com o olhar.
— Já decidiu quais são suas palavras de segurança?
— Eu... pensei em algo que eu gostasse e fosse fácil de lembrar. Então
sim — Gabriel disse tentando manter o foco, estava hipnotizado pelo homem
que andava ao seu redor como um leão pronto para dar o bote, seu cabelo
vermelho cintilando à meia luz do quarto.
— Quando estiver próximo de seu limite... — Felipe disse sugerindo
que ele continuasse com sua palavra de segurança.
— Latte — Gabriel disse rouco.
Felipe sorriu um pouco.
— Para que eu pare imediatamente, quando estiver no seu limite...
— Cappuccino.
— E a palavra que anula todo o contrato? Precisa tomar cuidado com
essa, só pode ser dita uma vez. — Felipe disse calmamente ainda o rodeando
— Espresso.
— Café, hum? — Felipe riu e aproximou-se devagar por trás do rapaz
ajoelhado. Ele se abaixou e respirou devagar em sua nuca sentindo o cheiro
dele com prazer. Seus olhos se fecharam, estava inebriado. Ele enfiou as
mãos por dentro da blusa de Gabriel e começou a tirá-la devagar e, quando a
retirou completamente, disse: — sempre que formos começar você vai me
esperar aqui, desse jeito, com a roupa que eu te entregar. Entendeu?
Gabe assentiu nervoso. Ele estava com sua expressão de sempre, as
sobrancelhas muito cerradas em sua feição naturalmente agressiva,
protegendo-se. Não queria demonstrar quão ansioso estava e tentava manter-
se calmo e sóbrio.
Seus olhos se encontraram com o de Felipe através do reflexo diante de
si e ele tremeu com aquele olhar dourado o encarando como se fosse devorá-
lo. O maior parecia muito focado e concentrado, realmente submerso em um
momento particular. Agora, finalmente, o mundo do lado de fora não existia
mais. Gabriel estava sendo sugado completamente pelo seu ritmo, como se
estivessem em um tipo de melodia hipnotizante.
— Como é sua primeira vez eu vou pegar um pouco leve, mas nem
tanto. Não se acostume com isso. Se for demais para você… Use as palavras
de segurança sem medo — Felipe disse e se levantou devagar. Tirou sua
camiseta jogando-a na cama fazendo o rapaz ajoelhado abrir a boca sem
reação.
O dragão tatuado em seu braço estendia-se por parte de suas omoplatas
em diversas espirais que pareciam nuvens e ondas. A musculatura de suas
costas era larga e detalhada, e sua cintura firme. Mesmo não sendo tão
musculoso, era realmente grandioso. Ele tinha ombros largos e braços muito
fortes, além de uma estrutura corporal muito bonita. “Como caralhos um
fotógrafo pode ser tão grande? Esse filho da puta é jogador de futebol
americano?” Gabriel pensava confuso e Felipe observava sua reação pelo
espelho com prazer.
O ruivo passou a repensar o que faria com seu submisso, uma vez que
seus planos todos mudaram quando o trouxe para seu quarto pessoal. Mesmo
que ainda não tivesse certeza de porque o fizera, sentia-se exultante por tê-lo
ali. Tentava reformular tudo que havia planejado agora com as novas
informações sobre Gabriel e o ambiente que nunca havia levado ninguém
antes.
Voltou sua atenção para o que faria a seguir, ele sabia que mantinha
alguns de seus brinquedos favoritos guardados naquele quarto e planejava
quais seriam os mais adequados para o que ele precisava enquanto
caminhava em direção ao grande guarda-roupa embutido e rolava a porta.
Puxou lá de dentro um tipo de bolsa de cetim preta e a colocou em cima da
cama concentrado, abriu-a ali apreciando seus brinquedos favoritos como
uma criança travessa.
Gabe observava os movimentos de Felipe atentamente, cada vez que
via o ruivo puxando seus cabelos para trás, com a feição concentrada, seu
membro latejava em expectativa dentro da calça que agora parecia muito
mais apertada. Seus ossos doíam naquela posição, a ansiedade o consumia.
A expectativa já era parte do jogo.
O dominador o olhou de relance como se tivesse ouvido seu nome e o
outro teve um sobressalto. Finalmente ele se aproximou de Gabriel devagar,
havia colocado algo no bolso, mas o moreno não foi capaz de ver o que era.
Parou novamente atrás dele e se agachou olhando-o pelo espelho, um sorriso
sádico cortando seus lábios.
— De joelhos.
Gabe obedeceu devagar ficando sobre os joelhos. Sentia suas pernas
quase sem circulação por conta da posição anterior e fez uma expressão de
incômodo graças às pernas formigando.
— Esperar faz parte do seu treinamento. É importante que aguente ficar
nessas posições — Felipe avisou passando as mãos pela cintura de Gabe que
arfou sentindo que o ruivo tinha as mãos um pouco trêmulas. “Ele está
nervoso? Não, não parece nervoso... Ansioso?” pensou.
O dominador puxou os braços e mãos de Gabriel para trás e cruzou-os
com uma mão enquanto com a outra puxava o punho de cordas vermelhas de
seu bolso. Com cuidado, amarrou os punhos do rapaz precisamente e bem
estreito.
— Eu não vou te limitar muito, não se preocupe. Estamos só
começando.
— Tudo bem.
— Está apertado?
— Sim — Gabe assentiu.
— Doendo?
— Um pouco — ele falou quase em um gemido. Para ele, não havia
nada de mais em ser amarrado, pelo contrário era até esperado. Mas a
sensação primordial que tinha ali era surpreendentemente contraditória:
liberdade.
Silêncio.
— Ótimo — Felipe sussurrou fazendo-o corar ainda mais.
Apertou o nó e passeou as mãos pelos braços atados de Gabe, o qual,
por sua vez, sentia sua pele arrepiar-se sem sua permissão. O ruivo ficou de
joelhos encaixado em seu quadril e o envolveu por trás, os pulsos atados de
Gabriel sentiram o volume do membro alheio dentro da calça e desejou ser
capaz de movimentá-los para apalpá-lo.
O maior beijou o pescoço do submisso chupando-o e mordiscando-o
ali, — o menor gemeu — passou a enfiar uma das mãos dentro da cueca do
moreno e tocou seu membro masturbando-o devagar. Com a outra mão ele
acariciava devagar seu abdômen e mamilos com as costas das unhas e pontas
dos dedos, arrancando arrepios intensos do outro. Carícias cuidadosas e
provocativas.
Gabe arfava gemendo com os toques. Sentia-se muito duro e melado
dentro da sua cueca e as mãos de Felipe estavam quentes deslizando com
precisão, sentiu novamente que poderia gozar só daquele jeito. O ruivo
abaixou a calça do rapaz e retirou todas as peças de uma vez, passando por
suas pernas ajoelhadas cuidadosamente em seguida.
Levantou-se e jogou as roupas sobre a cadeira à escrivaninha e passou a
observar o submisso que permanecia ajoelhado. Um frio na espinha o
açoitou com aquela visão: o menor completamente nu e muito rígido, a
expressão raivosa naquele rosto rubro e suado. Seu volumoso cabelo negro e
ondulado emoldurando a face perfeita e a mancha vermelha em seu pescoço
onde o maior havia acabado de chupar.
— Você não se importa…?
— O quê? — Gabriel perguntou estertorando pela excitação.
Expectativa.
Felipe cruelmente o deixava sempre querendo por mais.
— As marcas… Você colocou no contrato que quer ser marcado. Você
realmente não se importa?
— Eu gosto…
— Ótimo — o ruivo sussurrou muito baixo, fazendo com que Gabriel
fechasse os olhos. Pulsava.
Silêncio. Dessa vez parecia durar uma eternidade.
O dominador sorria de canto analisando o corpo alheio. Fixou os olhos
atentamente na bunda muito redonda e curvilínea de Gabe e, depois, voltava
a encará-lo pelo reflexo, não podia negar que seu corpo era incrível. O outro,
por sua vez, mantinha seus olhos fechados enquanto tentava controlar o
turbilhão de pensamentos constrangedores.
“Esse filho da puta está realmente brincando comigo. Não acredito que
estou com vergonha disso” pensava. Sentia-se muito exposto, espelhado pelo
quarto.
— Você é muito... muito bonito, gatinho — Felipe sussurrou
repentinamente na frente de Gabriel.
“Quando ele veio parar aqui?” o rapaz pensou e abriu os olhos
assustado tentando recuar por reflexo, mas suas mãos estavam
completamente atadas para trás. O outro se aproximou e o beijou com
violência, segurando sua cabeça com as duas mãos. Gabriel teve que abrir
mais os joelhos para equilibrar-se. O ruivo mordeu forte o lábio inferior do
submisso fazendo-o gemer de dor e prazer.
— Você fez isso para se acalmar... Naquele dia na Lizzo. Eu estava te
vendo — Felipe admitiu brincalhão e Gabe piscou atordoado. Ele gostou
muito daquilo e desejou sentir mais.
O ruivo se levantou devagar e tirou o que restava de roupa ali, diante
dele, ficando completamente nu e ereto. Gabriel salivou encarando o homem
em pé na sua frente e sorriu de canto por trás da expressão raivosa. O
homem o segurou com força pelos cabelos.
— Chupa — ordenou.
O submisso suspirou ansioso sem conseguir evitar a ansiedade
estampada em um sorriso bravo, mas o outro o impediu pouco antes dele
começar. Puxou os fios com violência.
— Quanto melhor você se sair, melhor vai ser recompensado.
Entendeu?
Gabe tremeu e assentiu abrindo a boca convidativo, não podia mover as
mãos e finalmente sentiu o membro alheio ocupar sua boca devagar. Passou
a chupá-lo usando sua língua e lábios, seu próprio corpo pulsando toda vez
que via o ruivo fechar os olhos em um gemido grave, aquele som tornando-
se o seu favorito de imediato.
O moreno o olhava enquanto dedicava-se ali, os fios negros rompendo
tamanha rudeza que era segurado pelo dominador. Felipe riu de canto
fazendo o moreno suspirar. “O sorriso dele é tão...” pensou envergonhado ao
perder a concentração.
— Toda vez que você me olha com essa carinha de bravo eu sinto
vontade de te bater — Felipe disse e passou a língua nos labios exibindo seu
piercing.
Gabe inclinou o rosto levemente deixando a bochecha à mostra,
sugerindo-a como alvo, sem parar de chupar da melhor forma que podia. A
saliva escorria pelos cantos de sua boca. O ruivo tremeu e puxou o cabelo
dele com mais força inclinando mais o seu rosto, com a mão livre deu um
tapa forte no rosto do submisso.
O submisso revirou os olhos satisfeito, era muito melhor do que podia
esperar. Sentiu o outro o puxar com agressividade, arrancando-o do que fazia
com a boca. O homem diante de si agachou-se olhando-o nos olhos, o lugar
onde havia batido ficando instantaneamente muito vermelho.
— Não me provoque. Entendeu?
Gabe assentiu, e, mesmo que tenha recebido aquele aviso, ambos
estavam satisfeitos com o tapa. O menor fechou sua expressão sentindo sua
boca muito suja e melada, mas antes que recobrasse o fôlego, o dominador o
beijou fazendo-o perder os sentidos de novo. Rapidamente foi largado.
O ruivo o rodeou e enfiou uma das mãos no topo da sua cabeça
violentamente, segurando-o pelos cabelos enquanto, com a outra mão,
conteve o peso do submisso pelo peitoral. Empurrava-o em direção ao chão.
— Eu vou... cair — Gabe disse ao sentir-se desequilibrando por conta
das mãos atadas.
— Não vou deixar. Confie em mim — Felipe murmurou enquanto
apoiava-o devagar até ele encostar o rosto no solo, as pernas abertas, de
joelhos e a bunda muito arqueada. O ruivo lambeu os lábios com a beleza
daquela bunda.
Gabriel conseguia ver-se através do reflexo naquela posição, seus
braços atados para trás e sua bunda exposta refletindo também no espelho
paralelo atrás de si. Gemeu envergonhado e um pouco amedrontado, seu
peso machucava sua bochecha contra o carpete.
O ruivo se levantou devagar e buscou algumas coisas em cima da cama
deixando o moreno respirando pesado ali, tentando se controlar. O homem
voltou depois de instantes, que para o submisso pareciam uma eternidade, e
ajoelhou-se ao seu lado.
— Eu já disse que não vou pegar muito pesado por ser a sua primeira
vez… Mas lembre de me avisar se for demais — ele disse rouco.
“Por que está repetindo isso toda hora?” Gabriel pensou e apertou os
olhos, sentia-se latejar em ansiedade. Não aguentava mais a espera.
Felipe passou as costas das unhas desde a dobra do joelho subindo pelas
coxas até rodear o quadril do moreno fazendo-o se contrair e miar arrastado.
Com a outra mão abriu o lubrificante que trazia consigo e derramou-o
despreocupado na face dorsal e no topo de sua bunda. Suspiros arfantes
ecoaram do outro, tremia com a sensação pegajosa que escorria entre suas
nádegas.
Com os dois dedos, Felipe passeou devagar até começar a espalhar
firmemente o lubrificante, pressionava levemente seu ânus e períneo sempre
que passava o dedo ali. O moreno se contorcia ansioso sentindo seu membro
pulsar e escorrer. “Pegue pesado comigo, por favor. Pegue pesado comigo”
pensava atordoado, os dedos do dominador o acariciando, deslizando no vale
contínuo.
Com a outra mão ele passou a masturbá-lo devagar. Não tinha a menor
pressa de acabar, nenhum ponto onde chegar além do momento presente. O
submisso hesitava em implorar que entrasse logo nele, a tortura do estímulo
vagaroso o pressionando ao extremo. Mantinha a expressão muito fechada e
as coxas tremendo de prazer. Ninguém nunca o tocara assim.
— Você não quer mesmo ceder, não é? — Felipe riu divertindo-se com
o conflito refletido na face do outro. É claro que queria que ele pedisse. —
Seu corpo todo está me dizendo que você quer isso, está praticamente
implorando que eu entre em você. Mas mesmo assim continua se esforçando
para fingir que não.
O ruivo levantou-se, abandonando-o ali, e o outro gemeu frustrado pela
abstinência do toque alheio. O dominador retornou com seu item favorito
dentre seus brinquedos pessoais: um chicote de couro com muitas tiras
grossas, juntas elas causavam um dano espalhado e doloroso, porém
relativamente suave. Regressou a ajoelhar-se atrás do moreno atado,
apoiando o chicote em seus ombros.
Passou a encarar profundamente os olhos castanhos pelo reflexo, os
quais o fitavam em expectativa e emoldurados pelas sobrancelhas cerradas.
Felipe segurou o próprio membro e deslizou a glande lentamente por todo o
vale. Os dois gemeram baixo. Gabriel escondeu um pouco o rosto no
carpete.
— Olhe para mim! — o ruivo disse rudemente e encostou com força as
faixas do chicote nas costelas do moreno que reagiu voltando a encará-lo
muito bravo.
Felipe assentiu e com uma das mãos passou a penetrar um dedo na
entrada alheia devagar, alargando-o. Ele continuou o processo até sentir que
conseguia colocar mais um sem muita dificuldade. “Só sexo. Podemos
começar assim… Só sexo” pensou. Mesmo com a expressão fechada e
relutante, o outro estremecia miando baixo.
O dominador enfiou o terceiro dedo sentindo a pressão, mantinha-se
atento em Gabe que arfava sério, os olhos fixos no ruivo oscilavam rolando
de prazer. Repentinamente, com a mão livre, ele segurou o chicote
firmemente e cruzou-o com violência contra a bunda do moreno que gemeu
alto.
— Eu quero te ouvir. Conte. Um... — Felipe iniciou a contagem
friamente.
Na segunda estalada, Gabe sentiu que certamente já chegaria ao
orgasmo só com aquele ritmo, tamanha excitação contida. A pele de suas
nádegas ardia, as tiras finas e múltiplas daquele item eram muito mais
pesadas do que aparentavam e, juntas, machucavam muito. A força daquele
homem era descabida. Ele não estava brincando, era verdadeiramente
violento.
— Do...is — Gabriel tentou contar, sentia-se muito perto. Já havia
segurado demais e estava muito excitado.
O dominador permaneceu introduzindo os três dedos nele com um
ritmo viciante, pressionava propositalmente o ponto preciso dentro dele que
estimulava tremores intensos em sua espinha.
A terceira estalada foi muito mais forte. O moreno gemeu mais alto
tentando não gozar ao máximo.
— Três... — disse em um lamento, conseguindo segurar-se um pouco
mais.
O ruivo riu baixinho.
— Até que você é resistente, gatinho.
Tirou os dedos devagar e passou a esfregar novamente o membro ali,
pressionava a entrada obrigando-o a abrir mais as pernas. Ele estagnou com
os olhos fixos naquela bunda muito redonda e vermelha pelos açoites de
antes, apertou o lugar onde havia batido com as pontas dos dedos e Gabe
empurrou-se para trás devagar forçando o ruivo a deslizar para dentro dele.
Felipe riu sádico daquela expressão brava muito corada, a boca do
moreno entreaberta enquanto ele mesmo se empurrava contra seu membro.
Ardia de ansiedade, gemendo com a pressão agora dentro de si, ocupando-o.
Muito confortável para a primeira vez, afinal, ele realmente estava pronto
agora que excitação e dor começavam a se alinhar.
— Calma, gatinho. Sem pressa, eu vou te ajudar.
Felipe segurou a bunda de Gabe e passou a empurrar lentamente o
membro dentro do pouco espaço que dispunha para isso. O outro revirou os
olhos arfando e antes que pudesse reagir à sensação de estar plenamente
ocupado, sentiu o estalar de couro das tiras agressivas contra a lateral de sua
bunda.
— Qua...tr- — Gabe ganiu automaticamente engasgando-se.
Suas mãos se contorciam atadas para trás de si e o rosto formigava
sustentando seu peso. Seu membro muito rígido e intocado não parava de
pulsar, escorrendo. “Isso... É... Muito...” seus pensamentos estavam confusos
enquanto via o ruivo olhando-o sádico estocando em si lentamente,
lambendo provocativo os lábios e exibindo aquele maldito piercing na
língua.
Era muito melhor do que Gabriel poderia sonhar ou desejar. Era quente
e forte, a dor o fazia delirar e ele tinha que controlar-se para não implorar
por mais. Não conseguia mais manter nenhuma expressão. Pelo menos disso
havia perdido completamente o controle: o prazer que vivenciava
ultrapassando qualquer outra experiência que já tivesse tido.
Felipe cruzou o braço diante de si e estalou o chicote mais uma vez,
com força contra a carne alheia. O submisso foi incapaz de contar ou falar,
sentiu seu corpo estremecer com o orgasmo intenso, seu membro latejando
intensamente enquanto escorria e jorrava quente. Não havia chão, suas coxas
tremiam muito e sentiu que não conseguiria mais ficar naquela posição.
Estava frágil e debilmente cambaleante.
Pior, sentia-se ridiculamente amador gozando com tão pouco.
Antes que caísse, Felipe o suspendeu num abraço, largando o chicote de
lado. Ele se impulsionou para trás e Gabriel sentou nele com força fazendo
os dois gemerem em uníssono. Naquela posição o moreno conseguia
controlar um pouco mais seu corpo e, aos poucos, recobrava a consciência
do orgasmo que ainda sentia fora de controle. Olhou o ruivo que o observava
com atenção pelo espelho e passou a tentar rebolar e sentar, aproveitando o
prazer que se estendia. Sem se tocar, gozar parecia não ter fim. Aquilo era
inédito.
O dominador inclinou a cabeça para trás arfando, com as mãos ele
equilibrava o moreno em cima de si envolvendo-o com um braço e, com a
mão livre, apertava sua bunda farta com vontade. Permaneceram naquele
ritmo, um cavalgar lento, por um tempo considerável e aos poucos o
submisso sentiu seu próprio membro enrijecer por conta do estímulo que
carecia mais. Ser preenchido naquela posição o acertava no ponto mais
prazeroso dentro de si.
Era tudo realmente muito novo. Deveria ser assim? Já devia ser tão
bom logo de cara? Ele tinha certeza que não. Tinha algo naquele homem,
algo que o deixava no limite. Xingou mentalmente, o calor do corpo dele
aquecendo tudo.
Aos poucos, suas coxas começaram a arder pela força que fazia. Em um
movimento rápido, o ruivo lambeu as costas do moreno segurando-o agora
pelas mãos amarradas e o mordeu com vontade na altura da nuca fazendo-o
gemer alto. Passou a penetrá-lo com mais força, de forma animalesca, da
forma como desejava desde o primeiro momento que o vira.
Aumentou o ritmo cada vez mais, prestes a atingir o orgasmo. Puxou
mais firme os pulsos atados de Gabe e, com a mão livre, segurou o seu
pescoço olhando em seus olhos de gato pelo espelho.
— Gostoso filho da puta — sussurrou enquanto gozava dentro dele.
O submisso estremeceu, parecia que tinha perdido a consciência por
alguns instantes porque sentiu-se sendo deitado no carpete lentamente
enquanto arfava, seu peito queimando pela respiração muito pesada. O
quarto havia afundado em uma escuridão completa por conta do anoitecer.
Felipe desatou-o, livrando seus pulsos. Em seguida, levantou-se para
acender o abajur da escrivaninha e depois o abajur da cabeceira da cama.
Uma iluminação amarelada se espalhando pelo quarto.
Silêncio.
— Descanse um pouco e depois volte para sua posição inicial. Eu já
volto — Felipe disse saindo do quarto, mas antes encarou o moreno que
respirava pesado deitado no chão com o rosto coberto pelo antebraço. Sentiu
seu coração acelerar com aquela visão e saiu do aposento.
Gabe reviu tudo que havia acontecido muito rápido em sua mente. A
ficha que finalmente caía. As imagens e sensações invadiram-no,
percorrendo sua pele como ondas elétricas. Seu membro insaciável estava
sensível e sedento, a experiência de um orgasmo sem toque o fez concluir
que talvez uma vez só, afinal, não seria o suficiente.
“Talvez só essa noite. Quantas mais eu aguentar... E ele aguentar. E
então acabou. Só mais... uma” pensou desordenado. Tentou se sentar sem
sucesso. Mesmo que praticasse exercício, lutasse, dançasse, aquilo era um
tipo de esforço diferente e muito extenuante. Recapitulava agora e malmente
havia aguentado pouco mais que quatro punições. Ele estava realmente
pegando leve? Estava confuso.
Finalmente conseguiu voltar com dificuldade para o centro do carpete e
tentou ajeitar o próprio cabelo sem sucesso, estava muito molhado e
desgrenhado. Ficou na posição inicial sentado sobre as pernas, a expectativa
o consumindo por alguns minutos.
Felipe voltou para o cômodo com uma garrafinha de água que entregou
ao moreno sedento. Segurava consigo uma outra bolsa de cetim preta
diferente que jogou em cima da cama junto à anterior. Depois, caminhou em
direção à janelona e a abriu junto com a cortina permitindo a entrada de uma
brisa noturna gelada, as árvores dos fundos da casa permitiam uma paisagem
livre de olhares indesejados.
O ruivo acendeu um cigarro e sentou-se na cadeira fumando
lentamente. Gabriel estremeceu com o vento na sua pele suada e quente.
— Como se sente? — perguntou enquanto o moreno tomava a água e
recompunha-se lentamente.
Silêncio.
Gabe não queria admitir nem para si mesmo como se sentia então
silenciou. Encarou as próprias pernas dobradas com sua expressão cerrada.
Já não estava tão envergonhado, porém permanecia levemente
desconfortável. Felipe tragou uma última vez. Ao contrário do costumeiro,
sentia-se indisposto para fumar, e apagou o cigarro com indiferença no
cinzeiro de cristal sobre a escrivaninha. Tinha algo mais viciante diante de
si.
Afinal de contas, nenhum dos dois admitiriam com facilidade o que
sentiam ali.
— Certo. Vamos continuar. Algo... Leve... — Felipe ecoou enquanto se
levantava. Foi até à cama e abriu a bolsa de onde retirou uma faixa vinho de
tecido frio, pura seda.
Caminhou até o moreno e parou atrás dele, o olhando pelo espelho,
solicitou a garrafa de água dele e tomou todo o resto, finos fios de água
escorrendo pelo seu pescoço. O ruivo limpou a boca com a costa da mão e
sorriu para o submisso ajoelhado ao chão o qual o admirava pelo reflexo, os
lábios entreabertos.
— Ainda consegue aguentar?
— Sim. Sim, claro... — Gabriel disse agressivamente, seus pômulos
ardiam pelo corar intenso e involuntário. Aquele homem que o encarava, em
pé e completamente nu atrás de si, tinha o corpo mais lindo que já havia
visto na vida, a pele muito alva como porcelana detalhada e vascularizada.
Tinha a franja carmim úmida alinhada para trás enquanto poucas
mechas finas caíam diante de seus olhos dourados. O moreno não podia
evitar a admiração estampada na sua face, mesmo que permanecesse
insistindo na feição brava habitual. Abaixou a cabeça fugindo do contato
visual.
— Para de me encarar porra, já disse que aguento.
O dominador riu abandonando a garrafinha no chão.
— Arisco como sempre — sussurrou. Ele se agachou e passou a fita de
seda para frente de Gabe, deslizando-a pelas suas coxas, barriga e chegando
até seu pescoço. Voltou a falar provocativo antes de continuar: — como está
sua bunda? Doendo?
Gabriel o olhou pelo reflexo muito raivoso, sentia o lugar onde havia
levado as chicotadas ardendo e sabia que teria marcas por causa daquilo. Em
seu pescoço e costas também podia sentir cada ponto onde levara chupadas e
mordidas do ruivo. Era demandado, e aquilo também era muito novo, a
forma como sentia-se excitado em ser marcado necessariamente por aquele
homem.
Convertia-se em sua propriedade em um nível tão animal e violento que
ele não conseguia definir se era aceitável ou não, pelo menos para o resto do
mundo. E para si? Era aceitável? Corou envergonhado. Aquela era a
primeira razão pela qual evitava pensar em dor e prazer juntas: constrangia-
o.
Felipe sorriu vendo-o tão confuso e excitado, processando o ocorrido.
— Está tudo bem — Gabe disse por fim.
O dominador assentiu e continuou subindo a fita a fim de vendá-lo. O
moreno fechou os olhos, o tecido frio agora sobre suas têmporas. Arrepiou-
se com a aproximação repentina do ruivo em seu ouvido:
— E os braços? Você ficou bastante tempo amarrado. Estão doendo? —
Felipe perguntou novamente.
“De novo isso… Por que está tão preocupado comigo? Perguntando
como me sinto, como um bobo” o submisso pensou irritado.
— Sim... um pouco... — o menor admitiu rouco e corado. “É só sexo,
faz parte do contrato ele cuidar de você. Controle-se” pensou novamente ao
tentar ordenar sua mente.
Relaxou com as mãos quentes do ruivo que passaram a massageá-lo nos
ombros e braços. O homem o rondou parando na sua frente e o beijou
enquanto massageava também a nuca do rapaz.
— Me segura — Felipe disse em um murmúrio puxando os braços de
Gabriel e jogando-os ao redor de seu pescoço. Em um impulso, ele o
levantou agarrando-o no colo, o que fez Gabe atracar as pernas com
violência na cintura do ruivo.
— Que...?! — Gabe exclamou enfiando o rosto no pescoço de Felipe,
envergonhado por ser carregado. O outro riu divertido ao sentir o membro
do moreno pronto e melado contra seu abdômen.
— Você é mais leve do que parece — falou divertido ao jogá-lo na
cama.
O moreno gemeu baixinho esticando-se e tateou com as mãos o tecido
ao seu redor sem poder enxergar, encontrou, por fim, com as mãos de Felipe
que o seguraram muito firme se apoiando por cima dele. Gabriel sentia a
respiração do homem acima de si e seu cheiro inebriante.
O dominador hesitou admirando o belo rosto vendado antes de voltar a
beijá-lo longamente, deslizava os dedos pelos fios negros enquanto apalpava
seu corpo vagaroso. Desfrutava entre gemidos da sensação de todo o corpo
alheio, melado contra o seu, enquanto o menor o envolvia abraçando-o e
arranhando suas costas de forma felina.
Com os sentidos muito aguçados, Gabe abria mais as pernas atracando-
o com elas, seus membros friccionando um contra o outro de forma ritmada.
Queria-o dentro de si, voltar a se sentir ocupado pelo homem pesado que o
beijava, mas resistia ao implorar que ecoava em sua mente.
— Fala. O que você quer? — o ruivo sussurrou, como se pudesse ouvir
o embate mental de seu submisso. Beijava, chupava e mordiscava o pescoço
alheio com maestria.
Gabe arfava, grunhiu sentindo sua face queimando. Virou o rosto,
envergonhado, mesmo vendado.
— Não — ele disse bravo.
O maior bufou contrariado e, com uma de suas mãos, segurou
rudemente as duas do moreno acima da cabeça dele. Com a outra mão livre,
deslizou dois dedos entre as suas nádegas pressionando levemente a entrada.
Gabriel arfou ansioso.
— Se você não pedir. Não vai ganhar. Entendeu? — Felipe disse
parando o toque e Gabe grunhiu de novo num muxoxo. Negava mentalmente
enquanto mordia a parte interna da bochecha, controlando-se. Sua cintura se
mexia sozinha em um rebolado ansioso. O ruivo insistiu: — você consegue.
É só... sair do controle. Vai se sentir bem.
O moreno fez que não com a cabeça quando sentiu a mão livre de
Felipe o masturbando, e deslizando entre suas pernas, nádegas e anus,
pressionando a entrada ali sem realmente entrar. Provocava-o acelerando e
estimulando-o sem realmente concluir o que começava.
Gabe não conseguia mais respirar direito com aquela sensação
contorcendo-se de tesão, incapaz de mexer suas próprias mãos presas pela do
ruivo. Encarando-o sem parar, o dominador sentia seu corpo tremer de
ansiedade também, queria penetrá-lo e, mais ainda, queria ouvi-lo
implorando por isso. Poderia passar a noite toda assim, sentindo-o rebolar e
segurar-se, evitar, controlar-se.
Recomeçaria tudo de novo, uma hora ele iria ceder à tortura.
— Você fica uma delícia melado desse jeito — Felipe sussurrou muito
grave.
— Já... Chega... — Gabriel falou com dificuldade sentindo as mãos do
homem que o masturbava em um ótimo ritmo e depois parava pressionando-
o e estimulando seu corpo. Formular qualquer mínimo pensamento era
extremamente e incoerente. — Me... — Ele se calou mordendo os lábios,
hesitante.
— Fala — Felipe ordenou urgente, estava ardendo. Sua voz era rouca e
seus olhos estavam hipnotizados pelo submisso.
— Me... fode, por favor. Por... Favor... — Gabriel implorava sentindo-
se muito envergonhado e estranhamente livre. Agradeceu estar vendado para
não o olhar nos olhos. Seu rosto quente recebeu uma suspirada pesada de
Felipe que sorriu contra sua pele e mordeu o lóbulo de sua orelha.
O dominador, sem dúvida, estava exultante com o que acabara de ouvir,
cada parte de si ardendo. Não conseguia lembrar a última vez que se sentiu
tão satisfeito assim e não parava de sorrir, o seu rosto refletindo a cor de seus
cabelos.
Encaixou-se com precisão e velocidade entre as pernas do moreno, e
passou a usar mais do lubrificante que dispunha, esfregando com cuidado
entre as nádegas do rapaz. Segurou-o pelas dobras do joelho e, sem
cerimônias, entrou nele devagar, deslizando e gemendo. Gabriel puxou o
travesseiro que estava abaixo de si e o mordeu com força, sentindo vontade
de gritar. Com a outra mão tentou se tocar, sendo imediatamente impedido
pelo outro.
— Você só se toca se eu permitir.
Ele lambeu os dedos de Gabe que arfava contra o travesseiro e
posicionou as mãos atrevidas sobre sua cabeça, as investidas tornando-se
cada vez mais ritmadas.
Felipe não se movimentava de qualquer jeito, ele sabia exatamente
como estocar com precisão enquanto, com a mão livre, arranhava o abdômen
definido de seu submisso estimulando-o até agarrá-lo pela cintura em um
aperto rude. O maior se debruçou sobre o corpo alheio, lambendo seu
peitoral e mordendo-o. Gabe gemia estertorante, uma batalha infinda.
— Se quiser algo precisa me pedir, gatinho. E se não pedir, eu não vou
te dar. Além disso, precisa merecer para ganhar qualquer coisa. Então, seja
bonzinho... — Felipe disse sorrindo sádico. Livrou o moreno da venda em
um só movimento e os dois se encararam atônitos. — Pode me chamar de
mestre e implorar, Gabo. A partir de agora, você é meu.
Gabriel não pensava em mais nada, arqueou as costas arrepiado ao
sentir a boca que voltou a beijá-lo e a mão que agora passava a masturbá-lo
com perfeição. Fechou os olhos em um suspiro sentindo seu coração bater
tão rápido que podia morrer, nunca estivera tão realizado. Mas não estavam
nem perto de acabar.
CAPÍTULO IV

Gabriel abriu os olhos devagar. Estava imerso na escuridão deitado de


bruços na cama macia e, mesmo que seu corpo estivesse muito dolorido,
sentia-se muito leve, ouvindo apenas o chiado da chuva do lado de fora.
Sentiu o cheiro gostoso do cigarro e tentou se levantar com dificuldade.
Na outra extremidade do quarto, Felipe fumava trabalhando em seu
notebook. O ruivo olhou para o menor que tentava se mover sem sucesso à
cama e se aproximou lentamente, sentando-se ao seu lado.
— Bom dia, gatinho arisco — murmurou brincalhão.
O moreno grunhiu estressado e se esforçou tentando lembrar o que
havia acontecido antes de dormir. Já havia gozado pelo menos três vezes ou
mais e lembrava de estar apoiado sobre os joelhos na cama, Felipe segurava
suas mãos para trás muito apertadas com uma mão enquanto a outra o
segurava pela cintura com violência puxando-o para si.
Gabe gemeu baixinho lembrando da sensação do ruivo dentro dele
depois de já ter perdido a conta de quantas vezes os dois já haviam gozado,
sua bunda doía muito pelo excesso de punições e sua cintura estava
certamente roxa por ter sido segurado com tamanha rudeza. Estava exausto e
tudo doía, mas ao mesmo tempo não conseguia parar de sentir prazer com
aquele toque.
“Eu desmaiei? Não. Eu gozei e ele também e depois... Não lembro de
mais nada.” Gabe enfiou o rosto no travesseiro com força, constrangido.
Provavelmente havia adormecido naquela pausa.
— Precisa de ajuda para se levantar? Eu tentei te limpar como pude,
mas também posso te ajudar a tomar banho se quiser — Felipe disse. Era
inegável que sorria sádico encarando as costas malhadas de Gabriel cheia de
roxos e chupões, sua bunda estava extremamente vermelha e sua cintura
num tom rubro escuro.
— Você me limpou?! — Gabriel disse sentando-se em um salto. Seu
corpo reclamou e ele miou pelos músculos que protestavam. “Nem meu
treino mais pesado me deixa assim. Talvez no máximo se eu passar o dia
todo dançando… Que maluquice”.
Silêncio. Os dois se fitaram longamente na penumbra, o som das gotas
batendo na janela e do vento forte do lado de fora preenchia o lugar. Gabe
fechou a expressão com as sobrancelhas muito juntas e fugiu com o olhar.
— Eu vou só tomar banho e depois vou para casa.
Dito isso, ele tentou se levantar, mas sentiu uma pontada na lombar. Seu
corpo estava realmente muito dolorido e, para piorar, estava faminto. Sentiu
sua barriga roncar e uma sequência de arrepios causados pelo frio. Felipe o
segurou pelo braço firmemente.
— Não vai a lugar algum, Gabo. São 3 da manhã e está chovendo muito
— ele disse apontando para o lado de fora obrigando o outro a olhar perdido
na direção da cortina. Gabe estava nu e tremeu por conta do frio.
O ruivo prontamente entendeu sua expressão e se levantou pegando
uma grande toalha de dentro do guarda-roupa, envolveu-o com ela em
seguida. O submisso mal conseguia acompanhar seus movimentos sentado à
beira da cama, ele bufou contrariado.
— Não interessa. Eu pego um táxi, alguma merda assim. Só vou tomar
banho e vou — ele disse. Estava certo que aquele homem apenas estava
garantindo o princípio básico de cuidados do contrato que assinaram:
“15.13 O dominador terá a responsabilidade de garantir a
estabilidade emocional e a saúde física do Submisso ao fim de cada
sessão a partir de cuidados com sua pele e corpo, higiene, alimentação,
hidratação e qualquer outra necessidade nesse sentido.”
Gabriel deu de ombros afastando qualquer pensamento ilusório que
pudesse ter sobre aquele tom preocupado na voz rouca. Estava tudo no
contrato.
— Não vai. Não vou deixar você entrar no carro de nenhum
desconhecido nesse estado. E não posso te levar de moto na chuva. Você vai
tomar banho. Vou te arranjar algo para comer e você vai dormir — o ruivo
disse apontando para a cama.
Gabriel sentiu um arrepio. “Dormir aqui? Com ele?” pensou negando
com a cabeça nervosamente.
— Não... não, melhor não!
— Não se preocupa. Eu tenho muito trabalho a fazer, passaria a
madrugada acordado no computador de qualquer jeito. Se te incomodar
dormir na cama pode ir para o sofá, mas eu acho que você só vai passar frio
lá — Felipe disse dando de ombros enquanto o ajudava a se levantar.
Ele o guiava até o banheiro da suíte enquanto Gabe protestava muito
bravo. “Eu até conseguiria meu carro para levá-lo agora, mas se ele mal
consegue andar sozinho, que dirá subir aquelas escadas velhas que já devem
estar encharcadas. E, além disso...” Felipe pensava admirando-o de perto
agora, sem ouvir seus xingamentos.
O cabelo preto do rapaz estava bagunçado, emoldurando seu rosto
muito vermelho enquanto ele o fuzilava com seu olhar muito arredio. O
ruivo apreciava a sensação boa que era tê-lo ali e sorriu de canto ao ouvir
mais um xingamento alto. Queria começar a treiná-lo desde já, ansiando
senti-lo de novo e de novo.
— Você vai acordar a porra da vizinhança toda, cala a boca — Felipe
ordenou friamente, empurrando-o mais forte em direção ao banheiro.
Definitivamente nunca demonstrava o que sentia.
Gabe parou de reclamar a contragosto ao entrar ali e apertou os olhos
ofuscados pela claridade artificial muito diferente do outro cômodo. O ruivo
fechou a porta atrás deles evitando corrente de ar e passou a empurrá-lo na
direção da ampla banheira de porcelana.
O menor tropeçou em um grunhido, sentando-se no fundo de braços
cruzados e emburrado. Felipe fechou o ralo com o tampo de metal e, em
seguida, ligou a vazão da água morna que começou a encher o espaço de
porcelanato lentamente. Ele agachou do lado de fora e passou a encarar seu
submisso apoiando os antebraços na borda.
— Está sentindo muita dor?
A água começava a se alastrar por todo o fundo pálido, a temperatura
morna relaxando os músculos com os quais entrava em contato.
— Não — Gabriel mentiu mal-humorado. — Mas você disse que ia
pegar leve...
Felipe riu divertido, com as mãos em concha passou a jogar
cuidadosamente a água nos ombros do moreno. Gabe gemeu baixinho,
relaxando mais. O maior sentiu seus músculos retesarem com aquele som e
pulsou involuntariamente, encarava as marcas arroxeadas e vermelhas na
pele alheia satisfeito. Era sua propriedade agora.
— Eu peguei muito leve com você, gatinho. Você mal aguentou mais
que cinco punições. Só aguentou um pouco mais porque eu te bati com a
mão. Depois da quinta gozada você apagou. — Ele deu de ombros
espalhando a água no abdômen detalhado de Gabe. A água agora já cobria
todas suas coxas.
O moreno grunhiu com raiva:
— Vai se foder, isso não pode ter sido pegar leve!
Felipe o olhou sombriamente e o segurou pelo queixo com violência
apertando seu maxilar.
— Você vai saber quando eu pegar pesado — Felipe disse lentamente.
A frieza em sua voz fez Gabe ter calafrios. — Mas ainda falta bastante pra
valer a pena. Você precisa de muito treinamento se quiser realmente fazer eu
me esforçar.
Gabriel o encarou raivoso através do aperto em seu queixo. Seu
membro pulsou e o maior encarou aquilo entre suas pernas com um sorriso
sombrio. O moreno não recuou, sentia uma motivação intensa de fazê-lo
pagar por subestimá-lo assim. Felipe prosseguiu:
— Não se preocupe. Essa semana você vai treinar todo dia. Se aguentar,
talvez eu te elogie um pouquinho — o ruivo disse soltando-o e percorrendo
os dedos longos pelo peitoral de Gabe, a umidade já tomava conta do
ambiente. Ele deslizou as unhas nos mamilos alheios fazendo-o tremer e
rosnar raivoso.
— Você acha que eu não tenho mais o que fazer durante a semana não?
— Gabriel provocou afastando a mão do dominador, passou a se lavar com
força mesmo sentindo seus músculos reclamando. Não queria demonstrar
que sentia dor. A água morna ajudava bastante.
Felipe suspirou pesadamente.
— Eu vou te buscar e te deixar em casa, posso te pegar depois do seu
trabalho e ensaios. E é só uma semana, até porque... — Felipe se levantou
pegando um pote de porcelana das prateleiras cantoneiras de vidro, de dentro
dele retirou uma pequena cápsula amarela. Ficou brincando com ela nos
dedos e sorrindo ladino. — Eu nem tenho certeza se você vai aguentar passar
pelo treinamento, que dirá me dar uma transa decente.
Gabriel o olhou com muita raiva. Estava vermelho e bufando, encarava
o ruivo que estava pé do lado de fora da banheira, imponente, o membro
marcando contra a calça leve de algodão. O moreno engoliu em seco
sentindo vontade de tocá-lo, segurou as próprias mãos contendo-as e sentiu
que as articulações ali doíam também.
— Vai se foder — Gabriel murmurou finalmente, mergulhando para
trás na grande banheira. Depois subiu com os cabelos molhados todos para
trás e sorriu provocante para o homem que o olhava, este não podia deixar
de notar que o rosto de Gabe era incrivelmente perfeito, seus lábios sendo a
parte mais linda e provocante. — Eu vou aguentar qualquer merda que você
mandar. Pode tentar. Não vai me assustar.
Felipe riu rouco e agachou novamente colocando a cápsula amarela na
água. Era efervescente e começou a se dissolver lentamente, liberando um
cheiro floral suave.
— Camomila. Para acalmar a pele e essa sua malcriação — ele disse
muito perto do moreno, sorrindo de canto. Gabriel arfou com a aproximação
repentina e virou o rosto bravo. O ruivo fechou a vazão da água, a banheira
agora cheia até a altura do peitoral do outro. — Pode usar o que quiser para
se limpar. Quando sair, quer comer algo específico?
Gabe lembrou que estava faminto e agarrou o próprio estômago. Sentiu
um pouco de abstinência, normalmente tomava uma boa dose de café ao
acordar, no meio da tarde e antes de dormir. Sua cabeça já doía sem o
líquido.
— Não, qualquer coisa. Mas por favor me diz que você tem café.
Felipe riu.
— Você mesmo pode fazer, tem na cozinha. Vou arranjar algo para você
comer. Ah... E tem mais uma coisa... — Felipe se levantou e saiu do
banheiro. Voltou sem muita demora com uma sacola grande de papel que
colocou em cima do vaso. Apontou para ela despreocupadamente enquanto
ajeitava a toalha que havia tirado do moreno no gancho de metal ao lado da
porta. — Tem roupas novas e limpas para você aí dentro.
Dito isso, saiu sem olhar para trás. Gabe tremeu, estava sozinho agora.
Passou a jogar a água perfumada e morna em seu corpo lavando-se
devagar, o calor relaxando seus músculos. Naquele momento ele finalmente
pôde analisar aquele cômodo: via os cosméticos de Felipe nas prateleiras,
uma camiseta de banda surrada pendurada no gancho atrás da porta (talvez
seu pijama) e algumas pequenas manchas rubras, muito discretas e quase
translúcidas, na beirada da pia alva.
Sorriu um pouco, timidamente, imaginando Felipe pintando seu cabelo
sozinho ali. Era muito íntimo, um espaço pessoal e só dele.
Prosseguiu em sua análise. Além disso, havia mais espelhos ali, pelo
visto era um dos vícios de seu dominador. Mirou-se através do reflexo do
maior deles: o cabelo negro para trás, muitos roxos e marcas no seu pescoço,
braços e peito. Sua cintura estava igualmente púrpura e sua bunda
possivelmente no pior estado. Agora ele é que se convertia em parte daquele
cenário íntimo de Felipe. Lentamente encaixando-se ali sem muito esforço.
Enterrou o rosto entre os joelhos e sorriu sem se controlar com a
sensação do seu coração batendo com violência contra suas costelas.
Gostava muito disso. Toda aquela dor simultânea o fazendo sentir-se nas
nuvens.

✽✽✽

Felipe fumava sentado em um dos bancos altos da cozinha americana.


A comida chinesa havia acabado de chegar e ele a colocou sobre o balcão
esperando Gabe sair do banho. Ele olhou o celular checando suas
mensagens:

CARLA
“A reunião da cúpula foi terrível, sem você aqui as coisas estão cada
vez piores. É sério. Os boatos estão se espalhando depois da sua vinda
aqui.”

O ruivo visualizou e ignorou enraivecido, bloqueou a tela. Teve um


sobressalto com a vibração e viu a outra mensagem que tinha acabado de
chegar da mesma remetente:
CARLA
“Se não queria causar alvoroço, por que foi tão precipitado? Você
sabia que seu pedido de informações sobre aquele cara ia chamar
atenção, ainda mais vindo aqui pessoalmente.
Ele vale tanto à pena assim?
PARA DE VISUALIZAR E IGNORAR! ME RESPONDE, FELIPE.”

Ele suspirou e viu Gabriel saindo do quarto arrastando-se. Ele usava a


calça de algodão larga e a camiseta que ele o havia entregado, seu cabelo
molhado caía arrumado ao redor de seus olhos arredios. O ruivo sorriu
discretamente bloqueando o celular e apoiou seu queixo sobre o punho.
— Conseguiu sair sozinho? Depois eu passo uma pomada na sua bunda
para aliviar a dor.
Gabriel o encarou muito bravo e mostrou o dedo do meio, arrastando-se
em direção ao balcão com a feição mal-humorada. Ele cheirava a camomila,
mas seus modos não pareciam nem um pouco melhores. Em um lapso, seus
olhos brilharam ao ver a sacola de comida chinesa que havia ali e o maior
fez sinal para continuar. Gabe abriu a sacola de papel salivando.
— Não sabia do que você gostava, então eu meio que comprei o que
sempre peço — Felipe explicou.
— Eu amo esse restaurante, qualquer coisa que você pedisse eu comeria
— ele disse bobo e sorrindo largamente ao confirmar que tinha vários pratos
que ele gostava. — Espera, você disse que tinha café, né?
Felipe assentiu e apontou para o armário cor de mármore ao lado da
geladeira. Estava surpreso por ter acertado sem querer qual o restaurante que
ele gostava e guardou mentalmente aquela expressão feliz de seu submisso.
Agradá-lo podia ser difícil, mas quando conseguia, sentia-se realmente
recompensado. “Tão fofo...”.
Gabriel foi até o armário e o abriu, deparando-se com uma infinidade
de embalagens de café desde os mais comuns até os mais requintados e
caros, uma máquina de moer grãos, coadores de papel e pano de diferentes
tipos e tamanhos, suportes e uma infinidade de outros utensílios. Ele abriu a
boca e olhou para Felipe em choque:
— Mas que caralho? Você adivinhou que eu sou viciado em café? Você
é um stalker ou alguma porra assim?
— Você tem uma boca muito suja — Felipe disse rindo sem tirar os
olhos sádicos do moreno.
— Mesmo assim você quer que eu te chupe com ela — Gabriel
cantarolou baixinho enquanto remexia nas embalagens empolgado. O ruivo
sentiu um arrepio, aquele homem definitivamente era extraordinário. Falava
o que queria e agia como bem entendia, completamente autêntico.
— Agora… Sobre eu ser um stalker. E se eu for? Não acha melhor
fugir agora? Você deve ter pesquisado sobre red flags enquanto lia seu
contrato — Felipe brincou e Gabe o olhou bravo por cima do ombro.
— Sim, eu li. Mas eu não vejo isso em você e muito menos tenho medo
de você. Aliás, se você fosse algum maluco mesmo assim, eu te quebraria na
porrada e depois tacaria fogo na sua casa — Gabriel ameaçou com o cenho
cerrado. — Não diga que eu não avisei.
O ruivo riu e negou com a cabeça em um suspiro. “Você tem tanto
medo de se submeter na cama, mas não tem medo de mim, afinal” pensou
satisfeito. Gostava da coragem e convicção dele. Além disso, não ser julgado
logo de cara era uma sensação inédita.
— Pode ficar tranquilo, gatinho, foi tudo só coincidência. Eu preciso de
muito café na minha profissão. E de comida da rua também — Felipe
explicou-se despreocupado.
— Que seja. — Gabe murmurou e apontou para as coisas dentro do
armário, perguntando silenciosamente com o olhar se podia fazer um
daqueles cafés. O ruivo assentiu.
— Você também quer? — o moreno perguntou arrumando tudo que
precisava. Não conhecia metade daqueles grãos selecionados de linhas
especiais. — Qual desses você mais gosta? Não conheço quase nenhum
desses aqui, normalmente eu só tomo café comum.
Felipe se levantou e se encaixou atrás dele, pressionando-o contra o
armário. Sua respiração estava quente no ouvido do moreno que estremeceu
nervoso com aquela aproximação repentina. O ruivo apontou para um dos
cafés e o pegou, entregando-o para o rapaz.
— Bourbon é meu favorito — ele sussurrou. — Você sabe fazer?
Gabriel assentiu vacilante e deu de ombros. Ele virou o rosto ficando
muito próximo da boca alheia em um quase beijo.
— Eu acho que sim, é só café. Tem algum tipo de técnica especial para
esses?
Felipe sorriu. Aproximou-se mais roçando seus lábios nos de Gabe sem
tirar os olhos dele. Os dois se encararam ali e o maior lambeu devagar a boca
do moreno o qual estremeceu ficando muito vermelho imediatamente, a
sensação do piercing quente em seus lábios era incrível. O ruivo deu de
ombros e voltou para a cadeira sentando-se ao mesmo tempo que negava
com a cabeça.
— Não. Só estava te provocando. Faz logo antes que esfrie sua comida.
Gabriel bufou irritado e colocou a água para esquentar, iniciando o
processo. Felipe mantinha seus olhos dourados nas costas do moreno,
observando-o. Era viciante vê-lo se mover, bagunçar os cabelos e aquela
expressão brava que ele fazia toda vez que olhava para si.
O dominador sentiu um nó na garganta e desejou recuar enquanto
tentava lembrar-se dos últimos submissos que tivera nos últimos anos: todos
monótonos e repetitivos, sempre obedientes. Insubordinação, afinal, era
intolerável.
Além disso, todos seus antigos submissos sabiam tudo sobre sua
origem, seu antigo trabalho e quem ele realmente era. Nunca havia
acontecido de Felipe se sentir atraído por homens desconhecidos e
“normais”, era perigoso demais trazê-los para seu mundo. Seria julgado em
dobro.
A memória da noite em que se conheceram agora estava muito vívida
em sua mente. Quando havia saído do clube da Lizzo naquela madrugada,
sentia seu coração acelerado dentro de seu peito, saltando sem a sua
permissão e enviando ondas de desejo pelas suas veias pulsantes. Suas
pernas estavam trêmulas e suas mãos também, tudo nele era inquietação.
Pegou o telefone enquanto fumava muito angustiado e discou
brevemente o número conhecido. Estava na rua e as pessoas circulavam pelo
bairro movimentado por muitos bares ainda abertos. Thiago atendeu do
outro lado da linha, estava voltando de uma reunião com seus subordinados
visando os acertos de contas da próxima missão.
— Aurora, me encontre no lugar de sempre. Eu preciso conversar.
O homem suspirou do outro lado da linha. Percebeu imediatamente
pelo tom de voz autoritário do amigo que não iria realizar o seu desejo de
correr para os braços de Carla, a qual, possivelmente, ainda estava
trabalhando na sede da Ordem até aquele horário.
— Certo — respondeu calmamente com sua voz mórbida e sonolenta
antes de desligar.
Em menos de uma hora o homem adentrou o clube obscuro,
normalmente frequentado pela Classe A da Ordem. Vestia um traje fino
completo coberto por um sobretudo preto e luvas de couro e tinha seus
cabelos longos à altura da nuca penteados com precisão para trás, a barba
rala muito bem-feita e aparada.
Andou em silêncio em direção ao bar onde viu Felipe sentado em um
canto, isolado de todos, virando o copo de whisky com violência. Em cima
do balcão estava a bolsa de sua câmera e sua jaqueta. Pelo movimento
nervoso do ruivo, Thiago percebeu que ele não parecia muito bem e sabia
que já estava bêbado.
— O que aconteceu? — Thiago perguntou calmamente sentando-se ao
lado do amigo.
Felipe o olhou com os olhos dourados enevoados por trás da franja
ruiva bagunçada, pesados pelo efeito do álcool. Parecia muito fora de si.
— Preciso de uma informação sobre alguém. Preciso saber onde
encontrá-lo.
— Quem? — Thiago perguntou preocupado. O ruivo apoiou a cabeça
nas duas mãos emitindo um som estressado e cheio de tormento,
lamentando. Ele estava tremendo, claramente.
O moreno tirou as luvas revelando a aliança dourada em sua mão
esquerda e suspirou pedindo uma bebida para o barman. Previa que iria
precisar daquilo para ouvir o que vinha a seguir.
— Eu conheci alguém. Eu preciso que ele seja meu submisso. Ou algo
assim… — Felipe disse tirando a câmera da bolsa com violência. Ele a ligou
e passou as imagens vendo a fotografia que já havia visto milhões de vezes
tanto diante de si quanto em sua mente atormentada: Gabriel rindo com sua
expressão selvagem, descontraído e muito bonito. Mostrou-a para Thiago
que segurou a câmera observando a foto com atenção.
O homem bebeu um bom gole de sua recém entregue gim tônica
pensando que Carla ficaria furiosa por ele estar bebendo sem ela. Analisava
o homem da imagem percebendo que ele era realmente muito atraente e
tinha um olhar hipnotizante, seu sorriso era muito sensual e suas feições
pareciam felinas e agressivas. Passou a encarar Felipe que cobria o rosto
xingando sem parar. Nunca o havia visto daquela forma antes por causa de
alguém.
— Eu preciso saber onde encontrá-lo. Mas eu não sei se ele vai me
aceitar, talvez não me aceite... — Felipe falava mais para si mesmo do que
para o amigo. — É melhor não ir atrás dele. Ele pode se assustar e achar que
eu sou um maluco. Ele não é da Ordem, não faz ideia de quem eu seja.
Provavelmente vai me odiar e me rejeitar. Não! Eu preciso encontrá-lo.
Contradizia-se.
— Eu não estou entendendo nada, Felipe. Ele já é um submisso? Onde
o conheceu? — Thiago perguntou com seu tom sonolento sabendo que
Felipe não estava falando com ele. Achou muito divertido o amigo daquele
jeito, brigando consigo mesmo ébrio e confuso.
Normalmente o ruivo era um homem de comportamento sempre muito
rude e frio que gostava de mandar em todo mundo ao seu redor, não
demonstrando nada de seus sentimentos a não ser que estivesse bêbado,
exatamente como estava naquele momento. Sempre autoritário. Thiago
odiava vê-lo realmente com raiva porque tornava-se um assassino cruel
cercado por uma aura muito pesada e aterrorizante que nunca hesitava antes
de violentar seus alvos e puxar o gatilho sem medo.
Mas ali… Não era aquele homem. Era só Felipe. Puramente. E isso era
inédito.
— Ele não é um submisso, ninguém sabe sobre ele. Eu estava
fotografando no clube da Lizzo hoje. Eu só estava entediado e aceitei o
convite dela — Felipe disse despreocupado, sua voz estava enrolada e
caótica, — Mas de repente eu o vi lá, parece que eu fui atingido por um raio.
Por um tiro. Pelo inferno todo! A risada dele, você precisa ouvir a voz dele,
Aurora. O olhar dele é...
Felipe emitiu um som de raiva apertando os punhos e batendo na
bancada com força. Thiago arregalou os olhos, atônito. Normalmente nada o
surpreendia, mas aquelas palavras de Felipe tão eufóricas e aquelas reações
excitadas, mesmo que vindas de um homem muito bêbado, eram inesperadas
e incomuns.
O ruivo estava corado e bebeu de uma vez outra dose que havia
acabado de ser servida batendo o copo de volta com violência, a música alta
ecoava pelas paredes e ele tremeu apoiando o rosto nas mãos muito nervoso.
Para onde olhava via Gabriel dançando, a luz iluminando sua pele que
parecia muito macia, seu cabelo negro profundo e aqueles olhos que
brilhavam intensamente como se fossem chamas. Seu coração batia tão
rápido que ele não conseguia entender como se sentia mais, não havia forças
e nem ar ao seu redor, tudo doía.
— Então, você conheceu um cara. Esse cara… — Thiago disse olhando
para o homem na foto e avaliando-o, não conseguia negar o quanto ele
estava bem naquela fotografia. Pressionou o botão que passava de imagem e
viu outras fotografias da mesma pessoa, em todas ele estava muito atraente.
— Ele não é da Ordem, nem é um submisso. E você quer saber como
encontrá-lo e se aproximar dele. É isso?
Felipe grunhiu em concordância recebendo outra dose da bebida
dourada e acendeu um cigarro tragando profundamente, não conseguia evitar
as correntes elétricas que percorriam sua pele.
— Ele olhou pra mim revirando os olhos com tanta audácia. — Felipe
riu cruzando um braço no peito, e, sobre ele, apoiou o cotovelo, em sua mão
o cigarro queimava na sua frente. Continuou desabafando sem parar para o
amigo ao seu lado. Olhou para o item que segurava como quem pode ver seu
próprio controle sendo consumido e virando cinzas. — Ele é completamente
indomável, pelo seu tom de voz e forma de se movimentar sempre com
essa... cara fechada.
Ele riu apontando para si, o polegar apertando o próprio cenho,
imitando a expressão de Gabriel. Ele sorriu satisfeito e tragou o cigarro
profundamente, soprando para cima em êxtase. Continuou falando:
— Ele é lindo Thiago, eu nunca vi ninguém como ele — Felipe
sussurrou olhando para o amigo que ainda estava completamente surpreso
com tudo que ouvia. O ruivo sorriu muito, o álcool definitivamente o
afetando e o deixando de riso fácil. — Eu preciso que ele seja meu submisso.
Não vou conseguir dormir, não sei se consigo fazer nada. Eu preciso dessa
informação agora.
— Por que não falou com ele hoje? — Thiago questionou curioso e
Felipe negou com a cabeça.
— Ele é arisco demais, como um gato! Estava preparado para me
atacar! Eu não conseguiria me controlar se eu me aproximasse mais. Tinha
algo no olhar dele me provocando, era como se ele estivesse me desafiando a
conquistá-lo. Destemido como se nada pudesse assustá-lo. E ele dançou de
um jeito... Ele é dançarino — o ruivo explicou rindo. — E a forma como ele
dança... Parece que eu via sua alma, e era incrível. Fascinante.
Felipe tragou tremendo de novo e virou o conteúdo do copo em
seguida, grunhindo com o ardor. Thiago sabia exatamente o que aquilo
significava porque ele mesmo já estivera naquela posição e ainda estava,
encantado pela mesma pessoa há anos.
O moreno lembrou de Carla, sobre como se sentia por ela, e estremeceu
em completa empatia com o amigo. Ele sorriu de canto e terminou sua
bebida, guardando a câmera de Felipe na bolsa depois de desligá-la.
— Por que não pergunta para a Lizzo mais sobre ele? — Thiago deu de
ombros e Felipe negou irritado.
— Eu não quero que ela fale nada para ele. Conhecendo ela, sei que
pode acabar falando demais! Sobre mim, principalmente. Eu não quero que
ele saiba… Quem eu sou.
Thiago suspirou.
— Então eu vou à Ordem e peço à Carla para encontrá-lo. Talvez em
três dias, no máximo cinco, já tenhamos tudo por conta do meu acesso ao
sistema que é limitado, com o dela as coisas vão ser otimizadas.
— Eu vou com você. Com meu acesso achamos ainda essa madrugada.
— Felipe encarou Thiago e ele arregalou os olhos perguntando-se se o
amigo arriscaria aparecer na Ordem depois de ter decidido que
definitivamente não voltaria lá.
O ruivo assentiu, decidido, e passou a bolsa da câmera ao redor do
pescoço, cambaleando um pouco antes de se levantar. Estava muito tonto.
— Você não deveria tomar essa decisão bêbado. Lembra que disse que
não voltaria à sede?
— Não dou a mínima, Thiago — Felipe disse deixando o dinheiro em
cima do balcão e fazendo sinal para o barman. Ele pegou a jaqueta de couro
que estava ali em cima e apertou a peça olhando para o amigo, chamava-o
para ir com a cabeça. — Eu só preciso que ele seja meu.
O baque da garrafa recém selada o despertou da lembrança intensa.
De volta ao presente, Felipe estremeceu encarando o moreno de costas
diante de si. Mesmo tentando controlar e submeter aquele homem, ele se
espalhava na sua casa com naturalidade, ocupando o espaço exatamente
como fazia em sua dança. Não tinha medo de errar fazendo o que bem
entendesse confortavelmente. Ali estava ele fazendo café em sua cozinha
como se tivesse feito isso a vida toda, falando naturalmente cheio de roxos
pelo corpo e fazendo piadas depois de ser punido.
— Sério que você toma esses cafés caros em copos americanos? Igual
aqueles tios de boteco? — Gabriel disse repentinamente, procurando xícaras
nos armários. Só encontrou copos.
Ele serviu o líquido no que havia encontrado com desgosto e entregou
para Felipe.
O ruivo riu divertido. O menor estremeceu com a risada grave dele e
recuou com a expressão muito brava: “droga, toda vez que ele ri assim do
nada eu fico sem graça. Preciso me controlar”.
— Então... Você falou do seu trabalho — Gabe começou
despreocupado, colocando a comida sobre o balcão e assumindo uma cadeira
ao lado de Felipe. Começou a comer com a expressão fechada. — Não que
seja da minha conta, mas eu estou curioso. Você não tem cara de jornalista.
Felipe arqueou a sobrancelha, interessado. Gabriel conversava com
tanta facilidade e naturalidade que não conseguia evitar querer continuar.
Deu de ombros provando o café que ainda estava quente. Estava muito
saboroso e apertou os olhos para Gabe em aprovação.
— Não sei se isso foi um elogio, mas eu só tiro fotos para o jornal.
Normalmente meu trabalho é cobrir eventos e coisas chatas. Na verdade, eu
só gosto de fotografar coisas aleatórias e meu editor me faz participar de um
monte de concursos — Felipe disse friamente.
“Até parece. Ele ganhou todos os concursos que participou, eu
pesquisei. Como simplesmente ele pode ter tanta grana morando em uma
casa dessas só fotografando?” Gabriel pensou distraído enquanto comia,
estava faminto e gemeu com o gosto bom. Queria saber mais sobre ele.
— Não acho que 1sejam coisas aleatórias. Suas fotos são ótimas, dá
para saber quais você gostou de tirar e quais você tirou por tirar. — Gabe o
fitou, felino e astuto. O outro apertou o olhar atento, não gostava de falar
sobre suas fotos, mas estava intrigado demais para cortá-lo como geralmente
fazia sempre que entrava nesse assunto.
— Como assim?
— No seu portfólio. As que você faz porque mandam e as fotos que
você faz porque quer, elas têm tons diferentes. Em todos os aspectos. —
Gabriel deu de ombros e continuou comendo. Felipe o esperou mastigar
sentindo-se impaciente e nervoso. — As que você tira para o jornal são
precisas e normalmente em cores frias, os ângulos são ótimos muito
objetivos, sempre dá para ver a história por trás. Não é à toa que você é
elogiado pelos jornalistas. Mas as que você tira por vontade própria... — Ele
assobiou sentindo seu coração palpitar.
— Como pode ter tanta certeza disso? — Felipe disse tomando o café,
suas mãos tremiam.
O moreno o olhou limpando a boca com um guardanapo de papel e
tomou o café devagar adorando a mistura estranha, sentiu que estava o
provocando falando de algo tão pessoal e quis continuar. Deu de ombros.
— Quando um dançarino dança algo que ele mesmo criou ou que gosta
muito em relação a algo que ele foi obrigado a apresentar, por melhor que
ele o faça, eu sei diferenciar. A pressão dos pés no chão é diferente, a
expressão no seu rosto e até a forma como ele sua ou deixa de suar. —
Gabriel tomou mais um gole do café e encarou o balcão sentindo-se
pressionado pelo olhar dourado assustador. — Eu sei como é colocar a alma
em alguma coisa torcendo para ninguém entender de verdade por ser muito
pessoal. Também sei como é receber reconhecimento raso por um talento
que vem de algo muito mais profundo, algo que você dedicou tudo de si para
ficar daquele jeito. Sabe? Desde muito pequeno meu pai e eu jogávamos
poker, então acabei aprendendo a interpretar as coisas muito além do óbvio.
É isso que percebo nas suas fotos, algo muito mais profundo e íntimo.
Felipe sacou a carteira de cigarros do bolso e colocou um na boca
acendendo-o em seguida. Sentiu um frio estranho e assustador de
cumplicidade inédita, como se realmente aquele homem pudesse ver através
dele. Ele pegou o telefone e digitou uma mensagem rapidamente enviando-a,
suspirou e observou o moreno o qual voltou a comer em silêncio.
— Bom, você não viu nada além do óbvio quando eu te provoquei
dando em cima do seu amiguinho.
Gabe riu negando com a cabeça.
— Mas isso foi muito baixo — ele disse e o olhou de canto, sensual. —
Realmente me pegou desprevenido.
Os dois sorriam involuntariamente.
Silêncio.
— Eu posso não parecer, mas eu realmente trabalho em um jornal.
Além disso, eu fotografo porque não quero voltar para o meu antigo
emprego — o ruivo falou finalmente e Gabe o encarou curioso. Felipe não
parecia disposto a continuar com aquela conversa e se levantou guardando o
telefone no bolso. — Eu tenho muita coisa para editar antes de amanhã,
então vou voltar a trabalhar. Você termina de comer e vai dormir.
— Quê? Olha, eu realmente posso ir para casa! Eu... — Gabe parou
imediatamente: o dominador dirigiu um olhar assustador e gélido sobre si,
discutir estava fora de cogitação.
O rapaz suspirou e continuou comendo em silêncio, xingava
mentalmente já tomado pelo sono e o cansaço inevitável enquanto se
saciava. “Que tipo de emprego você tinha antes?” pensou distraído.
Felipe olhou para o celular antes de começar a editar as fotos, as
mensagens com Carla abertas ali:
VOCÊ
“Não vou voltar. E sim... Ele vale a pena.”

✽✽✽

Estava claro do lado de fora do quarto e a meia luz matinal atravessava


as frestas da cortina do janelão. O moreno que despertava sentiu sua
musculatura protestar intensamente pelas punições de outrora e gemeu
baixinho de prazer. Sentou-se na cama devagar e vasculhou ao redor ainda
semiconsciente. Do outro lado do quarto, o ruivo dormia profundamente
debruçado sobre o notebook fechado na escrivaninha, o rosto anguloso
muito bonito sobre seus braços.
Gabe se levantou e voltou a apreciar aquele quarto confortável, alguns
quadros de pinturas impressionistas decoravam as paredes e agora, com a
claridade alva da manhã, eram plenamente visíveis. Estagnou ao lado da
escrivaninha onde o homem repousava, analisando-o ali, o sol suave
iluminando seus fios muito rubros e desgrenhados sobre a mesa. Sentiu seu
rosto aquecer muito. Naquela posição de perfil, Felipe parecia muito
relaxado e sereno. “Ele é tão lindo” pensou palpitante e afastou-se devagar
em direção à cozinha temendo acordá-lo.
Quase uma hora desde que havia pegado no sono tinha passado quando
o homem abriu os olhos em um sobressalto, ajeitou a franja vermelha
bagunçada e olhou ao redor confuso. A pessoa que buscava não estava na
cama.
— Esse... Aonde ele foi? — o ruivo murmurou e se levantou muito
bravo xingando mentalmente, havia cochilado por um instante ao amanhecer
e já o perdera de vista.
Ao sair do quarto, sorveu imediatamente o cheiro do café recém
passado e estagnou chocado com a visão que tinha: Gabriel terminava de
colocar o café na garrafa térmica preta, os cabelos densos ao redor de seu
rosto castanho realçando a pele macia e marcada. Eles se olharam em
silêncio e o maior sentiu seu coração acelerando em disparada.
— Eu já vou. Tenho uma turma de karatê agora pela manhã — Gabe
avisou um pouco sem graça. Ele já havia se arrumado sem perturbar o ruivo
que estava dormindo. — Eu não queria te acordar, você parecia cansado.
Felipe grunhiu e procurou sua carteira de cigarros no bolso. Gabriel
bufou com a expressão muito fechada.
— Eu fiz café. Se quiser... — Ele continuou vendo Felipe acender o
cigarro. — Você podia comer alguma coisa antes de fumar — sussurrou
bravo.
— Eu vou te levar lá — Felipe disse tragando com raiva de si mesmo
por ter se assustado tanto ao não o ver no cômodo assim que acordou. Teve a
sensação de que sonhava com alguma coisa e não conseguia lembrar o que
era. “É só sexo. É só sexo” repetiu mentalmente enquanto aproveitava de seu
vício.
Gabriel fez que não com a cabeça veemente.
— Nem fodendo. Não quero que o Josh me veja com você — Gabe
disse sem pensar e Felipe o olhou com uma expressão sombria. — Por
favor... É sério, eu prefiro ir sozinho.
O menor engoliu em seco sentindo-se envergonhado, o outro trincou
seu maxilar concordando a contragosto. Havia prometido que não invadiria
sua vida pessoal, afinal. Gabe assentiu e girou os calcanhares preparado para
sair da casa.
— Só esteja pronto às 18. Eu vou te buscar na sua casa. Seu
treinamento começa hoje. — Felipe o lembrou.
Gabriel fez que sim com a cabeça e, antes de partir, deu uma última
olhada no ruivo que o encarava fumando. Não havia nem mesmo dado bom
dia a ele, mas não importava. Era apenas um contrato, sexo e nada mais.

✽✽✽

Felipe juntou os papéis que precisava e tirou o pendrive do computador.


Antes que saísse da escrivaninha, puxou a gaveta para guardar alguns
negativos que estavam espalhados sobre ela e viu a cópia revelada da foto de
Gabriel ali dentro. Ele a pegou admirando-a por alguns segundos, ignorando
a sensação esquisita que se revirava em seu estômago sempre que via aquele
sorriso. Guardou-a de volta cuidadosamente em seguida e enfiou o resto do
que precisava na bolsa preta da câmera.
Estava atrasado porque havia demorado muito no banho sentindo a
água da ducha cair sobre seus ombros, não conseguia tirar os olhos do chão
da banheira de porcelana onde havia colocado seu submisso para tomar
banho na madrugada anterior. Ele gemia baixinho com a água que passeava
pelo seu corpo e sentiu-se muito excitado invadido pelas lembranças da noite
passada.
Ao sair do quarto, fitou a pequena garrafa térmica em cima do balcão e
foi até ela. Serviu-se e bebeu o líquido denso devagar sendo tomado pela
sensação muito peculiar. Ele arfou com aquilo, engolindo com dificuldade,
lembrava-se da expressão feliz de Gabriel ao ver os cafés da sua coleção
particular. “Que coincidência ele gostar tanto disso também” pensou.
Precisava levar as fotos ao jornal antes das 10 da manhã e depois ir
cobrir um evento no centro da cidade. Estava atolado de trabalho e irritado
com o tanto de ligações e pessoas o perturbando pelo telefone. Ele sentiu o
celular vibrar antes de subir na moto com sua bolsa da câmera a tiracolo.
Atendeu-o com raiva.
— Fala.
— Chefe...
— Não estou com tempo agora, Firenze. Tenho que ir para o trabalho.
— Chefe, o... Grande líder... ele pediu que eu ligasse. — O homem do
outro lado da linha falou trêmulo.
— O que ele quer? — Felipe perguntou massageando as têmporas,
estressado.
— Ele pediu para almoçar com o senhor, ele vai fazer uma viagem
longa para a sede da Itália e antes de ir queria saber sobre os boat-
— Eu não estou com tempo essa semana. Diz para o meu pai que eu
não vou voltar, eu só precisava de uma informação — Felipe disse com raiva
— E eu vou sumir de novo. Não era nada demais.
— Sim, senhor. Eu avisarei então... — Firenze fez um muxoxo. Não
parecia empolgado para devolver aquela resposta para o grande líder. — E,
além disso... Devo continuar vigiando o rapaz?
Felipe engoliu em seco preocupado. Ele se arrependeu imensamente de
ter pedido informações sobre Gabriel com Carla, tinha cometido um erro
grave e acabou o expondo. Nesse caso era melhor protegê-lo em segredo,
pelo menos por enquanto, caso algum curioso fosse atrás dele por sua culpa.
“Eu não vou beber nunca mais” pensou suspirando.
— Sim. Se o J. ou qualquer outra pessoa da Ordem ou não se aproximar
dele me avise imediatamente — o ruivo disse e grunhiu encarando uma poça
remanescente da chuva da noite anterior: — Ah, e Firenze… Traga o meu
carro de volta para a casa da orla. Eu posso precisar dele.
— Sim, senhor.
Felipe desligou a chamada e colocou o capacete preto fosco. Seguiu
pelas vias ainda molhadas pela chuva torrencial da noite anterior, sorvendo o
mormaço que evaporava do solo em um sufocante clima de umidade
excessiva. Estava angustiado e apertou o guidão da moto com mais força que
o necessário, sentia-se estúpido agora, confuso demais.
Nunca havia passado por isso antes. Não queria que seu mais novo
submisso se envolvesse com a Ordem e muito menos soubesse sobre ela,
mas tampouco soube lidar com o alvoroço que ele causou e ainda causava
em si mesmo. Um amador. Gabriel causava nele impulsos que o faziam
esquecer como usar a lógica. Ele suspirou, acelerando um pouco mais.
Depois de estacionar do lado de fora do grandioso prédio do jornal,
subiu o elevador e passou pelos jornalistas sentados em pequenas cabines
sem olhar para ninguém. Bateu na porta de uma sala e entrou sem cerimônia.
O editor chefe estava ao telefone e, ao vê-lo à porta, tremeu a sua fala
despedindo-se rapidamente na ligação.
O ruivo marchou até sua escrivaninha para entregá-lo o pendrive com
as fotos, além de um pequeno envelope. Algumas pessoas curiosas tentavam
espiar através da persiana horizontal que cobria a vidraça, a maioria dos
jornalistas ainda não havia se acostumado com o fotógrafo mesmo depois de
três anos, afinal. Ele era um freelancer muito diferente dos outros. Tudo em
Felipe emanava uma aura intimidadora.
Luiz, o editor chefe, passou a ver as fotos no computador com um
sorriso no rosto. Também era um dos que mais se sentia intimidado por
aquele homem muito alto, ainda mais considerando que, diferente dos
outros, sabia exatamente sua origem.
— Felipe... Seu trabalho continua ótimo. Mesmo. Essas fotos estão
incríveis. Eu realmente devo insistir que considere participar do concurso de
fotografia que eu te mandei por e-mail e-
— Essas não são minhas melhores fotos. E eu já ganhei a edição do ano
passado desse concurso — o outro retrucou friamente. Imediatamente era
como se pudesse ouvir a voz de Gabriel em sua mente:
“Eu sei como é colocar a alma em alguma coisa torcendo para ninguém
entender de verdade por ser muito pessoal. Também sei como é receber
reconhecimento raso por um talento que vem de algo muito mais profundo,
algo que você dedicou tudo de si para ficar daquele jeito”. Sorriu de canto.
Luiz negou com a cabeça ainda encarando as fotos abismado.
— Eu sei! Mas... Olha, você é um cara muito talentoso! Todo dia eu
recebo propostas de outros jornais e revistas para negociar com você alguns
trabalhos que seriam ótimos para o seu portfólio. Tem muitas pessoas
interessadas no seu trabalho. Talvez se você tivesse nem que seja um número
pra contato, um cartão de visita, eu-
— Não me interessa, Luiz. Eu não gosto de estar muito ocupado com
trabalho e nem de lidar com pessoas. Esse aqui já é o suficiente.
O homem bufou desanimado em um muxoxo. Ele era um homem
gordinho e baixo que parecia espremido na blusa listrada de botões, a
calvície brilhava com a iluminação da manhã atenuando sua aparência
cansada.
— Você devia tentar se misturar mais, aproveitar que ninguém no jornal
e nesse ramo sabe de onde você veio, Felipe. Digo, se quiser realmente se
desconectar daquilo de uma vez e virar fotógrafo profissional... — O homem
suspirou tentando se justificar. — Como você disse que queria ser há um
tempo atrás... É melhor sair de vez de cima do muro, entende?
Felipe apertou os olhos o encarando friamente. Ele caminhou batendo a
sola de seus coturnos com força contra o chão e apoiou-se na mesa do
homem que estava sentado em seguida. Inclinou-se um pouco em sua
direção, ameaçador.
— O que quer dizer realmente com isso?
O homem estremeceu quase sumindo em sua gravata rubra mal
amarrada. Ele tremia e suava enquanto tagarelava apressado:
— Eu não faço parte da Ordem, você sabe que eu só sou um
subnotificado. Mas... Algumas pessoas de dentro e de fora estão comentando
que talvez você volte. Eu não entendi a razão, parecem ser apenas boatos. Eu
sei que eles inventam muitas coisas e alguns estão ansiosos para que você
volte depois desses três anos que esteve longe e-
Felipe bufou irritado.
— Não tenho interesse nisso também, se é isso que quer saber — ele o
cortou. — Onde vai ser o evento que eu tenho para fotografar agora? Só me
passa o endereço e eu já vou.
O homem suspirou ajustando a gola que o sufocava e passou a anotar o
endereço requerido em um pedaço de papel. Passou a falar baixinho sem
coragem de encarar aqueles olhos dourados de novo:
— Por favor, Felipe. Você sabe que não precisa voltar, não é? Mas, se
for... E quiser... Você pode... O que quero dizer... — O homem fez outro
muxoxo e esticou o braço para entregar o papel a ele com a voz vacilante. —
Você tem Aliados leais que vão te apoiar independente de que lado você
escolha ficar, só precisa se decidir. Eu sei que você não gosta quando falo
nisso, eu entendo. Mas sua mãe era muito importante para mim e ela queria
que você fosse feliz no seu próprio caminho. Você já fez o que achava que
era certo e depois saiu disso, então-
Felipe tomou o papel da mão do homem fuzilando-o com o olhar sem
dizer nada. Saiu da sala batendo a porta e todos no editorial emudeceram
encarando-o, uma aura terrível de mal humor praticamente visível alertava-
os para se afastarem.
Ao atingir o térreo, viu a mulher com longos cabelos castanhos e óculos
escuros encostada em sua moto: “Esse vai ser realmente um dia péssimo”
pensou indo em sua direção a contragosto.
— O que é, vocês todos tiraram o dia para me irritar?
A mulher sorriu debochada e abaixou um pouco a grande armação
branca, os olhos verdes de raposa o perfuraram divertidos.
— Eu vim porque você me mandou aquela mensagem e eu precisava
conversar pessoalmente sobre isso — ela disse dando de ombros.
— Agora não dá, Carla. Eu tenho que trabalhar.
— Eu já sei que o evento que você vai começa às 11h. Você ainda tem
tempo — Carla retrucou com a voz assustadora.
Carla parecia uma mulher muito amedrontadora, mesmo muito mais
baixa que o ruivo tinha uma imponência natural. Ela jogou o volume do rabo
de cavalo muito alto sobre os ombros e cruzou os braços provocativa. Felipe
suspirou ignorando-a, a empurrou de perto da sua moto em busca de seu
capacete.
— Eu não vou demorar, apenas quero entender uma coisa — ela disse
em um grunhido, segurando-o pelo braço com força. Seus olhos se cruzaram
de perto e ela não recuou. Não o temia. — Você me deve pela informação.
O ruivo travou o maxilar com raiva e se encostou na moto livrando-se
do aperto dela. Carla ajeitou sua saia muito justa empolgada.
— Eu já falei isso várias vezes para duas pessoas diferentes hoje e eu
vou repetir até vocês entenderem. Eu não. Vou. Voltar — Felipe falou
enquanto pegava seu capacete preparando-se para partir.
— Eu sei, eu sei. Você já disse isso. — Ela bufou e tirou os óculos
escuros encarando-o. Caminhou lentamente em direção ao ruivo passando a
ponta de seus dedos nas mãos dele com sensualidade. Suas unhas eram
grandes e afiadas como lâminas, perfeitamente esmaltadas. — Mas você
disse na mensagem que aquele cara valia à pena, e eu te conheço bem o
suficiente para supor que vocês têm um contrato agora.
Felipe a enxotou com a mão e cruzou os braços sentado na sua moto.
Todos que entravam no grande prédio os encaravam.
— Sim. Temos um contrato. Era só isso que queria saber?
— Vocês já transaram? Ele já te odeia? Desde quando você se interessa
por submissos de fora da Ordem? Esse cara é de alguma gangue ou alguma
merda do tipo? — ela disparou animada.
O outro bufou e passou a massagear as têmporas. Antes que ela
insistisse, ele interviu, sabia que Carla não ficaria satisfeita enquanto não
soubesse o que queria.
— Sim. Não. Desde que o vi. Ele não sabe de nada, nem tem
envolvimento com ninguém — Felipe disse pontualmente bravo. — E
ninguém da Ordem deve saber dele, entendeu? Você não precisa se
preocupar com nada. É só um contrato.
A morena sorriu exultante prendendo os lábios entre os dentes.
— É claro que eu não vou falar nada para ninguém. Os boatos só se
espalharam porque você foi estúpido o suficiente para vir atrás de mim
diretamente na sede ao invés de esperar! Você nunca age sem pensar. Você
não é disso. Que merda foi aquela? — Carla cantarolou apoiando-se no
manúbrio da moto. Ela o olhava intrigada investigando a expressão do ruivo.
Felipe parecia impassível com a expressão muito fechada e fria, não a
responderia. — Bom... Mas se bem que você agora quer ser um cara comum
e chato, nada mais justo que ficar com caras comuns e chatos também.
Por impulso, Felipe riu nervosamente lembrando da expressão
masoquista no rosto de Gabriel gemendo enquanto apanhava e colocou a
mão na boca sentindo-se tremer um pouco, involuntário. Carla recuou um
pouco surpresa e sorriu acertando em cheio, conhecia bem aquele homem.
— Ele não é comum, não é? Nem chato! Você disse que ele ainda não
te odeia, então... Você pegou leve com ele?! O que? Vai dizer que vocês só
transaram? — Carla disse muito empolgada e curiosa, lambia os lábios. O
homem desviou o rosto confirmando suas suspeitas e a outra gritou cobrindo
a boca incrédula. — Eu preciso conhecê-lo!
— Não! Não é da sua conta, Carla — Felipe concluiu rudemente. — Já
chega. Eu tenho que ir.
Carla recuou um pouco satisfeita e sorriu de maneira assustadora
enquanto Felipe colocava o capacete e se preparava para partir. Fez um
movimento com as mãos indicando que não iria mais continuar com aquilo.
— Se você diz que não é nada demais, quem sou eu para discutir? Mas
me deixe saber se precisar de mais alguma coisa, vice-líder Draco — ela
debochou.
Felipe grunhiu.
— Não me chame assim — ele avisou arrancando. Só conseguia pensar
em quanto queria que o tempo passasse mais rápido para que pudesse
reencontrá-lo.

✽✽✽

Gabriel respirou fundo sentindo sua pele suada e quente, ele cobriu a
claridade do sol com uma mão enquanto olhava para o céu lembrando-se de
tudo que fizera na noite passada. Ver a claridade passando pelos seus dedos
em feixes o fez lembrar de uma das fotografias de Felipe e instantaneamente
seu coração acelerou.
Seus olhos se fecharam em um segundo. Tentava entender como se
sentia, alguns traços de medo e culpa insistindo em invadir sua mente como
sombras geladas e tensas. Concluiu que não sabia exatamente como se
sentia, afinal. Felipe havia sido simplesmente incrível naquela noite, e não
estava com pressa para sentir tudo que ele tinha para oferecê-lo.
Por um momento, pensou em Josh dentro da academia e o que ele
pensaria ao vê-lo daquela forma: roxos e marcas em seu pescoço que não
podia esconder. Mesmo que tentasse antecipar qualquer comportamento ou
reação, Gabe simplesmente não se importava. A indiferença preenchendo-o
por completo.
Sentia os pontos exatos de seu corpo, onde havia sido marcado por
Felipe, queimarem levemente sempre que os mapeava mentalmente.
Lembrava-se do momento em que foram feitos e não conseguia evitar uma
sublime sensação de elevação e paz. “Isso é muito problemático? Gostar
disso tanto assim?” pensou suspirando o ar úmido “provavelmente ele vai
achar que eu sou maluco...”
Querendo ou não, havia sido Josh quem o apoiou a dar uma chance para
Felipe, mesmo sabendo dos antigos sentimentos do amigo. “Eu realmente
ainda sinto algo por ele ou só me acostumei a pensar que não existe ninguém
além dele no mundo?”.
Eram muitos pensamentos e poucas respostas.
O moreno bufou, frustrado, e entrou na academia. Falou com alguns
funcionários que trabalhavam e passou a definir ordens sobre os horários e
pendências do estabelecimento, focando no próprio trabalho. Percebeu que
alguns dos personals e pessoas que se exercitavam o olhavam duas vezes ao
perceber as manchas em seu pescoço e não conseguiu evitar sorrir de canto
sentindo a satisfação de ter aquelas marcas.
Sentia-se propriedade e isso era estranhamente satisfatório. Ao
contrário do que pensara, não se sentiu inseguro ou tímido. Aqueles olhares
chocados o faziam sentir-se privilegiado, como se fossem troféus a exibir.
Era prazeroso ver como as pessoas pareciam preocupadas e chocadas com
aquilo, no mínimo curiosas. Ele terminou de assinar algumas atas que Talita
o entregava.
— Ok, continue cuidando de tudo para mim, Tali. Vou para a classe da
manhã agora — disse friamente vendo-a encarar seu pescoço marcado com
os olhos atentos enquanto assentia.
Gabe caminhou diretamente para a sala de artes marciais ao fundo,
separada do resto do ambiente por várias janelas de vidro, e enxergou Josh.
Sentiu um leve embrulho no estômago, não sabia se pela ansiedade de ver
sua reação ou pela repulsa que sentia por si mesmo graças à fria indiferença
que o preenchia.
— Bom dia — Gabriel falou despreocupado ao entrar na sala
cumprimentando-o. Josh treinava a turma da manhã enquanto os alunos
permaneciam empenhados aos abdominais no chão do tatame.
O loiro virou-se para cumprimentá-lo.
— Ei, bom dia! Eu bati na sua casa hoje de manhã mas você não me
atendeu! Ensaiou até tarde ontem? — Josh disse ao sair do tatame e se
aproximar do amigo. Gabe retirava seu quimono do pequeno armário de
ferro no canto da sala quando o loiro finalmente se deu conta das marcas no
pescoço alheio. — Que merda...?!
Gabriel o olhou sombriamente. Preocupou-se tanto com aquela reação
que nem havia parado para pensar como ele mesmo reagiria.
— Quê?
— Meu Deus, você apanhou de alguém? — Josh perguntou preocupado
em sussurros e puxando a gola da blusa do amigo. Arregalava os olhos com
o número de marcas que via. — Não... Espera...
Gabe riu um pouco sem graça e empurrou a mão do amigo de sua blusa.
Ele saiu em direção ao banheiro do lado de fora da sala e o outro o seguiu
apressado.
— Não se preocupe, o outro cara vai pagar por isso — Gabe disse
decidido.
Dito isso, deixou o amigo boquiaberto falando sozinho e seguiu.
Apertava os punhos ao lembrar do ruivo sorrindo sádico e tremeu enquanto
se trocava. Pensava em Felipe e em como ele o subestimou na noite anterior,
fazendo-o sentir-se um completo inexperiente, enquanto tentava evitar expor
a ereção que as lembranças e pensamentos lhe causavam.
Josh encarou Gabriel durante todo o treino atentamente, a partir dali.
Ele não conseguia evitar transparecer a preocupação com o amigo cheio de
manchas espalhadas no pescoço e pulsos. “Mesmo que tenha sido
consensual, isso parece... Demais” Josh suspirou pensando enquanto
arrumava as luvas e os aparadores de chute que os alunos usaram no treino.
Gabe não parecia disposto a conversar ou explicar o que havia
acontecido e, por alguns segundos, o loiro considerou se havia errado no seu
julgamento sobre Felipe.
— Gabe... — Josh começou enquanto o amigo se preparava para sair da
sala para tomar água. O moreno parou esperando-o continuar. — Isso... Foi o
Felipe? Quer dizer... Vocês...?
Josh hesitava olhando-o.
— Não precisa se preocupar com isso — Gabe retrucou mal-humorado,
sua expressão muito fechada e sobrancelhas cerradas.
— Ele te bateu? — Josh perguntou confuso ao se aproximar,
aproveitava enquanto os alunos da turma da manhã já haviam ido embora.
— Digo, isso não parece ter sido algo prazeroso.
— Mas foi — Gabe disse friamente apertando muito os braços cruzados
no peito. — Já disse para não se preocupar.
— Então por que disse que ele ia pagar? Que tipo de...
Relacionamento...? Quer dizer, eu pergunto porque estou preocupado com
você. Eu sabia que ele queria transar com você, mas-
Gabriel se aproximou muito de Josh encarando o amigo de perto. Ele
esperou para sentir se seu coração aceleraria ou se sentiria algo pelo menos
próximo do nervosismo que experienciou há alguns anos atrás. Mas ali,
diante dele, estava apenas seu melhor amigo.
Silêncio.
Ele suspirou e pegou a mão de Josh com cuidado, segurando-o em um
cumprimento, sorriu levemente por trás da expressão sisuda.
— Eu nunca estive tão bem. De verdade, pare de se preocupar. Eu quis
isso — Gabe disse olhando-o com intensidade.
Josh recuou um pouco, desconfortável. Nunca o havia visto falando tão
sério. Às vezes sentia que mesmo que o conhecesse há tantos anos, sabia
muito pouco sobre seu melhor amigo, como se sempre tivesse acesso a uma
versão editada de si. Uma versão incompleta.
Ele tremeu rindo sem graça e empurrou o moreno de brincadeira.
— Se esse idiota te machucar para valer é bom que revide — o loiro
alertou enquanto voltava a organizar tudo para o turno da tarde. Os dois
trabalhariam o dia todo.
Gabe sorriu sentindo-se muito leve: “eu realmente espero que ele me
machuque para valer”.

✽✽✽

O ruivo desceu do carro e seu cabelo vermelho intenso brilhava ao pôr


do sol.
Ele havia estacionado um pouco antes da fachada da academia de modo
que não pudesse ser visto, olhou no relógio confirmando que havia chegado
um pouco mais cedo que o combinado e bufou sentindo a náusea a qual o
perturbou por todo o dia consumindo-o aos poucos. Acendeu um cigarro em
silêncio.
A academia de Gabriel estava iluminada e movimentada naquele
horário, em contraste com sua casa no andar de cima que não tinha as luzes
acesas. Permaneceu encostado na BMW grafite sentindo a brisa fria do
anoitecer invadir sua pele por baixo da jaqueta de couro preta e considerou
entrar na academia, mas não o fez. “Até parece que é a primeira vez que eu
faço essa merda” pensou, ajeitando os cabelos duas vezes para trás. Tragou
rememorando o encontro com Carla:
“Você disse que ele ainda não te odeia, então... Você pegou leve com
ele? O que? Vai dizer que vocês só transaram?”
A voz melodiosa de sua amiga ecoou em sua mente enquanto ele
grunhia para si mesmo. Não sabia ao certo o que fazia ali antes do horário
combinado, as mãos trêmulas entre as tragadas longas. O ruivo riu para si
mesmo, permanecendo naquela tentativa de se convencer que apenas
encontrara um brinquedo interessante, nada além disso. Inédito como nunca
havia encontrado antes. “Não é nada demais, vai passar”.
Levantou a vista e seu coração acelerou. Gabriel e Josh saíam da
academia juntos e, imediatamente, lembrou-se que o moreno dissera sobre
não querer que seu amigo o visse com ele. Cerrou o punho com força
encarando-os com seu olhar demoníaco, a excitação de vê-lo sendo
rapidamente substituída por um outro sentimento estranho e desconhecido de
frustração. Os dois conversavam do lado de fora distraidamente enquanto
Felipe fumava em silêncio tentando ouvir o que diziam sem ser visto.
— Tem certeza? — O ruivo ouviu Josh dizer para Gabriel.
Gabe cruzou os braços muito bravo, de costas para o ruivo. Usava sua
jaqueta xadrez favorita amarrada à cintura e Felipe lambeu os lábios
encarando-o. Aquela jaqueta, amarrada daquela forma, demarcava seu
quadril e bunda realçando a curva volumosa e perfeita.
O moreno bagunçou o próprio cabelo em sua mania nervosa, inquieto.
Josh ainda encarava as manchas visíveis em seu pescoço e pulsos quando
desviou o olhar para trás do amigo. Gabriel fez um muxoxo bravo e Felipe
não se moveu, fitando o outro que já o havia visto. O olhar do ruivo era
assustador.
— Vai insistir nessa merda o dia todo? — Gabe disparou enfiando as
mãos nos bolsos despreocupado, chutava o chão com seu tênis.
— Bom, estressadinho, minha preocupação só é de você se machucar.
Fisicamente e... — Josh olhou fixamente para o ruivo falando um pouco
mais alto: — emocionalmente também.
— Não vai rolar — Gabe retrucou baixinho, dando de ombros.
Felipe tragou em silêncio, espreitando a conversa com um pouco de
dificuldade.
— Será? Você passou o dia vendo as fotos que ele tira em cada
intervalo que teve. Quantas coisas você já leu sobre fotografia só hoje? —
Josh falou encarando o moreno com preocupação. Tremeu vendo o roxo em
seus pulsos e suspirou massageando as têmporas. Gabe o olhou muito sério
com a expressão brava, só queria encerrar logo aquele assunto.
Felipe se aproximou devagar e livrou-se do resto do cigarro. Soprou a
fumaça em silêncio e Gabe sorveu da atmosfera o cheiro diferente de
qualquer tabaco que ele já havia sentido antes, virando-se para trás
imediatamente surpreso.
Ao vê-lo, fechou a expressão muito bravo mordendo as bochechas por
dentro para conter o sorriso involuntário. O homem o encarava quando
inclinou um pouco a cabeça na direção do ombro provocativo.
Diferente do habitual, o ruivo parecia mais formal usando uma blusa
branca de botões e calça escura social por baixo da jaqueta de couro. No
lugar de seus coturnos, usava sapatos lustrosos pretos. Gabriel supôs que ele
viera do trabalho e pigarreou sem graça sentindo-se estranhamente excitado
em vê-lo com aquela camiseta de botões suficientemente aberta para
enxergar a pequena mancha avermelhada em seu pescoço, a única que ele
conseguira deixar na noite anterior.
— Eu já vou — Gabe disse para Josh evitando olhá-lo nos olhos.
O loiro arqueou as sobrancelhas presenciando o amigo corar de perto e
assentiu, passando a encarar Felipe em seguida. Seus olhos azuis muito
profundos imploravam para não o machucar, mas o ruivo sorriu de canto
irônico.
O outro girou o corpo e passou a andar devagar em direção ao ruivo,
olhava ao redor procurando pela moto. Ele sacou o celular do bolso
confirmando que ainda faltavam pelo menos vinte minutos para o horário
combinado.
— Não acha que chegou cedo? — Gabe disse com a expressão brava o
olhando seriamente.
Felipe sorriu analisando o rosto perfeito de seu submisso, diante de si,
os cabelos negros brilhando na claridade das luzes noturnas que acendiam
preguiçosamente. Por alguns segundos ele pensou em como aquele homem
devia ficar bem ao ser fotografado naquela luz, ou em qualquer luz, e tremeu
afastando o pensamento com força, irritado. Suspirou muito sério.
— Saí do trabalho mais cedo. O trânsito estava melhor do que eu
esperava — ele disse dando de ombros. Josh olhava para o chão ouvindo-os
de longe, com os braços cruzados. — Seu amigo não deveria estar se
preocupando com o noivo dele ao invés de te atazanar? — falou um pouco
mais alto, debochando.
O loiro esboçou uma risada incrédula.
— Cala boca, vamos — Gabriel disse bravo empurrando-o fracamente
para se afastar. — Tchau, Josh!
Joshua bufou em silêncio, voltando para academia sem respondê-los.
Felipe então passou a segurar Gabriel pelo pulso com cuidado, guiando-
o em direção ao carro e fazendo-o ter uma série de calafrios tensos, mesmo
no escuro era possível ver quão vermelho estava. O ruivo desativou o alarme
da BMW abrindo as portas com o controle e lambeu os lábios apreciando o
menor que recuou assustado e contrariado.
— Que porra?! Então você também tem um carro? — Gabriel
perguntou com dificuldade e Felipe riu.
— Entra.
— Se tinha um carro podia ter me trazido ontem mesmo com a chuva
— o moreno completou entrando no carro risonho, suas pernas tremiam um
pouco. O ruivo brincava com o piercing de sua língua satisfeito.
Ao entrar no veículo, o maior tirou sua jaqueta jogando-a nos bancos de
trás com velocidade. A blusa social de botões que usava estava desabotoada
nos pulsos e enrolada até os cotovelos, exibindo os antebraços e mãos fortes,
além das veias marcadas. O moreno mordeu o canto do lábio encarando
aquilo excitado.
De súbito, o maior avançou sobre Gabe que, por sua vez, recuou
assustado e arfando, pegou o cinto e fechou ao redor do menor devagar. Ele
riu baixinho e passou a colocar seu próprio cinto, passando a marcha em
silêncio em seguida. Gabriel corou e fechou a expressão ao máximo tentando
se controlar, seu coração batia muito acelerado por conta daquela
aproximação repentina.
Silêncio.
— Está preparado para hoje? — Felipe questionou olhando-o
rapidamente, o sorriso perfeito de canto fez o moreno tremer no banco do
carona.
Gabriel riu baixinho fixando o olhar à sua frente:
— Me dê seu pior — provocou e cruzou os braços sentindo-se tremer
muito enquanto o ruivo ria rouco.
Os dois seguiram em silêncio, a tensão pesada de suas respirações
ocupando o pequeno espaço como uma névoa densa.
CAPÍTULO V

As alucinações iam e vinham sem aviso durante toda aquela semana.


Cenas entrecortadas e explícitas, úmidas e pervertidas. Avassaladoras e
muito violentas em todos os aspectos: sentia que seu corpo e alma estavam
marcados.
Gabriel estava exausto vendo seus dias passarem cada vez mais
cansativos, sua mente vacilando entre lembranças reais e imagens inventadas
de Felipe tocando-o, penetrando-o, a sensação de sua boca quente e seu
cheiro arrebatador invadindo sua mente sem pedir licença, independente de
onde estivesse ou o que estivesse fazendo.
Trabalhar, ensaiar e até apresentar-se no clube da Lizzo, tudo parecia
turvo e confuso por causa da tensão que aquele treinamento estava causando
em sua mente e corpo.
Mesmo tão demandado, amava como se sentia.
Na primeira noite de treinamento havia indícios de que choveria, e o
céu nublado escurecia as ruas enquanto rajadas de vento litorâneas faziam as
árvores chacoalharem em um som de expectativa úmida.
— Aqui na cama. No meio. — Felipe apontou para a cama de dossel
escuro. O moreno o obedeceu fitando a estrutura dela, o teto do dossel feito
de estrado vazado.
Felipe pegou dois punhos de cordas vermelhas e subiu na cama ficando
de joelhos em frente ao menor. Jogou uma das cordas pelos vãos do estrado
prendendo-as ali. Movia seus braços grandes com precisão muito próximo
do rapaz e Gabriel respirou fundo o cheiro do ruivo, salivando concentrado
em vê-lo se movimentar na sua frente.
— Pulsos — o dominador ordenou e o outro o entregou os pulsos
juntos para que fossem amarrados em muitas voltas, devagar. — De joelhos
e levante os braços.
O submisso obedeceu, sua ereção ficando visível por baixo da única
peça de roupa que usava: um quimono preto de cetim.
— Não tanto, deixe um pouco curvado. Assim. — Ele ajeitou o ângulo
de seus braços para que ficassem mais confortáveis, prendendo seus pulsos
amarrados às cordas penduradas no estrado. Com as mãos atadas para cima,
o submisso não conseguia sentar-se na cama sem que seus braços ficassem
todos esticados para o alto.
Felipe saiu da cama sem olhá-lo, concentrado. Pegou um pequeno
cilindro de metal dentre os utensílios. Nos dois extremos dele havia duas
algemas de couro grossas. O dominador segurou as algemas com separador
enquanto arrastava o grande espelho de pés defronte a cama.
— Consegue se ver? — Felipe perguntou e o moreno assentiu ansioso,
fitando-o com a expressão cerrada. Queria perguntar tantas coisas que nem
ele mesmo sabia o que era, queria ouvir a voz dele e aquela risada rouca,
mas ficou em silêncio.
Encarou-se pelo reflexo muito rubro e suado, o quimono preto
deslizando em sua pele com o ritmo acelerado de sua respiração. Sentia-se
envergonhado ali, de joelhos e muito duro, mas não conseguia negar o
quanto estava atraente.
Viu o ruivo pelo reflexo posicionando-se atrás de si. Ele havia puxado
as algemas abrindo o cilindro de ferro que, expandido, tornara-se uma barra
grossa que separava ainda mais as tiras de couro. O dominador então
encaixou a barra entre as pernas de Gabe, atando as algemas nas suas
panturrilhas, quase na dobra do joelho, obrigando-as a não se fecharem ou
saírem daquela posição.
— Está muito apertado? — Felipe perguntou rouco para Gabe que o
olhava através do reflexo. O moreno fez que não com a cabeça. — E
consegue se sentar sobre as pernas? Tente.
Gabriel obedeceu sentando-se sobre as pernas. Sentia a pressão das tiras
amarrando suas panturrilhas e gemeu um pouco, então subiu voltando à
posição anterior de joelhos. Felipe arfou com a visão: o contorno da bunda
do moreno pressionando o tecido de cetim sobre as panturrilhas separadas à
força.
Ele sorriu de canto, contente, saiu da cama e caminhou até à
escrivaninha puxando a cadeira que arrastou até o lado do espelho de pés.
Sentou observando-o ali atado por um tempo enquanto buscava o cigarro em
seus bolsos:
— Como se sente? — Felipe perguntou acendendo seu cigarro e o
tragando em silêncio. Gabriel grunhiu bravo virando o rosto. O ruivo riu. —
Sempre um gatinho arisco... Responda minha pergunta.
Silêncio.
— Ansioso — Gabe murmurou finalmente com sinceridade. Sua voz
era rouca e entrecortada.
O dominador o analisava com os olhos insondáveis, dourados como de
um dragão, iluminados e assustadores. Ele umedeceu os lábios exibindo o
piercing brilhante e inclinou-se para frente apoiando-se sobre os joelhos.
— Durante essa semana toda não vamos fazer nada diferente disso que
faremos hoje. Você vai ficar exatamente nessa posição. — Felipe se levantou
e caminhou até Gabe lentamente, com a mão livre tocou a parte nua do peito
do moreno deslizando o dedo pela fenda do quimono preto, parou as mãos
no laço mal feito e o puxou-o desfazendo-o. Deixou o corpo de Gabriel
exposto, nu e rígido. O moreno respirava pesado com aquele toque, seu
coração martelando no peito.
Felipe tragou e soprou para o outro lado. Ele olhou para o cigarro e
depois para o submisso.
— Acho que nunca te perguntei se te incomoda o fato de eu fumar
quando estamos juntos.
— Você realmente se importa se me incomoda? — Gabe perguntou
carrancudo.
— Sim — Felipe respondeu sincero, pegando o moreno desprevenido.
Silêncio.
— Não. Não me importo. Eu gosto muito do cheiro. É diferente — o
moreno disse com dificuldade, suas mãos agarrando com força as cordas que
o suspendiam.
— Mesmo? — Felipe perguntou risonho e curioso. Divertia-se muito
com aquelas respostas inesperadas.
— Sim. Sempre fui indiferente a cigarros, mas esse particularmente é
muito cheiroso — o moreno concluiu tensamente.
O dominador suspirou aliviado, voltando a analisar o cigarro que
queimava devagar.
— É um negócio de geração. Tabaco. Esse é especial, selecionado só
para as pessoas da minha família: Castro — Felipe disse desinteressado e
virou o cigarro mostrando o símbolo de uma pequena flor de lótus prateada
no filtro.
“Castro. Felipe Castro” ecoou na mente do submisso. Gabriel olhou
curioso desejando saber mais sobre ele, tudo sobre ele, mas o homem não
parecia disposto a falar mais nada. Apagou o resto do cigarro no cinzeiro de
vidro da escrivaninha e caminhou de volta até a cama em silêncio, soprando
a fumaça pelo nariz.
À meia luz, com aquele cabelo muito vermelho e os olhos dourados,
Felipe parecia realmente com um dragão. Grande, assustador, lindo.
— Como eu dizia. Essa semana você vai ficar sempre nessa posição —
o ruivo continuou falando enquanto pegava um pequeno item preto curvado
dentre os utensílios sobre a cama. Parecia com uma maçaneta de alavanca
aveludada a qual Felipe segurava entre os dedos: um estimulador de
próstata.
Ele aproximou o item com formato fálico da boca de Gabriel
obrigando-o a abri-la. O moreno sentiu a textura áspera em sua língua
molhada enquanto o dominador enfiava o objeto em sua boca, sorrindo
sádico.
O ruivo segurava com a outra mão um pequeno controle. Apertou um
botão fazendo o item vibrar suavemente em seus lábios e o menor gemeu.
Felipe tirou-o de lá e continuou falando:
— Eu vou enfiar isso em você, e o objetivo é te fazer durar mais, gozar
mais e ser mais resistente... Entendeu?
— Sim… — o submisso murmurou e arregalou os olhos raivosos em
sua direção, muito nervoso.
— Está de acordo?
— Sim.
O homem assentiu e subiu na cama por trás do rapaz atado, passando o
estimulador, que vibrava, em suas panturrilhas. Subiu-o por suas coxas e
então pelas costas do rapaz que gemia baixinho. Abraçou-o cuidadosamente
por trás respirando em seu pescoço e chupou ali em uma área que ainda não
havia sido marcada.
Gabe sentiu seu membro pulsar, uma fina gota transparente escorrendo
devagar da glande sensível e carente de atenção. Felipe continuou deslizando
o vibrador dessa vez no abdômen e mamilos alheios, fazendo-o se contorcer
com força.
— Felipe... Por favor — Gabe gemeu nervoso.
— Mestre. Se quiser algo de mim, tem que me chamar de mestre.
Gabriel fez que não com a cabeça intensamente. Ele se negava a
chamá-lo assim. Sentia seu rosto arder, muito quente e viu-se muito
vermelho pelo reflexo.
— Com o tempo você vai conseguir — Felipe sussurrou no ouvido do
moreno relutante e sorriu divertido.
Em seguida, passou uma quantidade considerável de lubrificante em
sua mão e untou o estimulador com o gel. Passou a esfregá-lo com
delicadeza nos mamilos de Gabriel enquanto com a outra mão muito melada
de lubrificante masturbava-o. Encarava-o sobre seus ombros através do
reflexo com seus olhos de fera.
O moreno gemia se contorcendo, sentindo as mãos grandes de Felipe o
tocando, deslizando com força e velocidade enquanto seus mamilos eram
estimulados. O ruivo continuou o serviço com a mão enquanto descia o
vibrador entre as nádegas alheias.
— Senta. Devagar — Felipe ordenou friamente e Gabriel obedeceu
trêmulo, sentindo a pressão das algemas em suas panturrilhas. O estimulador
deslizava para dentro de si sem nenhum aquecimento prévio daquela região.
Era mais grosso que dedos e seu corpo retesou, rejeitando-o.
— Dói. — Gabe arfou enquanto o dominador continuava masturbando-
o com habilidade.
Ele reduziu a velocidade da introdução do objeto retirando um pouco e
empurrando em seguida com muita delicadeza. Estava muito concentrado
em aliviar a sensação.
O moreno gemia sem conseguir sentir mais a dor graças aos
movimentos precisos e cuidadosos do outro, agarrava firme as cordas que o
suspendiam. “Ele sempre foi assim? Tão... atencioso?” pensou de relance,
muito confuso com o prazer que as mãos dele o faziam sentir.
— Melhorou? — Felipe sussurrou enfiando em um ritmo de entra e sai
lento. Gabe assentiu jogando a cabeça para frente e segurando-se nas cordas,
a respiração pesada ressoando pela casa silenciosa. Suas coxas tremiam. O
ruivo então parou de masturbá-lo, deixando-o sedento.
Silêncio.
O maior o abraçou por trás deslizando as duas mãos por seu peitoral e
beijou repetidas vezes seu pescoço, sorvendo seu cheiro com prazer. O
moreno arfou com a sensação daquilo vibrando suavemente dentro de si. Ao
mesmo tempo, sentia-o, com a mão livre, ajustar o utensílio para ficar no
ponto exato mais prazeroso.
O Castro finalmente o largou, levando consigo apenas o pequeno
controle. Desligou a vibração e deixou o rapaz descansar com a respiração
muito pesada. Ele caminhou em direção à cadeira e se sentou paciente
esperando Gabriel se recompor.
— Acha que consegue fazer isso, gatinho?
— Vai se foder — Gabriel murmurou e o olhou desafiador. Seus olhos
felinos muito raivosos, as sobrancelhas cerradas e o cabelo negro
desgrenhado emoldurando seu rosto fino, sua pele estava vermelha e suada.
Ele tremeu e gemeu alto sentindo que Felipe reativou a vibração, dessa vez
mais forte.
— Então vamos começar.
Gabriel sentiu o estímulo do vibrador e involuntariamente fazia o
movimento de sentar sobre suas pernas. Queria fechá-las mas não conseguia
por causa do espaçador. Queria se tocar, mas não podia porque estava
amarrado. Limitado, sentia a agonia de sentir um prazer lento e controlado
remotamente pelo dominador que o observava sentado à sua frente.
Mesmo que o ruivo não se tocasse também, era possível notar seus
olhos muito ansiosos e cheios de tesão à meia luz, sua ereção muito marcada
na calça de tecido. Suas pernas se moviam às vezes trocando de posição por
inquietação e suas mãos tremiam.
Gabe se via através do reflexo do espelho muito bonito com aquele
quimono de cetim negro deslizando em sua pele suada, os braços para cima
amarrados em cordas vermelhas, seu membro pulsava muito. Gemia e se
contorcia, seu corpo todo tremendo com a força do prazer que o inundava.
— Aguente firme, gatinho — Felipe disse rouco, observando-o com
atenção. — Segure ao máximo.
— Não... Enche... — Gabe retrucou com dificuldade.
Ele tentava se concentrar olhando-o com raiva. Queria que Felipe o
tocasse, queria muito e isso o consumia. Sentia seu corpo ardendo, o suor
escorrendo pela sua pele. Não conseguia mais ver o tempo passar, apenas
aquele olhar pesado em cima de si o rasgando e dissipando tudo que restava
de resistência e forças, limites e fronteiras.
Rendia-se a cada onda de eletricidade que aquele olhar sádico
descarregava sobre seu corpo. Ser observado por ele assim, tão indefeso, fez
o moreno gemer alto sentindo tudo ir por água abaixo. A atmosfera era turva
e densa enquanto o submisso revirava os olhos, a vibração aumentando e
diminuindo com a precisão alheia.
O maior se levantou lentamente, andando de um lado para o outro como
se preparasse para atacá-lo. Aproximou-se pegando uma vara fina e
comprida com uma tira de couro em sua extremidade dentre os utensílios
sobre a cama e brincou com ela por um tempo.
— Não pense que deve treinar a sentir só prazer, gatinho — ele disse
rouco. Gabriel gemeu sentindo-se capaz de chorar pela ansiedade. Encarava
a chibata que ele segurava como se fosse a melhor coisa que podia ter visto
na vida.
O moreno lambeu os lábios com muito tesão, sorrindo com a expressão
fechada. Felipe brincou com o piercing de sua língua contendo o desejo
intenso de beijá-lo e continuou:
— Lembra das suas palavras de segurança?
— Sim! — Gabriel falou com força, como se implorasse, e o ruivo riu
andando de um lado para o outro.
— Ótimo. Então conte até esquecer como se faz isso — Felipe disse
ladeando-o pela cama. Seus braços fortes cruzando sua frente preparando o
baque.
Ele estalou a chibata em suas pernas, os olhos dourados brilhando na
penumbra.
O submisso contava com dificuldade, sentindo que iria perder os
sentidos graças àquela dor lancinante. Felipe alternava a velocidade do
estimulador com precisão e o acertava com a chibata com muita força de
forma intercalada. Os números perdiam-se em duas casas decimais quando
Gabe estremeceu em um orgasmo intenso que o fez balançar a cabeça,
tentando se manter consciente para não perder a contagem, não queria parar
de ser punido.
O ruivo reduziu a velocidade do estimulador e continuou estalando a
peça de couro em sua pele mesmo assim. Vê-lo naquela composição era
muito estimulante, gemendo e contando, suando e tremendo mesmo
enquanto gozava forte, escorrendo. Não conseguia evitar pensar em como
ele era resistente e resiliente.
Gabriel não havia falado nenhuma palavra de segurança mesmo o ruivo
usando quase toda sua força. Felipe sentia-se instigado e nervoso porque
pela primeira vez na vida ele não se segurava: descontava toda sua própria
dor, seu ódio, seu temor e seu domínio naquela criatura selvagem que o
olhava desafiador em cima de sua cama, no seu espaço precioso, invadindo
tudo, invadindo-o mesmo estando atado, mesmo quando nem estava
presente. Invadia-o.
O dominador o olhava incrédulo e excitado, tinha um impulso intenso
de tocá-lo, o coração batendo como asas de um beija-flor dentro de si. Ardia
e queimava, enquanto tentava se controlar sem sucesso. Usou toda sua força
em mais um estalo e sentiu o suor escorrendo de seus cabelos rubros.
O outro estremeceu contando, revirou os olhos sem conseguir definir o
que estava sentindo. A dor da sua pele ferida queimava com tanta
intensidade que a única coisa que ele conseguia concluir era que aquele
homem realmente havia pegado leve na primeira vez. Ele queria mais e
mais. Sentiu uma náusea e estremeceu arfando. Resistiria, testando seus
limites, e naquele momento sabia que seu limite era incerto.
Ele riu divertido jogando a cabeça para trás enquanto puxava as cordas
e se retorcia de dor e prazer. O estimulador vibrou com intensidade e ele riu
de novo enquanto, ao mesmo tempo, chorava.
— Me toca. Por favor — Gabriel sussurrou rouco depois de contar mais
uma chibatada.
— Mestre. Peça, me chamando de mestre — Felipe disse arfando,
cansado.
Gabriel o olhou através dos cabelos negros. Seus olhos de gato estavam
brilhando e ardendo. Sentia-se infinito e inquebrável. Seus olhos se ligavam
como ondas de ressaca.
— Eu sei que você quer me tocar... — Gabriel disse muito baixo e
gemeu apertando os olhos com a variação de velocidade do estimulador. Ele
olhou docemente e divertido para o ruivo que arquejava sem acreditar
naquela visão perfeita.
Gabe jorrava e escorria sem controle. Gozava com e sem ejaculação,
sentia um nível de prazer que nunca havia experienciado antes. Felipe rugiu
com raiva e estalou a chibata na costa do moreno que contou rindo e virou o
rosto sorridente, muito doce. Mesmo que doesse muito, ele queria mais.
Silêncio.
— Não brinque comigo, gatinho. — Felipe se aproximou subindo na
cama.
Segurou-o pelo queixo com violência e respirou muito perto de seus
lábios, não conseguia resistir àquela expressão brava. Ele riu finalmente
entendendo porque estivera tão ansioso o dia todo e fechou os olhos
suspirando o cheiro de Gabriel, o aroma de óleo de coco que exalava de seus
cabelos, um cheiro gostoso que Felipe lembrou que precisava investigar se
era de shampoo ou perfume, o fazia ficar muito duro.
Grunhiu muito bravo, beijando o moreno com excitação e,
simultaneamente, aumentando a velocidade do estimulador. O menor emitiu
um som longo e prazeroso, respirando fundo com a sensação de contato. A
língua alheia, quente e úmida, deslizando na sua com leveza e força. Sentiu-
se nas nuvens. Nada no mundo se comparava àquilo.
As mãos atadas do submisso tremiam nervosas querendo tocar em seus
cabelos, puxá-lo para si. A tensão aumentou e Felipe apertou os olhos com
força tentando controlar o impulso de soltá-lo das amarras, desistir do
treinamento e fodê-lo ali. Ele se afastou muito bravo sentindo-se cada vez
mais nervoso. Não iria tocá-lo mais que o necessário: “Controle-se.
Controle-se” repetia para si enquanto saía de perto do moreno, rondando-o
ao redor da cama.
Gabriel gemeu forte sentindo que gozava de novo, certo de que não
conseguiria fazer sair mais nada de si. O tempo derretia como no quadro de
Dalí, escorrendo, distorcendo em segundos, minutos e horas. Perder e ganhar
tornavam-se definições que se mesclavam na penumbra em linhas tênues e
indefinidas.
Uma mescla de lembranças atordoantes do ruivo massageando sua pele
com loção calmante depois de cada sessão de treinamento se misturavam
com devaneios esperançosos de que aqueles toques evoluíssem para aquele
homem em cima dele, tocando-o verdadeiramente e fazendo-o gozar sem
intermédio de qualquer utensílio ou restrição.
Gabriel sonhava com o momento que o treinamento acabaria para que
finalmente fosse tocado pelo dominador. Depois do terceiro dia, seu corpo
parecia aguentar um limite ridiculamente alto de dor mas, por outro lado,
tornara-se extremamente frágil aos toques de Felipe, ao cheiro dele, à sua
voz e risada rouca. Sempre que passavam para o cuidado pós sessão,
aproveitava quase com mais prazer do que na sessão em si.
Ele podia aguentar muito mais depois do quinto dia treinando. Em
diversas posições com diversos tipos de estimuladores, dildos e plugs
vibratórios. Com ou sem punições físicas. Resistia bravamente chegando a
orgasmos insanos mais vezes e com mais intensidade, demorando mais,
porém a custo de uma mente extremamente abalada graças à ansiedade de
não ter mais do que estímulos indiretos.
A entrega e completude que sentia sempre que estava ao lado dele se
dissipando ao voltar para casa. Ali era tomado por uma estranha solidão e
sempre dormia agarrado ao seu travesseiro no escuro de seu pequeno
apartamento. Tocava a própria pele estimulando a dor das escoriações
quando acordava arfando de sonhos muito intensos.
Durante um dos dias de seu treinamento, Gabriel reparou na porta ao
lado do quarto de Felipe sempre fechada. Já conhecia, por ser curioso, todos
os cômodos da casa de seu dominador: a área de serviço estranhamente
inutilizada ou o banheiro social muito limpo e pálido sem nenhum espelho,
porém aquele cômodo selado ali ainda era um mistério.
“Será um quarto?” pensou querendo passar a mão na maçaneta. Sempre
que podia, depois de treinar, a fim de estender-se com Felipe por mais
tempo, passeava despretensiosamente pela casa do ruivo enquanto ele
tomava banho. Não tocava em nada, apenas tentando confirmar sua teoria de
que aquela parte externa da casa era exatamente o que o Castro queria que os
outros vissem dele mesmo: neutro, indiferente e vazio.
“Você não pode ser só isso… Você com certeza não é só isso” pensava
olhando ao redor distraído.
Era habitual para Gabe sufocar-se com todas as perguntas que queria
fazer para não o incomodar. Engolia-as. Seu orgulho falava mais alto e não
queria, de forma alguma, parecer interessado em sua vida pessoal, mesmo
que isso fosse exatamente o que acontecia.
Cada vez que passavam aquele tempo unicamente sexual juntos, era
como se, através do estranho gosto pela dor e prazer, estivessem conectados.
Isso era estranho para ambos, essa conexão que ia além do físico de
forma tão fluida. Realmente, estava quebrado e exausto do treinamento, mas,
mesmo tão demandado, amava como se sentia. Mesmo que não tivesse ideia
de como Felipe se sentia.

✽✽✽

Felipe esforçava-se para se concentrar em seu trabalho durante o dia.


Fotografava os eventos que era designado a ir e experienciava um enorme
bloqueio para fazer suas fotografias livres.
Antes de conhecer Gabriel — antes daquele momento em que o viu
sorrindo despreocupado e levemente retraído por trás de uma expressão
fechada no bar da Lizzo —, ele estava sempre pronto para fotografar
livremente, mas após conhecê-lo e, principalmente durante aquele
treinamento, estava exausto e tendo dificuldade para focar.
Pegava-se divagando sobre o que o moreno estaria fazendo, se ele havia
se alimentado ou dormido bem. Pensava se, assim como Felipe, ele também
se sentia sufocado com a falta de contato que o dominador havia imposto
para si mesmo como condição para conseguir treiná-lo adequadamente. Era
preciso, uma vez que desprezava as próprias regras sem nem notar sempre
que tinham contato.
Ele bufou insatisfeito consigo mesmo. Inconscientemente havia ido à
academia de Gabriel neste dia porque não conseguia mais fotografar nada e
não aguentava as mensagens de Carla lembrando-o do passado que queria
deixar para trás. Seus pensamentos sempre acabavam se voltando para o
moreno e isso pinicava como uma dor enjoativa que nunca passava.
Exercitava-se ali apenas como desculpa para ver Gabriel antes do
combinado.
O dia estava muito abafado e, mesmo com o ar-condicionado, suava na
camiseta sem mangas cinza, as veias marcadas em seus braços cintilando
pelo suor. O ruivo encarou o moreno que treinava concentrado uma turma de
alunos na sala de artes marciais sem notar sua presença. Os alunos repetiam
os movimentos do kata tendo seu sensei como guia.
Felipe sorriu de canto observando-o se movimentando com precisão,
sua base era muito firme e parecia dançar naquela sequência de golpes e
posições. Ele suspirou e evitou ao máximo olhar para dentro da sala para não
o constranger, afinal, só de sentir sua presença ao seu redor o ruivo já
conseguia focar com mais facilidade.
Em um momento que ele tomava água com o fone de ouvido no
máximo, ouvindo sua banda favorita, ele viu de relance Gabriel o encarando
em choque. O moreno se aproximou estarrecido e tenso com o rosto muito
vermelho e o cabelo negro bagunçado, seu kimono desorganizado mostrava
o peito cheio de escoriações que o ruivo conhecia intimamente.
Gabe o encarou parado e questionador. Felipe tirou os fones
sonsamente fingindo que não sabia porque ele estava com aquela expressão
chocada.
— O que foi?
— Eu que pergunto. O que está fazendo aqui? — Gabe perguntou em
um sussurro
— Não é óbvio? Esqueceu que eu me matriculei aqui? — Felipe disse
friamente, deixando sua garrafa em cima de um banco.
Ele tomou o haltere e continuou fazendo o movimento de onde havia
parado, voltado para o espelho da academia, seus braços expostos e suados
muito marcados pelo esforço. Gabe fitou atentamente aqueles braços grandes
contraindo e mordeu o lábio, segurou as próprias mãos ansiosas em um
movimento involuntário.
Gabriel se deu conta que Felipe o olhava através do reflexo com os
olhos de lince, saboreando-se com seu olhar faminto e pigarreou desviando o
olhar muito corado, cruzando os braços em seguida. Não conseguia parar de
fantasiar que Felipe transava com ele ali. E disse tentando se concentrar:
— Sim, claro... Eu pensei que queria falar algo comigo, ou algo assim.
Por isso perguntei. Só isso.
Felipe reparou que ele gaguejava e arfava. Não queria envergonhá-lo ou
expô-lo em seu trabalho e controlou seu desejo de provocá-lo, priorizando
sua segurança e conforto. Colocara o peso no lugar após terminar sua série e
suspirou cansado, queria tocar aquele homem com todas as suas forças, mas
continha-se.
Ele olhou indiferente para Gabriel, era muito bom em não demonstrar
como se sentia com aquela expressão neutra. O ruivo pensou rápido em uma
forma de afastá-lo para que ele não ficasse mais constrangido na frente de
todos.
— Não. Nem tudo se resume a você, gatinho — Felipe disse
rudemente, escolhendo as palavras erradas como sempre. — É melhor voltar
para sua turma, seu amigo deve estar preocupado.
O ambiente tornou-se denso repentinamente e Gabriel sentiu aquelas
palavras doerem mais que qualquer tortura física que Felipe já havia feito.
Ele recuou com a expressão brava e bufou.
— Entendi. Sem problemas. — Gabe deu de ombros, irritado, ajeitando
seu kimono. — Realmente, eu não gosto mesmo que ele nos veja junto —
mentiu e girou os calcanhares saindo dali possesso.
Felipe recebeu a retrucada com desgosto. Encarava-o de costas e
suspirou pensando que daquela forma era melhor. Se eles se empolgassem,
sabia que não resistiria, ainda mais vendo-o suado e vestido daquele jeito.
Gabriel parecia tão independente e forte assim, e isso o excitava,
adorava ver como seu rosto mudava com tremores quando o ruivo o
provocava. Retirar suas camadas de proteção e muros muito altos era
satisfatório em níveis que ele jamais havia experienciado. Sabia que havia
pegado pesado e se martirizou sentindo-se péssimo.

✽✽✽

Mais tarde, naquele mesmo dia, o moreno parecia muito distante e


tenso. Estava um pouco magoado e batalhando contra essa sensação. “Não
tem porque eu me magoar se é só sexo. É verdade, eu quem fui estúpido de
achar que ele havia ido atrás de mim na academia” o moreno pensava
enquanto era atado.
Estava excitado necessariamente porque seu dominador parecia
demorar mais que o necessário amarrando-o e desamarrando-o, estirava a
palma da mão quente sobre sua pele sempre que podia estendendo-se
naquela prática o máximo que podia.
Por mais que Felipe quisesse se desculpar, não o fez. O olhava sério e
frio pelo reflexo do espelho de pés posicionado à sua frente como se nada
tivesse acontecido.
— Você tem a faixa preta há muito tempo? — Felipe perguntou
repentinamente com um tom desinteressado, pegando Gabriel desprevenido.
O moreno estremeceu com a voz rouca em seu ouvido.
— Tem uns sete anos. Mas eu negligenciei bastante o karatê para fazer
faculdade de dança — ele respondeu focando na sensação de Felipe o
amarrando, sentia a respiração dele nas suas costas.
O ruivo agora fazia um cruzado de nós nos braços alheios, posicionados
para trás.
— Então prefere dançar do que lutar?
Gabriel hesitou.
— Hã, sim. Mas eu demorei para me dar conta de que eu avancei tanto
no karatê só por causa do Josh. Depois que tiramos a faixa e a licença para
ensinar a arte eu senti que faltava algo... Foi só daí que fui atrás do que eu
queria fazer por mim. — Sua voz parecia um sussurro.
Gabriel estava muito chateado com Felipe e talvez por isso tagarelava
sobre como se sentia de maneira inconsequente. Sempre que estava chateado
ele tinha a sensação de que falava demais.
Além disso, ele queria muito se acertar com o ruivo, queria que ele
parasse com aquela frieza intensa em sua expressão e o olhasse devorador e
lascivo como sempre. O outro apertou o nó com força contrariado com o que
ouviu. “De novo esse cara” Felipe pensou incomodado.
— Ele é seu primeiro amor ou alguma coisa assim? — Felipe não
conseguiu se conter e perguntou arrependendo-se imediatamente.
— Sim.
Silêncio.
Felipe apertou o nó novamente com muita força, em seu rosto uma
expressão de pedra. Seus lábios formavam uma linha tensa contra o maxilar
travado.
— Entendo, então é por isso que não quer que ele nos veja juntos.
— Não exatamente. Ele é meu amigo há mais de dez anos. Não temos
nada, nunca tivemos. Mas ele é como alguém da minha família. Eu não
quero preocupá-lo ou deixá-lo envergonhado. Eu cuido muito dele mesmo
que ele tenha um noivo para fazer isso por ele agora.
Silêncio.
— Nunca tiveram nada... Entendo, e agora ele vai se casar.
— Sim.
Silêncio.
— Você sempre teve todo esse cuidado assim com sua “família”? —
Felipe não parava de perguntar. Sentia um gosto ácido em sua garganta.
Queria se conter. Queria se calar, mas não conseguia. Estava curioso e
ansiava desculpar-se de algum jeito pela forma que agira mais cedo.
Gabriel engoliu em seco. Aquele era o assunto que ele mais tinha
dificuldade em falar. Seu corpo teve um calafrio de nervosismo muito
negativo. Por mais que a intenção do ruivo fosse de brincar com o fato de ele
ser superprotetor com uma pessoa por quem nutria sentimentos amorosos,
acabou recaindo sobre um fato muito delicado para si:
— Infelizmente sim. Meu pai morreu quando eu tinha 16 anos, ele ficou
um bom tempo internado em um hospital por causa do câncer e tudo mais.
Eu tive que cuidar da minha mãe e dos meus irmãos desde então. Tive que
ser forte por eles. — Gabe deu de ombros sentindo seu corpo pinicando de
cansaço. — Então acho que acabo fazendo isso com o Josh também.
O vento chacoalhou a cortina cor de vinho. Felipe ouvia o próprio
coração martelando violentamente. Só de imaginar o rosto de Josh seu
sangue fervia de raiva. Sentia o peso das palavras do moreno e queria
intensamente confortá-lo, mas não fazia ideia de como fazer isso. Terminou
a amarração brutalmente.
— Que seja. Não precisa pensar nisso agora. Não precisa se preocupar
com nada enquanto estiver comigo. Aproveite seu treinamento, será
recompensado quando ele acabar. — Felipe lambeu o lóbulo da orelha de
Gabe e o moreno gemeu baixinho. Queria mais proximidade. Necessitava.
Felipe estremeceu querendo abraçá-lo, esfregava-se nele criando forças
para reiniciar a sessão sem toques.
— Sim — Gabe afirmou em um miado suplicante.

✽✽✽

O dia estava muito bem iluminado e o céu muito limpo no centro da


cidade. As nuvens de chuva ainda não tinham começado a se formar
permitindo alguns momentos sem a umidade excessiva daquela estação e as
pessoas aproveitavam suas vidas rotineiras, transitando amontoadas pelas
ruas barulhentas. Carros, fumaça e mormaço em uma mescla esquisita e
energizante.
— Filho da puta — Gabe ecoou bravo enquanto rolava pela milésima
vez a página do portfólio de Felipe. Ele parou na bela fotografia de um
campo aberto. Ao canto havia um celeiro e o jogo de luzes das estrelas no
céu circulando-o pela longa exposição. As localizações indicavam que ele já
esteve fotografando por toda Cicék e mais um par de lugares fora do país.
— Você já conseguiu decorar todas as fotos que ele tem nesse
portfólio? — Josh falou debochado enquanto comia.
Os dois haviam saído para almoçar em um restaurante do centro da
cidade. Naquele dia não haveria turmas de karatê no turno da tarde e Gabriel
não tinha esperanças de que Felipe aparecesse de novo na academia para
malhar, tendo em vista que, depois daquela única vez, ele nunca mais
apareceu fora do horário combinado. Então, como só o via durante a noite,
pediu a companhia de Josh em um passeio para espairecer.
— Vai se foder — Gabe disse bloqueando a tela e voltando a bebericar
seu suco. Estava cheio e mordia o lábio ansioso olhando para a rua
movimentada do lado de fora do restaurante.
— Há quanto tempo estão saindo? — Josh perguntou despreocupado
ignorando a rudeza rotineira do amigo — Uma semana?
— Duas — Gabriel falou carrancudo, lembrando que Felipe
determinara que ele precisava treinar por mais que apenas uma semana,
porque ainda não estava convencido de que ele estava pronto.
O moreno fez um muxoxo raivoso lembrando que estava tão excitado e
bravo que aceitou essa imposição, desafiador, dizendo que aguentaria aquele
treinamento por quanto tempo ele achasse necessário. E estava errado. Agora
estavam beirando a terceira semana e só haviam transado de verdade uma
vez, o resto sendo apenas aquele treinamento torturante.
— E está tudo indo bem entre vocês? Você parecia mais puto que o
normal na apresentação do final de semana passado. E no anterior também.
Gabe fez que sim com a cabeça lembrando de ter dançado muito bravo
porque Felipe havia dito que ele não teria treinamento nos dias que se
apresentasse. Então não bastasse não transar com ele, tampouco poderiam
ficar juntos naquela noite, mesmo que distantes.
O moreno se sentia muito frustrado e estressado e dormiu muito mal
naquela noite sozinho em seu apartamento depois de tomar café até tarde
lendo sobre fotografia, exaurido e ansioso. O que estava acontecendo com
ele? Por que queria tanto ficar perto daquele homem?
— Ele só é um fodido. Me faz perder a cabeça — Gabe concluiu
cruzando os braços com a cara de bravo habitual. Josh riu divertido.
— Vocês têm um jeito muito bizarro de... se relacionar. Ainda não
consegui me acostumar em te ver todo roxo desse jeito. Deve ser porque o
Ron é muito doce comigo. — O loiro deu de ombros suspirando bobo. —
Mas se você gosta tanto… Sinto muito ter surtado no início.
Gabriel revirou os olhos, com expressão de nojo, mandando-o esquecer
aquilo com as mãos.
— Agora… O que viemos fazer aqui, Gabe? Você disse que queria ir a
um lugar, mas não me falou onde. É bom que valha minha folga.
— Até parece que você ia fazer alguma coisa útil essa tarde. O Ron não
está atolado tentando administrar aquela merda que o pai dele fez na
empresa? — o moreno disse bravo.
Josh lamentou alto em um muxoxo arrastado e desanimado, apoiando-
se na mesa. Seus olhos azuis piscando muito dóceis.
— Ah! Nem me fala. Mesmo depois de mais de dois anos que esse
desgraçado foi preso, o Ron ainda tem que resolver os problemas que ele
criou. — Josh inchou as bochechas como uma criança chateada. Ele
arregalou os olhos azuis, era muito expressivo e doce. Todos ao redor que
olhavam percebiam intrigados o contraste de personalidades dos dois. —
Mas é sério, o que viemos fazer aqui?
Gabriel revirou os olhos.
— Eu só não queria vir sozinho, Josh. Eu acabei descobrindo que está
tendo uma exposição de fotografia contemporânea em um centro de arte por
aqui e... — Gabe pigarreou sem graça, corando levemente. — Parece que
vão ter algumas fotografias do Felipe lá.
Josh riu alto muito bobo. As pessoas das mesas ao redor olharam de
sobressalto e Gabriel fez sinal para ele falar mais baixo com uma expressão
sisuda e raivosa.
— Eu não acredito! Você ‘tá caidinho por ele! — Josh cantarolou muito
bobo. — Eu não acredito nisso, Gabe. O cara mais difícil da cidade está
apai-
Gabriel o interrompeu bruscamente, chutando-o por baixo da mesa.
— Nada disso! Eu gosto das fotos que ele tira! Nada demais. Não tem
nada a ver — o outro retrucou com raiva. Ele se inclinou sobre a mesa
falando muito baixo para que só o amigo escutasse: — o que a gente tem é
só sexo, Josh. Só! Seria estúpido da minha parte sentir algo pra valer. Eu só
seria feito de bobo... De novo!
Josh corou recuando timidamente. Sabia exatamente a que aquele “de
novo” se referia: o fato de nunca ter correspondido os sentimentos dele da
mesma forma.
— Até parece. Ele te olha como se você fosse a coisa mais preciosa do
mundo.
— Não. Ele me olha como se eu fosse propriedade dele. É diferente —
Gabriel falou em um tom levemente amargurado.
— Também... Mas isso não é bom? Digo, nessa relação esquisita de
vocês?
Gabe desistiu antes mesmo de tentar expor a essência do
relacionamento de dominação e submissão que estava envolvido, parecia
muito complicado explicar que na realidade tudo era uma grande e perversa
brincadeira sexual onde o moreno era literalmente apenas um item que era
possuído por Felipe.
“Vai ficar tudo bem se for só sexo. É só isso. Um jogo” o moreno
insistiu em pensamento, bufando em silêncio. Fechava-se tentando entender
a forma como se sentia, mas até agora tudo que sabia é que estava
sobrecarregado. Eles se levantaram e pagaram a conta, seguindo para o lugar
da exposição.

✽✽✽

O amplo salão tinha várias divisórias em totens largos formando um


grande labirinto e pessoas circulavam observando as fotografias em
exposição, conversando entre si. O sol da tarde estava ameno e entrava pelas
largas janelas abertas fazendo todo o amplo espaço ficar bem iluminado e
arejado. Josh olhava encantado as grandes fotografias expostas nos totens e
paredes. Ele contornava alguns dos bancos estrategicamente posicionados
para os apreciadores sentarem à vontade.
Gabriel passou ao lado do amigo olhando as fotografias de diversos
autores diferentes, ao lado de cada uma havia o nome da obra, uma descrição
breve e outras informações relevantes em uma plaquinha pálida. Eles
passearam observando as primeiras fotografias da entrada quando o loiro
sentiu o celular vibrar.
— É o Ron, eu vou pra lá atender — Josh falou se distanciando e
apontando para o lado de fora. Gabriel assentiu e prosseguiu olhando as
fotografias, buscando ansioso.
Ele percorreu o salão perdendo-se pelo labirinto de divisórias cheias de
belas fotografias, parou em algumas, analisando-as e admirando. Seu
coração palpitava estranhamente sempre que passava para o próximo
corredor, a brisa suave da tarde circulando suavemente em espirais
invisíveis.
Por diversas vezes o moreno pensou em parar ali, voltar para casa, ir
fazer qualquer outra coisa que não fosse aquela tentativa boba, quase
infantil, de ver um pouco mais do trabalho de Felipe, um pouco mais dele.
Mesmo que rejeitasse, o moreno sabia que sempre que via as
fotografias dele sentia-se estranhamente imerso em sua intimidade. Uma
intimidade que ele não era capaz de ver em sua aparência assustadora, nas
paredes cinzas de sua casa propositalmente vazia, em seu sexo violento e
intenso. Não.
O mais próximo que Gabriel vislumbrou daquilo foi em suas
fotografias, em seu sorriso bobo ao vê-lo fazer café em sua cozinha e quando
entrou em seu quarto, mesmo que ainda não estivesse convencido deste
último porque não conseguia se decidir se aquele aposento era realmente tão
importante para ele, uma vez que ele, apenas um submisso, fora levado para
lá.
Gabe continuava caminhando atentando para algumas belas fotografias
enquanto lia algumas placas de relance. Não sentia pressa. Apreciava com
muito prazer a sensação de expectativa de bater os olhos em uma fotografia
de Felipe sem querer. Saboreava a ansiedade da dúvida de se conseguiria
reconhecer uma foto tirada por ele que nunca viu antes.
Seus passos hesitavam tensos como se fosse na realidade encontrar o
ruivo em pessoa, como se fosse encontrá-lo da forma como acontecia em
seus sonhos e devaneios muito estranhos, nos quais não havia todas as
complicações da vida real. Eles não eram só passatempo um do outro. Eram
mais. Por que estava fazendo isso consigo mesmo? Por que não conseguia
parar?
Por que o maldito treinamento não estava funcionando como uma
forma de fazê-lo resistir mais à abstinência dele e sim como um
intensificador da necessidade de estar ao seu lado? O moreno suspirou.
No final do corredor, havia uma sequência de três fotos ladeadas. A
primeira, na extrema esquerda, era de um casarão abandonado, estático e
acinzentado cercado de plantas e ervas daninhas consumindo-o como o
tempo, no fundo uma espiral branca de estrelas sugando quem olhava a
imagem para dentro dela.
A segunda, no centro, parecia ter sido capturada em uma praia vazante
ao anoitecer, uma canoa atolada nas poças de água e nelas refletiam-se o céu
arroxeado sendo quebrado por diversos raios que serpenteavam as manchas
da via láctea e as nuvens densas e brancas.
A terceira, na extrema direita, era a imagem de uma estrada ladeada de
arbustos altos e, no céu noturno, havia um colorido arco de estrelas coloridas
que pareciam correr de um extremo ao outro do céu. Como se aquele
caminho levasse para dentro de um portal sombrio e colorido de estrelas em
movimento.
Gabriel arfou sufocado. Seu coração batia tão rápido que pensou que
realmente fosse chorar. Não havia visto aquelas fotografias no portfólio de
Felipe, mas sabia que eram dele. Aproximou-se devagar sentindo-se trêmulo
e viu a plaquinha da fotografia do centro com os dizeres:
sem nome
Coleção: Incontrolável
Autor: F. Castro
Gabe riu bobo, chutando que Felipe odiaria ver o sobrenome dele assim
exposto e até conseguia ver sua expressão muito assustadora se o visse. Ele
tremeu e apertou as articulações dos pulsos disfarçadamente, onde sentia os
roxos doloridos, por ter sido amarrado por todas aquelas semanas,
protestando. Ficou parado ali em frente às três fotografias inéditas
admirando-as, invadindo-as, pensando em como aquele homem se sentiu ao
fotografá-las, editá-las, no que ele pensava.
Ao correr seus olhos nas luzes em distorção podia ouvir a risada rouca
dele ecoando em sua mente, a sensação de suas mãos grandes acariciando-o
fora do sexo, cuidando dele depois de cada sessão. “Sempre um gatinho
arisco” lembrou-se de sua voz divertida e cobriu o rosto muito quente com
as duas mãos, tentando evitar que o mundo visse seu sorriso extremamente
bobo dissipando toda e qualquer tentativa de parecer bravo.
Repentinamente, um homem muito alto se aproximou parando do seu
lado. Ele tinha os cabelos castanhos lisos arrumados e cheirava a perfume
caro: absinto, lavanda, almíscar. Levemente adocicado mesmo que
“masculino”. Vestia-se formalmente com um terno completo, slim, preto e
muito bem ajustado, além de luvas de couro, parecendo estranhamente
deslocado do resto do ambiente informal e comum. Era ainda mais estranho
por parecer alheio ao clima quente e descontraído do fim da tarde.
Bateu os sapatos lustrosos no chão um pouco impaciente e contrariado,
analisando as mesmas fotografias que o moreno. Gabriel não olhou muito
para ele, apenas o suficiente para perceber que parecia muito elegante e
insatisfeito. O silêncio finalmente foi quebrado:
— Se uma pessoa não sabe fotografar para que ela tenta? — o homem
provocou friamente. A sua voz era afetada e risonha, fazendo Gabriel sentir
um arrepio tenso na espinha — Credo, as estrelas estão todas borradas, o céu
sempre desfocado... Parece coisa de criança.
Silêncio.
Gabriel fechou a expressão totalmente e olhou enraivecido para o
homem ao seu lado, cruzando os braços, muito ofendido. O outro, por sua
vez, continuava fitando as fotografias com desdém, enfiando as mãos nos
bolsos da calça social e exibindo seu traje muito fino.
— Chama-se longa exposição. A ideia é capturar o movimento das
estrelas e da luz — Gabe retrucou com raiva. Não gostava do tom de voz
desdenhoso daquele homem.
O homem virou a cabeça de lado e o olhou profundamente, fazendo o
moreno recuar um pouco. Os olhos dele tinham um tom dourado
estranhamente familiar: idêntico ao de Felipe. O formato de seu rosto jovial
era de uma pessoa completamente desconhecida, mas aqueles olhos e algo
naquela voz grave o fizeram sentir suas pernas tremerem, assustado.
— Ah, então isso tem um nome? — o homem perguntou em um tom de
deboche e virando-se completamente para ele. Olhava atento e curioso para
o moreno, seus olhos percorrendo todo seu rosto, pescoço e corpo como se o
analisasse.
Ele sorriu e lambeu os lábios discretamente, divertindo-se, antes de
sorrir muito simpático.
— Se uma pessoa não entende de fotografia para que ela vem em uma
exposição? — Gabriel falou bufando e fugindo com o olhar. Agora
definitivamente odiava aquela presença ao seu lado e ainda mais a sensação
daquele homem o encarando como se ele fosse um brinquedo divertido.
O homem riu muito e cobriu os lábios com uma das mãos enluvadas.
Seu rosto estava corado e parecia uma pessoa muito simpática e sociável,
apesar de intimidadora.
— Sinto muito, eu te ofendi, fofo? Eu realmente não sabia que isso era
uma técnica — ele falou divertidamente, sorrindo galante para o moreno. —
Acho que realmente não entendo o suficiente para criticar, não é?
Gabriel o ignorou e continuou olhando para as fotografias, muito bravo.
— Espera, você parecia bem ofendido mesmo. “F. Castro” não é você...
É? — o homem questionou sonsamente. Gabriel fez que não com a cabeça
ainda sem olhar para ele. Estava sendo consumido pela raiva. — Ah… Então
você o conhece? A pessoa que fotografou?
— Não é da sua conta — Gabriel retrucou rudemente.
O menor olhou para o homem com muita raiva, seus olhos ardendo,
pronto para socá-lo. “Esse filho da puta aparece falando um monte de
asneira e agora não cala a boca?” ele pensou fechando os punhos. Era contra
agredir pessoas gratuitamente, mas não conseguia evitar a vontade de fazê-lo
com aquela pessoa. Algo nele o deixava estranhamente tenso e eletrizado,
uma presença familiar e insuportável de sentir.
O homem sorria cínico, seus olhos dourados percorrendo Gabriel com
muita curiosidade. Ele apertou os olhos e pegou o celular que havia vibrado
em seu bolso graças a uma mensagem, era seu sinal de que precisava ir
embora. Ele conferiu o relógio prateado muito elegante e caro em seu pulso
com um movimento dramático e fez um muxoxo em seguida.
“Como ele é rápido. Então estava de olho no garoto esse tempo todo?!”
pensou voltando a encarar o moreno muito bonito que o ignorava com uma
expressão fechada: “Você parece muito, muito, interessante exatamente
como eu suspeitava. Isso realmente vai ficar perigoso, afinal”.
— Bom, parece que meu tempo acabou. Infelizmente... — o homem
elegante disse e Gabriel o olhou intrigado, estava bufando e parecia se
segurar para não fazer uma besteira.
Ele riu querendo testar o limite daquele rapaz tão descontraído e
enérgico. Puxou uma carteira preta de cigarros e colocou um na boca,
lentamente. Gabriel arregalou os olhos, atônito, vendo o símbolo da flor de
lótus prateada no filtro. O homem acendeu o cigarro e tragou rapidamente
saboreando a reação atenta do rapaz. Prosseguiu:
— De qualquer maneira, ainda acho que esse cara é péssimo
fotografando. Mas valeu vir aqui. Foi um prazer imenso te ouvir, lindo —
falou apontando para as imagens em exposição e depois para o moreno como
se atirasse nele com os dedos longos e enluvados. — Espero ouvir mais
sobre você na próxima.
Ele era muito sensual e bonito, magro e alto. Os olhos dourados
cintilando. Riu sombriamente e começou a se distanciar se despedindo.
Então sumiu na dobra do corredor, perdendo-se na multidão como se nunca
houvesse estado ali.
Gabriel estava sem reação. Lembrava-se precisamente de Felipe
dizendo que aquele cigarro, com aquele símbolo prateado, era exclusivo para
membros de sua família. Além disso, o cheiro era inegavelmente o mesmo
do que Felipe consumia.
Os olhos dourados e a voz rouca familiar. O tom de ameaça. “Que
merda está acontecendo aqui?”.
Gabe sentiu que ia vomitar. Estava tenso e tremendo. Sentia-se marcado
por aquele olhar e dedos longos. Recuou um pouco, tropeçando nos próprios
pés algumas vezes. “O que foi isso? Quem é esse cara?” pensava tenso,
tentando recapitular o ocorrido enquanto olhava ao redor. Ele tinha certeza
de que aquela voz sombria o ameaçara:
“Espero ouvir mais sobre você na próxima” ouviu ecoando em sua
cabeça com um calafrio.
Gabriel deu uma última olhada nas imagens em exposição atordoado.
Queria ver Felipe. Agora.
Ele correu em direção à porta, procurando por Josh sem sucesso. Estava
muito atônito procurando sem parar, tremendo. Repentinamente, sentiu
braços o envolvendo com violência e reagiu de imediato segurando a pessoa
e a empurrando em um golpe preciso.
Felipe tropeçou com a defesa forte de Gabe e avançou nele de novo
com velocidade, segurando-o com mais intensidade agora. O menor se deu
conta de quem era e estremeceu assustado vendo os olhos dourados de perto,
os únicos que queria ver, fitando-o em profundo desespero:
— Sou eu! Sou eu! O que aconteceu? Está tudo bem? Você está bem?!
— o ruivo perguntava rápido chacoalhando Gabriel.
O moreno tentou se recompor, empurrando-o com violência. Felipe
estava usando uma blusa preta social e estava suado, descabelado, parecia
que tinha corrido. Seu olhar desesperado o analisava da cabeça aos pés,
tenso.
— Claro que eu estou bem, que pergunta idiota — Gabriel mentiu
fechando a expressão. — O que você está fazendo aqui?!
O maior grunhiu contrariado.
— O que você está fazendo aqui, Gabriel? O que aconteceu? — Felipe
perguntou em um rugido. Ele estava com muita raiva. Gabe recuou
assustado com aquele tom assustador, fechou a expressão ainda mais, em
reação, muito corajoso.
— Vai se foder, eu vou pra onde eu bem entender. Foi você que
apareceu do nada. Eu me assustei só isso!
— Você parecia assustado antes de eu aparecer. Me diz o que houve!
— Nada. Não aconteceu nada! — Gabriel mentiu de novo.
Felipe bufou e passou a massagear as têmporas, trêmulo. Ele puxou o
celular vendo a mensagem nova que tinha recebido e olhou ao redor com os
olhos afiados, procurando algo. Estava com tanta raiva que parecia prestes a
quebrar algo com as próprias mãos, até sentir toda sua necessidade de
violência se esgotar.
Secretamente, desejava englobar Gabe em um abraço quente e protegê-
lo, não o deixar sair dali nunca mais, unir-se a ele em um só corpo. Tremeu
pensando aquelas coisas e tentou afastá-las. Focar. Arfava exausto da corrida
e de ter dirigido tão rápido. Suas mãos tremiam muito:
— Vai para sua casa. Agora. Não vamos ter treinamento hoje.
— O que?! Por quê?! — o moreno perguntou muito contrariado. Ele
não conseguiria lidar com o medo que sentia sem Felipe.
— Porque eu não quero! — Felipe mentiu muito convincente e o
moreno arfou indignado. — Eu não sei o que você está fazendo aqui, mas
não cruze a linha! Não faça isso. Não se meta no meu trabalho e na minha
vida pessoal.
Ele disse as palavras cruéis com muita frieza. Pronunciá-las doeu como
lâminas o cortando, mas não tanto quanto doeram em Gabriel que as ouviu,
vendo-o com aquela expressão gélida e distante. O moreno ouviu Josh
chamando-o ao se aproximar e engoliu tudo que sentia em uma tentativa de
não demonstrar. Ele respirava muito rápido, seu rosto corando muito e
tremendo.
— Gabe?! Onde você estava? Eu te procurei por toda parte! — Josh
disse vendo a cena dos dois que discutiam com um pouco de ressalva.
Reparou que o amigo estava à beira de um colapso e rapidamente encarou o
ruivo.
“O que esse desgraçado fez? O que ele está fazendo aqui?” o loiro
pensou olhando feio para Felipe. O maior o encarou com um olhar frio:
— Veio passear com seu amigo comprometido? — Felipe disse
rudemente.
— Vamos embora. — Gabriel segurou as mãos de Josh e deu uma
última olhada amarga em Felipe, que , por sua vez, fitava os dois de mãos
dadas com desgosto.
Josh apertou os olhos bravos para o ruivo e abraçou o amigo,
provocativo, levantando o queixo para ele com desprezo. O homem desviou
o olhar com muita raiva, algo ardia dentro dele queimando em sua garganta
como ácido.
Felipe sabia exatamente o que gostaria de quebrar agora, tinha dois
rostos muito bem definidos em sua mente. Gabriel saiu dali com Josh o
agarrando e, mesmo depois de se distanciarem, o loiro continuava repetindo
que ia ficar tudo bem, confortando-o apesar de não saber o que havia
ocorrido.
Gabriel tentava acalmar sua respiração acelerada sem sucesso.

✽✽✽

O apartamento minúsculo tinha uma atmosfera estranhamente fria e


sufocante. As paredes pareciam encarar inquisitórias o moreno que socava o
travesseiro com violência, enfiava seu rosto contra ele e gritava abafando o
som. Ele nunca havia se odiado tanto antes. Estava no seu limite. Cansado,
magoado e assustado. Não entendia mais nada sobre como se sentia.
Estava à beira de um precipício. Felipe era um limite obscuro que ele
desconhecia e ansiava. Podia sentir o vento ricocheteando sua alma e
chamando-o para cair. Seus olhos estavam cobertos por uma névoa vermelha
de fúria e ansiedade fumegante. Estava rígido de ódio. Queria Felipe ali,
queria desobedecê-lo, irritá-lo, feri-lo. Queria ver agonia em seus olhos,
fazê-lo se sentir tão mal pelo que disse a ponto de fazê-lo implorar por ele.
Socou o travesseiro com violência de novo esbravejando:
— Filho da puta! Filho da... — ele rugiu tirando a camiseta com força.
Chutou toda roupa que vestia para fora de si. Estava excitado e latejando
contra a sua vontade.
Não conseguia parar de pensar no cheiro e no abraço quente do ruivo.
Pensava nele o segurando firme e insistente, o olhando preocupado mais
cedo como se soubesse que ele chamava por ele assustado naquele exato
segundo.
“Como ele ousa aparecer assim, do nada, me protegendo como se eu
fosse tão frágil e depois me enxotar como se eu fosse nada, falando aquilo?!
Como... Esse desgraçado ousa...?” pensava enquanto abria a porta de seu
pequeno guarda-roupa. Nela tinha um espelho que, naquela posição, refletia
a sua cama de solteiro encostada na parede.
Ele se jogou na cama se apreciando pelo reflexo, apoiado sobre os
joelhos agora. Felipe o viciara em espelhos. Passou as mãos pelo seu corpo
em seguida, agressivamente. As paredes continuavam densas, como olhos
assustadores o avisando para não fazer o que queria fazer.
— Foda-se. Espero que você saiba que eu te desobedeci. Espero que
saiba o quanto eu te odeio agora.
Gabriel se tocava arfando vendo-se muito bravo pelo reflexo, apoiou-se
de quatro apoios enterrando o rosto no colchão, os cabelos negros
espalhados nos lençois amarrotados. Imaginava Felipe o vendo ali, muito
rígido, escorrendo. Suando e gemendo, transtornado. O belo contorno do seu
corpo e de sua bunda perfeita empinada em um ângulo excitante o fez
estremecer.
Ele se tocava com velocidade com uma mão. Enfiou dois dedos da mão
livre em sua boca com violência pensando em como Felipe enfiava os dedos
longos dele até o fundo para que os chupasse, deslizando-os pela sua língua,
pelo limite de sua garganta e maxilar.
Gabe gemeu forte, as mãos deslizando pelo seu membro estimulando-o.
Redirecionou os dedos muito molhados, introduzindo-os devagar entre suas
nádegas, suas coxas tremeram muito com a cena que via.
O fantasma dos olhos de Felipe o assombrava e as muitas imagens que
ele imaginara durante as semanas que haviam passado em treinamento, os
sonhos e devaneios, o que ocorreu e o que nunca ocorreu de verdade se
misturavam em uma dança louca na sua mente.
A raiva o consumia como uma chama lambendo um papel indefeso,
destruindo-o. Ele rugia e gemia alto com seus próprios toques suando e
empurrando-se para seus dedos enquanto a outra mão o estimulava com
força.
Ele não conseguia chegar lá. Queria que aquilo acabasse logo.
Odiava-se. Odiava tudo e todos em seu acesso de fúria. O único prazer
que sentia era por saber que desobedecia a uma ordem expressa de Felipe. Se
fiava nela, agarrava-se sentindo o precipício o chamar assobiando
sombrio em uma lufada de vento quente.
Gabriel mordia o tecido do lençol sentindo a saliva escorrer pela sua
boca raivosa. Queria gritar. Sentia cheiro de café, de cigarros, sentia tudo.
Sentia medo.
Em um lapso, pôde ouvir a voz rouca e grave de Felipe rindo e, como
quem colhe uma rosa branca de desgosto, recebeu-a quente em suas mãos
cansadas e trêmulas. Caía. Caía sem parar no mais escuro e profundo
precipício.
Era o fim para sua batalha inútil. Riu de desespero sozinho enquanto as
paredes cochichavam entre si estarrecidas. Gabriel cometeu o pior erro de
sua vida: estava apaixonado por aquele homem.
CAPÍTULO VI
...

Durante o início da semana daquele extenuante treinamento, Felipe se


sentiu muito confuso com o cansaço que o invadia.
Há anos que sua rotina consistia em não conseguir dormir bem por
causa dos pesadelos perturbadores e imagens assustadoras do passado que o
corroía junto com a insônia. Portanto, sempre passava a madrugada
trabalhando em suas fotografias para o jornal ou nas suas fotos livres.
Porém, agora, até mesmo essa tarefa era árdua, e, de forma inédita, dormia a
noite toda pesadamente depois que deixava Gabriel em casa.
Não sabia se isso era bom, afinal, ao acordar, sentia que não havia
descansado nada. A sensação de abstinência se fundia com a exaustão que
não passava e pesava sobre seu peito como se o esmagasse ali, sendo que o
único momento em que não sentia aquilo era quando estava com Gabriel.
Naquela manhã, ele desbloqueou o celular e se deparou com uma
notificação inesperada: uma de suas fotos recentes havia recebido a curtida
de Gabe. Felipe deu um salto e, sentando-se em um só movimento,
confirmou que havia sido a primeira vez que seu submisso curtiu uma foto
sua. Clicou no seu perfil em seguida e vasculhou as fotos do moreno uma
por uma, lentamente, sentindo uma palpitação estranha.
Sorria vendo que Gabriel tinha muitas fotos com aquela expressão séria
e sensual de sempre, algumas normalmente mostrando o dedo do meio muito
bravo. Além disso, algumas fotografias dele em competições de karatê e
muitas outras com amigos que ele não conhecia além de Josh. O ruivo
palpitava enquanto ia e voltava nas fotos sem se dar conta do que acontecia
dentro de si.
Não conseguia parar de sorrir.
Felipe finalmente se levantou. O dia parecia preguiçoso e haveria de ser
longo já que estava de folga, mas, inconscientemente, reconfortava-se com o
fato de que iria se encontrar com seu submisso mais tarde. Então, só
precisava procurar o que fazer para não ceder ao impulso de ir atrás dele
imediatamente. Uma mensagem rotineira acendeu na tela do seu aparelho:

CARLA
“Thiago saiu em uma missão e eu ficaria muito mais segura se você
fosse com ele. Volte pra Ordem de uma vez, Felipe! Eu não aguento
mais lidar com o J. na cúpula!
COMO ESTÁ INDO COM O NOVO SUBMISSO?”

Felipe a ignorou completamente bloqueando a tela. Thiago era o amigo


em quem mais confiava no mundo e, de longe, o melhor no que fazia. Se
havia sido designado para uma missão, então estava certo de que voltaria são
e salvo, ainda mais sabendo que Carla o esperava. Tinha certeza, ainda, de
que não havia nada no mundo que seu amigo amasse mais do que a ela.
Antes, o amor e entrega de Thiago por Carla era algo que o ruivo nunca
conseguia compreender. Entendia, todavia, que aquele sentimento, caso
realmente existisse, era algo raro e único. Algo que não era para todos. Algo
que ele definitivamente não merecia. Ou seja, mesmo que Felipe e Carla
fossem parecidos em muitos aspectos desde a adolescência, comportando-se
sempre como irmãos, o ruivo sabia que, diferente dela, ele nunca poderia
amar e ser amado por alguém daquela forma.
No fundo, invejava-os. Secretamente tinha seus próprios sonhos e
devaneios, os quais sabia que nunca iriam se concretizar porque, ao mesmo
tempo, temia sentir aquilo que eles sentiam. Na realidade, era seu único e
maior medo. Felipe sabia que uma pessoa como ele não era boa para estar
nesse tipo de relacionamento, amar naquela proporção era algo inconcebível
então se resguardava.
Recebeu outra mensagem e a leu impacientemente.

CARLA
“Na última reunião aquele imbecil direcionou mais de 20% do valor
bruto para sua ala burocrática ignorando todo o resto que compõe a
Ordem, Felipe!
Você sabe o que isso significa. Precisamos de você!”

Ele suspirou desinteressado e bloqueou a tela novamente. Os negócios


da Ordem eram a última coisa que queria pensar. O que faria para passar o
tempo?
Tinha que ir ao supermercado comprar suprimentos para casa. Sim.
Vinha investigando os gostos de Gabriel sempre que o alimentava depois das
sessões de treinamento e queria garantir que tivesse tudo que precisasse para
ele ali.
Felipe corou um pouco com aquele pensamento bobo. Mesmo que
pudesse mandar alguém fazer as compras por ele, não queria ficar dentro
daquela casa sufocado, trabalhado ou imerso nos próprios pensamentos.
Além disso, receber mensagens de Carla sobre a Ordem também era
extenuante.
Estava decidido. Colocou um boné e uma jaqueta preta por cima da
blusa social de mesma cor em uma tentativa de passar despercebido como
uma sombra. Odiava que o encarassem em ambientes comuns. Odiava que o
encarrassem em qualquer lugar, afinal. Era divertido apenas quando estava
com seu submisso, pois, diferente do resto, ele parecia sempre regozijar-se
com sua companhia ímpar.
Partiu pelas vias movimentadas, aproveitando-se do horário de almoço.
Com sorte o supermercado estaria vazio e não ia precisar se preocupar com
nenhum olhar.
Felipe assoviava distraído ao entrar no supermercado e agora passeava
pelos corredores, ignorando as pessoas que o encaravam assustadas. Ele era
muito alto e todo de preto parecia ainda mais intimidador com aqueles olhos
cor de âmbar e o cabelo carmesim. Caminhou pegando o que precisava em
uma cesta, entediado: macarrão, queijos, molhos picantes, vinho. Apenas
coisas que, Felipe tinha certeza, faziam Gabriel morder o lábio e inflar as
bochechas corado toda vez que via que era o jantar.
Ele havia mapeado tudo. Inclusive passou a descartar todas as suas
alergias (perfeitamente detalhadas por seu metódico submisso no contrato)
das compras e da rotina. Sentia-se ocupado por ele, afogado nas suas
peculiaridades e na sensação que tinha quando estavam juntos. E, por mais
que tentasse se ater ao contrato, não lembrava de alguma vez ter sido tão
cuidadoso assim com alguém.
Estava enlouquecendo? Por que vivia pensando nele? Por que queria
prolongar os cuidados depois de cada sessão e conversar mais com ele toda
vez, cada vez mais? Ele bloqueou os pensamentos — uma prática antiga — e
travou o maxilar.
Deteve-se no longo corredor de cosméticos e, imediatamente, lembrou-
se do cheiro muito marcante do cabelo de Gabriel. Sentiu uma flecha de
determinação o atravessar e parou obstinado em frente ao longo corredor de
shampoos e condicionadores subindo as mangas da jaqueta, muito focado.
Era como se estivesse se preparando para fotografar ou para atirar.
Estava concentrando toda sua energia mapeando a lembrança do cheiro
preciso do cabelo do moreno, gravando as notas em sua mente. Começou
então, do extremo do corredor, abrindo as embalagens de todos os
shampoos, um por um. Sentia o cheiro fechando em seguida, negando com a
cabeça, e passava para o próximo com energia.
Uma menininha pequena e sua mãe passaram pelo corredor e ela
apontou para o ruivo rindo:
— Mamãe, ele é doido? — ela perguntou muito alto.
Felipe parou em um sobressalto e encarou a mãe da menina com os
olhos assustadores. Ela riu sem graça, apavorada, e puxou a menina com
força, saindo dali o mais rápido que podia. O ruivo cobriu o rosto com uma
mão, rindo repentinamente, muito corado com aquilo. “Talvez eu seja. Por
que eu simplesmente não pergunto para ele?” Felipe apertou os punhos e
continuou sua árdua missão sem hesitar: “Não”.
Prosseguiu sentindo o cheiro dos shampoos um por um. Rejeitava
alguns imediatamente, outros ele se dava ao direito da dúvida e os separava
para avaliar mais tarde em sua cesta. As pessoas passavam olhando-o
curiosas e assustadas, as senhorinhas que faziam compras o reprovando com
a cabeça enrugada.
Depois de varrer praticamente todo o corredor analisando os
vasilhames, finalmente encontrou o shampoo exato. Sorveu o cheiro
revirando os olhos e, com toda a certeza do mundo, havia achado o produto
certo. Óleo de coco e karité. Analisou a embalagem simples e riu baixinho,
muito bobo de si mesmo, seu coração disparava em um sapateado frenético.
Felipe finalmente olhou ao redor ao perceber que, agora, todos olhavam
para ele. “Que merda eu estou fazendo?” pensou assobiando divertido
enquanto pegava o shampoo e condicionador exatos e os colocava na sua
cesta. Cheirou-os novamente antes, para confirmar, e assentiu sem dúvida
alguma. “É esse, certeza”.
Seu celular vibrou quando ele já estava colocando as compras dentro do
carro. Ele suspirou preparado para xingar Carla pela perturbação irritante,
mas seu estômago parecia ter afundado em um gelo profundo quando
desbloqueou a tela e leu a nova mensagem. Não era Carla.
Em um lapso, o ruivo jogou todas as compras no porta-malas com
violência, batendo-o em seguida. Entrou no carro e já tirou a jaqueta e o
boné, suava nervoso enquanto seu corpo tremia pensando em Gabriel. Quase
podia ouvir a voz dele o chamando.
Puxou a marcha com força e arrancou, acelerando para a localização
indicada na mensagem. Sua mente sabia exatamente o que estava
acontecendo naquele lugar: uma mostra de fotografia. “O que esse cara está
pensando se expondo desse jeito?” pensou apertando o volante.
Não havia mais manhã ou início de tarde preguiçosa, apenas os
tremores em um misto de ansiedade e preocupação.

RYU
“O senhor pediu que avisasse caso o J. se aproximasse dele.
Eles estão juntos agora. Parecem conversar. Os homens dele estão
cercando o lugar com a mira no rapaz, então estamos com J. na mira
também. Quais as ordens?
LOCALIZAÇÃO EM TEMPO REAL”
CAPÍTULO VII

A manhã estava fria e chuvosa. Trovoadas cortavam o céu acinzentado


assombrosamente e o barulho das gotas violentas contra as janelas de vidro
chiavam e tamborilavam dentro do apartamento silencioso de Gabriel. Ele
não havia descido para o trabalho. Ligou para Talita pedindo que ela
cuidasse de tudo e avisou a Josh que não estava bem para ir hoje.
Preparou um café e ficou ali, vendo a chuva pela janela e os carros que
passavam pela rua rapidamente sobre as poças de água, espirrando ondas
contra a calçada. Estremeceu nauseado e bagunçou os cabelos checando o
próprio celular várias vezes. Havia reparado que, nessas quase três semanas,
ele e Felipe nunca trocaram seus números. Dependia sempre dos
movimentos do ruivo para entrar em contato com ele.
Agora, não queria e nem podia mandar mensagem para ele pelas redes
sociais do seu trabalho. Jogou o celular na cama com violência e cobriu o
rosto com as mãos. Ouvia as palavras dolorosas daquele homem martelando
em sua cabeça:
“Eu não sei o que você está fazendo aqui, mas não cruze a linha! Não
faça isso. Não se meta no meu trabalho e na minha vida pessoal.”
A adrenalina percorria suas veias ardendo muito. Gabriel concordava
mentalmente com aquelas palavras. Sabia que havia sido estúpido de ter ido
àquele lugar e sabia, inclusive, que isso pareceu ser uma tentativa boba de
aproximar-se dele para além do contrato puramente sexual.
Não estava mais tão consumido pela raiva como estava antes, mas
agora sentia-se muito envergonhado e assustado, arrependido do que havia
feito em seu surto de fúria. Sempre que lembrava daquele homem estranho e
elegante com quem conversara, tinha um calafrio de medo.
O comportamento de Felipe, tão repentino, aparecendo ali muito afoito
e desarrumado, extremamente preocupado, fazia tudo parecer muito
suspeito. Era como se o ruivo soubesse de algo, algo que Gabriel pressentia,
mas não entendia.
Afastou todos os pensamentos com raiva pensando que, na realidade,
era muito plausível que Felipe fosse à própria exposição e que tenha se
comportado daquela forma exatamente porque Gabriel estava muito nervoso
naquele momento.
Sim. Gabe assentiu convencido que era isso, tentando não pensar mais
naquela pessoa, mas a imagem desse homem elegante fumando o mesmo
cigarro que Felipe, insistia em aparecer como um flash perturbador.
Uma peça que não se encaixava. O símbolo da flor de lótus prateada
cintilando em sua memória.
Ele havia passado o dia ali, caminhando pela sua casa pequena,
limpando-a sem necessidade. Não queria sair porque tinha a sensação de que
Felipe podia aparecer a qualquer momento. “Eu sou um completo idiota”
pensou enquanto tomava banho depois da faxina. Estava começando a
anoitecer e a chuva não havia parado de cair. O dia estava realmente muito
nublado e não dava sinais de que cessaria tão cedo.
As ruas já estavam alagadas pela força da tempestade e ele pensou que
seria improvável Felipe aparecer, graças àquele clima. “Ou porque ele não
quer me ver, como ele mesmo disse” pensou sentindo uma dor lancinante.
Preocupou-se com Josh e seus funcionários, em como voltariam para
casa e só descansou depois de confirmar que todos tinham uma carona
segura para retornar. Pediu então que fechassem a academia mais cedo e
depois que desligou a chamada com o andar de baixo, seu telefone tocou de
imediato. Ele atendeu vendo que se tratava de um número desconhecido:
— Senhor Gabriel Almeida? — o homem do outro lado da linha
perguntou.
— Sim. Quem é?
— Meu nome é Fernando, sou do Hospital Central de Kilife. Seu
contato está como número de emergência da senhora Dalila Almeida e da
senhorita... — ele pausou como quem lê alguma coisa — Jessica Almeida.
São seus familiares?
Gabriel tremeu muito tenso.
— O que houve? Sim, são minha mãe e irmã.
— Elas estão bem, na medida do possível. A senhorita Jessica sofreu
um acidente de carro e já foi socorrida. Está estável e fora de risco, não
houve grandes complicações. — O homem fez uma pausa para que Gabriel
digerisse a informação. Ele engoliu em seco e prosseguiu: — creio que pela
idade e o estado de hipertensão, a senhora Dalila teve um princípio de
derrame por conta da notícia do acidente. Ela está internada. Estamos
entrando em contato com o senhor como responsável.
O moreno ficou muito nauseado e tenso com a notícia. Estremeceu
tropeçando algumas vezes e engoliu em seco antes de conseguir responder:
— Eu... eu estou indo aí agora. Vou demorar algumas horas para
chegar.
— Tudo bem, senhor. Elas estão estáveis, mas pedimos sua presença
em caso de complicações. Venha em segurança.
— Estou a caminho.
Gabriel desligou o telefone e rapidamente se vestiu. A chuva torrencial
chicoteava as janelas fechadas com jorros de água muito fortes.
Ele tremia muito preocupado. Mesmo que o homem tivesse tentado
tranquilizá-lo por telefone, sua irmã ter sofrido um acidente e sua mãe ter
sido internada por princípio de derrame, não era algo fácil de ser levado com
calma.
Gabriel colocou algumas roupas na mochila, sandálias, dinheiro e seus
documentos, arrumando-se de qualquer jeito em agonia. Calçou os sapatos e
fez um muxoxo vendo que seu celular agora estava descarregando por tê-lo
esquecido em cima da cama durante o dia todo, em negação.
O moreno desceu as escadas enferrujadas muito molhadas com
velocidade, fugindo da chuva, e entrou na academia chamando Josh da
recepção com as mãos urgentes. O loiro, que estava cansado tentando cuidar
da turma de karatê sozinho, correu até o amigo confuso, cruzando todos os
aparelhos de musculação e desviando das poucas pessoas que treinavam
naquele dia muito nublado.
— Ei! O que houve?
— Eu preciso viajar — Gabriel disse rápido. Ele se voltou para Talita
dizendo que avisasse ao máximo de pessoas possíveis que não deveriam
abrir no dia seguinte. Não sabia quanto tempo ficaria fora. Prosseguiu
voltando-se para Josh: — minha mãe e minha irmã. Elas estão no hospital.
— Que?! O que aconteceu com a tia Dali e com a Jessica?! — Josh
perguntou uma oitava acima do normal, muito preocupado.
— Minha irmã sofreu um acidente. Minha mãe teve um princípio de
derrame por causa disso — Gabriel disse e grunhiu. Estava pálido e suas
mãos tremiam. — Enfim, eu estou avisando porque talvez eu fique
incomunicável, meu celular está descarregando e eu tenho que ir agora.
— Espera, você vai de ônibus nessa chuva, Gabe?! — Josh retrucou
indignado.
— Sim! Estou indo! Tome cuidado ao voltar para casa. Cuidem de tudo
por aqui. Não abram amanhã e esperem eu dar notícias!
O moreno girou e saiu muito determinado, abrindo o guarda-chuva que
ficava de reserva dentro da academia. Ele arfava nervoso, preocupadíssimo
com sua mãe e irmã, e tentava não pensar em mais nada enquanto a chuva
batia contra seu corpo e ignorava por completo o utensílio que usava para
evitá-la.
Gabe precisava correr até o terminal, dependia do ônibus intermunicipal
que saía de meia em meia hora. Odiou-se por nunca ter tirado a carteira de
motorista, mas tinha suas razões. Seu irmão precisava do máximo de
investimento para conseguir estudar no exterior e ele não hesitou em
repassar todas suas economias para que ele realizasse seu sonho.
Agora ele sentia o jeans colando em suas pernas, seus tênis estavam
encharcados por pisar em poças. Seu corpo todo tremia e numa fração de
segundo teve seu pensamento invadido por Felipe. Ele poderia estar com
raiva dele, mas se quisesse teria encerrado o contrato usando a palavra de
segurança máxima que o anula: espresso, mas não a usou. Não é?
Ele pensava nisso tentando se confortar. Mas, mesmo assim,
considerando que o ruivo não apareceu o dia todo, possivelmente não estava
com a mente em seu submisso. Gabriel xingou baixinho e sentiu uma
melancolia estranha. Continuou correndo enquanto sentia as gotas geladas
cortando sua pele através de sua roupa. No fundo da sua mente, seu medo
irracional falava mais alto e agora desejava intensamente que aquele homem
estivesse com ele.
“Por favor, eu não quero ficar sozinho... Por favor...” pensou.

✽✽✽

Felipe andava de um lado para o outro em sua casa. Estava muito


preocupado e não parava de olhar pela janela pensando em Gabriel. As
palavras que ele mesmo disse no dia anterior ainda o cortavam como
lâminas, e não conseguia evitar pensar no olhar perdido e afundado em dor
de seu submisso ao ouvi-las. Odiava-se por ter dito aquilo. Queria afastá-lo
daquele seu mundo sombrio sem afastá-lo de si, mas não fazia ideia de
como.
“Se nem eu consigo me livrar disso... Talvez seja melhor que ele fique
longe de mim” pensou sentindo que, apesar de tudo, seria incapaz de afastá-
lo de verdade mesmo que tentasse. Carla falava ao telefone e mexia no
computador muito focada, sentada diante do balcão da cozinha. Ela o
encarou irritada, depois de desligar mais uma chamada.
— Para com essa merda, você está o dia todo nessa agonia! Se quer
tanto vê-lo, vai! Eu ainda não encontrei nada! — Carla disse revirando os
olhos. Seus lábios brilhando com gloss e seus olhos marcados com um
delineado anguloso que davam a ela uma expressão selvagem de uma raposa
astuta.
— Continua procurando. Se ele estava com seus homens mirando nele é
porque sabia que eu havia colocado meu pessoal para vigiá-lo. — Felipe
andava em inquietação, havia passado o dia todo trabalhando para mapear os
movimentos de Jonathan e sabia que aquele cara queria testá-lo.
— Não acho que ele sabia disso. Talvez ele tenha suposto que você
tivesse feito isso. Até agora nenhum dos meus informantes achou nada. O
último movimento que ele fez foi levar o pessoal de defesa dele ontem, mas
não parece ter solicitado nenhum pessoal da Ordem para mais nada além
disso — ela disse teclando e mexendo em arquivos com precisão. — Se ele
tivesse movimentado qualquer peça dele eu saberia. A questão é que ele
pode ter pessoal não registrado, que nem você.
— Não. Ele não age assim. Ele se acha bom demais para quebrar o
protocolo — Felipe disse esfregando o queixo, irritado. Sentiu que sua barba
estava por fazer e arranhava ao toque. — Ele teve acesso aos dados que você
me deu e isso que me preocupa. Agora que ele sabe quem é o Gabo,
provavelmente ele sabe sobre todos ao redor dele também.
Felipe engoliu preocupado. Sabia como Jonathan Castro, seu irmão,
funcionava: gostava de ter muitas cartas na manga. E era uma víbora. A pior
de todas, ao seu ver.
— Eu tenho certeza que não foram meus informantes que vazaram os
dados. Talvez ele tenha uma forma de invadir meu sistema e limpar seus
rastros. Esse desgraçado é muito bom com computadores — ela concluiu
afastando o longo rabo de cavalo e bateu as unhas nervosamente na bancada.
— A questão é, o que ele queria indo atrás dele. Quando ele teve acesso às
informações deveria ter visto que não era uma pessoa ligada à Ordem. Ele
deveria ter deduzido que era um submisso seu. Por que foi atrás dele, então?
O ruivo ficou em silêncio muito contrariado e a mulher sorriu
agressivamente, analisando-o afoito e encarando a esquadria da sala
ansiosamente. Ela prosseguiu:
— Hum, aliás… Onde seu submisso está agora?
— O nome dele é Gabriel — Felipe retrucou friamente. Ele se virou e
passou a servir-se de café no copo de vidro. Tomou-o devagar e voltou a fitar
a janela, aflito. — Com essa chuva eu espero que ele não invente de sair de
casa.
Carla o olhou muito divertida. Era saboroso para ela vê-lo tão
preocupado e entregue. Durante todos esses anos, nenhuma vez o viu
apaixonado por nada que não fosse sua sede por vingança e pelas suas
fotografias. Submissos sempre haviam sido, para seu amigo, peças de puro
divertimento nas quais ele descontava toda sua raiva e frustração.
Não o julgava. Conhecia-o muito bem desde que era adolescente e o viu
crescer como Draco assim como o viu cair também. Agora, queria reerguê-
lo. Fazê-lo crer que era mais do que acreditava que tinha se tornado em seu
tormento. A morena sorriu muito satisfeita cruzando as pernas na cadeira.
— Olhando você assim e sabendo que tem só transado com ele, até
parece que está apaixonado — Carla cantarolou o olhando incisiva.
Felipe virou o rosto escondendo-o, estava quente e rubro:
— Não seja boba — ele disse rudemente.
— Bom, talvez seja isso que o Jonathan acha. Você sabe que ele adora
implicar com você e não te quer de volta na Ordem. — Ela cruzou os braços
sob os seios fartos fazendo uma expressão pensativa forçada. Felipe a olhou,
os olhos dourados muito sombrios. — Talvez ele queira testar se dessa vez é
algo sério, já que você acabou chamando atenção na Ordem por causa de um
submisso depois de ter sumido. Talvez ele queira garantir que você não faça
nada através da Ordem mais, assustando o garoto.
Felipe suspirou cansado. Ela acertou em cheio.
— Sim, eu não tenho dúvida que foi isso. Aquilo foi um teste. E eu
perdi — Felipe falou friamente. — O Jonathan adora tomar o que é meu. Ele
queria ver se eu me movimentaria para proteger o Gabo.
— E você caiu que nem um amador. — Carla sorriu com os dentes
muito brancos. Parecia muito demoníaca, se divertindo às custas de Felipe.
Queria que ele admitisse. — Admita de uma vez, Felipe. Você gosta dele.
Silêncio. O ruivo vacilou o olhar e deu de ombros:
— É claro que eu gosto dele. Eu não teria um submisso que não gosto.
— Não desse jeito. Você gosta, gosta, dele! Admita! Está o dia todo
preocupado com ele aqui trabalhando duro para que seu irmão não se
aproxime dele. — Carla olhou as unhas e lambeu os lábios. — Se fosse
qualquer outro submisso você teria acabado o contrato na hora, como já fez
várias vezes antes.
— Já disse pra não falar idiotice. É só um contrato. Ele é minha
responsabilidade, como qualquer outro submisso — Felipe concluiu
seguindo para seu quarto e vestiu uma camiseta limpa qualquer, preparando-
se para sair. Seu corpo tremia preocupado em como Gabriel estava e não
aguentaria mais nem um segundo longe dele.
Carla fechou o notebook despreocupada. Ela deu de ombros fitando a
paisagem escura e chuvosa do lado de fora. Já estivera naquela mesma
posição de negação que Felipe antes. Olhou atentamente para a aliança
dourada em sua mão esquerda e tremeu pensando em onde o seu submisso
estaria agora, se estaria seguro.
— O Thiago ainda não voltou — ela falou quase em um sussurro,
apertando as mãos. As longas unhas negras furando sua palma gélida. — Eu
odeio quando ele sai em missões longas.
— O Aurora é um atirador de elite púrpura. Ele sabe se defender —
Felipe falou alto de dentro do quarto. — Continue monitorando os
movimentos daquele desgraçado. Eu estou indo falar com Gabriel.
Carla fez um som de desaprovação.
— Você não acha que já chamou atenção demais para o Gabriel, Felipe?
Talvez seja melhor deixar o Jonathan pensar que você encerrou o contrato.
Assim quem sabe ele deixa pra lá...
Felipe hesitou segurando a jaqueta de couro. Querendo ou não a amiga
tinha razão. A melhor coisa a se fazer naquele momento era manter uma
distância segura de Gabe, evitando assim a curiosidade maliciosa de seu
irmão. Ele se sentou com violência no sofá cobrindo o próprio rosto.
Estava há mais de duas semanas sem transar com o moreno, apenas
treinando-o, e simplesmente não conseguia se tocar. Queria ele. Precisava
dele. Seu corpo todo tremeu pensando que talvez o tivesse magoado a ponto
de ele não querer mais continuar com aquele contrato. Felipe pressionou o
rosto pensando no que faria se Gabriel acabasse com o seu acordo e seu
coração afundou em desespero.
— Talvez seja melhor mesmo... — ele concluiu em uma voz muito
tensa.
Repentinamente, o telefone do ruivo tocou insistente sobre a mesinha
de centro à sua frente. Ele o atendeu sem vontade:
— Fala, Ryu.
— Ele saiu.
— O quê?! — Felipe levantou a cabeça rapidamente olhando pela
janela. Estava muito escuro e ainda chovia com violência. Trovoadas
cortavam o céu em um clarão seguido de múltiplos estrondos
ensurdecedores.
— Foi muito rápido, nós o vimos sair na chuva... Esse cara corre muito
rápido. Parece que estão fechando a academia agora. — Ryu explicou.
— Eu estou indo aí agora.
Felipe levantou-se em um salto, vestindo a jaqueta com força, e
desligou a chamada sem se despedir. Pegou a chave do carro de cima da
bancada sendo fuzilado pelo olhar da amiga.
— Aonde você vai?! O que aconteceu? — Carla perguntou assustada
com a expressão tensa do amigo. Em um salto ela o segurou impedindo-o de
sair da casa.
— Ele saiu! Nesse temporal!
— Calma! Para onde? Calma! — Carla o empurrou com toda sua força
bloqueando a passagem. — Pelo amor de Deus, se controla Felipe! Pensa!
Você passou a merda da vida toda sendo treinado pela Ordem para ser
impulsivo por causa desse cara!? Pensa! Descubra onde ele foi primeiro,
porra!
Felipe grunhiu com raiva. Carla estava sendo mais sensata que ele e
isso o fazia sentir-se completamente invadido e frágil. Seu corpo estremeceu
e ele suspirou exasperado, puxando o celular. Tinha o número de Gabriel
mesmo sem ter o pedido — os privilégios do sistema do submundo que era a
Ordem.
Ele discou, mas a chamada não concluiu: a voz robotizada do outro
lado da linha falava que aquele número estava fora de área ou desligado. O
ruivo xingou e olhou o número de Josh que conseguira da mesma forma.
Sabia que se ligasse levantaria mais suspeitas ainda sobre as informações
vindas do submundo e isso o deixou extremamente envergonhado. Sentia-se
um stalker mesmo que não fosse um.
Pensou um pouco mais. Era muito mais aceitável ter o número da
academia que se matriculou. Sim, era isso. Ele discou tensamente.
— Alô? — Talita atendeu do outro lado da linha. Felipe a ouviu
inquieto.
— O Gabriel está aí? — ele perguntou friamente sabendo a resposta.
— Ah, não... Ele saiu há algum tempo. Se é algo sobre a academia, não
vamos abrir amanhã.
— Não vão abrir... — Felipe ecoou monótono e apreensivo. — O Josh.
Ele está?
— Hã... — A moça hesitou. — É sobre as turmas de karatê?
— Diga a ele que o Felipe quer falar com ele.
O ruivo ouviu a voz da moça falando tensamente do outro lado da linha.
Parecia que ela havia abafado o microfone. Felipe ouviu um barulho e
finalmente Josh atendeu:
— O que você quer? — Josh falou muito rude.
— Onde ele está?
— Você é maluco?! Eu não sei que merda você disse para o meu amigo,
mas ele estava muito mal ontem! Não desceu o dia todo hoje para trabalhar!
Felipe suspirou tenso.
— Onde ele está, Josh? Eu e ele precisamos conversar.
O loiro hesitou. Ele percebeu que Felipe parecia muito nervoso.
— Ele não está aqui, você vai ter que se resolver com ele quando voltar.
Ele viajou. Aconteceu um acidente com a irmã e a mãe dele. Parece que elas
estão internadas. Ele foi que nem um imbecil debaixo desse temporal atrás
delas.
O ruivo apertou os punhos, incrédulo, um tremor agourento
percorrendo sua espinha. “Internadas… Então estão em um hospital. Droga.”
pensou preocupado.
— Onde? Me diz o lugar.
Silêncio. O loiro parecia ponderar antes de finalmente responder.
— Hospital Central de Kilife. Demora umas 3 horas de ônibus para
chegar lá...
— Eu sei onde fica. Obrigado — Felipe disse friamente pronto para
desligar.
— Espera! Felipe! — Josh disse com velocidade, fazendo o ruivo
atentar ao telefone. O loiro suspirou muito cansado do outro lado da linha e
emitiu um som de desgosto. — Eu não sei se você vai atrás dele, mas... O
Gabe fica muito fragilizado quando se trata da família dele. Ele sempre tem
que resolver tudo para eles e isso sempre o deixa muito mal. Por favor, não o
machuque mais ainda, ok?
— Vai ficar tudo bem — Felipe prometeu, lembrando-se da expressão
dolorosa de Gabriel quando conversaram sobre sua família. A voz
melancólica e o olhar muito triste que ele assumira. O ruivo desligou sem
falar nada mais.
O ruivo se virou, ignorando Carla, e entrou no quarto rapidamente.
Pegou uma mochila e montou uma pequena mala com utensílios necessários:
roupas, toalha, produtos de higiene. Ele tentava enumerar coisas que
precisaria em uma viagem breve e suspirou recapitulando se havia pegado
tudo que precisava. Seus sentimentos eram uma mescla de preocupação e
arrependimento.
Enquanto ele andava pelo aposento arrumando sua bagagem, pensava
em como Gabriel estaria se sentindo sozinho viajando no meio de um
temporal, magoado. Magoado por causa dele. Preocupado com seus
familiares.
Ele sabia como era carregar o peso de se sentir responsável por algo
que não suportava totalmente, a cobrança e o cansaço que isso provocava a
ponto de querer fugir. Fugir e não dar mais notícias. Carla o olhava de braços
cruzados à porta.
— Já sabe onde ele está? — ela disse impaciente.
— Sim. No território dos Barbosa, em Kilife.
— O quê? Por quê?
— A mãe dele mora lá. Parece que aconteceu algo com ela e com a
irmã. Elas estão no hospital.
— No hospital? Espera! Você não acha que o Jonathan tem a ver com
isso, acha?
— Improvável. Deve ter sido coincidência. Ele não pode agir ou entrar
nesse território. — Felipe parou um pouco processando as possibilidades
— Nem você! Você não vai atrás dele, vai? — Carla estava
completamente estarrecida. Não esperava uma atitude dessa. Felipe estava
completamente fora do controle. — O que esse cara fez com você?! Eu não
posso permitir que você saia atrás dele invadindo um território inimigo,
Felipe!
Felipe se aproximou dela friamente, seus olhos estavam sérios e
suplicantes. Brilhavam de um jeito que a morena nunca jamais havia visto.
Mesmo que ela tentasse, sabia que não poderia impedir o amigo de fazer o
que ele intentava porque reconhecia exatamente o que aquele olhar
significava. Ela negou com a cabeça antes mesmo que ele começasse a falar,
muito preocupada.
— Eu preciso ir — Felipe começou calmamente — não posso deixá-lo
sozinho... De novo. Eu sei que ele precisa de mim. Eu sei que precisa.
A morena bufou negando com a cabeça.
— Não! Se fizer isso, você definitivamente vai chamar atenção não só
da Ordem, Felipe... Pensa! — Carla exclamou em um tom agudo.
— Carla... — Ele a olhou trêmulo, seus olhos piscavam lentamente com
a dificuldade que tinha em pronunciar aquelas palavras. — Ele precisa de
mim. Eu... Preciso... Dele.
A mulher recuou, atônita. Mesmo que tivesse passado o dia
provocando-o, não esperava aquele tipo de frase vinda de Felipe. Ela riu sem
graça saindo no caminho. Apoiou-se na bancada vendo-o se calçando de
qualquer jeito, a mochila nas costas e um olhar obstinado por trás da franja
ruiva bagunçada. Mais do que nunca sabia como ele se sentia. Seus olhos
verdes se voltaram novamente para sua aliança dourada e estremeceu
pensando em Thiago.
— Você vai comprar uma briga que não pode vencer se entrar no
território deles, a Tríade não vai deixar isso passar batido. Você sabe disso,
não é? Vai fazer isso por ele mesmo assim?
— Sim — Felipe disse indiferente mesmo sendo açoitado por um
tremor intenso.
— Sabe que vai estar metendo Gabriel nisso também... Não é? Você
acha que ele aguenta isso? Que quer isso?
Felipe hesitou. Olhou fixamente para Carla preparado para partir.
— Eu não sei... Mas não vou deixar que nada aconteça com ele.
Carla suspirou sem acreditar no que estava ouvindo, a voz do amigo
estava destemida e muito determinada. Não era o Felipe que conhecia. Em
essência tinha a mesma frieza e avidez de sempre, mas quando se tratava do
moreno com quem tinha o contrato ele se tornava estranhamente impulsivo e
passional. Parecia muito tenso. Ela assentiu entendendo que não tinha opção.
— Vou monitorar o Jonathan enquanto você estiver fora e criar um
plano de negociação caso os Barbosa cobrem explicações, eles
provavelmente vão perceber bem rápido que você está no território deles.
Esses desgraçados têm olhos por todo lugar. É bom você estar preparado —
Carla disse prontamente
Felipe agradeceu com a cabeça, abrindo a porta em silêncio. A chuva
do lado de fora balançava as árvores e formava uma cortina que impedia a
visão. O chiado muito barulhento das gotas contra o chão fazia o ambiente
parecer amortecido e muito úmido.
— Felipe! — Carla o chamou e ele parou virando o rosto um pouco,
sem olhá-la de frente. Ela hesitou. — Não minta para mim e, principalmente,
não minta para você. Ele não é só um contrato, não é?
Silêncio.
— Não é como se eu merecesse algo além de um contrato, Carla.
Ele olhou para a chuva com os olhos distantes e destravou o carro com
o controle ignorando o grunhido de raiva dela.
— Não chame atenção e dirija com cuidado — a morena disse
fracamente, vendo-o sair em direção ao carro.
O ruivo jogou a mochila no banco do carona, abriu o portão da garagem
com o controle e dirigiu para fora na chuva torrencial. Sua mente estava
focada em Gabriel e apenas nele. Suportaria qualquer consequência que
aparecesse pela sua intemperança, aceitaria até perdê-lo, mas não poderia
deixá-lo sozinho suportando aquele peso.
Havia passado a noite toda batalhando com o arrependimento do que
havia dito e a sensação de lisonja e acanhamento que o invadia por saber que
ele havia ido àquele lugar apenas para ver suas fotografias. Mesmo que o
moreno negasse, Felipe sabia que essa era a razão dele ter ido ali. Não era
sua culpa que seu irmão obcecado por poder tenha se intrometido.
Por mais que não admitisse, também sabia que Gabe era mais para ele
do que dizia. Sentia isso. Mas sempre que isso tomava uma proporção muito
grande dentro de si, ele afastava os pensamentos aprisionando-os,
reprimindo-os. “Eu não mereço sentimentos nobres. Mesmo que ele sentisse
o mesmo por mim eu não o mereceria” pensava sentindo seu coração
ardendo com a ideia daquele homem, mesmo em seus sonhos, sentir o que
sentia por ele de forma recíproca.
Era desleal. Felipe sabia que não era capaz de estar nesse tipo de
situação, não podia carregar outra pessoa para dentro do seu inferno. Não
poderia lidar com seus demônios, fragilizado, mais do que já estava, por
causa de sentimentos. Ele respirava pesado enquanto dirigia, os olhos atentos
na pista enevoada pela chuva densa.
Felipe tinha um pressentimento melancólico de que assim que Gabriel
soubesse quem ele era, o que para ele parecia cada vez mais inevitável por
ser egoísta demais para afastá-lo, com certeza o deixaria. O odiaria e o
evitaria para sempre, sentindo repulsa ao descobrir sobre seu passado e as
coisas que fez, sobre quem ele realmente era. Acelerou um pouco mais,
inconscientemente, tremendo com medo disso acontecer.
Mesmo que isso pudesse ocorrer a qualquer momento a partir dali,
Felipe desejava aproveitar cada segundo ao lado de seu submisso antes que
vivenciasse aquilo. Queria cheirá-lo e beijá-lo quantas vezes o seu egoísmo
demandasse. Ansiava por vê-lo passeando distraído pela sua casa e
dormindo muito exausto em sua cama, ouvi-lo falar sobre suas fotografias
tão apaixonadamente. Apreciá-lo dançando com seu corpo e alma, tomar o
seu café saboroso, ouvir sobre suas dores e medos, senti-lo se contraindo
tenso enquanto gozava com seu toque bruto e descomedido…
“É muito cedo. Eu faço qualquer coisa... Fique mais um pouco. Eu
imploro”. Seu coração batia muito forte e ele bufou lembrando-se das
palavras de Carla:
“O que esse cara fez com você?”
Felipe sorriu fracamente, quase podia ver a face cerrada de Gabriel
sorrindo timidamente e ouvir sua voz irritada falando malcriações, sentia o
cheiro dele em todo lugar ocupando-o.
“Eu não sei. O que você fez comigo, Gabo?” pensou enquanto dirigia
por dentro da tempestade, apertando o volante intensamente.

✽✽✽
As ruas estavam alagadas ali também. O céu escuro formava uma
atmosfera assustadora e densa enquanto o vento frio ricocheteava contra as
folhas das árvores, e as gotas violentas da chuva caiam sem parar.
Pouquíssimos carros e pessoas circulavam nas ruas por conta do clima e
Gabriel xingava mentalmente. Estava completamente desconfortável,
encharcado e exaurido.
Odiava viajar de ônibus enquanto chovia porque sempre ficava em pé
durante horas no meio de uma multidão e, como agravante, estava muito
molhado e pegajoso pensando que quase todas as roupas que ele trouxe
como reserva em sua mochila também estavam inutilizadas por hora.
A chuva estava muito forte e molhou todo seu tecido penetrando-o e se
espalhando pelo conteúdo de sua bolsa. Ele fez um muxoxo enquanto fazia
sinal para um táxi. Nenhum parava. Todos ocupados.
— Que inferno! — ele exclamou chutando a água.
Nunca desejou tanto um abraço na vida. Necessariamente de alguém
em específico. Sentia-se desolado, estressado e decidiu ir andando na chuva
mesmo. O hospital onde sua mãe e irmã estavam não era muito longe dali,
afinal.
Agora seu corpo tremia por causa do frio enquanto ele tentava manter-
se aquecido, andando rapidamente. Sentia que seu guarda-chuva era uma
peça completamente inútil naquele momento, que mais o atrapalhava na
batalha contra o vento do que o ajudava a proteger-se.
Ele o fechou e disparou correndo na chuva, torcendo para que chegasse
o mais rápido possível, mas ainda passou quase meia hora naquela jornada
parando várias vezes embaixo de qualquer toldo ou marquise que
encontrasse.
Avistou o enorme hospital e entrou pelo hall muito iluminado pingando
muito, seus cabelos negros estavam desordenados e grudados em seu rosto.
Parecia que tinha mergulhado em uma piscina com toda sua roupa e havia
entrado ali logo em seguida. Todos o olhavam confusos.
Gabe foi até a recepção arfando muito, no seu limite.
— A minha mãe e irmã... — ele tentou dizer sem fôlego. A mulher da
recepção o olhava alarmada. — Minha mãe e irmã estão internadas. Eu sou o
responsável por elas.
— Qual o nome delas, senhor? — a moça perguntou lentamente.
— Dalila e Jessica Almeida — Gabriel disse apoiando o rosto no
balcão, ele ardia por causa da falta de ar que tentava controlar aos poucos.
A recepcionista digitou os nomes no computador diante de si e assentiu:
— Sim, elas estão aqui. Mas o senhor não vai poder subir desse jeito.
Gabriel a olhou intensamente. Seus olhos assumiram um modo
assustador, cobertos por uma névoa rubra de fúria.
— Como é?!
— Sinto muito senhor, mas não podemos permitir que o senhor entre na
enfermaria molhado desse jeito é perigoso e contra-
— Não me interessa, porra! Eu vim em um ônibus lotado, em pé por
quatro horas! Eu vim correndo da merda da rodoviária até aqui! Eu quero
ver a minha mãe! — Gabriel gritou muito alto chamando a atenção de todos
na recepção. Ele bateu no balcão com força e a moça recuou, assustada.
— Senhor, eu sinto muito! Talvez no máximo possamos lhe oferecer
uma toalha, mas... O senhor precisa se acalmar.
— ME ACALMAR É O CARALHO!
Gabriel gritava muito alto, tremendo de frio, seus lábios assumindo uma
cor arroxeada. Repentinamente, sentiu um puxão para trás e braços grandes
o envolveram. Ele arfou, completamente assustado com o que sentia, e então
ouviu, incrédulo, a voz conhecida muito grave e séria:
— Está tudo bem, obrigado. Ele vai se recompor e já volta — Felipe
disse friamente, fitando a mulher que o olhava tão chocada quanto o moreno.
Ele deslizou os olhos dourados para Gabriel, que o encarava boquiaberto, e
analisou todo seu rosto como se quisesse memorizar cada detalhe.
Felipe segurou Gabriel pela mão, em seguida, entrelaçando seus dedos
com força nos dele, o puxou firmemente, arrastando-o em direção ao
estacionamento do hospital. O moreno tremia por conta do frio e o maior
estagnou violentamente tirando sua jaqueta e jogando-a sobre os ombros do
rapaz.
— Vamos — o ruivo disse sem esperar uma resposta.
Prosseguiram. Gabe estremeceu sentindo o cheiro e o calor da peça que
agora o envolvia, esforçando-se para não chorar. Abaixou a cabeça se
escondendo por trás de seus cabelos encharcados. O homem o segurou de
novo mais intensamente levando-o em direção ao seu carro que estava recém
estacionado, ignorando todos no caminho.
O estacionamento era em uma área ampla e coberta na lateral do
hospital. Estava deserto ali, com poucos carros, o barulho da chuva do lado
de fora fazendo chiado perturbador.
O ruivo tirou a mochila alheia e jogou-a no chão. Em seguida, encostou
Gabriel contra o carro como um boneco de tecido, seus braços pendurados e
moles ao lado de seu corpo úmido, e abriu a porta do banco do passageiro
retirando uma toalha de sua mochila. Sacou a jaqueta de cima do moreno
jogando-a dentro do carro e começou a secá-lo.
— O que você está fazendo aqui? — Gabe quebrou o silêncio
perguntando com a voz rouca. Felipe hesitou sentindo as notas de tristeza
que permeavam o tom de voz alheio.
— Cláusula 15.1 dos deveres do dominador — Felipe disse friamente e
Gabriel riu com desgosto, lembrando-se imediatamente. Havia decorado
aquele contrato.
— “O dominador deve priorizar em todo momento a saúde e a
segurança do Submisso.” — Gabe disse mecanicamente sentindo-se doente
com aquilo.
Felipe não veio por ele, mas sim porque tinham um documento
assinado que o obrigava a cuidar dele. Ele estremeceu sentindo aquele
homem tirar sua jaqueta xadrez e camiseta encharcada e secá-lo como um
bebê. A brisa fria rodeando sua pele desnuda arrepiada e molhada.
— Você não podia ter tentado entrar em contato comigo, não é? Pedir
minha ajuda. Tinha que se meter em uma tempestade sozinho... — Felipe
resmungou enquanto enxugava os cabelos de Gabriel. O moreno o empurrou
com violência ao ouvir isso e sempre que o outro tentava tocá-lo de novo
recebia outro empurrão. — Para com isso eu estou tentando te enxugar!
— PARA COM ISSO VOCÊ! — Gabe gritou, sua voz ecoava pelo
estacionamento vazio. Apenas eles estavam ali. Permanecia de cabeça baixa,
a toalha cobrindo seu rosto. — Por que você tem que ser tão cruel, Felipe?!
Eu sei que nem tudo gira ao meu redor! Eu sei! Eu sei que eu sou só um
contrato para você! Eu sei que não devo me meter na sua vida! Mas por que
você tem que vir aqui só para ser rude comigo?!
Gabriel o olhou com os olhos marejados, seu rosto estava muito
vermelho e tenso. Estava muito perto de ultrapassar seu limite de cansaço e
dor. Ele cobriu o rosto sentindo muito frio. Felipe o observava insondável.
Seus olhos eram como muralhas intransponíveis e o moreno não fazia ideia
do que ele estava pensando ou sentindo.
— Por que você tem que ser tão cruel comigo?! Eu não tenho tempo
para lidar com isso agora. Eu não tenho tempo para esse jogo agora. Elas
precisam de mim, elas precisam de mim! Eu preciso estar bem por elas...
Latte. Latte — Gabriel resmungou suplicante e muito choroso limpando as
lágrimas que escorriam de seus olhos sem sua permissão. Suas mãos
tremiam muito.
Tentava subjugar tudo que sentia em um conflito intenso. Aquele
homem estar ali atrapalhava toda sua concentração e ao mesmo tempo era
exatamente tudo que ele mais queria. Felipe tremeu quando ouviu o menor
usar a palavra de segurança que indicava que estava próximo do seu limite
de resistência.
Gabriel sentiu seus joelhos fraquejarem quando Felipe o apertou em um
abraço firme. O cheiro amadeirado de cedro e cravo que vinham do ruivo
invadindo-o. Ele estava muito quente e o envolvia por completo, arfando.
O moreno conseguia ouvir o coração daquele homem batendo muito
alto e forte contra si e apertou a blusa dele, empurrando-o sem forças, apenas
para senti-lo puxá-lo com mais força para aquele abraço, impedindo-o de
fugir. Ele gemeu e o maior o empurrou mais contra o carro com seu corpo.
— Me solta — Gabriel murmurou fracamente. Tentava manter a
expressão brava em seu rosto enquanto apertava a blusa de Felipe o puxando
para mais perto.
O ruivo respirava pesado, deslizando uma das mãos pela cintura nua de
Gabe, enquanto a outra o segurava pelo pescoço. Ele o puxou em um beijo
muito quente e ansioso ocupando a boca do moreno com sua língua. Gabriel
gemeu como em um miado de prazer, abraçando-o e puxando-o mais para si.
Felipe também gemeu em agonia, fazendo suas pernas tremerem muito.
Os dois se beijavam intensamente enquanto a chuva castigava o solo do
lado de fora, estava frio e estranhamente escuro ali. O maior deslizou o rosto
pelo de seu submisso arranhando-o com barba por fazer, o membro alheio
respondendo imediatamente àquele estímulo, assim como todo seu corpo.
Felipe parou os lábios em seu ouvido e sussurrou muito baixo:
— Eu sinto muito, gatinho — implorou docemente, envolvendo-o com
todo seu corpo. Suas mãos acariciando-o muito com os dedos longos. Ele
segurou o rosto do rapaz com as duas mãos quentes o olhando nos olhos
muito perto. — Eu realmente sinto muito. Eu não deveria ter sido... Tão duro
com você.
Gabriel estremeceu e fez um som contrariado tentando fugir daquele
olhar intenso, mas foi segurado firme e beijado mais uma vez brevemente.
Inevitavelmente, o menor gemeu de novo, muito excitado e satisfeito.
Recompunha-se do acesso de choro e nervoso anterior lentamente.
O ruivo se deu conta de que o menor estava seminu e muito molhado e
xingou mentalmente pela sua irresponsabilidade. Largou-o em um instante e
abriu sua mochila tirando de lá a primeira camiseta que viu e a jaqueta de
couro, a qual jogou sobre seu próprio ombro. Vestiu-o cuidadosamente com
as duas peças em seguida.
Felipe o apreciou usando sua camiseta favorita e sua jaqueta sem
conseguir evitar uma expressão boba. O menor o encarava timidamente com
uma expressão muito brava, o cabelo malmente enxuto muito bagunçado ao
redor de seu rosto vermelho.
— Vamos, entra no carro e tira essa calça. Agora — Felipe mandou em
um sussurro, apontando para o carro.
— Você é mandão pra caralho — Gabriel reclamou e abriu a porta dos
bancos de trás. Felipe riu rouco, fazendo o moreno sentir um arrepio muito
bom.
Ele se sentou no banco com as pernas para fora do carro e Felipe
permaneceu de pé o observando atentamente, apoiando seu braço na porta
aberta. Gabriel tirou os tênis e lançou-os no chão do carro, abriu o fecho e o
zíper de sua calça e olhou provocativo para Felipe em seguida. Sem quebrar
o contato visual, Gabe se lançou para trás lentamente, deitando-se no banco,
e puxou a calça levantando as pernas de maneira muito sensual.
O ruivo arfou lambendo os lábios, a calça molhada deslizava pelas
pernas fortes e a cueca box preta marcava o contorno da bunda do moreno
em um ângulo incrível. O menor desfez-se da peça no chão do carro e se
apoiou nos cotovelos, uma das suas pernas dobrada no banco e a outra
esticada levemente aberta. Felipe cobriu os lábios com uma mão, contendo a
lascívia, enquanto o moreno o encarava com a respiração pesada.
— E então? — Gabriel disse fracamente e o outro considerou se deveria
transar com ele ali mesmo. O ruivo apertava com muita força a porta do
carro vendo a ereção de Gabriel dentro da cueca. O moreno sorriu um pouco
percebendo que sua pergunta havia soado ambígua. — Digo, o que eu vou
vestir agora, Felipe?
O homem recobrou a consciência e puxou o ar com força para fugir
daquela visão linda e hipnotizante. Ver aquele homem usando sua camiseta
favorita e sua jaqueta, apenas de cueca deitado no banco de trás do seu carro
com as pernas tão convidativamente abertas o atingiu como um raio. Ele se
afastou e passou a vasculhar suas calças.
— Não vão caber. Vê se tem alguma coisa seca na minha mochila —
Gabe disse prevendo que aquela busca era inútil e se deitou abraçando seu
corpo com aquela jaqueta quente. Queria dormir.
Ouvia Felipe se movimentar do lado de fora enquanto, dali, considerava
se deveria desculpá-lo. Ele sorriu bobo confirmando que já o havia perdoado
só de ouvir sua voz quando ele o abraçou no salão principal. Sentiu-se um
idiota. “Ele mesmo disse que veio aqui só porque isso é a obrigação dele
pelo contrato, não se iluda”.
O maior parou do lado de fora e jogou a calça de Gabriel sobre seu
corpo fazendo-o ter um sobressalto e olhar muito bravo para o ruivo. Ele se
vestiu sentindo que a peça estava um pouco úmida mas não totalmente
encharcada.
— Você não me respondeu — Felipe começou fracamente do lado de
fora, jogando as sandálias de Gabriel no chão para que ele calçasse. Fechou
a mochila dele e guardou-a no chão do banco da frente, fechando a porta em
seguida.
Gabriel saiu do carro e bateu a porta também, estava mais aquecido
agora:
— Não respondi o quê? — ele disse distraído, arrumando a blusa larga
em seu corpo e calçando as sandálias. Sentiu a aproximação de Felipe que o
envolveu em outro abraço quente e o abraçou de volta sem resistir,
enterrando o rosto em seu largo peitoral. Sorveu ao máximo o cheiro,
miando gostoso. Felipe sorriu satisfeito com aquele som.
— Eu quero saber se você me perdoa, Gabo.
Felipe segurou o rosto de Gabriel com as mãos novamente. O moreno
não o largou do abraço, cerrou suas sobrancelhas rudemente e fez um bico
bravo que causou um sorriso alheio involuntário. “Ele é tão fofo” o maior
pensou, sentindo o cheiro de óleo de coco de seus cabelos o invadir por
completo, um cheiro doce e suave como ele.
— Vai se foder — Gabriel falou muito bravo enfiando o rosto
envergonhado no peito do outro. — Eu sei que eu cruzei a linha. Se você não
quer que eu veja suas fotografias, que seja. Dane-se. Mas se me tratar assim
de novo eu vou te quebrar, não me interessa se temos um contrato. Apenas...
Não seja cruel comigo.
Felipe suspirou aliviado, abraçando-o e negando lentamente com os
olhos fechados. Não queria soltá-lo nunca. Não conseguia evitá-lo mesmo
que estivesse quebrando não só todas as suas regras de relacionamento com
submissos mas, todas as regras da sua vida. Não queria evitá-lo.
“O que você fez comigo, gatinho?” pensou novamente enquanto beijava
o topo de sua cabeça. Gabriel estremeceu sentindo aquele toque e enterrou o
rosto ainda mais em seu peito, apertando-o. Não entendia até que ponto
aquilo fazia parte do jogo sexual que era aquele contrato ou até onde era
realmente sincero. Não queria descobrir agora.
Silêncio.
— A sua mãe e sua irmã. Como elas estão? — Felipe perguntou
finalmente.
Gabriel o largou em um sobressalto, lembrando-se imediatamente onde
estava e o que estava fazendo ali. Ele fechou os punhos sentindo-se patético
e grunhiu muito bravo.
— Merda! Elas precisam de mim! Vamos! — ele disse saindo com
velocidade. O outro sorriu divertido.
Felipe o encarava usando a sua jaqueta enquanto se afastava, o cabelo
negro bagunçado como um verdadeiro astro do rock. Seu coração batia
muito rápido dentro do peito, sentindo-se sublime e ridiculamente egoísta.
“Se você ao menos soubesse o risco que corre estando comigo” pensou,
sofrendo muito.
O moreno estagnou encarando-o com aqueles olhos felinos, o cenho
cerrado realçando a força da sua feição agressiva. Parecia questionar por que
ele permanecia parado. Felipe arfou e o alcançou em uma corrida breve,
tomando-o pela mão e fitando-o de perto com seus olhos de dragão. Gabe
corou, desviando o olhar timidamente, e voltaram a andar depressa, as mãos
dadas em um aperto firme.
CAPÍTULO VIII

Estava muito claro dentro do hospital. As luzes fluorescentes


iluminavam as paredes pálidas e silenciosas evitando que as pessoas ali
dentro percebessem quão escuro e sombrio estava do lado de fora. A chuva
continuava cedendo aos poucos, noite e madrugada adentro. Algumas
pessoas circulavam na enfermaria conversando muito baixo, suas vozes se
mesclando com o som ignorado do noticiário que passava na televisão e do
ar-condicionado barulhento.
Gabriel e Felipe foram recebidos pela enfermeira que os guiou até o
médico de plantão. Ele era um homem muito alto e tinha o cabelo loiro curto
brilhante, seus olhos acinzentados prestavam atenção nos contornos do rosto
de Gabriel com mais afinco que o comum.
O médico sorriu simpático orientando o moreno sobre o estado de seus
familiares com a voz calma, seus olhos fixos nos lábios perfeitos do rapaz à
sua frente. Ele o analisava mapeando-o com interesse.
— Boa noite, o senhor é o... Gabriel? Certo? É um prazer, eu me chamo
Diego — o médico o cumprimentou muito simpático. Eles apertaram as
mãos intensamente e ele o largou indicando que o seguisse para sua sala.
Felipe mantinha uma distância segura e fitava o comportamento do homem,
atento.
— Minha mãe e irmã... Como elas estão? — Gabriel foi direto ao
ponto, desatento, enquanto entrava no consultório, tremia um pouco olhando
ao redor. Odiava hospitais, tinha pavor de todos eles desde que seu pai havia
passado tanto tempo em um. Diego se sentou em sua cadeira.
— Eu sinto muito que tenha vindo para cá nesse temporal. Mas, de
maneira geral, está tudo muito melhor que o esperado com as duas. — O
homem fez sinal para que Gabriel se sentasse à sua frente, mas o outro
cruzou os braços negando com a cabeça, não conseguia relaxar naquele
ambiente. Felipe encostou-se na parede ao lado da porta, muito sério. —
Pela informação que tivemos dos socorristas, a sua irmã não teve culpa do
acidente. Aparentemente um carro desgovernado bateu nela em uma
perseguição. A polícia está investigando. O motorista que estava sendo
perseguido não resistiu e os perseguidores fugiram. Ela teve sorte de ter
desviado e saído quase ilesa. Mas também teve o azar de estar no lugar
errado, na hora errada.
Gabe arfou muito tenso. Ele pensava em como Jessica havia se metido
em uma confusão tão grande, mas também não estava tão surpreso por isso.
Sua irmã sempre foi rebelde e sempre procurava por brigas. O moreno
colocou a mão no rosto lembrando dela voltando para casa sempre com
feridas e roxos no rosto depois de brigar na escola ou voltando tarde e muito
bêbada quando saía na adolescência.
Ela parecia um imã para problemas e confusões com seu temperamento
esquentado. Depois que o pai deles morreu, seu comportamento piorou
muito, fazendo Gabriel sempre ter que agir como um irmão mais velho
chato. Por conta disso, os dois tiveram um difícil relacionamento baseado
em discussões e brigas.
— Então, a Jessica no momento está apenas com a perna fraturada e o
pulso também está imobilizado por conta de uma luxação. Já fizemos todos
os exames de imagem e fora isso ela está muito bem, inclusive não para de
xingar as enfermeiras. — O médico continuou rindo sem graça e Gabriel fez
um som de desagrado, pedindo desculpas pelo comportamento da irmã.
Diego fez um sinal com as mãos e arrumou os cabelos loiros de forma
galante, olhando sorridente para o moreno. — Sua mãe também está bem,
ela recebeu os primeiros socorros muito rápido. O princípio de derrame foi
controlado a tempo de evitar qualquer complicação. Ela está descansando
agora. Se quiser você pode ir vê-las... Creio que a Jessica ainda esteja
acordada, mas aconselho a deixar sua mãe repousar por ora.
— Sim, eu quero ver como ela está — Gabriel falou friamente
pensando na irmã. Não reparava nos sinais do médico que o olhava com
desejo, estava completamente focado em sua família.
O médico se levantou prontamente para acompanhá-lo.
— Eu levo vocês lá — disse pela primeira vez prestando atenção em
Felipe. Diego notou o ruivo sentindo um calafrio estranho por conta da aura
que emanava dele: assustador e em uma postura quase assassina.
O fotógrafo permanecia silencioso e impassível, ele olhava apenas para
o moreno e sentia a tensão em seus braços cruzados. Estava preocupado com
Gabriel e tentava controlar a sensação ácida em sua garganta sempre que via
o médico flertando com ele. Decidiu manter a calma o máximo possível em
um suspiro tenso, priorizando seu submisso.
Ele não se moveu, fitando o moreno que vinha em sua direção com
aquela expressão cerrada de sempre. Percebeu que Gabriel nem mesmo tinha
compreendido nenhum sinal do médico abusado e apertou mais forte o
punho. “Esse cara nem se toca o quanto é bonito” pensou.
Os três saíram da sala. Diego guiava Gabriel lado a lado, o menor com
as mãos enfiadas no bolso da jaqueta de couro de Felipe. O médico sorriu
puxando assunto no caminho para os quartos:
— Elas estão em quartos separados no momento. Não as juntamos
ainda porque já estamos considerando liberá-las para ir para casa amanhã
mesmo — o loiro disse e Gabriel assentiu, ignorando-o. Ele estava
concentrado com a sensação inebriante que o preenchia com o perfume
daquela jaqueta. Felipe, que andava um pouco mais atrás dos dois, analisava
a expressão de Gabe, o rosto do moreno inclinado sorvendo o cheiro da
jaqueta maior que ele.
Os três entraram no longo corredor que continha portas praticamente
ladeadas nos dois extremos com exceção de um sofá de espera entre duas
portas mais distantes. Ali estavam os quartos de internação. Diego abriu uma
das portas fazendo sinal para que Gabriel passasse. O moreno entrou seguido
do médico.
Felipe o viu encostando levemente a ponta dos dedos na base das costas
de Gabe, orientando-o a seguir para dentro do quarto, alisando-o, e tremeu
apertando os punhos. Entrou logo em seguida do loiro e encostou-se
novamente na parede ao lado da porta com os braços cruzados. Ao seu redor
formava-se uma nuvem de tensão praticamente visível.
— Pau no cu de todas vocês, não acredito que aqueles filhos da puta
fugiram! Eu quase morri por causa desses merdas! Aquele policial nem
parecia interessado em resolver nada! — Jessica esbravejava com a
enfermeira indefesa. Ela estava sentada no leito com a perna engessada e a
mão imobilizada.
Jessica tinha o cabelo à altura do ombro que apontava para todas as
direções, alvoroçado e muito negro. Seus olhos eram amendoados e
castanhos escuros, em um tom profundo tomado por raios avermelhados. Ela
parecia muito com Gabriel. Era magra e alta, com uma expressão selvagem e
brava.
— Parece que a senhorita tem se recuperado muito bem, isso é ótimo.
Seu responsável chegou — Diego disse simpático. Felipe revirou os olhos,
enojado com aquele tom forçado de doçura do médico.
Jessica encarou Gabriel e o moreno, por sua vez, cruzou os braços com
a expressão raivosa e fechada de sempre.
— Meu responsável? — Jess disse, rindo. — Esse babaca?
— Tenha educação com os outros, sua imprestável. A mamãe quase
teve um derrame por sua causa! — Gabriel retrucou avançando na irmã. Ele
parou ao lado dela analisando-a, mapeando seus ferimentos e escoriações
com preocupação.
— Por minha causa?! Não fala merda. Eu estava dirigindo com todo
cuidado quando aqueles malucos apareceram. Um deles bateu na minha
lateral e eu perdi o controle. Sorte que eu não estava indo rápido! — Jessica
disse irritada. — O que você está fazendo aqui, peste?
Gabriel deu um tapa de leve empurrando a cabeça da morena acamada.
Ela fez uma exclamação de indignação.
— É. Sua cabeça oca continua inutilizada como sempre. Não tenho com
o que me preocupar. E eu vim pela mamãe — ele disse bravo. De repente
seu tom mudou para um tom irônico e forçado como se tudo que dissesse
significasse o contrário do que realmente dizia. — Não por você, claro! Não
me preocupei com você. Minha querida e doce irmã, que eu amo e adoro!
Linda e inteligente!
Jessica entendeu imediatamente aquele tom e apertou os olhos,
fumegando de raiva, para o irmão.
— Você que é incrível! Um irmão querido que eu adoro e não poderia
viver sem. Na verdade eu estava morrendo de saudade de você! Desejo todos
os dias te ver irmãozinho lindo! — ela falou no mesmo tom forçado e
irônico.
Gabriel grunhiu enquanto os dois se olhavam cheios de ódio. O médico
e a enfermeira se entreolharam confusos. Felipe levantou a sobrancelha,
igualmente sem entender nada.
— Bom, vamos deixar vocês à sós para conversarem. Se precisar de
qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, passe na minha sala — Diego disse
incisivo para Gabriel sorrindo simpático, tocou-lhe o ombro e apertou ali em
uma massagem. O moreno o olhou indiferente, assentindo sem perceber o
toque. Ele agradeceu com a cabeça e puxou uma cadeira para sentar-se ao
lado da irmã.
O médico e a enfermeira saíram. Felipe não hesitou e, em um impulso
descontrolado, saiu em seguida fechando a porta atrás de si, deixando os dois
irmãos sozinhos. Ele puxou o médico pela gola do jaleco e de sua blusa com
força e o loiro tropeçou para trás estarrecido. A enfermeira seguia na frente
sem notar aquilo.
Diego ajeitou o colarinho e o jaleco tossindo pela puxada que o
enforcou levemente e olhou muito surpreso para o ruivo. Ele fitava o médico
com os olhos dourados demoníacos, estava infinitamente mais sombrio e
assustador, fazendo o homem à sua frente recuar um pouco.
— Isso é um aviso. Se continuar flertando com ele ou tocar nele de
novo, você é quem vai precisar de um leito, de preferência no necrotério.
Entendeu? — Felipe ameaçou friamente com as sobrancelhas cerradas. Seu
nariz retesando em ódio selvagem. Diego recuou assustado.
— Eu… eu não sei do que você-
Felipe o segurou pela gola com força, aproximando seu rosto. Seu
cabelo vermelho como sangue emoldurava seu queixo anguloso e seu olhar
assassino o consumia ameaçadoramente.
— Eu estou avisando — ele sibilou e o largou violentamente,
empurrando-o.
O loiro tropeçou sentindo as pernas trêmulas. Felipe e ele tinham a
mesma altura, mas o Castro era infinitamente mais corpulento e assustador.
O ruivo o encarou pela última vez tentando se recompor e pigarreou antes de
entrar no quarto novamente.
Dentro do aposento, ele cruzou os braços sonsamente como se nada
tivesse acontecido e encostou-se na parede em silêncio, observando os
irmãos discutirem. Nem haviam notado sua breve ausência.
— Não, querido irmão, você que é o mais doce e maravilhoso do
mundo! Eu amo você, queria você todos os dias por perto! — Jessica
continuou irritada. Seu tom esquisito de contradição com o que dizia de fato
era agudo.
Gabriel grunhiu querendo socar a própria irmã acamada, que, por sua
vez, desviou o olhar para o ruivo que entrou no quarto. Apontou para ele
lambendo os lábios fazendo Gabe olhá-lo também.
— Sem brincadeira agora, quem é o gostosão que veio com você? —
ela perguntou acenando com as pontas dos dedos e piscando para Felipe. O
ruivo arqueou as sobrancelhas sem entender.
O moreno a fuzilou com os olhos, levantando-se num salto e
bloqueando a visão de Jessica.
— Já chega, está tarde. Vai dormir logo. Amanhã você e a mamãe vão
receber alta e vamos para casa. Eu vou esperar amanhecer lá fora — Gabriel
disse a fim de encerrar o assunto com violência e ela empurrou o irmão com
a mão que não estava imobilizada, ignorando-o por completo, para olhar
Felipe.
— Ei! Você e esse babaca estão namorando? — Jessica foi direto ao
ponto com os olhos ávidos, dirigindo-se a Felipe. Gabriel engasgou.
— Não fala merda, porra!
Felipe se aproximou lentamente. Seu coturno batendo pesado no chão e
sua aura assustadora o seguindo. Ela estremeceu na cama vendo seus braços
fortes na camiseta cinza que ele usava, seu abdômen parecia perfeitamente
liso e atraente. Jessica analisou seus cabelos ruivos naquele corte e sua
tatuagem enorme no braço que chegava até sua mão. Sentiu um tremor entre
as pernas com a presença que aquele homem emanava e o seu olhar dourado
e frio.
Gabriel fez um muxoxo percebendo o olhar interessado da irmã. Ele
sabia que ela era extremamente implicante quando descobria sobre sua vida
pessoal e agradeceu mentalmente por estar usando a jaqueta que cobria as
escoriações arroxeadas de seus braços. “Se bem que estamos sem transar há
todo esse tempo e ele não me puniu em lugares visíveis na última vez que
treinamos, então já não tenho quase nenhuma marca” ele pensou tristemente.
— Sim, estamos juntos — Felipe disse finalmente e sorriu com os
dentes perfeitos. Jessica arfou com a beleza daquele sorriso e Gabriel o
encarou chocado, boquiaberto.
A morena riu divertida balançando a mão boa em histeria.
— Ai, cacete! A mamãe vai adorar! — Ela riu alto, esganiçado e
exageradamente. O moreno fechou mais ainda a expressão bravo e Felipe
arqueou a sobrancelha de novo sem entender. — Ela vai ficar muito feliz! O
sonho dela se realizando!
Jessica ria muito alto jogando a cabeça para trás. Gabriel deu outro tapa
na cabeça da irmã. A morena o ignorou e continuou se dirigindo a Felipe:
— Meu nome é Jessica, é um prazer te conhecer! — Ela ria
desesperada. — Eu vou adorar ver a cara da mamãe! Meu Deus, eu vou
adorar!
— Felipe. É um prazer... Eu acho — o ruivo ecoou baixinho.
Gabriel grunhiu muito rubro e confuso, possesso de raiva.
— Você é uma benção mesmo! Um anjo enviado dos céus para alegrar
minha vida! — ele falou agressivamente naquele tom estranho. Ela ria e o
olhou muito demoníaca se divertindo.
— Você que é um bem-amado, meu querido! Tenho certeza que está
muito triste com um homem tão feio e nada gostoso como esse, hein?! Que
azar o seu! Mas também, estava na hora de ter um pouco de azar depois de
passar tantos anos com aquela sorte, aquele raio de sol, que era aquele cara
adorável que te correspondia tanto, né?!
Ela disse debochada e Gabriel a xingou, girando para sair do quarto. Ele
puxou Felipe pela mão obrigando-o a acompanhá-lo. Ao fundo eles ouviam
Jessica ainda rindo, muito divertida.
Do lado de fora o moreno xingou de novo, exasperado, e colocou as
mãos nos bolsos respirando fundo aliviado.
— Que bom que essa praga está bem — ele murmurou para si mesmo,
satisfeito e mais calmo. Felipe o observava. — E como assim “estamos
juntos”?! Enlouqueceu?
Felipe riu rouco.
— O quê? Queria que eu dissesse para ela que temos um documento
que me permite mandar em você, te surrar e te foder de todas as formas que
eu quiser? — o ruivo disse friamente e Gabriel revirou os olhos
timidamente. Aquelas palavras o atravessaram o deixando muito excitado.
— Claro que não. Eu só não esperava que você dissesse aquilo, eu sei
que não temos nada romântico. Deixa para lá — o menor disse dando de
ombros.
O ruivo suspirou.
— Sua irmã se parece com você. — Ele se aproximou e o segurou pela
nuca com uma mão, estendeu o indicador da outra e tocou na ponta do nariz
arrebitado de Gabe. O moreno fechou a expressão muito bravo com as
bochechas infladas. — Mas você é o único gatinho arisco.
Felipe o beijou inesperadamente, deslizando rapidamente a língua pelo
arco do cupido de Gabriel. O moreno arfou e o afastou, tremendo, tentando
se recuperar daquilo, e cruzou os braços em malcriação. Desviou o rosto.
Sentia-se muito excitado e ansioso por seu dominador, mas não queria
demonstrar como gostava daquilo.
— Ela é chata pra cacete, isso sim.
Felipe riu de novo muito divertido. Sua risada era grave e baixa, muito
gostosa de se ouvir. Gabe tremia toda vez que a escutava, sendo capaz de
ouvi-la inclusive quando não estavam juntos.
Ele se lembrou involuntariamente que havia desobedecido a uma ordem
expressa do ruivo e, em um lapso de culpa fulminante, sofria por antecipação
imaginando como contaria para ele. Antes que pudesse pensar mais a
respeito, o outro se pôs a falar novamente:
— Hum, e o que foi aquilo agora? O jeito como vocês falavam. Diziam
uma coisa, mas pareciam querer dizer o contrário. — Felipe perguntou
interessado, muito curioso.
Puseram-se a caminhar em direção ao sofá de espera, largo e
confortável, encostado na parede do corredor. Gabriel riu sem graça
sentando-se nele. O ruivo assumiu o lugar ao seu lado, apoiando-se em seus
joelhos em direção ao moreno que tentava se concentrar com aquele olhar
intenso sobre ele.
— Ah, é só um jogo estúpido que nosso pai inventou — o moreno
explicou. Encostou a cabeça no encosto dorsal do sofá relaxando, estava
exausto. — Eu e a Jess sempre brigávamos muito quando éramos crianças e
acabávamos sempre nos xingando e falando muitos palavrões.
Felipe sorriu vendo a expressão divertida do moreno que relaxava de
olhos fechados, os cílios densos faziam sombra em suas bochechas. Seu
queixo era perfeitamente angulado e os lábios muito marcados e atraentes. O
ruivo lembrou do médico abusado o analisando e pensou que deveria ter
socado ele quando teve oportunidade, arrependendo-se de ter pegado tão
leve.
— Eu gosto de jogos — Felipe disse distraído.
— Eu sei disso. — Gabriel riu divertido. — Eu também. Normalmente
nosso pai sempre jogava conosco. Mas esse jogo em específico foi um jeito
que ele encontrou de não permitir que a gente brigasse. A ideia era, sempre
que discutíamos, dizer o contrário do que queríamos dizer um para o outro.
Assim falaríamos só palavras boas e elogios. Seríamos sempre otimistas e
carinhosos mesmo que nossa expressão e tom dissessem o contrário.
O ruivo adorou a ideia. Gabriel abriu os olhos e inclinou a cabeça no
encosto o olhando sorridente, muito corado e animado com a ideia de jogar
com ele.
— Quando ela disse que você era feio pra caramba e nada gostoso...
Você deve ter reparado como ela não é nada atenciosa! — ele disse naquele
tom de voz contraditório. Felipe sorriu muito animado. — Porque
sinceramente você não é nada, nadinha, excitante. Eu fiquei até nada
surpreso dela ter notado você. Você nem chama atenção.
Parecia confuso. Mas o ruivo entendeu.
— Isso é ótimo. Eu adoro chamar atenção — Felipe disse com o mesmo
tom e Gabriel riu. O ruivo estava lisonjeado com o elogio às avessas.
— Ok, eu juro que não sei dizer se você está jogando ou não. Sempre
tive a sensação que você realmente gosta de chamar atenção.
— Não. Se eu pudesse me juntar às paredes eu o faria, Gabo. — O
maior bufou com aquilo e sorriu timidamente.
Gabriel o olhava muito surpreso, nunca pensaria que um cara tão
intenso e bonito como Felipe fosse tão tímido. Mesmo que soubesse que ele
era reservado, divertia-o a contradição de alguém tão naturalmente
dominador como ele querer passar despercebido.
— Você não parece ser um cara tímido.
— Eu não sou exatamente tímido. Não é isso. Eu só sei como é ser o
centro das atenções e isso é exaustivo — o ruivo disse seriamente — Não sei
como você consegue lidar com toda aquela gente te olhando na Lizzo.
— Não é pela atenção, viver sem dançar é um inferno pra mim. —
Gabe deu de ombros o olhando provocativo — Aliás, se eu não chamasse
atenção daquele jeito você nunca olharia para mim.
Felipe negou com a cabeça, rindo. Ele encostou a cabeça no encosto da
poltrona e suspirou relaxando, a companhia ao seu lado era tudo que ele
precisava. Esquecia de tudo que doía, todo sofrimento e medos quando
estava com o moreno. Encaravam-se de perto agora.
— Eu te vi assim que entrei no clube. Eu nem sabia que você ia dançar.
Você não sabe como brilha, como é bonito... — Felipe murmurou. Gabriel o
olhou muito curioso, querendo que ele continuasse. — Normalmente eu não
procuro submissos, mas quando eu te vi eu...
Felipe sentiu que estava falando demais. Ele respirou fundo,
controlando-se e o olhou negando com a cabeça, não iria continuar com
aquilo. Não queria se expor mais ainda, sentia-se muito dócil perto daquele
cara. Estava com o coração muito agitado e continuava rejeitando tudo que
sentia com intensidade.
“Eu não quero que isso acabe tão cedo. Quanto mais eu falar sobre
como eu me sinto mais isso vai se tornar real, e mais vai doer quando você
for embora” pensou silenciosamente, olhando Gabriel nos olhos. O moreno o
entendeu mesmo sem saber o que se passava na cabeça do ruivo. Ele
entendia como era aquela sensação de querer se proteger do poder das
palavras e da realidade que elas criam.
— Naquela noite eu nem te notei. Como eu disse, você passa totalmente
despercebido, né? Então eu nem reparei em um cara assustador me
encarando! Imagina — Gabe disse naquele tom do jogo do contrário e deu
de ombros debochado. — E eu adorei o fato de você ter me provocado...
Espera, isso fica ambíguo nesse jogo. Na hora eu odiei, depois eu meio que
gostei. Tá, eu definitivamente gostei… Porra.
Gabriel falou para si mesmo, reflexivo e fugindo do próprio jogo, em
um resmungo. Felipe se divertia com aquilo. Para ele, que tinha dificuldade
de falar como se sentia, dizer o contrário parecia muito mais fácil e
costumeiro.
— Eu gostei muito desse jogo. Ele é muito útil.
— É realmente muito útil. Foi mais útil ainda quando nosso pai morreu
— Gabe ecoou morbidamente, uma sombra triste cobrindo sua face. Felipe o
olhava atento.
Silêncio. O moreno hesitou um pouco antes de continuar falando:
— Todo mundo ficou muito triste e minha irmã ficou insuportável.
Então usávamos o jogo todo tempo em respeito a ele e à nossa mãe. E
também... Eu comecei a jogar sem perceber com todo mundo. Se me
perguntavam se eu estava bem, dizia que estava ótimo. Se perguntavam se
eu estava triste, eu dizia que estava feliz. Quando diziam que ia ficar tudo
bem, eu concordava dizendo que era verdade.
O silêncio da madrugada começava a invadir o hospital. Os acamados
dormiam em seus leitos, os médicos e enfermeiros relaxando e zelando pelos
horários dos remédios e cuidados de todos. Ninguém andava pelos
corredores frios e muito iluminados pelas luzes artificiais.
Felipe sentia o pesar na voz do homem ao seu lado com uma empatia
assustadora, conhecia aquele tom doloroso de perda como ninguém, aquela
sensação sombria de se esforçar intensamente para parecer forte e resistente
para os outros enquanto era consumido pelos próprios lamentos.
— Eu sinto muito — o ruivo disse suspirando em um sussurro e Gabe
assentiu devagar.
— Obrigado por ter vindo...
Felipe negou com a cabeça.
— Você odeia hospitais, é claro que eu viria — retrucou em um suspiro.
O menor o encarou com uma sobrancelha arqueada esperando uma
justificativa. Felipe deu de ombros. — Você anotou no contrato várias
coisas, essa era uma delas.
Silêncio.
O moreno riu baixinho, fechando os olhos satisfeito, só pensava em
dormir agora. Curiosamente sentia-se tão seguro com aquele homem ao seu
lado que tudo parecia muito confortável e distante, a dor tornando-se parte
de uma cena do passado que ia se apagando e escurecendo cada vez mais até
não ver mais nada.
Silêncio.
Gabe havia adormecido profundamente agora, e Felipe pensou quão
exausto ele poderia estar para dormir com tanta facilidade. O maior estendeu
o braço, puxando a cabeça alheia para se apoiar em seu colo. Preocupava-se
se ele havia comido alguma coisa e, ao sentir o peso de sua cabeça
adormecida em seu colo, o envolveu em um abraço, deslizando no sofá até
os dois ficarem muito encaixados. Seu coração palpitava intensamente.
— Não é nada além de um contrato, é só sexo — Felipe sussurrou sem
som para si mesmo. Ele aprendeu a jogar muito rápido. Fechou os olhos com
o rosto enfiado nos cabelos negros de Gabriel, sorveu o doce cheiro que
vinha dele e adormeceu.

✽✽✽
Gabe abriu os olhos repentinamente, ouvindo passos ao seu redor. Ele
saltou sentando-se no sofá em que dormia. Havia acabado de amanhecer do
lado de fora e a chuva finalmente cedera, as pessoas começavam a circular
pelo hospital com mais frequência. Olhou ao redor confuso e viu Felipe se
aproximando segurando um copo de café e uma sacola.
O moreno sentiu seu coração acelerar vendo Felipe sorrindo de leve,
sua aparência destoando de tudo e chamando a atenção de quem passava.
“Nós dormimos juntos aqui?” pensou sentindo sua face esquentar muito.
Gabe tentou se recompor, fechando a expressão como de costume, e virou o
rosto para o outro lado timidamente. O ruivo o olhou de cima com as
sobrancelhas arqueadas, divertindo-se.
— Dormiu bem, gatinho arisco?
Gabriel emitiu um grunhido bravo em concordância e engoliu a saliva
sentindo-se faminto. O cheiro do café e do pão que ele havia trazido
invadindo seu pensamento.
— Come. Eu sei que está com fome. — Felipe o entregou o café, o qual
Gabe recebeu sem o olhar nos olhos, agradecendo com a cabeça.
— E você já comeu? — o moreno perguntou. O outro assentiu
confirmando. — E o médico? Apareceu para falar da minha mãe? — Gabe
devorava o pão e tomava o café, seu estômago roncava. Ele olhou para
Felipe que, por sua vez, o observava com aquele sorrisinho bobo.
— Eu perguntei à enfermeira, parece que sua mãe e irmã têm outro
médico responsável. O anterior precisou resolver uma emergência pessoal e
trocou seu turno de plantão com outra pessoa. — Felipe deu de ombros
sonsamente, fingindo nem imaginar a razão daquilo. — Parece que elas já
estão sendo avaliadas para a alta também. E sua mãe já está acordada.
Gabriel assentiu aliviado tanto com a notícia de que elas estavam bem,
quanto com o alimento que aliviava sua fome. Ele comeu em silêncio. Sentiu
um tremor, em breve veria sua mãe e Felipe estaria lá também. Terminou de
comer e respirou fundo bagunçando o cabelo, seu tique de nervosismo.
— Se minha mãe perguntar qualquer coisa, não responda nada. —
Gabriel o olhou suplicante e o ruivo sorriu divertido dando de ombros.
— Ela sabe sobre você? — Felipe perguntou um pouco tenso.
— Sobre eu o que? Sobre eu ser gay? — Gabe falou terminando de
comer com a expressão muito cerrada e o ruivo assentiu preocupado. Ele riu.
— Todo mundo sabe. Eu sou um péssimo mentiroso, meu pai notou quando
eu tinha uns 12 anos. O resto foi natural.
— E ela não tem problemas com isso?
— Ah, não. Ela só tem problemas com o fato de eu estar sempre
sozinho. — Gabriel deu de ombros fitando o ruivo que o analisava com seus
olhos frios. — Ela passou um tempo torcendo para eu ficar com o Josh.
Felipe suspirou ouvindo aquilo, sentia-se um intruso indesejado. Odiava
sentir-se tão deslocado naquela vida comum que o moreno tinha, odiava
mais ainda desejar tão intensamente fazer parte dela e deixar para trás toda a
sua própria vida turbulenta. Seguiram caminhando em direção ao quarto
onde Dalila estava.
— Se quiser eu posso te esperar aqui fora — o ruivo disse cabisbaixo.
— Não. Por favor, não saia do meu lado — Gabriel suplicou
tensamente. O maior foi consumido por um calafrio. “Ele quer que eu fique”
pensou repetidamente se deliciando com aquilo discretamente e assentiu.
O moreno bateu na porta do quarto e entrou ansioso, seguido dele. A
senhora muito dócil sentada no leito tinha cabelos curtos muito lisos com as
pontas alinhadas para dentro, castanhos e cheios de fios brancos. Os olhos
amendoados eram claros, conferindo-lhe uma expressão muito agradável e
amável. Ela sorriu muito feliz ao ver Gabriel e abriu os braços feliz.
— Filho! — exclamou. Gabe caminhou até sua cama e a abraçou
docemente enquanto Felipe observava próximo à porta. — Eu sinto muito
por essa confusão toda! Eu sinto muito mesmo que você tenha que vir aqui
por nossa causa. O médico disse que eu já estou bem, mesmo! E eu já sei
que a Jessica está arrumando confusão.
Gabriel grunhiu sentando-se ao seu lado na cadeira do acompanhante.
Ele a segurava pela mão preocupado.
— Não se preocupe com a Jess, ela está ótima! Não para de irritar todo
mundo como sempre — o moreno disse apertando as mãos frágeis de sua
mãe. — Como a senhora se sente? Lembra do que houve?
Ela fez um muxoxo e revirou os olhos exatamente como Gabriel fazia,
muito irritada.
— Eu tinha ido para a casa da Marlúcia tomar café e conversar como
sempre e daí recebi uma ligação dizendo que a Jess tinha sofrido um
acidente. Eu não sei, eu só senti uns tremores estranhos e um formigamento
e pensei que fosse desmaiar — ela falou muito tensa. — Daí eu vim para o
hospital por causa da Jess já me sentindo mal e acabaram me socorrendo. Foi
horrível porque eu nem sabia o que estava acontecendo!
— A senhora tem tomado seus remédios direito? — Gabe perguntou,
muito responsável, seu tom de voz incisivo. — E não tem se acabado em
besteiras, né? Eu sei que a senhora adora comer besteira escondida.
Dalila colocou a mão sobre o peito fazendo uma expressão de choque
como se não soubesse do que Gabriel estava falando e sorriu divertida.
Felipe permanecia os observando, sentia-se muito sortudo por ver aquela
cena que o preenchia de várias formas, o sorriso dela era muito semelhante
ao de Gabe, cheio de vida e muito bonito. Ela olhou repentinamente para o
ruivo com os olhos afiados, analisando-o, e voltou-se para o moreno
questionadora.
— E então? Não vai me apresentar? — Ela aproveitou a deixa para
fugir do assunto anterior.
Gabriel olhou para trás fitando Felipe, o qual permanecia estático ao
lado da porta.
— É... O Felipe. Felipe, essa é minha mãe, Dalila — ele disse muito
tenso enquanto o ruivo se aproximava lentamente.
O maior assentiu com a cabeça cumprimentando-a, seus cabelos
vermelhos arrumados para trás destacavam seu rosto anguloso. Dalila o
encarou e sorriu desconfiada apertando os olhos.
— É um prazer, querido — ela disse educadamente e ele assentiu de
novo respeitosamente, mudo. A mulher olhou para Gabriel provocativa. —
Como estão as coisas em Tanrisa? E a academia? E o Josh? — disparou.
Gabe já estava esperando por isso. Sua mãe torcia muito para que os
dois estivessem em um relacionamento e sempre desejava que seu amigo
Josh não estivesse com Ron. Ele suspirou chateado. Dalila encarou Felipe, o
qual desviou o rosto com uma expressão vacilante. Sua experiência sabia
exatamente o que aquele tremor e queixo travado do ruivo significava,
estava incomodado em ouvir o nome de Josh na conversa.
— Está tudo bem, mãe. A academia e todo resto — Gabriel disse
duramente.
— E quando vocês começaram a namorar? — ela perguntou
rapidamente, apontando para Felipe.
Os dois tiveram um sobressalto. Eles se entreolharam tensamente e
Gabriel começou a balançar as mãos em negativa. Felipe apertou os lábios
em uma linha tensa tentando manter-se distante, seu rosto aqueceu
involuntariamente.
Ele nunca havia se imaginado naquela situação. Já esteve em conflitos,
lutas perigosas normalmente envolvendo riscos de vida, mas aquela era de
longe a mais assustadora que ele já enfrentou. Engoliu com dificuldade.
— Não, não. Nós não... Nós não estamos nesse tipo de relacionamento.
A gente não é isso! Não somos, nós não estamos... — Gabriel disse
nervosamente gaguejando muito.
— Então não estão juntos? — ela insistiu despreocupada e olhou para
Felipe. Gabriel abriu a boca para negar, mas o maior respondeu mais rápido
olhando-a seriamente:
— Sim senhora, estamos — o ruivo disse.
Silêncio. Gabriel cobriu o rosto xingando todos os palavrões que
lembrou mentalmente. Dalila arqueou a sobrancelha e riu baixinho, satisfeita
com a determinação que emanava daqueles olhos cor de âmbar.
No momento certo, porém mais constrangedor, a médica entrou na sala
e cumprimentou a todos, sem entender a razão daquela tensão. Dalila aceitou
o desvio de assunto para ser avaliada. A médica fez algumas perguntas sobre
os sentidos da paciente e começou a examiná-la.
Gabriel se levantou aproveitando a deixa e aproximou-se de Felipe. O
moreno o encarou arregalando os olhos sem entender aquilo. “É a segunda
vez que ele diz que estamos juntos, que merda é essa?” pensou confuso,
sentia seu coração batendo muito rápido.
O maior deu de ombros friamente, fingindo não saber porque ele estava
tão tenso, sendo que ele mesmo mal podia suportar a náusea gélida que
perfurava seu estômago. A médica voltou-se para Gabe, que encarava Felipe
intensamente.
— O pior já passou, as duas estão muito bem. A senhora Dalila só
precisa ficar em observação de repouso o máximo possível, tomar suas
medicações e se alimentar bem. De qualquer maneira eu acho que as duas já
podem receber alta hoje.
Gabriel suspirou aliviado e olhou para sua mãe, a qual sorria alegre
também.
Depois da alta confirmada, Dalila conseguia andar tranquilamente para
fora do hospital ao lado de Jessica, que se sustentava em muletas, mancando.
Esta, por sua vez, continuava xingando pelo fato de os culpados pelo
acidente terem fugido e questionava aos quatro ventos como pagaria pelos
danos no carro.
A mais velha continuava mandando-a parar de falar, estapeando a filha
energicamente. O ruivo observava toda aquela situação se divertindo muito
enquanto Gabriel resolvia os documentos da alta ao seu lado. As duas os
observaram juntos e se entreolharam, conversando com os olhos.
O sol despontava tímido do lado de fora e apenas a voz da Almeida
mais nova ainda era audível, reclamando e xingando sem parar. Gabe
massageou as têmporas grato por tudo aquilo ter sido só um grande susto.
Felipe havia ido buscar o carro e o moreno pensava se ele iria lembrar de
colocar as roupas molhadas no porta-malas para que sua mãe e irmã não
vissem aquele grande caos jogado por todo canto. Ele podia imaginar a
situação e corou imediatamente.
— Então... Juntos? — Dalila começou sorrindo timidamente e Jessica
riu.
Gabriel engoliu em seco com a expressão muito fechada, tentando
evitar aquele assunto.
— Aonde ele foi? — Jessica perguntou olhando ao redor quase se
desequilibrando nas muletas.
— Está tudo bem por você andar de carro depois de ter sofrido um
acidente? — Gabriel perguntou, ignorando-a. Jess o fitou revirando os olhos.
— Eu não estou traumatizada nem nada do tipo, Gabriel. Não é como
se eu fosse para casa mancando daqui, né?
— Ótimo — Gabriel disse vendo Felipe aproximando-se com a BMW.
O ruivo desceu para ajudá-las e os três Almeida arfaram com a beleza
daquele homem, seu cabelo vermelho cintilando ao sol. Ele sorriu sem graça
convidando-as a entrar no carro. Gabriel segurou a irmã e indicou sua mãe
para que Felipe a ajudasse. Jessica protestou querendo ser levada por Felipe
e o moreno a mandou calar a boca, empurrando-a em direção ao veículo.
Ambas se acomodaram nos bancos de trás e Gabe no da frente, ao lado de
Felipe.
— Se você puder nos deixar em casa eu ficaria grato. Daí você pode
voltar para a cidade. E eu volto quando tudo estiver estabilizado — Gabriel
disse ao homem que assumiu a direção.
O ruivo negou com a cabeça, concentrado no trânsito, manobrava para
fora do estacionamento guiando-se pelas vias seguindo o GPS. As duas
ouviam com atenção no banco de trás.
— Não vou voltar sem você. Você não vai pegar mais nenhum ônibus.
O moreno corou, engolindo com dificuldade, e ouviu Jessica segurando
o riso atrás de si empolgada.
— Obrigada por nos levar, Felipe. E por cuidar tão bem do meu filho
— Dalila intrometeu-se docemente. Felipe assentiu sorrindo levemente. Ela
reparou no movimento dele e continuou: — saiba que mesmo que vocês não
estejam em um... relacionamento... todos que cuidam do meu filho com
carinho eu também cuido como filhos meus, então pode contar comigo!
Felipe sentiu um calafrio e um peso enorme em seu estômago. Ouvir
aquilo o acertou em cheio. Ele assentiu de novo, sentindo-se estranhamente
satisfeito. Ver aquelas cenas maternais entre ela e Gabriel, além de ser
chamado de filho, o aqueceu por dentro em um lugar que nunca foi tocado
antes.
Sempre que estava ao entorno de Gabriel sentia a leveza da redenção e
da vida comum. Queria muito, de forma egoísta, apegar-se a isso, aproveitar
cada segundo como se ele coubesse naquela realidade. Tremeu e apertou o
volante.
Dalila prosseguiu:
— Gabe, vocês deveriam voltar logo para Tanrisa. Eu já falei com a
Marlúcia e ela vai ficar com a gente até a Jessica tirar o gesso e eu estar
totalmente recuperada! — ela disse. Gabriel tentou argumentar dizendo que
ficaria para cuidar dela pelo resto da semana, mas sua mãe o cortou ali sem
cerimônias: — não ouse. A academia precisa funcionar, lembra?! Você
precisa voltar, entendeu? Fiquem só para almoçar e vão. Daqui podemos nos
virar.
Gabriel bufou e cruzou os braços irritado. Felipe o olhou de canto
apreciando-o contrariado com as bochechas infladas. Desejava tocá-lo todo
tempo, segurar suas mãos e senti-lo dormir em seu colo de novo. Não
conseguia parar de pensar na sensação reconfortante que tivera ao acordar
com aquele homem em seu colo, tão relaxado, dormindo profundamente. Era
uma sensação viciante.
Eles se aproximavam da casa de dois andares, estacionando diante dela.
Gabe olhou para a casa e assentiu, sentindo-se melancólico de repente. Todo
aquele lugar lembrava seu pai. Felipe ajudou Dalila a sair do carro dando-lhe
a mão enquanto Gabriel trazia Jessica, que reclamava sem parar. O ruivo riu
ouvindo os dois discutindo através do jogo do contrário atrás dele e Dalila
acompanhou o olhar divertido dele rindo também.
— Ah, filho. Eles sempre discutem com esse jogo bobo. Sempre foi
assim, falando o contrário todo tempo pela casa. Eu nunca sabia quando
estavam falando sério e quando estavam jogando — Dalila resmungou e
apertou o braço de Felipe. Ele a olhou muito atento. — E o Gabe é
exatamente como o pai dele, joga esse jogo bobo sem nem notar. Você
parece ser um cara observador, já deve ter reparado que ele tem essa mania
de se proteger de tudo.
Felipe sorriu bobo.
— Eu o entendo.
Dalila retribuiu o sorriso, muito doce.
— Eu gosto do jeito que você o olha, sempre cuidando dele — ela falou
baixinho, ouvindo os dois filhos brigando atrás de si enquanto caminhavam
devagar em direção à entrada da residência. — Mas também parece tão
melancólico e triste. Eu diria... Inseguro? Isso não combina com um cara
como você.
Ela riu divertida. Felipe corou pigarreando e desviou o olhar muito
tenso.
— Não temos nada realmente sério, senhora.
— Mas ele gosta de você, querido. E eu diria que você também gosta
dele — Dalila disse seriamente e o olhou instigando-o a confiar em seu
instinto materno. Felipe piscou timidamente tentando controlar seu coração.
— Cuide dele. Quanto mais você demonstrar como se sente, mais ele
também vai fazer isso, é como ele funciona.
— É tão transparente — Felipe ecoou.
Gabriel parou de discutir. Agora tentava ouvir o que os dois
conversavam diante de si. Os olhos felinos, afiados, deslizando da mãe para
Felipe. Dalila suspirou, dessa vez falando um pouco mais alto:
— Ah, eu espero que vocês continuem juntos por mais um tempo.
— Eu também — Felipe concluiu sem pensar.
Gabe abaixou a cabeça, muito corado, sentindo seu coração palpitando
intensamente.

✽✽✽

Gabriel ajudou a mãe e a irmã a se organizarem em casa. Receberam


Marlúcia, a vizinha e amiga da família, que havia chegado barulhenta,
falando muito, e discutindo sempre com Jessica sobre sua imprudência.
Ela tinha os cabelos loiros artificiais e era muito baixa, gorda e linda,
usando um vestido leve. Estava sempre sorridente e tagarela. Encarou
Felipe, desconfiada, quando o viu, e ele a cumprimentou elegante, muito
educado, apertando suas mãos finas e fazendo-a corar muito.
— Meu deus, meu bem, não chega tão perto. Eu já passei pela
menopausa, mas acho que assim eu vou ficar que nem uma adolescente de
novo!
Dalila e Jessica explodiram em risadas altas enquanto o ruivo arqueava
a sobrancelha, confuso. Gabriel revirou os olhos com os braços cruzados.
— Você tem cara de que adora se meter em encrenca. Combina bastante
com a Jessica! É o novo namorado dela? — Marlúcia disparou divertida,
fazendo o ruivo arregalar os olhos, incrédulo.
Jess riu muito alto. Gabriel grunhiu apertando os punhos.
— Não senhora, eu não gosto de mulheres. Sinto muito — Felipe disse
muito naturalmente.
Outra explosão de risos. A loira parecia muito confusa com aquela
informação.
— Ele está com o Gabe, Lu — Dalila disse apontando para o filho, que
a encarava com a expressão fechada.
A senhora abriu a boca, chocada, e Felipe sorriu sem graça, encabulado
com aquilo. Marlúcia olhou para Gabriel com uma expressão divertida de
surpresa, ainda com a boca muito aberta agora convertido em um sorriso de
aprovação, assentiu lentamente piscando dramática para o moreno. Gabe
cobriu o rosto timidamente, tentando fugir daquela situação constrangedora.
A manhã passava preguiçosa e Jessica permanecia se defendendo,
alegando não ter sido culpada por ter estado no lugar errado e na hora errada,
Marlúcia e Dalila conversavam sem dar atenção aos protestos de defesa dela.
Acabaram mudando de assunto várias vezes, fazendo Felipe e Gabriel
ficarem deslocados, sentados no sofá, observando aquela conversa caótica
entediados.
Estavam muito próximos, suas mãos ladeadas tocando-se apenas pelo
mindinho. Por várias vezes eles se entreolharam e desviavam o olhar
timidamente. Ninguém parecia realmente interessado no fato de aquele
acidente ter sido causado por uma perseguição de carros, afinal aquele tipo
de conflito era muito comum naquela região de Kilife. Felipe agradeceu
mentalmente por estarem habituados com o fato, afinal, ele sabia exatamente
quem eram os responsáveis por criar um caos ali com seus negócios: os
Barbosa.
Gabe parecia muito mais mal-humorado que o comum com sua
expressão cerrada, tentando evitar a todo modo que Felipe fosse
constrangido pelos seus familiares, sem sucesso. O moreno grunhiu
extremamente envergonhado quando a mãe passou a mostrar fotos de
quando ele era criança, muito orgulhosa, para o ruivo: sua primeira
apresentação de dança na época da escola, a primeira competição de karatê,
as partidas de poker com seu pai.
Ele fugiu apressado do cômodo atazanado pelas risadas divertidas da
irmã enquanto tentava se recompor de toda aquela situação irritante e
vergonhosa. Felipe, por sua vez, se divertia muito com aquele ambiente
espirituoso, apreciando a atmosfera acolhedora e caseira. Mesmo que
tivessem passado por um susto e uma internação no hospital, todas pareciam
muito vívidas, bem-humoradas e amáveis. Assim como Gabriel, sua mãe e
irmã eram muito corajosas e não se abatiam ou se assustavam facilmente.
Marlúcia preparava o almoço na cozinha ouvindo uma música alta,
cantava animada enquanto Jessica discutia com Gabriel sobre a melhor
posição para a sua perna no sofá. Ele acabou desistindo de ajudá-la e saiu
novamente do cômodo, irritado.
Dalila guardava as fotos quando, secretamente, o ruivo pediu a ela uma
delas. Acabou revelando-lhe que era fotógrafo. A mãe do rapaz parecia
muito empolgada em conhecê-lo mais e sorriu ao entregá-lo uma das
fotografias, discretamente, piscando e rindo muito divertida.
— Ele era uma gracinha não era? A coisa mais linda do mundo.
— Ele ainda é — Felipe sussurrou hipnotizado pela fotografia: Gabriel
muito mais novo, dançando em uma apresentação, a imagem havia sido
capturada por uma câmera de filme antiga. Jessica arregalou os olhos muito
boba para a mãe.
Dalila riu.
— O Valter amava ir em todas as apresentações de dança dele. Depois
que ele se foi... — Dalila suspirou encarando a fotografia. — O Gabe
demorou bastante para voltar a dançar.
Silêncio.
— Eles eram muito próximos? — O ruivo questionou em um sussurro.
— Ah, muito. O pai dele sempre foi muito caladão e o Gabe também
nunca foi muito de conversas, então os dois ficavam horas e horas jogando
cartas juntos. Estavam sempre jogando, todo tipo de jogo, mas
principalmente poker que era o favorito do Valter. — Ela riu boba encarando
o pequeno Gabriel da fotografia. — Ele gostava muito daquela academia,
sabe? Então acho que o Gabe se prende àquele lugar até hoje por não querer
se livrar da sensação que ele ainda está aqui. É o jeito dele, sempre muito...
Leal.
Felipe assentiu em um suspiro, guardando a fotografia no bolso interno
de sua jaqueta.
O caos familiar tão aconchegante tornava o tempo que passava quase
imperceptível. O ruivo não conseguia evitar se sentir imerso e confortável
enquanto os ouvia discutir e rir na mesa cheia e barulhenta. Uma energia
abrasadora.
Agora, Gabriel guardava a sacola com comida caseira no banco de trás,
preparando-se para partir. Dalila sussurrava com Felipe despedindo-se, eles
pareciam ter se tornado bem próximos. Ela o abraçou e segurou seu rosto
maternalmente.
— Espero que volte para nos ver, filho. Estamos sempre aqui — ela
disse dócil. — Cuide do meu neném por mim, sim?
O ruivo assentiu tenso.
— Se cuide também. Repouse — ele murmurou.
Dalila parecia ter gostado muito de Felipe, o que era inesperado para
ele. O ruivo geralmente era rejeitado pela sua aparência e considerado
ameaçador demais para receber qualquer tipo de afeto daquela estirpe.
Gabriel se aproximou sem entender a cena estranha. Ela riu e passou a
abraçar forte o filho, despedindo-se também. Jessica puxou o ruivo enquanto
mãe e filho conversavam e falou muito baixo:
— Se machucar meu irmão eu vou te caçar no inferno — ela ameaçou
muito séria.
O maior sorriu, divertido, mostrando os dentes perfeitos.
— Não posso machucá-lo nem se ele pedir por isso? — ele perguntou
baixo e ela fez uma expressão chocada, entendendo seu tom sensual. Jess
cobriu o rosto ficando muito vermelha e explodiu em risadas.
Gabe olhou para os dois com o cenho cerrado. Não entendia o que eles
falavam.

✽✽✽
A tarde estava amena e levemente abafada pela umidade excessiva da
chuva torrencial que açoitou o solo no dia e noite anteriores, enquanto a
estrada permanecia tranquila e livre de carros em direção ao centro de
Tanrisa.
Gabriel espreguiçou-se gostoso no banco do carona. Ele suspirou
aliviado por tudo aquilo não ter sido mais sério do que pensava e visou,
sorrindo bobo, um arco-íris tímido no céu. Aquela presença tão protetora de
Felipe durante todo aquele dia havia o deixado em um êxtase estranho de
alegria e tranquilidade. Sempre que o via conversando com sua família como
se fosse parte dela, sentia algo inesperado dentro de si.
Esforçava-se demasiado para colocar os pés no chão do seu devaneio
colorido: “é um contrato, não se iluda por favor” ele pensava apertando os
olhos para o lado de fora, sem conseguir conter sua felicidade. O silêncio
estava começando a incomodá-lo, uma música tocava baixo ao fundo e
Gabriel a reconheceu cantarolando. Felipe sorriu de canto discretamente,
dirigindo.
— Da próxima vez lembre-se de me mandar uma mensagem antes de
sair sozinho para resolver qualquer coisa no meio de um temporal — o ruivo
disse finalmente muito sério.
Gabe cerrou o cenho como sempre e grunhiu com raiva.
— Claro, da próxima vez tenha coragem para acabar com o contrato ao
invés de ser um cuzão estúpido comigo só para me machucar.
— Justo. — Felipe riu divertido.
Ele sentiu o sorriso desaparecendo aos poucos, lembrando-se que
precisava conversar com ele sobre isso, afinal. Silêncio.
— Eu realmente sinto muito. — Felipe suspirou e finalmente disse,
mantendo os olhos na estrada. Não queria ver a expressão do moreno. Ele
continuou: — eu não queria dizer aquilo de verdade. Bom, eu realmente...
Não estou acostumado com ninguém tão interessado pelo meu trabalho
assim.
Gabe deu de ombros, corando, e se ajeitou confortavelmente no banco
encarando o homem ao seu lado. Seu perfil era lindo e seu cabelo rubro
estava desalinhado, a barba por fazer o deixava mais maduro e muito
excitante.
O moreno passou a refletir se o seu dominador insistiria em continuar
apenas treinando-o sem tocá-lo quando chegassem. Queria passar as mãos
no cabelo dele. Queria beijá-lo.
— Problema seu se não está acostumado. Eu gosto das suas fotos e eu
não vou parar de ir vê-las — o moreno murmurou em seu tom muito bravo,
as bochechas infladas. Sua expressão mal-humorada fez Felipe sorrir bobo.
— Não é como se eu te obrigasse a falar sobre isso ou algo assim. Eu só
quero vê-las. Fico satisfeito só com isso. Assim como fico satisfeito só com
um contrato...
Os dois coraram em sincronia. Felipe tentou se recompor apertando
firme o volante. “Você sempre quebra minhas defesas sendo tão sincero
assim” pensou travando o maxilar. Ele assentiu concordando com a fala do
moreno.
— Mas, além disso, tem muita coisa sobre mim que você não sabe,
gatinho — ele murmurou hesitante. — E eu queria que nunca soubesse. Eu
só disse aquelas coisas porque estava preocupado com você.
— Isso é sobre aquele imbecil que veio falar comigo, não é? — Gabriel
falou muito calmo e o ruivo o olhou intrigado em um sobressalto. Voltou a
visar a estrada ansioso. — É... Pela sua reação é isso, eu imaginei. O que ele
é seu? Eu vi o símbolo no cigarro. Pensei que fosse coisa da minha cabeça,
que você tinha ido lá porque era uma exposição com fotos suas. Mas você
não vai às suas exposições, não é? E além do mais, você parecia saber que
tinha acontecido alguma coisa. Pensei que fosse porque eu estava com medo,
mas o cigarro dele... Eu reconheci na hora.
Silêncio.
— O que ele te disse? — Felipe perguntou friamente, desejava matar o
irmão com as próprias mãos. Gabe suspirou.
— Nada demais. Só foi um grande imbecil. Falou mal das suas fotos e
eu quase soquei a cara dele. Depois ele disse alguma merda sobre o tempo
ter acabado, fumou na minha frente e sugeriu que nos veríamos de novo.
Pareceu uma ameaça.
Gabriel tremeu lembrando daquele homem assustador, magro e muito
alto com olhos dourados. Felipe apertava o volante enérgico. Seu nariz
retesava com ódio e seus lábios tremiam como em um rosnado. “Ele o
ameaçou, isso é ruim” pensou tenso.
— Não se aproxime dele. Nunca — Felipe ordenou. Ele fitou o menor
incisivo. — Entendeu? Prometa para mim que não vai se aproximar dele,
Gabo.
— O que ele é seu? — Gabe perguntou curioso. Estava receoso com
aquele tom alarmante de Felipe.
— Promete, Gabriel.
— Eu não vou me aproximar daquele maluco porra, ele é um esquisito
e me dá calafrios. Eu prometo! Satisfeito?
Felipe grunhiu. Não gostava da ideia de Jonathan dando calafrios no
moreno nem que fossem de medo. Apertou mais o volante querendo xingar.
Não havia fumado todo aquele tempo e estava se sentindo ansioso de novo.
Sempre que passava o tempo com Gabe esquecia seu vício e o caos do seu
passado.
Um silêncio tenso permeou os dois enquanto a música tocava baixo no
fundo.
— Ele é meu irmão — Felipe disse por fim.
— Seu irmão?! — Gabriel o olhava chocado, quanto mais lembrava
daquele cara mais tinha a sensação de que eles tinham muito em comum. Ele
odiou aquela sensação. — E o que ele queria comigo? E como você sabia
que ele estava lá?
— É melhor não fazer muitas perguntas. Como eu disse, tem muita
coisa sobre mim que você não sabe. Quanto mais distante você ficar dele,
menos você vai saber sobre coisas ruins a meu respeito.
Silêncio.
— E se eu quiser saber as coisas ruins sobre você?
O ruivo grunhiu.
— Não vai dar. Não vamos poder continuar com o contrato assim. Eu
quero você distante disso. É... Perigoso. — Ele suspirou contrariado e
cansado.
— Perigoso para mim? Ou para você?
— Para você. Mas nós temos um contrato e eu não vou deixar que ele te
toque um dedo, não vou medir esforços para te proteger. Então acaba sendo
perigoso para mim também.
Aquela declaração fez Gabe estremecer da cabeça aos pés. Seu rosto
aqueceu a ponto de arder. Sentiu-se frágil novamente e odiava aquela
sensação. Não sabia exatamente o que pensar, sobre o que realmente
consistia o passado de Felipe, mas supunha que não era algo legal ou
comum.
Felipe por inteiro tinha uma aura de quem não era apenas um fotógrafo
como outro qualquer, tendo uma vida normal. Isso era como sua casa ampla
e vazia: sua sala de estar intocada, sua cozinha desnuda e as paredes cinzas
sem quadros. Tudo fazia mais sentido agora. O ruivo realmente tinha um
algo mais que Gabe sabia que existia desde o princípio, mas não tinha
certeza até aquele momento.
Tinha realmente algo mais: um quarto de espelhos, fotografias, pinturas
impressionistas, e seu eu verdadeiro encoberto. Tinha um passado que
parecia mais suspeito ainda. Mas não estava intimidado. Queria conhecê-lo
mais e mais, desvendá-lo e fazer parte de sua vida. Por mais que tentasse
sentir medo, não sentia. Não dele. Seu único temor era que ele se
machucasse.
— Não se machuque por minha causa, por favor — Gabe implorou
muito baixo.
Felipe riu divertido, quebrando a tensão.
— Ah, não se preocupe. Eu não me machuco, isso não acontece. Eu
quem machuco os outros, gatinho. Muito — o ruivo disse sadicamente, um
tom muito sombrio e assassino percorria suas palavras.
Gabriel arfou excitado com aquilo e o maior recuou, percebendo que
havia deixado escapar uma parte contida sua. Ele o encarou hesitante, mas a
expressão alheia era puro tesão. O ruivo negou com a cabeça, incrédulo, e
sorriu sensual voltando a encarar a via.
— O que? Era para eu ficar assustado? Porque eu realmente gosto
muito quando você fica agressivo — Gabe disse sorridente e passou as mãos
pelos cabelos lentamente. O Castro tentava focar na direção.
— Não me provoque, Gabo. Temos algumas horas de estrada pela
frente. Esqueça esse assunto e durma um pouco.
Gabe riu se enrolando confortável no banco, sonolento, e fez um
muxoxo.
— Você é muito mandão, eu já falei isso?
— Um par de vezes — Felipe concordou divertido. — E você é
incontrolável. Mas agora eu entendo o porquê. Sua família é bem
espirituosa.
— Ah, eu sinto muito por toda aquela cena vergonhosa. — O moreno
grunhiu com o rosto muito rubro. — Elas sempre foram barulhentas assim.
Eu tenho que controlar elas para não fazerem besteira toda vez. Parecem
crianças. Obrigado por ter fingido tão bem hoje.
O ruivo esboçou uma risada soprando incrédulo. “Fingir?” pensou
negando com a cabeça.
— Não foi nada. Eu me diverti e gostei bastante da companhia delas.
Apesar do susto que passaram, elas estavam muito bem-humoradas.
Gabe concordou com a cabeça e sorriu sem se conter, sentindo-se tão
bem que bocejou alongado. Ele estava muito relaxado.
— Felipe... Eu confio em você. Só… Mantenha seu irmão idiota longe
de mim, ok?
Silêncio.
— Sim. Eu vou cuidar de você, gatinho. Não precisa se preocupar —
Felipe disse finalmente, sorrindo de canto. Gabe assentiu com os olhos já
fechados. — Descanse. Você vai precisar de energia quando chegarmos.
A estrada parecia repetitiva e muito hipnotizante agora, fazendo o
moreno relaxar no banco. A música lenta tocava baixo, ocupando o carro
todo em uma sensação de tarde morna muito agradável. Ele sorriu e miou
ansioso, com as sobrancelhas cerradas, antes de pegar no sono enquanto
sentia o cheiro de Felipe o invadir.
“Eu sinto que gostaria de você mesmo que visse o seu pior lado... ”
Gabe pensou antes de cochilar. Não o julgaria, de fato, afinal, não era como
se ele mesmo não tivesse suas próprias sombras.
CAPÍTULO IX

Ao chegarem em casa, Felipe estacionou e observou, com os olhos


muito brilhantes, Gabriel dormindo profundamente no banco ao seu lado.
Definitivamente era lindo com o cabelo negro alvoroçado e a boca perfeita
entreaberta em um sono confortável. Sentiu seu coração acelerando e
hesitou, afastando a franja bagunçada de sua testa, a pele alheia muito macia
ali.
Tirou o cinto e lentamente se inclinou em sua direção, beijando sua
testa e sorvendo o cheiro que vinha dele com prazer. “É só sexo” repetiu
mentalmente. Ria de si mesmo por lembrar imediatamente do jogo do
contrário de Gabe: “eu sou um egoísta de merda”. Não queria que aquele
momento de paz acabasse, apesar de estar certo de que talvez aquilo duraria
menos do que ele esperava.
Gabriel abriu os olhos devagar sobressaltando-se com a proximidade do
ruivo. O outro, por sua vez, sorriu sensual o beijando e despertando-o de
vez. Ele segurou o rapaz sonolento pelo pescoço com a mão grande e
deslizou a outra pelo seu peitoral até chegar na barra de sua calça, abrindo o
fecho e o zíper.
— Posso? — Felipe perguntou. Gabe assentiu mordendo o lábio dele
em resposta.
O ruivo passou a deslizar as mãos pelo membro do moreno com
vontade, em seguida, masturbando-o, despertando-o e sentindo-o enrijecer
aos poucos, enquanto ele acordava.
— Já chegamos? — Gabe perguntou sonolento e manhoso, sua
respiração muito pesada por estar gostando muito daquilo. Sentiu-se rígido
nas mãos habilidosas do maior e o encarou corado.
Felipe assentiu lambendo os lábios, ansioso.
Ele se inclinou sobre Gabe, deslizando a língua pelo membro alheio
com vontade. O moreno estremeceu, sentindo o piercing dele deslizando
pela sua glande muito úmida. Agradeceu mentalmente por ter pensado em
aproveitar que estava na casa de sua mãe e tomar um bom banho antes de
pegarem a estrada. Sentia-se muito sensível, ainda acordando, enquanto o
ruivo o chupava lentamente. Ele gemeu e hesitou querendo tocar nos seus
cabelos.
— E eu…? — Gabe gemeu sentindo-o masturbando-o e chupando ao
mesmo tempo. Sua boca era incrivelmente habilidosa e quente. O item em
sua língua fazia uma pressão deliciosa em seus pontos mais sensíveis. —
Posso te tocar?
Felipe riu satisfeito com a pergunta tão boba e continuou concentrado
no que fazia sem olhar para Gabriel. Ele o chupou mais rápido e o moreno
tremeu deslizando as mãos pelo seu cabelo escarlate sem pensar. O ruivo
gemeu.
As mãos de Gabe acariciavam os fios e a textura lisa de sua franja, o
undercut áspero era também estranhamente macio e prazeroso de tocar.
Sentiu-se muito excitado e ansioso por mais toques daquele homem. “É tão
lindo, ele é tão lindo” o moreno tremia com aquilo, sua pele ainda muito
macia por estar despertando.
O ritmo demonstrava estar guiando-o para um orgasmo quando o ruivo
parou repentinamente limpando a boca com as costas da mão e beijou
Gabriel com vontade. Queria chupá-lo mais, queria sentir o gosto dele em
sua boca, mas também queria senti-lo quente o envolvendo fora daquele
aperto do carro.
Ansiava pelo seu corpo, pelos seus gemidos deliciosos e pela
resistência incrível à sua violência e força. Gabriel tremia sentindo o sabor
característico naquele beijo molhado e arfou com muito prazer.
— Vamos entrar. Você já está um bom tempo sem gozar. Vamos
resolver isso.
Gabe corou, sentindo seu coração bater rápido. Estava muito
envergonhado lembrando-se agora do que fizera em seu momento de fúria.
Felipe então saiu do carro e começou a retirar a comida do banco de trás e as
mochilas do porta-malas. O moreno tremia, temendo a reação dele. Pensou
em negar o fato e não falar nada, deixando para lá, mas não conseguia
simplesmente esconder dele. Sentia-se culpado.
Ele saiu do veículo, fechando sua calça e seguiu-o silenciosamente em
direção à casa. Entraram e Gabriel tirou os sapatos à soleira vendo o ruivo
guardando as coisas com ansiedade na geladeira, ele parecia radiante e muito
disposto, ansioso.
A casa muito neutra estava exatamente do mesmo jeito. O moreno
tremeu tensamente assustado enquanto caminhava devagar em direção ao
sofá. Sentou-se ali e abaixou a cabeça cobrindo o rosto com as mãos. Estava
em um conflito intenso. Felipe o observou curioso e foi até ele, preocupado.
Sentou-se ao seu lado.
— O que foi?
— Desculpa, eu estou me sentindo péssimo — Gabe falou em um
sussurro, sua voz estava muito dócil e chorosa. Ele estava apavorado. Felipe
recuou sem saber a razão daquela mudança de comportamento repentina.
— O que está sentindo? Eu... fiz alguma coisa? — Felipe perguntou
confuso, cada vez mais aflito.
— Não. Eu que fiz. E eu não sei como te dizer.
O ruivo esperou. Gabriel continuou tensamente levantando a cabeça e
olhando-o com os olhos vacilantes. Ele tremia.
— Quando você me disse aquelas coisas na exposição... Eu estava com
muita raiva. Eu não estava pensando direito e eu... — Gabriel fez um
muxoxo para si mesmo e abaixou a cabeça. — Eu meio que te desobedeci.
Eu me toquei sem você.
Silêncio.
O ruivo o olhava com aqueles olhos de dragão insondáveis. Estava frio
e distante, observando Gabe com a respiração muito tranquila. O moreno o
encarou rapidamente e logo desviou o olhar, muito envergonhado.
— Olha pra mim — Felipe mandou duramente e muito grave, fazendo-
o gemer tenso. O menor o encarou.
Ele continuou o olhando atenciosamente. Queria sentir raiva de Gabe,
mas não conseguia. Queria sentir a fúria que sentia sempre que cansava de
seus submissos insubordinados, mas não sentia nada além de decepção
consigo mesmo por ter feito ele passar por aquilo.
Sentiu um lapso de nervosismo e queria bater em Gabriel com força.
Puni-lo para fazê-lo gritar e gemer, relembrando-o quem era seu dono.
Queria provar para aquele homem que ele era tudo que ele precisava e que
não iria mais magoá-lo. Só fazê-lo sentir prazer. Felipe suspirou refletindo
sobre o que faria, por uma fração de segundo.
— Você está com raiva?
— Não — Felipe respondeu ainda pensando. O moreno tremia sem
acreditar nele. — Apenas tire a roupa e vá para sua posição. Não saia de lá.
Eu vou tomar um banho e pensar no que fazer com você.
— Toda a roupa?
— Sim.
Gabriel estremeceu e levantou devagar, seguindo o ruivo para o quarto.
Felipe o viu se despindo trêmulo antes de entrar no banheiro e, enquanto a
água morna escorria devagar sobre seu corpo, refletia concentrado. Estava
muito excitado e ansioso para conseguir puni-lo decentemente, mas não
transar com ele também não era uma opção viável, tremia de desejo.
Aos poucos foi dominado pela curiosidade de como aquele ato rebelde
havia acontecido e por que realmente fizera aquilo. Ele poderia ter acabado
com o contrato ou feito qualquer outro ato de descontentamento, mas
escolheu tocar-se. Por quê?
O ruivo saiu do banho e vestiu sua calça de tecido larga. Suas mãos
tremiam ansiosas para punir Gabriel. Caminhou para fora do banheiro
enxugando o cabelo com a toalha ao redor de seu pescoço, ele ainda estava
muito úmido pelo banho e pelo calor da tarde. Largou o tecido na maçaneta
da porta da suíte e rondou Gabe que estava ajoelhado sobre as pernas, de
cabeça baixa, no centro do carpete, tremendo muito.
Felipe sorriu discretamente, muito sádico, tirando seus itens de dentro
do guarda-roupa. Sentia-se satisfeito com aquele medo que emanava de seu
submisso, deliciando-se com o poder que tinha sobre ele. Abriu a bolsa
negra em cima da cama e não se sentiu satisfeito com o que via, não queria
usar nada daquilo.
Queria fazê-lo sentir mais medo, terror e agonia enquanto o fazia gozar.
Fear play estava no contrato, afinal. Regressou até o guarda-roupa
novamente e tirou de uma das gavetas vários punhos de corda que jogou no
chão com muita força.
O moreno teve um sobressalto, assustado com aquilo. O dominador se
sentou em frente ao rapaz e passou a desenrolar as cordas devagar. Gabriel
sentiu um calafrio.
— Eu não vou te punir agora... Ainda não — Felipe murmurou
suspirando enquanto organizava as cordas, estava com uma expressão muito
límpida. Sabia que não aguentaria ficar sem tocá-lo por nenhum segundo a
mais. Ele olhou sombriamente para o moreno. — Do jeito que você está
agora não aguentaria nem metade do tanto que eu quero te bater.
Gabe estremeceu com aquela proximidade e ameaça. Felipe cheirava
bem e tinha aquela presença que o fazia estremecer e se sentir muito frágil.
“Por que ele está sendo tão gentil comigo? Ele disse que não estava com
raiva, mas parece estar chateado” pensou com o estômago embrulhado e
vibrando de nervoso.
O ruivo continuou falando enquanto começava a cruzar as cordas em
seu peito e ombros em amarrações de shibari. A tração das cordas em sua
pele o fez se arrepiar.
— Você realmente fez isso?
— Sim. — O moreno tremia sentindo as cordas deslizando pela sua
pele. — Eu sinto muito.
— Você está arrependido?
— Sim.
— Sabe que merece ser punido por ter me desobedecido, não é?
Gabe assentiu muito tenso, suava e engolia sem parar. Felipe suspirou
tentando se sentir irritado. Não conseguia. Mas queria puni-lo, queria
machucar sua pele novamente e intensamente.
— Eu preciso que você entenda uma coisa: o contrato não é só sobre o
sexo, Gabo. É sobre controle e concessão — Felipe dizia precisamente
enquanto amarrava o tórax de Gabriel. Os dois tinham a respiração pesada
pela tensão enquanto o menor ouvia a voz rouca alheia falando muito
próximo a ele. — Não pense que por eu ser seu dominador eu não faço
concessões. Eu cedo o tempo todo para os meus instintos, vontades e
desejos, como também controlo meus impulsos e impaciências. Ou tento
controlá-los e, como você já notou, às vezes eu falho.
Felipe o olhou nos olhos e puxou as cordas com força em mais um nó
cruzado. Elas já faziam uma rede em seu peito e o ruivo permanecia tecendo
amarrações, enrolando-as em sua cintura. Se movimentava com precisão e
força quando começou a amarrar seus braços para trás, preso à teia de seu
tórax. Gabriel arquejou muito excitado.
O ruivo continuou:
— Você também não está só cedendo na posição de submisso. Você
cede permitindo-se ser dominado, ser obediente. E isso faz parte do jogo.
Mas também precisa estar no controle. Controlar seus medos, preconceitos,
inseguranças e impulsos. — Ele finalizou a amarração de seus braços
voltando para a frente do moreno. Aproximou-se dos lábios de Gabe
lambendo-o, seu piercing deslizando pela pele macia dele. Puxou uma nova
corda para frente, mais uma vez. — Se você só se controlar não vai
conseguir ceder e vice-versa. O prazer mora em sentir os dois. O que muda
entre nós é o que exatamente controlamos e o que cedemos em nós mesmos,
mas no geral fazemos isso na mesma medida aqui.
Gabriel miou quando o dominador o puxou em um solavanco para ficar
de joelhos, abrindo suas pernas com força. Ele passou as cordas por entre
suas virilhas e começou a enrolar e enlaçá-las em sua coxa esquerda.
Empurrou-o para se sentar sobre sua perna de novo e atou sua coxa à sua
panturrilha em várias voltas e nós.
O aperto em seu peitoral limitava sua respiração e movimentos, além de
seus braços completamente atados para trás. Estava completamente preso. O
ruivo continuou cruzando as cordas em sua coxa com força, o submisso o
observando com apenas a perna direita livre.
— Você achava que não precisava de treinamento porque aguenta e
gosta de dor. Mas também não é só sobre dor. — Felipe levantou o olhar e os
dois se encararam. O olhar de lince do ruivo estava muito focado e excitado.
— É também sobre agonia, expectativa. O que elas geram em você.
Aproveitá-las. É sobre paciência para conseguir sentir tudo sem pressa. Se
você se tocar sem mim, não vai sentir o que eu quero te fazer sentir
decentemente.
Ele prosseguiu:
— E eu quero te fazer sentir cada... Parte... — O dominador amarrou
com força fazendo Gabriel ter um sobressalto, ele segurou as cordas com a
mão esquerda. Sua mão direita estava muito quente por causa da fricção
daquele trabalho manual e acariciou com muito cuidado a perna sem
amarrações do moreno fazendo um choque de temperatura. Gabe gemeu alto
sem conseguir se controlar, não esperava aquele toque. — ... Do seu corpo.
Felipe sentiu tremores de ansiedade e subiu sua carícia até a cintura
trançada de Gabe. A pele do moreno estava muito sensível entre as
amarrações por causa da circulação interrompida. Ele tremia e seu membro
já pulsava muito duro.
O submisso não conseguia parar de se contorcer levemente, sentindo as
cordas o prenderem em uma rede rígida e tensa, os toques e aproximação
alheia estavam muito mais intensos que o normal. Gemia de prazer e dor.
— Você entendeu?
— Sim... — Gabriel confirmou hesitante. Ele tremia muito, em uma
agitação tensa. Estava fora de si pela expectativa e desejo, além da ansiedade
de ser atado sem saber o que aconteceria com ele a seguir.
Felipe se aproximou pressionando seu peito e costas.
— Acalme-se, gatinho. Respira fundo — Felipe disse muito calmo.
Gabriel o olhava nos olhos sentindo a segurança dele o acalmar. Respiraram
fundo juntos por alguns segundos. — A adrenalina e a ansiedade são boas na
medida certa. Se deixar elas te dominarem, você não vai sentir nada além de
medo. Seu corpo vai ficar muito mais dolorido e exausto do que o necessário
e você vai cansar sem aproveitar.
Gabe o fitava muito apreensivo, não conseguia piscar hipnotizado por
aqueles olhos cor de âmbar. Aquele olhar o invadia, aquela voz tornava-se
seu mundo cada vez mais e domava-o. Sentia-se como um animal caçado,
atado em uma teia, preso e sem nenhuma esperança de sobrevivência.
— Você está com medo de mim? — Felipe perguntou.
O moreno negou com a cabeça. Estava com medo daquela situação,
arfando sem conseguir controlar a excitação. Seu coração parecia saltar em
sua garganta.
— De você não, eu me sinto seguro com você. Mas mesmo assim, é
como se... — Gabe tentou falar enquanto tentava controlar os tremores. Ele
confessou por fim: — eu fosse morrer.
Felipe riu e abraçou Gabriel, beijando seu pescoço com delicadeza. Os
dois tremeram naquele abraço. Normalmente não precisava confortar seus
submissos daquele jeito e também nem tinha paciência com ninguém que
precisasse desse tipo de contato mais íntimo. Todos os chamavam de
dominador de gelo por ele apenas se importar consigo mesmo, sem nenhuma
vontade de lidar com amadores ou submissos resistentes.
Mas Gabe era diferente. Ele o fazia, mesmo tendo-o irritado, sentir uma
imensa necessidade de tocá-lo, beijá-lo, abraçá-lo, como se quisesse fundir-
se a ele. “Ele é tão quente... tão macio” pensava sentindo o corpo do menor
aos poucos parando de tremer. Não conseguia fugir daquele homem. “O que
você fez comigo, gatinho?” pensou de novo.
— Viu? Controlar e ceder — Felipe falou, olhando-o nos olhos. Seu
olhar sádico fazia Gabe se sentir estranhamente seguro e confortável. —
Com o tempo as amarrações vão ficar mais elaboradas, as punições vão ficar
mais intensas e severas. A dor é só uma ilusão. Você não está em perigo real.
O medo é o único que está te machucando. Entendeu?
Felipe se inclinou em sua direção devagar e lambeu com vontade o
mamilo alheio lentamente, fazendo-o gemer com força. Chupou ali
mordiscando-o e empurrou o corpo de Gabe para deitá-lo de lado, sobre a
perna livre, enquanto a amarrada ficou cruzada atada. A posição nova
obrigando-o a ficar com as pernas abertas. Seus braços para trás sofriam
muita pressão em consonância com os outros nós espalhados pelo seu
peitoral.
Felipe se levantou e foi até o guarda-roupa, caminhando lentamente.
Pegou dali três pequenos frascos e colocou-os no bolso da calça larga de
algodão. Gabriel se via pelo reflexo do espelho muito duro, amarrado e preso
como um animal no chão. Não conseguia pensar em nada. Não sentia mais o
medo, apenas a dor em todo seu corpo que o fazia sentir-se anestesiado.
Merecia aquilo e saboreava a sensação.
O ruivo o rondou como uma fera.
— Eu quero ouvir... O que te fez me desobedecer e gozar sem mim? —
Felipe perguntou. Estava muito curioso sobre o que se passava na cabeça
daquela criatura tão linda e lambia os lábios vendo-o arfar.
O cabelo muito alvoroçado e negro, molhado de suor, cobria os olhos
de Gabriel. O dominador sabia que tinha magoado-o e queria ouvir como ele
se sentia, queria se redimir.
— Fala — ordenou.
Gabriel fez que não com a cabeça. Estava se sentindo envergonhado
naquela posição e mais ainda com a resposta para aquela pergunta.
— Você... Disse que não ia me punir agora — Gabe disse com
dificuldade. Felipe riu.
— Eu não vou te punir agora. Pode pensar que isso faz parte do seu
treinamento. Uma prova final para saber se está pronto. — Era uma meia
verdade. Felipe estava muito mais curioso do que pensando no treinamento.
Continuou falando: — se não consegue controlar sua insegurança e ceder em
falar livremente sem ela... Talvez não consiga continuar com o que quero. —
Ele deu de ombros debochado e Gabriel o fuzilou com os olhos muito
bravos.
— Eu consigo! — ele disse com raiva, usando praticamente todo seu
fôlego e perdendo o ritmo da respiração dentre as amarras.
— Certo, certo... — Felipe desdenhou, agachando na sua frente em um
tom impaciente e sombrio. — Então fala. O que exatamente te fez me
desobedecer? Estava tão bravo com o que eu disse a ponto de querer me
machucar se tocando e me contando depois?
Silêncio. O moreno grunhiu, vencido:
— Sim... Mas... Não só isso. Eu... — Gabriel se sentiu contrariado e
hesitava.
Uma grande parte dele queria livrar-se daquilo e só falar tudo de uma
vez enquanto outra parte o segurava firmemente. “Eu quem assinei essa
droga. Eu queria fazer parte disso. Por que ele faz eu me sentir tão à vontade
para falar qualquer coisa?” pensava apertando os olhos.
“Controlar e ceder”
Ele ouviu a voz de Felipe em seus pensamentos e respirou fundo antes
de relaxar completamente. O maior o observava pacientemente, percebendo
a luta interna que travava. Estava completamente imerso naquela atmosfera
viciante de olhá-lo batalhando contra si mesmo, suando e respirando pesado.
— Eu tenho tido uns sonhos — Gabe admitiu finalmente, com
dificuldade.
“Eu não preciso falar sobre isso... Eu posso mentir, ou usar uma palavra
de segurança. Posso falar sobre o quanto eu só estava irritado e queria deixá-
lo com raiva e finalizar isso de uma vez” pensou desistindo imediatamente
das ideias, já havia percebido que mentir e esconder coisas daquele homem
era impossível. Continuou:
— Não só sonhos, porque eles não acontecem só quando eu durmo. Eu
sempre acabo pensando em você.
— Continue — Felipe disse intrigado.
— Eu não sei o que... Você vai pensar sobre isso...— Gabriel escondia
o rosto no carpete escuro, seus cabelos cobrindo-lhe a face.
— Não importa. Não vou pensar nada sobre isso. Continue.
Gabe suspirou sentindo as cordas repuxarem seu corpo e gemeu
baixinho. Estava muito excitado, envergonhado e dolorido, queria que Felipe
o tocasse e queria isso urgentemente.
— Eu tenho tido esses sonhos com você. Às vezes eu fico excitado em
lugares e horas erradas. Isso me deixa nervoso e com raiva. Com mais
raiva... Muita raiva. Você não sai da minha cabeça — Gabriel disse muito
rápido em praticamente um sussurro, falava muito baixo e Felipe sentiu seu
coração martelando contra suas costelas. Ele se inclinava para ouvi-lo
segurando-se para não o tocar. — Tanta raiva que eu sinto vontade de te
irritar, de te fazer pagar por isso. Quando você me disse aquilo tão agressivo,
me machucou muito, e eu... Não esperava que fosse doer tanto ser rejeitado
por você. E doeu. Muito. Foi a pior dor que você já me fez sentir.
Felipe prendeu a respiração sentindo-se sufocado. O moreno continuou:
— Você me irrita. Me irrita muito. E me deixa sempre assim sem saber
o que fazer. Parece que eu não tenho controle sobre mim. — Ele fez um som
descontente — Droga, eu não gosto de falar sobre como me sinto.
Gabriel estava muito vermelho de vergonha e raiva. Não queria ser mal-
interpretado e sentiu-se começar a tremer novamente.
— Não pense que eu gosto de você ou alguma merda do tipo! Porque
não é isso! — Gabriel gritou olhando para Felipe muito bravo, pegando-o
desprevenido.
O moreno usava um tom que agora Felipe conhecia bem: estava
jogando sem notar, ou muito consciente do fato. O ruivo o olhava muito
sério, sua respiração descompassada. O canto de sua boca tremeu num
sorrisinho sádico e ele se aproximou lentamente do menor.
— É claro que eu não pensaria algo tão bobo — Felipe disse
segurando-o pelo queixo com força. Seu tom parecia com o do jogo do
contrário, mas Gabriel também não conseguia definir se era isso mesmo ou
não — E o que você pensou? Digo, o que te excitou enquanto fazia isso? O
que foi tão bom que não poderia esperar para aliviar aqui? — “Comigo...”
Felipe pensou nervoso e muito curioso pelos pensamentos do moreno.
Gabriel queria encerrar aquela conversa. Precisava que Felipe o tocasse
e não aguentava mais. Sentia-se escorrendo, excitado. O ruivo observava
atentamente aquela cena.
— Você. Só isso. O tempo todo — o moreno falou sinceramente. Ele
tremeu apertando os olhos suplicantes. — Em você me tocando. Dentro de
mim... Sua voz... Seu... Cheiro.
Felipe riu rouco, muito satisfeito e aliviado. Aquela resposta o invadiu e
o deixou latejando. Já estava em seu limite também.
— Você foi muito bem, gatinho. Com o tempo vai se acostumar em
falar o que pensa. E você vai ser punido pelo que fez quando estiver pronto
para aguentar a punição que merece. — Ele lambeu os lábios, sua boca
estava muito quente. — Mas agora eu vou te recompensar por ter me
obedecido aqui, para que você entenda que, mesmo que goste de dor, ser
recompensado é melhor que ser punido.
Ele empurrou cuidadosamente Gabriel para que ele ficasse de peito para
cima. Seus braços amarrados para trás foram pressionados com seu peso e o
moreno ganiu de dor.
— Não se preocupe. Não vai ficar assim por muito tempo — Felipe
garantiu arrastando-se para encaixar-se entre as pernas de Gabe. Ajustou-se
para acariciar a perna livre das amarras enquanto lambia e mordiscava sua
perna atada e dobrada. O moreno gemeu tremendo com a exposição, as
pernas muito abertas e seu membro muito duro escorrendo e pulsando.
Felipe arqueou a perna não atada fazendo-o ficar mais aberto, tirou um
dos frascos do bolso e despejou o conteúdo nos seus dedos. Encaixou-se
mais e passou a massagear o membro alheio, masturbando-o. O gel começou
a esquentar levemente enquanto o menor se contorcia. Não sentia mais suas
mãos e braços.
— Quando você fez isso sozinho era tão bom assim? — o ruivo
questionou divertido, debruçando-se sobre o rapaz atado. Os dois se
encararam enquanto o submisso tentava respirar com a boca muito aberta.
As mãos daquele homem faziam Gabe tremer ansioso, deslizando com
velocidade e força. A respiração dos dois ocupava o cômodo com o som
úmido que vinha daquele movimento. Os dedos de Felipe agora deslizavam
para os testículos do moreno, massageando-os e aquecendo-o, passando para
o períneo onde ele se dedicou a estimular e pressionar, indo e voltando pela
entrada.
Gabriel gemeu sentindo suas coxas fraquejarem. O ruivo sacou outro
frasco do bolso e, lentamente, despejou o conteúdo dessa vez diretamente na
virilha do moreno. Ele sorriu divertido vendo-o se contorcer, o submisso
pulsava e escorria muito aquecido pelo gel. Estava mais melado que o
necessário, além do próprio suor que escorria de seu corpo atado.
O ruivo usou as mãos e dedos para espalhar o gel que agora parecia
como corrente elétrica, algo entre o frio e o quente, passando a pressionar a
entrada com o dedo, em seguida, enfiando-o lentamente. Um, depois o outro,
de maneira ritmada, entrando e saindo.
— Fe... lipe... Por favor... — Gabriel implorou. Felipe se debruçou com
força sobre ele, pressionando seu peso e abrindo muito as pernas alheias. Os
dedos entravam e saiam dele, seus rostos ficando próximos.
— Eu já disse, me chame de mestre se quiser pedir alguma coisa. Isso é
uma ordem — disse sorridente, fazendo o menor o fuzilar com o olhar muito
raivoso.
O ruivo riu e saiu de cima dele voltando para sua posição, continuou
enfiando os dedos e massageando dentro de Gabe. Ele sabia exatamente em
que ponto tocar para fazê-lo gozar sem necessariamente masturbá-lo, ou
apenas estimulando muito pouco. Ouvia-o gemer tentando rebolar em seus
dedos.
Os braços atados doíam muito e isso causava uma sensação sublime,
Gabriel queria mais, queria aquele homem dentro dele enquanto enfrentava o
dilema de não querer chamá-lo de mestre. “Mestre... mestre... Combina com
ele. Combina tanto com ele.” pensava com dificuldade, tomado pelo prazer
das investidas. Sabia que poderia gozar daquele jeito, mas queria mais.
Queria mais forte.
— Você está realmente muito quente aqui — Felipe sussurrou. Usava
os dedos para penetrá-lo e o polegar para massagear seu períneo. Estava
muito excitado. Seu membro latejava dentro da calça de tecido. — Eu sei
que quer mais que isso. Pede.
Gabe se contorceu muito ouvindo sua voz rouca. Podia senti-lo dominar
a atmosfera com sua respiração pesada e aquela voz muito grave. “Mestre...
mestre... Por favor...” pensava mordendo a própria língua com força. Felipe
grunhiu nervoso e lambeu a perna atada do moreno, chupando sua carne
muito sensível.
— Por favor... — o submisso disse sem conseguir se segurar, sentia
cócegas com aquilo. Não conseguia se mexer. Felipe parou e o olhou nos
olhos em expectativa. Os dois se encararam longamente e Gabe sentiu seus
lábios tremerem em um sorriso sensual. — Eu quero você dentro de mim,
mestre... Por favor.
Felipe congelou ouvindo aquilo. Ele fechou os olhos revirando-os,
gemeu baixinho e suspirou aproveitando cada segundo, pressionando o rosto
contra a perna que lambia há pouco.
Tirou os dedos dali e ficou de joelhos entre suas pernas abaixando a
calça um pouco, expondo a ereção muito úmida. Olhou sádico para o
moreno naquela posição, tremendo muito duro, atado e melado, e sorriu de
canto enquanto segurava o próprio membro. Esfregava a glande entre suas
nádegas pressionando a entrada.
— Lembre-se como é muito melhor comigo toda vez que pensar em me
desobedecer de novo — avisou enquanto enfiava com velocidade,
arqueando-o. Gabe gemeu alto, um filete de saliva escorria de sua boca
aberta. Não se importava mais com nada, sentia-se incrível com aquele
toque.
O maior se movimentou entrando e saindo dele com vontade. Segurou-
o pela cintura atada e suspendeu seu quadril para conseguir ir mais fundo.
Isso aliviou seu peso sobre os braços atados para trás, fazendo-o se
concentrar só no prazer.
Gabriel se revirava, fitava Felipe suando acima dele com os cabelos
vermelhos muito bagunçados, puxando-o para si com força. Os olhos do
ruivo passeavam sedentos pelo corpo nu do moreno amarrado, tremia
sentindo o calor em seu membro o apertando e teve que se concentrar apenas
em fazê-lo sentir prazer, contendo-se ao máximo.
Os cabelos de Gabe estavam muito molhados e agora estava
impossibilitado de enxergar por causa da neblina que cobria sua visão, sentia
as investidas aproveitando ao máximo cada segundo e cada sensação. Era
tomado por frustração e profunda agonia sempre que o ruivo reduzia a
velocidade o olhando maldoso e depois enfiava com força continuando o
ritmo viciante.
Sentiu raiva e excitação com a brincadeira. O limite da excitação era
atingido para depois recomeçar do zero.
Gabriel sentia as estocadas e as mãos do ruivo o acariciando, se
espalhando pela sua pele sensível o envolvendo intensamente. Seu estômago
tinha calafrios de pura excitação sempre que via os olhos cor de âmbar se
revirando de prazer. Pulsava com força olhando-o retesar o nariz com uma
expressão violenta, gemendo grave e tremendo. Movimentando-se por ele,
dentro dele. Deslizavam.
O moreno se retorceu, miando sem acreditar que estava finalmente
sendo tocado por ele, que estava-o sentindo. Queria tocá-lo com as mãos.
Queria abraçá-lo mais que tudo. Não havia mais nenhum resquício de medo
ou insegurança, apenas dor, prazer, calor.
“Controlar e ceder” ele ouvia a voz dele em sua mente “O medo é o
único que está te machucando”. O menor grunhiu sem aguentar mais nem
um segundo, Felipe continuava brincando com ele, deixando-o muito perto
de gozar e depois reduzindo o ritmo. Movia-se com precisão dentro de si
erguendo-o e puxando-o.
O ritmo era viciante. Não suportava mais, a dor agora tomava todos os
seus membros em um serenar frio e ardido. Doía. Doía. E isso era o que mais
o dava prazer.
Suas coxas estremeceram e Gabriel sentiu-se gozar muito intensamente,
jorrando quente em cima de seu próprio abdômen amarrado. Revirou os
olhos em um miado alongado que fez o ruivo tremer muito.
Felipe arfou sorrindo por trás da franja vermelha, muito feliz com
aquele som e com aquela cena, e masturbou-o um pouco, obrigando-o a
prolongar o orgasmo um pouco mais. “Meu... todo meu” pensava em uma
névoa densa de prazer.
— Relaxe um pouco — Felipe disse baixinho, desatando devagar o nó
da perna com as mãos fortes. Ele saiu de dentro de Gabe e girou-o para
desfazer os nós e amarrações, libertando o moreno que tremia inerte no
chão.
Ao ter seus braços soltos, Gabe grunhiu de dor.
— Merda... — reclamou sentindo seus braços doerem muito, sua pele
estava muito sensível e marcada pelas cordas. Antes que ele percebesse,
Felipe o pegou nos braços suspendendo-o e sentando-o em seu colo com
velocidade. — Mas que porra?!
— Calma. Eu só quero ver como está seu braço — Felipe disse sério,
segurando-o pelos ombros e movimentando suas articulações. O moreno
gemeu. — Dói muito? Tente mexer os braços assim...
Gabe o observou e imitou o movimento dos ombros. Doía, mas não
tanto. Suas mãos estavam frias pela falta de circulação e ele as abriu e
fechou várias vezes. Ele assentiu com a cabeça insinuando estar tudo bem e
timidamente reparou que Felipe ainda estava muito duro e não havia gozado.
— Tá... Está tudo bem — Gabe disse ansioso. Queria mais, queria
sentar nele daquele jeito e abraçá-lo. Ele olhou para Felipe que o observava
de perto, segurando-o pela cintura com delicadeza.
— Provavelmente vai doer mais tarde. — Felipe bufou um pouco
decepcionado por tê-lo pressionado tanto naquela posição. Sentiu que não
deveria continuar, estava quase perdendo o controle de si mesmo. — Eu não
deveria ter arriscado tanto dessa forma. Não vai se repetir.
— O quê? — Gabe disse confuso, não estava satisfeito. Queria
prosseguir. — Tá tudo bem, de verdade! Não foi nada!
Felipe negou e tirou Gabriel do seu colo ajeitando a ereção dentro da
calça. Ele se levantou e caminhou até a escrivaninha, acendeu um cigarro e
tragou devagar observado o moreno que o olhava frustrado no chão.
“Ele não gozou. Ele não...” Gabriel não conseguia pensar em outra
coisa e não sabia o que fazer para fazê-lo voltar. Sentiu que não poderia
fingir que estava bravo ou contrariado ali, desejava-o e sentia que ia chorar
como uma criança se não o tivesse.
— Tome um banho. Terminamos por hoje — Felipe disse friamente,
fumando.
— O quê?! Não! Ainda não acabamos! — Gabriel falou bravo. Via-se
pelo reflexo muito marcado pelas cordas, seu corpo protestava de dor e não
conseguia se levantar pela câimbra na perna que estava atada antes.
Ele grunhiu contrariado com aquela sensação, querendo forçar-se a
melhorar mais rápido daquilo. Aos poucos sua perna voltou ao normal.
Felipe negou com a cabeça sentando-se na cadeira, ele fumava em silêncio
olhando para o moreno, preocupado.
— Não é você quem determina se acabamos ou não, Gabo. Não sei se
você merece mais — Felipe disse com sua expressão muito distante e fria.
Seus olhos dourados analisavam o homem sentado ao chão, tremendo com
os olhos marejados. — Está doendo muito? Não consegue se levantar?
Gabriel negou com a cabeça e encarou o chão frustrado. “Isso não vai
ficar assim. Definitivamente eu não vou aceitar só isso” pensou sentindo a
corrente violenta de determinação o atravessar. Ele bagunçou o cabelo negro
com violência e ficou de quatro lentamente se espreguiçando como um gato,
olhando para o ruivo com sua expressão felina as sobrancelhas cerradas.
Pelo reflexo do espelho percebia que estava muito suado, melado, e
suas curvas eram absurdamente atraentes. Ele sorriu de canto muito
provocante e olhou para Felipe com muita lascívia. O ruivo estremeceu
tentando controlar-se.
— Então você está satisfeito? É só isso que vai fazer comigo? — Gabe
perguntou baixinho. Ele começou a engatinhar muito lentamente na direção
de Felipe, como um gato selvagem.
— Não estou, mas eu também mereço minha punição por ter te tratado
daquele jeito. Então é tudo que teremos por hoje. — O maior tragou devagar
vendo o moreno se aproximar lentamente. O prazer que o inundava vendo-o
daquele jeito era colossal, Gabriel estava absurdamente lindo.
O ruivo teve um calafrio ao sentir o rosto alheio, quente e corado,
esfregando-se em suas pernas, ronronando. Gabriel realmente se
movimentava como um gato, os olhos dóceis o devoravam com muito desejo
emoldurados por cílios negros e densos muito bonitos.
Felipe segurava o cigarro tentando parecer o mais frio e determinado
possível, sua ereção latejante dentro de sua calça. Queria estar dentro dele de
novo, queria muito, mas precisava se controlar.
— Por favor, mestre. Só mais um pouco. Eu não quero que você seja
punido — Gabriel ronronou, deslizando pelo corpo do outro, escalando-o.
Felipe prendia a respiração muito tenso enquanto seu cigarro queimava
devagar. O ruivo olhava de cima aquele homem deslizando as mãos pelas
suas coxas, puxando sua calça. Ele o ajudou a retirá-la, mesmo que
contrariado, não conseguia resistir. O menor continuou escalando-o quando
o deixou nu.
Os membros eretos dos dois latejavam pressionados um contra o outro
agora, em um contato muito quente, quando Gabriel sentou em seu colo, de
frente para o ruivo, encaixando as pernas ao redor da cintura dele. Passou
a deslizar as pontas dos dedos pelos ombros, braços e antebraços expostos
do maior lentamente até chegar na mão que ele segurava o cigarro.
Gabe a puxou para si lentamente, sem tirar os olhos dos dele, e virou o
rosto devagar encarando-o e tragando do cigarro. O ruivo arfou, muito
excitado com aquela cena, o pescoço e peitoral do moreno eram muito
detalhados e estavam escorrendo de suor. Seu submisso já estava muito duro
de novo e pronto para mais uma.
Felipe arregalou os olhos com tesão, vendo-o agora abrindo a boca
lentamente, a fumaça escapando em espirais densas enquanto ainda o olhava
muito provocativo. Não tinha como controlar aquilo. Em um lapso, segurou-
o pelo queixo com violência, puxando-o para si e aproximou seus lábios com
cuidado, sugando a fumaça devagar. Tomou-o em um beijo, em seguida,
ambos gemendo aliviados.
Gabe nunca tinha fumado na vida e nem pretendia continuar, mas
sentia-se muito poderoso sobre aquele homem, tomando do seu cigarro e
fazendo-o perder o controle. Fazer exatamente o contrário do que disse que
faria. Pegou de vez o cigarro dos dedos inertes de seu dominador e o apagou
no cinzeiro atrás de si: ele era o único vício que Felipe precisava agora.
O ruivo cedeu e o suspendeu em seguida. Encaixou-se até deslizar com
seu membro para dentro do moreno em um movimento súbito. Gabriel
arqueou as costas e abraçou-o com força, grato. Ele arquejou contra a boca
aberta de Felipe sentando nele com violência, estava muito melado e suado.
Os dois tremiam.
— Se quer mais tanto assim eu vou te dar mais. Mas eu não vou gozar
— Felipe sussurrou calmamente puxando o cabelo de Gabriel para trás. O
outro revirava os olhos sentindo-o muito fundo, não acreditava em uma
palavra daquele homem.
“Eu vou te fazer gozar” pensou satisfeito enquanto estremecia de
prazer, latejando.
Gabe olhou para o maior naquela posição e tremia muito, sorria
satisfeito com a força das estocadas do ruivo e dos arranhões que suas unhas
causavam quando ele apertava sua bunda violentamente. Estavam muito
perto, seus corpos se esfregando suados enquanto a cadeira rangia em um
som repetitivo.
O moreno passou as mãos na nuca alheia, deslizando os dedos com
violência e sentindo-o por completo. Felipe arfou com aquele toque e o
apertou mais contra si, ajudando-o a quicar em seu colo, mordeu seu peito e
pescoço repetidas vezes chupando-o com força ali.
— Gostoso... Você é tão gostoso — Gabe sussurrou sorrindo muito.
O ruivo gemeu, continuava deslizando suas mãos e boca pelo corpo do
rapaz com intensidade adorando ouvir aquilo. A voz dele parecia derreter de
prazer. Felipe devorava-o arfando, ansioso e faminto.
Ele se mexia com dificuldade naquela cadeira e segurou o moreno pelas
pernas. Levantou-se levando-o em direção à cama, sem sair de dentro de seu
submisso. Gabriel o abraçou tremendo muito, deslizando por conta do suor.
Não havia cansado, queria mais.
Felipe se sentou na cama e o menor sobre si o empurrou para que ele
deitasse com uma expressão muito sensual. O ruivo não protestou, adorava a
visão dele rebolando em cima de si. E ele o fazia com mais intensidade e
maestria agora que podia apoiar-se na cama, impulsionando-se para cima e
para baixo, seu membro movimentando-se muito contra a barriga do outro.
O ruivo estremecia com aquilo, não conseguia mais controlar sua carne
trêmula. Seus pensamentos estavam desaparecendo a ponto de ele precisar
apertar firme as coxas de Gabriel para voltar a si. O gemido do moreno o
mantinha conectado em seu corpo relaxado e membro rígido.
Ele se apoiou em um cotovelo e puxou Gabe pelo pescoço para sua
direção com uma mão, beijando-o, devorando-o, enquanto o outro rebolava
com força. A sua cintura era incrivelmente maleável e ele fazia aquele
movimento muito bem.
Felipe queria pará-lo para controlar-se mas não conseguia evitar. O
homem xingava mentalmente, estremecendo com a sensação da bunda de
Gabe batendo úmida em suas coxas, deslizando em seguida e batendo de
novo. Estava hipnotizado, preso naquela sensação.
— Controle-se, gatinho. Eu já disse que não vou gozar — Felipe disse
grave e muito sério, tentava controlar sua voz o máximo para ela parecer
comedida e centrada. Sentia-o tremer em cima dele pulsando, muito
empenhado em fazê-lo gozar. E ele estava quase conseguindo.
Gabe arqueou as sobrancelhas. “Você é um péssimo mentiroso, seu
desgraçado” pensou confiante, vendo Felipe muito corado abaixo de si.
Sabia que estava fazendo seu melhor e que ele estava quase lá. Sabia disso e
não confiava naquele tom forçadamente frio e distante dele. Não se deixou
levar. Ele rebolou lentamente com precisão e se inclinou em direção ao ruivo
com seus olhos de gato muito apertados e cheios de desejo. Sua voz escorria
em um sussurro sensual, era arrastada e provocativa:
— É difícil me controlar. Você é muito... — Gabriel começou a
aumentar a velocidade das estocadas rebolando com vontade. Felipe gemeu
grave apertando os olhos, seu queixo travado com a intensidade daquilo. Os
movimentos ficaram mais ritmados e molhados, o ruivo resistia com
dificuldade. — Muito, muito gostoso, mestre. E eu quero sentir... você
gozando dentro de mim. Bem. Fundo.
Felipe o puxou com força entrando nele o mais fundo que podia. Um
calafrio intenso como um corte gélido de lâmina percorreu sua espinha com
velocidade. Um gelo ardente lambeu suas coxas e seu rosto rubro. Gabriel
gemeu intensamente, em um miado, gozando contra o abdômen do ruivo e
sentindo-se aquecer muito por dentro com o jorro intenso do orgasmo alheio,
ocupando-o com sua densidade e volume.
O dominador o puxou para si abraçando-o com força, sufocando-o.
Mordeu-o com violência, sentindo o auge mais intenso que já sentira na
vida. Gemia muito alto, quase urrava de prazer. Estava entregue, domado,
dominador, caça, caçador. Tudo. Gabriel sentiu lágrimas escorrendo de seus
olhos involuntariamente, arfando contra o pescoço daquele homem e tomado
por felicidade e satisfação.
Felipe fez um movimento súbito, girando-o e jogando Gabriel na cama
com força, tirando-o de cima dele. Recuperou seu desejo muito rápido.
Aquele homem conseguia tirá-lo completamente do sério.
— Eu disse que eu não ia gozar. E você me desobedeceu de novo — o
ruivo rugiu puxando o corpo sem forças de Gabe pelas pernas. Ele era muito
forte e o apertava com violência. — Mudei de ideia. Eu vou te bater agora.
Ele virou Gabriel de bruços e se sentou puxando-o para que ele ficasse
atravessado em seu colo. O moreno gemeu longamente, ainda sem forças e
estertorante. Felipe acariciou sua bunda com as mãos quentes. Apreciava
aquele contorno perfeito ansioso para feri-lo.
— Eu não vou pegar leve. Eu sei que lembra suas palavras de
segurança. Não vou esperar você confirmar — o ruivo avisou sombriamente
e Gabe assentiu enfiando o rosto na cama ansioso. — Conte.
A mão de Felipe desceu violenta em um tapa muito forte. Um grito
tenso percorreu o quarto seguido da contagem entrecortada. Ele continuou
batendo nele com força até a carne ali começar a ficar vermelha e depois
arroxeada. Sua mão ardia pela força que empregava.
Seus olhos dourados estavam demoníacos e possuídos de desejo e fúria.
Gabriel tremia adorando a dor, estava sendo punido e se sentia muito bem
com isso. O ruivo passou para outra nádega espancando-a também, fazendo
o moreno perder a conta depois de passar do número 20 em cada lado. Sabia
que não sentaria depois daquilo. Sentiu a dor o atordoar e apertou os olhos
certo de que gozaria só com aquilo.
Felipe o empurrou com violência, jogando Gabriel na cama. Abriu as
pernas dele e o apreciou ali, arfando e tremendo muito.
— Você pediu que eu gozasse em você e agora está escorrendo para
fora. Vai sujar toda minha cama. Eu vou ter que colocar de volta — Felipe
falou rudemente, descontente, fazendo o moreno miar envergonhado. Gabe
cobriu o rosto e o ruivo avançou subindo em cima dele. Descobriu seu rosto
e o olhou muito bravo. — Você pode ser um gatinho, mas eu adoro quando
age que nem uma cadela. Não se envergonhe disso.
Gabriel o olhava, excitado. Sua bunda doía muito, pior que qualquer
vez que foi punido, e ele queria mais, muito mais.
— Eu quero mais, mestre — ele ronronou tentando manter sua
expressão brava vacilante. Felipe sorriu muito satisfeito.
— Eu vou te dar mais. Eu vou te dar mais até você não suportar mais se
mover.
O moreno puxou os cabelos muito suados de Felipe para trás,
penteando-o e revelando seu rosto sádico lindo e dominador. Olhou-o nos
olhos dourados, atordoados pelo prazer que sentia por ter punido ele com
tanta violência. Permaneciam parados respirando com dificuldade, os rostos
próximos. Tremendo muito naquela posição. A atmosfera de prazer intenso
era densa e quente.
— Eu sou seu — Gabriel disse fracamente em tom de confissão. Seus
olhos conectados em sincronia. A dança de suas respirações ritmadas pelas
batidas descompassadas de seus corações era lenta e intensa.
— Eu sei.
Felipe fechou os olhos, arrepiado, entrando em Gabriel de novo, pronto
para continuar até ele apagar de novo. Pertenciam-se.

✽✽✽

O pequeno garoto de cabelos cor de areia estava agachado no pátio


amplo da casa das montanhas. Ele brincava silencioso com seu dragão
vermelho, seus olhos brilhando de alegria e empolgação imaginando-o
planando alto, levando-o consigo.
— Vamos buscar a mamãe, Draco! Vamos salvá-la! Vamos queimar
todos os caras maus! — o garotinho disse empolgado, sentindo o choro o
engasgar, preso por trás de seu sorriso inocente e esperançoso.
Repentinamente outro garoto de mesma idade puxou o dragão de suas
mãos e correu gritando e provocando-o:
— Se queimá-los vai ser como eles! Vai ser como eles!
— Para com isso, Jonathan! — o garotinho loiro gritou chorando. Suas
mãos tremiam muito e ele soluçava — Me devolve! Me devolve!
O garoto que segurava o dragão corria muito bravo, fazendo careta para
o menino que chorava.
— Deixa de ser um fracote, Felipe! A mamãe está morta! Morta!
Entendeu?! Ela está morta porque foi uma boba! MORTA! — Jonathan
gritou muito bravo e Felipe chorou inconsolável no chão — Não sei por que
insiste nisso se nunca viu ela na vida!
— Cala a boca! Cala a boca! — Felipe chorava, muito vermelho no
chão. Profundamente triste. — Me devolve o Draco!
— Não! — Jonathan gritou — Você acha que é um herói? Se você os
queimar vai ser como eles! Não somos heróis se somos como os vilões! Ela
está morta! A culpa é do trabalho do papai que é trabalho de vilão! De
vilão!
Jonathan chorava silenciosamente com ódio, segurando o dragão pelas
asas rubras intensamente. Sentiu-as muito frágeis nas articulações e começou
a entortá-las, furioso. Felipe gritou, chorava implorando.
— Deixe de ser um covarde! Se quer fazer alguma coisa sobre a morte
dela faça como eu! Estude para mudar a Ordem! Para ser um herói de
verdade! — Jonathan gritou puxando a asa com força e quebrando-a,
separando-a por completo do corpo do dragão de plástico.
Felipe ganiu inconsolável. Uma senhora idosa se aproximou furiosa,
tomando o dragão de Jonathan com violência. Ela segurou o garoto com
força pelo pulso obrigando-o a encará-la. Ele tinha os olhos dourados muito
bravos e marejados por trás dos cabelos castanhos.
— Seu garoto malino! Já para dentro! Será que você não cansa de
perturbar seu irmão?!
— Baba! — Felipe choramingou entre muitos soluços no chão.
— Eu não estou mentindo! Ele vive em um conto de fadas achando que
vai salvar a mamãe! Mas ela está morta! — Jonathan virou-se para Felipe e
gritou: — ela está morta! E você, nem eu, nem ninguém pode mudar isso!
O moreno puxou os braços com força e correu em direção à casa,
chorando intensamente. Baba, a mulher idosa, usava o uniforme impecável e
muito macio, além de um avental pálido. Suas mãos cheiravam a alho e
cebola e tinha os cabelos grisalhos presos em um coque alto, tudo em si
emanando o aroma de lar.
Ela caminhou lentamente em direção ao menino loiro que chorava no
chão e se agachou com dificuldade, sentindo suas articulações reclamando.
Entregou-lhe o dragão e a asa quebrada, e viu-o segurando as peças entre
soluços.
— Eu sou um vilão, Baba? — Felipe chorava triste, — Eu sou mau por
querer punir os caras que mataram a mamãe?
— Claro que você não é um vilão! Você é uma criança magoada! — Ela
o abraçou em silêncio, beijando com delicadeza o topo de sua cabeça. Ele se
aconchegou no colo alheio olhando os olhos dourados do dragão vermelho.
Sentia-se realmente magoado.
— Então ele que é mau porque tira de mim e destrói tudo que eu amo...
Baba negou com a cabeça em um suspiro.
— Querido... Ser bom ou mau é tudo uma questão de perspectiva. Seu
irmão vê uma forma de fazer o bem do jeito dele. Você vê uma forma de
fazer o bem do seu jeito. Não existe vilão ou herói. Estamos todos tentando
— ela disse carinhosa.
Felipe fungou e acariciou a face brava do dragão. Ele tinha a boca
aberta vaporando fumaça em espiral, grudada pela estrutura de plástico em
sua lateral. Seus dentes eram afiados e pontiagudos. Seu olhar assustador. O
garoto tinha certeza de que se aquele dragão existisse, ele traria sua mãe de
volta.
Baba continuou:
— Felipe, algumas coisas são incontroláveis. O tempo que passa, as
pessoas que se vão... Não dá para controlar também o que os outros pensam
de nós. Se somos bons ou maus segundo os outros, isso não podemos evitar.
Silêncio.
— Baba eu não quero assim. Eu quero controlar tudo — ele murmurou.
Ela riu divertida.
— Assim eu acho que não dá.
— Eu sou mau — Felipe concluiu em um sussurro, sentindo-se chorar
de novo sem controle. As lágrimas escorriam pela sua face muito quente.
Baba o segurou, olhando-o com seus olhos murchos. Ela estava quase
cega, mas ainda reconhecia aqueles olhos dourados muito fortes.
— Se tiver pelo menos uma pessoa no mundo achando que somos bons,
então somos bons. E eu acho que você é bom, Felipe.
O sol quente que iluminava o pátio brilhou intensamente a ponto de
borrar a imagem da lembrança triste.
No presente, Felipe estava sentado olhando pelo janelão de seu quarto,
os cabelos escarlates cobrindo a face distante ainda muito perdida no clarão
das suas memórias confusas. As imagens entrecortadas arranhavam as
paredes de sua mente com unhas afiadíssimas, borrando sua visão e
enviando descargas intensas de adrenalina em suas veias saltadas. Ele tragou
em silêncio e soprou a fumaça pelo nariz, nervoso. Viu de relance sua mão
tatuada tremendo enquanto apagava a bagana no cinzeiro de vidro.
Olhou para o rapaz que dormia em sua cama e caminhou até ele. O
moreno confortavelmente estirado na cama agarrava-se ao travesseiro, seus
cabelos muito negros desgrenhados ao redor de sua cabeça. Ele tinha marcas
pelo corpo todo que o maior sabia exatamente como havia conseguido. Cada
uma delas.
Calafrios percorriam sua pele lembrando de como ele sorria masoquista
ao recebê-las, como ele desfilava despretensioso e ousado exibindo-as como
troféus. Como engatinhava sensual e felino e gemia deliciando-se em seu
corpo. As memórias do dia estranhamente feliz que teve ao lado dele e de
sua família o invadiram aquecendo-o confortavelmente.
O ruivo sorriu de canto, inclinando-se sobre o corpo adormecido.
Aproximou-se e sorveu o cheiro de óleo de coco e karité de seus cabelos
revoltos, acariciando levemente os fios macios. Seu coração martelava
rudemente em sua garganta.
— Eu não vou deixar ele quebrar você. Ele não vai te tirar de mim.
Ninguém vai — Felipe sussurrou, beijando levemente a face adormecida de
Gabriel.
CAPÍTULO X

Após o resto da tarde e parte da noite imersos nos próprios corpos,


envolvendo-se em uma tentativa inconsciente de fundir-se em um só ser, os
dois ficavam cada vez mais certos de que estavam fadados a fracassar na
obstinada missão de não se apaixonarem um pelo outro.
Cada vez que Felipe sentia que usava toda sua força e violência contida,
(aquela que evitava usar com qualquer outro submisso que tivera) olhava
para Gabriel apreensivo perguntando-se se havia pegado muito pesado e
recebia um olhar provocativo, ansioso por mais.
Sempre que isso ocorria, o ar ao seu redor parecia rarefeito, tornando
impossível respirar da mesma forma. Aquela resistência e apetite pelos seus
modos violentos e rudes o deixavam excitado em níveis nunca antes
atingidos.
Era impreterível para o ruivo lembrar de todas suas experiências
passadas com submissos e de antes mesmo de ter se tornado um dominador.
Definitivamente nunca ia atrás de nenhum homem. Eles que vinham até ele
desejando ser sua posse. E, depois de assinar o contrato, ele os humilhava
com seu olhar gélido e seu toque intenso e pesado, subjugando-os.
Sentia prazer em vê-los chorar, chamando-o de monstro sem coração,
sociopata, entre outros xingamentos, antes de finalizarem o contrato
definitivamente. Esperavam afeto dele, algo que Felipe nunca propôs nos
documentos que assinava. Nunca. Esperavam ser capazes de despertar nele
algo além de sua violência e indiferença. Impossível.
Foram incontáveis as vezes que Felipe punia seus submissos antes de
qualquer toque, apenas desejando descontar todo seu ódio contido, suas
frustrações e exaustão daquela vida que não desejava ter, que não solicitou.
Afinal, estava bem claro nos acordos que assinava suas intenções: dominar,
domar, punir, ferir. Era um sádico.
Mesmo assim, nunca usava toda sua força. Sempre se continha,
evitando feri-los realmente, apenas para provar que era superior aos
prepotentes submissos que, sabia, desistiriam dele antes mesmo de
começarem. Afinal, ele não tinha nenhuma habilidade social real que
inspirasse confiança ou cuidado para que ficassem.
Todavia, ali estava Felipe, tremendo. Suas mãos doíam e latejavam pela
força total que empregava contra a carne sedenta do moreno que chorava
implorando por mais e agradecia com o olhar satisfeito, lambendo os lábios
em um orgasmo intenso provocado pela dor. Era perfeito para ele, moldado
sob medida para sua monstruosidade.
E, absurdamente, mesmo depois de tudo isso, havia ficado. Gabriel
havia ficado.
Sentiam-se imersos em uma atmosfera estarrecida, permeada pela
incredulidade daquela sincronia perfeita de limites e vontades. Os sons,
cheiros e sabores misturando-se em uma cena que poderia ser reprisada em
câmera lenta e apreciada pelo seu teor erótico, beirando o poético, como um
quadro barroco. Escuridão e claridade dicotômicas.
A precisão dos detalhes formava uma cena dantesca marcante e
inesquecível graças ao jogo de sombras e luz de suas almas entrelaçadas.
Queriam que não acabasse nunca, aquela valsa impossível e
surpreendentemente grotesca. Gabriel finalmente libertava-se de amarras
invisíveis que o impediam de ser quem ele realmente era: um completo
masoquista. Amava isso com todas as suas forças.
Estavam prostrados. A cada pausa após um orgasmo intenso os dois se
encaravam com as respirações descompassadas, buscando o fôlego que não
existia há muito, como se fossem oponentes em uma batalha sem vencedor.
Seus olhos piscavam completamente em choque, perplexos,
mergulhados um no outro e, mesmo sem falarem nada, compreendiam cada
pensamento que o outro tinha. A princípio pensamentos de negação e
relutância que aos poucos cediam espaço para o êxtase e aceitação do que
era mais que inevitável.
E de fato, apaixonar-se é tão inevitável quanto desejar passar um café
em uma manhã chuvosa e fria de domingo. Há opções para todos os gostos.
Alguns preferem fraco, outros forte; puro ou com mais ou menos leite; em
pó embalado à vácuo ou grãos recém moídos; com açúcar ou sem; adicionais
de especiarias e extras; variedades de tipos de grãos e qualidades: comuns,
premium ou gourmet; coado, na máquina ou na cafeteira; quente ou gelado.
Suas necessidades eram supridas de forma inédita. Os dois, que tinham
esse vício em comum, entendiam ali, mais do que nunca, a pluralidade que
seus vícios ofereciam.
Além disso, apesar de apresentar diversas faces, sabores e formas de ser
apreciado, conquistado e vivenciado, obviamente também existem os que o
rejeitam e o consideram insuportável. Paralelamente é a paixão: alguns são
indiferentes e obtusos, antipáticos à ideia de sentir. Mas ainda assim,
apaixonar-se é inevitável. E é arrebatador. Não pede licença aos obstinados
em não permitirem ser dominados.
Felipe e Gabriel, que hesitavam e repudiavam a ideia de estarem
incluídos naquela situação, experienciavam o fato consumado de não
poderem mais fugir um do outro. Olhavam-se compreendendo que, dali, não
haveria outro caminho senão juntos e voltavam a se atacar com tudo de si
naquela guerra infinda. Até não haver mais nada diante de seus olhos que
não fosse o olhar do outro: arfando, exaustos.
Dormiram assim encarando-se em uma conversa muda de entreolhares.
Quando a manhã começou a despontar timidamente no céu, Gabriel
abriu os olhos confuso. Havia perdido — ou ganhado — um dia quase
inteiro apenas dentro daquele quarto. Estava deitado na cama de Felipe e
todo seu corpo doía, contraindo-se em protesto. Ao seu lado, o ruivo dormia
serenamente de bruços, a franja carmim sobre seus olhos destacando seus
lábios perfeitos e queixo marcado que descansava relaxado sobre o
travesseiro.
O moreno arregalou os olhos tentando olhar ao redor, incapaz de fazer
movimentos bruscos. Não sabia que horas eram ou quanto tempo havia se
passado desde que adormeceu. Ele sentiu seu coração acelerando
violentamente com a ideia de ter dormido ao lado daquele homem,
encarando-o com tanto afeto até perder a consciência, e corou cobrindo o
rosto. Tentava controlar, sem sucesso, sua respiração alterada.
Gabriel se sentou lentamente e suspirou sem tirar os olhos do homem
adormecido. Estendeu as mãos na direção de Felipe, hesitando por um
momento antes de afastar a franja de seu rosto cuidadosamente. Ele sorriu
vendo-o dormir, suas costas estavam repletas de arranhões profundos e
muito vermelhos feitos pelo moreno em uma tentativa de atá-lo a si em seu
delírio de prazer.
Olhou para as próprias mãos, em seguida, tomado pela lembrança da
tarde e praticamente início da noite toda que passaram transando, em
violência e êxtase. Sentiu-se estremecer. Sua bunda e coxas doíam muito
porque foram espancadas repetidas vezes. Seus braços e pernas estavam
exaustos como se tivesse corrido uma maratona ou cumprido um circuito
pesado de exercícios.
Ele se levantou devagar, completamente nu, e caminhou em direção ao
banheiro. Viu-se através do reflexo do grande espelho muito danificado,
cheio de mordidas, arranhões e chupões pelo pescoço, peitoral e braços.
Ultrapassando a coloração castanha de sua pele latina, sua bunda estava
absurdamente roxa e rubra e sua cintura dolorida e igualmente manchada de
hematomas.
O moreno sorriu muito satisfeito, revirando os olhos, e suspirou
puxando o ar com a boca como quem acaba de sair de um mergulho
sufocante debaixo d’água. Sentia-se sublime. Gabe tomou seu banho e fez
sua higiene matinal em silêncio, muito leve e feliz. Ao entrar no chuveiro
reparou o shampoo e o condicionador na prateleira de vidro, era o mesmo
que costumava usar em sua casa e arqueou as sobrancelhas surpreso.
— Como ele sabe qual é o meu shampoo? — sussurrou para si mesmo
encarando o vasilhame e lavou os cabelos, constrangido com a ideia de
Felipe investigando qual suas marcas e produtos favoritos. Afastou o
pensamento, forçando-se a acreditar que era só mais uma coincidência.
Felipe ainda dormia apagado na cama quando Gabe saiu do banheiro.
Ele então se vestiu com uma bermuda preta e uma camiseta de Felipe que
havia pegado do guarda-roupa, indo para a cozinha em seguida. Os
primeiros raios de sol estavam aparecendo, iluminando a sala cinza aos
poucos, dando cor aos móveis pálidos e aumentando a temperatura do
cômodo. Parecia que ia ser um dia muito quente.
Gabriel ainda se estirou no sofá, espreguiçando-se gostosamente como
um gato, e ficou ali por alguns minutos sentindo a manhã o alcançar em
feixes tímidos de luz, aquecendo-o. Depois de um tempo, saltou motivado e
decidiu que faria o café. Estava muito disposto e satisfeito.
Cantarolava e dançava discretamente enquanto o coava, o cheiro
espalhando-se por toda a casa rapidamente. Empolgava-se cada vez mais
com a dança, arrastando os pés pelo chão e sorrindo enquanto cantarolava a
música que havia tocado no carro quando eles viajaram, lembrando-se dos
últimos acontecimentos. Sentia em suas veias uma felicidade absurda e
inédita.
Assim que a garrafa térmica havia acabado de ser selada pelo rapaz
animado, ele viu o homem ruivo apoiado no batente da porta do quarto. Há
quanto tempo estava ali? Como havia aparecido sem que ele notasse? O
moreno sentiu um frio congelante percorrendo seu estômago, e recuou em
um susto intenso, fechando sua expressão repentinamente.
Felipe sorriu sádico, divertindo-se com o que havia visto. Ele estava
com os cabelos úmidos penteados para trás e uma calça preta de tecido, sem
camisa. Em seu peitoral marcado com chupões ainda escorria algumas gotas
do banho recém tomado.
O ruivo caminhou lentamente em direção à Gabe. Ele, por sua vez,
havia colocado a garrafa em cima da bancada trêmulo e evitava olhar nos
olhos do homem que se aproximava muito devagar, pressionando-o cada vez
mais contra os bancos, respirando pesado. Ele cheirava muito bem e parecia
com um ótimo humor.
— Bom dia, gatinho. Quem te autorizou a sair da cama? — Felipe
questionou muito próximo de Gabe, virando o rosto na direção do ombro de
forma sensual.
O moreno o encarou com o cenho cerrado e a expressão mal-humorada
de sempre tentando se controlar diante daquele sorriso de canto irresistível.
— Vai se foder. Eu estava com fome — Gabe disse em um resmungo e
sussurrou um “bom dia” quase inaudível.
Felipe riu divertido e rouco, e se sentou em um dos bancos, liberando
Gabriel da pressão de sua presença. Ele tateou os bolsos da calça e retirou o
celular de lá, colocando-o em cima da bancada. Continuou sua busca no
outro bolso atrás da carteira de cigarros e o isqueiro. Estava prestes a colocar
um deles na boca quando o moreno o impediu segurando sua mão e
fuzilando-o com um olhar bravo.
— Coma alguma coisa antes de fumar — mandou muito bravo puxando
o copo de vidro que ele já havia deixado em cima da bancada em sua direção
e batendo-o firme na frente dele. O ruivo arqueou as sobrancelhas surpreso e
hesitou antes de guardar o cigarro de volta segurando o riso.
Ele se serviu de café vendo Gabe tirar algumas coisas da geladeira e
dos armários para comerem e colocá-las em frente ao ruivo com aquela face
muito mal-humorada. Queria rir dele se esforçando tanto para fingir que não
estava exultante dançando sozinho pela cozinha a poucos instantes. Seu
coração palpitava pensando que ele poderia estar assim por sua causa e não
demorou a concluir que não poderia haver outra razão sentindo-se muito
orgulhoso com isso.
Estava certo do que vivenciaram no dia anterior e o que significava,
mas também tinha certeza de que nenhum dos dois admitiria aquilo. Sentia-
se tão feliz que mal conseguia conter seu sorriso bobo que escapava, vez ou
outra, disfarçadamente contra o copo de café que tomava.
Os dois comeram em silêncio por um tempo, lado a lado. O sol já havia
nascido, estava alto, e iluminava toda a sala pelas amplas janelas aquecendo
tudo ao redor. O ambiente estava quente e abafado, o moreno suava muito
tomando seu café igualmente quente e tirou a camiseta com violência
colocando-a sobre a bancada irritado com aquilo.
Ele arfou por um segundo, sufocado com a temperatura, e viu Felipe o
encarando, analisando suas muitas escoriações e marcas espalhadas pelo
corpo. O ruivo sorriu e lambeu os dentes, hipnotizado.
— Está sentindo dor? — ele perguntou desviando o olhar e voltando a
tomar seu café. Tentava se controlar. Ainda não estava satisfeito, mas não
queria pressionar seu submisso.
Gabriel olhou para si mesmo e deu de ombros com desdém.
— Não, não foi nada.
Felipe desceu o copo batendo-o na bancada em um estalar agudo e
apertou os olhos sombriamente para Gabe, muito irritado, um movimento
lento e calculado. Desejou machucá-lo com toda sua força e fazê-lo pedir
perdão por desdenhar dele daquela forma apenas como desculpa para tê-lo
em seus braços por mais tempo.
Despedir-se já não era mais uma opção plausível e mesmo que o medo
de outrora ainda o invadisse como uma sombra insistente, estava dominado
pela determinação de não o perder. Escolheu seu egoísmo.
O moreno apoiou o queixo nas duas mãos, olhando-o com lascívia, e
sorriu bobo e provocativo.
— Você está se contendo. Acha que eu estou cansado ou alguma merda
assim?
Gabriel sentiu um impacto rápido em seu queixo sendo agarrado com
intensidade. Ele foi puxado com velocidade e teve que se apoiar nos braços
de Felipe por quase se desequilibrar da cadeira. Sentiu as veias saltadas
naquele antebraço forte e estremeceu enfiando as unhas na carne do ruivo,
muito excitado, fazendo o outro grunhir com agrado daquela reação felina.
— Se queria me provocar você conseguiu — o ruivo disse olhando-o de
cima. O seu olhar sádico pressagiava mais uma sequência de momentos
violentos e intensos entre os dois.
Gabe grunhiu sôfrego, tentando manter-se sério, quando Felipe o
beijou, saltando da cadeira e pressionando o moreno, que estava sentado,
contra o balcão. Girou-o encaixando-se entre suas pernas e desceu o beijo
pelo pescoço suado e nu do moreno ansiando por sentir seu cheiro enquanto
o outro gemia entrecortado com aqueles toques.
As mãos grandes de Felipe passaram pela nuca alheia puxando os
cabelos muito macios de Gabe. Tinha um cheiro doce familiar. O ruivo
puxou o ar gemendo com aquilo e corou um pouco beijando seu peitoral.
“Ele usou o shampoo” pensou muito bobo, identificando o mesmíssimo
aroma que sempre sentia nos cabelos dele. Queria devorá-lo.
Beijou o homem à sua frente acariciando seus cabelos e braços com
delicadeza. Os movimentos bruscos prévios agora se convertendo em
carícias lentas que um empregava no outro em seu ritmo recém-descoberto,
uma sequência de afagos ritmados de quem anseia por mais do que o sexo,
mas sim a sincronia arrebatadora e inebriante de suas almas conectadas.
Gabe deslizava os dedos pela cintura de Felipe circulando-a e subindo
pelo seu abdome e tórax, enviando a corrente elétrica do seu contato para o
âmago abjurado daquele homem. Em um lapso de interrupção, a campainha
tocou cortando o ar como um trovão e Gabriel se assustou apertando os
braços de Felipe e tentando afastá-lo sem muita vontade. O ruído persistiu
uma segunda vez e o ruivo negou com a cabeça orientando-o a ignorar
esfregando-se em seu corpo.
De maneira insistente a campainha foi tocada seguida do celular que
agora vibrava irritante em cima da bancada. Felipe rugiu em sua ira e pegou
o telefone sem vontade, atendendo-o. Era Carla.
— O que é?! — ele perguntou muito bravo. Seus olhos emitiam a luz
amarelada de uma besta e Gabe tremeu com o terror que ele empregava na
atmosfera quando estava irritado. Ficava rígido com isso.
— Abra a porta. Eu tenho um relatório — Carla disse duramente do
outro lado da linha.
— Mais tarde conversamos. Vai embora — Felipe disse preparando-se
para desligar
— Espera! O Gabriel está aí, não é?! Isso é importante Felipe, não dá só
para eu te falar por telefone e não pode esperar! Abra a porta.
— Não. Tchau — o ruivo concluiu e Carla o interrompeu antes que ele
desligasse de vez:
— Se não abrir essa merda eu vou entrar, Felipe. O Thiago está comigo.
Felipe grunhiu olhando para o moreno que o analisava de muito perto
curioso, ele conseguia ouvir o que a pessoa do outro lado da linha falava
com precisão por estarem muito próximos. O ruivo se lembrou que o amigo
era a única pessoa que tinha acesso à sua casa com a senha e digital
registrada. Ele sabia que não teria tempo para mudar a configuração da
segurança e xingou mentalmente franzindo o nariz em fúria.
— Não ouse fazer isso, Carla!
— Eu vou contar até 10 e vou entrar, Felipe. Essa informação faz toda
diferença para sua segurança e do Gabriel!
Ele desligou o telefone em um calafrio e pegou a blusa de Gabe de cima
da bancada rudemente, vestindo o moreno como um boneco grande. Estava
enciumado com a ideia de qualquer outra pessoa vê-lo desnudo.
Gabriel protestou empurrando a mão de Felipe e terminou de se vestir
contrariado. Ele havia ouvido o que a mulher do outro lado da linha havia
dito e estava sendo corroído pela curiosidade e tensão.
— Que porra está acontecendo? Como assim sua segurança e minha?
— Essa pessoa abusada... Vou precisar recebê-la. Ignore o que ouviu!
— Felipe suspirou tentando manter a calma e segurou o rosto de Gabe
fitando-o profundamente, consumido pela preocupação que o tom de Carla o
fez sentir. — Escuta. Lembra o que eu falei sobre ter coisas sobre mim que
você não sabia?
Gabe assentiu, preocupado. O maior prosseguiu:
— Eu preferia que continuasse não sabendo. Então por favor, vá para o
quarto. Eu vou expulsá-la, depois conversamos.
— Não. Não interessa! Eu vou ficar. Eu não vou sair do seu lado! — o
moreno disse negando com a cabeça bravamente e de braços cruzados. Se
Felipe também corria perigo ele não iria a lugar algum.
A campainha soou longamente em aviso. Felipe xingou contrariado e
afoito pela falta de tempo que a amiga abusada o pressionava a ter. Saiu de
perto de Gabe avançando na porta e desbloqueou a entrada, resmungou
rabugento e voltou-se para ele novamente muito autoritário.
— Vá para o quarto, Gabo. Por favor — Felipe suplicou muito grave. O
moreno tremeu e negou com a cabeça apertando os braços no peito mais
ainda, a expressão muito fechada, obstinado em sua posição.
O tempo havia esgotado e, sem mais delongas, Carla abriu a porta com
violência. Ela olhou para Felipe com o rosto impassível de raposa, astuta,
analisando-o sem camisa, com marcas de chupões no pescoço, calça de cós
baixo larga, suando e arfando com aquela sua expressão demoníaca de ira
bloqueando a entrada. Sorriu divertindo-se e colocou as mãos na cintura
muito fina, então direcionando seu olhar para Gabriel.
Era a primeira vez que o via e tinha a sensação de que iria gostar muito
dele com aqueles cabelos negros cheios e desgrenhados além do olhar de
gato muito bravo. Ele parecia pronto para avançar nela e em qualquer um
que tocasse em seu homem como um animal selvagem e irritadiço.
Carla usava botas de cano alto até as panturrilhas de cor branca
envernizada e um vestido muito justo preto de alça fina e decote reto que
realçava suas curvas avantajadas, destacando as coxas grossas. Os cabelos
em um meio-rabo de cavalo alto com a parte de baixo dos fios castanhos
escorrendo ao seu redor escondiam as grandes argolas douradas. Parecia
uma celebridade.
Além disso, estava coberta por um grande sobretudo preto por cima de
seus ombros, o qual pertencia ao homem que a seguia. Ela encarou Felipe e
Gabriel longamente e assoviou com os lábios brilhosos de gloss, afetada pela
tensão sexual que emanava dos dois. Fez sinal para o homem que estava do
lado de fora e entrou na casa seguida por ele, afastando Felipe com as mãos
longas e delicadas.
Gabriel encarava, atento e muito arredio, a mulher caminhando
lentamente em direção ao sofá. O salto batendo em um ritmo alto e
incômodo. Ela se estirou no móvel confortavelmente e cruzou as pernas.
Todos ali sentiam a densa atmosfera do acontecimento imprevisto e
trocavam olhares hostis.
O moreno reparou, em seguida, no homem que a seguia. Ele era um
pouco mais alto que Felipe e tinha o cabelo ondulado em um castanho
escuro, a barba rala cobria sua face sonolenta e desinteressada. O homem
emitia uma presença muito tranquila e pacífica, parecia amável e muito
elegante usando um traje social Armani muito bem ajustado em seu corpo
esguio e forte.
Ele estendeu a mão enluvada para cumprimentar Felipe e o ruivo
apertou sua mão com intensidade, questionando-o com o olhar.
— Aurora...?
— Sinto muito. Realmente é importante — o outro sussurrou
fracamente. Seu tom parecia arrastado, com um sotaque marcado, e muito
habituado a passar por aquele tipo de situação.
Os dois se olharam tensamente e Felipe bateu a porta atrás do amigo,
encarando a parede por alguns segundos com os punhos cerrados, enquanto
o mais alto caminhava lentamente para um canto da sala. O homem ainda
olhou rapidamente para Gabriel cumprimentando-o com a cabeça
cordialmente sem realmente analisá-lo muito: já havia ouvido falar muito
dele a partir de Felipe em lamentos raivosos e desabafos ébrios.
O ruivo tentava se controlar com aquela situação inesperada, sendo
bombardeado com a sensação de terror e insegurança de Gabriel descobrir
mais sobre ele justo agora. Sabia que esse dia chegaria e já esperava por isso,
mas não queria que fosse tão cedo e de maneira tão abrupta assim.
Ele planejava pelo menos adiar o momento em que o moreno saberia
sobre seu passado e a sina da qual fugia, protelando o que ele tinha certeza
que veria naqueles belos olhos de gato quando isso acontecesse: a repulsa, o
medo e a insegurança de se relacionar com alguém como ele.
Felipe virou caminhando lentamente em direção à bancada de onde
pegou seu cigarro e seu isqueiro, e seguiu em direção à Carla, contrariado.
Não olhava para Gabriel, que permanecia sentado ali de braços cruzados
como um cão de guarda.
Queria abraçá-lo e implorar que entrasse no quarto, dizer que não
estava pronto para perdê-lo para a sua própria realidade e confessar o quanto
queria ser apenas o fotógrafo que ele conhecera e começara um contrato
sexual, que, sem pretensão nenhuma, se tornou algo mais.
E ele secretamente queria aquele “mais” com todas suas forças. Queria
a vida comum que havia experimentado na casa de sua família. Queria que
passassem a manhã como começaram aquela: tocando-se lentamente até isso
evoluir para mais uma sequência de horas envolvidos um no outro na cama,
no chão, por toda a casa.
O ruivo bufou parado diante da poltrona cinza que fazia parte do jogo
de sofás da sala acendendo seu cigarro e tragando lentamente.
— Gabriel vai pro quarto — ele ordenou novamente sem olhar para o
moreno. Fitava Carla que batia as longas unhas cor de marfim nos lábios,
curiosa com o que aconteceria a seguir. Ela olhou para Gabe, que apertou os
olhos na direção do ruivo.
— Não — ele respondeu determinado.
Felipe o olhou com seu olhar sádico. Sua aura era aterrorizante e
sombria. Parecia infinitamente mais frio e indiferente.
— Não foi um pedido.
— Eu acho melhor ele ficar. Se vocês querem manter esse contrato é
melhor que ele saiba sobre o que está acontecendo e quem você é de uma
vez, Felipe. É mais seguro para ele ter a opção de escolher se quer fazer
parte disso ou não — Carla disse firmemente sendo fuzilada pelo olhar do
ruivo. Ele parecia uma fera, retesando o nariz em fúria.
— Não se meta — ele a alertou muito grave.
O homem suspirou no canto da sala de braços cruzados. Ele sabia o que
aconteceria a partir dali: Carla e Felipe sempre discutiam de forma acalorada
e ele teria que intervir separando-os. Antes que ele se movesse, Gabriel se
impulsionou da cadeira caminhando até Felipe com seus passos felinos,
estava muito ansioso e nervoso encarando o ruivo profundamente.
Carla o analisava. As manchas que apareciam pela gola de sua blusa e
nos seus braços provavam que ele, definitivamente, era o submisso de Felipe
e, mais ainda, provava que seu amigo finalmente havia achado alguém com
quem não precisava se conter. Aquilo explicava porque aquele rapaz era tão
precioso a ponto de deixá-lo inseguro em perdê-lo.
Ela conhecia aquele homem muito bem. Felipe não se envolvia
emocionalmente com ninguém e vê-lo tão protetivo e alterado era a prova de
que as coisas haviam mudado. Olhou para o companheiro mapeando se ele
havia percebido o mesmo e ele assentiu, devolvendo o olhar em um diálogo
íntimo e mudo.
— Eu quero saber o que está acontecendo. Você acha que eu sou idiota?
Como ela sabe que temos um contrato? — Gabe questionava, cruzando os
braços. Ele se voltou para Carla, a qual agora ria debochada.
— Eu sei sobre o contrato porque fui eu quem o ensinou sobre como ser
um dominador, querido — a mulher disse descruzando e cruzando as pernas
sensualmente. Felipe arregalou os olhos para ela, incrédulo.
Gabriel cerrou o cenho muito bravo e enciumado, mergulhado em
dúvidas. Ele virou o rosto tentando evitar que notassem o quanto aquilo o
atingiu e tentou controlar o gosto ácido em sua boca e o ardor que percorria
suas veias.
Ele tinha certeza de que Felipe não se relacionava com mulheres, afinal,
ele mesmo havia se assumido quando estiveram na casa de sua mãe. Não
conseguia compreender aquilo e muito menos a imagem doentia que seu
cérebro projetava sem sua autorização: aquela mulher em cima de Felipe,
tocando-o, odiava aquela imagem. O ruivo bufou irritado.
— Não escuta essa-! — Felipe disse para Gabriel afoito e se voltou para
Carla, possesso: — só porque me sugeriu praticar isso há muito tempo atrás
não significa que você tenha me ensinado alguma coisa, porra!
Gabriel suspirou tentando ignorar o que estava escutando e se voltou
para a morena que sorria divertida:
— Por que você está aqui? Esse assunto urgente, é sobre o imbecil do
irmão dele ou algo assim?
Ela arregalou os olhos com aquilo, não esperava que ele já soubesse
sobre Jonathan. Felipe interviu segurando-o pelos ombros muito bravo, o
cigarro queimava entre seus dedos, e o cheiro suave de cravo e especiarias
invadia o moreno, o qual engoliu em seco. Ele estremeceu com aquele toque
rude.
— Eu já disse que você não precisa saber dos detalhes. Eu disse que
cuidaria de tudo.
— Não me interessa! Eu já faço parte disso. É como ela disse, eu tenho
direito de saber! — Gabe se desvencilhou do aperto, empurrando o ruivo
sem querer realmente afastá-lo.
— Isso não é sobre você, Gabo! É sobre mim! — o ruivo discutiu se
referindo ao fato de que não queria expor a ele sobre o que mais rejeitava em
si.
— Não! Você está errado! Isso é sobre nós, Felipe.
Silêncio.
O moreno corou intensamente desviando o olhar para o chão com o
cenho cerrado. “Qual o meu problema?” pensou enquanto ouvia seu coração
martelando com violência, sentia-o em sua garganta pronto para saltar em
uma cambalhota desvairada.
Não sabia onde estava com a cabeça para usar aquela palavra com tanta
intensidade como se houvesse um “nós”, um casal a ser colocado ali. Felipe
o olhava estarrecido sentindo o poder daquela palavra e a forma como ela foi
usada acariciando-o como uma pluma. Ele se arrepiou e seu rosto aqueceu.
Carla encarou o amigo com um sorrisinho divertido no canto da boca.
Ela pigarreou tentando segurar o riso para não quebrar a tensão de casal que
emanava dos dois. Felipe a encarou sem reação e tentou recompor sua
expressão fria com muita dificuldade.
— O que quero dizer... — Gabe começou engolindo em seco. Ele olhou
para o ruivo irritado e tentando não demonstrar insegurança através de um
dar de ombros — É que nós temos um contrato. E se você tem envolvimento
com coisas perigosas, eu já disse que por mim tudo bem, dane-se. Eu confio
que nada vai me acontecer enquanto eu estiver com você. Mas ainda assim
eu preciso pelo menos saber do que se trata. Assim eu não me sinto tão
indefeso.
Felipe tragou silenciosamente olhando para o chão, suas mãos tremiam
muito. Carla se envolveu mais uma vez jogando os cabelos para trás e
tirando o casaco que a cobria, fazia muito calor naquele cômodo. Ela se
inclinou e sorriu para o moreno, provocativa.
— Tem certeza que não se importa se ele estiver envolvido em algo
perigoso? Se você souber demais pode acabar se colocando em perigo
também. A opção mais segura seria acabar com o contrato de uma vez. —
Ela deu de ombros instigando-o. Felipe abriu a boca para protestar, mas
Gabriel falou mais rápido.
— Não. Não vai rolar — Gabriel concluiu em um tom definitivo,
demonstrando que isso não era uma opção.
Carla hesitou antes de disparar muito instigada, sorrindo empolgada.
— Então prefere se colocar em risco do que terminar o contrato que
tem com Felipe?
— Sim.
Felipe o encarou em choque. As cinzas de seu cigarro caíam lentamente
no chão e o som pesado de sua respiração descompassada ritmava aquele
intervalo de silêncio tão surpreendente para todos no cômodo.
Gabe retribuiu o olhar profundamente, invadindo-o como água,
moldando-se em seu interior e tomando posse do que já era seu antes mesmo
que o ruivo pudesse perceber que não tinha mais controle. Sentiu-se
esmagado e arrebatado por aquele olhar valente e aquela coloração intensa
que se espalhava pelo rosto irritado do seu submisso. Ele o fitava muito
determinado, como se nada no mundo pudesse fazê-lo recuar de sua
afirmação.
Os dois continuavam sustentando aquele olhar que ocorrera tantas
vezes no dia anterior enquanto estavam juntos, em um só corpo, quando
Carla riu baixinho chamando a atenção de ambos.
— Entendo. Então, precisamos começar do início. Primeiro deixe-me
esclarecer, nós somos amigos do Felipe de longa data e trabalhamos no
mesmo ramo que ele. Eu sou Carla e esse — Carla disse indicando o homem
que agora caminhava lentamente em direção à morena, ajoelhando-se aos
seus pés e sentando ali encostado em suas pernas como um cão ansioso por
carinho. — É o Thiago, meu submisso. Alguns também o chamam de
Aurora. Nós temos um contrato para a vida toda.
Ela estendeu a mão esquerda mostrando a aliança dourada muito
brilhante no anelar com um sorriso satisfeito estampado em sua face. Gabriel
ainda processava a informação sobre eles terem o mesmo trabalho de Felipe
e rapidamente interpretou que ela não se referia ao trabalho de fotógrafo.
Então, arregalou os olhos e abriu a boca muito surpreso com a aliança
que via. Olhou estarrecido para aquele homem muito grande, esfregando-se
nas pernas de Carla enquanto ela deslizava as unhas afiadas em seus cabelos,
sem acreditar que ele era um submisso. E que eram casados. Estavam em um
relacionamento.
O moreno foi invadido por um tipo de esperança infantil arrebatadora,
como se eles fossem a realização de um sonho: ser para sempre um do outro.
Gabe pegou-se imaginando a ironia que era estar afogando-se em devaneios
de nunca ter que cancelar seu contrato com Felipe sendo que, quando o
assinou, jurava para si mesmo que precisaria de apenas uma noite com o
ruivo para suprir seu desejo.
— Isso é possível?! — Gabe perguntou repentinamente enquanto Felipe
se sentava, atordoado, na poltrona à sua frente. Carla riu divertida.
— Por quê? Tem interesse em um contrato para a vida toda? — ela
debochou fazendo o rapaz corar intensamente e desviar o rosto. De relance
supôs ter visto o ruivo sorrir um pouco, muito vermelho.
O Castro agora permanecia silencioso. Preocupava-se muito com a
ideia de Gabe saber sobre seu antigo trabalho ou sobre seu passado e tinha
calafrios de ansiedade. Porém uma pequena parte sua insistia
egoisticamente, alimentada pelo seu ego, de que aquele homem não sairia de
seu lado. Estava dividido entre o medo e uma estranha confiança que aqueles
olhos castanhos intensos o fizeram sentir com as últimas declarações.
Ele encostou a cabeça no encosto da poltrona fumando devagar, sentado
muito confortável com as pernas abertas. Desejava que o moreno sentasse
em seu colo e que os outros saíssem imediatamente. Sentiu uma angústia ao
recordar a razão que trouxera o casal de amigos ali tão repentinamente e
preparou-se psicologicamente para a informação.
Quando o ruivo abriu os olhos, captou Gabriel encarando suas pernas e
seu colo mordendo o lábio tensamente. Parecia que ele havia lido seu
pensamento e ansiava por aquele toque tanto quanto ele mesmo. Encararam-
se cheios de excitação e Felipe se inclinou para frente em um impulso,
fuzilando Carla com o olhar sádico.
— Certo. Diz logo o que veio fazer aqui e vamos acabar com isso de
uma vez — ordenou.
Ela ficou muito séria olhando-o e Thiago também levantou a cabeça
seriamente apoiando o braço na própria perna cruzada.
— Um representante dos Barbosa enviou um requerimento para a
cúpula. Eles querem uma reunião de negociação com você por invasão de
território tabu — Carla falou seriamente e Felipe suspirou massageando as
têmporas. Tragou intensamente o que restava de seu cigarro, apagando-o em
seguida no cinzeiro de aço que descansava na mesinha de centro de vidro.
Ele já esperava por aquela movimentação. Ela continuou: — já esperávamos
por isso, mas o pior foi a reação do Jonathan.
Gabriel não entendia muito bem o que eles estavam falando, mas
mantinha seus olhos atentos em Felipe. O ruivo levantou os olhos muito
demoníacos para a amiga. Ele assumiu uma postura que Gabe nunca havia
visto, parecia um líder, um chefe dominador que criava uma aura densa de
terror e hostilidade ao seu redor. Os seus olhos dourados cintilavam quando
ele soprou pelo nariz a fumaça lentamente.
Daquele jeito Felipe parecia um dragão, grande e prestes a matar. O
moreno tremeu da cabeça aos pés sentindo todos seus pelos eriçarem, estava
tão excitado com aquele olhar e presença assassina de seu dominador que
seria capaz de cair de joelhos na sua frente imediatamente.
— O que ele fez? — Felipe questionou rouco. Sua voz era grave e
ameaçadora, Carla engoliu em seco, tensa. Thiago assumiu dali:
— Ele ficou furioso quando soube que invadiu o território dos Barbosa
e mais ainda quando viu a solicitação deles. Os aliados na Ordem festejaram
considerando que os rumores de que você voltaria eram verdade e ele surtou
na cúpula — Thiago falou lentamente, sua voz era muito calma e doce. O
sotaque, Gabriel reconhecia agora, fortemente italiano. — Já estávamos de
olho no que ele faria desde que você saiu. Ele fez uma varredura de
informações sobre o Gabriel, e agora tem tudo sobre ele. Todos os dados,
endereços, inclusive, pelo arquivo que tivemos acesso, muitas fotos dele.
Todo tipo de informação.
Felipe rugiu apertando os joelhos. Sabia exatamente o que o irmão
estava pensando, conhecia-o muito bem, sempre desejando o que o
pertencia. Desde quando eram crianças Jonathan sempre tentava possuir tudo
que ele demonstrava interesse em uma birra constante e, por isso, em tudo
que o gêmeo se destacava, Felipe se esforçava para ser o oposto.
Enquanto aquele era inteligente, sociável, dócil, astuto e gostava de
chamar atenção, este fazia-se de estúpido, brutamontes, antissocial, rude,
áspero e soturno. Protegia tudo que gostava dos olhos sedentos do irmão
quase sempre perdendo para a avidez invejosa e ladina do outro. Por sorte
nunca havia se apaixonado antes.
Jonathan adorava subjugá-lo e humilhá-lo, colocando-o em posições de
inferioridade e tentando se destacar às suas custas. Quando Felipe decidira
investir em sua vingança, o irmão sempre o ridicularizava ou o pressionava
com palavras ruins, fazendo-o se sentir uma pessoa má e discordando de
todas as posições que o ruivo tomava.
Colocava-se como o verdadeiro sensato, o mais inteligente e bem
apessoado, relegando ao ruivo a posição de inconsequente, infantil e
impulsivo.
Com o tempo, Felipe aprendeu a conviver com todos aqueles adjetivos
e assumiu o personagem demoníaco vilanesco que o irmão havia pintado
para si. Preferia assim, esconder-se atrás de uma máscara assustadora e
intimidadora. Aproveitou-se de seus instintos violentos e libertou-se de vez,
tornando-se algo que ele mesmo não reconhecia mais até perder-se naquilo
por completo, mergulhado em seu ódio. Tinha repulsa ao pensar em Gabriel
sabendo sobre tudo que fizera.
— O que sabemos é que o Jonathan movimentou seus subordinados.
Não sabemos para que, os dados estão protegidos ou foram apagados do
sistema. Ele está protegendo muito mais suas informações e solicitações.
Parece que está tramando algo — Thiago concluiu calmamente vendo o
amigo apertando os lábios tensamente e retesando o nariz em fúria.
O moreno suspirou aos pés de sua dominadora e apertou os joelhos
trêmulos dela. Sabia que Carla temia que Felipe perdesse os sentidos para a
raiva, e parecia que era exatamente isso que ocorria agora.
Gabriel se agachou ao lado do ruivo, tocando em seu braço. Felipe teve
um sobressalto sendo sugado de sua visão coberta pela tela rubra de ódio e
engoliu em seco vendo a expressão determinada e muito séria do submisso.
Não queria ser visto daquele jeito. Não queria que ele soubesse sobre
aquilo.
“Eu preciso protegê-lo, eu realmente preciso protegê-lo” pensava sem
parar, assustado. Seu maior temor era que seu irmão também usava
máscaras, e geralmente era uma máscara dócil e sociável que atraía a todos
por sua beleza e eloquência, mas ele sabia a víbora que era aquela criatura
simpática e sorridente.
— O que esse filho da puta quer de mim? — Gabriel perguntou curioso.
Felipe não respondeu e o moreno percebeu em suas mãos trêmulas como ele
estava nervoso. Apertou-o intensamente chamando sua atenção — Eu
perguntei o que esse desgraçado quer, Felipe.
— Te tirar de mim — o ruivo respondeu em um grunhido bravo. O
casal de amigos encarava os dois com atenção, pensando em sincronia em
como eles pareciam estar em um relacionamento sério daquela forma.
Gabe arqueou as sobrancelhas confuso, ele não sabia nada sobre a
família de Felipe ou de sua relação com o irmão, mas o que sabia era que
aquele homem a sua frente, o qual ele chamava de mestre enquanto gozava e
o castigava com intensidade, nunca perderia para o homem que conhecera
naquela exposição.
Sempre soube que havia muito mais sobre aquela pessoa que nunca
poderia imaginar. Aquela aura que vira em Felipe, sombria e assassina.
Aquele homem domado por essa aura sicária parecia capaz de qualquer
coisa. Gabriel desejava conhecê-lo por completo, ver seu pior lado. Mais do
que nunca tinha certeza que se apaixonaria cada vez mais por ele quando
tivesse acesso aos seus demônios pessoais. Ansiava.
Ele olhou provocativo para Felipe e apertou os olhos instigando-o.
— Cláusula 15.10 dos deveres do dominador — ele disse incisivo e
Felipe apertou os olhos para ele de volta, lembrando-se perfeitamente do que
dizia no contrato:
“O dominador não emprestará seu Submisso a outro dominador em
nenhuma hipótese, podendo defendê-lo de tentativas invasivas da
privacidade e da quebra do referido contrato por parte de terceiros da
maneira como o dominador achar mais adequado, sempre visando a
proteção, segurança e bem-estar do submisso e a manutenção do
acordo aqui estabelecido.”
Felipe negou com a cabeça, contrariado.
— Não é tão simples quanto parece.
— Está me dizendo que não consegue fazer o básico? — Gabriel
retrucou desdenhoso, exatamente com as mesmas palavras que Felipe havia
usado com ele antes de começarem o contrato ali naquela sala.
O ruivo teve um calafrio lembrando-se do exato momento em que usou
aquelas palavras e sorriu sádico.
— Espero que não fuja quando ver do que eu sou capaz — ele
sussurrou encarando o moreno o qual, por sua vez, arqueou uma das
sobrancelhas provocante.
— Eu nunca fujo.
Felipe sentiu-se extremamente satisfeito com aquilo, mas logo foi
tomado por uma melancolia assustadora. “Vai fugir sim. Quando você ver
esses demônios que me consomem... Eu sei que não vai conseguir me
encarar de novo” pensou tristemente. Ele estendeu o braço forte e segurou o
moreno pelo pescoço sem aguentar mais nem um segundo sem seu toque.
Puxou-o lentamente e beijou-o curtamente aproveitando o gosto de sua
boca muito quente e úmida. Gabriel o ancorava na realidade, evitando que
ele fosse sugado pelas trevas às quais fora condicionado por toda a vida. Ele
tinha o dom de sempre o instigar e fazê-lo pensar com mais clareza. Agora,
desejava-o tanto a ponto de sentir o ar denso machucar enquanto respirava.
Carla arregalou os olhos surpresa, sabia que Felipe nunca beijara um
submisso na vida. Ao contrário, ele havia beijado pouquíssimas vezes,
odiando a sensação de ser invadido daquele jeito. Rejeitava aquele toque
com todos antes daquele homem por achar que era uma intimidade
desnecessária, priorizando o que precisava e considerava relevante em uma
interação com um submisso: apenas punir, violentar e transar.
Felipe o soltou, encostando sua testa na de Gabe sorriu um pouco.
Voltou-se para os amigos com o olhar muito sério. O moreno tentava se
recompor com a expressão muito cerrada e mal-humorada cobrindo os
lábios, o gosto de café e cigarros ocupando toda sua boca ansiosa por mais.
— Aurora, organize uma equipe de defesa alfa e monitore cada
movimento dele. Também envie subordinados para vigiar a lista de pessoas
que eu vou te repassar, é melhor proteger as pessoas próximas ao Gabo,
mesmo que ele não jogue dessa forma. Evite utilizar a Ordem, faça o
máximo que possível através dos Aliados de Draco. — Felipe desviou o
olhar sombrio para Carla que sorria feliz em ver o amigo daquela forma de
novo. — Carla, preciso que defina um plano de negociação efetivo e
completo com os Barbosa, descubra o que eles têm interesse e podem aceitar
ou propor.
Gabriel olhava muito excitado para o homem à sua frente, vendo-o dar
ordens tão duramente, puxando a franja vermelha para trás com as mãos
grandes. Dali ele conseguia ver as costas arranhadas do homem desnudo, as
veias marcadas em seu antebraço, estimulando-o e fazendo-o salivar muito.
Os olhos dourados o atingiram como um raio, fazendo-o reparar que ainda
estava agachado e muito perto, quase implorando por outro beijo.
Gabriel se levantou em um impulso e cruzou os braços sério.
— Quem são esses Barbosa afinal? O que você fez pra eles?
Felipe suspirou chateado por ele ter se afastado e respondeu
bruscamente:
— Eles são líderes de uma gangue famosa que controla o oeste de
Kilife. — Felipe levantou o olhar para o moreno que o encarava assustado.
— Provavelmente foi em alguma negociação deles que sua irmã acabou
envolvida. A polícia não se mete nos assuntos dos Barbosa.
Gabriel arfou.
— Kilife é dominada por uma gangue?! Mas que caralho?! — ele
perguntou atônito. O ruivo sorriu pensando em como ele ficava fofo tão boca
suja e bravo daquele jeito. — Espera, eles fazem parte dessa Ordem que
vocês estão falando toda hora? É isso?
Carla negou com a cabeça veemente intrometendo-se.
— Não! Os Barbosa são um dos inimigos declarados do grande líder da
Ordem. Eles têm uma lista de assuntos inacabados — Carla disse tensamente
e Felipe a olhou inquisidor, alertando-a com o olhar para não continuar
falando sobre aquela desavença. Gabe virou o rosto confuso, ainda tentando
entender o que era a Ordem. Carla reparou naquela expressão e continuou:
— Imagine a Ordem como um conglomerado de empresas. Muitas
empresas! Grandes, pequenas, algumas mais rentáveis e outras menos,
trocando serviços entre si de forma colaborativa e orgânica. Como todo
conglomerado existe um líder, um CEO que encabeça tudo. Também existe
uma cúpula de vice-líderes e pessoas influentes selecionadas que
administram todos os interesses das engrenagens que são cada empresa
associada.
Gabriel processava aquilo muito atento. Sentiu os olhos tensos de
Felipe sobre ele e não o olhou, apenas focado em entender o que ouvia.
Sabia que ela estava sendo eufêmica quando se referia àquilo como algo
mais comum à realidade do moreno como “empresas”. Ele deu de ombros
querendo que ela fosse mais clara.
— Empresas você se refere a gangues ou crime organizado?
— Pode ser. A Ordem não é composta só por isso. — Ela descruzou e
cruzou as pernas fazendo Thiago, que ainda estava ao seu lado, sentado no
chão, se aconchegar mais ainda em sua coxa, inebriado pela pressão de
excitação que sentia perto daquela mulher. — Podem ser empresas de
verdade também. Agências de advocacia, famílias importantes dentro e fora
do comércio ilegal, personalidades famosas e a mídia. Políticos,
representantes religiosos... Diplomatas e até organizações de espionagem ou
militares. A Ordem é o que mantém nosso sistema.
Gabriel apertou os olhos, curioso, inclinando-se para frente sem notar,
muito interessado. Felipe o analisava sem acreditar naquele movimento tão
ansioso do moreno, sabia que seu submisso era atraído para a violência e o
perigo, mas nunca imaginaria ele tão imerso naquelas informações,
questionando-se o que se passava em sua cabeça.
— Você quer dizer que a Ordem é uma máfia? — Gabe perguntou.
Carla riu divertida.
— A Ordem é “A” máfia, Gabe. É composta por várias máfias. Ela
existe como uma seita. Têm seus próprios rituais e costumes. Antes de um
conflito acontecer em qualquer parte de Cicék, de Pátia a Cicége, a Ordem é
quem decide seu início e seu fim. O crime e a economia daqui é organizado
por ela assim como a política. Quase tudo é da Ordem. Existem inimigos
declarados a ela, claro. E muitas outras máfias e gangues menores que
evitam contato ou conflitos. Mas no fundo, somos o leão desta selva — ela
disse sorrindo sadicamente. Olhou sensual para seu submisso acariciando
seus cabelos como uma chefe muito má. Continuou falando:
— A cúpula é como se fosse o posto de controle do grande líder e tem
por função discutir os interesses da Ordem e de seus componentes, resolver
conflitos, organizar as finanças e executar ordens de negociação e
pacificação. Ela é encabeçada por 4 pessoas chamadas vice-líderes. Eles são
as pessoas mais cotadas para assumir um dia a posição de grande líder e
também são normalmente votados pelo resto da cúpula para assumir a
cadeira dependendo de sua influência dentro da Ordem e seu poder. Apenas
pessoas de Classe A, ou seja, pessoas da linhagem sanguínea direta com as
famílias fundadoras da Ordem, podem compor as cadeiras de vice-líderes.
No caso, eu sou a representante da minha família e uma das vice-líderes da
cúpula. Além de mim, temos o Vertheimer e os dois filhos do próprio grande
líder.
Ela prendeu a respiração por alguns segundos recebendo o olhar
aterrorizante de Felipe. Ela o ignorou e encarou profundamente o moreno
que a escutava atento e respirando muito rápido. Concluiu com a voz
sibilante:
— Os irmãos gêmeos e únicos filhos do grande líder: Jonathan e Felipe
Castro.
O ruivo grunhiu descontente em um muxoxo sentindo suas mãos
geladas. Gabriel arfou e xingou exasperado sem acreditar. Ele olhou para
Felipe, o qual evitava seu olhar encarando apenas a amiga.
Felipe desejava expulsá-la naquele exato momento. Thiago observava-o
calmamente, tentando se comunicar com o amigo, fazê-lo perceber que não
poderia fingir para sempre que era apenas um fotógrafo para seu submisso.
— Você é filho da porra do líder de uma seita mafiosa?! E aquela praga
é seu irmão gêmeo?! — Gabriel riu nervosamente e caminhou em direção ao
balcão lentamente, colocou café no copo de vidro sentindo suas mãos
tremerem. Ele estava extasiado pela tensão e não entendia como sua vida
tinha virado de cabeça para baixo tão repentinamente.
Não fazia ideia de como havia chegado até ali partindo de sua vida
tediosa e frustrada, acordando sempre sozinho e fingindo que não se
importava com aquela solidão, trabalhando para ocupar o tempo que o
consumia e dançando para sobreviver dentro de sua angústia. Ouviu o
silêncio que vinha de trás de si e suspirou tomando o café, tentando se
acalmar.
Sentia seu estômago tremer, ainda estava descrente e não conseguia
engolir a ideia de que Felipe, o fotógrafo premiado, sádico e seu dominador
sexual, era aquilo que havia escutado. Sabia que ele não era apenas o que via
e tinha certeza que havia muitas coisas sobre aquele homem que desconhecia
e inclusive, quando soubera que ele possivelmente estava envolvido com
assuntos mais perigosos e suspeitos, chegou a imaginar que o ruivo estivesse
metido com um grupo ilegal, no máximo uma gangue ou algo do tipo. Mas
aquilo era muito além de suas expectativas, deixava-o tenso e preocupado
com a vida alheia. Sim. Só pensava no perigo que o ruivo estava submetido e
em momento nenhum era capaz de pensar em si.
Era sua maior característica. Sempre negligenciava sua própria
segurança e bem-estar pelo fato de que não conseguia evitar priorizar as
pessoas por quem se importava. Ele tomava o café em silêncio enquanto
Felipe apertava os punhos muito nervoso, querendo ir até seu submisso e
tocá-lo, olhar nos seus olhos buscando a conexão de outrora.
O ruivo sabia que aquele momento chegaria, que Gabe conheceria cada
vez mais sobre ele e se sentiria pressionado por isso até chegar ao ponto em
que saberia tudo que já fizera pela Ordem, o seu papel dentro dela, sua
função e principalmente o que ele fizera apenas para suprir sua necessidade
de violência e vingança. Para alimentar a figura bestial e malina que todos
pintavam dele em busca de um ideal respeitado.
Ele estremeceu e sentiu uma náusea intensa. Não sabia se o moreno
saberia diferenciar o seu verdadeiro eu, o qual ele já conhecia, daquela
criatura moldada da qual teve que viver à sombra por toda sua vida.
O moreno colocou mais um pouco de café no copo e se virou levando-o
para Felipe. Estendeu o braço oferecendo-o e o ruivo o analisou muito
cauteloso. Carla e Thiago permaneciam em silêncio, observando-os. Felipe
arqueou as sobrancelhas surpresos quando viu o rosto corado de Gabriel e
recebeu o copo sem entender o que significava aquela expressão: não havia
um rastro sequer de repulsa, medo e muito menos insegurança.
Ele quis rir com mais aquela surpresa agradável, tomando todo o café
em silêncio e deixando o copo vazio ao pé da poltrona em seguida. O
moreno começou a falar muito tenso, quebrando o silêncio, com o tom de
voz do jogo do contrário que Felipe conhecia bem:
— Isso é ridículo! Você estar envolvido em uma merda dessa... Nossa,
eu estou completamente apavorado! A única coisa que não me apavora nisso
tudo é o fato de que você não pode se machucar! Porque eu não dou a
mínima para você! O que temos é só um contrato mesmo, nada além disso.
Então, eu não estou nem aí se você acabar morrendo num conflito imbecil
por minha causa. — Gabriel deu de ombros muito corado, sabendo que o
homem entendia o que ele dizia exatamente ao contrário.
Felipe estava concentrado, processando as informações ao avesso. O
casal de amigos no sofá não entendia absolutamente nada do que ele dizia. O
moreno continuou, dessa vez voltando ao tom habitual sem conseguir se
segurar:
— Por que ele está me visando de verdade?
Felipe sorriu de canto ainda digerindo o que ele havia falado ao
contrário: “Isso é incrível. Eu não tenho medo. Eu me importo com você.
Não somos só um contrato, somos mais que isso. Eu não quero que você
morra por minha causa”. O ruivo se deliciava com o olhar obstinado de Gabe
e ao mesmo tempo muito preocupado. Amava sempre se surpreender com
suas reações valentes. Carla respondeu a ele:
— O Jonathan não quer que o Felipe se torne o grande líder. Ele quer
assumir essa posição um dia. Ele sonha em revolucionar a Ordem, ou algo
assim. Retirar toda e qualquer influência criminosa dela e transformá-la em
uma entidade puramente aristocrática, legal — Carla falou.
— Além disso, ele odeia o fato de o Felipe ter tantos apoiadores na
cúpula e em toda a Ordem. Mesmo que ele trabalhe tanto, ele nunca
consegue superá-lo. Todos sabem quem ele é e o respeitam. Jonathan não
teria chance contra ele em uma votação. — Thiago completou.
Gabriel assentiu sentindo-se menos preocupado com aquela
informação. Lembrou-se da aura densa e autoritária de um verdadeiro líder
que Felipe emanava e sentiu um tremor entre as coxas com volúpia.
Não queria ficar excitado ali na frente do casal e tentou se acalmar
evitando ao máximo a imagem daquele olhar sádico e muito violento,
principalmente evitar o desejo que sentia de ser olhado daquela maneira
enquanto fosse punido pelo ruivo.
— Você deveria estar preocupado com você não comigo — Felipe
sussurrou para Gabe, levantando-se. Aproximou seu rosto do moreno
sentindo o cheiro de café que vinha dele desejando beijá-lo de novo. O
moreno deu de ombros negando com a cabeça.
— Eu não vou fugir. E eu realmente não estou preocupado comigo —
Gabriel falou o encarando de perto com os olhos de gato, a expressão
cerrada e muito brava. Hesitou antes de prosseguir: — ele é tão perigoso
assim? O que diabos o fato de termos um contrato tem relação com você
assumir ou não a posição de grande líder? Eu ainda não entendo porque ele
está me visando.
— Não interessa. Eu não faço mais parte da Ordem. Não tenho
interesse em voltar — Felipe concluiu com seu olhar frio e muito sério,
habitual.
— Ir embora e nunca mais dar notícias não é sair da Ordem, Felipe —
Carla retrucou.
Gabe bagunçou os cabelos negros estressado.
— Eu não entendo.
— Felipe saiu da Ordem por conta própria e Jonathan já se considera o
próximo grande líder por conta disso. Como se ele tivesse se livrado do seu
maior rival no caminho da liderança — Thiago respondeu calmamente.
Carla riu baixinho enquanto se levantava do sofá e estendeu a mão a
Thiago para ajudá-lo a fazer o mesmo. Ele pegou o sobretudo e lançou de
novo em cima dos ombros da morena com o olhar tímido e muito sonolento
enquanto ela corava discretamente, amava a sensação do cheiro dele que
vinha daquela peça.
Os dois já haviam recebido as ordens de Draco e já sentiam que podiam
ir embora. Carla se aproximou de Gabe, o qual estava muito rubro, e tocou
em seu ombro chamando sua atenção. Felipe e Thiago observavam os dois
atentamente.
— Você realmente nem imagina por que o Jonathan está tão interessado
em você? — ela questionou fazendo o moreno recuar confuso. Felipe
suspirou desviando o olhar timidamente. Gabriel grunhiu e bagunçou o
cabelo de novo em seu tique nervoso. Carla rosnou: — por favor. Você é
atraente para cacete, até eu tenho vontade de te castigar por ser tão petulante!
Olhe para você. Felipe invadiu um território inimigo sabendo que isso ia
gerar um caos na Ordem, um alvoroço de suposições sobre seu retorno, só
para te ver.
Felipe emitiu um som de fúria e afastou levemente Carla de Gabe,
fuzilando-a com o olhar.
— Já chega. Vão embora — ele falou muito rude, segurando o moreno
com as mãos e protegendo-o atrás de si.
Thiago voltou-se para Felipe por um instante e segurou Carla pela mão.
Ela se esforçava muito para segurar um risinho divertido.
— Você deveria ficar com a Escarlate. Só por via das dúvidas — ele
disse e Felipe negou com a cabeça veemente.
— Não. Vou deixar meus subordinados ao redor caso seja necessário
defesa.
Gabriel estava de cabeça baixa, sentindo-se muito nervoso e com o
coração palpitante por conta do que acabara de ouvir. Ele tremia muito e
queria abraçar o ruivo que o segurava de costas para si conversando com
Thiago.
Ele deslizou a mão pelo braço que o segurava e apertou com as unhas o
homem que imediatamente reagiu o apertando também, por reflexo. Os dois
pareciam conectados e sedentos, a tensão entre ambos, praticamente visível.
Carla sorria sem parar empolgada com o que via. Thiago bufou contrariado.
— Andar desarmado com o Jonathan se movimentando assim é muito
perigoso, Draco.
— Não me chame assim — Felipe falou em um tom muito grave e
Gabriel apertou seu braço mais ainda, sentindo todo o impacto que a voz
autoritária daquele homem exercia sobre ele. Estava afogado em devaneios
sobre aquele homem empunhando uma arma, os olhos de dragão furiosos. O
ruivo engoliu com dificuldade ouvindo a respiração pesada de Gabe e tentou
focar na conversa. — Eu não vou usá-la a não ser que seja realmente
necessário. Façam o que eu disse e vamos aguardar. É melhor não chamar
atenção.
Era a primeira vez que o moreno ouvia o codinome de Felipe e sentiu
que realmente combinava com ele. “Então os tais Aliados de Draco, são os
seus Aliados, afinal?” pensou em meio aos inúmeros outros pensamentos
que bombardeavam sua cabeça exausta com toda aquela informação.
Ele olhou para Carla, que agora lambia os dentes, muito satisfeita,
balançando a cabeça em surpresa e percebeu que ela demonstrava estar
muito feliz pelo amigo, como se seus olhos brilhassem vendo-o reerguer-se.
Gabe sorriu um pouco, afetado por aquela sensação, lembrando-se do que a
morena disse:
“Felipe invadiu um território inimigo sabendo que isso ia gerar um caos
na Ordem, um alvoroço de suposições sobre seu retorno, só para te ver”.
O moreno teve um sobressalto soltando-se de Felipe quando ouviu o
próprio celular tocando dentro do quarto e entrou nele, buscando o aparelho
que carregava na mesinha de cabeceira da cama.
— De qualquer maneira, é melhor mesmo que você evite entrar em
qualquer problema para não o provocar ainda mais. Assim que eu tiver as
informações eu... — Carla dizia quando viu Gabriel entrando e saindo do
quarto, e atendendo o telefone em um canto.
Ela abriu a boca em choque e Thiago também arqueou as sobrancelhas
mudando, pela primeira vez, sua expressão distante e desinteressada para
uma de surpresa.
Felipe olhou para Gabe que havia acabado de desligar o aparelho. Era
Josh e ele atendeu muito rapidamente ouvindo o loiro protestando do outro
lado, questionando se ele estava bem. Sussurrou que aquele não era um bom
momento e que estava bem, prometendo que retornaria logo mais,
finalizando a chamada em seguida.
Gabriel agora estava um pouco assustado, estagnado com o cenho
cerrado, sem entender o porquê daquelas expressões perplexas nas faces do
casal encarando-o. Na realidade, todos os encaravam.
— Você não está usando o quarto dos submissos?! Você o levou para o
seu quarto pessoal? Nem eu posso entrar aí! — Carla indagou
repentinamente, gritando chocada para Felipe e o ruivo se voltou para ela
com uma expressão de desespero, implorando para que não falasse mais
nada, os olhos arregalados.
— Signora, é melhor irmos logo! Vamos — Thiago disse entendendo
imediatamente os sinais do amigo. Ele se voltou para o ruivo com urgência
— É melhor você se cuidar! Você sabe que ele é um burocrata e vai tentar de
tudo para te tirar do caminho dele.
O homem puxou a morena indo em direção à porta, abriu-a e começou
a expulsar a menor que resistia. Carla tinha um acesso de riso muito
divertido e conseguiu dizer antes de ser empurrada para fora com precisão.
— Quem é o baunilha agora hein Felipe?! Tchau, Gabe! — ela gritou
debochada, rindo muito do lado de fora e Thiago fez uma mesura com a
cabeça, desculpando-se silenciosamente com os dois pelo comportamento de
sua companheira, antes de fechar a porta. Era a despedida.
Felipe massageou as têmporas tentando se recuperar de tudo que havia
acontecido e da enxurrada de informações que de repente foram reveladas de
forma tão repentina, hesitava preparando-se para fumar outro cigarro por
conta da ansiedade e do constrangimento que o invadia, quando Gabriel
segurou sua mão impedindo-o.
Os dois se entreolharam silenciosamente. Felipe suspirou, segurando-o
firmemente. Ele o puxou e o abraçou com todo seu corpo, seus braços
grandes o envolvendo por completo e seu rosto plenamente enfiado em seu
pescoço, sorvendo o cheiro dele o máximo que podia.
— Não fuja de mim. Mesmo que eu seja uma aberração... Não fuja —
Felipe sussurrou suplicante e o moreno se surpreendeu com aquele tom tão
emotivo, uma vez que aquele homem geralmente era tão sério e sádico,
divertindo-se com qualquer situação sem parecer se preocupar realmente
com consequências, dominador e confiante.
Gabe sorriu muito devolvendo o abraço com força.
— Que merda é quarto dos submissos? — perguntou de forma
aleatória, aproveitando a sensação daquele corpo quente o apertando.
— Assunto para outro momento — Felipe respondeu em um muxoxo
contra seu pescoço.
Gabe sorriu, curioso, aceitando que já haviam sido muitas revelações
para uma só manhã. Sabia também o que tinha que fazer para provar de uma
vez por todas que ele não tinha medo dele. Segurou-o pela mão e o puxou
para o quarto em silêncio, sem olhá-lo.
— O que eu vou te contar agora é um segredo que nunca contei para
ninguém — Gabriel falou e o olhou timidamente, tirou a camiseta
lentamente revelando a pele muito danificada pelas punições do ruivo. —
Você se acha uma aberração? Não se coloque nessa posição ou eu vou ter
que acreditar que eu também sou uma.
Felipe negou com a cabeça sem entender aonde ele queria chegar com
aquilo. Gabe se sentou na cama, puxando-o pela mão novamente e o outro se
sentou na sua frente. O ruivo aguardava o que ele tinha a dizer muito
curioso, via o moreno tirando a bermuda e ficando completamente nu na sua
frente sentado com as costas apoiadas no espelho da cama gradeado, abrindo
as pernas lentamente e muito provocativo.
Arfou vendo-o muito bonito e suado, ansioso em sua respiração
descompassada e levemente rígido ali. Gabriel puxou a mão esquerda de
Felipe e a encaixou em sua virilha, obrigando-o a tatear com as pontas dos
dedos entre os pelos pubianos ralos em uma região oculta.
— Antes de te conhecer eu passei muito tempo fugindo disso. Eu me
forçava a esquecer isso aqui com todas as minhas forças. Sempre me senti
muito mal e errado por causa disso.
Felipe sentia em sua virilha algo, mas não conseguia definir o que era.
Pareciam cicatrizes, sulcos finos que ao toque tornavam-se perceptíveis quão
profundos um dia foram aqueles cortes. Ele arregalou os olhos confusos,
entendendo agora que eram muitos cortes ladeados os quais iam até a parte
interna de sua coxa.
“Como eu nunca percebi isso antes?” ele pensava, reparando com
atenção na reação muito insegura e tímida de Gabe, o qual, por sua vez,
virava o rosto muito corado. Não parecia que era um segredo que qualquer
outra pessoa no mundo tivesse acesso. O moreno continuou falando. Forçava
a mão de Felipe ali para que ele sentisse aquelas cicatrizes com precisão.
— Eu me sentia muito frustrado e estava ficando cada vez mais irritado
com o fato de nunca conseguir me sentir satisfeito sexualmente ou
emocionalmente com ninguém. Eu pensava que fosse por causa da rejeição
do Josh ou algo assim... — Felipe bufou irritado ao ouvir o nome do loiro e
apertou os olhos enciumados para Gabriel. — Um dia acidentalmente eu me
feri aqui. E doeu bastante.
Gabriel riu trêmulo, muito inseguro. Olhou para Felipe tentando definir
sua reação, mas não percebia nada além de seu olhar muito focado e atento
para ele, prestando atenção em tudo que ele falava com curiosidade.
Prosseguiu:
— Doeu muito e eu fiquei realmente muito excitado com aquilo... De
um jeito que eu nunca havia ficado excitado antes. Eu… eu fiquei tão... —
Gabriel engoliu com dificuldade e riu de novo, muito tenso. Ele apertou
fortemente a mão de Felipe contra as cicatrizes e o ruivo as sentia, tremendo.
— Eu fiquei tão excitado que eu me toquei algumas vezes me ferindo assim,
de propósito, como um doente.
— Você não é doente, ter fetiches é completamente normal — Felipe
falou friamente. Sua voz estava grave e muito rouca. Ele mal conseguia
pronunciar aquelas palavras tamanha excitação que sentia.
— Mas foi como eu me senti. Uma aberração. Me ferindo, sangrando,
sentindo uma dor horrível que fazia eu me sentir tão bem que eu não
conseguia me controlar. Até que eu não queria mais só isso, eu precisava de
mais — Gabe confessou de uma vez segurando firme a mão de Felipe sem
necessidade, o ruivo pressionava por si só deslizando os dedos ali — Todas
as vezes que eu me sentia sozinho e triste ou quando tentava me relacionar
com alguém, me frustrando toda vez, eu fazia isso como forma de me punir.
Como você pode sentir, não foram poucas. Quando eu percebi que estava
ficando dependente disso e perigoso de acabar me machucando de verdade,
eu me forcei a parar, me odiando cada vez mais.
Felipe o olhava nos olhos, penetrando naquela mente que se provava ser
cada vez mais interessante e complexa, cheia de sombras, fazendo-o desejar
nunca sair dali. Era fascinante. Seu coração batia muito rápido, em uma
sensação de perplexidade pela ironia do fato dele mesmo sempre ter sido
considerado um sociopata doentio por suas maneiras rudes e violentas em se
tratando de sexo, enquanto aquele homem se martirizava por precisar da
dor.
Ele estremeceu sentindo as cicatrizes muitas, alinhadas e profundas,
escondidas ali numa posição que Felipe conseguia imaginar como o moreno
havia conquistado enquanto se tocava. Sentiu seu membro pulsar com aquela
visão grotesca que entressonhava.
— Você não precisa mais fazer isso. Eu posso te machucar de forma
segura sem necessitar disso — o ruivo afirmou roucamente, deslizando a
mão que antes tocava nas cicatrizes para a cintura arroxeada, a outra mão
dele acompanhando aquele toque com muito prazer.
Gabriel emitiu um som sôfrego, como um miado alongado e aliviado,
assentindo muito grato com a cabeça. Felipe então estremeceu desejando
beijá-lo, envolver seu corpo no seu e não permitir que ele se colocasse em
risco para se sentir livre nunca mais.
— Eu sei. O que eu quero dizer… — Gabe falou passando os braços ao
redor do homem que cada vez mais se debruçava sobre seu corpo,
aproximando-se e o apalpando com volúpia. — É que toda vez que você
olha preocupado para mim como se eu fosse te julgar por quem você é...
Bom, eu odeio isso. Tudo isso que eu acabei de ouvir, eu fiquei surpreso,
sim... Mas não com medo. E eu estou aqui te contando algo sobre mim que
realmente fez eu me sentir um anormal a vida toda como prova de que você
não me assusta, Felipe.
O ruivo suspirou muito aliviado e excitado, pressionando seu corpo
todo contra o de Gabriel entre suas pernas abertas que o envolviam. As mãos
dele ainda percorriam seu corpo com delicadeza, acariciando-o. Sentia-se tão
bem com ele ali. Sentia-se melhor ainda com aquele segredo que fez
confirmar a sensação que tinha de que seu submisso era ímpar e
infinitamente interessante.
Por conseguinte, Gabriel tornava-se quase essencial, um ser humano
indispensável pela sensação que conseguia gerar dentro de si de forma tão
natural. Felipe sempre havia sido uma pessoa que aceitou a solidão como sua
punição por ser um vilão e, agora, apreciava a sensação de companheirismo
e afeto o invadindo.
Apaixonar-se, sem dúvida, é inevitável.
— Eu não vou fugir — Gabriel repetiu com veemência entre gemidos,
sentindo-o lamber seus mamilos com a língua muito quente, deslizando-a
pelo seu pescoço e brincando com o lóbulo da sua orelha.
— Eu prometo que vou tentar acreditar nisso, gatinho — Felipe falou e
riu um pouco, mudando seu tom de voz repentinamente para aquele que o
moreno havia usado anteriormente, jogando: — eu não tenho nenhum medo
de você me odiar por quem eu realmente sou. Afinal, não temos nada além
de um contrato. É só sexo, apenas isso.
Gabriel riu rouco se divertindo com a situação dele usando seu jogo do
contrário. Esfregava-se contra o ruivo em cima de si ansioso, deslizando
suas mãos pelas suas costas e braços revirando os olhos com as carícias que
ele fazia em seu pescoço com a língua e nariz, respirando ora mais quente,
ora mais frio onde estava úmido.
— Obviamente. Nada além de um contrato. Apenas isso — ele disse no
tom irônico com dificuldade. — Aliás, te odiar é muito fácil pra mim. Sinto
que qualquer coisa nesse mundo me faria te odiar.
Felipe riu, divertindo-se, e Gabe acabou rindo junto com ele. Ambos
muito confortáveis com aquela brincadeira boba. Não conseguiam mais ter a
mesma aura sexual e riam sem parar um contra o outro, sentindo apenas
aquela estranha conexão que vivenciaram antes.
Gabe ouviu seu telefone tocar e lembrou que havia dito que retornaria
logo para Josh. Empurrou o ruivo e tentou se recompor, colocando a
bermuda que usava anteriormente e tateando o aparelho dentro do bolso. O
atendeu rapidamente cumprimentando o amigo do outro lado da linha e viu
Felipe o observar na cama, seus olhos dourados sobre si, admirava sua pele
castanha e seus músculos com muito desejo, fazendo-o se sentir
constrangido com aquilo.
— Oi, Josh — Gabe falou muito nervoso, pensou ter visto Felipe
revirar os olhos e bufar antes de vê-lo se jogar na cama e cobrir o rosto com
o antebraço, mal humorado.
— Não me vem com essa. Você sumiu no meio de um temporal e não
deu notícias, a academia está fechada e você não está em casa! Aconteceu
alguma coisa com a tia Dali ou com a Jéssica? Você atendeu daquele jeito
naquela hora e eu quase surtei aqui, Gabriel!
Gabe fez um muxoxo com a bronca e cerrou as sobrancelhas muito
bravo.
— Meu celular estava descarregado, porra! E elas estão bem, foi só um
susto! Já estão em casa e seguras. Eu não tinha ligado antes porque... — “Eu
passei o resto do dia todo desde o meu retorno sendo castigado e transando
com um homem que me faz me sentir único no mundo” pensou engolindo as
palavras por trás de um sorrisinho sádico e levado. — Eu estava um pouco
ocupado.
“Um pouco?! Talvez eu deva te deixar mais ocupado para não atender
essa merda quando estiver comigo” Felipe pensou apertando os punhos
enquanto ouvia a conversa. Já tinha sido interrompido duas vezes naquele
dia e estava furioso. Principalmente em ouvir Gabriel se justificando e dando
satisfações à Josh.
— Que alívio que elas estão bem! Espera, ocupado? Quer dizer que o
Felipe foi mesmo atrás de você, não é?! — Josh falou empolgado, muito
rápido, do outro lado da linha e o moreno corou pensando que
provavelmente havia sido através do amigo que ele descobriu onde estava.
— Vocês se acertaram? Ele é um babaca, mas parecia morto de preocupação
quando ligou para academia. Ele se desculpou apropriadamente? Se me
disser que não, eu vou atrás dele e o obrigo a se ajoelhar na sua frente!
— Eu falo com você mais tarde, Josh! Temos ensaio hoje, não esqueça.
Eu te encontro lá? — Gabriel falou duramente tentando finalizar aquela
conversa logo, o amigo estava se tornando tagarela e sabia o que isso
significava: ele torcia muito pelos dois. “Morto de preocupação? Esse
desgraçado disse que foi por causa do contrato” pensou com o coração aos
saltos.
— Sim! Eu não esqueci. — Josh riu divertido. — O Ron disse que
tentaria ir ver o ensaio!
O loiro estava ansioso pela próxima apresentação, nunca mais
dançaram juntos.
— Argh, que seja! Liga pra Talita e manda ela abrir no turno da tarde.
Eu estou indo pra lá agora ajudá-la.
— Certo. Então, até lá.
Gabe desligou o telefone e se levantou, preparando-se para se arrumar
para ir trabalhar, quando sentiu Felipe o puxar pelo pulso, jogando-o na
cama de novo. O ruivo o beijou intensamente tomando o fôlego do rapaz
abaixo de si.
— Eu não te autorizei a sair — Felipe falou muito sério, olhando-o
bravo. Suas sobrancelhas cerradas.
Gabriel o empurrou de novo tentando sair daquele aperto sem sucesso.
Felipe segurou suas duas mãos acima de sua cabeça e apertou-as no pulso
com toda sua força.
— Que merda, Felipe! Eu preciso trabalhar. E eu tenho ensaio hoje!
— É perigoso! Qual parte do meu irmão babaca está interessado em
você e tem subordinados armados você não entendeu? Não saia antes do
próximo relatório da Carla.
Os dois se encaravam muito bravos, prontos para brigar. Felipe
preocupado com sua segurança e Gabriel se negando a se colocar na posição
de refém de Jonathan, acuado pela sua ameaça.
— Foda-se! Eu não vou ficar preso aqui. Eu não tenho medo dele! —
Gabe apertou os olhos provocativos e inclinou o queixo lambendo os lábios.
Felipe acompanhou sua língua perdendo a postura brava imediatamente,
arfou ansioso sorrindo de canto. — Vá comigo se quer me proteger!
Apenas… Não saia do meu lado nunca!
O moreno disse aquilo de brincadeira, mas Felipe assentiu e lambeu os
lábios de Gabriel muito devagar, o piercing prateado roçando em sua pele
macia. Ele se aproximou do ouvido dele e sussurrou, confirmando, através
do sorriso excitado:
— Nunca.
CAPÍTULO XI

Gabriel havia saído do segundo banho do dia com a água escorrendo


pelo seu corpo muito marcado. Estava muito quente e abafado. Ele sorriu
olhando para si mesmo no reflexo do espelho, seu rosto corado e coração
descompassado. Pensava no quanto havia sido difícil se desvencilhar dos
beijos de Felipe enquanto ainda se enrolavam na cama, suados.
O moreno precisou ser resoluto e persistente, insistindo que realmente
tinha necessidade de abrir a academia e ensaiar, e que não cederia e ficaria
enclausurado por medo de Jonathan, até o ruivo concordar a contragosto.
Todavia, o que Felipe não sabia era que, internamente, ele desejava mesmo
era ficar ali, no colo dele, ouvindo sobre cada detalhe de sua vida, e tudo que
ainda não sabia, mas ansiava por saber.
Não queria incomodá-lo com mais perguntas receando justamente que
fosse um assunto delicado para aquele homem, uma vez que sabia que ele
havia saído da Ordem e a razão ainda era um mistério. De fato, Gabe
conseguia pensar que existiam muitas coisas sobre o ruivo que ele não tinha
conhecimento, e sentia-se cada vez mais curioso e ansioso por isso.
Justamente por sentir-se cada vez mais impulsivo com seu interesse,
priorizou se ater à sua vida normal em seu trabalho e rotina longe dele, a fim
de buscar ter mais paciência com o tempo de Felipe. Afinal, sem dúvida,
cada vez mais, nutria um afeto e carinho pela sua pessoa, mesmo que não
admitisse.
Desejava que Felipe confiasse nele e o visse como alguém com quem
podia ser ele mesmo sem nenhum tipo de cobranças ou expectativas.
A frustração de vê-lo sempre se fechar e se colocar na posição de uma
pessoa inescrupulosa, afastando-o, doía infinitamente. Queria que Felipe o
visse como Gabriel realmente era: alguém que não iria embora de seu
entorno independentemente de quem ele fosse ou do que tivesse feito.
Gabriel tinha consciência do quanto gostava e desejava o perigo que estava
se envolvendo.
Quanto ao irmão dele, Jonathan, verdadeiramente não o temia mais.
Apesar de sempre ter calafrios quando se lembrava de seu porte e olhar de
víbora, sabia que essa sensação se dava justamente porque ele sempre
parecia tão simpático, forçosamente bondoso e sonso, que isso o afetava
mais que o comum.
Odiava a sensação de artificialidade cínica que emanava daquele
homem, odiava mais ainda o fato de que ele parecia desprezar Felipe e
sempre querer o pior do próprio irmão. E Gabe, mais do que ninguém,
entendia o que era estar em conflito com os irmãos. Ainda assim, não
conseguia aceitar a postura imatura, potencializada pelos recursos da Ordem,
que aquele homem assumia.
Permanecia imerso naqueles pensamentos enquanto enxugava o corpo
distraidamente. Estava certo de que, estando com Felipe, nada de mal o
aconteceria. Sentia-se envolto naquela sua aura protetiva e assustadora que o
aquecia e enchia de coragem para enfrentar qualquer coisa. Por mais que
tentasse negar ou não demonstrar, sentia-se tão confortável ao redor dele que
mal tinha forças para manter suas barreiras de proteção como antes.
Refletia intensamente se não estava andando rápido demais naquilo,
tentando frear-se e reduzir a velocidade de sua queda penhasco abaixo, mas
era completamente inútil. A cada segundo que passava ao lado do ruivo
conhecia mais e mais dele, sentindo-se também mais fascinado e desejoso de
mergulhar cada vez mais fundo.
Havia contado a ele seu pior segredo, o que escondia até de si mesmo.
Corou lembrando-se disso receoso. Quantas vezes ele teve que se recompor
de seus pensamentos doentios evitando ao máximo aquilo? Felipe o fazia se
sentir livre para ser quem era. Masoquista. Violento. Sedento por coisas que
nem ele mesmo entendia.
Ele sorriu mais uma vez, muito bobo, vestindo sua calça preta larga de
moletom e uma camiseta cinza que colava em seu corpo perfeitamente. Suas
roupas haviam secado graças a Felipe que tinha lembrado de estendê-las
anteriormente.
“Mesmo com aquela cara de que não se importa com nada, ele sempre
demonstra se importar de alguma forma... Esse desgraçado” pensou rindo
divertido enquanto enxugava o cabelo muito alvoroçado, seus olhos felinos
cintilando de alegria contra sua face corada.
Amarrou o casaco xadrez ao redor da cintura e deu uma última olhada
no espelho, satisfeito com o que via. Sua bunda marcava, muito atraente,
contra o tecido do casaco. Gabe parecia um garoto, muito descolado e
selvagem com aquela roupa descontraída e o cabelo úmido bagunçado:
estava lindo. Saiu do banheiro distraído e estagnou surpreso com a cena que
via, seu corpo todo sendo assaltado por arrepios intensos.
Felipe estava absorto enrolando as mangas da camisa social branca de
botões na dobra do cotovelo, as veias marcando sua pele clara a cada
movimento. Ele também usava uma calça lisa preta de alfaiataria,
igualmente social e um colete preto de mesmo tecido por cima da camisa,
abotoado e ajustado de uma forma que marcava sua cintura e ombros largos.
O moreno abriu a boca sem perceber, salivando, a parte interna de sua
coxa trêmula. Felipe o olhou de canto, seu cabelo penteado com perfeição
para trás dava ao seu rosto uma aura muito séria, madura e elegante, seu
queixo marcado atraindo os olhos sedentos do moreno.
Ele virou devagar batendo os sapatos lustrosos na direção do rapaz
boquiaberto, hipnotizado pela beleza e elegância daquele homem. Parou à
sua frente e enfiou as duas mãos nos bolsos, divertido. Gabe desviou o rosto
com a expressão fechada e bufou se esforçando para não corar, sem sucesso.
Se tinha a intenção de provocá-lo, agora sentia o gosto do próprio veneno.
— Você vai pra uma festa ou alguma merda assim?
— Não gostou? — Felipe perguntou sorrindo, seus dentes perfeitos
cintilavam enquanto ele observava atentamente os olhos nervosos do moreno
piscando e evitando olhá-lo.
— Vai pro inferno — Gabriel falou mal-humorado tentando sair do seu
entorno, sentia que se ele se aproximasse mais, desistiria imediatamente de
sair de casa. Sentou-se na cadeira com violência, calçando o seu all star sem
levantar o olhar para o homem que ria baixinho.
O ruivo abriu uma das gavetas do guarda-roupa tirando de lá uma de
suas gravatas acetinadas. Ele a enrolou em sua mão lentamente e suspirou
ansioso tremendo com a sensação daquele tecido deslizante e frio em contato
com sua pele.
Sabia exatamente o que queria fazer com aquilo. Amarrar os pulsos de
seu submisso, vendá-lo, amordaçá-lo. Eram muitas utilidades para uma peça
só. Ele sorriu e caminhou até Gabriel, que havia terminado de se calçar e
guardava seu celular no bolso calmamente ainda evitando olhá-lo.
— Sabe fazer nó em gravata? — Felipe perguntou seriamente,
estendendo-a ao rapaz, o qual o olhou com uma sobrancelha arqueada.
— Sei. Você não?
O ruivo assentiu dando de ombros e indicou com a mão para ele pegar a
gravata. O rapaz negou com a cabeça, cruzando os braços em malcriação.
Felipe revirou os olhos e indicou com a mão de novo com um olhar
autoritário e assustador.
— Coloque em mim, vamos — o ruivo ordenou e sorriu de canto,
muito galante.
Gabriel fez um muxoxo vencido e pegou a peça com ignorância, seu
semblante fechado e arisco de sempre:
— Onde você vai que precisa ir vestido assim?
Ele jogou a gravata por cima do ombro do ruivo enquanto levantava a
gola do homem sem o olhar nos olhos, não queria sentir a força daquela
proximidade que o fazia sempre querer esquecer do mundo do lado de fora e
de todos seus medos, abraçá-lo e sorver seu cheiro durante horas à fio.
Com as mãos habilidosas, o moreno passou a tira ao redor do pescoço
de Felipe, cruzando-a, e fazendo a enrolação do nó Windsor com precisão. O
ruivo fitava atencioso o seu trabalho sem conseguir evitar o sorriso sádico
que cortava seus lábios úmidos.
— Preciso acertar algumas coisas no jornal. — Felipe suspirou
perdendo seu sorriso. Pensou que também deveria falar com seus
subordinados, o que exigia trajes formais pela tradição da Ordem. — Além
disso, preciso descobrir o que o Jonathan planeja.
Gabe terminou a dobradura e ajustou o nó, enfiando a gravata para
dentro do colete escuro em seguida, ajustando-a com esmero, quando suas
mãos foram envolvidas pelas do homem à sua frente, obrigando-o a olhar
nos olhos. O ruivo continuou:
— Você realmente não está nem um pouco assustado com tudo isso? —
ele questionou. O moreno deu de ombros e negou com a cabeça.
— Não. Assustado não. — “Curioso e muito preocupado com você,
sim” pensou em silêncio, encarando Felipe com uma expressão destemida.
— O que você está pensando? Sobre tudo isso? Sobre a Ordem... E... —
Felipe engoliu em seco sem parar de fitar os profundos olhos castanhos do
moreno, ansiosamente. Por mais que tentasse manter sua postura fria e
indiferente, era claro sua inquietação. — Sobre mim?
Gabe suspirou, com as sobrancelhas cerradas. Tinha tantas dúvidas que
nem sabia por onde começar. Queria perguntá-lo sobre como foi sua vida
desde o princípio, o que ele fazia pela Ordem e que tipo de vida ele levou.
Como havia conseguido respeito o suficiente para ser eleito um vice-líder
que todos torcem pelo retorno.
Questionava-se sobre o conflito que ele tinha com o irmão, sobre as
razões dele se sentir tão desumano e maligno a ponto de pensar que Gabriel
fugiria dele, e, principalmente, queria saber se essas razões tinham relação
com sua saída da Ordem.
O moreno tremeu um pouco, aflito, e negou com a cabeça, sufocado
com tantas irresoluções.
— A Ordem parece ser algo que eu nunca imaginei que entraria em
contato na vida. Sei que tem muito que eu não entendo ainda... — Ele riu um
pouco sem graça, desviando o olhar do de Felipe. O ruivo largou as mãos do
moreno segurando dessa vez o rosto dele com as mãos em concha, forçando-
o a não desviar o olhar. Gabe suspirou de novo, pressionado. — Eu pensei
que surtaria quando a ficha caísse. Que talvez eu ficaria com medo e
assustado, mas isso não aconteceu. Parece tão irreal, mas ao mesmo tempo
parece o tipo de coisa que combina com você.
Felipe emitiu um som chateado estalando a língua e continuou
encarando-o, analisando cada pedaço daquele rosto tão selvático e corajoso à
sua frente. Os dois se olharam assim por um tempo.
Gabriel espalmou o abdômen daquele homem sentindo o tecido muito
requintado em suas mãos. Desejou tirar aquilo dele e sentir seu corpo quente.
Ele arfou sem perceber, muito excitado, imaginando a sensação daquela pele
na dele e o ruivo sorriu de canto rapidamente puxando-o em sua direção.
Os dois se beijaram em silêncio, lentamente. O quarto quente fazendo
os dois desejarem, cada vez mais, que não houvesse mais nenhuma peça de
roupa os atrapalhando. Felipe parou de beijá-lo por um instante e encostou a
sua testa na de Gabe. Apertou os olhos sentindo seu coração na garganta, a
ansiedade o consumindo:
— Não sei se eu gosto da ideia de isso ser algo que combina comigo.
Eu não quero mais ser associado à Ordem — Felipe disse com dificuldade.
Ele não sabia como falar sobre aquilo. Normalmente engolia seus próprios
pensamentos sem ter com quem compartilhar, verdadeiramente. — Mas
quanto mais eu tento fugir disso, mais eu acabo envolvido.
— Porque faz parte de você, e você não devia fugir de nada que faça
parte de você por mais que odeie isso. Não somos feitos só de partes boas e
agradáveis, mas também de coisas inevitáveis que nos fizeram ser quem
somos. Temos escolha de ignorá-las ou aprender com elas, apenas isso —
Gabriel disse dando de ombros.
Felipe o olhou estarrecido e encantado. Seu coração acalmando-se
como se estivesse ouvindo uma canção de ninar, sendo dopado por uma
medicação precisa e intensa que corria em suas veias, anestesiando seus
músculos e sentidos. Ele apertou o rosto do moreno entre suas mãos
desejando que ele nunca sumisse, que ficassem ali por mais uma eternidade.
Seu corpo todo sentia a pressão daquela sincronia e negou com a
cabeça, confuso e em censura, não queria acreditar ou aceitar que estava
sentindo o que de fato já sabia que sentia. Continuava refreando aquilo, seu
peito sendo bombardeado e seu estômago imerso em uma sensação
vaporizada e titubeante. O moreno riu um pouco como se soubesse
exatamente o que o outro sentia, pois sentia-se da mesma forma.
— Se quer saber o que eu estou pensando: você é mandão pra caralho
até com seus iguais. A Carla é uma vice-líder como você! Por que ela te
obedece, afinal? — perguntou divertido, lembrando da expressão autoritária
da mulher em contradição com sua postura respeitosa e aliada, obedecendo
às ordens de Felipe.
— A Carla é como uma irmã pra mim. Ela me segue porque acha que
eu deveria ser o próximo Grande Líder — ele respondeu friamente, largando
Gabriel antes que cedesse ao desejo de despi-lo. Pegou os cigarros de seu
bolso, colocou um na boca e o acendeu, tragando e olhando para o homem
na sua frente profundamente. — Muitos deles realmente acham que eu
deveria suceder o meu pai... Eu discordo.
Por um momento o moreno viu Felipe com aquele olhar de um
verdadeiro comandante, impondo respeito e temor com maestria muito sério
e imerso em seus próprios pensamentos. Prendeu a respiração e entendeu,
admitindo para si mesmo que o ruivo realmente emitia um tipo de aura em
sua postura e feições que fazia-o desejar segui-lo onde quer que ele fosse, e
em qualquer decisão que tomasse.
Gabe balançou a cabeça em negação e riu de novo, sem graça, querendo
beijá-lo novamente. Felipe era o tipo de pessoa que parecia nunca dar valor
aos próprios feitos e habilidades mesmo que todos o elogiassem por eles.
Mas o moreno sabia que não tinha ainda conhecimento suficiente para
opinar sobre aquilo.
Felipe caminhou até a cabeceira, pegando seus pertences, e colocou-os
no bolso angustiado.
— Hã, e… A Carla e o Thiago são realmente casados, não é? Quase
não acreditei. Eles parecem ser um casal... Peculiar. Nunca imaginei uma
pessoa tão pequena como um dominador — Gabriel tagarelou tentando
prosseguir o assunto. Sentia-se nervoso com aquela situação, pensar em um
relacionamento baseado em um contrato que se converteu em um casamento,
um relacionamento romântico e estável, o afetou muito.
Felipe negou com a cabeça.
— Isso é totalmente irrelevante. Até uma pessoa pequena como a Carla
pode ser uma dominadora se souber como fazer isso. Tem muito mais a ver
com a atitude do que com o porte — Felipe disse despreocupado. Ele se deu
conta do quanto o moreno parecia inquieto e sorriu um pouco. — Antes eu
também não entendia como eles podiam se casar. Mas agora eu acho que
eles não poderiam viver de outra forma. Algumas pessoas simplesmente, em
algum momento, conhecem alguém que as faz sentir que a partir daquele
ponto não podem mais viver uma sem a outra.
Houve um segundo de silêncio que parecia uma eternidade, arrastando-
se como uma brisa entre os dois. O moreno estremeceu sentindo-se corar
violentamente, seu rosto ardendo e aquecendo muito, sua respiração
descompassada e a tentativa frustrada de controlá-la fazendo a situação ficar
cada vez mais vergonhosa.
Felipe se virou de modo que eles não pudessem se ver, constrangido,
mas mesmo assim sua respiração nervosa era audível enquanto fingia checar
se estava com todos seus pertences de forma despreocupada. Ele pigarreou e
se esforçou para manter sua voz o mais fria possível, autoritária e rude como
sempre.
— Eu vou te deixar na academia. Não saia de lá em hipótese alguma,
com ninguém. Espere eu ir te buscar. E eu coloquei o meu número no seu
celular, me ligue qualquer coisa. Entendeu? — Felipe encarou o moreno
incisivo e o rapaz assentiu sem conseguir rejeitar nada para aquele olhar e
voz grave, ainda se recuperando do que havia ouvido. Ele continuou: —
mais tarde eu vou te levar para o ensaio na Lizzo. Vou deixar meus
subordinados te vigiando do lado de fora.
— Me vigiando?! Pra quê?! Eu não vou sair — Gabriel protestou
bagunçando o cabelo com voracidade, irritado. Fez uma nota mental em
checar o próprio celular mais tarde para ver seu mais novo contato.
— Você pode não sair, mas qualquer um pode entrar. Estarão
monitorando sua segurança. Acostume-se com isso, gatinho — Felipe disse
tragando devagar, ele soprou a fumaça virando o rosto de lado, sorriu
sensual e brincou com o piercing fazendo Gabe morder os lábios
instintivamente, com tesão. O ruivo sorriu com aquela reação, apagando o
cigarro no cinzeiro. — Você quem disse que está tudo bem com toda essa
situação.
O moreno deu de ombros, confirmando, e cruzou os braços em seguida,
sentindo-se muito contrariado com toda aquela superproteção. De qualquer
forma, naquele momento tentava confiar no julgamento de Felipe, tendo em
vista que ele sabia mais sobre o próprio irmão que ele. Pensava em todas as
coisas que Felipe teria que fazer para mantê-lo afastado de Jonathan. As
palavras de Carla ainda ecoando em sua memória:
“Felipe invadiu um território inimigo sabendo que isso ia gerar um caos
na Ordem, um alvoroço de suposições sobre seu retorno, só para te ver”.
Aquela última parte tocava sem querer em uma parte muito orgulhosa
de si. Sim. Aquele homem havia se esforçado tanto para mentir que estava
ali, no hospital, apenas por causa do contrato quando, na verdade, sentia
exatamente o contrário.
Porém, outra parte insistente de si se preocupava com a segurança de
seu dominador e odiava a forma como estava em uma posição de pivô de
todos aqueles acontecimentos e fatos. Sentiu-se culpado e angustiado,
temendo mais pelo que aconteceria com o homem à sua frente do que
consigo mesmo.
Não desejava que aquilo tomasse um rumo tão perigoso e não parava de
se questionar se havia feito bem em provocar Felipe com o contrato,
instigando-o a protegê-lo e evitar a todo custo que Jonathan se intrometesse
entre os dois.
“Se isso está dando tanto trabalho para ele, por que simplesmente não
encerra esse contrato comigo e acabou?” pensou irritado, sentindo uma dor
estranha e profunda só de pensar naquilo realmente se concretizando.
Antes de saírem da casa em direção à garagem, Gabe, imerso dentre
tantos outros pensamentos, encarou a porta que sempre ficava trancada e
também lembrou do assunto sobre o quarto dos submissos. Foi surpreendido
pelo olhar de Felipe, que analisava seu interesse no cômodo misterioso
muito atentamente.
— Ficou muito bom o nó na gravata — Felipe elogiou, tentando afastar
os olhos de Gabe daquele cômodo. Caminhou até o moreno deslizando os
longos dedos pelo tecido fino. — Quando voltarmos para cá, você mesmo
vai desfazê-lo, e eu vou usá-la para te amarrar. Te vendar e até te amordaçar.
Ainda vou decidir em que ordem.
Gabe estagnou encarando a peça com ansiedade e depois o ruivo que
sorria sadicamente. Ele continuou:
— Então hoje vou usá-la o dia todo como forma de me lembrar o
quanto eu quero voltar pra cá. — “Com você” ele completou mentalmente,
sabendo que não admitiria aquilo em voz alta nem se tivesse uma arma
apontada para sua cabeça. A expressão fria destoando de seu olhar
provocante que brilhava intensamente.
Agora, os dois se olhavam como se aquilo fosse um novo tipo de
promessa secreta entre eles de que Felipe sempre voltaria para ficarem
juntos. O moreno sentiu suas pernas fraquejarem e estendeu as mãos,
puxando-o pela gravata em sua direção. Abraçou-o ansioso, desejando que
através daquele gesto o outro percebesse o quanto estava preocupado com
sua segurança e o quanto ansiava por ele, desejando-o bem.
Sentiam que podiam mergulhar um no outro tão profundamente que
nunca sairiam, encontravam-se entrelaçados e arrebatados por algo que não
compreendiam completamente por sempre terem relegado a si mesmos o
pior, ignorando o inevitável. Os dois se afastaram timidamente, muito
constrangidos e saíram da casa em silêncio.
O ruivo vestiu a jaqueta de couro e os dois colocaram os capacetes
antes de subirem na moto e seguirem. O dia quente e abafado, muito
iluminado, não impedia Gabriel de desejar agarrar aquele homem pela
cintura, segurando-se fortemente nele no trajeto até a academia,
aproveitando cada segundo do seu lado antes de se despedirem. O outro não
protestou, aproveitando a sensação daquelas mãos ao seu redor.
Quando chegaram em seu destino, Gabe desceu da moto entregando-o o
capacete e suspirou tensamente:
— Toma cuidado. Não inventa de se arriscar e morrer ou eu vou ter que
ir te buscar no inferno.
Felipe riu divertido preparando-se para partir:
— Certamente você vai me encontrar lá, gatinho. Agora entra.
Ele grunhiu, revirando os olhos por causa daquele tom autoritário, e
Felipe apertou os olhos ameaçadores em alerta. Gabe entendeu que não
deveria abusar da sorte e girou os calcanhares saindo dali o mais rápido que
podia na direção da academia, sabia que quanto mais ficasse ao redor dele,
mais sentia que seria impossível despedir-se.
O espaço estava aberto e pôde ver Talita, através da grande entrada de
vidro semitransparente, ao telefone, provavelmente avisando aos
matriculados sobre a reabertura e o horário de funcionamento. Josh também
estava lá conversando com alguns personals, despreocupado e risonho como
sempre.
Gabriel olhou uma última vez na direção do homem que o fitava na
moto, os olhos dourados perfurando-o, e sorriu um pouco com a expressão
muito brava, as bochechas infladas. Fez um sinal com as duas mãos no
próprio pescoço simulando uma gravata e entrou, fazendo o ruivo rir
divertido antes de partir.

✽✽✽

Josh cruzou os braços, emburrado, e analisou o moreno com uma das


sobrancelhas arqueadas. Ele via as marcas arroxeadas em seu pescoço e
pulsos, prevendo que o resto do corpo do amigo possivelmente estava em
condições muito piores e suspirou, já habituando-se a vê-lo daquela forma.
Não conseguia deixar de pensar em como poderia uma pessoa sã se
sentir confortável com aquele tipo de tratamento e pensava em Ron,
cuidadoso e sempre muito atencioso, envolvendo-o como se ele fosse a
criatura mais delicada da face da terra sempre que transavam. De fato, não
poderia se relacionar com alguém que não fosse assim com ele.
A memória de seu primeiro relacionamento, baseado em abusos
repetidos e violentos, agora fazia-o sentir náuseas só de lembrar. O quanto
sofreu? O quanto teve dificuldade de manter qualquer tipo de intimidade
sexual de novo? Ron nunca priorizava o sexo e isso era extremamente
reconfortante para ele. Mas Gabriel...
— Pelo visto vocês realmente se acertaram — Josh disse caminhando
ao lado do amigo em direção à sala de artes marciais.
A academia começava a receber seus primeiros usuários após o
moreno, como gerente, e os outros funcionários, terem definido tudo sobre o
retorno do espaço. Gabriel lembrou de deixar um protocolo de manutenção
do funcionamento com Talita caso fosse necessário se ausentar novamente,
pensando sempre na situação perturbadora que agora estava envolvido com a
Ordem.
— Sim — Gabe falou mal-humorado e se jogou no tatame, sentindo o
frio do ar condicionado refrescá-lo. Estava realmente muito quente e úmido
do lado de fora. — Ele se desculpou... E ainda conheceu minha mãe e a
Jessica. Agiu como se fôssemos namorados ou alguma merda assim.
Ele sorriu um pouco e o loiro sentou-se ao lado dele observando aquela
expressão boba no amigo com muita alegria.
— Eu pagaria para ver a reação das duas e principalmente a reação
dele! Eu não consigo nem imaginar um cara como o Felipe agindo como um
namorado! — Josh refletiu, divertindo-se com a imagem que vinha na sua
cabeça.
— O Felipe é muito educado… E doce. — Gabriel sorria sem perceber,
muito bobo. — Elas adoraram ele. Eu pensei que ele perderia a paciência ou
seria frio como sempre, mas ele foi muito atencioso e paciente mesmo que
fosse só fingimento.
— Você gosta dele — Josh concluiu satisfeito e Gabriel o olhou
bravamente, com as sobrancelhas cerradas, irritado.
— Vai a merda, Josh. Claro que não. Eu já disse que o que temos é só
sexo. Ele só agiu assim porque seria estranho falar isso para minha família.
Fingimento. — Gabriel cobriu os olhos com o antebraço, escondendo seu
rosto corado, e continuou falando muito mal-humorado: — esse filho da puta
é mais complicado do que parece, você não faz ideia!
Josh riu divertindo-se com aquela reação e se deitou ao lado do amigo,
espreguiçando-se. Conhecia o moreno muito bem e sabia que ele nunca
admitiria que estava apaixonado. Sentiu o cheiro que vinha dele, parecia
com o cheiro habitual, mas também cheirava a café e cigarros, além de um
cheiro intenso de cravo e chipre que se lembrava muito bem pertencer a
Felipe.
— Mesmo que você não admita, vocês parecem namorados. Você todo
parece posse dele, até seu cheiro. — Josh sorria sem parar encantado com a
ideia do amigo feliz e finalmente livre para amar. — E eu o vi lá fora
sorrindo feito um idiota para você. Já disse que ele sempre te olhou como se
fosse algo precioso. Vocês podem fingir um para o outro que não têm nada
além de sexo, mas não enganam ninguém.
O moreno grunhiu tentando evitar o assunto, sentiu aquelas palavras,
somadas às de Carla, se misturando em sua mente e acariciando-o em afagos
mornos como um café saboroso. Forçava-se a ficar distante delas, negando o
quanto se agradava com a ideia de que Felipe o via de outra forma que não
apenas como seu entretenimento sexual, como um brinquedo divertido que
resistia muito bem às suas punições e que ele não estava disposto a perder.
Até porque isso justificaria o empenho do ruivo em não permitir as
investidas do irmão pirracento e perigoso de separá-los. Aliás, refletindo um
pouco, entendia Jonathan apenas como uma criança malcriada que tinha
muitos recursos para fazer uma desgraça só por conta de suas birras bobas.
Gabe bufou se levantando em um salto:
— Já chega dessa merda. — Ele estendeu a mão para o amigo e sorriu
com aquela expressão felina de sempre. — Vamos trabalhar que eu estou
tentando não pensar mais nele do que eu já sou obrigado por causa do meu
cérebro estúpido.
— Ah cara, você está tão apaixonado por ele! — Josh debochou
fazendo biquinho, segurou a mão do moreno e se levantou rapidamente
aproximando-se do amigo, seus lábios quase se encostando. O loiro sorriu
por saber que aquela intimidade seria muito melhor explorada agora que
sabia que o amigo não se magoaria mais com ela. — Ele vai ao ensaio?
— Sim — Gabriel confirmou com a expressão sádica, sabia exatamente
o que aquele olhar travesso do amigo significava. Os dois dançavam
sensualmente juntos desde sempre, Ron odiava aquilo com todas as suas
forças. E Felipe, como se sentiria?
— Ele vai me odiar ainda mais hoje então — Josh concluiu rindo
muito, como se acompanhasse o raciocínio alheio e empurrou o amigo
satisfeito.
Gabe sorriu um pouco, bagunçando o cabelo negro ansioso, pensar em
Felipe com ciúme dele o fazia palpitar e corar. “Você ri porque não é sua
bunda que vai ser surrada mais tarde” pensou animado com a ideia.
O dia se arrastava turvo como o mormaço que cobria a calçada do lado
de fora. Gabriel havia decidido afastar todos os pensamentos sobre Felipe e
todo o emaranhado que era sua vida envolvendo a Ordem ou seu passado
misterioso. Porém, quando viu o contato recém adicionado à sua lista de
números, teve um acesso de riso muito divertido. O nome “Mestre”,
marcado com uma estrela, favoritado pela própria pessoa que adicionou
aquele número, aparecendo no topo de todos os outros.
Gabe não conseguia esconder a expressão boba em seu rosto,
imaginando o momento exato que Felipe havia feito isso, projetando a cena
perfeita do ruivo dando uma risada rouca e aquele hábito libertino de lamber
os dentes, brincando com o piercing de sua língua, que sempre o deixava
hipnotizado.
Arfou mordendo o lábio ao ampliar a foto de perfil dele. Era a única
foto de Felipe em pessoa que ele havia visto. O homem debruçado em sua
janela, fumando despreocupado. Estremeceu sorrindo bobo, sempre olhando
ao redor, protegendo o celular e fechando a expressão timidamente.
Voltou a treinar para extravasar a ansiedade e excitação. Tentava não
desbloquear a tela, mas sempre que se distraía já havia feito isso, bloqueando
de novo quando o via online. A turma de karatê foi avisada do treino da
tarde, o que o colocou em foco total em seus alunos que chegavam aos
poucos no horário marcado.
Josh parecia particularmente animado durante todo o dia, tagarelando
sem parar sobre Ron ter finalmente conseguido uma folga das muitas
reuniões para assistir aos ensaios como fazia antes. Ele agitava as mãos
empolgado e ansioso enquanto guardava todos os aparadores e luvas após o
treino exaustivo.
O loiro permanecia discutindo consigo mesmo sobre como queria que a
rotina dos dois voltasse a ser leve como era antes do noivo assumir a
liderança da empresa da família. Reclamava para si mesmo em um muxoxo
sobre como era difícil ficar longe dele e depois, automaticamente, se
consolava repetindo sobre a pressão que Collins sofria por causa da bagunça
que o pai fez antes de ser preso. Gabriel grunhia ouvindo tudo e
concordando com a cabeça.
Após o fim do expediente, o moreno se despediu do amigo, negando a
carona oferecida e combinaram de se encontrarem no clube da Lizzo. Joshua
havia rido divertido, entendendo imediatamente a razão da rejeita, e gritou
antes de entrar no próprio carro sobre como ele estava bobo e apaixonado
esperando pelo namorado. Gabe o ignorou, xingando, ao adentrar o pequeno
apartamento.
Olhou-se no espelho do próprio banheiro muito suado, o kimono aberto
mostrando seu abdômen detalhado e marcado pela rudeza de seu dominador.
Ele riu mordendo o lábio satisfeito e tirou uma foto de si mesmo, muito
provocante, exibindo o corpo perfeito e úmido. Mostrou o dedo do meio com
sua expressão cerrada e hesitou, satisfeito com o resultado. Tremeu um
pouco após digitar a mensagem e enviá-la junto com a foto, entrou no banho
em seguida rindo divertido.

VOCÊ
“Já acabou o turno e já posso ir para o ensaio. Venha me pegar,
‘mestre’.”

✽✽✽

A rua estava movimentada ao entardecer, as pessoas circulavam


animadas pela proximidade do final de semana e a academia estava cheia.
Felipe havia descido da moto sentindo suas mãos tremendo, a mensagem que
havia recebido ainda preenchendo sua visão por inteiro. Sentia-se consumido
pelo impulso intenso de invadir a casa de Gabriel e transar com ele na porta
mesmo, sem dar tempo para ele sequer respirar.
Pensou seriamente em subir as escadas e estava prestes a fazê-lo ao tirar
o capacete quando viu o moreno descendo muito rápido, corado, os cabelos
balançando com o movimento saltitante. Ele brilhava contra o sol que
começava a se pôr lentamente.
Andou como um gato rapidamente e elegante, os olhos apertados e a
expressão cerrada na direção do ruivo que o encarava, esforçando-se muito
para manter-se sério e frio, fingindo que não se importava ou que havia sido
afetado pela fotografia provocante que recebeu.
— Vamos? — Gabriel falou com seu tom mal-humorado e cruzou os
braços sentindo os olhos, muito cheios de lascívia, daquele homem o
consumindo, lambendo seu corpo. Ele sabia exatamente a razão daquilo.
O ruivo o analisou profundamente, pensando se devia forçá-lo a subir
imediatamente. Sua mente era inundada por todo tipo de perversão e formas
de tortura que fariam aquele homem chamá-lo de mestre por toda sua vida.
Estava exausto por ter passado o dia praticamente todo envolvido em
liderar seus subordinados, além de ter se reunido com Carla e Thiago,
novamente, no bar de costume, para discutirem estratégias de negociação
com os Barbosa. Coletavam o máximo de dados possíveis para solucionar o
conflito que estava por vir. Não queria mais pensar nisso agora.
Naquele dia cheio e muito cansativo, havia se pegado pensando
distraidamente no moreno e naquela proximidade tão única que sentiam
inúmeras vezes. Refletia sobre o contrato que assinaram agora parecer ter
sido relegado à posição de pretexto para estarem juntos a qualquer momento
naquela relação de dominância. Gostava muito disso, mesmo que não
admitisse.
A imagem de Gabe, muito suado e de kimono, o invadiu novamente, e
ele travou o maxilar tentando focar e se acalmar. Felipe riu muito sádico e se
aproximou de Gabe puxando-o pela camiseta em sua direção. O moreno
aceitou de bom grado, sorvendo o cheiro que vinha daquele homem e
espalmando seu peitoral.
Mesmo que tivesse visto Felipe pela manhã, Gabriel ainda não havia
aprendido a lidar com o ruivo vestido daquela forma tão formal e exalando
dominação. Sentiu o cheiro de cigarros e uísque, além daquele cheiro quente
e próprio que despertava nele uma sensação reconfortante e excitante.
Gabriel tremia com aquela presença, sentia-se uma criança malcriada e
olhava para o ruivo com um olhar muito provocativo.
— Eu estou o dia todo na rua, gatinho, que tal esquecer o ensaio e
irmos para minha casa e você me ajuda a descansar? — Felipe falou com a
voz arrastada e sensual, esfregava o queixo no pescoço do rapaz sentindo o
cheiro doce que vinha dele. O moreno engoliu em seco, excitado. Teve que
respirar fundo, sentindo seu coração latejando em sua garganta, antes de
conseguir falar qualquer coisa.
— Se está cansado acho melhor eu não ir com você a lugar algum. —
Gabe deu de ombros provocando-o e sorriu mordendo os lábios muito perto
do homem que o observava com os olhos semicerrados, ansioso. — Se acha
que não consegue aguentar esperar por mim em um ensaio rápido talvez não
consiga cuidar de mim mais tarde na cama.
Felipe grunhiu, segurando-o pelo queixo com violência, do jeito que ele
esperava que o homem fizesse. Ele adorava a sensação daquela forma rude
de ser segurado e riu involuntariamente muito satisfeito com aquilo.
Felipe o olhava sério com os olhos brilhantes, como ouro derretido, o
encarando na penumbra que começava a surgir, tingindo a atmosfera de um
tom alaranjado para um escuro e sombrio. Os dois respiravam pesado muito
próximos. A energia que perpassava seus corpos era intensa e sufocante,
quase visível.
— Eu nunca disse que estava cansado. Não me provoque — ele disse
apertando o rosto de Gabe com força. O moreno gemeu e agarrou a jaqueta
de couro do homem à sua frente, puxando-o para mais perto até se
encostarem. Sentiu a ereção dele contra a sua e gemeu baixinho.
— Sim, senhor? — falou com dificuldade, ironicamente.
Felipe o soltou tentando se recompor e entregou o capacete ao moreno
contrariado, em birra. Estava se sentindo absurdamente mal-humorado com
a sensação de que estava sempre cedendo às vontades de seu submisso. Não
conseguia ficar com raiva daquele homem e isso o afetava em demasia,
ainda mais exausto como estava.
— Vamos para esse ensaio de uma vez — o homem ordenou com raiva.
Os dois subiram na moto e Gabriel agarrou-o risonho pela cintura,
divertindo-se às custas daquela reação tão afetada, quase infantil, e
impugnada de seu dominador. Seu tom de voz chateado e rude o fazendo
sentir vontade de afagá-lo e beijar todo seu rosto perfeito, implorando para
ele desculpá-lo, envolvendo-o por completo.
A noite começava a mostrar-se em seus detalhes mais deslumbrantes, o
jogo da iluminação pública, dos restaurantes e bares mesclando-se com o
brilho da lua cheia e as estrelas cintilantes ao seu redor. Estava cada vez
mais frio em contraste antagônico com o dia muito quente e abafado que
havia feito, o vento chicoteando a pele desnuda de Gabe e bagunçando seus
cabelos por mais protegidos que estivessem pelo capacete.
Alcançaram velocidade juntos, vias adentro.
O clube da Lizzo estava fechado para o público por estar no meio da
semana, mas do lado de fora era possível ver a iluminação interna da boate e
ouvir o barulho da música alta. Da entrada, as risadas divertidas dos rapazes
que dançavam, sendo animados pelo Josh, inabalável e eufórico, eram
audíveis.
Felipe abriu a porta, fazendo sinal para Gabriel passar e o moreno
revirou os olhos, mal-humorado. Entrou no ambiente em penumbra e
barulhento, mais ainda que comum por estar quase completamente vazio.
Lizzo não estava e os garotos se animavam, bebiam escondido o estoque do
bar, cochichando entre si, fazendo piadas e dançando.
O ambiente todo estava cheio de cadeiras dobráveis emparelhadas,
encostadas na parede, e os bancos dos bares enfiados debaixo da bancada.
Poucas mesas e cadeiras estavam abertas, espalhadas e dispostas de forma
aleatória assim como muitos pufes que faziam parte da decoração da casa de
show compondo o ambiente burlesco, naquele momento, desativado.
As risadas se misturavam à música e o frio noturno parecia não chegar
ali. Marcelo, o rapaz mais novo, estava sentado em um canto, em cima de
uma caixa de som, tentando ler, quando viu os dois que entravam. Ele abriu
a boca chamando por George o qual ria de algo que Josh havia dito e todos
perceberam a chegada deles mais curiosos com o fato de Felipe estar ali do
que interessados em Gabriel.
Felipe os cumprimentou discretamente com a cabeça e uma mão, fitou
Josh que olhava provocativo para os dois, revirou os olhos em mau humor e
deslizou para longe daquele entorno, sentando-se em uma cadeira ladeada de
uma mesa mais ou menos próxima de onde Gabe havia parado. Dali tinha a
visão de toda a pista de dança onde eles estavam, de costas para a entrada do
clube.
O ambiente amplo e iluminado, como se estivesse em pleno
funcionamento, dava a todos uma sensação de imersão naquele clima de
boate que, somado à música que tocava ao fundo, fazia Gabriel se sentir
extremamente preparado para provocar o ruivo. Josh o cumprimentou
risonho juntamente com George, Marcelo e Yuri.
Os três rapazes se sobrepunham em suas falas:
— O Oliver foi com a mamãe ao supermercado, talvez cheguem tarde...
— Marcelo murmurou.
— Ei, Gabe! Caiu da escada de pescoço? — George disse levando um
cutucão de Josh em seguida.
— Ai, eu estou tão ansioso para ver o Josh e o Gabe dançando juntos de
novo! — Yuri exclamou batendo palmas, ignorando os outros. — A casa
sempre fica cheia nas apresentações de vocês!
Mesmo de onde estava e com a música tocando, o ruivo conseguia
ouvir exatamente o que eles falavam. Eram mesmo escandalosos, falando
um por cima do outro sem dar tempo para Gabriel reagir. O ruivo acendeu
um cigarro e passou a fumar encostado confortavelmente na cadeira. Cruzou
as pernas apoiando um dos braços na mesa ao seu lado.
— Por que você e o Felipe chegaram juntos? — George questionou
brincando com as sobrancelhas, provocativo. Marcelo assentiu.
Gabriel olhava de um para o outro sem conseguir acompanhar o ritmo.
— Vocês estão juntos, juntos?! — Yuri riu nada discreto. Batia palmas.
— O Oliver vai PI-RAR. Se for, ele está me devendo dez contos! Eu preciso
tirar dinheiro dessa poc, Gabe!
— Yuri! — Josh protestou arregalando os olhos para ele.
O moreno grunhiu e os enxotou com a mão, direcionando-se para
Marcelo. Ignorando todo o caos das boas-vindas:
— Se está tentando estudar, não acha melhor subir? — perguntou
preocupado e autoritário ao rapaz de cabelo escuro e corpo esguio.
Marcelo se encolheu.
— Ah, Gabe eu quero... Mas eu também quero ver o ensaio de vocês,
por favor! — ele disse e fez muxoxo, corando muito. Escondeu-se atrás do
livro que tentava ler.
George interviu. Sorria sem parar, simpático e muito charmoso com seu
corpo forte, implorando a Gabriel:
— Deixa ele ficar, por favor! A mãe tem enchido o saco dele sobre o
supletivo e ele nem tem conseguido fazer nada além de estudar esses dias!
— intercedeu.
Gabe apertou os olhos para os dois muito próximos. George e seus
modos sempre displicentes e palhaços eram completamente opostos do
recluso e tímido Marcelo, isso preocupava o moreno sobre quem
influenciaria quem naquele relacionamento.
Josh abraçou Gabriel por trás, fazendo um sinal exagerado para George
e Marcelo ficarem tranquilos. Beijou o amigo no rosto e riu de forma
contagiante.
— Não seja um rabugento hoje, sim? Deixa os meninos em paz.
Felipe observava aquele movimento do loiro com atenção, descruzando
as pernas e se inclinando para frente em um impulso. Tragou em um suspiro,
apertando os lábios em furor. Resolveu ficar o mais distante possível de
qualquer situação poupando-se, servindo apenas como espectador e
contendo-se o máximo que aguentava, a cabeça balançando em negação.
Viu Gabriel empurrando o amigo de seu entorno e olhou de relance para
o ruivo um pouco corado, deu de ombros fingindo não se importar com a
expressão alterada daquele homem e chamou Yuri o qual agora bebia
escondido, o mais rápido possível, o drink que havia preparado mais cedo:
— Você sabe que a Lizzo vai te virar do avesso se descobrir que está
bebendo escondido de novo, não é?! — Gabe falou raivoso e o olhou muito
repreensivo.
O rapaz de cabelo cor de rosa tremeu e fez um sinal com a cabeça se
desculpando, correu para a copa para se livrar das provas, mas antes piscou
para Felipe sussurrando um “oi”, mexendo os dedos provocantes para o
homem que o olhava fumando em silêncio.
Yuri então fez uma pirueta, fugindo de Gabe o qual levantou a mão para
dar um tapa nele. Josh ria muito da situação, admirando o amigo que sempre
tentava manter todos aqueles caras na linha mesmo que fosse uma tarefa
dada por perdida.
— Vamos ensaiar logo, Gabe! Deixa eles aí. — Josh olhou para Felipe
que os encarava. — Eu ensaiei bem os passos, você vai gostar.
O ruivo tragou apertando os olhos para o rapaz que abraçava o amigo
por trás, sorrindo muito e espalhando as mãos abusadas em seu peitoral.
Gabriel o afastou novamente, grunhindo. Entendia plenamente o que Josh
estava fazendo e por mais que gostasse da ideia de deixar aquele homem que
os encarava furioso, ainda não se sentia confortável em permitir tanto
contato consigo.
Era Felipe o único que o tocava e o fazia implorar por mais. Todos os
outros ao seu redor o faziam sempre levantar suas barreiras de imediato. O
moreno passou a se alongar rapidamente, aquecendo o corpo antes do ensaio
enquanto tentava se recompor.
— Você não disse que o Ron viria? — disse ao tirar o celular do bolso,
o levou até a cabine do DJ para conectar o aparelho ao cabeamento. Olhou
de relance e viu o loiro com uma expressão triste, encarando os próprios
sapatos. Os olhos azuis brilhando como se estivesse prestes a chorar.
Joshua negou com a cabeça e sorriu por cima da expressão de dor,
balançando as mãos.
— Acho que ele teve que ter outra reunião de emergência. Está tudo
bem, vamos ensaiar.
Gabriel emitiu um som de desgosto vendo o amigo daquele jeito e fez
um sinal para Yuri ficar próximo à cabine para controlar as músicas. O
garoto correu alegremente com a missão, escondendo outra longneck que
tomava escondido.
O moreno se aproximou rapidamente segurando o queixo de Josh e
forçando-o a olhá-lo. Os dois se encararam em compreensão e o loiro negou
com a cabeça sorrindo, fazendo sinal para ele esquecer aquele assunto.
Desde que Ron o pedira em casamento, um momento único e extraordinário
daquele relacionamento, os dois se viam cada vez menos por conta do
trabalho sufocante do Collins.
— Se ele te magoar eu vou socar a cara dele de novo — Gabe falou
muito sério afagando o rosto do amigo e sorriu muito doce.
Felipe fitava aquela cena sentindo uma inveja intensa daquele sorriso
tão agradável não ter sido direcionado a ele, seu corpo tremia. Ele tragou de
novo, respirando fundo, mais uma vez sendo bombardeado pelos
pensamentos pessimistas de que Gabriel nunca sentiria por ele o que sentia
por Josh.
— Não precisa disso. Ele está tentando. Eu sei que está — Josh falou
tirando o casaco branco que usava, jogou-o sobre uma das cadeiras laterais.
— Só vamos começar.
Silêncio.
Gabriel abriu a boca para discutir, mas seu amigo não parecia disposto a
conversar. Josh fez sinal para Yuri preparar a música e se posicionou no
grande salão tensamente, seguido por Gabe. Não queria pensar em mais nada
naquele momento que não fosse o ensaio.
No segundo de silêncio antes da canção começar, sentiu seu
pensamento ser invadido pelo homem que amava. Ron Collins tinha aquela
risada estrondosa e toque carinhoso do qual não conseguia fugir.
O loiro riu para si mesmo, lembrando de Ron tão bobo, da forma como
estavam sempre juntos em tudo que faziam e até como transavam sempre
com muita calma, quase uma valsa, de forma natural e espontânea.
Normalmente começavam rindo de alguma besteira qualquer e,
despretensiosamente, terminavam envolvidos em afagos, delicadamente.
Josh havia sido o primeiro a perceber a demissexualidade do
companheiro e, no passado, o ajudou a descobrir e assumir o que antes
achava ser um defeito. Automaticamente visualizou a imagem do noivo
segurando a sua bandeira na última comemoração do Pride, chorando de
alegria ao seu lado quando finalmente assumiu publicamente.
Os dois dançaram a noite toda naquele dia. Algumas semanas depois o
loiro foi pedido em casamento.
Sentia-se tão seguro com o companheiro que nunca havia sentido, nem
sequer uma vez, os flashes assustadores que tinha antes, lembrando-se do
terror que sofreu no seu passado. Ronald Collins ofuscava tudo, fazia os
acontecimentos de outrora ficarem exatamente onde eles deveriam ficar. Era
sempre preocupado e atencioso aos seus sinais, tocando-o com uma
delicadeza e leveza que nunca poderia pensar ser possível.
Sentia falta de ter qualquer momento de intimidade com ele, sentia falta
dele mais que tudo no mundo naquele momento e sentiu, principalmente,
que iria chorar.
Pôde ouvir Gabriel respirando pesado, muito tenso, provavelmente
preocupado com o teor da dança que seria executada, quando os dois ficaram
de costas um para o outro, posicionados para o início da coreografia. Josh
focou em Felipe, o qual os observava com uma expressão muito brava e
sorriu.
— Está preparado? — Josh questionou, focando, e Gabriel assentiu
olhando para Yuri, o qual entendeu imediatamente o comando.
A melodia começou a tocar reverberando por todo o ambiente. Os
amigos de costas um para o outro respirando fundo. A batida ressoou e
ambos deram início aos movimentos síncronos, lentamente, seus corpos
ritmados como um só coração que palpitava em dois corpos separados.
Felipe os via bem de frente e eles, inevitavelmente, precisavam olhar
para o ruivo pelo posicionamento da coreografia. Em movimentos longos e
marcados, seus braços e pernas acompanhavam a melodia compassada, as
mãos muito leves de Gabriel deslizavam pelo corpo e quadril de Josh,
delicadamente.
A sensualidade da dança era contagiante, serena, e fazia os rapazes ao
redor gritarem empolgados com aqueles movimentos cheios de luxúria entre
os dois amigos, Felipe semicerrou os olhos, apertando o punho diante do
rosto com força.
Seus corpos sugeriam uma conexão sexual intensa entre ambos, era
praticamente uma insinuação do ato diante de todos. As mãos de Gabe
deslizavam pelo pescoço do loiro e seu peitoral com a batida enquanto o
quadril do outro se movimentava espiralado.
Ritmavam-se como flores ao vento, em concomitância e leveza. Josh
olhando corado para o amigo enquanto encaixava-se em seu colo
sensualmente. As mãos do moreno apalpando-o, escorregando como se
desejassem um ao outro mais que tudo. A dança prosseguia no arranjo
pulsante e voluptuoso, a névoa romântica entre os dois fazendo-se densa
como uma cortina rósea e ansiosa.
Felipe, que estava imerso em sua convulsão interna de cólera, teve um
sobressalto com o homem que agora estava parado em pé ao seu lado, os
braços cruzados sobre o peitoral e uma expressão muito séria. Ron, que
havia chegado bem no início da dança e havia entrado silenciosamente, sem
ser notado, apenas observando tudo de longe, permanecia sereno, seus
punhos muito cerrados contra os braços grandes.
As abotoaduras banhadas a ouro da blusa social preta de manga longa
reclamavam pela pressão daquela fúria contida. Collins tinha uma postura de
um magnata, corpulento, a pele negra brilhante. Seus cabelos perfeitamente
cortados eram curtos e escuros, destacando seu rosto muito bonito, marcado
principalmente pelo seu olhar de coruja.
O ruivo batucou no cigarro para se livrar das cinzas acumuladas e o
cumprimentou com a cabeça. Os dois tinham a mesma aura de desagrado.
— Eles sempre tiveram o hábito de dançar desse jeito? — Felipe
questionou com amargura. Seu tom de voz era possesso e muito trêmulo pela
raiva.
Ron concordou com a cabeça, engolindo com dificuldade, e olhou para
o homem ao seu lado respirando fundo algumas vezes, piscava lento.
— Infelizmente, sim — ele respondeu, buscando afastar toda e qualquer
expressão enciumada, focando apenas e tão somente na maior e única razão
de estar ali.
Os passos haviam acabado junto com a melodia e Josh arfava sem notar
o noivo que agora caminhava em sua direção, recuperava-se da coreografia
rindo sem parar com o amigo que bufava exausto. As mãos ansiosas de Ron
o puxaram de súbito, em um abraço quente e muito saudoso.
Gabriel observava tudo sorrindo de canto satisfeito: “Então ele deu um
jeito, esse desgraçado... Ainda bem que veio” pensou enquanto sentava no
chão, evitava olhar para Felipe. Os rapazes comentavam entre si sobre a
dança empolgados, fazendo palhaçadas e cumprimentando Collins.
O loiro se desvencilhou daquele aperto sem se soltar completamente do
abraço de Ron, eles se encararam ansiosos, buscando aquela conexão intensa
que só os dois tinham quando se entreolhavam.
— Sinto muito, a última reunião demorou mais que o previsto. Saí de lá
o mais rápido que consegui — ele disse segurando o rosto alheio entre suas
mãos grandes. — Para ser sincero, eu meio que fugi, mas não consegui
chegar cedo. Desculpa.
Josh corou em seus braços. Collins abriu um sorriso muito alegre e deu
uma risada divertida sentindo-o bater com os punhos em seu peitoral, em
protesto com aquela demora. Não falavam uma palavra, mas entendiam-se
naquele diálogo de seus olhos complementares. Beijaram-se muito próximos
e abraçados, apaixonadamente.
Gabriel grunhiu irritado, levantando-se em um salto e atrapalhando os
dois:
— Tá, já chega! Você chega atrasado e ainda quer atrapalhar?! — o
moreno disse irritado. Sorria provocando o outro que o olhou com seu olhar
muito calmo, sorrindo de canto também, Josh aconchegado em seus braços.
— Será que eu vou ter que te socar de novo, dessa vez antes do Pride?
— Ron retrucou, fazendo Gabriel rir alto debochado. Josh esfregava o rosto
carinhosamente no peitoral de seu noivo, corado.
— Está falando de quando eu quebrei a sua cara por ser um grande
imbecil e ter feito o Josh chorar?!
Ron recuou um pouco, lembrando-se do fato com desgosto e desviou o
olhar para o loiro que abraçava, pequeno e muito fofo em seus braços,
sorrindo satisfeito com a presença dele ali. Josh cerrou as sobrancelhas
entendendo imediatamente a expressão alheia, tinha consciência do quanto
aquele homem ainda remoía os erros que havia cometido no passado.
Naquela época, Collins ainda temia muito pela segurança de Josh após
o atentado que a irmã havia sofrido por parte de seu pai e, por isso, hesitava
em assumir-se seja como demissexual, seja como gay para qualquer pessoa.
Gabriel irritou-se tanto ao ver o amigo chorando após uma discussão, que
travou uma briga desvairada com Ronald em sua defesa. Os dois saíram
muito danificados e feridos daquilo.
— Vocês dois parem. Já deu. — Josh afastou Ron um pouco e sorriu
satisfeito. — Senta um pouco, vamos revisar só mais alguns passos e já
vamos para casa.
O homem assentiu e apertou os olhos na direção de Gabriel que, por sua
vez, permanecia com os braços cruzados e a expressão cerrada habitual. O
menor mostrou o dedo do meio e Ron negou com a cabeça, beijando Josh
apaixonadamente mais uma vez antes de sair na direção de Felipe.
Ele se sentou ao lado do ruivo e suspirou irritado. Seu corpo todo era
uma massa pesada, sobrecarregada e abatida, a qual ele tentava com toda sua
força fazer funcionar diante de tantas cobranças e a pressão que tinha na
administração da empresa.
Perdera um número severo de investidores e sócios desde que assumiu
seu noivado com outro homem, e mesmo que sua mãe e irmã o apoiassem
em tudo, ajudando-o com o máximo que podiam, apenas muito trabalho faria
aquela companhia preconceituosa se ressignificar.
O ruivo suspirou, tão silencioso e fechado quanto ele.
— Você também não parece muito disposto. Dia cheio? — Ron
questionou e Felipe assentiu fumando devagar, sem estar realmente
inclinado para uma conversa. — É, são as coisas que a gente faz quando
gosta de alguém...
— Não sei do que você está falando — Felipe disse friamente e o outro
riu divertido.
A música voltou a tocar, acionada por Yuri na cabine, e os dois amigos
recomeçaram a dança distraídos, riam sem parar das palhaçadas que um Josh
muito mais animado e empolgado fazia, afeminado e reluzente como se a
vida fosse uma grande brincadeira. Marcelo e George haviam sumido,
enroscando-se em algum canto qualquer, longe de todos.
Ron encarou Felipe, sorrindo levemente, e sentiu que precisava
tranquilizar aquele homem assustador ao seu lado. Teve uma empatia
estranha por aquele olhar enciumado que conhecia muito bem. Já estivera
naquela posição inúmeras vezes antes de se acostumar com aquele
relacionamento de Josh e Gabriel. Demorou para entender que aquele jeito
amigável e muito carinhoso de seu noivo era só sua forma de devolver ao
mundo tudo que nunca havia recebido, ou que recebeu de forma violenta e
grosseira.
— Não fique com raiva deles — Ron disse batucando os dedos na mesa
distraidamente. Felipe o olhou atento. — Antes eu e o Gabriel vivíamos
brigando porque eu não entendia o relacionamento dos dois.
— Hum. Vocês realmente brigaram sério? — Felipe perguntou,
fingindo desinteresse, as feições neutralizadas e distantes.
— Ah sim! Esse cara conseguiu me derrubar com facilidade. Ele
realmente vira uma criatura terrível quando está com raiva — Ron disse,
lembrando-se da força de Gabriel o derrubando e da briga que tiveram
outrora. — Mas eu tive culpa. O Gabriel sempre protege assim todo mundo
que ele gosta, mas com o Josh sempre foi pior.
Felipe emitiu um som de desagrado e continuou olhando os rapazes
ensaiando. Seus corpos colados, fazendo aqueles movimentos,
incomodavam-o profundamente cada vez mais. O conteúdo que ele
carregava no bolso interno da jaqueta pesava meia tonelada. Ron continuou:
— Sobre o jeito do Josh. Ele é mesmo muito... Entusiasmado. E nem
nota que é meio invasivo, sabe? Acho que minha irritação maior sempre foi
que eu sabia que o Gabe gostava dele, então eu pensava que ele se
aproveitava disso.
Felipe bufou mais irritado ainda sem tirar os olhos daquela cena que o
feria com intensidade. Gabriel ria divertido com o amigo, da mesma forma
como Felipe havia fotografado no dia que se conheceram. Aquela risada
felina o fazia estremecer, sentia um desejo insano de abraçá-lo tal qual Ron o
fizera com Josh, levá-lo embora e passar a noite toda sentindo o cheiro dele
sem nunca o largar.
O ruivo estremecia com aqueles pensamentos tão intensos e tentava se
controlar, mantendo sua expressão férrea de sempre, os olhos sádicos
visando cada pedaço de pele exposta de Gabe. Apenas Collins parecia
disposto a falar:
— Mas ele nunca se aproveitou. Pelo contrário. O Gabriel sempre o
respeitou muito. Eu sei como esse cara olhava para o Josh antes, sabe? Pelo
que eu sei foi o primeiro amor dele, ou alguma coisa assim. — Ron riu
balançando a cabeça em negação, rindo divertido, o som estrondoso que
vinha de sua voz muito grave agitando tudo ao redor. — Mas nada se
compara ao jeito que ele te olha.
Felipe se surpreendeu, olhando para o homem ao seu lado com uma
sobrancelha arqueada.
— O quê?
— É. É que o Gabriel sempre fingiu muito bem. Sempre foi muito bom
em esconder o que sentia. Mesmo gostando do Josh, sempre o tratou da
mesma forma como trata hoje. Mas com você... — Collins sorria olhando
para os dois amigos que ensaiavam, mapeando-os. — Ele perde totalmente a
pose de bad boy dele. Vive vermelho e nervoso, como se você o
desconcertasse todo. É até engraçado de ver. E por mais que você não
demonstre tanto quanto ele...
Ron o encarou profundamente. Os olhos de coruja dele invadiam e
atravessavam o ruivo que reconhecia aquele tipo de olhar, era exatamente
como o olhar de Josh.
— Basta prestar um pouco de atenção para perceber que você sente o
mesmo.
Os dois ficaram em silêncio observando os amigos que agora estavam
suados, estirados no chão e cochichando entre si. Falavam muito baixo para
que os dois homens que conversavam à mesa não ouvissem, questionando
entre si sobre o que eles falavam. Felipe corou, apagando o cigarro com a
sola do sapato elegante, seus olhos dourados indo em direção a Gabriel.
Os dois se encararam de longe e o moreno entendeu imediatamente
aqueles olhos. Como um chamado. Levantou-se rapidamente e falou com
Josh sobre precisar ir. O loiro assentiu também ansioso, acenou para Yuri
que trazia o celular de Gabe e o entregou sorridente, meio alto pelo álcool.
— Nós já vamos — Josh disse e Yuri fez um muxoxo embriagado
arrastando um “Mas já?” alongado e enrolado.
Gabriel guardou o celular no bolso, despedindo-se, e caminhou em
direção ao ruivo. Cruzou os braços com a expressão fechada parando à sua
frente.
— Já acabou de se esfregar no seu amigo? — Felipe perguntou
amargurado e Ron riu cobrindo a boca. Aquele tom enciumado chegava a ser
estúpido de tão óbvio. Os dois pareciam muito apaixonados.
— Vai se foder — Gabriel disse encarando aqueles olhos cor de âmbar
com intensidade e mostrou o dedo do meio para Ron, sem virar o rosto para
ele. — Você também vai se foder, imbecil. Se quer casar com ele, se vira
para estar mais presente.
Ron assentiu, fazendo uma continência ironicamente, e devolveu o
dedo do meio para o amigo, satisfeito. Se levantou e deu um tapa no ombro
de Gabriel antes de seguir em direção a Josh.
— Certo, agora é melhor você ir antes que seu namorado bizarro
exploda de ciúmes e vontade de te foder.
O moreno tremeu, corando fortemente com a risada alta de Collins o
qual se despedia dos dois com a mão indo em direção ao seu noivo, ávido de
sua companhia. Ele praticamente corria em direção a Josh sentindo a tensão
sexual que emanava do casal atrás de si quase o afetar um pouco, desejou
imensamente estar com a única pessoa no mundo que o fazia se sentir
excitado e desejoso de manter aquele tipo de intimidade.
O único, o primeiro e o último da sua vida, para sempre.
Ron sorria vendo Josh suado e brilhando, os olhos azuis ansiosos e os
braços abertos carentes por um abraço aconchegante. Poderia até mesmo
ficar a noite toda só o acariciando, beijando sua face e ouvindo todos os seus
pensamentos e preocupações conflitantes que estaria satisfeito. Estar com ele
fazendo o que quer que fizessem era seu maior prazer.
Seu dia só começava e terminava, só acontecia se o tivesse ao seu lado,
e lutaria até o fim para tê-lo ao seu lado até seu último dia na terra, mesmo
que tivesse que passar por aquela fase difícil. Será que Gabriel um dia
sentiria o mesmo por Felipe? Ele riu. Talvez. Talvez.
CAPÍTULO XII

A noite fria caía densa enquanto os carros faziam-se presentes no


trânsito sempre movimentado, e as muitas luzes em profusão com os sons
caóticos, aos poucos, iam se dispersando conforme entravam no bairro nobre
do litoral.
Felipe e Gabriel haviam voltado para casa em silêncio. O ruivo
permanecia distante e sério, imerso nos próprios pensamentos e, sempre que
se entreolhavam, faziam isso mudos. Gabe supunha que aquela expressão
insondável era um presságio de quanto seu corpo seria vítima pelo seu mau
comportamento. Não haveria escapatória.
Assim que chegaram, ambos desceram da moto sem falar nada e
entraram na casa. O moreno já tinha em mente todos os seus desvios e
enumerava-os: desobedecer a ordem expressa de ir para o quarto quando
Carla havia chegado ali mais cedo, enviar uma foto o tentando, provocá-lo
dizendo que ele estava muito cansado para ficar com ele, dançar
sensualmente com o amigo que Felipe sabia que fora seu primeiro amor.
Tudo em um só dia.
Agora, Gabriel nem se esforçava para tentar adivinhar o que aquela face
serena de Felipe realmente indicava. Presumia que seria punido desde o
princípio e sua única preocupação era se seu dominador verdadeiramente
estava furioso, a ponto de se magoar, com sua audácia. Os dois seguiram
diretamente para o quarto, deixando as luzes da casa todas apagadas, o clima
tenso se misturando ao frio que ocupava todo o ambiente, completamente
oposto ao que fazia quando saíram dali pela manhã.
Felipe acendeu os abajures de luz amarelada em cima das mesas de
cabeceira que ladeavam a cama e se descalçou, sentado à cama. Enquanto
isso, Gabriel fazia o mesmo de pé, acuado próximo à porta, um olhar
assustado de presa caçada em sua face. Após tirar a jaqueta de couro e jogá-
la ao seu lado, Felipe sentiu, dentro do bolso interno daquela peça, o peso da
pequena sacola negra que estava ali. Sabia exatamente o que tinha lá dentro
e mantinha seu pensamento todo naquilo.
O ruivo alongou o pescoço e massageou-o com uma das mãos,
sentindo-se muito tenso e exausto. Depois de caminhar lentamente em sua
direção, Gabe se ajoelhou entre as pernas do homem que permanecia imerso
nos próprios pensamentos com os olhos fechados e a mente muito
sobrecarregada. Com as mãos trêmulas e hesitantes, Gabriel acariciou as
coxas tensas e grossas à sua frente, subindo até o abdômen e ombros de
Felipe, que agora o olhava de cima muito frio, ainda silencioso.
O rapaz entre suas pernas o olhava arfando, ansioso e temeroso com
aquele olhar. Afagava-o e implorava por sua atenção e perdão, aquele
silêncio todo o incomodando imensamente. Preferia mil vezes que brigasse
com ele, o punisse com o que tivesse de mais cruel e com toda a sua força,
mas não aguentava mais vê-lo tão lacônico e distante, como se não quisesse
estar ali ou se não conseguisse se desprender dos próprios devaneios
prioritários em relação a ele.
O ruivo segurou a mão que o acariciava, colocando-a sobre a gravata e
indicando que ele a retirasse, e assim Gabe o fez, apertando a peça como se
fosse um item muito precioso. Ele segurava a promessa cumprida de retorno.
— Você cumpriu com o que disse, voltamos pra cá — ele disse em um
murmúrio, olhando para a gravata enquanto Felipe desabotoava o colete e o
tirava, concentrado.
— Hum. Deixe-a em cima da cama, vai precisar dela quando voltarmos
do banho — Felipe disse com seu tom gélido e muito autoritário. Saiu do
entorno do moreno sentado no chão, empurrando-o delicadamente e se
levantou, despindo-se por completo.
Gabriel sentiu muitos calafrios. Aquela voz parecia cada vez mais
distante, potencializada por aquele afastamento indiferente. Gabe agora
pensava se a dança com Josh havia sido realmente tão incômoda para ele a
ponto de deixá-lo tão possesso de raiva e fazê-lo agir daquela forma.
Tentou manter-se calmo, sem sucesso. Nunca havia visto Felipe tão
distante assim, os olhos opacos como se não vissem nada à sua frente além
de seus próprios pensamentos. “Será que é assim que ele é com todos os
outros submissos? É isso que eu sou agora, como todos os outros?” pensou
enquanto deixava a gravata em cima da cama, ao lado da jaqueta.
Ele sabia que deveria se proteger daqueles sentimentos tão intensos,
mas não conseguia evitar a aflição que o dominava, o medo irracional
invadia suas veias, ardendo e espalhando-se como um veneno lento e letal.
Os dois entraram no banho completamente nus. Felipe passou a se lavar
devagar, sem olhar para Gabe, apenas focado no que fazia e o moreno
esperava sua vez de fazer o mesmo, sendo consumido por diversas
inseguranças, sombras assustadoras e arrebatadoras que o diziam que ele
havia estragado tudo com seus modos impulsivos.
Deixara-se levar pela ideia de que eles tinham uma conexão além da
mediada por um documento, sexo e dominação? Como poderia ter sido tão
estúpido? Por que pensar nisso o machucava tanto? O moreno sentia as
lágrimas presas em sua garganta enquanto encarava a água escorrer pelo
ralo, queria se desculpar e não sabia como, temia e odiava-se, colocando-se
na posição de culpado.
O ruivo trocou de lugar com ele no espaço amplo daquela ducha e
passou a observar o outro se lavar. Gabriel não conseguia mais disfarçar o
rosto transtornado de apreensão enquanto tomava banho, impossibilitado de
esconder o quanto estava assustado e afogando-se nos próprios medos
advindos da autossabotagem. Não queria que acabasse ainda e agora
batalhava contra suas próprias emoções e medo.
Felipe suspirou, percebendo que estava-o assustando, e abraçou
repentinamente o rapaz ensaboado, apertando-o em um afago. Enfiou o rosto
na dobra do pescoço alheio com os olhos fechados, muito nervoso. Ele
mesmo não sabia demonstrar devidamente como se sentia.
Gabe teve um sobressalto sem saber a razão daquilo. Esperou ele falar
alguma coisa, observando a água que caía nas costas daquele homem,
respingando para todo lado. Felipe suspirou algumas vezes, tomando
coragem e fôlego, não sabia exatamente se deveria perguntar o que se
passava em sua mente desde o momento que saíram do clube da Lizzo
porque tinha muito medo da resposta. Ele nunca havia sido o tipo de cara
que temia qualquer coisa, afinal.
Todas as missões que havia feito pela Ordem, todas as pessoas que
enfrentou, todos os demônios e violências, pessoas que encarou face a face
sem fraquejar, nada dessas coisas o fizeram recear nem recuar. Mas aquele
que abraçava tinha o incrível poder de mexer com ele em cada estrutura
primordial que o formava e ali estava ele, sentindo mais uma coisa inédita
sem saber como lidar com isso.
Se pelo menos um pudesse ouvir o que o outro pensava. Mas não era
possível.
— Eu preciso que me responda algo — Felipe começou baixinho e
ouviu o moreno balbuciar um som de concordância. Os corações dos dois
batiam muito rápido e forte, juntos. Felipe hesitou por um bom tempo antes
de continuar: — você ainda gosta do Josh?
Silêncio.
O barulho da água ocupava todo o espaço em um chiado. O espelho
estava embaçado por causa da umidade e o vapor da água morna fazia uma
névoa tênue ao redor deles. Gabriel sorriu gradativamente com aquele tom
de voz trêmulo e doce. Sentia-se tão estúpido que poderia desmaiar como
quem acaba de levar um susto terrível.
Aos poucos passou a perceber que talvez tudo aquilo fosse motivado
porque Felipe estava enciumado, e não realmente com raiva dele. Agora era
invadido por pensamentos bobos e quase infantis de que aquilo era sua
forma de demonstrar o quanto gostava dele. Ele afastou aqueles devaneios
tentando se conter, não gostava de supor nada por temer a frustração possível
de entender tudo errado. De novo.
— Não. Já tem um tempo que não — Gabe respondeu resoluto e com
intensidade. Abraçou o homem que o agarrava com muita força, sentindo
suas bochechas doerem com o sorriso de alívio que ocupava seu rosto. —
Você está com raiva por causa da dança?
Felipe o empurrou contra a parede do banheiro, cuidadosamente,
encarando-o de perto, a água batendo contra as suas costas fortes e largas.
Ele apoiou os braços na parede, dentre eles o moreno de refém. Olhava-o
nos olhos com seu olhar de dragão, dourado e sádico, analisando-o
apertados. Gabe estremecia com aquela pressão, satisfeito em o ver ali,
presente, novamente.
— Você fez aquilo pra me provocar, gatinho? É isso? Quer que eu te
puna por aquele showzinho? — O ruivo o pressionou com a voz rouca e
baixa.
Gabe negou com a cabeça tensamente, a expressão cerrada recuperada.
— Não! Não é isso. Nós sempre fazemos uma coreografia juntos antes
do Pride. Chama atenção do público. É tradição. Não foi para te provocar —
ele disse tensamente como quem se desculpa. Felipe levantou o queixo
arqueando uma das sobrancelhas, cauteloso. — É sério! O Ron não gosta,
mas a gente sempre dança assim por causa do evento.
Felipe o segurou pelo queixo com força, pressionando-o contra a
parede, fazendo o rapaz estremecer assustado.
— Eu vou perguntar de novo, não minta para mim Gabriel: você ainda
gosta dele?
O menor grunhiu.
— Por que está insistindo nessa merda? Mesmo que eu gostasse, não é
como se isso importasse no tipo de relação que temos, não é? — Gabe disse
muito bravo, enfiando as unhas nos braços do homem que o pressionava e
puxando-o em sua direção. Felipe sorriu de canto.
— Realmente, não me interessa. Eu não dou a mínima para como se
sente ou deixa de se sentir. — O tom do jogo do contrário invadiu a voz do
ruivo de maneira descomedida, ele já havia perdido totalmente o controle de
suas barreiras também.
Gabe sorriu contra o aperto desejando-o muito, adorava quando ele
jogava. A sombra de insegurança de outrora sendo dissipada pela luz
amarelo ouro que vinha daqueles olhos brilhantes. Não conseguiam resistir.
Em um lapso, Felipe o beijou ansioso, do jeito que queria fazer desde o
momento que se separaram pela manhã. Desde o segundo que o levou para o
ensaio e em todos os momentos seguintes. Deslizava sua língua quente pela
boca do moreno o qual tremia o atracando e puxava-o com volúpia sentindo
seus corpos nus e molhados se pressionando contra a parede.
O ruivo estava certo do que faria, apesar da insegurança que ainda o
perpassava, e, mesmo que de fato não soubesse como lidar com a forma
como se sentia, não tinha dúvidas de que evitar ou refrear-se era impossível
agora. Completamente impossível.
Ele gemeu com a sensação do moreno que beijava seu pescoço,
descendo voluntariamente pelo seu corpo, lambendo-o. Olhava-o de cima:
Gabriel estava concentrado e muito corado, explorando cada parte de seu
peitoral e descendo cada vez mais, dobrando os joelhos contrito.
O submisso finalmente prostrou-se diante de seu dominador, sua boca
buscando aproveitar cada pedaço de sua pele com os lábios e a língua. Com
as mãos, tocava seu membro muito rígido, masturbando-o. Adiava o máximo
que podia, desejando sentir o gosto dele por mais tempo, arfava sentindo a
pressão pulsante em suas mãos.
Ele levantou o olhar ansioso para o ruivo que o fitava impassível, a
boca entreaberta respirando pesado com aquela cena e sensações enquanto a
água batia violenta nas costas dele, escorrendo pelo seu corpo muito bonito.
“Como é lindo... é incrivelmente lindo” o moreno pensou, encantado.
Felipe permanecia atento aos detalhes de Gabe enquanto penteava com
os dedos longos os seus cabelos negros, muito bagunçados e molhados,
prendendo com uma mão um bom tufo. Puxou sua cabeça para trás e riu um
pouco com a expressão de dor e prazer que invadiu a face do rapaz.
— Foi você que começou, gatinho. Não enrole — disse enquanto sorria
satisfeito, sua voz rouca fazendo o moreno estremecer e sorrir também, suas
sobrancelhas cerradas em um falso desagrado. Já conhecia bem aquela
expressão.
Felipe apertou os cabelos dele com força, sem obrigá-lo. Queria que ele
fizesse aquilo por sua vontade, para se redimir.
O homem ajoelhado percebeu seu poder de escolha e suspirou contente,
abocanhou lentamente o membro alheio sem tirar os olhos do maior, sua
língua quente deslizando e chupando-o. Devorava-o em um movimento de
ida e volta, engolindo-o e tornando-o cada vez mais rígido e pulsante.
Apertou os olhos de prazer ao sentir seus cabelos sendo apertados com
muita força, ouviu o gemido grave que vinha do homem trêmulo à sua frente
e miou satisfeito, com a boca toda ocupada, enquanto o sugava.
A saliva escorria pelo seu queixo agora enquanto uma de suas mãos
empenhava-se em auxiliar o que fazia com a boca. A outra mão livre se
tocava, excitando-se cautelosamente, sem pressa. Queria senti-lo por
completo, queria-o dentro de si, queria ser atado, queria ser punido.
Pensava nisso naquela infinidade de tempo marcada pelo som da água
que escoava sozinha, como o sangue quente que fluía em suas veias. Por que
havia ficado tão apavorado com a ideia de ter irritado ele de verdade? Ainda
tinha o controle para acabar isso a hora que quisesse, não é? Estava no
controle. Ou pelo menos repetia isso para si mesmo para não se sentir tão
apavorado. Só sabia que não queria perdê-lo. Não queria. Não ainda. Não
queria.
O ruivo o puxou de uma vez, deixando-o com a boca aberta, buscando
o que antes chupava, a saliva fazendo um elo fino e saudoso.
— É melhor parar — Felipe disse tentando se conter. Apertou o próprio
membro, o maxilar travado pela força que demandava evitar o desejo de
gozar naquele rosto lindo. Gabriel o olhou implorando, piscando devagar, os
lábios úmidos e avermelhados ainda em inércia, abertos.
O moreno gemeu em súplica, lambendo os lábios e forçando-se para
frente mesmo contra o aperto em seu cabelo que o moderava. Queria sentir o
gosto daquele homem em sua boca, em seu rosto, desejava ser capaz de fazê-
lo sentir-se no auge daquele jeito e tremia com a dor entre os fios negros.
Felipe riu e brincou com o piercing, percebendo que Gabriel não pararia
enquanto não sentisse o que desejava. Assentiu muito divertido com aquele
olhar em rogo e desferiu um tapa suave, com sua mão pesada, no rosto de
Gabe. O submisso estremeceu satisfeito ao perceber que, com aquilo, tinha
autorização para prosseguir e segurou o membro à sua frente com as duas
mãos.
Enfiou-o na boca novamente, dessa vez com muito mais volúpia,
empenhava-se em estimular cada ponto com a língua ávida e a força da
sucção ritmada. Felipe passou a segurar os cabelos escuros com as duas
mãos e, agora, sentia-se tremer com aquele estímulo ritmado, encarando o
corpo perfeito de Gabriel. A bunda alheia, empinada naquela posição de
joelhos, fornecia uma cena instigante e perfeita.
De fato, àquele ângulo, ele ficava absurdamente mais atraente, o que
supunha ser impossível, uma vez que naturalmente ele já era atordoante.
Felipe jogou a cabeça para trás sentindo a água desemaranhar a densa franja
ruiva e voltou a olhá-lo em seguida, água escorrendo pelo seu pescoço e
peitoral.
O ruivo lembrou de suas provocações, o olhar felino o instigando a se
aproximar mais do seu limite de tolerância e paciência. Deteve-se naqueles
olhos brilhantes que o fitavam provocantes enquanto o chupava com
vontade, piscando com dificuldade e miando com a força do membro em sua
garganta. Os dois tremiam, excitados.
Não queriam que acabasse. Isso era recíproco.
Os lábios macios e o calor de dentro daquela boca, suas mãos ágeis e
fortes trabalhavam em sintonia quando o Felipe puxou a cabeça dele de
novo, uma das mãos apenas finalizando o orgasmo ao segurar seu membro,
mirando na boca aberta e na bochecha macia e castanha, respingando por
outros pontos de seu rosto perfeito.
Felipe gemia, corado, com a sensação extasiante, os olhos semicerrados
pelo prazer. Respirava pela boca sentindo os pulmões arderem em protesto,
apreciando aquela cena perfeita. A água continuava escoando intensa, o
vapor fazia os dois suarem misturando todos os fluidos em um caos.
— Você sabe ser um bom garoto quando quer, não é? — Felipe falou
rouco e enfiou dois dedos na boca alheia sentindo seu próprio gozo áspero
ali enquanto Gabe engolia. Com o polegar espalhou o que continha na
bochecha para dentro da boca do rapaz o qual tinha calafrios de excitação.
Seu rosto estava pegajoso e sua respiração descompassada.
O ruivo o ajudou a limpar a pele, puxando-o em sua direção e
obrigando-o a se levantar em um abraço quente. Os dois ainda estavam
muito rígidos, insaciáveis, mas seus corpos reclamavam muito pela exaustão
do dia cheio.
“Eu não devia ter treinado tão pesado e nem ensaiado pra valer” Gabriel
pensou enquanto fechava os olhos e aceitava os toques alheios. Felipe lavava
seu rosto com uma expressão muito divertida e plena, também se sentia
esgotado.
Felipe saiu do banheiro primeiro enquanto Gabriel terminava o banho
que havia sido interrompido, sorrindo um pouco, satisfeito de si. Viu a toalha
limpa que o homem deixava disponível para ele e assentiu recebendo o olhar
de quem o esperaria do lado de fora. Seu coração palpitou em expectativa.
Ainda seria punido, com certeza.
Do lado de fora, Felipe vestiu sua calça negra de tecido e caminhou até
a cama, tirando a sacola de papel preta de dentro do bolso interno da jaqueta
de couro. Tirou especificamente um item de dentro dela e o analisou nas
mãos sentindo a textura e o peso. Refletia novamente o significado daquilo
para ele e se Gabriel entenderia aquilo, considerando se sentiria o que
representava assim como ele.
Não conseguia evitar pensar no amontoado de inseguranças e dúvidas
que vinham permeando sua cabeça durante todo o dia, jogando-o sempre
naquele modo reflexivo. Por que havia comprado aquilo? Onde estava com a
cabeça? “Eu devo estar enlouquecendo” pensou. Estava assustado com a
forma que se sentia por aquele homem.
Fechou as mãos com pressa ao ouvir o chuveiro sendo desligado e
guardou célere o objeto no bolso. Em seguida, jogou a jaqueta no encosto da
cadeira deixando a sacola, que continha alguns outros e novos utensílios, em
cima da cama ao lado da gravata inerte e fria.
O quarto todo estava em uma temperatura muito baixa e o ruivo riu
divertido pensando na coincidência oportuna que aquele clima propiciaria ao
que ele faria. Cruzou os braços no peito ao ver Gabriel saindo do banheiro, a
toalha enrolada em sua cintura e o cabelo negro muito alvoroçado, seu olhar
felino ainda acuado e ansioso pela punição que sofreria.
O maior caminhou até ele lentamente e deslizou dois dedos pelo seu
peitoral, arrepiando-o, enfiou-os no vão entre a toalha e sua cintura
retirando-a com precisão, e jogou-a em cima da cadeira também. Gabe corou
sentindo-se muito exposto e com frio, rígido e tenso. Felipe então indicou
com a cabeça que ele se ajoelhasse no lugar recorrente, no meio do carpete, e
o rapaz obedeceu sentando-se sobre as pernas.
Agora via-se refletido pelo grande espelho de pés na sua frente e os
espelhos que cobriam todas as portas, de cima a baixo, do guarda-roupa atrás
de si. Gabe estava úmido, arrepiado e muito atraente.
O ruivo pegou a gravata de cima da cama e rondou algumas vezes o
homem ajoelhado como se fosse atacá-lo, mantinha seus pensamentos no
que continha em seu bolso, ainda hesitando e refletindo em sua escolha.
Como se tivesse alguma.
— O que acha que vai acontecer com você agora? — Felipe questionou
ainda o rondando, enrolava a gravata em suas mãos, suas veias saltando pela
força que ela fazia ali. Os olhos dourados dele devoravam cada pedaço do
submisso que o encarava como podia, a expressão cerrada.
— Ser punido? — Gabe respondeu trêmulo.
— E sabe a razão?
Várias justificativas bombardearam a mente do moreno que se
esforçava para manter a calma. Só havia uma pessoa no mundo todo que o
fazia sentir tanto medo e ao mesmo tempo tanta segurança. Que o deixava
excitado e assustado, culpado e ansioso sem que isso o intoxicasse
negativamente, mas sim fazendo-o se sentir dopado; e ele estava ali o
encarando, cercando-o, pronto para fazê-lo se render como sempre fazia.
Os olhos fixos em seu corpo como se ele fosse a sua propriedade mais
preciosa, a criatura que ele protegeria e adoraria acima de qualquer outro.
Gabriel cobriu o rosto sentindo-se perder o controle, aquele olhar tão
dedicado de Felipe mexia muito com ele, respirou fundo: “controlar e ceder,
controlar e ceder” repetia em sua mente.
— Eu fiz muita coisa que te irrita, então não sei qual delas foi pior.
Felipe riu rouco, assentindo, realmente conseguia contabilizar muitas
atitudes rebeldes de seu submisso naquele dia. Parou atrás do moreno
agachando-se e o envolvendo. Gabe gemeu aliviado com aquele corpo
quente e cobriu o próprio membro envergonhado por sentir-se pulsar, muito
melado, de forma visível, estava verdadeiramente com frio e aterrorizado, o
que o fazia ficar mais excitado ainda.
Com aquele toque os dois respiravam em sintonia, acalmando um ao
outro. O homem então passou o tecido da gravata pela pele castanha e
arrepiada até vendá-lo silenciosamente, apertando com um nó, o que impedia
Gabriel de enxergar qualquer coisa à sua frente.
Ele arfava, buscando manter o controle.
— Não precisa se preocupar, gatinho, seu frio já vai passar — Felipe
sussurrou no ouvido de Gabe e ele prendeu a respiração sentindo seu coração
batendo como asas de um beija flor.
Apreciava a sensação arrebatadora que aquela voz rouca provocava
nele. Não conseguia mais pensar em nada, dentro da hipnose que só Felipe
era capaz de imergi-lo, como se o dominasse, antes de tudo, em sua mente,
em um modo abstrato e quase místico de controle.
Gabriel o ouviu se movimentando sem saber onde estava, ou o que
fazia. Sentiu a presença dele à sua frente e ouviu o estalar do isqueiro sem
entender. Silêncio. “Ele vai fumar?” pensou tentando aguçar a audição.
Depois ouviu o barulho do guarda-roupa atrás de si e pensou ter sentindo um
cheiro diferente que nunca havia sentido ali, um cheiro doce e levemente
cítrico.
Sentiu o ruivo agachando atrás de si novamente e puxando os braços
dele para trás com força, em seus pulsos as algemas de couro eram apertadas
com mais força que o necessário. Ele parecia furioso mesmo em seus
movimentos rudes e calculados. Ainda assim, Gabe tinha a impressão de que
ele estava mais hesitante e cauteloso que o comum, como se estivesse
pensando várias vezes antes de cada movimento.
Com as mãos atadas para trás e vendado, o moreno estava limitado e
exposto, o frio o invadindo e fazendo sentir tremores intensos que
percorriam suas coxas e costas. A violência daqueles espasmos o fazia
apertar as mãos juntas em sua clausura e se contrair. Pôde perceber a
presença do homem que retornava ao seu entorno novamente e sentiu-o
prender algo em seus cabelos, um clique e depois outro no topo de sua
cabeça.
Teve um presságio do que seria o utensílio o qual se agarrava com força
aos seus fios densos e estremeceu, corando muito. Felipe espalmou seu
peitoral com uma mão e com a outra começou a empurrá-lo, nas costas, para
frente, obrigando-o a se debruçar sempre o segurando firme. Gabriel não
temia mais cair como antes. Sabia que estava protegido. E mesmo que não
estivesse, cairia de bom grado.
O ruivo o segurou pela cintura empinando sua bunda em uma puxada
firme em seguida, o rosto corado de Gabe contra o carpete sentia o cheiro
adocicado de mais perto e mais forte agora, como uma fumaça muito suave.
Ele gemeu com aquelas mãos o segurando com força e não pôde evitar o
constrangimento de estar naquela posição, completamente incapaz.
Os dedos longos e recém melados por um gel muito gelado passaram a
deslizar entre suas nádegas, massageando e solicitando seu espaço dentro de
si. Lentamente. Felipe respirava pesado com aquela cena, não resistia ao ver
Gabriel tão indefeso diante dele, gemendo e escorrendo sem parar tão
ansioso pelo seu toque.
Enfiou com delicadeza o plug de metal que segurava, o corpo do
moreno resistindo involuntariamente. O gemido arrastado e entrecortado
com a sensação invasiva ocupava todo o cômodo. O moreno sentiu o objeto
se acomodando dentro de si por completo e a sensação de algo felpudo
roçando em suas pernas, confirmava aos poucos o que estava acontecendo.
Seu rosto parecia estar em chamas, rubro.
Terminado os preparativos, Felipe levantou o homem vendado com as
mãos habilidosas, retornando-o para sua posição inicial, e ficou de pé o
observando-o satisfeito. Via Gabe se recompor daquela manipulação e um
sorriso largo cortou seus lábios perfeitos ao notar que seu submisso parecia
já ter entendido o que eram aqueles acessórios. Foi até ele e desatou a
gravata que vendava o rapaz ajoelhado à sua frente e o observou
recuperando a visão aos poucos, apertando os olhos.
Gabriel reparou primeiramente nas duas velas ladeadas e acesas diante
de si, depois se olhou no espelho e corou com a definitiva prova de que sua
previsão estava certa: no topo de sua cabeça havia duas grandes orelhas
negras de gato felpudas e, por cima de sua perna dobrada via o rabo longo e
roliço igualmente negro, a continuação do plug que estava alojado nele.
Ele negou com a cabeça, abaixando-a muito tímido, não conseguia
parar de sorrir com aquela cena pelo fato de se sentir tão bem a ponto de
odiar-se e desejar se esconder. Não conseguia acreditar que estava naquela
situação. O ruivo o olhava atento. Enfiou a mão no bolso por impulso e
tateou o objeto que havia guardado ali, ainda muito incerto.
Os dois se entreolharam por um instante e Gabriel abaixou a cabeça de
novo vendo o olhar sádico sobre si e o sorriso excitado do ruivo, suas mãos
atadas para trás tremiam sem parar por conta do frio intenso. Já não
aguentava mais tudo aquilo, estar naquela posição constrangedora fantasiado
como um gato era uma punição severa o suficiente que o pressionava muito,
pensamentos sombrios e inéditos invadindo sua mente com intensidade.
Queria muito ser o “gato” daquele homem, ansiava tanto por isso
mordendo os lábios que não podia respirar.
— Você realmente combina com isso, sabe disso, não é? — Felipe disse
roucamente, agachando atrás dele. Envolvia-o, deslizando as pontas dos
dedos pelas coxas do rapaz que arfava sentindo o insuportável desejo de ser
tocado. — E eu gosto muito de te ver assim, gatinho.
Gabriel gemeu jogando a cabeça para trás, apoiando-a no ombro de
Felipe. Ser chamado daquele jeito, naquela posição, o acertou em cheio.
Estava rendido.
— Por favor... — Gabe disse com dificuldade e se contorceu com
aquelas carícias tão leves, sentia cócegas com elas. Queria que ele o tocasse
com mais força, o apertasse com tudo de si. — Me toca... Por favor, eu estou
com frio.
O ruivo suspirou muito satisfeito com aquela súplica e beijou o rosto do
moreno, depois o pescoço lambendo-o e chupando ali com intensidade.
Abraçou-o envelopando o corpo à sua frente com o seu próprio.
— Eu já disse que o frio vai passar. — Felipe indicou as velas à sua
frente e Gabriel observou-as com atenção um pouco preocupado. Uma era
amarelada e a outra púrpura, o cheiro das duas já era intenso.
Silêncio. O moreno engoliu em seco.
— Velas?
— Hum. Uma delas é uma vela feita apenas para waxplay. A outra... É
só uma vela comum.
— O que isso significa? — Gabe perguntou com dificuldade, virando o
rosto na direção de Felipe, revirou os olhos por um segundo sentindo o calor
do corpo que o envolvia e o cheiro natural que vinha dele. Queria beijá-lo.
Felipe o olhou nos olhos tomado pelo mesmo desejo, respirando muito
perto da boca do moreno.
— Significa que uma machuca menos, a outra... machuca muito mais.
Mas todas machucam — o homem disse baixinho sorrindo. — Vamos ver
com qual você prefere ser punido.
Gabe sorriu um pouco, cerrando as sobrancelhas. Sentiu o objeto dentro
de si, pressionando-o por conta de uma contração involuntária e gemeu.
Qualquer espasmo natural de seu corpo fazia aquilo apertá-lo por dentro e
estimular pontos muito sensíveis que o deixava muito rígido.
O ruivo o observava com atenção, divertindo-se com aquela tortura e o
beijou brevemente. Sentia na língua dele, em sua respiração a necessidade e
demanda. Felipe ficava em júbilo sempre que, quase de maneira palpável,
sentia o quanto o moreno o desejava e gostava de ser dominado por ele.
Era seu paraíso particular e gozava de uma força subliminar com aquela
companhia, como se pela primeira vez fosse quem ele queria ser, quem os
que o admiravam viam nele. Gabriel fazia-o ter estima por si mesmo. Aquele
olhar tão bravo o instigando, confiando-se a ele cegamente. Era tudo que
mais precisava e desejava.
Felipe o largou antes que cedesse aos seus impulsos mais intensos,
levantou-se e pegou as duas velas que já tinham uma boa quantidade
liquefeita pronta para o uso. Ele sentia o calor que vinha delas e se ajoelhou
diante do moreno que mantinha os olhos fixos nas chamas reluzentes com
muita atenção. Gabriel já havia se queimado com cera quente acidentalmente
algumas vezes, mas nunca havia explorado a possibilidade daquela dor como
o ruivo propunha agora.
— Lembra das suas palavras de segurança? — Felipe questionou em
protocolo e o moreno assentiu rapidamente sem tirar os olhos do homem à
sua frente. — Isso pode te queimar de verdade, você entende isso?
— Sim.
— Você quer isso mesmo assim?
— Sim. — Gabriel parecia urgente nesta resposta.
Felipe sorriu sádico com aquele olhar ansioso e levantou primeiro a
vela púrpura exibindo-a e aproximando-a de suas pernas. Era a que doía
menos.
— Ótimo. Então, sempre que eu te der uma ordem. Obedeça-a.
Dito isso, ele virou uma boa quantia do conteúdo roxo e líquido, muito
quente, na coxa exposta de Gabriel. Ela não queimava tanto, mas tinha uma
sensação muito intensa ao contato com aquela pele arrepiada pelo frio,
aquecendo-o de imediato.
O moreno gemeu mordendo os lábios graças à sensação ardente, e
estremeceu gostando muito de como se sentia, seus braços atados se
contorcendo pelo impulso de se soltar enquanto o objeto dentro de si era
apertado com força. Felipe entornou mais uma quantia por pirraça, rindo
soproso e fazendo Gabe revirar os olhos e encará-lo sedento, queria mais.
O ruivo sorria satisfeito com aquele olhar tão corajoso. Ele continuou
falando, sua voz estava baixa e rouca pela excitação:
— Eu não vou te punir por me enviar aquela foto... Porque eu admito
que gostei dela — Felipe falou enquanto ameaçava virar a vela roxa
novamente, Gabe percebeu que aquela definitivamente não era a mais
dolorosa e fitou a outra, amarelada, que emanava um cheiro denso e
adocicado. O ruivo percebeu o interesse dele e riu um pouco exibindo-a
como quem oferece um drink. — Mas por ter me provocado sem ter intenção
de que eu fizesse algo imediatamente...
Felipe virou um pouco do conteúdo da vela amarelada na sua outra
coxa nua. Essa ardia intensamente. Estava muito mais quente e secava
lentamente, colando em sua carne.
O submisso gemeu alto arfando, a dor era suportável, mas sabia que,
em relação à outra, aquela vela deixaria marcas em sua pele, com certeza.
Estava tremendo de excitação, balançava a cabeça desejando muito mais. Os
pensamentos arrependidos de outrora sobre ter cometido muitos erros
naquele dia agora pareciam ridículos: desejou ter feito mais para prolongar
aquilo.
O homem sorria sem parar com aquele olhar que recebia de Gabriel, tão
grato pela dor. Ele estava completamente adorável com aquelas orelhas de
gato e o rabo felpudo, o líquido das ceras solidificando em suas coxas
trêmulas. “Não tem como não gostar de você. Eu não consigo mais ficar sem
isso” pensava hipnotizado e virou mais uma boa quantia da cera, saboreando
o ganido de dor do submisso.
Felipe levantou lentamente, parou atrás do rapaz atado e o encarou
através do reflexo. Virou o conteúdo denso da vela roxa pelo ombro dele,
vendo-o se contorcer e miar, combinando perfeitamente com sua fantasia.
Estava tremendo de prazer, rebolando no plug, ansioso, seu membro pulsava
a cada vez que sentia o ardor daquela punição quente.
Gabriel olhou-se através do espelho umedecendo os lábios, estava
muito corado e bonito. Ele se ajoelhou em um impulso e jogou a cabeça para
trás devagar a fim de olhar o seu dominador diretamente, piscou lentamente
implorando silenciosamente por mais. Felipe o atendeu, sorrindo muito.
— Não se mexa agora. Por aquela sua exibição irritante com seu
amiguinho... — Felipe se agachou apoiando a cabeça dele em seu ombro,
bufou levantando a vela pálida e começou a virar o conteúdo no peitoral
exposto do moreno. Gabe apertou os olhos com a dor esforçando-se para
ficar naquela posição inclinada e sentiu o ardor em seu peito e abdômen pela
cera quente que aquecia, queimando de leve a sua pele. — Bom, aquilo sim
me irritou bastante.
Gabriel arfou e sentiu aquele homem segurando-o para não cair,
servindo de suporte, sua base firme para ser livre. Felipe deixou as velas no
chão enquanto observava o moreno se contorcendo pela dor que aquilo o
causara e tremer sentindo a pele queimada arder.
— Eu sinto muito — Gabe suplicou com dificuldade, seu tom muito
manhoso e doce, fazendo Felipe ter um sobressalto. O moreno continuou,
seu peso sustentado pelo seu mestre. — Mas eu confesso que gostei de te ver
tão alterado por minha causa, da sensação de te ver demonstrando que sente
algo.
O rosto de Gabriel estava muito corado e ele apertava os olhos com
força, criando coragem para falar, estava muito envergonhado. Sentia que
precisava confessar aquilo, sentia que Felipe merecia saber. Prosseguiu:
— Eu nunca pensei que você sentiria ciúme de mim, claro. Talvez até
fosse aceitável por eu ser sua posse, no contrato... Mas por um segundo eu
juro que tive a sensação que era por outras razões. Razões idiotas. E eu
gostei muito disso. Foi só um pensamento idiota, eu não sei.
Abriu os olhos lentamente, vendo Felipe de muito perto o segurando e
piscando devagar, o olhar opaco e distante novamente perdido em
pensamentos. “Outras razões... Como você gostar de mim tanto quanto eu já
gosto de você” o moreno pensava enquanto o via refletir, ficando cada vez
mais tenso.
Eles se olharam um tempo sem dizer nada até o ruivo impulsioná-lo
para frente e libertar suas mãos em um só movimento, apressado e decidido.
Gabriel alongou um pouco os braços quando sentiu-se ser carregado de
repente. Emitiu um som de protesto e se calou notando o olhar pesado em
luxúria e pavor de Felipe que o consumia com voracidade.
Seu corpo foi colocado rudemente na cama e ele relaxou por um
instante breve se esfregando nos lençóis, os olhos fechados aproveitando a
sensação reconfortante, não conseguia compreender o que fora aquele olhar
tão assustado e inconformado de seu dominador, além daquela atitude súbita
e impulsiva.
Sentia-se muito cansado e desejava dormir ali com aquele homem, mas
não sabia se isso iria acontecer por duas noites seguidas. Não tinha muita
noção do limite do ruivo quanto àquela convivência e já estava constrangido
demais com a forma que estava fantasiado, além de ter confessado o que se
passava em sua mente de forma deliberada.
Acabou falando verdadeiramente, diretamente e abertamente sobre seus
sentimentos pela primeira vez, e, mesmo que tenha dito tão pouco, estava
abalado consigo mesmo. “Eu sou mesmo um idiota. Parabéns, seu fodido,
você está mesmo empenhado em fazer ele acabar essa porra!” pensava,
irritado.
Felipe se encaixou entre suas pernas em um impulso e se debruçou
sobre Gabe, segurando-o e chupando seu corpo com ansiedade. O moreno
estremeceu, assustado com o movimento repentino. Noutro lapso, o
submisso o envolveu segurando-o pela nuca com as duas mãos, sua boca
sendo invadida por um beijo muito quente e ansioso.
O ruivo parecia tentar se esconder enquanto Gabriel tentava olhar para
ele sem sucesso, teve suas duas mãos levantadas para cima e protestou se
movimentando com nervosismo, não entendia o que estava acontecendo e
tentou parar aquele beijo afoito e urgente. Sentia-o tremer acima de seu
corpo.
Felipe enterrou o rosto no pescoço dele, escondendo-se quando notou
que não conseguiria mais beijá-lo. Estava tremendo cada vez mais, de forma
perceptível.
Gabe puxou as mãos com muita força daquele aperto e empurrou-o para
que pudesse ver seus olhos, preocupadíssimo, tinha certeza de que aquele
tipo de comportamento tão abrupto e descuidado não era normal.
— O que houve? Eu disse algo errado? — Gabriel perguntou nervoso.
Felipe estava realmente muito corado, com uma expressão transtornada e
tensa que ele nunca havia visto antes.
— Não. — O ruivo se desvencilhou das mãos fortes de Gabriel, não o
olhava nos olhos.
— Como não? Por que não está me olhando, Felipe? Olha para mim! O
que aconteceu?
Felipe negou com a cabeça e suspirou tentando se acalmar. Estava
muito pressionado pelos seus próprios sentimentos. Não os aguentava dentro
do peito. A verdade é que ao ouvir Gabriel confessando sobre como gostava
da sensação de vê-lo demonstrar o quanto gostava dele, a “razão idiota”,
sentiu-se fora de si, muito envergonhado e ao mesmo tempo enraivecido.
Não queria que Gabe notasse como ele se sentia através do ciúme.
Queria que soubesse o quanto o apreciava de outras formas menos dolorosas
para ele, mas também sabia que, pela sensação dilacerante que sentia
naquele momento, causada pela inexperiência em expressar-se, que não
conseguiria falar abertamente para fazê-lo notar. Odiava-se muito. “Eu sou
um imbecil, não consigo nem demonstrar isso... Eu só quero que você note”
Felipe pensou enquanto batalhava contra as tentativas incessantes de Gabriel
fazê-lo olhar nos olhos.
Ele apertou os pulsos do homem abaixo de si e o encarou tremendo, o
cabelo rubro revolto emoldurando seu rosto assustador.
— Para com isso, Gabriel! Já chega! — ordenou transtornado em um
rugido. Seu rosto estava possuído de fúria. Gabe recuou contra o travesseiro
sem entender o que o deixara tão alterado e sentiu as lágrimas escorrendo de
seus olhos involuntariamente, fora de controle. Aquele tom agressivo o
deixando sem reação.
Felipe estalou a língua em desagrado e bufou arrependido por ter
gritado. Soltou-o e se sentou na cama cobrindo o rosto com força.
Massageou as têmporas, exasperado, e deslizou em seguida as mãos pelo seu
cabelo, puxando-o com violência. Sentia todas as palavras presas em sua
garganta o estava sufocando de uma forma insuportável.
Gabriel se sentou sem saber se podia tocá-lo, também tremia, muito
perdido e confuso, enquanto se perguntava mentalmente o que estava
acontecendo com aquele homem. O ruivo o olhou com os olhos dourados
tristes.
— Desculpa... desculpa ter gritado — Felipe implorou rouco e o
moreno entendeu imediatamente, impulsionando-se para tocá-lo sem
conseguir pensar direito. Apenas precisava afagá-lo e senti-lo perto de si.
Gabe o envolveu segurando seus braços trêmulos e continuou olhando-o nos
olhos, ansioso para ouvir o que ele tinha a dizer. A voz dele era apenas um
sussurro, entrecortado e titubeante agora: — Gabo... Você ainda gosta dele?
Silêncio.
Gabe sorriu um pouco, docemente, sentindo seu coração batendo muito
rápido, incrédulo com o que presenciava. Aquela pergunta de novo, como se
através dela ele pudesse demonstrar o quanto desejava que seu coração fosse
só dele. Seu dominador parecia muito vulnerável em conflito com suas
inseguranças e sentimentos, tudo que ele mesmo nunca imaginaria ver.
Suspirou e segurou o rosto dele com as duas mãos, forçando-o a não
fugir de seu olhar. Percebia o esforço que ele fazia para manter sua
expressão indiferente em uma guerra exaustiva.
— Eu já disse: não. Ele é meu amigo e nada mais. Não sinto nada por
ele além disso — Gabriel falou com firmeza. Não havia nenhum espaço para
jogos ali.
Felipe respirava fundo lentamente, fechou os olhos sentindo as mãos
quentes de seu submisso o envolvendo e sentiu-se mais seguro assim.
Confiava plenamente naquelas palavras, experienciando a sensação
reconfortante e refrescante que elas causavam, adentrando-o e cuidando de
todos os seus medos e feridas.
Ele se esforçou para recompor sua postura e o afastou um pouco,
limpando a garganta. Riu baixinho e umedeceu os lábios sensualmente em
tentativa de superar o clima que causou em seu momento de fraqueza.
Estava exausto, fisicamente e mentalmente, fugir era esgotante, negar para si
mesmo e para o mundo todos aqueles sentimentos que ele não compreendia
era terrível.
— Ótimo. Digo, você vai conseguir aproveitar mais o contrato se não
tiver o pensamento fora daqui. — Ele pigarreou tentando encerrar o assunto.
Gabriel assentiu sem se deixar enganar por aquele comentário furtivo e
cerrou a expressão, olhando-o provocante. O ruivo tateou o bolso com
precisão enquanto falava: — eu não estou muito disposto para continuar com
punições hoje, gatinho. Eu tenho uma coisa para te dar antes de
continuarmos.
Ele suspendeu a mão fechada e puxou as mãos de Gabriel colocando ali
o objeto que escondia todo esse tempo: uma coleira de couro preta e pesada
pela fivela niquelada. O moreno arregalou os olhos, surpreso, como se
tivesse sido estapeado.
Sentia que aquilo tinha um significado superior de pertencimento que
relacionamentos comuns não conseguiriam entender e seu coração
descarrilou em batidas atropeladas, fazendo-o se engasgar com a própria
respiração, seguida de uma pausa intensa de tudo. Era como se estivesse no
fundo de uma piscina, cercado pela pressão e pelo silêncio, envolvido por
completo.
Estava estarrecido, sentindo aquele objeto em suas mãos como se fosse
a coisa mais preciosa que poderia ter recebido na vida, ainda mais porque era
um presente de Felipe. Ele encarou o ruivo que estava corado, os olhos
vacilantes em contradição com a expressão fria e impassível recomposta,
novamente Gabriel não conseguia acreditar mais nela.
— Sempre que estivermos aqui eu quero que você a use. Não precisa
usar em público se não quiser — Felipe disse firmemente e pegou-a com
rudeza, se inclinando sobre o corpo daquele homem. Segurou-o pelo queixo
delicadamente e se aproximou analisando seu rosto. Gabriel corava muito
nervoso e não conseguia esconder o quanto estava contente. — Mas se
quiser eu vou gostar muito.
Felipe passou a coleira ao redor do pescoço de seu submisso enfiando a
tira na fivela e ajustando-a ao seu pescoço muito marcado pelos seus beijos e
chupadas intensas, tomava posse do que era seu e estava certo, mais do que
nunca, de que não abriria mão daquilo. Gabriel suspirou com a sensação
compartilhada e fechou os olhos, apertando a cintura do homem em cima de
si.
Não conseguia evitar o pensamento insistente e intenso de que estava
plenamente domado por ele, por aquelas demonstrações trôpegas que os dois
tentavam, de forma muito inocente e inexperiente, dar um para o outro do
quanto queriam-se bem. Era só o começo. O ruivo terminou o ajuste
acariciando o rosto de seu submisso com uma expressão tensa, o maxilar
travado em expectativa.
— Está muito apertado?
— Não. Está perfeito — Gabriel disse em um sussurro muito manhoso
e apertou a cintura dele de novo, enfiando as unhas na sua carne pálida. O
observava com os olhos de gato brilhantes, Felipe arfou prendendo a
respiração com aquela cena, ele estava lindo com aquelas orelhas e a coleira.
— Obrigado.
O dominador o beijou, e se empurrou com ele para a cama, sentia a pele
áspera do peitoral alheio por conta da cera enrijecida ali o arranhando e
fazendo seu membro pulsar com força, abaixou a própria calça sem parar de
mergulhar a língua em sua boca úmida. Gabe tremia intensamente
abraçando-o, deslizava as mãos pelo corpo do ruivo, ajudando-o a se livrar
da calça e se contorceu sentindo o plug dentro dele muito quente.
Felipe segurou os dois membros com as duas mãos. Gemia e arfava
contra o beijo do moreno masturbando os dois ao mesmo tempo, suas mãos
tremiam pelo tesão profundo que o consumia como chamas. Escorreu a
língua pelo maxilar de Gabriel até chegar em seu pescoço, chupava ali com
força fazendo o submisso emitir muitos sons de prazer enquanto sentia-o
fincar as unhas com muita força em suas costas.
— Dentro... — Gabriel falou com dificuldade, não conseguia respirar.
Sentia que ia explodir — Eu quero dentro. Mestre, dentro...
Felipe entendeu o pedido e mordeu o ombro dele com força arrancando
do rapaz um ganido grave de dor, puxou cuidadosamente o plug jogando-o
longe sem tirar os olhos de seu submisso e deslizou para dentro dele de uma
vez.
Os dois gemeram muito alto em alívio. Gabe tremia muito excitado sem
conseguir se conter, rebolava contra o membro do ruivo com muita força,
empurrando-se ansioso. O dominador se levantou pressionando as pernas
dele nas dobras do joelho, obrigando-o a abri-las com muita força, entrava e
saía dele em um ritmo cada vez mais acelerado. Sua franja ruiva bagunçada
cobria seu rosto sombrio, estava completamente imerso em luxúria e não
conseguia ser delicado.
Consumia-o. Gabriel gostava assim. Jogou os braços para cima
apertando o travesseiro com força enquanto revirava os olhos, sentindo as
estocadas fundas e úmidas, o gel que Felipe havia usado anteriormente para
o plug ainda o melava e aquecia com o atrito.
O ruivo continuou naquele movimento, pressionando-se contra ele, as
mãos apertando as coxas arreganhadas com violência. Ele largou aquelas
pernas em um movimento e entrou muito fundo em Gabriel, ficou parado
por um tempo admirando o submisso que salivava em demasia, escorrendo
pelos seus lábios fora de controle, a respiração descompassada e as mãos
apertando tudo que encontrava ao seu redor em desespero causado pelo
profundo prazer, as orelhas de gato e a coleira pintando uma cena muito
atraente.
Felipe penteou os cabelos para trás com as duas mãos devagar, os
braços fortes e flexionados se destacando enquanto o observava, exibia-se.
Gabe olhava para aquela cena sensual sentindo-o muito fundo dentro de si.
Queria xingá-lo por ser tão lindo e agradeceu a todas as entidades que
existissem e que não existissem por poder tê-lo ali, agradecia e pensava que
poderia morrer satisfeito. Riu e abriu a boca gemendo, sentindo-o recomeçar
as estocadas fortes satisfeito com aquela visão.
Gabe esticou os braços puxando-o em sua direção e fazendo-o cair em
cima de seu corpo, pesadíssimo, sem parar de investir naquele movimento
repetido. O moreno riu rouco no ouvido de Felipe, o qual tremia entrando e
saindo dele em êxtase.
— Se sua intenção é fazer eu te achar gostoso, saiba que não precisa se
esforçar tanto — Gabe sussurrou através do sorriso levado, revirava os olhos
sentindo-se capaz de gozar a qualquer momento a partir dali.
O ruivo riu roucamente com aquilo e entrelaçou as suas duas mãos nas
mãos do rapaz abaixo de si, levantando-as acima de sua cabeça. Também se
sentia muito perto.
— Eu disse que só queria te agradar, gatinho. Não estava brincando —
respondeu e mordeu o lóbulo da orelha do moreno que apertava a cintura
dele com as pernas. Seu membro sendo friccionado por aquele abdômen
forte enquanto o sentia dentro de si cada vez mais rápido. Gemiam.
Gabriel apertou as mãos de Felipe. Naquele ritmo incessante não
conseguiriam se segurar. Os dois se abraçaram intensificando cada vez mais
o contato como se desejassem mesclar-se um no corpo do outro, tornarem-se
um só. Mesmo que não soubessem exatamente como colocar todo aquele
turbilhão de emoções em palavras, os dois se comunicavam muito bem
naquela dança de seus corpos suados, regida pela melodia do ranger da cama
protestando insistente graças àqueles movimentos.
Cada um à sua forma lidava com seus próprios medos e inseguranças
ali, tentando incessantemente demonstrar como queriam que aquilo se
estendesse para além daquele contrato, para além de tudo que existia no
mundo. Apenas um pertencendo ao outro naquele quarto. Tudo do lado de
fora se tornando irrelevante.
“Muito rápido... Estamos indo muito rápido” pensaram assustados,
uníssonos.
Felipe estremeceu ao sentir o jorro quente de Gabriel e ouvir seu miado
arrastado. Apertou os olhos com força sentindo-se acompanhá-lo naquele
gozo, dentro dele, seu fluído preenchendo-o. O moreno puxou a respiração
com força, sufocado pelo seu peso, fazendo-o compreender que devia sair
dali para que respirasse.
Jogou-se na cama ao seu lado, largando suas mãos e tentando acalmar-
se daquele orgasmo intenso. Não havia uma só vez que fizessem isso que
não se sentisse sempre esgotado e saciado por completo, até recomeçarem
num ciclo infinito de desejo um pelo outro.
O ruivo cobriu os olhos com o antebraço sentindo que naquela noite
não conseguiria mais fazer nada, não desejava se levantar dali por nada no
mundo, apenas sentir a cabeça de Gabe em seu colo e dormir
profundamente. Diferente de como era antes, agora conseguia adormecer
sem ser atordoado por pesadelos ou insônia, descansava em paz por conta
daquela criatura ao seu lado.
E quando acordava com ele, não se sentia cansado. Se sentia apenas
vivo. E feliz, como nunca antes.
Em um movimento tímido, Gabriel arrancou as orelhas de sua cabeça e
as enfiou debaixo do travesseiro, seu rosto muito vermelho por ter usado
aquilo por tanto tempo inclusive quando conversavam sério mais cedo.
Ele riu um pouco e esfregou as mãos no peitoral e ombros se livrando
do resto da cera que havia ali, alguns pedaços mais resistentes ainda colados
por terem queimado sua pele. Estava tão satisfeito com a sensação daquela
coleira em seu pescoço que não parava de sorrir.
Pensou por um momento sobre ter que voltar para casa e girou o corpo
lentamente ficando de bruços. Apoiou-se no peitoral exposto de Felipe e o
observou com os olhos cobertos, respirando lentamente. Parecia estar
adormecido.
— Está dormindo? — perguntou quase em um sussurro e Felipe fingiu
um ronco baixo.
Gabe riu divertido daquela brincadeira boba e deitou com a cabeça em
seu colo o admirando. Ele era tão bonito que fazia o moreno sentir múltiplos
calafrios, seu corpo todo aquecendo com aquela presença. Continuou
falando:
— Se está dormindo então não tem ninguém para me levar para casa. E
eu sei que você odiaria que eu entrasse no carro de um desconhecido e mais
um monte de desculpas idiotas para eu não ir embora.
O moreno fez um muxoxo muito falso de desânimo. Felipe sorriu um
pouco tentando se conter e fingiu outro ronco. Gabriel riu mais alto se
divertindo muito com aquilo.
— Que bom que está dormindo, porque eu odiaria dormir sozinho. —
Ele suspirou confidenciando-lhe esse segredo, beijou o peito de Felipe
lambendo seu mamilo rapidamente e sorriu vendo-o conter seu reflexo. O
ruivo travou o maxilar. — Além disso, que bom que está dormindo, então eu
posso te admirar à vontade. Se alguém um dia me dissesse que eu estaria
com um cara tão absurdamente bonito eu iria rir muito sem acreditar.
Em um sorriso tímido ainda mais largo, o ruivo corou envergonhado.
Apertou seu antebraço fortemente contra seus olhos tentando se esconder
sem sucesso. Nunca havia sido elogiado tão descaradamente, de forma tão
sincera e doce, ainda mais por alguém que se importasse tanto quanto aquele
homem. Estava honrado e muito feliz. Gabe o via de perto sorrindo com
aquela reação boba.
— Mas também eu queria que estivesse acordado — o moreno
continuou em um sussurro — eu tenho tantas perguntas sem respostas que eu
queria fazer, mas tenho medo de te saturar. Eu queria muito saber o que é o
tal quarto dos submissos, para começar.
O ruivo ficou em silêncio respirando acelerado.
— É aquele quarto que vive trancado, não é? Você levava todos seus
outros submissos para lá? E se levava seus submissos para lá, por que me
trouxe para cá? — Gabriel perguntava retoricamente em sequência,
bombardeando-o, sua voz muito baixa em consonância com seu rosto corado
e envergonhado. Sabia que aquele homem o ouvia e estava acordado, mas
era consumido por aquele lapso de coragem questionando-o de forma
desinibida. Ele suspirou hesitando desanimado sabendo que não receberia
respostas. — Será que você alguma vez já trouxe outro submisso para cá
também?
— Não — Felipe respondeu de súbito, em um impulso, e travou os
lábios em uma linha tensa. Fingiu um ronco falsamente sem graça e Gabriel
arregalou os olhos sem reação, corava violentamente.
O moreno explodiu em uma risada divertida, em seguida, enfiando o
rosto no peitoral dele e sorvendo o cheiro que vinha de sua pele, inebriante e
deliciosa. Tremia empolgado com aquela única e preciosa resposta.
Em um movimento lento, Gabe se levantou apagando os abajures,
vendo o homem imóvel muito corado à luz pela última vez. Puxou os lençóis
e se enfiou dentro deles cobrindo Felipe também. Deitou em seguida no
braço livre sendo abraçado por ele involuntariamente. Ele ainda ria divertido
com aquilo. Felipe era um péssimo mentiroso.
O moreno suspirou antes de fechar os olhos.
— É, você sabe como os gatos são... Mesmo que digam que tem um
lugar onde eles deveriam ficar, eles são abusados demais e sempre acabam
dormindo na cama do dono.
Felipe não resistiu e riu alto com aquele comentário, muito rouco,
fazendo Gabriel estremecer em uma risada boba também. Ele o abraçou
esfregando-se no corpo do moreno, estavam envolvidos pelas cobertas e
sorriam sem parar no escuro.
Ficaram assim e aos poucos sentiram suas respirações acalmando-se até
pegarem no sono tomados pela exaustão de um dia muito cheio. As cortinas
balançavam com a brisa fria da noite, as velas derretidas e apagadas ao chão.
Todo o caos parecia sumir quando riam assim, juntos. Não havia dor, nem
passado, não havia ameaças e nem nada além daquele momento ímpar e
onírico.
CAPÍTULO XIII

Era um clima doce e matinal quando Felipe acordou, seu braço


formigando mornamente com o peso de Gabriel que dormia profundamente
sobre ele. Olhou-o levantando um pouco a cabeça e sorriu imediatamente,
involuntário, seu coração palpitando contra o peito, seu rosto aquecendo e
tomando uma coloração semelhante à de seu cabelo desgrenhado.
Deitou de volta no travesseiro e cobriu o rosto com a mão do braço
livre, rindo contra ela sem acreditar em como se sentia, o ar faltando sempre
que lembrava da cena que vira ao seu lado: o moreno adormecido com o
cabelo negro bagunçado emoldurando seu belo rosto mais ou menos
iluminado pelo sol que entrava furtivo pelas cortinas entreabertas, usava a
coleira que havia ganhado dele.
Ele puxou o braço muito devagar para não o acordar e se levantou.
Dessa vez seria o primeiro a acordar e “preparar” o café, mas de uma forma
diferente. Checou as mensagens no celular ainda sentado na cama e viu que
Carla havia mandado o relatório. Nada novo sobre Jonathan, ele parecia
seguir sua rotina comum o que sugeria uma estagnação. Ele tinha verdadeiro
interesse em Gabriel?
Suspirou aliviado pensando se não estava se preocupando demais com
as más intenções do irmão. Em seguida, digitou uma mensagem para um de
seus subordinados executando a ideia repentina para surpreender seu
submisso e relaxou olhando para o moreno que dormia gostosamente
enrolado nos lençóis.
Não conseguia evitar o desejo de deitar novamente e esfregar-se em sua
pele, sentindo-o ainda adormecido, muito quente e macio. Sua tez tinha uma
textura de camurça morna que agora ele sentia nas pontas dos dedos longos,
tocava-o sorrindo muito, encantado. Como era lindo.
Levantou-se depois de um tempo e arrumou a bagunça do quarto
lentamente. Bocejava muito ainda sentindo-se sonolento. Sabia que teria que
fotografar em um evento que estava agendado para o horário da tarde e que
isso tomaria também o início da noite. Por essa razão, revisou a ideia que
teve para aproveitar aquela manhã ao lado de Gabriel enquanto organizava o
caos do quarto, as velas, roupas e tudo mais que estava jogado no chão.
Felipe não queria parar de fotografar. Ajudava-o a se sentir melhor
consigo mesmo, mais distante da Ordem e tudo que ela representava nele.
Mais próximo de quem ele realmente era. Além disso, suas fotografias eram
sua forma de se expressar quando não conseguia formar frases completas e
verdadeiras sobre como se sentia. Não podia parar.
Olhou a mensagem de confirmação, de seu subordinado no celular e foi
tomar um banho sorrindo ansioso para que Gabe acordasse, deixando a porta
aberta. Lavou-se lentamente e sempre que olhava ao redor lembrava de
Gabriel mergulhando na banheira sensual, ajoelhado ali o chupando,
encarando-o através da água sorrindo provocante. Sorria muito bobo quando
ouviu as batidas na porta aberta e rapidamente recompôs sua expressão séria.
Gabriel cruzou os braços com sua expressão felina e mal-humorada à
porta. Analisava o ruivo nu tomando banho, o sol que entrava pelo
basculante iluminando seu cabelo vermelho molhado e sua pele pálida. O
moreno, que estava ainda acordando, sentiu o ar fugir ao avaliar aquele
corpo muito bonito, exposto, e virou o rosto timidamente quando o homem
saiu da banheira que servia de box enxugando-se brevemente e se enrolou na
toalha o fitando.
Felipe se aproximou segurando-o pelo queixo com a ponta dos dedos e
virou-o em sua direção roubando um beijo breve de seus lábios.
— Bom dia, gatinho.
Gabe o afastou fugindo, muito tímido.
— Eu acabei de acordar! Estou fedendo, sai! — Gabriel o empurrou e
Felipe riu divertido, negando com a cabeça e vendo-o correr para dentro do
box trocando pernas pelo nervoso. Tirou a toalha que havia usado para se
cobrir provisoriamente jogando-a no gancho platinado e começou a se lavar
sem olhá-lo.
O ruivo penteou os cabelos se olhando no espelho, muito brincalhão,
gostava da sensação que sentia sempre que seu submisso demonstrava o
quanto ficava alterado por ele. Desejava sempre o provocar só para apreciar
a coloração que seu rosto tomava e seus olhos vacilando de excitação.
Ele se voltou para o rapaz observando-o se lavar timidamente, lutando
contra os restos de cera em sua pele, e pegou um óleo corporal guardado em
uma das gavetas do armário embutido que ficava embaixo da pia. Estendeu o
braço encostando o vasilhame em Gabe para que ele o pegasse.
— Cera só sai com óleo. Se puxar assim vai se machucar — falou entre
risadinhas, vendo-o pegar o óleo com as bochechas infladas e o rosto corado.
Gabe agradeceu baixinho quase sem voz. — Não demore no banho. Nós
vamos tomar café da manhã fora.
— Quê?! Eu preciso ir para o trabalho! — Gabriel falou em protesto
sentindo a cera soltar-se facilmente com o óleo que havia recebido.
Felipe olhou o celular confirmando a mensagem de seu subordinado:
ele estava à porta de sua casa com as coisas que havia pedido e esperava-o.
Ele olhou para o moreno que aguardava uma resposta com a expressão
contrariada, sorriu de canto e entrou um pouco na banheira puxando o
moreno para beijá-lo.
Sentiu a boca dele muito quente e gemeu um pouco, fazendo o rapaz se
derreter e envolvê-lo em um abraço molhado. Beijaram-se lentamente,
intensamente naquela cena matinal, seus corações batendo em disparada.
Felipe se afastou um pouco e olhou de muito perto, a água que caía da ducha
aberta respingando em seu corpo parcialmente dentro da banheira.
— Você não pode perder só um turno da manhã por mim? — ele disse
docemente em uma súplica doce sorrindo de canto, sensual. Gabe fechou a
expressão com dificuldade e mordeu o lábio. — Eu tenho que fotografar de
tarde e provavelmente não vou ficar livre até tarde da noite hoje.
Gabe o soltou, virando-se de costas arrepiado pelo frio e continuou seu
banho escondendo seu rosto corado. O ruivo saiu da banheira e se encostou
na parede com os braços cruzados risonho, esperando.
Silêncio.
— Você disse pra eu não demorar no banho, não foi? Tá esperando o
que então? Vai logo se vestir para irmos, eu estou com fome — o moreno
falou irritado, por cima do ombro, fazendo Felipe rir baixinho com a vitória
conquistada.

✽✽✽

Felipe recebeu o pacote grande do seu subordinado e agradeceu


seriamente antes de se despedir. Entrou no quarto e viu Gabriel procurando
pelas suas roupas, as quais o ruivo havia, propositalmente, guardado mais
cedo. Colocou a grande caixa de papel em cima da cama apontando-a como
uma ordem para que o rapaz a abrisse.
Seguiu para o guarda-roupa e começou a escolher uma roupa vendo
Gabe com uma expressão confusa indo em direção à caixa. O moreno a abriu
vendo lá dentro um traje completo, até os sapatos, muito elegante de uma
marca caríssima. Engoliu em seco largando as roupas repentinamente e
encarou Felipe com a boca entreaberta, cruzou os braços em protesto e
fechou a expressão raivosa.
— Tá de sacanagem com a minha cara?
— Não gostou? Eu fui bem específico. — Felipe caminhou vendo a
roupa dentro da caixa, era exatamente o que ele havia pedido ao seu
subordinado. Deu de ombros e voltou a se vestir. — Se não gostou, posso
escolher outra coisa pra você usar.
— Não é que eu não gostei! Mas é que essa merda é cara para cacete!
— Gabriel olhou a camiseta de botões feita de linho fino, estampada com
florais e um fundo escuro, o tecido era leve e muito agradável ao toque. A
calça cáqui de alfaiataria tinha um corte perfeito e também era muito leve e
bonita. — E além do mais, eu tenho minhas próprias roupas.
— Você lembra que eu escolher as roupas que você usa faz parte do
contrato que assinamos, não lembra? — Felipe questionou virando o rosto
friamente em sua direção fazendo o outro recuar um pouco e assentir
timidamente.
O moreno percebeu que Felipe não daria ouvidos a ele, escolhia
distraído sua própria roupa e agora começava a se vestir olhando-o incisivo
para que fizesse o mesmo. Obedeceu-o a contragosto sem olhar para ele,
muito irritado.
Colocava a camiseta para dentro da calça cinturada quando viu o ruivo
usando um elegante conjunto de calça e blazer preto com padrões
quadriculados por linhas finas e espaçadas brancas. Uma blusa igualmente
branca, por dentro da calça, finalizando a composição perfeita.
Ele ajeitou os cabelos ruivos ao redor do rosto e olhou para Gabriel
encantado. Os dois se admiraram por um segundo e Gabe riu muito bobo,
sem conseguir disfarçar o quanto gostava daquele olhar satisfeito sobre ele.
Sentou-se para calçar o tênis negro muito elegante, acabando por se sentir
muito bem com aqueles outros presentes de Felipe.
Aqueles pequenos momentos tão cotidianos e bonitos, iluminados pelo
amarelado do sol despontando na manhã morna e a forma como se olhavam,
sempre muito conectados, docemente, o preenchia aquecendo seu coração
com intensidade. Sentia-se apaixonado de tal forma que não podia evitar a
vontade de abraçá-lo. Estavam juntos há dias seguidos, como se morassem
juntos, e mesmo assim queria que aquilo se repetisse. Por quanto tempo?
“Eu não acredito nisso… Não acredito que ele fez eu…” Gabriel
pensava. Hesitava em admitir. Concretizar um pensamento sobre estar
apaixonado tornaria aquilo mais real do que já era?
— A gente vai em algum lugar chique ou alguma merda assim? Eu vou
logo avisando que eu não sei me comportar — o rapaz disse sorrindo bobo,
Felipe calçou o sapato social lustroso e riu divertido para ele.
— Não se preocupe com isso — Felipe disse enquanto organizava sua
câmera em uma bolsa preta de tiracolo, selecionava uma das lentes
atenciosamente e checava a bateria do seu equipamento.
Preparou todo seu material para fotografia, o tripé retrátil pesado sendo
analisado com maestria e encaixado no lugar correto da bolsa multifuncional
cheia de bolsos. Gabriel olhou curioso, gostava de ver as mãos ágeis de
Felipe, seus olhos dourados muito concentrados naquilo.
— Já está separando as câmeras que vai usar no trabalho? — perguntou
despretensioso. Sentia medo de estar invadindo um ponto que não deveria
tocar, mas não conseguia negar o quanto se sentia feliz e bem quando via as
fotografias dele.
Por mais que combinasse com a aura de líder associada à Ordem, Felipe
parecia muito mais com ele mesmo segurando sua câmera, fotografando, sua
alma exposta através de suas capturas.
Gabriel havia se apaixonado primeiramente pelo fotógrafo sádico, não
pelo mafioso. Apesar de sentir-se absurdamente confortável e excitado com
aquela sua face também, curioso para conhecê-lo em plenitude.
— É... Também. Vamos — Felipe disse cruzando a bolsa no peito.
Gabriel pegou a coleira, de cima da mesa de cabeceira, que havia tirado
para tomar banho quando se levantou, e a colocou se arrumando diante do
espelho. Felipe o olhou de relance vendo-o fazer aquilo e estagnou
boquiaberto sem acreditar enquanto o moreno checava seus pertences com
indiferença, a peça em seu pescoço combinando perfeitamente com as
marcas arroxeadas e vermelhas de sua pele, além da roupa elegante. Os
cabelos negros alvoroçados e volumosos realçando seu rosto perfeito.
Gabe o olhou com a expressão cerrada, arqueou as sobrancelhas
expressando um “que foi?” e saiu do quarto com as mãos nos bolsos.
— Vamos logo, já disse que eu estou com fome! — gritou enquanto
saía pela porta.
Felipe cobriu o rosto rubro e riu em silêncio, o coração em disparada.
Saiu da casa fechando-a e caminhou diretamente em direção ao carro.
Sempre que Gabe sentia que sabia qual veículo o seu dominador escolheria,
era pego de surpresa e hesitou perdido, girou seguindo-o mal-humorado.
Preferia evitar se locomover daquela forma porque toda vez ficava
extremamente excitado em ver o ruivo dirigir. Seus braços eram uma das
partes dele que mais o deixavam afoito, gostava de vê-lo segurando o
volante, passando a marcha. Vê-lo também segurando a câmera, fazendo
coisas comuns com as mãos angulosas, uma delas tatuada, as veias sempre
marcadas.
Tremia sempre que pensava naquela mão o segurando pelo queixo,
espalmando sua bunda e puxando-o em sua direção com força. Mas
necessariamente quando estava na direção ficava absurdamente mais lindo
que o comum. “Espero realmente que ele não me leve em um lugar
extravagante, eu odeio esse tipo de coisa” pensou distraído enquanto
colocava o cinto de segurança no banco do carona.

✽✽✽

Felipe tomou uma via larga que direcionava para norte, na direção de
Iapraq. Seguindo por aquela estrada havia um grande parque de reserva
ambiental onde muitas pessoas iam para fazer trilhas e passeios em família,
além de aventuras nas cachoeiras que ficavam embrenhadas nas muitas
árvores densas.
Lá, havia um chalé de decoração rústica no meio da composição
bucólica, elegante por dentro, mas muito simples e pouco frequentado. O
ruivo mantinha em mente o ambiente que descobriu uma vez quando foi
fotografar um casamento muito bonito que ocorrera ali. Lembrou-se
levemente corado das duas noivas trocando seus votos.
Àquela época, ele não compreendia as palavras que elas diziam uma à
outra apaixonadamente e debulhando-se em lágrimas. Até mesmo no
casamento de Carla e Thiago sentiu-se deslocado e estranho. O fato de ele
sempre ter sido domado pelo ódio nunca o fez perceber os relacionamentos
humanos da mesma forma. Sempre manteve seu pensamento focado no seu
único objetivo em vida, e quando o alcançou ficou tão perdido sem saber
quem era que havia perdido a razão.
Ele estacionou na entrada do parque. Afastou os pensamentos sombrios
que tentavam invadir sua mente vendo Gabriel arquear uma das sobrancelhas
ao descer do carro e cobrir o rosto para se proteger do sol, tentando enxergar
melhor. Ali havia um arco grande de madeira indicando a entrada do
ambiente campestre dali em diante. Não muito a frente depois de um
caminho entre as árvores estava o chalé.
Felipe havia saído do carro também e seguia em direção ao moreno pela
frente, atencioso em sua expressão confusa.
— Se vamos fazer aventuras pela floresta eu acho que essas roupas não
são as melhores. Eu deveria tirá-las aqui mesmo? — Gabe disse divertido,
abrindo um dos botões da blusa e exibindo um pedaço do peitoral marcado,
uma mordida perfeita de Felipe muito visível ali.
O ruivo avançou em sua direção, puxando-o pela cintura, e sorriu de
canto fazendo o rapaz fraquejar com o cheiro gostoso que vinha dele. Piscou
sensual para seu submisso e sussurrou cuidadosamente em seu ouvido:
— Não me provoque, gatinho. Ninguém te ouviria gemer, por mais alto
que fosse, de dentro desse carro.
Gabe tremeu apertando seu peitoral com a expressão cerrada, se aquilo
era uma ameaça para que ele parasse, apenas o atiçou mais ainda a continuar
o que estava fazendo. Ele empurrou o ruivo e deu de ombros. Viu o outro
rindo e pegando a bolsa da câmera de dentro do carro, e seguiu parque
adentro fazendo um sinal com uma das mãos indicando que deveria segui-lo.
O sol da manhã estava leve e o clima nublado, permitindo uma
sensação de frescor e muito vento, principalmente por causa das árvores e
paisagem verde refrescantes. Os dois caminharam pelo caminho de tijolos
alaranjados. Dos dois lados havia muitas árvores, plantas e relevos cobertos
pela relva. Algumas poucas pessoas caminhavam passeando, casais e idosos,
enquanto outras faziam piqueniques em clareiras conversando, crianças
pequenas brincando de bola descalças na grama.
Seguiram por mais um tempo, dobrando em uma esquina do caminho
de tijolos até ficar cada vez mais deserto. Um grupo de mochileiros foram
mata adentro em um sentido contrário ao deles conversando entre si. Agora
estavam sozinhos e, dali, pareciam perdidos nas trilhas muitas do parque.
Felipe seguia com as mãos nos bolsos da calça social olhando para
cima, os feixes de sol que passavam pela copa das árvores montavam uma
bela cena. Ele parou repentinamente e tirou a câmera da bolsa, montou a
lente nela e enrolou a alça de segurança em sua mão. Fez uma série de
ajustes rápidos e apontou a lente para cima distraidamente disparando.
Gabriel o encarava corando muito, era como se o presenciasse em um
momento muito íntimo, e sentiu um arrepio com as palpitações que a beleza
daquele fotógrafo causava. O ruivo olhou para a tela digital e sorriu
satisfeito, voltando-a para o moreno que viu o resultado: uma cena bonita
das árvores, a luz clara dando a sensação de movimento.
— Sua técnica é linda. As fotos que você tira são realmente incríveis...
— Gabe disse baixinho, sem pensar, dentro do peito a sensação pulsante e
sufocante. Corava sorrindo muito bobo — É realmente lindo como você vê o
mundo.
Felipe pigarreou timidamente e virou o rosto, sentindo-se
envergonhado. Guardou a câmera montada mesmo, em um encaixe perfeito,
desligando-a antes. A sinceridade com que aquele homem falava sobre suas
fotografias o afetava sempre deixando-o sem jeito, ele não sabia como
receber elogios.
— Vamos, precisamos comer.
O chalé era todo de madeira escura e cercado pela mata. Tinha um
telhado de forte caimento e beirais avançados, anguloso. Para chegar até a
entrada, havia duas escadas, em uma bifurcação curvada, que davam no
mesmo ponto no alto. Entre elas estava um chafariz de cerâmica esculpida
circular de dois andares, que jorrava água em um som agradável que se
mesclava com o que o vento fazia ao chacoalhar as folhas altas das copas das
árvores.
Gabe entreabriu os lábios vendo o lugar belíssimo com os olhos
brilhantes, não havia ninguém ao redor, parecia ser um tipo de oásis secreto
em meio àquele bosque. Subiram juntos por uma das escadas e o moreno
parou no meio do caminho, observando ao redor. Dali conseguia ver um
pouco mais além: os vários caminhos que a estrada de tijolos laranja levava,
muitas pequenas clareiras e pássaros voando em bando no céu claro e
levemente nublado.
Felipe o observava, deslizava os olhos pela pele castanha iluminada, o
belo perfil que admirava a paisagem causava nele uma sensação sufocante,
era como se estivesse se afogando naquela cena. Seguiram subindo devagar,
a entrada do chalé era aberta e todo o ambiente com mesinhas bem
decoradas e espaçadas. Sobre elas lustres de junco cru.
Felipe entrou seguido de um Gabriel que olhava ao redor encantado,
não havia quase ninguém naquele ambiente ventilado. Seguiram adentrando
o espaço e o ruivo acenou com uma mão para a hostess do restaurante. Falou
baixinho algumas coisas com ela antes que o rapaz o alcançasse, esse ainda
estava admirando o ambiente sem pressa, andando lentamente.
Observava os arranjos de flores e samambaias em longos e largos vasos
de mármore em cantos estratégicos e sorriu de canto, timidamente, vendo
que agora, de uma das mesas mais distantes de todos, Felipe indicava para se
sentarem. Dali podiam ter uma visão panorâmica do parque sem serem
atacados pelo sol diretamente.
Sentou-se com a expressão cerrada, fingindo mau humor, e cruzou os
braços diante do corpo. Mordia as bochechas por dentro, evitando sorrir,
sentia-se estúpido e embevecido. Desde o primeiro dia juntos Felipe sempre
o havia levado em lugares lindos que ele adorava, e lembrou inevitavelmente
do café igualmente rústico e muito bonito o qual foram no primeiro
encontro.
— O que foi, não gostou? — Felipe perguntou enquanto tirava o blazer
e posicionava-o sobre um canto da mesa de madeira polida e envernizada,
ficando apenas com a camiseta branca fina, os braços fortes, um deles todo
coberto pela tatuagem do bravo dragão, expostos. Colocou também a bolsa
da câmera ao lado do casaco negro.
Gabe umedeceu os lábios fitando seus antebraços e desviou o olhar para
a janela muito ampla e sem vidro, ao seu lado, dando de ombros.
— Eu gostei. É bem arejado — disse sem graça quando o garçom se
aproximou, servindo a mesa aos poucos, enchia-a com todo tipo de comida.
Posicionou uma xícara de café preto diante de Gabriel e outra na frente de
Felipe. Várias opções de bolos e pães, patês e outros quitutes que fizeram o
moreno sentir seu estômago roncar em protesto. No dia anterior não havia
jantado depois do dia muito cheio e estava vacilando pela fome que sentia.
Salivava ansioso.
Felipe sorriu e indicou a comida. Comeram em silêncio sentindo a brisa
matinal e aproveitando a música leve que tocava muito baixa ao fundo. O
som de água, folhas, vento e piano, tudo parecia uma mescla de sensações
leves e românticas que faziam o moreno sentir vontade de dançar.
Literalmente seu corpo pendia de um lado para o outro de olhos
fechados enquanto ele tomava o café preto, sentindo-o recompor suas forças,
o líquido doce aquecendo sua boca. Estava feliz de um jeito que nunca havia
experienciado antes, como em um sonho.
O ruivo o observava com uma das mãos apoiando seu queixo, um
sorrisinho de canto satisfeito com o que via. Em um lapso, abriu a bolsa da
câmera retirando-a de lá novamente, apontou-a com precisão para o moreno
e disparou algumas vezes fazendo o outro recuar com a expressão arisca.
— Que porra, Felipe?! — Gabe protestou batendo a xícara no pires
timidamente.
O ruivo riu e olhou o resultado da fotografia muito sorridente, Gabriel
definitivamente era o homem mais bonito que ele já havia visto, em qualquer
ângulo ele ficava atraente e muito belo. Desligou a câmera e a colocou ao
seu lado dando de ombros.
— Quê? Eu gosto de fotografar cenas bonitas — ele disse e tomou um
bom gole de seu café, olhou-o através da xícara de porcelana com os olhos
dourados. Tinha certeza de que havia visto uma sombra de um sorriso tímido
ali.
— Por que trouxe sua câmera, afinal? Não vai trabalhar só mais tarde?
É algum evento que tem que cobrir? — Gabe questionou com os braços
cruzados.
— Sim e sim. Mas a razão pela qual eu te trouxe aqui vai precisar dela.
— O ruivo puxou a carteira de cigarros do bolso e segurou um deles com a
boca, acendeu-o em seguida tragando devagar. Era o aroma suave de cravo
que faltava para Gabriel sentir o prazer completo com aquele ambiente. —
Já tem um tempo que eu queria fotografar aqui nesse lugar, queria testar
algumas técnicas.
Gabe recuou surpreso. Sentia-se extremamente honrado e feliz com
aquilo, já que poderia presenciá-lo fotografando. Disfarçou um sorriso bobo
e virou o rosto discretamente, a brisa forte e morna fazendo-o sentir o tecido
de linho roçado em sua pele.
Eles terminaram de comer em silêncio e o moreno se espreguiçava
gostoso sentindo-se revigorado e pronto para mais um dia. O ruivo se
levantou o chamando para irem depois de vestir o blazer escuro e posicionar
a bolsa em seu ombro, a câmera preparada em sua mão.
Saíram descendo as escadas. Gabe tentava evitar a sensação
desconfortável e amiudada de Felipe sempre pagar tudo quando saíam. Pelo
visto ele já havia feito tudo rapidamente antes mesmo que ele percebesse,
bufou mal-humorado seguindo-o por um dos caminhos que levavam mata
adentro na estrada de tijolos.
— Sabe eu também tenho dinheiro, eu posso pagar pelas minhas coisas.
Tudo bem que eu ficaria quebrado comprando esse tipo de roupa aqui, mas
pelo menos comer bem eu posso bancar — Gabriel resmungou sem graça,
chutando uma pedrinha que cortava seu caminho, reclamava mal-humorado
e o ruivo riu rouco com aquela cena.
— Não me leve a mal, mas é um hábito. E também... Faz parte do
contrato eu fazer esse tipo de coisa.
— Ah, é, o contrato de novo. Sim... — Gabriel falou. Naqueles
momentos normalmente ele esquecia disso, que tinham um contrato.
Felipe estava com ele por causa de um fetiche sexual de dominá-lo e
parecia fazer questão de sempre o lembrar disso de alguma forma. Tudo
aquilo era uma ilusão com um prazo certo para acabar. Sentiu seu coração
batendo dolorosamente em um aperto e suspirou sentindo-se desconfortável
repentinamente.
Felipe parou cobrindo o rosto, percebeu a besteira que havia falado e
suspirou xingando mentalmente por sempre acabar falando coisas que
pareciam magoar Gabriel. Na realidade, não sabia como fazer as coisas que
queria para aquele homem sem se basear no contrato. Usando-o evitava
expor como realmente o desejava e seus sentimentos.
Ele olhou ao redor apreciando a vista, angustiado, e pegou o moreno
pela mão rapidamente com uma ideia maluca que lhe ocorreu. Começou a
puxá-lo mesmo com os protestos questionadores do outro em direção a um
caminho que só ele conhecia. Continuaram andando rápido, quase correndo,
de mãos dadas, apertadas com intensidade.
Dobraram em uma esquina e foram parar em uma clareira circular de
tijolos alaranjados cercada de árvores altas. Não havia outra entrada ou saída
daquele lugar senão por onde chegaram. No centro havia uma estátua grande
de pedra talhada, a figura de uma mulher seminua coberta por um fino tecido
esculpido com perfeição ao redor de seu busto.
Ela parecia querer tocar o céu na ponta dos pés, um braço estendido e o
corpo angulado, a cabeça pendia para trás no que parecia um êxtase de
inspiração. Gabe arfou vendo o sol que entrava aos poucos ali iluminando a
mulher estática.
— Que... Lindo... — o moreno disse caminhando em direção a ela.
Esticou as mãos e tocou na pedra escura sentindo-a muito fria.
Felipe abriu o tripé e o ajustou no ângulo de frente para a figura
feminina. Após isso, começou a definir configurações na sua câmera:
— Preciso que me ajude em algo, pode ser?
Gabe se virou e o observou inclinando a cabeça um pouco na direção
do ombro, não sabia nada sobre fotografia para ajudar realmente em algo.
Esperou ali sendo mirado pela máquina que era encaixada no tripé pelo
ruivo. Eles se entreolharam, o fotógrafo e sua musa. A estátua de
testemunha. Felipe continuou:
— Acha que pode dançar?
Silêncio.
Gabriel sentiu seu rosto aquecendo rapidamente a ponto de doer, ele
visou o chão tentando respirar normalmente, sem sucesso. Enfiou as mãos
nos bolsos e abriu a boca algumas vezes sem conseguir formular uma
resposta. Sentiu a presença do ruivo que agora estava à sua frente.
Ele levantou a face alheia com as pontas dos dedos e se aproximou
abraçando-o. Respirava o cheiro doce que vinha de seu pescoço, o corpo
quente de Gabe automaticamente o envolvendo também. Os dois se
apertaram ali enquanto a brisa morna os envolvia.
— O que está acontecendo? — o moreno perguntou sibilante, sua voz
estava fraca. Ele apertou o rosto contra o peitoral de Felipe com força — Eu
ainda não acordei? O que você quer de mim, Felipe? Isso também faz parte
do contrato? É por isso?
— Você está cheio de perguntas desde ontem, gatinho... — Felipe
sussurrou rindo rouco, beijou o rosto corado de Gabe obrigando-o a olhá-lo.
Segurava suas bochechas com as duas mãos em conchas. — Eu prometo que
vou responder o que puder, sim? Agora, só por uns instantes, dance para
mim.
Ele o soltou deixando-o ali trêmulo e vermelho. Parou por detrás da
câmera e pegou o controle disparador dela para manipular quando iniciaria a
captura, assim evitando qualquer imperfeição na imagem final. Desejava
fazer um efeito fantasma de Gabriel dançando àquela luz e ansiava
observando-o, atento.
O moreno negou com a cabeça sorrindo bobo e virou de costas
respirando fundo:
— Não prometo grande coisa.
O ruivo iniciou a captura de longa exposição ativando o obturador
quando Gabriel começou a se movimentar no ritmo do vento. Não havia
música, apenas o som da natureza quieta e espectadora de sua dança
alongada, os braços serpenteando. Girava devagar. Suas pernas faziam
alguns passos livres enquanto ele se deslocava, seu corpo todo em sincronia
com o que sentia.
Passava as pernas à sua frente e a puxava em um ângulo agudo, seus
braços equilibrando-o. Em seguida, sentiu seu corpo pender e espiralar
devagar como fumaça para trás, retornando em um suspiro concentrado.
Dialogava silencioso com o que Felipe gritava dentro de si, seus sentimentos
em sincronia numa conversa longa e curta, paradoxal em sua poesia.
Os dois se entreolharam com a respiração descompassada quando Gabe
finalizou os passos simultaneamente ao momento que o outro acionou o
botão que finalizava a fotografia. Tudo que queriam dizer um para o outro
rodopiando como dentes-de-leão leves ao vento. Um fino e tênue elo
escarlate os ligando indefinidamente.
Gabriel percebeu que a fotografia já estava pronta e foi em direção ao
homem que o encarava estarrecido, o segurou com força puxando-o para um
beijo demorado. Eles se envolveram em um abraço quente, pressionando
seus corpos ansiosos, as forças do ruivo sendo despedaçadas pelas carícias
do menor, sedento e apaixonado, entrelaçados num só.
Mesmo fora do quarto onde dormiam, ainda se sentiam díspares do
resto da humanidade, arfando um contra o outro excitados como se
estivessem entre quatro paredes. O moreno o afastou com a expressão
cerrada e cruzou os braços de pirraça vendo o homem piscando com
dificuldade, atordoado pela dança encantadora e o beijo carregado de desejo,
sequioso.
— Você me deve algumas respostas — Gabriel disse em um tom bravo.
— Sim. Sim. Porque eu vi algo em você que não combinava com ele,
que merecia mais — o ruivo respondeu de um só fôlego.
— O quê?
— São as respostas para as perguntas que me fez ontem sobre o quarto
dos submissos.
O moreno bagunçou o cabelo irritado, não lembrava exatamente quais
eram as perguntas que encabeçaram aquelas respostas. Ele grunhiu e deu de
ombros.
— Vai me levar lá alguma vez?
— Para quê? — Felipe enfiou as mãos nos bolsos, tentando esconder o
quanto tremia. Desejava continuar aquele beijo por mais um tempo antes de
partir, mas ouvi-lo era tão prazeroso quanto.
— Bom, temos um contrato, né? Eu sou seu submisso e eu nem
conheço o tal quarto dos submissos. — O moreno fez um muxoxo
desanimado. — Tem algo de especial lá?
Felipe deu uma risadinha rouca.
— Não, gatinho, é um quarto desabitado comum. Combina com o resto
da casa. Eu prefiro você no meu quarto.
Gabe o olhou boquiaberto, sentia-se sufocado com a sensação doce de
ouvir aquelas palavras. Ele virou o rosto timidamente tentando controlar
toda aquela enxurrada de emoções. Estava profligado por aqueles
sentimentos.
— O que mais quer saber? Ainda temos algum tempo antes de eu ir. —
Felipe continuou puxando-o pela barra da calça cáqui. Não suportava ficar
sem tocá-lo. Envolveu-o, olhando-o de perto, a expressão felina fechada
como em braveza. Sorriu de canto satisfeito vendo-o vacilar em se manter
estável daquela forma tão relutante.
— Por que saiu da Ordem?
Silêncio.
Felipe prendeu a respiração e ficou pálido, sentiu o gosto da bile em sua
boca pelo terror de lembrar os acontecimentos que envolviam aquele fato.
Não sabia como falar sobre isso e nem sabia se conseguiria organizar através
de palavras tudo que aconteceu sem expor cada detalhe de sua vida desde o
princípio. Suas dores e demônios se agitando em meio às sombras que ele
continha e fugia diariamente.
Ele puxou o ar e apertou o homem que abraçava, servia para ele como a
âncora que o prendia ao presente e evitava que fosse transportado ao passado
sombrio e obscuro. As dores de outrora continuavam tentando
insistentemente, em risadas demoníacas, dominar sua mente. Pigarreou
vendo que Gabe o observava de perto, analisando cada uma de suas reações
amedrontadas e vacilantes.
— Eu... Concluí tudo que eu queria e precisava fazer através da Ordem
— Felipe disse fracamente, tentava focar em ser o mais objetivo possível e
expor o mínimo de como aquilo ainda o afetava. — É tudo que posso falar.
— Tudo bem. Não precisa falar mais nada sobre isso se não quiser —
Gabe sussurrou o abraçando forte, apertando-o como um porto seguro,
firmando-o em um momento diferente e melhor. Infinitamente melhor.
Queria ser para ele um ponto de recomeço tal qual aquele homem o era para
ele.
Teve um calafrio sentindo-o respirar fundo em meio aos seus cabelos
negros, esfregando o nariz ali em um carinho leve e muito bom como quem
agradece aliviado. Ficou um tempo apenas sentindo a brisa e o efeito torpe
de seus afagos lentos quando Gabriel o afastou um pouco e apontou para a
câmera com um sorriso de canto, timidamente. Pensou em uma forma de
quebrar aquele clima tenso que havia surgido por conta do assunto delicado.
— Hum, eu posso tentar?
— O quê? Fotografar?! — Felipe arqueou as duas sobrancelhas
sorrindo empolgado, o moreno assentiu cruzando os braços com sua
expressão brava de sempre e deu de ombros. O ruivo riu baixinho e retirou a
câmera do tripé ajustando as configurações. — Claro, que tipo de foto quer
tirar?
O ruivo o envolveu por trás e colocou-a nas mãos de Gabriel, passou a
faixa de segurança em seus pulsos e posicionou exatamente como ele
deveria segurá-la.
— Uma foto comum. Mas eu quero ficar com ela para mim, pode ser?
— o moreno perguntou em um sussurro, a presença de Felipe ao seu redor o
desconcentrando.
— Se você quem tirou a foto, ela é sua. Aqui, você olha pelo visor,
assim. — Posicionou a câmera diante do rosto nele, abraçando-o em um
contato doce, seus lábios roçando ao pé de seu ouvido. Gostava muito da
sensação de ensiná-lo a usar sua câmera, como se entregasse a ele seu
próprio coração para que manuseasse. Os dois estremeceram sentindo a
excitação que corria quente de um corpo para o outro. — Você viu algo
bonito no caminho que queria registrar?
— Sim. Algo lindo — Gabriel disse quando Felipe o largou com a
câmera em mãos. Girou o corpo e deu alguns passos para trás apontando a
câmera diretamente para o ruivo. O homem teve um sobressalto sem reação
com aquela mira repentina e virou um pouco o rosto timidamente, sorrindo
sem graça.
O som do disparo rápido como um bater de asas foi seguido do moreno
sorrindo muito ao ver o belo resultado na tela. Ele sorriu em direção ao
homem que agora cobria os lábios com as pontas dos dedos muito
envergonhado, seu rosto aquecendo e tomando uma coloração intensa e
vermelha.
— Se eu quem tirei a foto, ela é minha. Você que disse — Gabriel falou
rindo e apertando a pesada máquina entre seus dedos como se realmente
segurasse o coração pulsante e delicado o qual havia tomado posse.

✽✽✽

O sol estava à pino do lado de fora, mesmo que nada além de sua
claridade fosse realmente visível. Aproximava-se da hora do almoço no dia
nublado e abafado, e as pessoas circulavam pelas ruas. O final de semana
havia chegado e com ele a aura ansiosa e agitada para acabar os turnos mais
cedo, desejando aproveitar um bom bar e bebidas no fim do expediente,
festas e diversão merecidas.
Gabriel entrou na academia irritado, o cenho cerrado em um mau
humor iminente, e foi assaltado por Josh o cutucando na cintura brincalhão.
Ele emitiu um som de desgosto e fuzilou o amigo com o olhar irritadíssimo.
— Vai se foder! Não enche!
— Nossa, o que aconteceu?! — o loiro disse rindo. Sentou-se divertido
em uma das máquinas de musculação, esparramado. — Todo bem arrumado.
Não dormiu em casa. Chegou atrasado... Mas está mal-humorado. Tem
alguma coisa que não está batendo.
O moreno revirou os olhos lembrando que depois de saírem da manhã
agradável no parque, Felipe foi duro em ordená-lo a não sair da academia
para lugar nenhum durante o dia. Ele deixou claro que Jonathan não parecia
mais ter feito nenhum movimento perigoso em sua direção, mas ainda assim
era importante precaver e manter a atenção em suas intenções.
O irmão gêmeo do ruivo parecia particularmente interessado em se
aproximar de Gabriel por ele soar como uma ameaça que incitava Felipe a
retornar à Ordem. Além disso, após ele ter invadido um território declarado
como inimigo por causa do moreno e ter iniciado com isso um processo de
negociação que envolvia apenas aquele homem com os Barbosa, Jonathan
demonstrou estar cada vez menos satisfeito com aquele contrato dos dois e
muito mais atento ao submisso do irmão.
Isso era perigoso, uma vez que ele tinha à sua disposição homens
armados e, segundo Felipe, uma sede por sempre entrar em conflito com o
gêmeo. Odiavam-se, isso era fato.
A maior problemática da fala de Felipe, todavia, não havia sido a ordem
expressa para ele não sair de casa ou se expor, mas sim sua fala seguinte
sobre seu trabalho fotografando ocupar toda a tarde e o início da noite.
Após isso, ao invés de ficar livre, ainda precisaria reunir-se com Carla e
Thiago novamente para discutir todo o plano de negociação com a família
inimiga que o pressionava para explicar a invasão na semana anterior. Por
causa disso, Gabriel ficaria sendo vigiado pelos subordinados do ruivo e, a
pior parte: não poderiam ficar juntos naquela noite.
O moreno sentia-se imerso em uma estranha sensação de vazio que aos
poucos foi convertida em ira e irritabilidade só de pensar em dormir sozinho
em sua casa após os dias que havia passado junto de seu dominador.
Estressava-se intensamente toda vez que lembrava que ao final do dia não
estaria com ele.
Tocou com as pontas dos dedos na coleira em seu pescoço. “Que idiota,
até parece que estamos juntos de verdade ou alguma merda assim” pensou
corando, a manhã muito leve e agradável que tiveram invadindo sua mente e
amaciando seu humor um pouco.
— Ei! Você não é de acessórios... Quando começou a usar esse? —
Josh saltou de onde estava e se aproximou de Gabriel. Arregalou os olhos e
abriu muito a boca dramaticamente cobrindo-a com as duas mãos — Não!
Foi o Felipe que te deu? Meu Deus! Vocês estão juntos para valer? Gabriel!
Gabriel volta aqui!
Gabriel agora marchava rapidamente com o cenho cerrado, suas
bochechas estavam muito coradas e ardiam enquanto ele seguia em direção à
sala de artes marciais. Sabia que naquele dia em específico teria apenas uma
turma de karatê então teria um dia entediante e solitário pela frente. Pensar
na noite era torturante. O loiro o seguia correndo e azucrinando sua
paciência.
— Não, já disse que não estamos em um relacionamento — Gabriel
falou enquanto puxava seu quimono do armário de ferro, sentiu seu corpo
implorando por descanso. Ainda estava exausto do dia anterior. Talvez
tirasse um cochilo depois do almoço e não descesse mais para trabalhar. Não
lembrava mais como ele conseguia passar os seus dias tão sem graça só
vendo o tempo passar, consumindo-o pelo ócio e monotonia.
— Então por que ele te deu isso? É algum tipo de código entre vocês?
— Josh perguntou sorrindo muito, sua mente divagava entre várias
narrativas engraçadas onde Gabe era o animal de estimação do homem
assustador. Ficava corado pensando naquilo. — Ele te pediu em namoro?
— Não! Não estamos namorando, Joshua! — Gabriel o olhou mal-
humorado. O amigo recuou ouvindo o nome completo e fez uma cara de
ofendido, afetado e rindo.
— Mas bem que você queria que estivessem! — o loiro disse revirando
os olhos e se abanando freneticamente com as mãos.
O moreno levantou a mão fingindo que ia bater no amigo e o loiro
correu rindo na direção oposta. Gabe riu um pouco se sentando no banco
longo que ficava encostado na parede e defronte com o tatame, tirou a
coleira e a enrolou no pulso ajustando a fivela, não queria ficar distante
daquilo nunca, se pudesse não a tiraria dali em diante.
— É só... Complicado, Josh. Às vezes parece que ele gosta de mim...
Mas depois ele fala umas coisas, e age como se não fosse bem assim. Eu não
tenho certeza sobre como ele se sente. Isso está me matando — reclamou
baixinho, quase não havia som em sua voz mortificada e hipnotizada pelo
objeto que encarava. Josh se aproximou e o olhou muito sério do tatame com
os braços cruzados.
— Mas e você? Digo, você não é a pessoa mais aberta do mundo
também, não é? Você já falou como se sente? Talvez ele tenha a mesma
sensação que você.
O rapaz sentado não tirava os olhos da peça enrolada em seu pulso,
deslizava a ponta dos dedos na textura do couro grosso e bem costurado
sentindo seu coração batendo muito forte dentro do peito.
Havia passado tanto tempo apaixonado por Josh. Viu aquele sentimento
nascer e se perder, mesclando-se na conformidade do que nunca aconteceria
e esfriando até sumir dentro de si. Viu-se tentando se envolver com outras
pessoas, violentando-se, literalmente, cada vez que era dominado pela
frustração. Sempre se sentia errado e doentio com seus desejos e
necessidades sombrias.
Encontrou-se, contraditoriamente, ao estar perdido em meio a esse
caos: tornara-se autossuficiente e indiferente a qualquer outra pessoa que
tentasse se aproximar, justamente pela ideia de que nunca acharia alguém
bom o suficiente. Isso o tornou, indubitavelmente, arrogante. Desaprendeu a
dizer como se sentia porque não via necessidade em ser honesto sobre isso
com ninguém.
Felipe era para ele como um tiro certeiro de olhos vendados:
improvável, perigoso. Seus ossos doíam pelo sentimento assustador que
nascia com a sensação de queda constante quando percebia quão apaixonado
estava por aquele homem. Cobriu o rosto sentindo sua respiração
descompassada.
Sabia que ele também tinha suas razões para ter tanta dificuldade em se
expressar e, por isso, às vezes falava de forma a soar indiferente e frio
mesmo quando seus olhos gritavam o contrário. O ruivo era um péssimo
mentiroso, mas ainda assim um mentiroso. Tentava sempre que possível
evitar demonstrar o que realmente se passava em sua mente e,
principalmente, em seu coração.
Gabriel levantou-se em um salto segurando o quimono e afastou tudo
que pensava, sentindo a náusea forte que era causada por saber que não
conseguiria evitar aquelas ideias e suposições durante todo o dia, noite e
madrugada longe de seu dominador. Felipe era viciante, seu cheiro e voz, a
sensação do seu toque e sua risada: desejava-o imediatamente e em todos os
momentos.
Josh encarava o moreno que seguia para o banheiro sem respondê-lo e
negou com a cabeça: “o quanto vocês ainda precisam se machucar para
aprender a conversar?” pensou em um suspiro.
A turma havia acabado de ser dispensada e fazia a reverência em
respeito ao tatame antes de sair dele um por um. Gabriel massageou os
próprios ombros olhando o relógio na parede: o dia estava passando muito
mais devagar que o comum, aquela aula parecia que tinha durado uma
eternidade, arrastando-se.
Mesmo que já estivesse entre o entardecer e o anoitecer percebia que a
madrugada seria muito longa revirando-se na cama, previa aquilo com
certeza de que seria um fato. Cada vez que treinava sentia menos vontade de
treinar. Queria dançar. Colocar para fora todos aqueles pensamentos
agonizantes em seus movimentos.
— Eu conheço esse olhar. Você está pensando em ir na Lizzo ensaiar,
não é? — Josh disse em um suspiro e o moreno desviou o olhar do relógio
da parede assustado. Era aquela a razão que fazia ele sempre confiar no
amigo sobre seus julgamentos: ele quase nunca errava, era realmente muito
bom em ler as pessoas e compreendê-las. — Se toda vez você se sentir
cansado assim aqui, deveria parar e ficar só na dança, Gabe. Eu já disse que
dou conta das turmas sozinho se eu me organizar. Não é porque treinamos
juntos desde sempre que precisamos continuar assim o resto da vida.
— Eu gosto do karatê, não é bem assim — Gabe falou bagunçando o
cabelo irritado. O loiro apertou os olhos analisando-o, sabia que ele não
estava bem.
— De qualquer forma, saiba que você é livre para só dançar se quiser.
Eu sempre te disse que deveria começar uma turma de dança aqui na
academia, ou só ficar na administração e focar em dançar só na Lizzo —
Josh incentivou empolgado. — Você sabe que eu não consigo parar com isso
aqui, eu amo lutar e você devia seguir o que ama fazer também.
Gabriel deu de ombros. Odiava aquela inédita sensação de reviravolta
cada vez mais constante na sua vida. De repente, ao se descobrir mais livre
por conta do relacionamento que estava envolvido com Felipe, sentia cada
vez mais necessidade de fazer as coisas que nunca havia feito por si mesmo.
Josh percebeu que o amigo não queria se aprofundar no assunto e
estalou a língua desistente, continuou:
— Bom, e o que vai fazer agora à noite? Está livre? — o loiro
questionou.
— Vou me trancar em casa e dormir. Por quê? — Gabriel falou fulo.
Estava acuado por causa de Jonathan e da superproteção de Felipe.
— Amanhã é aniversário da tia Sofia! Eu preciso comprar um presente
para ela. Eu queria saber se você pode me ajudar? — Ele fez um beicinho e
agarrou Gabe pelo braço, sacudindo-o em súplica — Por favor, por favor!
Vamos lá comigo? Eu sou péssimo em escolher presentes, você sempre
pensa em algo simbólico e marcante enquanto eu nunca consigo decidir o
que dar! Por favor! Diz que sim? Sim?
O moreno revirou os olhos, empurrando o amigo do toque excessivo. A
tia de Josh foi a pessoa que o acolheu e o criou como uma mãe depois que o
pai dele o expulsou de casa da pior forma possível. Ela era dona de um salão
de beleza e era a pessoa mais doce do mundo, a mãe de Gabriel e ela eram
amigas muito próximas.
— Não posso sair daqui. — Gabe estagnou sem saber exatamente como
explicaria aquilo a Josh. — Quer dizer... É melhor eu ficar em casa hoje.
Josh continuou insistindo sem perceber aquela fala, agarrando-o
novamente, e Gabriel teve uma ideia repentina: talvez se saísse só por um
instante com o amigo para o shopping, de carro, não poderia acontecer nada
demais. Felipe possivelmente nem saberia se ele fosse rápido o bastante para
entrar no veículo antes de ser visto por seja lá quem que o estava vigiando e
ir.
Pensou na possibilidade e sentiu seu coração martelando pelo medo de
ser pego pelo ruivo naquela desobediência. Também pensou que se isso o
irritasse suficientemente poderia acabar instigando-o a ir atrás dele. Corou
com a possibilidade.
Sentiu-se infantil com aquela tentativa de chamar atenção daquele
homem e concordou com o amigo contrariado já sabendo que o culparia
integralmente se algo desse errado. No máximo, pensava, o seu dominador o
castigaria como sempre, punindo-o pela sua rebeldia.
O moreno saiu da academia e subiu para sua casa pelas escadas
espiraladas do lado de fora, olhou ao redor procurando quem poderia vigiá-
lo e de onde. Não via nada de diferente na paisagem, as pessoas que
andavam despreocupadas pela rua eram tão comuns quanto os carros e todo
o resto.
Ele deu de ombros subestimando os seus protetores e o perigo que
poderia estar correndo, entrou na habitação pequena despreocupado, tomou
banho e vestiu-se pronto para sair. Guardou as roupas extravagantes que
havia ganhado de Felipe e colocou a calça larga de moletom cinza que
gostava, além de uma camiseta preta que colava em seu corpo e o casaco
xadrez.
Como seu allstar havia ficado na casa do ruivo, precisou usar o tênis
que havia ganhado mais cedo e deu de ombros pensando que ele era muito
bonito, afinal. A composição foi finalizada pela coleira negra que ele
colocou orgulhosamente no pescoço marcado, sentindo-se mais próximo de
seu dono assim.
Desceu olhando ao redor novamente e viu o loiro na entrada do
estabelecimento o esperando, ele havia tomado banho no banheiro da
academia e cintilava com seus trajes sempre claros e alegres. Josh sorria
empolgado, tagarelando sobre a festa surpresa que estavam planejando fazer
para a tia, no salão mesmo, e sobre os detalhes minuciosos da decoração que
ele estava empenhado em organizar com Joana, a irmã de Ron, e Guilherme,
seu primo.
Os dois entraram no carro cinza, Josh ao volante. Gabriel não conseguia
parar de pensar que estava novamente desobedecendo uma ordem expressa
de Felipe e apertou o celular entre as mãos, preocupado. Digitou uma rápida
mensagem enquanto sentia o amigo dirigindo em direção ao centro.

VOCÊ
“Eu sei que disse para eu não sair, mas o Josh precisa de uma ajuda
em algo e eu não pude negar. Sinto muito.”

✽✽✽

Os dois amigos entraram no shopping bem iluminado e muito


movimentado, e seguiram para a loja de presentes onde o loiro havia visto
anteriormente algumas ideias para presentear a tia. Se ali não encontrassem
realmente algo que fosse interessante, rodariam mais um pouco atrás de
outras lojas.
Sofia era uma mulher simples que gostava de mimos pequenos e
simbólicos e Josh normalmente só gostava de presentear com coisas
extravagantes. Apesar de ler muito bem as pessoas, era péssimo em tomar
decisões e acabava sempre levando o que fosse mais chamativo e caro a fim
de agradar e suprir a sua dificuldade de escolher entre todas suas ideias
mirabolantes.
Gabriel pensava muito mais em significados e começou a passear pela
loja cheia de todo tipo de lembrancinhas bobas, balões e ursos de pelúcia de
toda forma e tamanho. Josh cutucava um pequeno expositor de chaveiros
rotatório que estava em cima do balcão e analisava todos os pequenos e
grandes penduricalhos, atencioso.
— O Gui finalmente se declarou para a Joana, mas ela está morrendo de
medo de assumir que gosta dele também — o loiro disse
despreocupadamente. — Não sei se é porque ela é irmã do Ron e o Gui é
meu primo, acho que ela tem medo de as coisas não darem certo e não
conseguir se afastar dele.
— Não acho que seja isso, a Joana é muito madura. Talvez seja por
causa da operação — Gabriel respondeu enquanto caminhava, pegou uma
pelúcia de um gato felpudo e riu colocando-o de novo no lugar. — Ela vive
dizendo que não se sente segura a estar num relacionamento enquanto não
fizer, não é?
Josh revirou os olhos, contrariado. Ele sabia que isso era um assunto
muito delicado para a amiga, ela sempre considerava cabisbaixa sobre como
necessitava daquele procedimento para estar completa. Sua maior
preocupação era que ela nunca demonstrava se sentir incomodada com o
próprio corpo por sua causa, mas sim pensando na expectativa que os outros
ao seu redor tinham de si.
— O Gui sempre foi apaixonado por ela independentemente da
genitália, Gabe — o loiro resmungou agora vendo uma série de canetas com
penduricalhos brilhosos. — Eu já tentei conversar com ela sobre isso, sobre
ela não precisar parecer uma mulher cis pra ser mulher. Porque ela é uma
mulher independentemente do que tem entre as pernas.
— Não acho que você dizer isso vai mudar alguma coisa. Eu tenho
certeza que não é tão simples assim. Só ela pode definir o que precisa fazer
ou não com o corpo dela, Josh — o moreno retrucou chateado.
Lizzo vivia contando suas experiências e seus relatos dolorosos de sua
relação com seu corpo durante toda sua vida, eram alertas sábios para ele e
os rapazes que criava como filhos sobre o que poucos entendiam ou
buscavam compreender.
Enquanto andava pela loja buscando algo que lembrasse à tia do amigo,
Gabriel prendeu os olhos nas duas prateleiras de xícaras personalizadas.
Sorriu um pouco de canto lembrando de como se incomodava com o fato de
Felipe ter poucos utensílios domésticos: mal tinha panelas, pratos ou
talheres, apesar de haver sim um par de copos de vidro que usava para tomar
o seu café diário e sagrado.
Esses copos, sem graça e inadequados para tomar bebidas quentes,
eram, particularmente, uma das coisas que mais incomodavam o moreno ali.
Era como se, mesmo para coisas que amava, Felipe não estava disposto a
demonstrar o quanto se importava. Ele refletiu muitas vezes sobre essas
coisas, ainda mais agora que sabia superficialmente como era o quarto dos
submissos: “... um quarto desabitado comum. Combina com o resto da casa”.
Parecia que, intencionalmente, o ruivo fazia de sua residência um tipo
de reflexo de si mesmo ou de como gostaria de ser visto pelos outros. A não-
decoração e as cores neutras e acinzentadas além da aura elegante e ermo
como o coração inalcançável e vazio do ruivo, assustador e intensamente
atraente em sua inanidade.
— De qualquer maneira, eu sei que os dois se gostam, sabe? Por que a
Joana simplesmente não tenta dar uma chance para ele mesmo que ainda não
tenha conseguido a cirurgia? — Josh prosseguiu distraído. — Sei lá, eu não
entendo… Se eles se amam por que não admitem?
Gabriel fixou os olhos em uma xícara simples, um dragão fofo deitado
enrolado e dormindo os dizeres em inglês fizeram-no sorrir imediatamente:
“dragão introvertido, me deixe sozinho na minha caverna”. Ele cobriu o
rosto sorrindo muito e pensando em como aquilo se parecia com Felipe, um
dragão fechado em seu quarto, onde escondia seus quadros, fotografias,
bagunças, brinquedos eróticos, espelhos e seu submisso felino.
— As pessoas têm jeitos diferentes de demonstrar como se sentem — o
moreno murmurou sem piscar daquele item. Estendeu a mão hesitando. — E
admitir para si mesmo sempre é pior que admitir para o outro.
Gabe estremeceu ao finalmente tocar na cerâmica fria e percebeu que
bem ao lado daquela havia uma outra xícara. Nela, havia o desenho de um
gato com uma expressão mal-humorada muito parecida com a sua própria, as
duas patinhas miúdas mostrando os dedos do meio, os dizeres também em
inglês: “não me diga o que fazer”.
O moreno segurou as duas, enlaçando-as com dois dedos em um
impulso e as levou sorrindo divertido para embalar separadamente no caixa.
— Ué, vai levar alguma coisa? — Josh questionou esticando o pescoço
para ver as xícaras. Riu um pouco ao perceber o dragão, associando-o
imediatamente a Felipe. Gabe assentiu timidamente.
Parou alguns segundos segurando as sacolas de papel na mão e hesitou
pensando se aquilo não era muito estúpido, se o ruivo não o acharia muito
bobo por comprar aquelas coisas infantis para presenteá-lo.
Josh o observava rindo de canto, havia acompanhado todo o processo
de risadas cômicas e rápida tomada de decisão do amigo, invejando-o por
sempre ser tão preciso em suas escolhas para presente. “Não estão
namorando, sei” pensou enquanto o chamava para rodarem em outras lojas e
tentando dissipar a sombra de insegurança que claramente cobria a face do
moreno.
Assim o fizeram por um tempo, discutindo sem parar em cada loja que
entravam até escolherem, via insistência de Gabriel, uma pequena estatueta
de sereia, a criatura favorita de Sofia e que ela colecionava obcecada. Josh
ainda insistia sobre ser muito previsível, mal-humorado pela decisão.
Eles seguiam a caminho do estacionamento conversando. Gabe agora
ria cobrindo o rosto das palhaçadas do loiro que, como sempre, tomava todo
tipo de situação para brincadeiras cômicas. Já estava considerando comprar
uma cauda de sereia para a tia e fantasiá-la por completo, ironizando a
obviedade do presente que compraram.
Havia muitas pessoas naquele corredor de entrada e saída muito
movimentado pelo horário de pico do shopping, principalmente por conta
dos horários do cinema e troca de turno dos funcionários. Repentinamente, o
moreno sentiu um homem esbarrando forte em seu ombro e impulsionando-o
com violência até quase cair.
Se não segurasse firme as sacolas, teria as deixado cair no chão
espatifando todo o conteúdo. Ele olhou bravo o homem desastrado que usava
um capuz, preparando-se para xingá-lo. Esse, por sua vez, se desculpou
apressado fazendo uma breve reverência e entregou trêmulo um papel
dobrado em suas mãos, balbuciando algo sobre ele ter deixado cair aquilo e
fugindo em seguida.
— O quê?! Mas isso não é meu! — Gabriel disse encarando o que
parecia ser um bilhete, mas quando levantou a vista não o via mais. Havia se
perdido na multidão que entrava e saía do shopping.
Josh, que havia seguido sem perceber o encontro repentino, estava
procurando o amigo alguns metros à frente. O moreno abriu o bilhete
confuso, sentindo as pessoas andando em grupos e amontoadas no caminho
estreito e ventilado, ainda olhava ao redor tentando entender o que havia
ocorrido quando sentiu um frio colossal na espinha, suas pernas tremendo
com intensidade ao ler o conteúdo dentro do papel.
Levantou a vista e girou o corpo tremendo muito, o desespero se alojou
em suas entranhas apertando-o e aguilhoando uma náusea intensa. Havia
muitos rostos ali mesclando-se com velocidade, nenhum conhecido, o medo
o tomara por completo. Releu o bilhete:
Que linda coleira. É assim que acha que merece ser tratado, lindo? Como um
animal que é violentado?

Você merece mais. Muito mais. Alguém que entenda o valor desse sorriso e de
seus presentes. Avise-o para voltar a fazer fotografias ruins e ficar longe da Ordem e
do meu sistema. Eu não vou ser benevolente na próxima vez.

— J.

— Gabe? O que foi? — Josh disse finalmente ao encontrar o amigo que


estava muito pálido, parado no meio do corredor. Gabriel engoliu em seco
atordoado e enfiou o bilhete no bolso, com pressa.
— Nada. Eu só tropecei. Vamos.
Entraram no estacionamento, o moreno fitando os próprios pés tentando
conter o medo. Sentia-se arrependido de ter saído de casa e desobedecido a
Felipe. Temia pela sua vida sentindo a grande e assustadora ficha do que
representava a Ordem caindo em si. Não era brincadeira.
Era uma grande máfia, com olhos por toda parte, pessoas furtivas nas
sombras rondando-o em qualquer lugar. Se aquele cara quisesse teria matado
ele ali mesmo, diante dos olhos de todos, abruptamente, e depois teria
sumido como uma fumaça restando apenas seu corpo inerte no chão. Bastava
ter a ordem que ele seria executado.
Pela primeira vez temia de verdade, ainda mais estando longe de quem
o fazia se sentir mais seguro no mundo. Sua pele toda estava rígida em um
arrepio constante, muito gelada e pálida. Divagava muito confuso: estava
sendo visado, observado de perto por uma pessoa perigosa e mal-
intencionada que o considerava um empecilho. Flertava irônico, fazendo
jogos psicológicos.
O ruivo e seu irmão gêmeo assustador eram peças importantíssimas de
um jogo de poder muito bem articulado do sistema complexo e hierárquico,
misterioso, que era a Ordem, sendo Gabriel um pião que representava uma
ameaça para a ascensão de um deles, um brinquedo sexual para o outro.
Sentia-se sufocadíssimo, como se fosse desmaiar. Ofegava trêmulo quando
viu pela visão periférica Josh parar repentinamente.
— Felipe?! — o loiro disse em uma interjeição de espanto.
Gabriel levantou a visão em um súbito, sentindo seu coração parar por
um instante e viu o ruivo de braços cruzados, encostado na traseira do carro
do amigo. Seus olhos eram como ouro, fitando sombriamente o moreno, em
fúria. Os lábios faziam uma linha fina e tensa e sua respiração estava muito
acelerada.
Seu nariz retesava pela raiva que claramente sentia, fumava soprando a
fumaça densa pelo nariz sombriamente. Era Draco. E ele estava furioso. Eles
se encararam por uma fração de segundo compreendendo que precisavam
conversar imediatamente. Josh olhava de um para o outro sem entender o
que estava acontecendo.
— Hã, vocês combinaram de se encontrar aqui? Foi isso?
— Sim, foi isso. Espero que a tia Sofia goste do presente Josh, eu tenho
que ir agora. Depois nos falamos — Gabriel falou baixo, não deveria alongar
o inevitável.
Enfiou as mãos trêmulas no bolso e abaixou a cabeça, sentindo-se aos
poucos cada vez mais seguro enquanto seguia Felipe de perto, o qual, por
sua vez, havia virado em silêncio e caminhava apressado em direção ao seu
carro, batendo os sapatos sociais contra o chão com violência. O loiro
permaneceu sem reação, acenando sem graça vendo-os se afastando e deu de
ombros confuso antes de entrar no próprio carro e partir.
CAPÍTULO XIV

Os quatro homens bem-vestidos estavam conversando entre si em um


burburinho tenso diante do carro de Felipe, quando viram o casal se
aproximar em silêncio. O ruivo se desfez do cigarro que fumava em uma
tragada profunda, soprou a fumaça sombriamente e avançou rapidamente
pegando um dos homens pelo colarinho com violência, os outros recuaram
receosos.
Gabe estagnou assustado com aquilo e arfou vendo Felipe puxando o
braço rapidamente em um golpe certeiro. Socou o homem com tanta força
que um jato de sangue manchou o chão antes dele cair atordoado. O homem
estendeu as mãos para se proteger, mas recebeu outro soco pesado. Um som
úmido e estalado ecoou no estacionamento estranhamente deserto.
— Uma função! Você só tinha UMA FUNÇÃO! Manter os olhos nele
todo tempo protegendo-o! Se ele não tivesse me mandado a mensagem
dizendo que tinha saído quanto tempo teríamos perdido?! Você vai pagar
com a sua vida se acontecer alguma coisa com ele?! Acha que sua vida vale
tanto assim? — o ruivo dizia desferindo mais golpes precisos. Continuou
gritando, dessa vez com os outros subordinados que observavam engolindo
com dificuldade:
— Estão esperando o que para fechar a porra do perímetro?! Achem o
ponto de comando dele. AGORA! — Felipe disse em um rugido para um
dos homens. Este assentiu sério e tocou rápido no braço do outro, sacaram
suas armas imediatamente correndo cada um em uma direção, entendendo-se
em um olhar breve. O ruivo estendeu os dedos sujos de sangue para o último
homem que restou, encarava-o com sua face assustadora. — As câmeras são
nossas?
— Sim, senhor Draco — o homem engoliu com dificuldade e
respondeu gaguejando. Tremia tentando não desviar os olhos do líder.
Felipe puxou a franja ruiva para trás e grunhiu olhando com desprezo
para o homem que gemia de dor no chão, o chutou com força, vendo-o cair
para trás como um peso morto e se encolhendo pela dor em seguida. Ele se
agachou e, inclinando-se lentamente, seu corpo agiu como uma sombra
aterrorizante e colossal sobre aquele indivíduo ensanguentado e trêmulo.
— Da próxima vez que o perder de vista não vai mais precisar se
preocupar em enxergar qualquer coisa — disse arrastado. Era mais que uma
ameaça, era uma sentença.
Gabriel sentia-se preso ao chão, seu corpo pesava uma tonelada. Sentiu
também um pouco de pena do homem que gania baixinho no chão em
agonia e dor. Aquela violência gratuita estava acontecendo por sua causa.
Ele desobedeceu a ordem de Felipe subestimando o perigo que corria e,
na primeira oportunidade, quando estava exposto, recebeu uma ameaça
clara, uma demonstração do poder de Jonathan e do quanto ele estava atento
aos seus movimentos.
Aquele homem assustador o alvejava. Exibia-se, amedrontando-o com
aquele jogo de intimidações. Tinha a intenção clara de fazer Gabe fugir
daquele contrato, rejeitar Felipe e machucá-lo com a exposição de quem ele
evitava, a todo custo, ser diante de seu submisso: Draco.
O moreno percebeu que estava imerso, afundando cada vez mais, em
algo que não compreendia. Recapitulou todas as informações que tinha,
todos os fatos sobre a Ordem que dispunha e finalmente se sentia um
completo estúpido por não ter dado a devida atenção ao que estava
acontecendo.
Não era só uma birra de um irmão invejoso, tomado por infantilidade e
sadismo. Era um homem poderoso que faria de tudo para eliminar o seu
concorrente na corrida pela liderança da Ordem, muito mais motivado ainda
pela obsessão que tinha no companheiro atraente do seu irmão gêmeo.
Intrigado com o que ele representava e ansioso em tirá-lo de seu caminho.
Supunha que a felicidade de Felipe era a última coisa que Jonathan desejava.
Draco se levantou e limpou as mãos no lenço que o subordinado
hesitante o entregou e devolveu o pequeno tecido em seguida. Virou-se
cuidadosamente em direção ao moreno e caminhou até ele. Gabriel não se
moveu, olhava-o nos olhos sem piscar, não tinha medo daquele homem, mas
sentia a pressão e o poder que sua presença impunha sobre ele.
Manteve seu cenho fechado e a face arisca de sempre. O ruivo o olhou
de cima, uma sombra terrível cobrindo-lhe os olhos dourados. Ele inclinou o
rosto avaliando a expressão cerrada de seu submisso e suspirou com a
sensação excitante que a braveza daquele homem exercia sobre si. Estava
transtornado por ter exposto a sua fúria na frente dele, mais ainda pelo terror
que o consumia só de pensar no que podia ter acontecido a sua vida.
Não conseguia parar de pensar no pior, caso Jonathan descobrisse
realmente todos os movimentos que ele estava fazendo: reativando seus
Aliados aos poucos, envolvendo-se novamente com a Ordem mesmo que
indiretamente. Fora a agitação que ainda precisaria fazer para conseguir
negociar de forma efetiva com os Barbosa. Tudo aquilo ainda iria piorar
muito.
— Eu sinto muito — Gabriel falou em um sussurro fraco. Apertava as
sacolas de papel com uma mão puxando-as um pouco para trás de si,
timidamente. Viu o subordinado de Draco falando ao telefone em murmúrios
e reparou que realmente o estacionamento estava completamente deserto,
havia sido todo isolado pelo poder daquele homem.
Um suspiro pesado ocupou aquele silêncio tenso entre os dois. O ruivo
estava tão frustrado e furioso com seu irmão que mal conseguia pensar
direito. Desejava tocar Gabe, mas não sabia como ele se sentia depois de ver
ele tão possesso e violento.
Temia-o? Seus pensamentos todos convergiam para a sensação
desesperada e insegura de perdê-lo, de ser rejeitado por ele, fazendo-o se
sentir cada vez mais centrado em manter-se em sua postura rude.
— Não... — Felipe deu outro suspiro pesado e olhou friamente para
Gabriel — Eu quem fui bobo de achar que o Jonathan não tentaria nada. O
maior dos bobos em achar que você, logo você, iria me obedecer. Um bobo...
Sair para trabalhar e te deixar sozinho.
Ele riu desgostoso, era uma risada penosa e sombria. Continuou.
— Como se aquilo realmente fosse minha vida, fotografar... Isso aqui.
Isso é minha vida. — Levantou o punho malmente limpo, algumas marcas
do sangue ocre manchadas entre as falanges angulosas. Suas mãos tremiam
levemente. — Eu não deveria estar te envolvendo nesse tipo de merda.
— Não! Não... — Gabe disse fortemente, o agarrou pelo blazer
negando com a cabeça, sentia vontade de chorar. Estava em desespero vendo
aquele olhar tão deprimido e opaco, novamente parecia que Felipe estava
sendo sugado para um ponto lôbrego dentro de si. Odiava perdê-lo de vista
assim, aterrorizava-se sempre que pensava nele sendo consumido pelas
próprias sombras. — Eu realmente subestimei o perigo! Eu não esperava que
ele realmente... Que...
Sentiu-se engasgar-se com as palavras, a tensão que vivenciou outrora e
os pensamentos sombrios do que podia ter ocorrido a ele, ou a Josh. Ele nem
notaria, nem saberia de onde teria vindo o ataque. Nunca mais veria Felipe,
sua família, seus amigos.
Seu corpo todo começou a tremer de pavor, enfiou a mão no bolso e
retirou o bilhete, entregando-o ao ruivo que pegou o papel sem entender.
Abriu-o e leu. Arregalou os olhos gradativamente prendendo a respiração e
xingou baixo. Amassou o bilhete com sua força esmagadora.
— Ele mesmo te entregou? Quem te deu isso? Como ele era? — Felipe
questionava muito grave, sua voz tensa em sincronia com as mãos que
apertavam seus braços sacudindo-o. Gabe o segurou também tentando fazê-
lo parar, em protesto.
— Não foi ele! Eu não sei quem foi! Eu não sei, porra! Foi muito
rápido.
— Ele fez algo com você? Te machucou? — Felipe analisava
rapidamente o corpo de Gabriel da cabeça aos pés em desespero. Seu rosto
estava pálido. Sabia que Jonathan havia se aproximado, mas não tanto assim.
— Não! — Gabe falava em agonia — Foi repentino. Esbarrou em mim
e me entregou isso. Depois sumiu.
O ruivo virou furioso e entregou o papel muito amassado ao homem
que antes falava ao telefone. O que estava ferido se apoiava em uma pilastra
tentando encaixar o maxilar no lugar em um movimento rápido e preciso,
limpava o rosto muito cheio de sangue com um lenço branco.
Ele tinha dificuldade em estancar o líquido quente e escarlate que
descia pelas suas narinas e enchia sua boca inchada. O que havia recebido o
bilhete lia o seu conteúdo com atenção, respirou fundo e olhou para Felipe
seriamente.
— Provavelmente foi um Classe E. Talvez tenha sido ele quem mandou
a foto também — ele disse. — Mesmo que procuremos em todo lugar, fica
difícil encontrá-lo sem alguma descrição. Mas também seria inútil.
Provavelmente já evaporou sem nem saber para quem prestou o serviço.
Felipe concordou com a cabeça e grunhiu mal-humorado.
— Senhor Draco... Senhor, eu sinto muito. Eu realmente não esperava
que ele fosse sair. Por ser só um submisso eu achei que... — o homem que
estava muito ferido balbuciou pedindo perdão, aproximava-se lamurioso
quando recebeu o olhar gelado do ruivo.
— Achou errado. E ele não é só um submisso — Felipe falou
duramente. Gabriel tremeu por completo, seu rosto ficou corado
imediatamente, não conseguia respirar. O homem recuou um pouco, não
esperava aquela atitude passional de Draco. — Se abrir a boca de novo eu
vou te calar à força. Entendeu?
O homem assentiu e recuou novamente, encostando-se na pilastra
acuado.
— Felipe... — Gabe sussurrou em um chamado sôfrego.
O ruivo voltou imediatamente, indo em sua direção como um ímã
atraído pelo metal, o olhava angustiado e friamente. Passou a mão na cintura
do moreno e apertou ali arrancando dele um gemido baixo e fazendo-o enfiar
o rosto em seu peitoral, estava assustado e muito atordoado. Draco se voltou
para os dois homens que estavam parados muito sério:
— Achem de onde ele está enviando as ordens. Chequem se tem algum
tipo de bug acoplado no sistema de segurança da academia. A partir de
amanhã procurem se tem algum infiltrado frequentando ou qualquer tipo de
conexão espiã via wireless. Liberem o andar assim que eu sair e excluam as
filmagens. Eu quero esse relatório o quanto antes. Vão, agora!
Os dois subordinados assentiram e saíram sumindo em meio aos carros
inertes e frios. Gabriel arfava tanto pelo medo quanto pela excitação
eminente com aquela proximidade, estava apavorado com os sentimentos
inéditos que experienciava. Sentiu o homem à sua frente o apertando de
novo, com mais força, e miou com a respiração entrecortada.
“Eu não pensei que era capaz de sentir tanto medo” pensava, não estava
acostumado a se sentir tão frágil. Estava de mãos atadas e incapacitado, não
tinha poder nenhum em relação à Ordem. Próximo àquele homem, seu irmão
e toda aquela trama, ele não era ninguém. Por conta do que Felipe havia dito
sobre eles não poderem mais se ver naquele dia, Gabriel havia sido tomado
pela sensação de frustração e inconsequência.
“Eu sou mesmo um babaca e não penso direito quando você não está
comigo”. Estava ainda mais irritado com aquela dependência excessiva que
sentia de repente, a fúria o consumia por dentro por conta da confusão que
tomava conta de si.
— Que merda você estava pensando para me desobedecer?! — Felipe
falou rudemente, não conseguia parar de tremer agora que seus subordinados
não estavam, o desespero e o medo de perder aquele homem o tomando por
completo em forma de raiva pura e ácida.
— Vai se foder! Eu já disse que sinto muito, porra! — Gabriel retrucou
o afastando com força, estava totalmente fora de si também. — Eu já disse
que não imaginei-
— Não imaginou? Como não imaginou?! Eu deixei bem claro a razão
para você não sair, Gabriel! — Felipe puxou o celular do bolso e mostrou-o
ao moreno após desbloquear a tela: uma foto dele, tirada enquanto ele estava
andando pelo shopping despreocupado com Josh. Pelo ângulo a pessoa
estava muito perto, observando-o todo tempo:

J.
“O que eu deveria fazer com seu 0day desprotegido?”

— Zeroday? O que é isso? Quando ele me fotografou?! — Gabriel


sentia-se gelado e trêmulo, queria ir embora imediatamente.
Felipe guardou o celular irritado, bufando.
— O desgraçado é um hacker. Zeroday significa uma vulnerabilidade
grave em um sistema. Que seja, isso não importa, ele está brincando comigo!
Ele podia ter te ferido se quisesse, ele mandaria alguém fazer isso só para me
ver em agonia! Por que você saiu?! Por que não me dá ouvidos?!
Gabriel encarava furioso o homem que gritava, descontando nele toda
sua frustração. “Uma vulnerabilidade? Eu?” ele pensou confuso e irritado.
— Eu tenho uma vida, você sabia?! Josh precisava da minha ajuda!
Felipe grunhiu possuído, sempre que o amigo de Gabriel entrava na
conversa sentia um ciúme terrível, uma sensação absurda de raiva e
insegurança.
— Ele precisava de algo tão urgente assim que você não poderia me
pedir para te acompanhar?
— Como eu ia adivinhar que você iria querer ou poder me acompanhar,
Felipe?! — O moreno bagunçou o próprio cabelo irritadíssimo, odiava
discutir com aquele homem. Os dois gritavam um contra o outro, suas vozes
ecoando pelo espaço deserto. — E, para início de conversa, eu não teria que
ficar escondido e fugindo se a porra do seu irmão não fosse um fodido
mafioso!
— É claro que eu te acompanharia em qualquer coisa que você me
pedisse! E eu não sei se você percebeu, mas eu também sou a porra de um
fodido mafioso, Gabriel! Se não vai colaborar para sobreviver nessa merda
acabe o contrato! Acabe com isso agora! — O ruivo gritou, gesticulava em
desespero. Sabia que quanto mais Gabriel o visse e conhecesse seu eu
envolvido com a Ordem, mais se afastaria de si. Tremia, seu corpo todo
sendo tomado pelo medo de ele, dessa vez, realmente o obedecer.
— Vai pro inferno, Felipe! Vai se foder! — Gabe bagunçou o cabelo de
novo com muita raiva. — Você quem veio atrás de mim por causa dessa
porra de contrato! Se quiser acabar, acabe você!
O moreno girou o corpo para ir embora, sentia as lágrimas presas em
sua garganta. Não queria ficar ali para testar a paciência de seu dominador.
Não saberia o que fazer se ele realmente acatasse com sua réplica, estava
apavorado só de pensar em ir para sua casa sozinho, mas mesmo assim não
suportaria ficar ali recebendo os desaforos daquele homem. Sentiu as mãos
geladas e trêmulas de Felipe o puxando.
— Aonde você pensa que vai? — Felipe gritou o puxando com força.
— Para casa! Me larga! — Gabriel revidou lutando contra o aperto,
pensou seriamente se realmente deveria usar sua força para sair daquilo ou
se cederia à maior parte de si que queria que ele o impedisse de partir.
Repentinamente, o corpo do ruivo o envolveu em um abraço,
apertando-o e contendo seus movimentos. Percebeu que cedia para ele, como
sempre cedeu desde o início.
— Não! Eu não vou te deixar ir. — O dominador enfiou o rosto rubro
no pescoço de Gabriel tremendo muito. — Eu preciso que você entenda, por
favor! Eu não queria que você fizesse parte disso, Gabo, por mim eu seria só
um cara normal! Mas eu não posso fugir dessa merda. Eu não consigo. Você
mesmo disse que eu não deveria fugir do que faz parte de mim, mas agora
isso está sendo uma ameaça para você! E eu preciso te proteger se você
escolher ficar. Porque qualquer coisa que eu faça, por menor que seja... É
isso que acontece. “Eles” querem que eu volte a ser o que era antes e se eu
voltar eu vou ter que colocar o Jonathan no lugar dele. Isso seria fácil antes...
Mas... Agora eu realmente tenho um Zeroday.
Gabriel arfava estagnado ouvindo aquela última frase dita quase sem
voz, num sopro sem força. Não conseguia suportar ele falando daquele jeito,
todas aquelas coisas, tão de perto. Seu toque o apertando e impedindo-o de
se mover. Fechou os olhos, o cenho muito cerrado em confusão. Ouviu o
homem continuar depois de puxar o ar com dificuldade:
— Decida de uma vez se vai querer continuar com isso. Se quer
realmente ficar comigo. Se não quiser, eu farei de tudo para ele sumir da sua
vida e eu vou fazer o mesmo. Tudo vai ser como se eu nunca tivesse
existido. — Felipe engoliu em seco com a promessa dolorosa. Seu corpo
pesado apertava Gabe como se aproveitasse os últimos segundos ao lado
daquela pessoa, tremia pressionando-se contra ele, seu coração batendo
muito rápido. — Mas se quiser ficar... se quiser ficar eu não prometo que as
coisas não vão ser perigosas e assustadoras. Eu preciso mesmo que você me
obedeça e confie em mim. Eu não sei o que eu faria se ele te machucasse. Eu
odeio brigar com você assim.
Os dois respiravam pesado, a pele castanha do moreno ardendo como se
derretesse com aquela voz. Pensar na possibilidade daquele homem sumir
era uma tortura dolorosa, mesmo que isso representasse estar levando toda
aquela ameaça e problemática aterradora para longe.
Preferia enfrentar aquilo, preferia suportar o medo. Gabriel se virou
apertando o rosto de Felipe com intensidade, os dois se encararam
duramente com suas expressões sérias e raivosas, contrárias aos seus olhos
repletos do temor mútuo que sentiam daquilo chegar ao fim.
— Eu já te disse que eu não vou fugir e você prometeu que ia tentar
acreditar em mim. Se mandar eu terminar o contrato de novo eu vou te
deixar pior do que aquele cara — Gabe falou, a expressão felina e o cenho
cerrado tomando sua face, e apontou para o chão manchado de sangue onde
o subordinado ferido estivera outrora. Felipe esboçou um sorriso fraco ainda
muito temeroso e se livrou daquele aperto se afastando.
— Eu não queria que tivesse visto aquilo. — Felipe enfiou as mãos nos
bolsos afastando o blazer para trás. Fitava o seu submisso buscando algum
indício de repulsa em sua expressão, mas não viu nada além de sua face
provocativa: uma sobrancelha arqueada e os olhos apertados em sua direção.
— O quê? Você surrando um cara por um erro que eu cometi? Da
próxima vez não gaste sua energia em outra pessoa. Você sabe que eu gosto
de dor — Gabe disse sorrindo um pouco de canto. — Quando a Carla me
contou sobre você e a Ordem, mesmo que eu ainda soubesse muito pouco...
Por te conhecer eu já imaginei que não seria do tipo doce com seus homens.
Felipe estalou a língua em desagrado.
— Isso é sério, gatinho. É muito sério. E ele cometeu um erro grave,
por isso foi punido. Achou que você não sairia porque sabia que eu tinha te
mandado ficar em casa. Ele não esperava que você tivesse coragem para me
desobedecer. — O ruivo riu um pouco. — Logo você... Ele não teve reação
para te impedir como deveria.
— Não precisa se justificar sobre isso. Mas eu fiquei com um pouco de
pena dele — Gabe falou baixinho. Olhava para os próprios pés timidamente.
— Me desculpa por isso, por ter subestimado essa merda. De verdade. E por
ter gritado com você. Por que a gente sempre tem que discutir assim?
Felipe suspirou e encostou no capô de seu carro. Jogou a cabeça para
trás encarando o teto enquanto tentava se acalmar. Respirou fundo algumas
vezes e voltou a olhar o homem que agora estava parado diante de si, o
cabelo negro revolto e os olhos muito afiados. Não conseguia realmente
sentir raiva dele.
— Ainda dá tempo de não participar disso, Gabo. Diga a palavra e não
tem mais com o que se preocupar, ou temer. Eu sei que ficou com medo do
que houve hoje, mas daqui para frente o Jonathan pode fazer de tudo para te
amedrontar cada vez mais e te tirar de mim.
— Foda-se esse desgraçado! É claro que eu fiquei com medo, Felipe.
Mas porque você não estava comigo — o moreno falou em um muxoxo
irritado. Cruzou os braços diante de si mordendo o lábio sem parar. —
Minha preocupação não era só de acontecer algo comigo, mas de não poder
mais... — “De não poder mais te ver” pensou virando o rosto contra o chão.
Sentir medo era algo que ele poderia se acostumar ou suportar, mas era
humano e sentia, inevitavelmente. Temia principalmente e acima de tudo que
Felipe se ferisse, mas após aquele fato, também começou a sentir a
insegurança de ficar distante daquele homem, ainda mais agora que estava
sendo visado daquela maneira.
Não conseguia entender o caos de emoções que experienciava. Não se
permitiria terminar o contrato, o único e frágil elo que tinha com aquela
pessoa que apreciava tanto. Estava apaixonado e não gostava de ter
consciência disso. Relegava esse pensamento a um canto esquecido de sua
mente fingindo que ele não existia. Continuou:
— Que seja, ele não vai conseguir me fazer querer desistir de você —
sussurrou emburrado.
Felipe puxou o moreno com uma mão sem conseguir mais se segurar. A
raiva ardente se convertendo em uma chama abrasadora de desejo. Segurou-
o firmemente pelo pescoço com a outra mão e o beijou intensamente,
ansioso. Sua língua invadindo a boca úmida de Gabriel.
Gabe não podia reagir e nem desejava fazê-lo, espalmou o peitoral do
ruivo sentindo as sacolas atrapalhando o contato direto. Torceu mentalmente
para ele não prestar atenção nelas e o beijou com muito mais vontade, sentia
seu membro pulsar sempre que lembrava do tom de voz autoritário daquele
homem, do seu olhar furioso.
Não queria se sentir assim, mas inevitavelmente vê-lo tão dominador o
deixava frágil. Despertava nele algo sombrio e escondido, um desejo
subconsciente e tenebroso de ser subjugado por ele, e, mais ainda, de fazer
parte daquilo de verdade. Desejava pertencer a ele em todos os níveis. Sabia
quão doloroso poderia ser e queria aquilo. Queria mais que tudo.
— Entre no carro — Felipe ordenou rouco contra os lábios do outro
ainda o beijando, não conseguia parar. Contraditoriamente ao que dizia, o
apertava cada vez mais o puxando em sua direção. — Eu vou te levar para
minha casa.
Gabriel sentia-se tonto e inebriado, os lábios dele deslizando nos seus
de forma muito quente. Chupou o lábio dele devagar e lambeu o seu piercing
delicadamente, amava a sensação daquilo. Pôde sentir que Felipe reagiu
involuntariamente em uma pulsada tensa e muito forte em seu membro.
Os dois se apertavam contra o carro excitados, a noite já caía escura do
lado de fora e o estacionamento continuava sob controle dele. Gabe o
afastou tentando pensar, manter sua mente clara por alguns segundos.
Mesmo que estivesse excitado sabia que Felipe precisava focar em resolver
o problema com os Barbosa, um problema que ele conseguiu por culpa do
moreno.
— Tem certeza? Eu sei que você precisa concluir o plano de
negociação. Não vai poder fazer nada comigo hoje, talvez seja melhor me
deixar em casa — Gabe disse com dificuldade e se soltou do aperto de
Felipe indo em direção à porta do carona. O homem o olhava friamente
odiando o que ouvia, realmente estava correndo contra o tempo para achar
uma vantagem contra os Barbosa.
Gabe esperou Felipe destrancar a porta e o olhou sorrindo de canto. O
ruivo acionou o controle e bufou irritado, negando com a cabeça, e tirando o
blazer pela sensação sufocante que o desejo pelo seu submisso havia
causado. Entrou no carro assumindo a direção e viu o moreno deixando as
sacolas que segurava no banco de trás.
Refletiu curioso sobre o que seriam as duas pequenas sacolas de papel e
entregou-o o casaco para que deixasse nos bancos traseiros também. Ligou o
veículo e começou a sair do estacionamento cuidadosamente.
— Eu já falei com a Carla e o Thiago. Eles vão me encontrar em casa
para a reunião — Felipe concluiu mal-humorado enquanto manobrava. —
Eu vou me sentir melhor se você estiver por perto para eu cuidar de você. A
partir de amanhã, quando eu tiver um relatório completo da segurança da
academia e aumentar a proteção, você vai poder voltar à sua rotina.
— Tudo bem, que seja — o moreno respondeu fracamente.
Gabriel olhou pela janela vendo a rua escura do lado de fora enquanto
seguiam em direção à casa de Felipe, estava satisfeito de estar com ele
apesar de tudo. Com ele sempre se sentia seguro.
O moreno suspirou depois de um longo tempo em silêncio. Não havia
nenhum som além do carro em movimento e da rua soturna externa a eles,
passando rápido como um borrão de luzes vermelhas e amareladas.
— Quando você falou que a fotografia não era sua vida... — Gabe
começou fracamente. — Não fale isso nunca mais. Não na minha frente.
Felipe dirigia em silêncio. Ele grunhiu confuso e arqueou uma
sobrancelha na direção de Gabriel, o qual agora o encarava com o rosto
apoiado no espaldar do banco.
— Você não é um mafioso disfarçado de fotógrafo, Felipe. Você é um
fotógrafo escondido na sombra de um mafioso. Nunca esqueça isso. Não
deixe aquele desgraçado determinar quem você realmente é.
O ruivo engoliu em seco sentindo seu coração batendo muito rápido.
Mesmo no escuro era possível ver seu maxilar trincado em tensão e seu rosto
muito corado. Aquilo o invadiu por completo, ocupou cada poro de seu ser e
o fez se sentir renovado como uma lufada de ar límpido depois de um longo
tempo sem respirar.
Assentiu brevemente e apertou o volante acelerando, os olhos
semicerrados e focados.
✽✽✽

Carla estava de braços cruzados na frente da casa de Felipe com Thiago


ao seu lado, atento e olhando ao redor. Viram a BMW grafite entrar pela
garagem e seguiram-na pelo mesmo caminho, andando em direção ao
veículo.
— É claro que eles já estão aqui — Felipe falou irritado. Suspirou
enquanto desligava o carro e massageou as têmporas sentindo-se exausto.
Parecia que não dormia há dias com todo aquele estresse, só desejava
repousar ao lado de Gabriel e fingir que o mundo não existia do lado de fora.
Ansiava dolorosamente por esse momento.
— Desculpe por isso — Gabe falou enquanto puxava as sacolas do
banco de trás juntamente com o blazer de Felipe.
— Não precisa se desculpar — o ruivo disse e o olhou docemente no
escuro. Mirou pelo retrovisor o casal de amigos que conversavam baixinho
indo em direção à porta de entrada para esperá-lo. — Apenas se comporte
por hoje e seja um bom gatinho para mim, sim?
Gabriel engoliu com dificuldade, aquela voz rouca de Felipe sempre
mexia profundamente com suas estruturas. Sentiu seu rosto corar
intensamente enquanto os dois saíam do carro e seguiam silenciosos em
direção à entrada. Ele apertou firme as sacolas na mão, cobrindo-as
propositalmente com o blazer.
— Hum — Felipe murmurou carrancudo, em um cumprimento, e
Thiago fez uma reverência com a cabeça, a expressão sonolenta e
desinteressada de sempre.
Carla o ignorou e avançou em Gabriel.
— Você está bem? Digo, ele não tentou nada com você, não é? O
Jonathan é um fodido, eu juro que se não fosse a merda do acordo de paz
entre os vice-líderes eu socava a cara dele agora mesmo! — ela disse furiosa
apertando os braços de Gabe com as unhas afiadas enquanto ele a
tranquilizava sem graça. — Quando o Felipe me disse que você tinha saído
sozinho eu quase enfartei! Você é imbecil ou algo assim? Não escutou nada
do que eu disse sobre a Ordem? Você acha que ele está brincando?
Gabriel abriu a boca, mas nenhum som saiu dela.
— Carla, chega — Felipe falou separando os dois com o braço forte.
Afastou-a do seu submisso puxando-o em sua direção. Gabe desviou o rosto
em silêncio, seu coração estava tão acelerado que ele mal conseguia manter
sua expressão mal-humorada rotineira. — O que já estão fazendo aqui?
Vocês podiam ter esperado eu avisar que já tinha chegado para vir.
Carla bufou dando de ombros e revirou os olhos, percebendo que o
amigo estava sendo protetivo com seu companheiro. Jogou irritada os
cabelos castanhos, soltos e revoltos, para trás que caíram em cascata sobre
seus ombros, o longo e pesado sobretudo negro de Thiago a aquecendo.
— Claro que viemos antes de vocês chegarem, Felipe! Eu sei que você
ia cancelar toda a reunião se viesse com ele para cá e ficassem sozinhos.
Felipe travou o maxilar, ignorando-a, e abriu a porta com a senha e
digital necessária, ela estava certa. Entraram em silêncio e o ruivo suspirou
mal-humorado pensando que realmente queria estar sozinho com Gabriel ali.
— Arrumem o computador e tudo que precisamos na sala, vamos
começar logo com isso — o ruivo ordenou irritado. O casal de amigos
seguiu para o largo sofá entendendo o comando.
Thiago colocou a maleta que segurava sobre a mesinha de centro com
tampo de vidro. De lá tirou o notebook, além de outros equipamentos que
precisava conectar ao aparelho, e o abriu posicionando-o diante de Carla.
Ela, por sua vez, havia se sentado em um canto do sofá e cruzou as
pernas curvilíneas se preparando para a longa noite de trabalho que tinha
pela frente. Gabriel espalmou o peito de Felipe, impedindo-o de avançar em
direção à sala e o olhou com o cenho cerrado, muito sério e bravo.
— Tome um banho e relaxe um pouco. Você está o dia todo na rua —
Gabriel mandou segurando-o firme, olhava-o de muito perto. Carla levantou
o olhar na direção dos dois curiosa. — Eu vou preparar um café para você.
O ruivo suspirou contrariado e apertou os olhos na direção daquele
homem, sabia que ele sentia o seu coração acelerado sob sua mão e sorriu
um pouco satisfeito com aquilo, era como se sentisse ele o segurando entre
seus dedos. Ele assentiu e olhou para Carla pegando-a no flagrante
encarando os dois com um sorrisinho sádico de canto.
— Comecem tudo enquanto eu vou tomar um banho — Felipe disse e
se voltou para Gabe, falando diretamente com ele: — eu vou pedir algo para
jantarmos. Você vai comer e depois vai dormir. Entendido?
Gabriel assentiu, aceitando, e fez um movimento com as mãos
enxotando-o dali. Seguiu para a cozinha vendo seu dominador entrar em
direção ao quarto. Via através de sua expressão o quanto estava cansado e
sentia-se culpado por isso. Não queria ser um peso para ele.
Colocou as sacolas e o blazer sobre a bancada, tirou o próprio casaco
xadrez e jogou-o ali também sobre um banco. Começou a se movimentar
pela cozinha preparando o café bourbon favorito de Felipe. Carla se
aproximou lentamente encostando-se na pia ao seu lado, os braços cruzados
enquanto o via encarando a água que esquentava.
— Você está bem mesmo? — ela perguntou preocupada.
— Sim — ele respondeu fracamente.
— O Jonathan tentou alguma coisa?
— Ele… Mandou um recado. Alertando o Felipe para ficar longe da
Ordem e do... Sistema dele? — Gabriel disse sem entender realmente o que
significava aquela mensagem. Estava confuso e cansado.
Carla suspirou entendendo tudo.
— O Felipe disse que vocês não iam poder se ver hoje, não é? Por isso
você saiu e o desobedeceu — Carla chutou, adivinhando a razão daquele
movimento inconsequente. Gabe arregalou os olhos na direção dela
surpreso. A mulher negou com a cabeça sorrindo. — Eu sei como é. Quando
ficamos longe de quem gostamos a gente fica meio idiota.
Ela olhou para Thiago, que mexia no notebook organizando os arquivos
que precisavam analisar naquela noite. Sempre que ficava muito tempo
distante dele, ela se sentia pronta para agredir alguém.
Gabriel acompanhou o olhar dela e riu um pouco, baixinho. Não
precisava falar muito para ser compreendido por aquela mulher e gostava
muito da sensação de ter alguém para conversar sobre tudo que passava.
— Vocês estão casados há quanto tempo?
— Cinco anos — ela respondeu despreocupada. Gabe a olhou assustado
novamente com os lábios entreabertos. Carla riu com a reação dele. —
Acredite, cada dia que passa fica mais interessante nessa vida. Sempre há
novos limites para quebrar.
Ele riu de novo com a expressão felina. Pegou as sacolas de papel de
cima da bancada e as posicionou na sua frente encarando-as por um tempo.
“Gostar de alguém definitivamente deixa a gente meio besta” pensou
ponderando como presentearia o seu dominador com algo tão íntimo sem
soar bobo.
— Sabe, o Felipe... Ele mudou muito por você. Eu sempre me
surpreendo com isso — Carla continuou tentando manter a conversa. Gabriel
negou com a cabeça veemente.
— Não. Ele não mudou.
— Acredite, eu o conheço quase a vida toda. Ele nunca foi assim. Ele
não é esse tipo de dominador que é com você.
— Ele não mudou — Gabriel repetiu em definitivo e encarou a morena.
Invadiu-a com sua expressão violenta e selvagem, fazendo-a recuar.
Prosseguiu: — eu não crio expectativas sobre quem ele é ou deveria ser,
Carla. Talvez ele só… Se sinta confortável para ser quem realmente é
comigo. Então, não, eu não acredito que ele possa ter mudado, só está sendo
ele mesmo.
Carla assentiu, rindo divertida. Sua risada era aguda como cantos de um
pássaro. Ela cobriu os lábios com os dedos alongados, as unhas afiadas e
esmaltadas na cor branca perfurando sua pele macia.
— Olha, realmente. Eu devo concordar com isso. Ele sempre foi muito
bom em fingir ser o que o Jonathan pinta dele, aquela cobra cínica. Mas
também nunca deixou ninguém chegar perto o suficiente para saber quem
ele era quando ninguém estava vendo. — Ela deu de ombros e apontou para
o moreno que agora preparava o café focado em fazê-lo bem. — Mas
definitivamente ele é diferente com você, pelo menos como dominador, eu
digo.
O moreno sorriu e deu de ombros.
— E que tipo de dominador ele era antes? — Gabriel perguntou curioso
enquanto coava o café dentro da cafeteira negra. Não tirava os olhos do seu
trabalho.
Carla ponderou por um segundo e sorriu sadicamente.
— Hum, do tipo que deixava todos os submissos aterrorizados e com
ódio dele. — Ela ria divertida lembrando-se. — Ele sempre foi muito
exigente. Seus submissos não podiam ser nem um pouco desobedientes,
qualquer demonstração de insubordinação fazia ele cancelar tudo na hora.
Eu sei porque eles vinham choramingando pedindo para eu falar com o
Felipe depois de serem dispensados. Não podiam entrar no quarto pessoal
dele, não podiam dormir aqui nessa casa nem se estivesse acabando o mundo
do lado de fora. Não podiam falar sobre a vida pessoal dele, perguntar coisas
demais. Ele nunca nem beijou nenhum submisso pelo que eu saiba. O Felipe
vivia falando sobre como achava beijar pessoas uma coisa... como era?
“Irrelevante, uma intimidade desnecessária” — ela disse imitando o tom de
voz frio e grave de Felipe. Riu em seguida.
Gabriel prestava atenção nela sem acreditar. Aquele não era o Felipe
que conhecia. Ele nunca foi assim com ele. Beijá-lo foi a primeira coisa que
fez quando teve uma oportunidade. Foram incontáveis as vezes que o
moreno foi rebelde e recebeu apenas uma risada divertida em sua direção.
Encarava a mulher que falava, incentivando-a a continuar. Carla jogou o
denso cabelo castanho para o lado sorrindo maliciosa.
— Além do mais, dos submissos que ele teve eu sei exatamente com
quais ele realmente transou. E não foram muitos. Normalmente ele só
aceitava submissos para torturá-los, fazê-los sentir dor, vê-los delirando com
a presença dele. E depois os dispensava sem nem realmente consumar
alguma coisa. Até porque a maioria deles não aguentava nem metade da
violência dele e desistia antes de conquistarem o direito de serem tocados.
Agora com você... — Ela suspirou um pouco contrariada e olhou para
Gabriel levantando uma sobrancelha animada. Os olhos de raposa muito
verdes brilhavam em sua direção. Parecia que seria consumido por eles. —
Até o olhar é outro. Além disso, nenhum contrato dele durou mais que um
mês. Agora, pelo que sei, falta pouco mais de uma semana para vocês
completarem esse tempo e ele não parece disposto a terminá-lo tão cedo.
Ela suspirou e o olhou docemente muito satisfeita em ver que o rapaz
corava muito. Thiago se aproximou da mulher a envolvendo em um abraço
por trás, beijou a bochecha dela e enterrou o nariz em seu pescoço, sentindo
o perfume que vinha do cabelo dela invadi-lo. Carla continuou:
— Eu não estou reclamando. Seja lá o que você fez com ele não pare. O
imbecil do irmão dele sempre deu um jeito de fazer ele se sentir inferior, até
ele realmente acreditar que ele não merece nada além de sofrer. E o Felipe,
bom, ele é uma pessoa incrível, apesar de se negar a aceitar isso.
— Não encha ele de informações assim, signora. Pode acabar
assustando ele — Thiago sussurrou, apoiando o queixo no ombro de Carla.
Ele a apertou no abraço quente.
A morena estremeceu e riu baixinho:
— Se o filho da puta daquele corvo do Jonathan não assustou ele, você
acha que eu seria capaz de fazer isso?
Os dois riram e Gabriel negou com a cabeça, sorrindo bobo, tirou a
xícara de gato que comprou para si e a colocou decorando em um ponto da
bancada ao lado da pia. Levou a garrafa térmica com o café recém passado
até a outra bancada, que servia como mesa, e deixou-a ali. Ao lado dela, a
sacola com a xícara que presentearia Felipe.
Gostava muito da sensação aconchegante que tinha sendo tão bem
recebido pelos amigos de seu dominador. O ruivo saiu do quarto no exato
momento em que ria com eles e encarou a cena, confuso. Ele usava uma
blusa larga, branca, de mangas longas e um decote anguloso em “v”. Além
de uma calça escura de algodão. Seus cabelos muito vermelhos
emolduravam seu belo rosto pálido e cansado.
— O que estão cochichando aí? — questionou enquanto penteava a
franja rubra para trás. Olhava fixamente para Gabriel, reparando em como
ele estava corado e mordendo o lábio, analisando cada detalhe do ruivo, um
pouco inquieto e ansioso para que ficassem sozinhos.
Carla desconversou, negando com a cabeça e deu de ombros. Puxou
Thiago em direção ao sofá para começarem o trabalho. Gabe rodeou a
bancada e foi até Felipe, que o olhava com os olhos apertados e curiosos.
Encarou o moreno com o queixo levantado, intrigado. O outro cruzou os
braços na frente dele com o cenho cerrado e mal-humorado.
— O jantar vai chegar logo. Vá tomar um banho também. Depois de
comer não me espere para dormir — Felipe disse friamente. — Você
trabalha amanhã e ainda vai ter que se apresentar de noite. Até amanhã a
equipe alfa já vai estar pronta. É uma equipe mais especializada em
proteção, apesar de que eu não acho que o Jonathan vá se aproximar mais
enquanto eu estiver com você. De qualquer forma, descanse. Eu vou
demorar aqui e ainda tenho muito o que fazer.
Gabriel inflou as bochechas de forma involuntária, mal-humorado,
desviando o olhar chateado. Ele assentiu a contragosto sabendo que não
deveria mais irritar aquele homem, pelo menos por agora. Queria agradá-lo,
e já que não podia fazer isso através da forma como estavam habituados,
intimamente, tentava se comportar.
— Tudo bem, que seja. Eu fiz o café. Coma alguma coisa também, café
e cigarros não contam como refeição — falou mal-humorado. Felipe riu
baixinho satisfeito com aquele tom preocupado e aquela expressão cerrada
muito doce. — E... eu comprei algo para você. Quer dizer...
Gabriel engasgou timidamente vendo a expressão surpresa no rosto de
Felipe. Continuou gaguejando muito. Ele praticamente sussurrava temendo
que o casal de amigos que conversavam entre si no sofá o escutasse.
— Eu comprei algo para mim. Foi isso. Para mim. Para eu usar aqui na
sua casa. — Gabriel olhou decidido e muito corado para o ruivo. Sua
expressão vacilava pela timidez que o tomava. — Bom, daí eu pensei que
seria estranho trazer algo só para mim. Isso. Foi isso mesmo. Daí eu trouxe
uma para você também. Não precisa usar se não quiser. Eu não... eu não dou
a mínima. É isso.
O moreno falou com dificuldade e saiu do entorno do homem, entrando
no quarto com violência. Bateu a porta atrás de si fortemente. Felipe olhou
para trás surpreso, sem entender absolutamente nada do que Gabriel queria
dizer com aquelas palavras confusas.
Olhou para a bancada em seguida: a garrafa térmica e a pequena sacola
de papel ali como um convite. Ele continuava com sua expressão confusa.
Virou para Carla e Thiago que ainda estavam absortos, esforçando-se para
não o constranger observando tudo que faziam.
Ele caminhou em direção à bancada e pegou a sacola de papel, trêmulo.
Nunca, em toda sua vida, havia recebido um presente. Sempre que qualquer
pessoa tentava dar a ele qualquer coisa era rejeitado imediatamente.
Aniversários particularmente eram infernais: dividia a mesma data de
nascimento com seu irmão gêmeo.
Não suportava, definitivamente, receber nada de ninguém e
normalmente as pessoas ao seu entorno nem tentavam presenteá-lo, sabendo
que ele além de exigente tinha dinheiro o suficiente para comprar qualquer
coisa que quisesse.
Felipe abriu a sacola curiosíssimo e tirou xícara de lá analisando-a nas
mãos grandes. Sorriu involuntariamente em uma risada trêmula, uma
corrente elétrica e inédita de prazer percorrendo todo seu corpo. Seu rosto
estava corado com a sensação asfixiante que tinha.
Ria sem parar, tentando se conter diante do que via estampado na xícara
de cerâmica. Seu peso, estrutura e formato cabiam perfeitamente em sua
mão como se tivesse sido feita apenas para ele.
O ruivo mordia os lábios ainda tentando conter a risada boba e
incontrolável, negava com a cabeça. “Como eu posso ficar com raiva de
você, gatinho? Como eu poderia não gostar de você?” pensou apertando
aquele item precioso entre as mãos. Havia gostado tanto daquilo que queria
usá-la imediatamente.
Ele andou até a pia onde viu a xícara de Gabriel. Teve outro acesso de
riso incontido juntando as duas lado a lado. Sorria muito, involuntariamente.
Visualizou-as ali, na bancada ao lado da pia, decorando a sua casa cinza,
expondo-os para quem quisesse ver. Gostava da sensação.
— Ele não parava de olhar para essas sacolas — Carla disse
repentinamente. Ela havia se aproximado sem Felipe notar e ele teve um
sobressalto. Mal conseguia voltar sua expressão ao normal. Ela riu baixinho
vendo as xícaras. — Acho melhor começarmos logo, Felipe. Ele vai sair
daqui a pouco para jantar e eu tenho certeza que você não quer que ele te
veja com essa cara de babaca.
O homem pegou a xícara dele despreocupadamente. Tentava respirar
calmamente sem sucesso e não olhava para a mulher que agora voltava
cantarolando divertida para seu posto. Ele se serviu de café, sentindo o
cheiro adocicado e gostoso que vinha dele.
Gabriel sabia exatamente como agradá-lo, sabia ser doce e muito
amoroso quando queria. Mesmo em tão pouco tempo, havia desvelado
camada por camada de suas defesas, buscando em um trabalho de formiga,
árduo e dedicado, cada pequeno detalhe de seus gostos e trejeitos.
Sentiu-se único no mundo, estranhamente privilegiado como nunca
antes havia se sentido. Por um momento não se lembrava de como era a
sensação dolorosa de acreditar piamente que não merecia a felicidade, até
porque ela era muito boa e tinha cheiro de café. Aquecia seu rosto com
intensidade e causava sua risada fácil.
Tremeu levando sua nova xícara até o lugar onde se sentou no sofá.
Carla e Thiago estavam nas poltronas que compunham a sala ampla
observando-o. Ele refletiu concentrado:
“Você não é um mafioso disfarçado de fotógrafo, Felipe. Você é um
fotógrafo escondido na sombra de um mafioso” a voz de Gabriel ecoou em
sua mente.
Ele fechou sua expressão como de costume e suspirou.
— Vamos começar.

✽✽✽

Gabriel saiu do quarto timidamente depois de tomar seu banho. Havia


surtado dentro do banheiro pensando em quão idiota ele pareceria com o
presente que havia dado ao seu dominador, aquelas xícaras bobas pareciam
piores agora, uma ideia boba. Sempre que pensava na reação de Felipe ao
vê-las, tinha uma convulsão apertando o próprio rosto, muito vermelho e
dolorido, e bagunçando o cabelo escuro enquanto andava de um lado para o
outro.
Gabe tentou parecer calmo ao ver Felipe, Carla e Thiago conversando
concentrados em seus trabalhos e os ignorou enquanto comia o que o ruivo
havia pedido para o jantar: o prato que mais gostava do seu restaurante de
comida chinesa favorito.
Tomava o café em sua xícara de gato desviando, vez ou outra, o olhar
inseguro na direção do ruivo que bebericava satisfeito na que havia ganhado
do submisso. Sorriu bobo apreciando a mistura estranha que comia: café e
comida chinesa, e lembrava os seus momentos com aquele homem, sozinhos
ali.
Ele se livrou das embalagens muito satisfeito e limpou a cozinha vendo
que Felipe também já havia jantado enquanto trabalhava. Reparou,
inevitavelmente por encará-lo todo tempo, na expressão do ruivo quando
percebeu que seu café havia acabado e prontamente caminhou até ele
segurando a garrafa térmica.
Todos o olharam quando se aproximou do sofá, corado. Gabe indicou a
xícara com a cabeça e Felipe a estendeu em sua direção, recebendo mais
café. O moreno sorriu satisfeito vendo o dragão fofo estampado na cerâmica
e desviou o olhar timidamente evitando o constrangimento. Carla sorriu um
pouco e indicou o espaço no sofá para ele sentar.
— Ainda vamos passar um bom tempo por aqui, não quer ajudar? —
Carla propôs divertida e Felipe a encarou carrancudo.
— Não. Ele vai dormir — o ruivo retrucou rudemente.
Gabe revirou os olhos e colocou a garrafa térmica em cima da mesinha
de centro na qual alguns papéis e equipamentos que se acoplavam ao
notebook por cabos repousavam aleatoriamente. Ele fez um sinal para Felipe
como se fosse se sentar e o homem arqueou as sobrancelhas sem entender o
que ele queria dizer.
O ruivo se impulsionou para trás, encostando no espaldar do sofá, e foi
surpreendido com o moreno sentando em seu colo sem cerimônia. Carla
segurou o riso cobrindo a boca por conta da expressão assustada e a
coloração rubra que tomou a face de Felipe repentinamente. Gabriel
continuava com o cenho cerrado e expressão mal-humorada de sempre
fingindo que aquilo não era nada de mais, aconchegado no colo do homem
que mal reagia.
— No que eu posso ajudar? — Gabriel falou com os braços cruzados, o
tom irritado e a face felina. Carla ainda sorria apertando os lábios tentando
se conter enquanto Thiago evitava encarar o casal focando no muito trabalho
que tinham pela frente, não queria constranger Felipe mais ainda.
— Bom... — Carla falou entre risadinhas. Ela respirou fundo se
acalmando. — Na realidade, a não ser que saiba alguma coisa sobre venda
de drogas, acho que não tem muito o que ajudar.
— Eu sei alguma coisa sim, o que exatamente vocês precisam? — o
moreno retrucou seriamente. Todos o encararam assustados.
— Como assim? — Felipe perguntou tentando manter seu tom de voz
frio. Decidiu rapidamente agir como o seu submisso e fingir que aquilo tudo
era muito comum, envolvendo a cintura do homem em seu colo como um
verdadeiro dominador. Gabe sentiu um arrepio com o toque.
— Bom, muitos dos garotos que a Lizzo adotou estavam envolvidos
com venda de drogas antes. Além das amigas dela que ainda estão nas ruas e
sempre me contam coisas sobre o sistema de prostituição e venda de
narcóticos. Sabe como é, algumas delas acabam se envolvendo com esse tipo
de cara... Bandidos, traficantes — Gabriel falou triste. Ele continuou:
— O George, por exemplo, fazia parte de uma gangue pequena. Vendia
drogas e quase morreu num conflito com outra gangue inimiga. A Lizzo o
encontrou inconsciente e ele nunca mais voltou a fazer esse tipo de coisa —
Gabe disse dando de ombros. — Ele me explicou como funcionava o
trabalho dele também, então eu sei bastante coisa.
Carla estava boquiaberta e olhou para Thiago com os olhos verdes
brilhando. Ele por sua vez olhava sereno e muito calmo para Gabriel,
analisando-o. Felipe mantinha-se mudo e sombrio, inerte nos próprios
pensamentos.
— Nesse caso, basicamente o que estamos fazendo aqui é procurar uma
lacuna na estrutura dos Barbosa — Thiago começou e virou o notebook para
Gabriel. Na tela havia uma infinidade de arquivos a serem analisados:
recibos, atas, movimentações de dinheiro, acordos. — Conseguimos
praticamente todos os documentos deles sobre seu principal negócio: venda
e distribuição de narcóticos. Os Barbosa são basicamente uma gangue, uma
família como eles se chamam, que dominam a região oeste de Kilife. Têm
outras gangues naquela área também, mas são todos aliados e trabalham
juntamente com eles. Aparentemente não existe nenhuma inimizade que
possamos explorar nessa negociação, nenhum tipo de conflito ou mágoa com
gangues que possamos usar. Na realidade estamos em desvantagem, já que o
líder dos Barbosa odeia o Draco. Então o que nos resta é ver se existe algum
tipo de problema financeiro ou relacionado à venda de narcóticos em si.
A mulher ao lado de Thiago suspirou e mordeu o lábio, receosa.
— Só que são centenas de documentos, como pode ver. Tudo parece
muito limpo. Aparentemente o negócio deles é perfeito e muito amistoso
com as outras gangues. Não achamos nenhuma vantagem sobre eles que seja
útil em uma negociação real — Carla completou seriamente. — O Felipe
invadiu um território tabu, ou seja, proibido para ele e para a Ordem. Os
Barbosa podem alegar que isso foi uma declaração de guerra ou algo nesse
nível e exigir o que quiserem da Ordem para evitar um conflito direto. Sem
uma carta na manga que possamos usar na negociação, necessariamente
significa que estamos em desvantagem e teremos que aceitar praticamente
qualquer demanda deles.
Gabriel ruminava o que ouvia, sentia o cheiro do café que Felipe
tomava silencioso abaixo de si. O ruivo mantinha os olhos presos no moreno
tentando analisar que tipo de atitude ele teria.
— Vocês disseram que eles vendem e distribuem drogas — Gabe
começou e encarou o casal à sua frente com os olhos de gato muito
concentrados. — Que tipo de drogas?
— Bom, segundo os documentos, quase todas das mais comuns em
circulação. Maconha, cocaína, heroína, LSD, sintéticos em geral... Eles
controlam a entrada delas no território pelo mar, através do porto de Iapraq e
pela fronteira com o resto de Artemísi. Eles mesmos negociam com
fornecedores externos. Monopolizam quase tudo — Carla disse como se já
tivesse revisado aqueles dados inúmeras vezes. — Já pensamos em ver quais
drogas eles não vendem e que outras gangues poderiam vender, podendo
representar algum tipo de concorrência, mas praticamente não existe
diferença. Além do mais, o preço é tabelado, logo eles têm clientes fixos que
mantêm o sistema de lucro muito bem balanceado.
Thiago assentiu irritado. Felipe entregou a xícara vazia para que
Gabriel a colocasse sobre a mesa de centro. O moreno o fez, debruçando-se
um pouco, a pele exposta entre sua camiseta e a bermuda que usava chamou
a atenção dos olhos dourados sádicos imediatamente.
Gabe se aconchegou no colo de Felipe agora que ele tinha as mãos
livres e o envolvia pela cintura livremente, mantinha sua expressão focada e
indiferente pensando em como poderia ajudar com seus conhecimentos.
— Bom, mas vocês já pensaram em ver se existe algum tipo de fuga
desse cartel? — Gabriel disse dando de ombros. — Quer dizer, se o
fornecedor da matéria prima for o mesmo. Todas as gangues compram pelo
mesmo preço que os Barbosa?
— O fornecedor não é o mesmo. Já havíamos pensado nisso também.
Não podemos usar isso como vantagem — Thiago disse sorrindo um pouco.
— Mas foi muito inteligente da sua parte. Se fosse o mesmo fornecedor e
alguém pagasse mais barato o cartel seria injusto.
Gabriel deu de ombros insatisfeito. Revirou os olhos e suspirou com
uma outra ideia que tinha.
— Nesse caso, então pode haver uma quebra da tabela de preços na
prática. Mas possivelmente vocês já checaram isso também — Gabe falou
dando de ombros.
— Na prática? — Carla questionou arqueando a sobrancelha.
— Sim. Digo, quando o George vendia droga para a gangue, elas
também estavam envolvidas em um cartel. Mas eles vendiam mais caro, na
prática. Usavam uma propaganda fingindo que ela era de outro fornecedor
melhor. Os líderes da gangue escolhiam os garotos com melhor lábia para
enganarem os compradores — Gabriel disse enquanto o casal se entreolhava.
— Eles inclusive fizeram uma pequena fábrica em um prédio abandonado
para mudar toda a estrutura de como a droga vinha dos fornecedores,
criaram logomarcas que fossem mais atrativas e até a cor da substância eles
conseguiam alterar com corantes para endossar a mentira. Vendia que nem
água nas boates.
Carla entreabriu os lábios e encarou Felipe. O ruivo estava chocado
olhando para o moreno em seu colo. Gabriel permanecia distraído,
pensando, olhava fixamente para a infinidade de arquivos no computador.
Prosseguiu:
— Talvez devessem começar enviando pessoal para checar como se dá
a venda das drogas naquele território na prática. Acho que vocês conseguem
pessoas de fora da Ordem para isso, não é? Com certeza. — Gabriel falava
mais consigo mesmo que com os outros criando o planejamento diante de
seus olhos. — Também deveriam checar esses recibos e ver se eles gastam
com algo como corantes, máquinas de impressora industrial, embalagens,
aluguéis suspeitos distantes do centro de manutenção da venda regular de
drogas deles... Assim poderiam mapear com provas exatamente onde eles
poderiam estar fazendo isso, se estiverem fazendo. Se não acharem nada
podem ver os aliados deles, sempre há uma falha no cartel.
Felipe apertou a cintura de Gabriel excitado. O moreno teve um
sobressalto olhando para o ruivo com o cenho cerrado. Os olhos dourados
repousavam densamente sobre seu corpo, exalava lascívia.
— Você daria um ótimo negociador, Gabriel — Thiago comentou após
dar um longo assovio. Virou o computador para si, mexendo nele com
velocidade. Carla sorria enviando uma mensagem urgente com as novas
ordens para os subordinados de fora da Ordem.
— Isso é perfeito. Não havíamos pensado nisso — Carla completou
ansiosa, lambendo os dentes. — Se isso der certo teremos mais que uma
carta na manga, nós vamos ter um xeque-mate.
— Vocês conseguem ter acesso a todo tipo de informação por esse
sistema operacional? Não parece comum. E... O que porra é um negociador?
— Gabriel questionou curioso.
Felipe suspirou e deu alguns tapas leves na coxa do moreno:
— Já chega, você já nos ajudou. Vai dormir — mandou muito
autoritário. Gabe o encarou agressivo.
— Dá para não ser um mandão do caralho só um pouco? Ainda está
cedo, eu não vou conseguir dormir.
— Ontem dormimos esse mesmo horário, gatinho.
— É, mas ontem você me cansou para que eu conseguisse dormir. A
não ser que vá fazer isso agora mesmo, não me perturbe — o moreno
retrucou e arqueou uma sobrancelha.
Carla riu baixinho, divertindo-se muito, ela definitivamente adorava
aquele cara e como ele sempre conseguia ser transparente sem se importar
com o que ninguém ao redor pensava dele.
Felipe a encarou bravo e fuzilou o seu submisso com o olhar de lince.
Faíscas saíam entre os olhos dos dois que se fitavam. A morena interveio
tentando evitar a fúria de Draco, falava diretamente com Gabriel:
— Respondendo à sua pergunta: sim, conseguimos quase qualquer
informação sobre qualquer pessoa que tenha um registro de nascimento
através desse sistema. É como um domínio de segurança nacional — Carla
disse contendo o riso. Os dois a olharam: Gabriel curioso e Felipe
contrariado. — Toda pessoa de Classe A e B, além de colaboradores táticos
têm um sistema próprio dentro deste por onde fazem as transações
financeiras, buscam dados, contratam subordinados e serviços entre outras
coisas.
Gabriel balançou a cabeça compreendendo. Realmente ninguém estava
seguro em um mundo dominado por aquele tipo de máfia. Voltou-se para o
homem sob si e o encarou com os olhos apertados.
— Quando você apareceu na academia depois que nos conhecemos na
Lizzo... Eu sei que não foi o Josh que te contou que eu trabalhava lá. Muito
menos que eu morava lá também. Você conseguiu meus dados através da
Ordem, não foi? Foi isso que chamou a atenção do Jonathan? — Gabe
perguntou para Felipe.
O ruivo sentiu seu rosto ficando pálido e gelado, desviou o olhar
hesitante, aquelas perguntas não poderiam ser mais precisas e acertadas.
— Sim. Foi assim que eu consegui seu endereço e também onde
trabalhava para ele — Carla respondeu no lugar de Felipe. Ela sorria muito
sádica vendo o amigo em agonia, ordenando que ela parasse com o olhar. —
Mas, na verdade, o que chamou a atenção do Jonathan inicialmente não foi
isso, mas sim o fato de que o Felipe apareceu na Ordem bêbado no meio da
madrugada fascinado pelo... “cara mais lindo que ele já viu na vida”.
Thiago bufou cobrindo o rosto, muito envergonhado com o que a
mulher ao seu lado havia dito, e o ruivo abaixou a cabeça, queria enfiar-se
no chão e não sair de lá nunca mais. Gabriel, por sua vez, sentiu que ia
explodir. As maçãs de seu rosto ardiam e ele tremeu sentindo o homem
abaixo de si tremendo também.
Carla continuou como se não tivesse acontecido nada, sorria muito
satisfeita, os olhos verdes marcados pela maquiagem perfeita:
— Agora, para eu te explicar o que é um negociador, assim como o que
são pessoas de Classe A ou B, eu teria que te contar como cada integrante na
Ordem é classificado. Nossa organização interna e a hierarquia em que
somos separados — ela disse dando de ombros e se aconchegou na poltrona,
cruzando as pernas grossas como uma chefe muito poderosa. — Você tem
certeza que quer continuar sabendo cada vez mais sobre a Ordem assim?
Felipe bufou ainda muito corado, apertou Gabriel em seu colo como se
o protegesse, envolvendo-o rapidamente em um impulso. O moreno miou
baixinho e involuntariamente protestando com aquele contato muito forte e
pressionou as mãos que o seguravam nervoso.
— Já chega. Ele já sabe demais e não precisa se envolver tão
profundamente — Felipe protestou.
— Não! Eu preciso sim! Eu quero saber! — Gabriel disse muito grave
se desvencilhando dele e escorregou de seu colo, sentando no sofá bem
próximo de Carla.
Felipe grunhiu e encarou Thiago procurando um apoio moral. O amigo
deu de ombros.
— Não olhe para mim, eu concordo que ele deveria saber. Se fosse para
te rejeitar por causa de tudo isso já teria feito — Thiago disse e voltou a
trabalhar no computador, se abstendo de qualquer argumento.
O ruivo emitiu outro som de desgosto e sentiu Gabriel colocando uma
perna sobre a dele. Se encararam por um tempo, o moreno apertando-o com
a coxa suplicante.
— Thiago está certo, Felipe — Carla disse. O casal no sofá sustentava
um o olhar do outro buscando entender-se. — Aceite de uma vez que ele faz
parte disso agora. E por mais que ele seja meio inconsequente, já provou que
não é estúpido.
Gabriel estalou a língua em desagrado com aquele comentário da
mulher e silenciosamente apertava a perna de Felipe. Estendeu uma das
mãos e tocou também o antebraço de seu dominador, tranquilizando-o e
praticamente implorando que ele o aceitasse em seu mundo, uma corrente
suave passando entre suas peles em sincronia.
O ruivo bufou e pegou a carteira de cigarros que estava em seu bolso
assim como o isqueiro. Acendeu um deles entre seus lábios tragando devagar
e fez um sinal para Carla continuar. Estava contrariado, mas não poderia
rejeitar aquele homem. Não queria rejeitá-lo.
“Não tem problema se ele só souber o superficial. Apenas o suficiente”
pensou apreensivo. Carla assentiu satisfeita e Gabe se voltou para ela
exultante, a expressão felina e o cenho cerrado contrastando com o
sorrisinho de canto muito satisfeito.
— Certo, presta atenção. Eu não vou repetir e eu odeio idiotices, então
se tiver alguma dúvida me interrompa imediatamente para tirá-la, entendeu?
— Carla questionou e Gabriel assentiu prestando atenção. — Na Ordem
existem um total de cinco classes de integralização. Como eu já havia dito da
outra vez, eu e Felipe, por exemplo, somos integrantes de Classe A. E
pessoas de Classe A têm elo consanguíneo com as famílias fundadoras da
Ordem. Além disso, normalmente, são famílias envolvidas com negócios
que passam de geração para geração. Todas elas participam dos rituais e
costumes da Ordem diretamente e conscientemente, mas nem todas fazem
parte da cúpula, apesar de poderem solicitar participar mais ou menos das
tomadas de decisão que ocorrem ali se quiserem.
Gabriel assentiu lembrando-se plenamente dessa informação. Ele
recapitulou mentalmente que Jonathan também era uma pessoa de Classe A
e que, juntamente com Felipe e Carla, eles eram vice-líderes, os
representantes diretos do grande líder na cúpula.
Lembrava-se também que a cúpula era essa organização que
comandava a Ordem além de resolver os conflitos que ocorriam dentro dela
e mediar negociações. O moreno prestava atenção na mulher que cruzava as
mãos diante de si. Ela continuou:
— Abaixo disso estão as pessoas de Classe B até a Classe E. E essas
são classes móveis, ou seja, uma pessoa de Classe E pode se tornar uma de
Classe B um dia, mas nunca nenhuma dessas pode ascender à Classe A. De
maneira geral, o que define se um integrante da Ordem pertence à
determinada Classe é justamente o quanto essa pessoa tem a oferecer para a
Ordem em si, para a cúpula e para o grande líder.
Ela encarou Gabriel, podia ver algo de muito peculiar nos raios
avermelhados do castanho daquele olhar. Não parecia assustado ou receoso,
e, tampouco a curiosidade era o suficiente para descrever. Gabriel parecia
sedento, como se aquilo fosse algo que sua alma ansiava.
— As pessoas de Classe B podem ser de tipo financeiro ou tático. Os de
tipo financeiro são normalmente políticos, líderes de cartéis grandes, grandes
agências de advocacia, procuradores e juízes, representantes de organizações
e multinacionais e algumas personalidades públicas. Como eu havia dito,
como um grande conglomerado de empresas, um mundo de possibilidades
legais e ilegais de atuação dentro do sistema.
“Abaixo dos integrantes de Classe B temos os de Classe C e D, que são
praticamente do mesmo nível. Normalmente são líderes de gangues mais ou
menos relevantes, advogados e milicianos. Além de meios de comunicação,
como jornais e emissoras televisivas e CEOs de empresas relevantes.
Geralmente são os maiores contratantes de serviços da Ordem e os que mais
dão trabalho também.
Por ser a grande massa da Ordem, é onde ocorre a maioria dos
conflitos, movimentação de dinheiro, negociação, etc. Pessoas de Classe C e
D normalmente sabem que fazem parte da Ordem, mas não conhecem toda
sua tradição e ritos, não participam de reuniões com pessoas de Classe A,
sendo a ponte de comunicação desses integrantes com a cúpula mediada pelo
sistema e necessariamente por colaboradores táticos.
Já os integrantes de Classe E são pessoas que geralmente não sabem
que fazem parte da Ordem. Pessoas de Classe E normalmente estão nas ruas
fazendo serviços rápidos, sujos sem muita informação: venda direta de
drogas, entrega de recados e objetos, repasse de informações, olheiros,
enfim, todo tipo de serviço. Eles, normalmente, trabalham diretamente para
pessoas de Classe C e D, e não mantêm relação direta com pessoas de Classe
A. Se isso ocorrer normalmente são casos muito excepcionais e raros. Como
você pode ver, é uma rede complexa de interações, serviços e conflitos. Em
muitos níveis e camadas.
Todas as classes praticamente colaboram com a Ordem financeiramente
ou por meio de serviços, com exceção dos colaboradores táticos. Estes
recebem dinheiro dos integrantes da Ordem de diversas Classes para prestar
serviços a eles.
Agora, sobre essa subdivisão que chamamos de colaboradores táticos,
ela está encaixada dentro dos integrantes de Classe B de tipo tático, como eu
havia dito antes. Mesmo que pessoas de Classe A também possam oferecer
serviços táticos se quiserem, pessoas de Classe B recebem treinamento
específico e são tão importantes quanto os colaboradores financeiros de
mesma Classe, além de servirem como mediadores e fornecedores de
serviços de forma mais... Prática. No caso do Thiago, aqui, é um colaborador
tático de Classe B.”
Thiago levantou a mão e acenou indiferente sem tirar os olhos do
computador. Continuava seu trabalho, muito focado. Felipe fumava em
silêncio prestando atenção em Gabriel, muito compenetrado no que ouvia
como se estivesse diante de um mundo novo e incrível que saboreava. Carla
suspirou e prosseguiu em sua explicação:
— Todo colaborador tático oferece prioritariamente serviços a toda
Ordem, mas principalmente à cúpula por onde toda solicitação de pessoal
tático deve passar. Daí, nós, integrantes da cúpula, decidimos quem é o
melhor colaborador tático para cada missão e necessidade solicitada. Quando
isso é decidido, conectamos os sistemas operacionais dos envolvidos para
que sejam feitos os pagamentos, acordos e todo resto. Nós da cúpula também
decidimos se uma solicitação de colaborador tática é válida e interessante
para nós ou não, porque uma intervenção errada muitas vezes pode acabar
resultando em um conflito maior entre integrantes da Ordem no futuro.
“Dentre os tipos de colaboradores táticos, há as seguintes subdivisões:
atiradores, assassinos e negociadores. E cada uma dessas funções são
divididas em chamadas “elites”. Elite branca, azul e púrpura.
Respectivamente representando: intermediário, avançado e especialista. O
tipo de serviço solicitado é associado ao tipo de pessoa ideal segundo sua
elite e função.
Os atiradores podem ser subdivididos como atiradores de combate e
franco atiradores. Cada atirador podendo exercer os dois posicionamentos, e
sendo associado uma elite específica para cada uma. Quanto mais
habilidades um atirador tiver, mais ele é requisitado e mais ele é designado
para trabalhar para pessoas de Classe A e B. No caso do Thiago, por
exemplo, é um franco atirador de elite púrpura e um atirador de combate de
elite azul. Isso faz dele um dos melhores atiradores da Ordem, no momento
trabalhando diretamente com a segurança e serviços para a cúpula.”
Gabriel olhou para ele sem acreditar, não conseguia imaginar um
homem tão esguio e sonolento como Thiago fazendo um trabalho como o de
um atirador de elite. Elite púrpura, um especialista. Ele suspirou incrédulo.
— Você já levou algum tiro? — perguntou bobamente direcionado ao
homem que mexia no computador. Thiago levantou os olhos entediado na
direção do rapaz, arqueando uma das sobrancelhas. Ele riu um pouquinho e
assentiu.
— Sim. E eu teria morrido se o Felipe não estivesse comigo — ele
respondeu. Encarou o amigo que fumava olhando em outra direção.
Um silêncio tenso se fez. Carla engoliu em seco sem querer lembrar
daquele momento e negou com a cabeça vendo que Gabe parecia imerso nos
próprios pensamentos.
— Quer que eu continue? — ela questionou. Gabriel a olhou muito
sério e fez que sim com a cabeça, concordando veemente.
Felipe grunhiu incomodado e se levantou irritado, precisava tomar uma
água para acalmar-se com o que viria a seguir.
— Existem também, dentre os colaboradores táticos, os assassinos.
Como o nome sugere, eles são pessoas que têm por objetivo unicamente se
infiltrar em lugares e executar alvos. As elites são as mesmas. Não existem
subdivisões como os atiradores. Atualmente a nossa sede da Ordem só tem
um assassino de elite púrpura, mas... Ele está afastado indefinidamente.
Carla olhou fixamente para o ruivo que tomava água na cozinha. Ele
tremia um pouco e se torturava, amaldiçoando-se por ter permitido que a
amiga começasse a falar sobre aquilo. Gabriel engoliu em seco entendendo
imediatamente.
Ele abaixou a cabeça, digerindo aquela informação. Felipe era um
assassino. Um assassino da mais alta elite da Ordem. Era isso?
Carla hesitou por um tempo e continuou, evitando o clima que havia
criado:
— Por último, mas não menos importante, temos os colaboradores
táticos ditos negociadores. Diferente dos outros dois tipos, esse é menos
“tático” propriamente e muito mais “inteligente”.
“ Os negociadores normalmente trabalham com análise de dados,
criação de estratégias de negociação e apaziguadores ou mediadores de
conflitos entre as classes da Ordem. Negociadores são importantíssimos para
manter a paz entre todos os integrantes da Ordem e normalmente são os mais
requisitados além dos assassinos.
O que é uma contradição engraçada que mostra como as nossas brigas
são resolvidas: ou na conversa ou diretamente em execuções mandadas. Por
isso Thiago considerou que você daria um bom negociador. Você percebeu o
problema que enfrentamos e mesmo com pouca informação conseguiu traçar
a melhor estratégia a partir do que você sabia. Isso é muito importante para
um negociador: perspicácia.”
Gabriel assentiu entendendo plenamente. Sentiu seu coração ainda
acelerado com a informação que tinha sobre o ruivo. Manteve-se firme em
sua postura, prestando atenção, respirava com dificuldade. Ele olhou para
Carla, que o analisava preocupada.
— Você está bem, Gabriel? — ela perguntou. Mesmo que quisesse, ele
não conseguia negar o quanto estava se sentindo mal com tudo aquilo.
Quantas pessoas Felipe precisaria ter matado para ser considerado um
assassino de elite púrpura? Lembrou-se dele muito violento, socando seu
subordinado, arrancando seu sangue como se não fosse nada, os olhos
assustadores sobre o corpo frágil. Havia matado inocentes? Pessoas que nem
sabiam por que tinham morrido? Ele faria isso?
Gabe apertou os olhos e cobriu o próprio rosto, apoiando-se sobre os
joelhos. Estava tonto e nauseado. “É isso que você tinha medo que eu
descobrisse? Não. Você não permitiria que ela continuasse falando se fosse
isso. Existe algo pior que isso, Felipe?” pensava contendo-se o máximo que
podia. Ele se levantou com dificuldade sem parar de encarar o chão.
— Obrigado por me contar tudo — ele disse mortificado, a cabeça
baixa e o corpo pesado. Felipe o olhava da cozinha respirando com
dificuldade, seus olhos afundados em uma dor profunda. — Eu vou dormir
agora, eu estou cansado.
Ele se arrastou lentamente e entrou no quarto fechando a porta atrás de
si. Felipe abaixou a cabeça no balcão, seu corpo todo doía, tremendo. Viu de
relance a xícara de gato que pertencia ao seu submisso decorando sua
cozinha cinza e gemeu baixinho em dor, profundamente arrependido de ter
aceitado que aquela informação fosse dada. A noite ainda seria longa.
“Sinto muito, gatinho...” pensou em um lamento.
CAPÍTULO XV

Por muitas vezes, infindas e incontáveis, Felipe pegou-se distraído


olhando para a porta fechada de seu quarto durante a madrugada. Seu
coração cativo parecia envolvido em amarras firmes de arame farpado,
sangrando quente e em silêncio, sem demonstrar. Carla e Thiago trocavam
olhares preocupados sempre que percebiam o ruivo muito aéreo, os olhos
fora de sintonia, distante e recluso em si.
— Eu sinto muito Felipe... — a morena começou em um murmúrio e
negou com a cabeça veemente. — Ele faz parte disso e se quer ficar com
você ele acabaria sabendo sobre isso mais cedo ou mais tarde.
O homem permaneceu em silêncio. Não estava mais certo se queria que
Gabriel realmente fosse apenas o seu passatempo sexual, enganar-se a esse
ponto era uma estupidez que não podia perpetuar. Em tão pouco tempo
aquela pessoa havia conseguido conquistar seus inéditos sentimentos e a sua
simpatia, então não tinha forças para negar o quanto o queria cada vez mais
perto. Além disso, ele também havia conquistado o apreço de seus amigos
que pertenciam à Ordem e, terrivelmente, de seu irmão gêmeo.
Isso apenas reforçava a ideia de que ele tinha o direito de saber
exatamente no que estava se envolvendo dali em diante, e, por mais que o
ruivo preferisse manter aquele relacionamento distante de seu passado
sombrio, seu gêmeo, sem dúvida, estava disposto a jogar sujo para
pressionar o irmão a se expor.
Jonathan sabia sobre a índole de Felipe e tentava sempre a corromper,
pressionando-o a posição de antagonista, voltando para ele a culpa e toda a
sombra demoníaca que o ruivo engolia e aceitava como se fosse real.
Mesmo sem mover muitas peças, tudo que fazia era sempre um enorme
impulso para trazer à tona o passado de Felipe e obrigá-lo a mostrar quem
realmente era para seu submisso. Assim pretendia amedrontar Gabriel,
quando não, pelo menos envergonhar o homem arrependido a ponto de fazer
aquele contrato acabar.
Não que não houvesse um fundo de verdade naquilo, Felipe não podia e
nem queria negar que era mesmo um sádico. Realmente apreciava a
violência e o poder que impunha sobre as pessoas. Além disso, tampouco
podia negar que era um assassino profissional que passou anos sendo
consumido pelo ódio e desejo de vingança até arrancar da terra a última alma
que julgou culpada que pôde, como um justiceiro infernal.
Todos o temiam por isso: por puxar o gatilho sem recuar, lacerar sem
tremer, matar sem hesitar. No passado tinha apenas um alvo. Porém, aos
poucos a linha tênue de quem ele realmente era e quem havia se tornado para
alcançar seus objetivos começou a se dissipar como fumaça ao vento.
Jonathan percebeu essa brecha e empurrou o irmão ladeira abaixo na
autodepreciação. Foram anos escondido dentro de si e sempre que tentava
sair era impulsionado de volta pelas expectativas que precisava alcançar. Um
assassino. Um líder. Um vingador.
Após muitas horas de trabalho, despediu-se dos amigos sem forças para
prosseguir com mais nada. Seu corpo todo implorando desesperadamente
pela companhia de seu submisso. Sabia que estaria em seu quarto, deitado
em sua cama, e hesitou vendo a hora avançada no relógio, ele mostrava que
faltava pouco mais que duas horas para o amanhecer.
Ainda se deitou no sofá tentando dormir, mas não conseguia, seu corpo
e alma realmente não poderiam mais descansar sem o contato com aquele
homem. Entrou no quarto silenciosamente e teve um sobressalto com o
moreno se levantando repentinamente da cama, os olhos fundos
demonstrando que não havia dormido nada. Estava todo aquele tempo o
esperando. Seu coração saltou descompassado, pulando indefeso com aquele
olhar inquisidor que o fuzilava em ansiedade.
— Terminaram a reunião? — Gabriel sussurrou no escuro. Realmente
não tinha conseguido dormir nem um segundo desde que havia saído da sala.
O ruivo assentiu no escuro, parecia muito frio e distante.
— Sim. E você deveria estar dormindo. Eu vim só buscar um lençol —
mentiu.
Ele caminhou até a cama, tateando embaixo do travesseiro, e foi
surpreendido pelas mãos de Gabriel o segurando intensamente pelo pulso.
Através da penumbra do quarto, meio iluminada pelo quase amanhecer,
podia ver os olhos provocantes o convidando.
— Precisamos conversar — Gabe disse resoluto.
— Agora não. Volte a dormir. Eu também quero descansar — Felipe
respondeu sonsamente, tentando manter a compostura. Não conseguia negar
a sensação excitante que tinha com aquele aperto.
— Agora sim, Felipe. Eu esperei a noite toda. Eu não vou dormir sem
você aqui.
Felipe prendeu a respiração sem notar, sua visão já havia se adaptado à
falta de luminosidade permitindo-o ver cada detalhe do rosto corado à sua
frente. Seu corpo todo ardia em desejo. Ele hesitou um pouco aceitando os
puxões que o outro lhe dava.
Sentou-se na cama e os dois permaneceram encarando-se no escuro.
Uma sensação densa de excitação permeando-os. Felipe estendeu uma mão
acariciando o rosto diante de si, os olhos castanhos pareciam inchados e
avermelhados.
— Você estava chorando? — o ruivo perguntou fracamente já sabendo
a resposta. Deslizava a ponta dos dedos pelo rosto alheio quando notou o
corte em seu lábio inferior, rubro e fundo. Suspirou pesadamente, sua voz
assumindo um tom de censura. — Você se machucou sozinho?
Gabe hesitou e desviou o rosto timidamente. Mantinha o cenho cerrado
e sua postura arisca.
— Eu não tinha percebido o que estava fazendo até já ter feito — o
moreno disse sem forças. Seu corpo tremia involuntariamente. — Você sabe
que a dor me ajuda a pensar melhor.
— No que você precisaria pensar... melhor?
Gabe hesitou e mordeu involuntariamente o ferimento aberto em seu
lábio. Felipe puxou seu queixo delicadamente, impedindo-o. O moreno o
olhou com as bochechas infladas, em desagrado.
— Sobre todas aquelas coisas que a Carla falou. Sobre as Classes,
sobre... assassinos.
Silêncio.
— Você está... com medo de mim? — Felipe questionou, trêmulo. Seu
corpo todo estava frio e dolorido.
— Não… não! — Gabriel disse muito intensamente com toda sua
sinceridade. Impulsionou-se em um movimento rápido e segurou o rosto de
Felipe com as mãos, avançando nele. Apertou com os dedos aquele rosto
pálido e muito tenso tentando tranquilizá-lo. Olhava-o nos olhos muito de
perto. — Eu não estou com medo de você! Eu sei que você nunca faria
nenhum mal para mim! Felipe, olha para mim!
O ruivo tentava fugir daquele aperto sentindo-se muito exposto. Sempre
se sentia do avesso com aquele olhar de gato muito obstinado, não poderia
esconder nada ou evitar tudo que sempre evitou a vida inteira. Repudiava
tudo aquilo.
— Não. Não. Por que você insistiu em saber sobre essa merda? Para
quê? — Felipe questionava rudemente.
— Porque eu quero saber sobre você! Eu quero fazer parte disso,
Felipe. Eu quero saber!
— O quê? O que mais você quer saber?!
A escuridão da madrugada era silenciosa e tensa entre os dois. Gabriel
puxou o ar com dificuldade antes de começar a falar.
— O trabalho... Para o qual você não queria voltar... Era o de assassino,
não era? — perguntou fracamente. Felipe arfou com o ardor que se
espalhava pelo seu corpo, o frio consumindo o fundo de seu estômago.
Tentava se soltar das mãos do moreno, mas ele o apertava forçando-o a ficar.
— Olha para mim, Felipe!
— Já chega! — Felipe segurou os braços de seu submisso com força.
Pressionou forte em um movimento firme soltando-se em um só movimento.
Ele engoliu em seco e abaixou a cabeça visando a cama, sentia muita
dor. Apertou os olhos em sofrimento e, em seguida, encarou o moreno na
penumbra. Gabriel retribuía o olhar tensamente.
— Sim — o ruivo respondeu. Seus olhos foram cobertos por uma
camada de fúria e medo. — É isso que quer saber? Que meu trabalho era
matar pessoas? É por isso que estava chorando? Pensando que está fodendo
com a porra de um assassino? Está com medo que eu te machuque? Fuja
então! Foda-se. Eu não me importo, Gabo. É isso que eu sou. Eu fui treinado
para matar. E eu fiz isso sim, é para isso que eu fui criado! Não pense que
você pode me fazer sentir pior do que eu já me sinto! É impossível!
Ninguém, nem mesmo o desgraçado do Jonathan, me odeia mais que eu
mesmo!
A atmosfera parecia terrivelmente sufocante. Mantinham-se em
silêncio, experienciado uma agonia tensa depois do que o ruivo havia dito.
Gabriel sentiu as lágrimas escorrendo de seus olhos numa explosão
repentina, uma cascata densa serpenteando suas bochechas.
Ele cobriu o próprio rosto e mordeu o lábio sem conseguir parar de
soluçar. Felipe arregalou os olhos, desesperado, e conteve o impulso de
abraçá-lo.
— Não chora. Por favor, não chora assim... — Felipe suplicou doentio,
estava tomado pela melancolia. Estendeu as mãos na direção de seu
submisso hesitante e parou antes de tocá-lo. Não queria assustá-lo com seu
toque.
— Eu não estou com medo de você, Felipe, que merda! — Gabe
começou entre as lágrimas, era um choro de raiva, apertava o rosto com as
duas mãos. O olhou enfurecido, o cenho cerrado e os olhos muito vermelhos
escorrendo. — Você acha que eu estou chorando por estar preocupado
comigo?! Você é um idiota, um grande idiota! Eu nunca pensaria isso de
você! QUE SE FODA O QUE VOCÊ TEVE QUE FAZER NO PASSADO!
Eu não consegui descansar esperando você vir para cá, comigo! Ficar longe
de você faz eu sentir que não tenho controle sobre porra nenhuma!
Gabriel rugiu irritado bagunçando o próprio cabelo em desespero. Não
parava de chorar. Falava trêmulo de uma só vez em um colapso emocional
completo:
— Eu não consigo parar de pensar em como deve ter sido insuportável
toda essa merda! Estar sozinho tanto tempo carregando o peso que você
carrega. Isso está me matando, Felipe! As suas fotografias... Todos aqueles
vultos e sombras, toda aquela dor... Eu...Vejo elas o tempo todo. É
inevitável! Eu vejo você! Eu vejo você nas suas fotografias. Se escondendo
nesse quarto enquanto o resto da sua casa toda parece inabitada. Vejo a dor
no seu olhar assustador e na sua voz quando está se controlando para não
demonstrar nada do que sente! Eu vejo você em um sofrimento tão
profundo, se isolando do mundo, e isso dói muito em mim! Essa sim é uma
dor insuportável! Eu quero poder fazer algo! Tirar essa dor de você... Queria
poder fazer isso, senti-la no seu lugar — o moreno desabafava de uma vez.
Agarrou os pulsos de Felipe que o encarava atônito com os olhos muito
arregalados. — Entenda de uma vez por todas que eu não fujo, seu
desgraçado! E eu sei que você se importa! Você é um péssimo mentiroso. Eu
odeio quando você mente assim!
O ruivo abaixou a cabeça sentindo-se invadido por aquilo. Deu um
risinho sem graça e muito entrecortado. Seu peito parecia prestes a explodir,
o coração martelando contra suas costelas a ponto de doer. Ele hesitou sem
saber o que dizer.
— Até parece que você não vive mentindo para mim. Jogando esse seu
joguinho do contrário — Felipe retrucou em desgosto. Sua voz era pesada.
Ele estava muito confuso ainda pensando na fala de Gabriel, cada tom
daquela voz e cada palavra dita fazendo-o sentir-se muito tonto como se
estivesse embriagado. Felipe nunca havia escutado aquele tipo de coisa
antes, nunca havia se sentido daquela forma.
Silêncio.
— Sim. Eu acho que me acostumei mesmo em sempre dizer o contrário
do que queria dizer, demonstrar o contrário do que realmente sentia. E aqui
está você me fazendo falar tudo claramente. Isso é ridículo — Gabriel
confirmou largando as mãos de Felipe timidamente. Enxugou as lágrimas
tentando recompor-se, seu cenho cerrado em uma face raivosa. Sua voz era
praticamente um sussurro. — É só um contrato, não é? Isso é só um
contrato, por que eu estou sentindo isso? Será que você está sentindo isso
também?
Felipe suspirou e o olhou no escuro, seu submisso havia sibilado
aquelas últimas palavras para si mesmo em uma mágoa dolorosa. “Só um
contrato” o ruivo ecoou em sua voz fria, rindo sem graça e negando com a
cabeça, pensava em quão idiota ele era.
Gabe o encarou confuso sem entender o que aquilo queria dizer.
— Eu sou péssimo com palavras, Gabo — Felipe sussurrou e avançou
sobre Gabriel lentamente e o beijou com desejo, invadindo a boca alheia
com sua língua.
Com a mão segurou com força o queixo de seu submisso, arrancando
um gemido excitado e arrastado dele. Desejava mesmo transmitir através
daquele gesto, violento e físico, o que sentia profundamente. Encostou a
testa na do rapaz, segurando-o firme, seus olhos fechados em ansiedade.
— Eu nunca sei usá-las... Sempre soa errado quando eu digo. Tudo que
consigo dizer agora é... Que eu tenho a sensação que sou o melhor de mim
quando estamos juntos. O resto... Por favor... Entenda.
Gabriel respirava com dificuldade sentindo o peso de Felipe sobre ele,
havia caído sobre o travesseiro empurrado por aquele toque urgente. Imergia
no beijo violento enquanto era apertado com força. Felipe esfregava seu
corpo muito rígido contra o do homem abaixo de si.
O ruivo desceu a boca úmida pelo pescoço alheio chupando em alguns
pontos, lambendo e excitando aos poucos em beijos e mordiscadas. Suas
mãos invadiram a blusa do moreno, levantando-a. Espalmou seu abdômen e
peitoral segurando firmemente.
Amava tocar no corpo perfeito de seu submisso, era arrebatado pela
sensação intensa de prazer que a energia daquela pele emitia. Beliscou os
mamilos dele delicadamente, fazendo-o se arquear excitado.
— Felipe, espera... Eu... Tem tantas coisas que eu ainda quero saber...
— Gabriel falava contorcendo-se com os olhos fechados, sentia o ruivo
descendo mais com a boca, lambendo seus mamilos com vontade de um para
o outro. Mordia-o e chupava sua pele com vontade, como se cada centímetro
dela fosse preciosa e saborosa, como se quisesse tomá-lo para si.
— Eu estou te contando a mais importante. Preste atenção — Felipe
sussurrou e continuou chupando-o. “Temos pouco tempo... Muito pouco
tempo. Então vamos rápido do jeito que sabemos fazer, do único jeito que eu
sei fazer” pensou em um suspiro.
Continuava arrastando-se para baixo, explorando o abdômen detalhado
de Gabriel com a língua muito molhada. Suas mãos espalhavam-se,
excitando todos os pontos que alcançava, apertava a cintura dele e arranhava
a lateral das coxas abertas do moreno.
Prosseguiu descendo entre aquelas pernas, beijando, chupando e
lambendo sua pele enquanto gemiam em sincronia. O dominador se
dedicava com afinco em fazer o outro sentir o máximo de prazer. Ele puxou
a bermuda alheia e a retirou em um solavanco expondo a ereção pulsante e
ansiosa.
Masturbou-o dali olhando com prazer como o submisso cobria o
próprio rosto, revirando-se em um delírio. Ele brincou com o piercing de sua
língua enquanto continuava excitando-o com a mão. Gabriel o olhou sedento
como em um sinal de que queria mais.
Felipe abocanhou o membro imediatamente chupando-o com vontade
enquanto o outro arfava alto e entrecortado, sempre que olhava para baixo
via o rosto perfeito daquele homem o chupando, seus olhos cor de âmbar
cintilando em sua direção sádicos e excitados.
Segurou a cabeça de seu dominador com as mãos, enfiando os dedos
pela franja ruiva. O maior estremeceu com aquele toque sentindo sua boca
toda ocupada.
— Eu... Felipe. Se continuar eu vou... Por favor... — Gabriel disse com
dificuldade. O outro o engolia em um ritmo cada vez mais veloz, indo fundo
dentro de sua boca. Saboreava-se com a lubrificação natural que lambia e
sugava excitado.
O moreno revirou os olhos concluindo que queria continuar, estava
muito perto. Sua pele estava muito sensível por conta da sonolência e seus
músculos protestavam em tremores com a chegada do orgasmo arrebatador.
Ele gemeu apertando os cabelos alheios com violência. O ruivo grunhiu
alongado e muito grave, aliviado, sentindo sua boca ser ocupada pelo gozo
quente. Subiu em direção ao moreno beijando-o com a boca ainda
preenchida.
Beijaram-se em um caos daquele fluido espesso misturando-se em suas
salivas. Gabe miava muito satisfeito sentindo a mão melada segurando seu
queixo com força e sujando sua pele. Esfregavam-se com muito tesão ainda.
— Fica. Fica comigo, gatinho. Fica... — Felipe murmurou em súplica,
muito baixo, quase sem voz, contra os lábios de Gabriel, enquanto tirava a
própria calça chutando-a para longe.
O moreno tremia, havia enfiado as mãos por dentro da blusa do homem
que o apertava, arranhava as suas costas com força puxando-o em sua
direção. Agarrava-o, envolvendo a cintura alheia com as pernas muito
firmes.
Os dois ainda ficaram ali, beijando-se na penumbra por um tempo.
Reduzindo o ritmo aos poucos e depois acelerando novamente lutando
contra o cansaço. A força foi substituída por carícias leves.
Gabe aproveitou o momento e empurrou Felipe, jogando-o na cama e
montando sobre ele, olhando-o nos olhos. O ruivo arfou surpreso e riu rouco
vendo Gabriel limpando o rosto com dificuldade na própria blusa, apertou a
bunda do moreno com as duas mãos.
— Não. Já chega, já que não quer mais conversar, vamos dormir. Você
trabalhou a madrugada toda — Gabe ordenou pressionando-o para ficar
imóvel. O homem nem se movia aceitando aquilo por completo, sorria muito
bobo apertando firme a carne alheia.
— Tem certeza? Eu ainda queria dizer mais algumas coisas importantes
— Felipe disse deslizando uma das mãos por entre as nádegas alheias,
pressionou os dedos ali estimulando-o. Gabriel espalmou seu peitoral em
reflexo e o arranhou com as unhas, revirando os olhos de tesão. O ruivo
estremeceu querendo mais, sentia seu membro implorando para entrar nele.
Gabe gemeu e deitou sobre o outro abraçando-o, enfiou as mãos por
trás de seu pescoço envolvendo-o em um agarramento de coala. Apertou-o
quase estrangulando enquanto aproximava os lábios do ouvido do homem
abaixo de si e riu baixinho provocando muitos arrepios nele.
— Já que está tão disposto assim... Eu juro que ouvi o meu mestre
dizendo que eu não era só um submisso, mais cedo. Eu ouvi errado? Pode
me explicar isso? — Gabe sussurrou baixinho.
Felipe sentiu seu rosto aquecendo. Foi uma gafe que ele não havia
percebido por conta da fúria que sentia naquele momento. Devolveu o
abraço e derrubou Gabriel para o lado, posicionando-o em seu colo. Puxou o
lençol e cobriu os dois com velocidade.
— Dorme — Felipe ordenou e o abraçou puxando-o para perto. Em
seguida, cobriu o rosto com o antebraço livre timidamente.
Gabe riu divertido e deslizou a mão no peitoral do ruivo. Jogou a perna
sobre o corpo dele, por baixo das cobertas, e o apertou com a coxa.
Abraçava-se àquele homem com toda sua alma.
— Um péssimo mentiroso — Gabe concluiu se aconchegando e
fechando os olhos pesados pela sonolência repentina que o invadiu.
Finalmente poderia descansar. — Ainda está me devendo muitas
explicações. Eu já disse que quero saber tudo.
Felipe riu rouco, quase adormecido, compartilhava da sensação
anestésica daquele momento. Todo seu ser muito leve, a preocupação, medo
e tensão de outrora parecendo muito distante. Sentia que podia confiar
naquela criatura em seu colo, uma ilusão que queria manter por enquanto.
Ele sempre o surpreendia com seus atos que iam contra tudo que já havia
conhecido antes e tudo que esperava.
Era único. Queria-o genuinamente e completamente.
Lembrava-se das palavras de Gabriel soando tão angustiado com as
dores que havia carregado durante sua vida penosa. Não o julgava ou
projetava sobre ele nada além de sua proteção, e isso era totalmente inédito
para ele.
Adormeceu muito confortável, quente e sorvendo com o cheiro doce
dele. Pela primeira vez na vida cuidava e era cuidado de uma forma quase
ingênua, recíproca. Apaixonar-se é rápido, como um sopro. Refletia
afundando na inconsciência sobre como seria que nascia o amor.

✽✽✽

Gabriel acordou com um mau humor infernal, ainda sonolento e


exausto, assim como Felipe, que também não estava muito bem por não ter
dormido quase nada. O ruivo havia o orientado a obedecê-lo dessa vez e
manter-se fora de perigo, sua expressão muito fria e rude combinava com a
voz grave naquele comando.
Gabe preferia não discutir, já estava saturado de discussões. Precisava
apenas de café e de Felipe em paz. Seu dominador o alertou também que
agora estaria sendo vigiado por uma equipe alfa preparada para imobilizá-lo
se fosse necessário, e que tinham ordens expressas para mantê-lo dentro de
casa a fim de protegê-lo a todo custo.
Mesmo que achasse tudo aquilo um exagero sem tamanho, concordou a
contragosto, ranzinza. Pelo menos ainda poderia seguir com sua rotina e
trabalhar. Jonathan agora provavelmente estava mesmo esperando por uma
dupla proteção sobre o submisso do irmão e era melhor ficar alerta.
— Ele provavelmente não vai tentar mais nada contando que você não
se exponha. Continue sendo um bom gatinho e se comporte — Felipe o
alertou novamente enquanto se despedia à porta da academia.
— Eu já entendi…
— É por pouco tempo, gatinho — o ruivo murmurou como quem se
desculpa e o puxou para selar os lábios nos dele, buscando seu olhar de um
jeito doce. Gabe concordou com a cabeça.
O dia parecia que seria longo enquanto trabalhava tedioso. Gabe ainda
precisou lidar com as perguntas insistentes de Josh, que cobrava explicações
sobre o que havia acontecido na noite anterior e se ele e o ruivo haviam
discutido. Fugia de todas as investidas do amigo sutilmente, repetindo que a
cena que havia presenciado não era nada demais e que eles realmente
estavam bem. Afinal, não era de um todo mentira porque agora parecia
realmente estar.
Gabriel refletia introspectivo. Quanto mais sabia sobre Felipe, mais
queria saber. Sentia-se sufocado e acabava devaneando, voltando a ver as
fotografias que aquele homem tirava. A grande montanha, o céu obscuro e
sombrio ao seu redor. Um amontoado de pessoas em uma rua movimentada
como fantasmas o assombrando. Árvores fotografadas em diversos
momentos e sobrepostas expondo suas fases entre as estações.
Imagens insuportavelmente opressivas, perturbadoras, incontroláveis e
mutáveis. Era a vida, a dor, a morte e o tempo vistos por alguém que sentia
tudo isso através de seus poros. Sentia que podia ver Felipe nelas e sempre
acabava no lugar dele, imaginando-o enquanto capturava ou trabalhava em
cima daquelas fotografias.
Quanto mais se aproximava, mais conectava-se com seu íntimo e
desejava achar um jeito de poder aliviar o peso daquela existência.
Permanecia sobrecarregado com pensamentos sobre como deveria ter sido
complicado crescer em um sistema como o da Ordem, no qual Felipe tinha
que carregar as expectativas por ser o filho do grande líder e o possível
sucessor para o cargo. Isso sem contar todas as outras coisas que
desconhecia sobre seu passado, inclusive sobre a mãe dele.
Supunha que não deveria tocar nesse assunto. Identificava o olhar
estranho dele sempre que o assunto era sua família, parecia acionar um
ponto frágil e desestabilizado que o afundava nas próprias mágoas. Então,
receava criar mais dor perguntando, não queria ser incômodo.
Orientava seus alunos no karatê remoendo a sensação dolorosa de
pensar nisso, o trabalho cruel que ele fazia na vida que levava antes. Um
assassino. Felipe definitivamente não era um homem bom, não como o que a
maioria das pessoas pensaria ser bom. Mas mesmo assim Gabriel não o
temia, tampouco o julgava.
Nenhuma violência o assustava.
Como nos finais de semana a academia funcionava apenas pelo período
da manhã, Gabe aproveitou para enviar uma mensagem para o ruivo sobre ir
ensaiar na Lizzo durante o resto do dia. Deveria se apresentar com Josh
naquela noite e ainda precisava mais que só revisar os passos, já tinha uma
coreografia nova em mente.
Felipe não era o único que tinha dificuldade com palavras e o moreno
em si tinha seus métodos de dizer como se sentia sem usá-las. Planejava
colocar em seus movimentos habilidosos e cheios de significados o que
precisava responder aos toques intensos que havia recebido durante a
madrugada. Responder às meias palavras sempre avulsas, aos olhares e
suspiros que seu dominador direcionava a ele como em um código.

MESTRE
“Assim que você estiver pronto para ir, um carro vai te buscar. Um dos
meus homens vai te levar em segurança”.

Gabe leu a mensagem revirando os olhos. Tirou uma fotografia


provocante de si mostrando a língua, os olhos felinos demonstrando que
ainda não haviam terminado o que começaram naquele amanhecer.

VOCÊ
“Só aceito a carona de outra pessoa contando que seja você quem me
busque mais tarde.”

✽✽✽

O clube movimentado dava indício da chegada da noite abafada.


Gabriel se arrumava para a apresentação no grande quarto dos filhos de
Lizzo. A casa em que eles moravam ficava em um prédio antigo bem ao lado
do clube e, enquanto vestia a calça preta envernizada muito colada, viu Josh
passando a maquiagem no espelho dançando animado.
Os outros rapazes riam espalhados pelo amplo quarto, pareciam
despreocupados e empolgados com mais um final de semana comum. O
quarto antigo era quase todo ocupado por um grande guarda-roupa de
mogno, uma fileira de colchonetes desorganizados e uma zona de roupas,
sapatos, maquiagens e acessórios espalhados. Lizzo certamente brigaria com
todos por aquela bagunça infernal.
Gabe podia ouvir o som da música alta, levemente abafada, que vinha
da boate ao lado. Estava nervoso em dançar após o ocorrido com Jonathan e
suspirou aliviado com a mensagem que havia recebido de Felipe.
Durante o resto do dia que passou ensaiando ali, foi assolado por lapsos
repentinos de falta de ar com a sensação de estar sendo observado. Um medo
que não estava habituado a sentir invadia seu ser e só cessava quando
recebia uma mensagem de seu dominador.
Felipe, como se soubesse exatamente como ele se sentia, enviava essas
mensagens regulares durante todo o dia questionando se ele estava bem e o
que estava fazendo. Gabe respondia a todas com deboche como se
obviamente estivesse bem, mas secretamente agradecia mentalmente por
aqueles lembretes de que estava sendo cuidado.
Tentava ler a atual mensagem novamente enquanto Josh segurava o
rosto do moreno, à força, passando uma sombra dourada no canto de seus
olhos castanhos. Suspirou aliviado relendo-a com o coração muito acelerado.

MESTRE
“Já está bem cheio. Não se preocupe com nada, você está seguro.
Estou aqui. Boa apresentação, gatinho.”

O clube realmente estava cheio. A comemoração do Pride, o dia do


orgulho, ainda seria dentro de dois meses, mas a empolgação já começava a
se espalhar, dominando o ambiente. Lizzo sempre fazia questão de começar
a movimentar as pistas e criar expectativa o quanto antes para a maior festa
que ela produzia todo ano. Gostava de enfeitar todo o clube com muita
iluminação colorida, bandeiras de toda a comunidade, muitas bebidas e
apresentações.
Gabriel amava aquela época e principalmente criar as muitas
coreografias que apresentariam até o dia da celebração. Bandas e DJ’s de
toda Artemísi eram convidadas e normalmente a rua era praticamente toda
ocupada por frequentadores em meio à euforia.
Estava ansioso para a chegada da comemoração e considerava se Felipe
era do tipo que preferia ficar afastado, sem se envolver na multidão caso
fossem juntos. Não gostava da ideia de ir para a pista sozinho enquanto ele o
via de longe, isolado.
Pensou uma vez ou duas em convidá-lo durante as semanas passadas
para dançar e participar da conversa enquanto ria com os amigos, distante do
ruivo, sempre que via seus olhos dourados ansiosos o fitando depois ou antes
de alguma apresentação. Mas não tinha certeza se ele o encarava por cuidar
em demasia dele ou querer realmente se aproximar.
Evitava ao máximo pressioná-lo a estar em uma situação
desconfortável. Além do que, sabia que fora das quatro paredes eles eram até
menos que um contrato, ninguém além de Josh e Ron sabia que estavam
juntos de alguma forma.
Naquela noite, enquanto se apresentava com Josh, reparava,
inevitavelmente, que o dominador o assistia do bar revirando os olhos de
desagrado pela intimidade reforçada naquela coreografia. Gostava da
sensação de ter aqueles olhos sobre ele, ainda mais assim tão enciumados
bebericando de seu drink, bufando sem parar.
Lembrou-se da coreografia na qual trabalhava. Estava realmente cada
vez mais motivado a fazer Felipe perceber, a partir de sua próxima
apresentação, como se sentia genuinamente. Já havia contabilizado e a
programava para que ocorresse logo depois que eles completassem um mês
em contrato, no final de semana seguinte.
Sabia que era mais do que qualquer outro submisso havia alcançado e
queria ser claro sobre como queria prosseguir dali em diante, desejava ser
diferente de todos os outros. Queria estar com ele, construindo algo que
fosse baseado muito mais do que só em sexo. Começar algo novo e
representar para aquele homem uma nova chance, uma nova perspectiva,
livre de qualquer expectativa e de seu inferno particular.
Gabriel se despediu brevemente dos amigos depois da apresentação,
puxou a bolsa que trazia seus pertences jogando-a sobre o ombro, estava sem
paciência para socializar ou pelo menos fingir que queria ficar mais um
pouco. Correu em direção à saída vendo Felipe encarando-o profundamente
e depois sair pela porta antes dele.
Encontrou-se com o ruivo do lado de fora e parou diante do carro,
admirando o homem que usava a jaqueta de couro por cima da blusa social
branca, o cabelo vermelho emoldurando o belo rosto que adorava beijar.
Estremeceu imaginando-se desabotoando aquela blusa, escorrendo a língua
pelo peitoral que exalava o cheiro amadeirado de cedro e cravo, resultado de
seu aroma natural, cigarros e café.
Puxou o ar ansioso sentindo a brisa noturna e entrou do lado do carona
com sua postura arredia de sempre. Não conseguia evitar as palpitações e a
coloração alterada que sua face tomava quando estava com ele.
— Espero que não tenha bebido demais. Sabe que não deveria beber
quando vai dirigir, não é? — Gabe perguntou seriamente, observando o
ruivo passar a marcha e manobrar para fora de onde o carro estava
estacionado. O homem riu roucamente negando com a cabeça.
— Eu sei. Mas não se preocupe, eu precisava de um drink para aguentar
ver você se esfregando no Josh de novo depois desse dia fodido de cheio que
eu tive — Felipe desabafou amargurado. Sua voz era densa e carregada de
desejo. — Espero que saiba o que merece por me fazer sentir isso de novo.
Gabriel riu divertido concordando e assentindo, quase podendo sentir a
sensação pesada da mão de Felipe punindo-o. Estremeceu respirando pesado
e virou o rosto timidamente pela excitação que aquilo provocou nele.
— E então? Como vai a negociação?
— Melhor agora. Você estava certo. O Barbosa, o líder deles, tem uma
“fábrica” para mascarar as drogas que repaginam e revendem como se fosse
de um fornecedor superior e com um preço bem acima do acertado pelo
cartel. — Felipe sorriu e lambeu os dentes brincando com o piercing em sua
língua satisfeito. Sempre que pensava que aquela falha foi encontrada por
Gabriel ficava excitado e muito empolgado. — Agora só precisamos
investigar mais e juntar as provas. Por enquanto é melhor continuar como
hoje e manter-se fora do perigo.
— Argh, quanto tempo mais eu vou ter que ficar fugindo do seu irmão
assim? — Gabriel questionou em um muxoxo sentindo-se exausto,
massageando as têmporas. Havia ensaiado a tarde toda a nova coreografia
que estava desenvolvendo e sentia-se particularmente dolorido. Colocava
tudo de si quando estava determinado a criar algo tão significativo quanto
aquela dança que estava montando.
Felipe suspirou enquanto dirigia, também estava cansado. O plano de
Gabe estava certo sobre uma fuga do cartel de drogas dos Barbosa e isso
oferecia uma ótima lacuna a ser explorada. Porém, agora precisava aumentar
ainda mais o seu alcance e investigar de forma muito mais direta e detalhada
sobre como esse sistema estava sendo utilizado para não ser surpreendido
durante o processo de negociação.
Os Barbosa tinham a vantagem sobre seu erro, e, sem um contra-
argumento que realmente os fizesse recuar, Felipe estaria exposto a qualquer
exigência ou até mesmo correndo risco de ser executado pela inimizade
declarada que aquela família tinha com a sua. A maior preocupação do
ruivo, todavia, era que à essa altura, eles já teriam dados suficientes sobre
Gabriel e essa era a sua pior fraqueza que eles poderiam explorar naquele
caso.
Felipe faria qualquer coisa para proteger seu submisso e a família dele,
então precisava estar preparado caso eles usassem essa estratégia.
— Pelo menos enquanto eu não resolver o problema com os Barbosa é
melhor você continuar assim. Não foi tão ruim hoje, não é? Eu posso
garantir que vá para qualquer lugar que queira em segurança. E... — Felipe o
olhou de relance sorrindo sedutor. — Estar com você no final do dia.
Gabe estremeceu e desviou o rosto de novo com a expressão cerrada.
Sentia-se muito pressionado pela forma galante como Felipe falava em
contraponto com a sensação incômoda de depender dele daquela forma.
Sempre havia sido independente e não gostava de se sentir tão preso pela
insegurança de sofrer um atentado de Jonathan.
O moreno deu de ombros tentando prosseguir no assunto:
— Afinal de contas, o seu irmão tinha mesmo algum sistema
interligado com o da segurança da academia?
Felipe apertou o volante ficando muito sério. Aquela era a informação
que mais odiava ter recebido no dia.
— Sim. Um bug acoplado no sistema de câmeras. Pelo visto ele estava
te acompanhando pelas filmagens há um tempo. Mas já foi tudo retirado e
seu sistema foi reforçado. Espero que não se importe — o ruivo disse
friamente.
Gabe engoliu em seco com um calafrio tenso, concordando. “Não deixe
esse desgraçado te assustar. É exatamente isso que ele quer, te fazer sentir
acuado. Respire” pensava ordenando a si mesmo.
— Me observando, hum? Você... Acha realmente que ele tentaria me
machucar? — Gabe questionou quase sem voz, fitando a paisagem através
da janela.
O carro cortava as ruas devagar. As pessoas ocupavam as frentes dos
bares rindo divertidas e despreocupadas e ele não conseguia parar de pensar
como queria voltar a aproveitar a noite livre, sair descompromissado com
seus amigos.
Estar com Felipe era uma faca de dois gumes e aquele fio de lâmina
afiado e perigoso, representado pelo lado sombrio do passado de seu
dominador, fazia-o sentir como se sempre pisasse em ovos. Não conhecia
tudo sobre a Ordem, tampouco sobre o passado daquele homem e não sabia
até que ponto algo era realmente arriscado ou não.
Seu ego estava ferido e seu espírito pesado com a sensação de saber que
seu dominador, afinal, não conhecia outra realidade que não fosse aquela de
sempre preocupar-se com o que poderia acontecer a cada movimento.
O ruivo estava concentrado no trânsito. Os olhos cor de âmbar reluziam
muito sombrios ponderando uma resposta:
— Sim. E quanto mais eu demorar para resolver as coisas com os
Barbosa, mais eu tenho certeza que ele tentaria algo. Quanto antes eu colocar
um ponto final nisso, melhor. Daí eu não vou precisar mais mover nenhum
dos meus subordinados por um tempo e sumir da Ordem de novo... Eu
espero que ele aceite isso como uma declaração de paz e nos esqueça —
Felipe disse firmemente. Apertou o volante preocupado.
— E... Como vai ser isso? Essa negociação?
Gabriel debruçou um pouco em sua direção, curioso, tinha as pupilas
dilatadas muito brilhantes e curiosas. Mal conseguia disfarçar a sublime
excitação que tinha sempre que sabia mais detalhes sobre aquele mundo. O
mundo daquele homem.
Silêncio.
— Hum… Negociações formais geralmente precisam de mediadores,
negociadores, que fazem as duas partes cumprirem com suas partes dos
acordos. No submundo, a melhor forma de fazer uma negociação não
pacífica formal, mas limpa, é através da mediação de mercenários nas Zonas
Neutras. Mas não acho que seja o caso com os Barbosa...
Gabriel mordeu o lábio apreensivo.
— Limpa...
Felipe assentiu.
— Os mercenários são uma guilda muito antiga, como a Ordem. Eles
normalmente não se metem em conflitos da máfia e têm um código de
lealdade muito forte, geralmente quando precisa-se de garantia que as duas
partes vão cumprir com os acordos de uma negociação, mas nenhum dos
dois lados é integrante da Ordem, são os mercenários que se responsabilizam
pelo cumprimento do acordo. E recebem muito bem por isso. — O homem
suspirou manobrando pelas vias movimentadas, olhou rápido para o
submisso apenas para certificar que ele havia entendido que tipo de
responsabilidade os mercenários tinham, pessoas temidas por nunca quebrar
uma promessa e que executavam todos os traidores ou divergentes. Eram a
guilda mais confiável do submundo.
Ele grunhiu e prosseguiu com a voz rouca:
— Já a Ordem normalmente resolve negociações formais através de
comícios. O problema é que o desse mês foi adiado em mais uma semana. E
isso é bom e ruim. É bom porque vamos ter mais tempo de mapear o sistema
de vendas fora do cartel dos Barbosa e criar uma estratégia perfeita. Mas é
ruim porque eu vou precisar continuar chamando mais atenção ainda sobre
um falso retorno.
Gabriel refletia em silêncio, admirando o homem que dirigia.
Geralmente ele era quieto e falava pouco, mas parecia muito concentrado em
tentar explicar tudo da maneira mais clara possível.
Suspirou sentindo seu coração acelerar, Felipe era muito mais do que
permitia que os outros vissem. “Tudo isso é tão delicado, tudo tão
complicado... São tantos detalhes nesse seu mundo” pensava imerso em si.
Ele hesitou na pergunta antes de pronunciá-la e bufou. O ruivo o encarou
rapidamente:
— Pode perguntar. O que quer saber?
— O que é um comício? — o moreno perguntou curioso e o outro
sorriu de canto levemente.
— É como se fosse uma festa. Acontece pelo menos duas vezes por
mês. É como um encontro amistoso mediado pela cúpula para pessoas de
classe C e D.
— Mas os Barbosa não são da Ordem... não é? Então, eles iriam ao
comício?
— Sim, por causa da solicitação de negociação que enviaram para a
cúpula possivelmente estarão lá. Além disso, o comício é feito para
negociações para os integrantes da Ordem entre si, mas também para
integrantes com não integrantes. E normalmente todos os vice-líderes
precisam estar presentes para acontecer.
— Então... Está sem acontecer todo esse tempo sem você.
Felipe negou com a cabeça suspirando.
— Não. Depois que eles viram que eu não ia retornar, começaram a
fazer os comícios sem mim. Tudo que o Jonathan pôde fazer para fingir que
eu não existia mais para Ordem, ele fez. O que é ótimo. Eu sempre odiei
aquela merda. Para os Classe C e D é um evento bem importante, mas
normalmente só ficávamos de babá para eles negociarem ou se exibirem sem
se matarem e atirarem uns nos outros.
Gabe riu alto sem perceber. O ruivo arqueou uma sobrancelha sem
entender qual era a graça em um assunto tão sério, nunca poderia imaginar
que ele acharia aquilo engraçado. Um pensamento bobo havia sido criado na
mente do rapaz que ria descontrolado: Felipe com uma roupa de babá, a
expressão fria e mal-humorada contrastando com o vestido rodado e fofo,
vigiando pequenos mafiosos com fraldas, como bebês, jogando armas na
cabeça uns dos outros e se mordendo, choros infantis irrompendo o ar e um
caos generalizado de pré-escola ao seu redor.
Ele começou a contar o que havia imaginado entre as risadas cada vez
mais histéricas e o ruivo teve um acesso de riso junto com ele.
— Já chega de perguntas por hoje, engraçadinho! — Felipe disse sem
conseguir conter as risadas bobas.
Parecia que naquele momento, noite adentro, tudo era uma grande
brincadeira, a maneira dócil como Gabriel pensava sempre fazia o ruivo se
desestabilizar, neutralizando a tensão. Do volante, via o companheiro rindo,
apertando a própria barriga, divertido, e sentiu seu coração saltando com a
sensação incrível que era ouvi-lo rir tão confortável.
Queria que as coisas fossem leves como eram na mente de seu
submisso e continuou sorrindo satisfeito enquanto o levava para mais uma
noite juntos.

✽✽✽

A semana seguinte havia sido extenuante. Gabriel focava em não se


deixar abater pela sensação de estar sendo observado por Jonathan, mesmo
sabendo que estava seguro com o sistema reforçado. Tentava se adaptar à
nova rotina na qual precisava sempre avisar a Felipe qualquer movimento
que precisasse fazer, dependendo sempre de carona e ser vigiado.
Esforçava-se também para que Josh não notasse que entrava em um
carro luxuoso para ser transportado por um mesmo subordinado, muito frio e
sempre impecavelmente vestido, que o levava para todos os lugares que
precisava.
Odiava a sensação estranha daquilo e ia no banco do carona evitando
sempre usar os bancos de trás. Mesmo que Firenze fosse um cara legal,
nunca havia tido um motorista particular e aquilo era para ele constrangedor
ao extremo, considerando finalmente tirar a carteira depois daquilo tudo.
Evitava sair por causa disso, com exceção às idas praticamente diárias
para ensaiar no clube da Lizzo, e acabava sempre pedindo que pagamentos,
compras e qualquer outra necessidade sobre a academia fosse feita por Josh
ou Talita, a funcionária que gerenciava tudo quando ele não estava.
Os dias em que Felipe realmente precisava virar noites trabalhando
eram, particularmente, as mais dolorosas. Gabriel passava as madrugadas
sozinho em sua casa e mal conseguia dormir revirando-se na cama. Tomava
o café habitual e arrastava tudo para procurar espaço: acabava ensaiando a
coreografia que vinha montando até o amanhecer. Forçando-se à estafa.
Seu corpo todo estava dolorido pelo esforço constante de repeti-la, não
exatamente pela demanda dos movimentos, mas por toda emoção que
assolava sua existência da cabeça aos pés quando a executava.
Era sua maior declaração, todos seus sentimentos e palavras não ditas
estavam ali. E havia pegado-se chorando em uma noite, sozinho, pensando
se realmente deveria mostrá-la a Felipe. Tremia sentindo-se como se
adoecesse com aquele medo. A sensação tensa da incerteza se ele o aceitaria
de outra forma que não fosse apenas como um contrato sexual, se o
permitiria de verdade em sua vida.
“Eu não sei o que você está fazendo aqui, mas não cruze a linha! Não
faça isso. Não se meta no meu trabalho e na minha vida pessoal.”
Era impossível não lembrar daquelas palavras. Opunha a contradição
daquele homem sendo tão rude consigo e depois se desculpando
sinceramente, pondo-se num papel frio como Draco e rindo divertido das
coisas bobas que falava. Ele, sem dúvida, tinha esses dois lados que mexiam
muito com Gabriel.
Não que o lado sombrio de Felipe realmente o incomodasse ou fosse de
todo negativo, mas temia como aquilo emergia facilmente e o tomava com
uma máscara que certamente aquele homem usava para se proteger do
mundo. Uma máscara realmente demoníaca, manchada de sangue e
carregada com as memórias dolorosas de alguém que nunca teve escolha
senão atingir às expectativas que eram jogadas sobre ele. O ódio e o medo
fazendo-o criar barreiras densas e inabaláveis.
Durante aquela semana, Felipe estava sempre focado. Metido em
analisar documentos e discutir estratégias com Carla e Thiago. Nas reuniões
com seus subordinados, ou em qualquer momento que se via imerso naquele
mundo de novo, fumando muito e exausto pela insônia.
Pegava-se sempre olhando a fotografia de Gabriel em seu celular,
mandando mensagens para ele. Sorria reconfortado com as provocações
diárias de seu submisso. As fotos provocantes que ele o enviava,
convidando-o, exibindo a pele quase em sua coloração natural sem nenhuma
punição recente e sua feição tristonha implorando para ser marcado o faziam
sentir-se muito satisfeito, apertar os olhos e puxar o ar com dificuldade,
excitado.
Tentava ser frio, mas seu coração aquecia com intensidade pensando
nele, sugava-o daquela realidade habitual da Ordem e do submundo em que
viveu a vida toda: fazia ela ser mais agradável, mais suportável.
Mesmo distante, Gabe permanecia usando a coleira todos os dias.
Quando não em seu pescoço, usava-a no pulso, e repetidamente a tocava
quando sentia falta da presença da pessoa que o presenteara com aquilo.
Assim estava agora, olhando para o lado de fora da academia distraído, já
contabilizava dois dias sem ver Felipe.
O turno da manhã havia acabado e ele se sentia exausto. Seu corpo
dolorido por ter se esforçado mais que o necessário durante a semana toda.
Josh se aproximou encarando o amigo que deslizava os dedos na coleira do
pescoço distraidamente enquanto mordia o lábio com muita força, parecia
ansioso e em expectativa.
O loiro havia o observado atentamente durante a semana, cada vez mais
tenso e mal-humorado, principalmente nos últimos dois dias. Ele se encostou
em uma das máquinas de musculação com os braços cruzados e sorriu.
— Está tudo bem com você e o Felipe? Você dormiu na sua casa esses
dias, não? Tem chegado sempre no horário que costumava chegar antes... —
Josh indagou divertido. Gabriel o olhou com o cenho cerrado, os olhos de
gato como se estivesse pronto para atacar alguém.
— Está tudo bem. Ele está bem. Só teve que trabalhar muito essa
semana — Gabe respondeu com a voz mal-humorada de sempre. Sentou em
uma cadeira enquanto lambia o sangue do ferimento de seu lábio. Sabia que
Felipe odiaria ver aquilo. — Não é como se o Ron também tivesse todo o
tempo livre, não é?
Josh suspirou em um muxoxo.
— É. Eu já considerei até voltar a dar aulas de matemática só para não
ficar me sentindo miserável sentindo falta dele — Josh disse rindo
amargamente. Gabriel revirou os olhos e puxou a respiração com
dificuldade. — Para ser sincero eu acho que eu só estava muito mal-
acostumado na rotina de antes, que podíamos ficar juntos todo tempo,
despreocupados. Talvez eu só precise me habituar com isso, sabe? Ele longe
por causa desse trabalho.
O moreno grunhiu estalando a língua.
— Boa sorte. Eu não acho que eu consiga me habituar — Gabriel falou
baixinho. — Se você que está com o Ron há três anos ainda não conseguiu...
— Espera, então isso significa que vocês já assumiram algo mais sério?
— Josh retrucou empolgado — Estão namorando?
Gabe negou com a cabeça, irritado.
— É só sexo, Josh. Há um mês. Mas só sexo.
Joshua cruzou os braços e revirou os olhos. “Se você está até mesmo
contando o tempo, como pode não ter sentimentos envolvidos nisso?”
pensou em um suspiro. — Que seja — murmurou estalando os dedos como
quem se lembra de algo repentinamente:
— Ah! Você está lembrando que hoje vamos ao cinema, não é? — o
loiro questionou rápido piscando docemente. Gabe o olhou com uma
expressão tensa de quem havia esquecido. — GABRIEL! Você prometeu! O
Ron finalmente conseguiu uma folga. Nunca mais assistimos filme e fomos
ao fliperama! Por favor, me diz que você vai.
— Eu realmente esqueci, eu sinto muito. E justamente hoje eu acho que
não vou poder sair com vocês.
O loiro fez uma expressão emburrada, entendendo imediatamente a
razão para aquilo, e Gabe abaixou a cabeça refletindo que gostaria muito,
afinal, que Felipe fosse com eles. Queria mesmo que ele saísse um pouco
daquele entorno sombrio da Ordem no qual estava imerso durante toda a
semana, sufocado pelo trabalho exaustivo e incômodo que, Gabriel sabia, só
o trazia lembranças e sensações desconfortáveis.
Talvez se pudesse, nem que seja por alguns instantes, mostrar para ele
algo diferente e comum, mundano e cotidiano que animasse seu espírito.
Algo que somente Felipe, o fotógrafo, poderia fazer com ele...
Porém, também pensou se aquilo não soaria estranho, como se eles
estivessem em um relacionamento, e ponderou melhor não propor, já
imaginando que ele se incomodaria em sair para um lugar que Josh estivesse
presente, ainda mais naquele dia. “Por que eu estou insistindo nisso. Até
parece que ele lembra que hoje o contrato faz um mês. É só um contrato, se
controle” pensou negando com a cabeça.
Gabe desviou o olhar através da entrada de vidro da academia e viu
Felipe, do lado de fora, estacionando sua moto e tirando o capacete. Os dois
se encararam ansiosamente.
O moreno teve um sobressalto e trocou um olhar com Josh. O loiro
sorria empolgado, a ideia maluca estampada em seus profundos olhos azuis
arregalados. Gabriel negou com a cabeça desesperado preparando-se para
sair em direção à Felipe quando Josh puxou o moreno com força para atrasá-
lo e correu porta afora primeiro que ele.
— Josh, não! — Gabriel gritou vendo o loiro saindo para interceptar o
Castro.
— Felipe! Felipe! — Josh gritava em tom de súplica.
“Puta que...”
CAPÍTULO XVI

Felipe arregalou os olhos ao ver Josh saindo da academia esbaforido


indo em sua direção com velocidade. Era seguido de um Gabriel furioso que
protestava, chamando-o pelo nome e xingando. O homem arqueou a
sobrancelha, confuso, vendo os dois amigos discutindo brevemente. Josh
voltou para Felipe ignorando Gabe:
— Felipe, Felipe! Nós nunca mais saímos todos juntos! Se você
concordar em ir eu tenho certez-
— Josh, chega! Hoje não! Josh, porra!
— Vai se foder, Gabriel! Felipe, é sério! Se você for, ele vai! O Ron
finalmente conseguiu uma folga depois de todo esse tempo! Você vai gostar
desse passeio, eu prometo!
Gabriel protestava quando Felipe levantou as duas mãos, uma
expressão muito séria em seu rosto frio, pedindo silêncio. Os dois homens a
sua frente se calaram imediatamente, aguardando nervosos.
Ele puxou Gabe pelo pulso em sua direção e o abraçou, apertando-o
firmemente contra seu peito e o envelopando com seus braços fortes. Tocou
suavemente na coleira dele em uma carícia leve em seu pescoço.
Josh arregalou os olhos percebendo a expressão saudosa e de intenso
alívio que invadia o rosto do ruivo, Gabriel não podia ver, mas ele sim. O
loiro desviou o olhar sentindo-se incômodo e pensou em recuar.
— Como você está? Já almoçou? — Felipe perguntou baixinho a
Gabriel, que assentiu muito corado, afastando-se sem reação. Sentia seu
coração batendo intensamente em sua garganta. — Ótimo. — Ele olhou para
Josh em seguida. — Ir para onde?
O loiro o olhou sorrindo muito com a retomada do assunto e ignorou a
fuzilada dos olhos felinos e castanhos que recebeu de Gabriel, implorando
que ele ficasse quieto:
— Então! Todo mês a gente sai para ir ao cinema e ao fliperama desde
a época da escola! A Joana e o Guilherme também vão! E finalmente o Ron
conseguiu uma folga, mas o Gabriel esqueceu que havíamos combinado de
sair hoje. Então, se você topar ir eu tenho certeza que ele vai também.
— Filho da... — Gabriel resmungou baixinho. Felipe o olhou,
analisando-o de perto, em silêncio. Josh continuou em tom de súplica:
— Vai! Vai ser legal, vamos ver um filme de terror super ruim, comer
besteira e jogar no fliperama! Vocês parecem que tiveram uma semana cheia,
vai ser divertido! Vai ser tipo um encontro de casais!
Gabriel arregalou os olhos para o amigo em desespero, corando
instantaneamente, e fechou a expressão imediatamente, fugindo do olhar
divertido de Felipe, abraçando-o firmemente sem perceber. “Sempre um
gatinho arisco...” Felipe pensou muito bobo.
— Não somos um casal, Josh — Gabriel disse cabisbaixo. O ruivo
suspirou e apertou os olhos incomodado ao ouvir isso.
— Ah, que saco vocês. Um encontro de dois casais e dois...
Conhecidos?... Que transam. E dormem juntos. E se beijam. E se preocupam
um com o outro. Há um mês. Pronto. Viu? Vai ser legal! Felipe, vamos! —
Josh suplicou empolgado. Juntou as mãos implorando e fez um biquinho
dócil.
O maior deu de ombros indiferente.
— Se o Gabo quiser ir, por mim tudo bem. Eu vou pra onde ele for — o
ruivo disse friamente e puxou Gabriel para si o abraçando mais forte, enfiou
o nariz em seus cabelos e apertou os olhos sorvendo o cheiro que ansiava
sentir, saudoso. Gabriel estagnou sem reação devolvendo o abraço sem
conseguir falar nada.
— Perfeito! Então encontro vocês no cinema, o Gabe sabe onde é! Vou
comprar os ingressos pra que não tenham desculpas! — o loiro disse e
correu para dentro da academia fugindo da situação constrangedora, antes
que fosse contrariado pelo amigo.
Gabriel negou com a cabeça, esfregava o rosto contra o peitoral alheio
sentindo seu cheiro, queria morder sua pele, enfiar as mãos por dentro de sua
camiseta de botões branca e mergulhar nele. Permaneceu com os braços
fortes envolvendo-o em um abraço apertado por alguns instantes quando o
afastou um pouco para olhá-lo nos olhos, estava corado e muito excitado.
— Você não precisa se forçar a ir para esse tipo de coisa, de verdade.
Não faz parte do acordo — Gabriel falou muito baixo. Sua voz estava
carregada e rouca, não queria sair daquele aperto.
Felipe sorriu um pouco e negou com a cabeça.
— O Josh está certo. Foi uma semana cheia. E você me obedeceu muito
bem sem sair pra lugar algum. Nós dois poderíamos descansar.
— Sim, mas... Eu pensei que faríamos isso só nós dois — o menor
retrucou mal-humorado apertando a camiseta social de Felipe e percebeu
satisfeito a conhecida gravata ao redor de seu pescoço. O ruivo sorriu e
brincou com o piercing da língua provocante. Gabe prendeu os olhos
naquela cena sentindo suas coxas estremecerem de desejo.
— Por isso deixo a decisão com você. Se quiser ir, por mim tudo bem.
Se não... Podemos passar o dia todo trancados enquanto eu te fodo.
Aproveite que eu estou de bom humor e estou te dando opção — Felipe
disse em um tom muito sensual e rouco, fazendo Gabriel salivar, e o olhou
de cima. Os olhos dourados eram afiados e sádicos. A mesma tensão de
expectativa e ânsia emanava dos dois corpos colados.
Enquanto o encarava, o ruivo recapitulava os acontecimentos do último
mês incrédulo. A postura resoluta que tinha no princípio, certo de que aquele
contrato seria apenas mais uma distração sexual, todos os momentos que
repetiu para si mesmo sobre a certeza que tinha de que Gabriel se tornaria
obsoleto e cansativo e as vezes que sentiu seu coração vacilar em uma
sensação inédita e desconhecida começaram a invadir sua mente muito
cansada.
Admirava todo aquele rosto diante de si, o cabelo negro alvoroçado e os
olhos de gato com uma expressão muito fechada e mal-humorada, os lábios
angulosos e desenhados o atraindo. “O que você fez comigo?” ele se
perguntou de novo, como em um mantra. Não conseguia encontrar a
resposta.
O moreno o afastou corado, mirou o chão enfiando as mãos nos bolsos:
— Se você realmente não se importar, já tem um tempo que não
consigo sair com eles. — Ele deu de ombros mordendo o lábio, permanecia
encarando os próprios tênis enquanto tagarelava. — E seria mesmo mais
seguro se você fosse comigo. Então se você quiser ir...
Felipe sorriu de canto introspectivo e encarou as próprias mãos serenas
e quentes. Há algumas semanas atrás fumava muito mais e dormia muito
menos, sufocado e perdido em uma vida que parecia não se encaixar por
mais que se esforçasse.
As crises intensas de ansiedade, as mãos sempre muito gélidas,
tremendo sem parar, pareciam agora sintomas muito distantes. Quantos anos
se passaram? Ele tentava lembrar e contabilizar.
Havia passado três anos longe da Ordem, vagando por países e
fotografando nas ruas, fugindo. Meteu-se em um jornal por indicação de um
velho amigo de sua mãe por tédio ou apenas pela sensação estranha que
tinha sempre que ouvia ele falando sobre ela. Como ela era antes de se
envolver com Ruan Castro, o seu pai. Ficava sempre frio e impassível, sem
demonstrar nada, mas apreciava ouvir cada mínimo detalhe que podia ter
sobre ela, Diana.
Aqueles anos haviam passado arrastados como se fosse uma eternidade.
Fugia sem parar de qualquer relação com a Ordem e tampouco conseguia
entrosar-se com a vida comum, era de lugar nenhum.
Desistiu de trocar de número de telefone já no primeiro ano quando viu
que nunca conseguiria se livrar do casal de amigos Carla e Thiago. Eles
sempre o encontravam. Iam até sua casa repetidas vezes e repentinamente
com a desculpa de checar a segurança do perímetro, mas Felipe sabia que
estavam preocupados que ele tentasse, novamente, finalizar a própria vida.
Evitava lembrar desse deslize porque o gosto de ferro do cano de sua arma
sempre invadia sua boca de forma perturbadora.
O ruivo levantou os olhos, Gabriel o fitava com uma sobrancelha
arqueada, aguardando sua resposta. O passado parecia uma névoa sendo
totalmente dissipada por uma claridade muito intensa. E aquela pessoa
improvável era essa luz, a sua luz.
Aqueles olhos irritadiços e brilhantes arrebataram todo seu ser e ele não
sabia como lidar com a estupidez que assolava seus modos sempre que
estavam juntos. Era realmente como se Gabriel o fizesse agir como ele
mesmo, fazendo-o se sentir tão confortável com a pessoa que era que
nenhuma mentira ou máscara era necessária.
— Está tudo bem? — Gabriel perguntou tensamente. Segurou a mão
estendida em inércia do ruivo entrelaçando os dedos nos dele e apertou-o
firmemente.
— Sim. Sim, está — Felipe confirmou vendo as mãos apertadas nas
suas e arfou sentindo o coração batendo muito forte em sua garganta. “Um
dia eu vou cansar disso? Realmente vai perder a graça e passar ou eu só não
queria acreditar que era capaz de sentir algo real?” sua mente estava em
tormento quando assentiu friamente. — Eu quero ir com você.

✽✽✽

O shopping estava movimentado e muitas famílias passeavam


animadas, o clima ordinário e muito banal de descontração permeando o
ambiente. Felipe não tinha o costume de ir a shoppings, normalmente tinha
alguém que fazia compras por ele e malmente ia a supermercados. Evitava
lugares comuns onde pessoas igualmente comuns frequentavam por sempre
ser alvo de olhares curiosos, além dos cochichos indiscretos que era
obrigado a ouvir.
Ele tinha uma estrutura e aparência que não se encaixava no corriqueiro
e geralmente sentia-se incomodado como se fosse um intruso. Infelizmente
sentia-se da mesma forma quando estava na Ordem, então não era realmente
algo inédito. Olhou para o moreno ao seu lado, a coleira se destacando em
sua pele castanha. Sorriu radiante com aquilo.
Andavam apressados em direção ao cinema enquanto Gabriel vinha
orientando-o sobre não dar ouvidos à Joana e tolerar os comentários
estúpidos de Guilherme. Felipe assentia indiferente enquanto lutava com o
desejo repentino que tinha de entrelaçar a sua mão na dele enquanto
caminhavam. Nunca havia andado de mãos dadas com ninguém e parecia
algo que faria apenas com ele.
O moreno, por sua vez, suava frio muito tenso com aquela situação,
ponderando se aceitar ir àquele programa com seus amigos era realmente
uma boa ideia. Felipe normalmente era frio e muito distante com todos ao
seu redor, menos com ele, e temia que ele se sentisse desconfortável com as
perguntas invasivas e acabasse sendo rude. Era tomado por vários
pensamentos apreensivos quando reparou nos olhos dourados o analisando
calmamente.
“Por que ele está vermelho?” pensou confuso.
Os dois chegaram ao cinema atravessando a praça de alimentação e
avistaram os quatro amigos os esperando. Ron estava sentado em um banco
largo defronte a entrada da bilheteria e Josh conversava sentado em seu colo
com Guilherme e Joana que estavam em pé.
Ao avistarem o casal que chegava, Joana arregalou os olhos e abriu um
largo sorriso. Chamou pelo nome de Gabriel empolgada e correu em sua
direção, pulando em seu colo sem nenhuma vergonha. Felipe arqueou as
sobrancelhas e travou o maxilar vendo-a enroscar as pernas ao redor de seu
companheiro.
Joana largou Gabe, apoiando-se com dificuldade no chão, tropeçando
os pés com a plataforma alta que calçava.
— Que saudade, seu fodido! Tem mais de um mês que a gente não se
vê! — Joana falava apertando o rosto de Gabriel com as duas mãos. Ela
beijou a ponta do nariz de Gabe e ele a afastou rudemente incomodado.
Joana riu divertida.
— Vai se foder, Joana! Que merda! Eu já disse que odeio isso.
— Mas é por isso que eu continuo, ué!
Joana tinha a mesma altura que Gabriel e era muito bonita. Sua pele era
negra em um tom mais claro que o de Ron, seu irmão, e tinha um cabelo
crespo denso e volumoso ao redor de seu rosto triangular.
Seus lábios eram muito desenhados e volumosos, os cílios densos
marcados emoldurando os olhos castanhos claros. Ela usava um vestido à
altura dos joelhos alvo e florido realçando as pernas longas, além de um
cardigã de lã com botões de pérola. Parecia dócil e muito simpática tentando
apertar as bochechas de Gabriel enquanto ele a enxotava com as mãos, o
cenho cerrado e muito irritado.
Os outros se aproximaram e Felipe recuou um pouco, sentiu um tremor
estranho pela insegurança de ser rejeitado, enfiou as mãos nos bolsos,
silencioso, enquanto Gabriel cumprimentava os amigos.
— Jojo, cuidado que esse monstrinho não é adestrado! Ele vai acabar te
mordendo! — Guilherme disse debochado com a voz muito divertida.
Gabriel o olhou mostrando os dentes com o cenho cerrado e mordeu o ar
violento. Mostrou o dedo do meio em agressividade. Felipe sorriu gostando
muito daquela cena.
Guilherme era tão alto quanto Felipe e tinha um cabelo em dreads finos
e longos, presos em sua nuca, as laterais raspadas. Na ponta de seu nariz
arrebitado um óculos redondo de armação dourada contra os olhos em um
verde profundo. Sua pele era igualmente negra assim como a de Joana.
Vestia uma camiseta de botões listrada e uma calça muito larga, e ria
baixinho com a agressividade do amigo.
— Você não muda, mesmo. Eu pensei que tinha parado de se meter em
brigas desnecessárias — Guilherme disse apontando para o pescoço alheio.
Sorriu debochado e olhou de canto para o ruivo que observava a conversa
seriamente. — Essa coleira foi a carrocinha que colocou em você?
— Vai pro inferno — Gabriel retrucou mal-humorado, tinha a memória
fresca dos beijos fortes que Felipe desferiu em seu corpo antes de chegarem
ali e as marcas recém feitas pela sua rudeza.
Josh e Ron entreolharam-se entre risinhos e Joana arquejou assustada
reparando nas manchas roxas e vermelhas intensas que se espalhavam pela
base do pescoço dele.
— Meu Deus, Gabriel! Você apanhou de um urso? — ela disse puxando
a gola de Gabe para vê-las, inocentemente. O moreno a enxotou de novo,
sorrindo levado.
— Não, foi de um dragão, porra — ele respondeu. Felipe virou o rosto
e cobriu a boca para esconder a risada involuntária. — Já chega dessa merda.
Não estamos atrasados para o filme?
Josh se intrometeu estalando os dedos pedindo atenção. Percebia que
Gabriel hesitava em apresentar Felipe e, por conhecê-lo, imaginava
exatamente a razão: não saberia como fazer isso sem expor demais o fato de
que tinham uma relação baseada em sexo.
Por mais que o loiro não soubesse todos os detalhes sobre aquilo,
entendia que o amigo tinha sentimentos por aquele homem e queria mesmo
que o ruivo se sentisse confortável entre eles como um amigo. Felipe parecia
acuado por trás da sua máscara indiferente e Josh percebeu que ele não
estava habituado com todo aquele alvoroço.
— Ok, antes deixa eu apresentar vocês. Felipe, esse babaca aqui é o
Guilherme, meu primo! E essa é a Joana, irmã do Ron! — ele disse e voltou-
se para Joana e Gui: — e esse é o Felipe, amigo da Lizzo. Ele é fotógrafo e
sempre está lá pelo clube.
Felipe arqueou as sobrancelhas percebendo a perspicácia de Josh, havia
evitado completamente o fato de que ele e Gabriel estavam juntos.
O ruivo cumprimentou o casal com a cabeça, ainda em silêncio, e os
dois acenaram sorrindo de volta para ele. — Então foi ele que tirou aquela
foto linda do Gabe que está na página da Lizzo. — Ele ouviu Joana
cochichar para Guilherme. Sentiu um desconforto estranho dentro de si,
como se algo estivesse muito errado em não ser apresentado como o
companheiro daquele homem.
Olhou de canto para o moreno que também parecia inquieto e
desconfortável com aquela falta de conexão entre os dois. Eles se olharam
por instantes e o menor puxou o ar com o cenho cerrado, apontando
indiferente para o ruivo com o polegar.
— E além disso, eu e ele estamos saindo... Ou alguma merda assim.
Agora vamos ver o filme — Gabe disse corando muito e deu de ombros.
Não devia satisfações para eles, mas sabia que não poderia esconder o
envolvimento que tinham. Segurou Felipe pela mão e o puxou na direção da
entrada seguido por Ron e Josh que riam baixinho entre si.
Joana abriu a boca surpresa assim como Guilherme e se entreolharam
surpresos.
— Saindo?! — os dois repetiram em coro.
— Ei! Espera! Volta aqui Gabriel! Como assim? — Joana gritou
histérica, mas o moreno usou o indicador sobre os lábios para ela fazer
silêncio. A amiga nunca havia visto Gabriel com ninguém e Guilherme, que
o conhecia a muito mais tempo, tampouco.
Felipe tentava conter o sorriso bobo, possuído por uma taquicardia
latejante em seu peito eufórico, enquanto pegava os ingressos que Ron o
entregava rindo. Todos entraram na sala em uma confusão barulhenta.
A sala de cinema era grande e fria, as cadeiras enfileiradas diante de
uma enorme tela estavam ocupadas em sua maioria. — A gente nunca viu
ele saindo com ninguém todo esse tempo, por que o Josh não falou nada pra
gente? — Joana cochichava atrás de Felipe que ouvia tudo muito
atentamente.
O grupo subia pelas escadas indo em direção à fileira de seus assentos
reservados. Ron entrou primeiro assumindo uma das poltronas, seguido de
Josh. Gabriel ia logo atrás do loiro, mas sentiu Felipe puxá-lo pela blusa,
trocando de lugar consigo.
O ruivo então se sentou ao lado de Josh com uma expressão muito
séria, separando os dois com sua presença. Gabe arqueou uma sobrancelha
sem entender a razão daquilo e entrou em seguida na fileira, sentando-se na
poltrona ao lado de Felipe. Joana e Guilherme vinham logo em seguida, atrás
dele, e ainda em sussurros.
— Tem certeza que vai ficar aí? O Josh é um tagarela, ainda mais
quando está com medo — Gabriel perguntou ao ruivo ao seu lado.
— Sim — Felipe retrucou rudemente e o fitou com os olhos apertados.
— Se eu fosse você pensava duas vezes, Felipe. O meu irmão é um
nojento sem noção e adora ficar se pegando com o Josh na nossa frente! —
Joana disse para Felipe e simulou um calafrio de nojo enquanto sentava ao
lado de Gabriel.
Ron revirou os olhos em silêncio levantando o apoio de braços que
separava ele de seu noivo. Josh riu baixinho.
— Ah, sim. E nossa diversão é ver os dois apanhando do Gabe —
Guilherme complementou ao lado da namorada. Joana riu concordando.
— Sinto muito estragar essa diversão de vocês hoje — Felipe
respondeu dando de ombros e sorriu sádico, brincando com o piercing de sua
língua. Joana corou com aquilo e Guilherme pigarreou enciumado com a
reação hipnotizada que a moça teve.
Joana se inclinou na direção de Gabe e sussurrou em seu ouvido:
— Que porra, como você está saindo com um cara gostoso desse? —
ela sussurrou empolgada e acabou falando alto demais. Felipe abaixou a
cabeça timidamente e apertou os lábios, contendo-se para não rir.
— Silêncio vocês, vai começar — Ron falou seriamente com o braço
sobre os ombros de Josh. O loiro se aconchegou em seu colo ronronando.
O filme de terror era realmente terrível e de péssimo gosto. Os sustos
forçados e a atuação sofrível dentro de um enredo mal traçado faziam Joana
e Guilherme rirem sem parar. Josh não demorou a ficar inquieto de medo e
começar a se debruçar sobre Felipe para falar com Gabriel.
Tagarelava sem parar, comentando sobre a tal entidade demoníaca, e
enchendo o moreno de perguntas. Gabe revirava os olhos tentando explicar a
história para o amigo que sentia tanto medo do filme ruim que nem
conseguia compreender o que estava acontecendo. Conversavam em
cochichos com Felipe os separando.
— Não, Josh, eu acho que o sangue não jorra forte assim quando corta
uma garganta — o moreno sussurrou em resposta ao amigo, sobre Felipe, e
Josh apertou os olhos sentindo nojo em uma careta.
— Depende — Felipe sussurrou no meio da conversa deles, fazendo o
loiro arregalar os olhos apavorados. Ele supunha que o ruivo estava apenas
querendo assustá-lo e recuou com um biquinho para o colo de Ron.
Gabriel cobriu o rosto tentando respirar. Sabia que ele estava falando
sério.
Felipe se divertia com os comentários estúpidos sobre as cenas de
violência e morte. Eram dramáticas e irreais, os sustos e a trilha sonora
muito tensa fazendo Gabriel ter alguns sobressaltos ao seu lado.
O moreno fechava a expressão com raiva depois de cada salto
percebendo o risinho divertido que o homem ao seu lado direcionava a ele.
Estava tremendo de frio e xingou mentalmente por ter esquecido seu casaco
na casa de Felipe quando foram deixar a mochila com as roupas lá antes de
irem para o shopping.
O Castro tirou a jaqueta de couro que usava, entregando-a para Gabriel,
que a rejeitou com a cabeça. Ele grunhiu irritado e jogou o casaco sobre as
pernas dele, indicando-a com os olhos.
— Vista agora — sussurrou.
— Você é mandão pra caralho — Gabriel falou mais alto que o
necessário, chamando atenção dos amigos.
Joana sorriu para Guilherme que também espiava através dos cachos
dela. O moreno tentou disfarçar vestindo a jaqueta, mal-humorado.
Sentia-se bem melhor com a jaqueta que o aquecia. Apoiou a mão ao
lado de seu corpo distraído em um movimento repentino, exatamente onde a
mão de Felipe estava, e seus dedos mindinhos se encostaram levemente. Ele
tremeu sentindo o contato inesperado e fixou os olhos na tela com o rosto
muito corado, no escuro.
Felipe, por sua vez, respirava com dificuldade, sem entender a razão de
sua pulsação célere e descompassada. Já havia visto aquele homem ao seu
lado completamente nu em todas as vezes que já haviam transado, já havia o
beijado e dormido ao seu lado, mas ainda assim parecia uma criança muito
boba com aquele quase dar as mãos.
Com o cenho muito cerrado, Gabriel mordeu o canto do lábio a fim de
focar e concentrar-se. Felipe revirou os olhos avançando sobre seu corpo e
estendeu a outra mão para puxar o queixo dele, impedindo-o de se machucar.
Joana, que se mantinha atenta, teve um sobressalto supondo que o ruivo
o beijaria. Os dois se encararam enquanto Felipe repreendia o seu submisso
com o olhar dourado, negando com a cabeça. Gabriel revirou os olhos e
moveu a mão inerte entrelaçando-a na do ruivo. — Então me ajude — ele
sussurrou apertando os dedos alheios nos seus.
Felipe recuou travando o maxilar e voltou à sua posição, muito corado,
as mãos dadas com Gabriel o faziam sentir uma falta de ar tensa, ainda mais
percebendo que Ron e Josh beijavam-se com vontade ao seu lado. Engoliu
com dificuldade, ajeitando-se na poltrona com a expressão muito fria que
contrastava com a coloração avermelhada de suas orelhas e bochechas.
Apertou a mão alheia e levantou o queixo como se aquilo não fosse
nada. Ficaram assim até o fim do filme tosco.

✽✽✽

Josh andava de mãos dadas com Ron enquanto conversavam divertidos


com Guilherme sobre o filme. Joana intervinha muito alto, sua voz tomava
tons agudos muito fácil enquanto ela ria dos sustos que todos levaram.
Felipe e Gabriel caminhavam em silêncio muito próximos um do outro
e um pouco recuados. Gabe tentava conter a timidez que o invadia sempre
que cruzava o olhar com o ruivo e mantinha-se sempre com as mãos nos
bolsos, as sobrancelhas cerradas enquanto mordiscava a bochecha por
dentro. Queria voltar a segurar a mão de Felipe, mas controlava-se ao
máximo.
Joana riu alto chamando a atenção dele:
— O Felipe foi o único que não se assustou nem uma vez! — ela disse
entre risos e Felipe a olhou insondável, estava imerso nos próprios
pensamentos e nem havia prestado atenção na conversa. — Mas também eu
acho que ele estava mais concentrado em outra coisa.
Joana falou sorrindo muito e olhou para Gabriel provocativa. O moreno
a encarou raivoso e bufou desviando o olhar timidamente. Felipe sorriu um
pouco.
— Aquele filme era patético, vocês que se assustam fácil demais —
Gabriel retrucou dando de ombros.
— Tão patético que você tomou uns bons sustos — Ron disse e riu alto.
Joana e Guilherme riram também enquanto Josh concordava cobrindo a
boca, mantinha-se atento em Felipe, que olhava muito bobo para Gabriel.
— Vai tomar no cu, seu babaca! — Gabriel retrucou mostrando o dedo
do meio. — Eu estava assustado é com o quanto vocês dois conseguem ser
melosos e sem noção em público!
— O monstrinho fala isso porque é doido para que alguém seja meloso
com ele — Guilherme disse a Josh rindo de canto. Ele tinha um piercing no
smile que aparecia sempre que ele ria muito aberto.
Joana riu concordando e ecoando: — doidinho para que sejam super,
super melosos com ele — com uma voz fofa forçada e as bochechas
infladas. Gabriel revirou os olhos e bufou rosnando ignorando-os e
deixando-os voltarem a outro tópico que não fosse ele.
— O noivado e casamento também fazem as pessoas ficarem bobas
assim na Ordem? — Gabe sussurrou para Felipe sem que os outros
ouvissem, indicava Ron e Josh caminhando apaixonados e grudados mais à
frente. O ruivo sorriu para ele, divertido.
— Pelo visto a imbecilidade é universal quando se trata disso. O
excesso de regras que dificulta tudo e faz eles fingirem que não.
— São tantas regras assim para casar na Ordem? — Gabe questionou
curioso e interessado. Felipe deu de ombros.
— Pessoas de Classe A só podem casar com pessoas da Ordem e no
mínimo de Classe B, por exemplo. E mais um monte de condições imbecis.
Na verdade, pessoas de Classe A não podem se relacionar com pessoas de
fora ou... “inferiores”.
Gabe assentiu imergindo nos próprios pensamentos, silencioso.
O grupo prosseguiu caminhando em direção ao fliperama, um espaço
grande cheio de máquinas de jogos e brinquedos para todas as faixas etárias
como um pequeno parque de diversões dentro do shopping.
Quando avistaram o lugar, Gabriel, Josh e Guilherme entreolharam-se
rapidamente em um segundo tenso no qual estagnaram. Felipe observava
sem entender o que estava acontecendo quando os três se estapearam
puxando a camiseta uns dos outros e saíram correndo em direção ao lugar
todo iluminado pelas luzes coloridas que vinham dos caça níqueis e arcades.
O ruivo arqueou as sobrancelhas e Joana grunhiu em um muxoxo. Ron
riu divertido vendo que só os três rapazes haviam corrido enquanto o resto
ficou parado no lugar.
— Essas crianças não se cansam dessa besteira — Joana reclamou
cruzando os braços e os três continuaram caminhando lentamente.
— O que foi isso? — Felipe perguntou curioso vendo de longe que os
três discutiam diante da bancada da bilheteria, pareciam competir por algo.
— Ora, o quê? Esses caras jogam aqui desde que eram adolescentes e a
mente deles estagnou nos 16 anos, claro! — Joana falou rindo.
— Eles estão competindo para ver quem vai primeiro nos jogos que
eles mais gostam. Aposto 15 que o Gabriel conseguiu a máquina de dança.
— E eu aposto 20 que o Guilherme pegou dessa vez. Ele jurou que ia
bater o recorde do monstrinho e que não ia deixá-lo fechar todas as músicas
com cinco estrelas — Joana falou ao irmão estalando a língua e estendendo a
mão para selar a aposta. O homem negou com a cabeça, certo da sua
posição.
— Ninguém consegue argumentar com esse idiota quando ele está
motivado. E eu acho que você esqueceu que hoje ele está particularmente
MAIS motivado. — Ron apertou a mão dela com força e indicou o ruivo ao
lado deles com a cabeça. Joana revirou os olhos.
Felipe observava o diálogo sorrindo de canto enquanto eles chegavam à
bancada. Gabriel mostrou os dois dedos do meio para Guilherme, a língua de
fora tirando sarro, enquanto Josh ria de se acabar.
— Eu te odeio. Você consegue mesmo ser insuportável quando quer!
Dane-se, eu vou em seguida e vou superar sua pontuação! — Guilherme
disse raivoso e brincalhão. Pegou as moedas das máquinas de cima do
balcão irritado enfiando-as no bolso e cruzou os braços em seguida.
Gabe ria sem parar, debochando muito.
— Ninguém vai bater meu recorde nessa merda, muito menos você! —
Gabriel falou levantando a gola da jaqueta de couro de Felipe, ainda a usava
e parecia agressivo com os cabelos negros alvoroçados.
Os olhos selvagens o deixavam ainda mais bonito do que já era
enquanto sorria com os dentes perfeitos. Felipe prendeu a respiração por
alguns segundos o apreciando e desviou o olhar percebendo que Josh e Joana
o observavam com os olhos apertados.
Ron olhou para Joana com um tom de “eu avisei” e estendeu a mão. Ela
puxou uma nota de dentro da bolsinha cheia de penduricalhos que trazia a
tiracolo e colocou sobre a palma do irmão dando de ombros.
O grupo foi até à máquina de dança enquanto Joana puxava Felipe um
pouco para trás pelo braço. Ela se esticou para sussurrar algo e o ruivo a
fitou friamente sem entender.
— Vocês estão namorando? — ela perguntou animada enquanto se
escondia atrás dos outros.
O ruivo apertou os olhos e ponderou a pergunta por uns instantes.
— Hum, não — ele respondeu em um tom levemente decepcionado.
Pigarreou desconfortável sentindo-se muito exposto.
— Mas parece. Parece muito.
— Eu não sei como pareceria, eu nunca fiz isso antes.
— Namorar? Você nunca namorou?! — ela perguntou baixinho,
incrédula, analisando o homem muito bonito da cabeça aos pés. De certa
forma ela não estava tão surpresa, ele realmente era intimidador. — Bom,
mas já deve ter ficado com alguém antes, né?
Felipe deu de ombros indiferente.
— Hum.
— E era a mesma coisa? — ela perguntou virando o rosto na direção do
ombro com uma expressão inquisidora. O olhar perdido e vacilante daquele
homem entregava a resposta negativa. Ela prosseguiu risonha: — há quanto
tempo estão saindo?
— Um mês hoje.
Joana abriu a boca e sacudiu as mãos empolgada. Gabriel virou para
trás percebendo que eles cochichavam e apertou os olhos repreensivos na
direção da amiga, que disfarçou assobiando e olhando ao redor sonsamente.
O moreno bufou e colocou as moedas na máquina, apontou para
Guilherme provocando-o. Ele ainda discutia com o amigo sobre ter perdido
na ordem da vez no jogo. A moça que ainda serpenteava Felipe cutucou Josh
e sussurrou de forma audível para que o ruivo ouvisse: “... ele vai se exibir
para o Felipe”, Josh cobriu a boca contendo a risada. “Com toda certeza” o
loiro sussurrou de volta.
A música da máquina começou e Gabriel tirou a jaqueta devagar,
sensualmente, e jogou-a para Felipe que pegou no ar sorrindo. O moreno
piscou para ele, divertido, e virou-se para dançar. Sabia os movimentos de
cor e ouvia a pontuação subindo enquanto Guilherme protestava xingando-o
e menosprezando falsamente a habilidade do amigo. Os outros riam sem
parar.
Felipe sorria bobo apertando a jaqueta, ela estava quente pelo contato
com o corpo de seu submisso. Observava-o dançando satisfeito ao ver que
realmente ele era muito bom naquele jogo, dançando até melhor que o
personagem que guiava os passos na grande tela. Exibia-se e o ruivo não
conseguia fingir que não gostava disso.
Ao final da música as cinco estrelas douradas apareceram grandes e
saltitantes e Guilherme grunhiu:
— Sai daí, é minha vez — ele disse enfiando a ficha e mostrando o
dedo do meio ao moreno que revirava os olhos. — Observe-me destruindo
seu recorde.
— Até parece que eu vou ficar aqui vendo você nem chegar perto! —
Gabe disse e mostrou a língua para ele irritado.
— Gui, deixa eu ir com você! — Joana falou e avançou entrando no
jogo. — Deixa ele para lá, vamos dançar aquela que eu gosto.
Gabriel caminhou até Felipe de braços cruzados e os dois se olharam
timidamente, ele pegou a jaqueta de volta sem pedir e a vestiu lentamente
sentindo os olhos cor de âmbar presos na barra levantada da camiseta, as
manchas roxas em seu pescoço muito chamativas.
Josh cutucou o amigo, convidando-o para ir em outro jogo, e chamou
Felipe também assim como Ron. — Quando bater meu recorde me avisa, eu
espero não estar num asilo quando conseguir — Gabe gritou para Guilherme
enquanto se afastava e ouviu o outro retrucar com um insulto.
Foram até uma máquina grande de tiro. Uma sequência de pistolas
enfileiradas em uma bancada defronte uma grande tela de onde apareciam
zumbis muito lentos, arrastando-se.
— Vamos em duplas! A dupla que perder paga a janta! — Josh propôs
empolgado e Ron riu concordando.
Gabriel se voltou para Felipe e o viu encarando a pistola de brinquedo
com um olhar estranhamente vidrado. O ruivo sabia que ela não era real,
mas sentiu um calafrio gélido em sua espinha, hesitando em tocá-la.
Josh e Ron se posicionavam ladeados, pegando suas armas e
conversando entre si, enquanto Felipe permanecia parado e engolia em
dificuldade, trêmulo. Ele estendeu a mão na direção da pistola e Gabe o
impediu colocando sua mão sobre a dele, o que chamou a sua atenção por
alguns instantes. Eles se olharam profundamente quando o moreno apertou
firme a mão vacilante de seu dominador.
— É só um jogo. Um jogo estúpido. — Ele apontou para a tela, os
zumbis lentos jorravam um líquido verde fluorescente sempre que eram
atingidos — Entendeu?
Felipe assentiu timidamente e desviou o olhar fingindo indiferença e
não entender a razão daquela fala. Gabe então puxou uma das pistolas que
era usada pelas crianças, ela era cor de rosa e cheia de flores coloridas
estampadas, e a indicou para o maior.
O ruivo olhou para a arma que o moreno o oferecia e arqueou uma
sobrancelha:
— Sério isso? — questionou com a sua expressão impassível. Gabriel
cerrou a sobrancelha e entregou rudemente a arma colorida para o homem
que a aceitou sem muita opção.
Os quatro ficaram alinhados apontando as armas na direção da tela, e
em um súbito Felipe não sentia mais a insegurança de antes. A forma de
segurá-la, sua base, a circunstância, nada era como normalmente era quando
usava uma arma de verdade. Mesmo que fosse, estar ao lado dele fazia tudo
ser muito diferente.
Olhou Gabriel de canto percebendo que ele o analisava atentamente.
— Vamos ganhar deles — Felipe disse e lambeu os lábios, o piercing
cintilando na língua úmida. Gabe arfou e apertou o cenho. Assentiu sorrindo
satisfeito.
O jogo havia começado e Felipe era realmente muito rápido, disparava
acertando todos os zumbis que apareciam na tela. Gabe também apertava
com velocidade o botão do disparo, massacrando a onda de seres rastejantes.
Josh e Ron se esforçavam, rindo muito, para acompanhar a sincronia
que os dois tinham. A velocidade da batalha aumentando enquanto a
pontuação do segundo casal subia em disparada, eles sorriam soltos e
comunicavam-se com poucas palavras, mirando e eliminando o volume cada
vez mais denso de mortos vivos.
A tela do tempo alertou para o limite atingido indicando os vencedores
em seguida. Felipe e Gabe levantaram as mãos e bateram uma na outra em
um tapa alto, satisfeitos com a vitória. — Boa! — os dois disseram em
uníssono e se encararam sorrindo um para o outro, apaixonadamente. Um
silêncio se fez enquanto Josh fazia um muxoxo para Ron e o abraçava,
ignorando o casal que se fitava timidamente ao seu lado.
Felipe arquejou, assim como Gabriel, um brilho único e muito intenso
tomando os olhos dos dois. O ruivo estremeceu piscando devagar, fugiu da
encarada e travou o maxilar tentando conter o coração pulsante que sambava
em seu peito.
Estava eufórico e nem havia percebido a empolgação que tinha tomado
conta de si naquele momento tão singelo. Não se lembrava de um dia já ter
jogado videogame nem de ter vivenciado uma ocasião tão natural e comum a
ponto de esquecer por completo tudo que ele sempre esteve atrelado.
Parecia mais consigo mesmo do que foi em toda sua vida, sem
máscaras. Nada mais existia, nada além dos dois. Gabriel tinha esse dom:
oferecê-lo momentos ímpares e inéditos que o faziam esquecer o ódio e
substituí-lo apenas por alegria e paz.
Respirava com dificuldade tal qual o moreno que enfiou as mãos no
bolso depois de guardar a pistola no lugar. Josh riu e deu dois tapas no braço
de Felipe, Ron também sorria alegre ao seu lado.
— Vamos pagar essa janta só porque vocês formam uma bela dupla e
deixamos vocês ganharem — Ron disse. Felipe sorriu de canto aceitando a
provocação.
— Não somos só uma bela dupla, nós somos a melhor — o ruivo disse
piscando sensualmente para Gabriel e fazendo-o arregalar os olhos, muito
corado.

✽✽✽

A noite começava a chegar e o grande shopping iluminado continuava


cheio. As risadas do grupo que jantava despreocupado na praça de
alimentação ecoavam misturadas às muitas vozes e música ao vivo.
Felipe apreciava, silencioso, a conversa que se desenrolava solta,
sentado ao lado de um Gabriel que só sabia xingar e rir ou revidar
provocações. Guilherme sempre fazia piadas chamando-o de monstrinho e
explicava ao ruivo sobre a origem do apelido cômico atrelado ao
comportamento sempre arisco do moreno.
Brincava de expor como o amigo já era assim desde a época da
adolescência: brigando por coisas frívolas e sempre se comportando como se
fosse o irmão mais velho de todo o resto. Joana parecia se divertir muito,
pendurada no braço do namorado e beijando-lhe a bochecha.
Era uma atmosfera de alegria e muita descontração jovial que Felipe
saboreava com tons de primeira vez. Ele bebericava sua água sentado
confortavelmente, a perna cruzada apoiada sobre seu joelho e o braço
apoiado no encosto da cadeira de Gabe, o envolvendo de perto sem tocá-lo.
— Ah, finalmente depois de todo esse tempo eu vou ter férias na
faculdade e vou poder ir assistir à apresentação do Gabe amanhã na Lizzo!
— Joana disse batendo palmas ansiosa.
— Que sorte! Porque justamente amanhã ele vai apresentar uma
coreografia incrível que ele vem trabalhado a semana toda! — Josh replicou
empolgado. Gabriel se engasgou com a bebida que tomava em agonia. — Eu
vi só um pedaço. Ele não me deixou ver o resto de tão duro que está
trabalhando nela. Ele me disse que até afastou todos os móveis para ensaiar
em casa! Ela está super sentim-
— Ok! Chega — Gabe o interrompeu nervoso e bateu o copo na mesa.
— É só uma coreografia. Nada demais.
Felipe o encarou apertando os olhos, curioso. Guilherme negou com a
cabeça e apontou para Gabriel em um tom de repreensão.
— Bem que eu percebi que você está pálido! Da última vez que ensaiou
sem parar desse jeito você adoeceu logo depois da apresentação e ficou com
uma febre desgraçada!
— Mas a apresentação foi perfeita! Até eu quase adoeci depois daquele
Pride! — Josh retrucou, defendendo o amigo.
— Foi quando começamos a namorar? — Ron perguntou ao loiro e ele
confirmou sorrindo divertido.
Gabe abaixou a cabeça massageando as têmporas, sentia seu corpo
muito pesado e cansado em uma exaustão que se alastrava por seus
músculos, fazendo-o se questionar se conseguiria dançar aquela coreografia
sentimental na frente de todos e, principalmente, de Felipe. A estafa
acumulada formando uma sensação incômoda em um presságio.
O assunto prosseguiu em outra linha e o moreno se fechou em seus
pensamentos por alguns instantes, recapitulando o último mês e o dia
maravilhoso e animado que tivera com Felipe e seus amigos. Os novos
sentimentos com os quais tinha que lidar o atormentavam.
Dali, só pensava em ir descansar nos braços daquele homem e nada
mais. Estava realmente ansioso pelo dia seguinte. Uma onda tensa de
insegurança invadia suas entranhas quando sentiu a mão quente do ruivo,
que o envolvia apoiado em sua cadeira, o aquecendo em seu braço. Ele o
olhou com a face irritadiça e vasculhou os amigos com o olhar para ver se
era seguro conversarem um pouco sem análises inconvenientes.
— Você vai fotografar na Lizzo amanhã? — Gabe perguntou em um
sussurro. O outro sorriu um pouco, apertando o braço dele discretamente,
estavam mais próximos do que ele havia notado.
— Fotografar não. Mas eu vou estar lá. Você vai se apresentar, não é?
Gabriel fez que sim e sorriu para ele. Os dois estavam muito perto,
quase sentiam a respiração um do outro desejando, de forma recíproca,
encurtar a distância cada vez mais para se beijarem.
Joana chamou a atenção para todos fazerem uma pose para foto. Felipe
se afastou bruscamente para sair do enquadramento.
— Ei, Felipe! Você não está aparecendo. Volta para onde estava! —
Josh falou.
O ruivo arqueou as sobrancelhas confuso e negou com a mão. Joana fez
um biquinho segurando o celular na posição da selfie e Guilherme reforçou
— Volta logo!
— Vamos, Felipe! Você faz parte do grupo e é nosso amigo, tem que
aparecer na foto! Sorria! — Joana disse sorrindo.
Gabriel revirou os olhos vendo-o totalmente corado e sem reação com
aquilo, o puxou em um abraço obrigando-o a aparecer na foto. Beijou seu
rosto, pegando-o desprevenido, e sorriu para a foto com a expressão felina
em seguida, arrancando um sorriso bobo do ruivo que envolvia. A foto foi
tirada e Felipe não queria que o dia acabasse nunca.
CAPÍTULO XVII

Jonathan estava sentado na luxuosa cadeira de escritório de sua sala na


sede da Ordem e olhava através da ampla janela de vidro. Os carros
amontoados na rua e as pessoas como formigas pareciam pequenas peças do
seu jogo de tabuleiro. Insignificantes e controláveis. Seu subordinado bateu à
porta e entrou na sala.
— Qual o relatório? — Jonathan disse girando a cadeira para encarar o
homem alto e bem-vestido.
— Senhor, ele tem movimentado pelo menos 30% dos Aliados. Tudo
indica que ele conseguiu alguma coisa para usar na negociação com os
Barbosa porque eles estão acessando arquivos bem específicos no sistema.
Além disso, alguns Classe E subnotificados estão trabalhando
necessariamente em investigar alguns pontos da venda de drogas.
“Ele está usando subnotificados de novo? Interessante. É realmente
burro” pensou ponderando as informações. Pessoas de fora da Ordem
normalmente eram chamados daquela forma para identificar os aliados da
organização sem registro.
Sabia muito bem que Felipe sempre evitava atuar pelas regras e isso foi
seu pior erro no passado, gerando exatamente a problemática que vivia
agora. Mesmo com menos da metade da sua gangue ativa, previa que os
boatos se intensificariam agora.
— Ótimo, eu sabia que ele encontraria algo para sair disso. Ele
conseguiu organizar tudo em uma semana? Isso é realmente surpreendente.
E o submisso dele?
Jonathan perguntou e acendeu um cigarro apertando os olhos dourados
para a fotografia que não conseguia parar de encarar há dias: Gabriel
sorrindo espontâneo, os olhos felinos emoldurados pelo cabelo denso e
muito escuro. Tudo nele emanava selvageria. Era muito lindo e chamava
muita atenção.
— Ele tem uma equipe alfa o protegendo — o subordinado falou
seriamente. Jonathan riu daquilo, já esperava por essa informação.
— Ele está mesmo com medo de mim — disse tragando devagar. Sabia
a influência que tinha sobre Felipe e precisava dela mais do que nunca agora.
Suspirou vendo a fotografia em sua mesa, pensativo. — Mas o Gabriel não.
Pelo visto ele não é do tipo que se intimida fácil. É melhor eu falar com ele
diretamente. Talvez ele entenda no que está se metendo assim.
Jonathan olhou nos olhos do seu subordinado e sorriu simpático, sua
voz era muito agradável e polida como um político amigável. Uma víbora.
Continuou:
— Ache uma brecha na equipe alfa. Eu preciso falar com o submisso
nem que seja por alguns minutos. Quanto antes ele terminar esse contrato
para o Felipe desaparecer no mundo de novo, melhor.
O homem concordou com a cabeça seriamente.
— Ele não parece muito disposto a deixar esse submisso...
— Bom, então teremos que fazer de tudo para que deixe não é, lindo?
— Jonathan retrucou sorrindo debochado. — Quanto mais ele se envolve
com esse cara, mais ele desenvolve sentimentos por ele. E isso claramente o
deixa inconsequente. E tudo que eu menos preciso agora é do Felipe assim.
Se ele continuar exposto, com esses rumores de que ele vai voltar
aumentando... Mais a Ordem corre perigo. E todo meu trabalho vai por água
abaixo.
— O senhor acha que se o Draco prosseguir na negociação ele vai
descobrir alguma coisa? Quer dizer, se ele descobrir sobre tudo o submisso
vai ser irrelevante. E tudo vai recomeçar...
Jonathan apagou o cigarro no cinzeiro de cristal à sua frente, irritado.
Levantou os olhos sombrios para o homem que agora tremia com aquela
aura assustadora que emanava de um Castro irritado. Ele sorriu amarelo,
forçosamente com sua expressão cínica.
— Não. Se depender de mim isso não vai acontecer. Eu vou garantir
que essa negociação ocorra bem. Afinal, os Barbosa sempre obedeceram e
sempre vão obedecer aos meus novos “aliados” — ele disse carregando a
última palavra com toda a carga irônica e venenosa que podia.
Indicou a porta para o homem sair e ele prontamente obedeceu
entendendo suas novas ordens. Assim que estava só novamente, Jonathan
digitou uma mensagem em seu celular, contrariado.
“Eu sempre tenho que cuidar da sua bagunça, seu dragãozinho
demoníaco... Você não merece a sorte que tem” pensou suspirando pesado,
os olhos muito confusos ainda presos na fotografia daquele belo moreno.

VOCÊ
“Faça o Barbosa permitir que o Draco saia dessa vivo e sem
nenhuma informação sobre a nossa negociação e eu vou ceder na
cláusula 20.
Você vai ter todos os territórios de volta. Daqui em diante eu
prometo controlá-lo e fazer ele desaparecer de novo para o plano
voltar como estava.
O que me diz?”
CAPÍTULO XVIII

Depois que voltaram do cinema, Felipe e Gabriel estavam tão exaustos


que mal trocaram uma palavra sequer enquanto se preparavam para dormir.
Apenas se entreolhavam timidamente em silêncio sempre que se cruzavam.
Gabe tinha tomado banho e ignorado as próprias roupas que havia
deixado ali mais cedo, tomando emprestado uma blusa de banda de Felipe de
dentro do guarda-roupa dele bem na sua frente. Vestiu-a deslizando o tecido
lentamente sobre a pele marcada e o olhou provocativo com o cenho cerrado
enquanto caminhava até a cama enxugando o cabelo com uma toalha.
Felipe continha ao máximo o grande sorriso que insistia em querer
romper de seus lábios satisfeitos. Disse que aproveitaria para cuidar de
alguns trabalhos atrasados com fotografia e mandou o moreno dormir sem
esperar por ele, fazendo-o grunhir. “Mandão pra porra” o menor sussurrou
enquanto colocava a coleira em cima da mesinha de cabeceira.
Ambos sabiam que Felipe apenas evitava o momento constrangedor
que deitariam, aconchegar-se-iam e dormiriam juntos. Ele escondia o rosto
corado pela meia luz de só um abajur aceso enquanto ligava seu computador
e assumia seu lugar para passar as fotos de sua câmera para lá. Finalmente
poderia trabalhar nas que havia tirado no dia em que foram juntos ao parque.
O moreno revirou os olhos indo até a cozinha e retornou depois de um
tempo com a xícara de Felipe cheia, o cheiro de café recém passado
emanando e tomando todo o cômodo. O fotógrafo sorria distraído vendo as
fotografias que havia tirado de Gabe quando se surpreendeu com o rapaz
colocando a xícara ao seu lado.
Os dois se olharam por um tempo e trocaram um “boa noite” rouco e
envergonhado. Felipe sentia leves tremores que tendiam a impulsioná-lo a
seguir o moreno, mas não o fez, resistindo bravamente e bebericando do
líquido doce e viciante que amava.
Gabriel, por sua vez, queria tocá-lo, beijar sua boca com o gosto do café
e pedir que fosse deitar com ele, mas também silenciou sentindo-se estranho
com a ânsia que tinha por aquele momento. Estava ali apenas por causa do
contrato, nada mais.
O ruivo foi dormir poucas horas depois, satisfeito com as fotografias.
Antes de deitar, apreciou a pessoa que dormia profundamente na sua cama,
sobre seu travesseiro, enroscado nos lençóis e vestindo a sua camiseta, o
cabelo negro muito bagunçado, além de um lindo e plácido rosto o qual
beijou levemente. Aproximou-se encostando nele ansioso por seu calor e
dormiu.
No dia seguinte, acordaram juntos, ainda silenciosos, e compartilharam
da refeição matinal sonolentos e próximos. Pareciam não querer se separar
em seus movimentos, sempre tendendo a trombar suas mãos e roçar as
pernas lado a lado. Fingiam não notar, simulando naturalidade.
Felipe entregou ao seu submisso um pen drive e, antes que o outro
pegasse, puxou a mão tatuada, alertando-o:
— É a única cópia, eu apaguei as outras.
O moreno assentiu empolgado, sabia exatamente o que continha ali e
mal podia esperar para ver a foto que tinha tirado do ruivo.
Havia combinado de encontrar-se com ele durante a noite no clube da
Lizzo. A cada segundo que passava sentia-se cada vez mais ansioso com o
momento que apresentaria aquela coreografia que havia criado apenas para
falar sobre como se sentia.
O dia anterior invadia a mente de Gabriel em forma de lembranças do
cinema, do fliperama e dos momentos antes de irem para o shopping.
Naquela ocasião, haviam subido à casa de Gabe com o intuito apenas dele
pegar alguns pertences e tudo havia acontecido muito rápido:
Felipe beijava o moreno com vontade enquanto fechava a porta atrás de
si com os pés. Puxou o corpo trêmulo dele em sua direção, invadindo-o. A
saudade acumulada de uma semana na qual malmente se encontraram, e
mais os dois dias que definitivamente não puderam estar juntos, explodia em
forma de desejo e ansiedade.
O outro, por sua vez, o envolvia com os braços e enfiava a mão por
dentro da camiseta alheia, puxando-a de dentro da calça social. Arranhava a
pele pálida como um gato implorando por atenção e carinho. Esfregava-se
nele miando muito excitado quando se afastou repentinamente com um
biquinho, o cenho cerrado e as bochechas levemente infladas. Parecia muito
chateado enquanto respirava entrecortado.
— Espera. Espera, vamos conversar. Eu quero saber como está indo a
coleta de informação para a negociação. Você já conseguiu finalizar tudo?
Felipe grunhiu contrariado muito bravo com aquele afastamento
repentino. Segurou o moreno pelo queixo brutamente, as mãos ansiavam por
puni-lo. Não que ele tivesse cometido algum delito ou realmente merecesse,
mas apenas pelo fato de que sabia que Gabe gostava disso e queria vê-lo
gemer como fazia quando sentia dor.
Apertou firme arrancando um miado profundo da garganta de seu
submisso. Dentro do aperto rude, o moreno revirou os olhos e puxou o ar,
excitado, com a boca entreaberta, pronto para ceder.
— Não me rejeite, Gabo. Eu estou de bom humor, mas isso pode mudar
muito rápido — Felipe falou gravemente enquanto o beijava de novo. Soltou
seu queixo e envolveu o corpo tenso de Gabriel, abraçando-o. Apertou a
cintura dele com muita força.
Queria marcá-lo todo, reavivar todas as provas visíveis de que ele era
sua propriedade e só sua. Passou a mão em seu pescoço, novamente,
sentindo a coleira ali e seu coração batia tão forte a ponto de ser audível.
Seus corpos se pressionavam com intensidade. Pararam de se beijar por
alguns instantes e se fitaram ofegantes. Gabriel viu de perto as pupilas
dilatadas contra o âmbar de ouro derretido que eram os belos olhos de
Felipe. Sorriu de canto e o empurrou um pouco novamente, provocativo:
— Pelo menos me deixa pegar algumas roupas e vamos para sua casa.
Aqui é muito pequeno — Gabe disse e o ruivo estalou a língua, irritado,
apertando-o. Não queria deixá-lo sair. O menor insistiu: — por favor, mestre.
Felipe o largou, aceitando que saísse do seu abraço a contragosto, e se
encostou no armário da pequena cozinha com os braços cruzados. Ouvir
Gabriel o chamando daquele jeito sempre mexia com todas as suas
estruturas.
O moreno se virou sorrindo timidamente e entrou no quarto deixando a
porta aberta enquanto organizava seus pertences na mochila. Falava alto e
despreocupado:
— Pode me responder agora como estão as coisas com os Barbosa?
— Já consegui provas o suficiente para desestabilizar todo o sistema de
venda de droga deles — ele disse dando de ombros como se aquilo não fosse
nada. Não queria mais falar no assunto que passou a semana toda
mergulhado. — Obrigado pela dica, nos poupou um trabalho enorme. O
comício vai ser na segunda e aí a negociação começa para valer.
Enquanto o rapaz organizava suas roupas pensativo e apreensivo, Felipe
olhava ao redor. O apartamento era minúsculo e muito bem-organizado.
Havia apenas uma divisória entre o quarto, onde o moreno estava, e aquele
outro cômodo.
Era uma cozinha e sala condensados em apenas um único e pequeno
cubículo que ficava colado à entrada, sendo que praticamente todo o espaço
era ocupado pelos eletrodomésticos da cozinha e um armário embutido na
altura do chão, composto pela pia e uma bancada.
O ruivo observou os utensílios de cozinha e as panelas sobre a pequena
geladeira de uma única porta. Atentou-se necessariamente que, na parede
diante da bancada, pendurado, estava um kit de três longos e grandes itens
de cor preta enfileirados: uma colher, uma concha e uma espátula. Atentou-
se necessariamente nessa última.
A espátula era vazada com linhas verticais e devia ter a largura da
palma de sua mão. Felipe sentiu o sangue arder em suas veias e apertou o
lábio travando o maxilar. Afrouxou um pouco a gravata incômoda em seu
pescoço enquanto via Gabe aparecendo de volta com a mochila em mãos.
— Pronto. Você não se importa se eu dormir lá hoje, não?
Felipe continuava na mesma posição e imóvel enquanto negava com a
cabeça, era óbvio que o levaria para ficar consigo e não o devolveria à sua
rotina até o início da próxima semana. Estendeu a mão para que Gabriel
viesse em sua direção o olhando convidativo e sádico, uma intenção dúbia
escorrendo brilhosa de seu sorrisinho de canto.
O outro obedeceu como se fosse atraído por ele. Em seguida, o ruivo
tirou a mochila do ombro de seu submisso e a colocou no chão. Despiu-se da
jaqueta de couro e a jogou no mesmo lugar ficando apenas com a blusa
branca social de botões e a gravata afrouxada.
Lentamente, desfez-se por completo da gravata diante do homem que o
olhava curioso, sem entender. Enrolou o tecido em suas mãos algumas vezes
e levantou os olhos sedentos fitando Gabriel profundamente, o qual
observava aquilo com atenção.
— Eu não acho que sua casa ser pequena é um problema, sabe? E eu
tenho uma coisa para te perguntar que não pode esperar — Felipe disse e
estendeu a gravata diante do rosto de Gabriel, vendando-o.
O moreno engoliu com dificuldade enquanto sentia-se privado da visão
tão repentinamente. Seu corpo foi girado com velocidade e ele quem estava
apoiado de frente para a bancada, com as duas mãos em sua beirada. Um nó
apertado foi feito na parte de trás de sua cabeça e puxou alguns de seus fios
negros e alvoroçados.
— Mas... Felipe... O quê-?
Antes que pudesse concluir sentiu a presença de seu dominador atrás de
si, pressionando-o firme contra o móvel. Uma das mãos dele segurou-o com
força pelo pescoço enquanto a outra tirava seu casaco xadrez lentamente.
Parou a roupa na altura dos pulsos puxados para trás e ali fez uma
amarração firme forçando-o a ficar atado pelo próprio casaco. Gabriel
mordeu o lábio com força sentindo-se muito indefeso, Felipe o dominava por
completo. Seu cheiro invadia sua alma assim como sua voz rouca em seu
ouvido.
— Eu disse que tenho uma coisa urgente para te perguntar, Gabo — o
ruivo sussurrou roçando o nariz no pescoço alheio. O moreno grunhiu de
forma mal-humorada para que ele perguntasse de uma vez e Felipe riu rouco,
divertindo-se com os tremores que sentia vindo dele.
Silêncio.
— Você sentiu minha falta? Quer dizer... Sentiu falta de ser punido pelo
seu mestre? — Felipe finalmente perguntou em um sussurro.
Gabriel corou intensamente e abaixou a cabeça querendo sumir de tão
envergonhado. Aquele homem tinha uma voz muito rouca e baixa, soando
sempre muito elegante e pesada, anulando qualquer reação que pudesse
intentar.
Se ele ao menos soubesse que sentiu tanta falta dele a ponto de forçar-
se a seguir sua rotina até o esgotamento físico e mental. Se soubesse que
dormia com dificuldade e se alimentava a contragosto, que pensava nele
todo tempo enquanto não estavam juntos sempre se contendo para não o
perturbar por mensagens e esforçando-se além da conta para manter sua
postura arisca de sempre.
“Se eu senti sua falta? Que pergunta idiota” pensava tentando conter o
sorriso bobo. Sabia que sua pele estava praticamente sem nenhuma marca e
sentia uma necessidade intensa de sentir toda a força que só Felipe sabia usar
nele.
— Responde — Felipe ordenou, apertando-o com vontade.
— O que você acha, porra? — Gabriel falou debochado, tentando, sem
sucesso, sair das amarras da blusa que servia como algemas. Ele grunhiu
mal-humorado e esse som se derreteu em um gemido arrastado ao sentir a
mão de Felipe invadindo sua calça.
O homem passou a masturbá-lo devagar enquanto chupava a base de
seu pescoço, deixando uma marca rubra ali. A primeira. Mordeu em seguida
um pouco ao lado deixando outra prova de pertencimento. A segunda.
Queria mais.
— Sempre um gatinho arisco — Felipe murmurou enquanto sorria sem
parar. Sentia a carne quente e pulsante em sua mão e estremeceu de desejo.
Queria possuí-lo por inteiro. — Se eu quisesse me basear no que eu acho eu
não te perguntaria. Responde de uma vez. Sentiu falta ou não?
Gabe gemia respirando com dificuldade, estava tão ansioso por aquele
toque que sentia que gozaria com muita facilidade.
— Sim — respondeu tímido.
Felipe riu e aproximou-se de seu ouvido. Pressionou a glande que
friccionava lento e firme, e gemeu satisfeito:
— Eu também senti falta, gatinho — disse muito baixo. “Eu senti muito
a sua falta” pensou.
Engoliu com dificuldade, sentindo o membro muito rígido e melado em
sua mão. Gabriel tremia de excitação profunda sem enxergar e sem
conseguir se mover com as mãos atadas para trás. Abriu um pouco mais as
pernas instintivamente.
Felipe largou seu membro e segurou-o pelo cabelo em um aperto firme,
a outra mão espalmada em seu peitoral. Começou a incliná-lo para frente até
o moreno estar completamente debruçado sobre a bancada, o rosto
pressionado contra a madeira clara. Gabe arfou sentindo-se muito tenso com
aquela posição.
— Você não se importa se eu usar algo da sua cozinha, não é? Você tem
umas coisas bem interessantes aqui — Felipe disse e puxou a grande
espátula do gancho em que estava pendurada. Girou o cabo em sua mão
algumas vezes e bateu com ela na palma bem firme.
O som estalado fez Gabriel ter um sobressalto e o ruivo sorriu sádico
brincando com o piercing da sua língua. Aquilo ardia muito.
— Você vai me punir? Eu pensei que eu tivesse me comportado bem —
Gabriel disse sorrindo debochado. Estava ansiosíssimo para sentir seja lá o
que fez aquele som. Agora tremia muito mais, involuntário, desejando
aquele homem dentro dele. Sentir a força dele era a única coisa que
precisava.
Felipe riu e abaixou a calça de Gabriel sem cerimônias. Retirou de uma
só vez a roupa íntima deixando exposta a bunda perfeita e sem nenhum roxo.
Acariciou as nádegas com o objeto rígido, os olhos vidrados em luxúria.
Lambia os dentes em ansiedade.
— Sim, você se comportou bem. E muito bem, por sinal — disse
risonho e bateu bem de leve com a espátula na bunda alheia. Gabe
estremeceu sentindo o objeto e mordeu o lábio com força. — Mas eu sei que,
para você, punições são também um ótimo prêmio, não é? Então que tal eu
te agradar um pouco antes de irmos ao cinema?
Gabriel assentiu ansioso. Sentia seu membro muito rígido, os braços
atados para trás que formigavam e seu abdômen completamente pressionado
na bancada dura. Felipe tirou a carteira de seu bolso e, de dentro dela, um
pequeno sachê.
O ruivo abriu a embalagem de lubrificante enquanto deixava a carteira
na bancada, sorria maldoso vendo a agonia e ansiedade de Gabe.
— O que? Você parece nervoso. Quer que eu pare? — Felipe disse
provocando-o enquanto virava despreocupado o conteúdo pegajoso na altura
do cóccix alheio, deixando-o escorrer pelo meio de suas nádegas. Apertou
até não restar nada e se livrou da embalagem vazia.
O fluido transparente escorreu devagar, derretendo com o calor da pele
castanha.
Gabriel negou com a cabeça sussurrando um “Não” mudo enquanto
sentia Felipe deslizar os dedos levando o lubrificante por entre sua bunda e
pressionando a entrada devagar. Gemeu sentindo a invasão quente.
Felipe movimentou os dedos, estimulando-o por dentro, tirando e
colocando lentamente um a um. O ruivo parou de repente e, retirando os
dedos de dentro dele, se afastou apreciando como seu submisso rebolava,
sem perceber, ansioso. Riu e girou a espátula de novo, preparando o golpe.
— Palavras de segurança? — perguntou. Gabriel assentiu firmemente,
confirmando. — Então, conte.
O primeiro baque ecoou muito alto em um estalo firme e doloroso.
Gabriel arquejou, contando com dificuldade. Aquele item doía muito em
contato com sua pele. Ele não sabia se por ser uma espátula de cozinha ou
porque estava a alguns dias sem transar com aquela violência.
Não conseguia supor também se a razão de sentir aquilo tão
intensamente era por Felipe usar muito mais força que o habitual. Só sabia
que doía verdadeiramente e sua pele ardia quente depois de cada impacto.
Contava sentindo-se tão excitado que mal continha seus gemidos altos, as
mãos atadas para trás formigando. Desejava mais e mais.
Felipe alternou a nádega que punia vendo as manchas instantaneamente
rubras, levemente arroxeadas, que aquilo produzia. Sorria satisfeitíssimo
sentindo seu próprio membro pulsar de tesão. Puxou a respiração sentindo ar
rarefeito ao seu redor em um prazer intenso, fechou os olhos por alguns
instantes e voltou a olhar seu submisso indefeso tremendo e escorrendo.
— Está doendo? Quer que eu pare?
— Não! — Gabriel disse em agonia. Tentou se mover, mas sentiu uma
dor intensa, a pele da sua bunda ardia tanto que mal conseguia se manter em
pé.
— Então o que você quer? Peça — Felipe disse divertindo-se.
Esfregava a espátula na pele ferida. Sabia que o moreno estava muito
aquecido e preparado para recebê-lo, mas queria ouvir ele implorar assim
mesmo.
Gabriel negou timidamente e mordeu o lábio.
Felipe grunhiu irritado e bateu com a espátula muito forte, fazendo-o
gemer alto e assustado. O submisso tremia com a dor.
— Eu mandei você pedir! O que você quer que eu faça?!
— Eu quero que me bata. Eu quero que me foda com força! Eu quero
você... — Gabriel disse de uma vez ficando sem ar, sua voz era uma súplica
arrastada tão tensa e ansiosa que parecia um lamento. Mordeu o lábio em
seguida muito inseguro com o silêncio atrás de si.
Um baque alto da espátula caindo na pia se fez. Em um movimento
rápido, sentiu Felipe o desvendar e passar a gravata pela parte de trás da
coleira em seu pescoço fazendo-a de rédea. Ele puxou o pescoço de Gabriel
como se fosse uma guia, enforcando-o um pouco, e o forçando a se arquear.
Naquele meneio, sentiu a pressão do membro exposto do ruivo
pressionando, muito quente, a sua bunda ferida. Gabe gemeu tentando olhá-
lo. Com a mão livre Felipe puxou o queixo dele e o beijou, puxava firme a
gravata atada à coleira. Soltou-o do beijo sufocante quando sentiu ele arfar
pela falta de ar.
— Eu adoro quando você pede — Felipe disse risonho e pressionou o
próprio membro desnudo. Deslizou a glande pela entrada melada de
lubrificante arrancando múltiplos gemidos e sons ansiosos de seu submisso.
Enfiou em um só movimento e apertou a bunda ferida abrindo-a um
pouco mais. Não parava de tracionar a gravata em um arreio firme. Gabe
cainhava tremendo quando sentiu as estocadas fortes e precisas. Angulou-se
aceitando-o cada vez mais fundo.
Felipe agarrou, com a mão livre, o membro alheio e passou a masturbá-
lo como se fosse o seu próprio, atracou-se no pescoço alheio com os dentes.
Penetrava-o de forma animalesca, puxando-o e marcando, estimulando seu
corpo em um contato intenso e muito quente. Permaneceram naquele ritmo
não muito rápido, o som úmido e repetido do baque de seus corpos fazia o
moreno estremecer, as pernas fraquejando de desejo.
— Mais... mais forte — Gabriel implorava e Felipe riu rouco,
obedecendo-o. Enfiava com força e mais rápido.
Sentiu-se estremecer, quase gozando, e conteve-se empurrando
violentamente o moreno sobre a bancada de novo. Saiu dele pressionando o
próprio membro tentando se conter e deixou-o solto ali, estertorante e muito
suado.
Felipe se aproximou desatando as mãos de Gabe e ele, por sua vez, se
levantou confuso, muito tonto e excitado. O ruivo avançou em seu corpo
sem dar tempo para que pensasse e prosseguiu tirando o resto de sua roupa
depois de virá-lo de frente para si.
Beijava-o livrando-se de suas próprias vestes também. Queria dizer o
quanto sentia a falta dele, o quanto queria estar com ele e como aquele
último mês que estiveram juntos havia sido o melhor de toda sua vida. Era
um pensamento recíproco. Desejavam conseguir articular esses pensamentos
em palavras, mas falhavam.
Felipe desejava colocar para fora tudo que sentia, muito ansioso,
enquanto tirava os sapatos sem soltar o corpo úmido de Gabe. Lambia seu
pescoço e o chupava com toda vontade. Puxou-o pelas pernas, engatando-o
em seu corpo e suspendendo-o. E, em seguida, sentou-o na bancada
chupando seus mamilos e pressionando sua cintura.
Gabriel tremeu. Sentia como se pudesse ouvi-lo dizer aqueles
pensamentos dóceis, mas negava com a cabeça, imaginando se aquilo não
era o que ele queria interpretar daquele toque, iludindo-se, ou quem sabe o
que ele mesmo pensava e não o que de fato acontecia.
O dominador o arrastou para a beirada e o empurrou para encostar na
parede. Enfiou o membro entre suas pernas arqueadas e gemeu sentindo-se
envolvido pelo calor alheio, muito apertado. O ruivo gemia com uma
expressão de puro prazer. Segurou-o nas coxas, pela dobra do joelho,
forçando-o a abrir bem as pernas e continuou as estocadas fortes.
Gabriel se masturbava com uma mão livre, a outra espalmou no
abdômen perfeito do homem que o penetrava. Sentia um desejo intenso
vendo aqueles braços fortes o segurando, o corpo de Felipe era muito lindo,
fazendo-o revirar os olhos. Arranhou-o e os dois se olharam como se
dialogassem, os fios vermelhos cobriam os olhos dourados sádicos e
intensos.
Ele arfava com o esforço repetitivo entrando e saindo rapidamente do
homem abaixo de si, a boca entreaberta bufava enquanto mantinha-se
saboreando a visão perfeita que era Gabe naquela posição.
— Como se sente? — Felipe sussurrou puxando-o para si. Beijou-o
lambendo sua boca com lascívia, o piercing estimulando o lábio úmido de
Gabriel.
O moreno jogou a cabeça para trás e riu, sentindo o membro dentro de
si pulsando e deslizando lentamente. Gemeu entrecortado em um misto de
diversão e prazer sôfrego.
— Hum, ótimo e... Seu. Só seu — Gabriel disse em um suspiro,
voltando a cabeça para frente e olhando muito provocativo o ruivo corado.
Sorria sensual e muito excitado. — Eu quero que bata mais, mestre. Por
favor.
Felipe riu divertido e negou com a cabeça, satisfeito. “Desgraçado”
pensou tremendo. Agarrou o moreno em um movimento só e o suspendeu
encaixando-o em seu colo. Carregou-o para levá-lo em direção ao quarto,
pulsava dentro dele quando entraram no quartinho pequeno.
A cama de solteiro estava minuciosamente arrumada e os poucos
móveis que tinham ali estavam afastados e empilhados em um canto. Gabriel
lembrou-se da sua coreografia e estremeceu apertando-se contra Felipe, seu
coração acelerando cada vez mais. Queria dizer que se sentia dele muito
mais do que só sexualmente falando, que seu físico não era nada perto de
como, à essa altura, se sentia emocionalmente.
Os dois caíram na cama, beijando-se com intensidade, e o ruivo
recomeçou o movimento de entra e sai, arrancando-lhe gemidos tensos. Saiu
dele por um instante e o virou de quatro apoios rudemente, voltando para
dentro dele imediatamente.
Recomeçou a açoitá-lo com as mãos grandes e bruscas nas laterais da
bunda perfeita que via de cima, vindo de encontro com seu ventre. Batia
com muita vontade e toda sua força. Estremeciam. Gabriel mordeu os
lençóis apertando-os firmemente, não conseguia contar nem falar nada que
não fosse gemer.
Queria apenas sentir aquilo enquanto estimulava o próprio membro
sentindo-se cada vez mais próximo do seu limite. Felipe puxou a gravata que
ainda pendia da coleira, obrigando-o a se arquear, e continuou
movimentando-se com a visão turva de prazer. Estava muito próximo do
orgasmo também e sentiu um frio na espinha quando ouviu a voz rouca e
arrastada de seu submisso em um aviso:
— Eu vou... Gozar... — Gabriel disse com dificuldade.
O ruivo largou a gravata se debruçando sobre ele, entrando com mais
força. Gabe gemia muito, parecia delirar. O dominador o segurou pelo
queixo com uma mão virando-o um pouco para que conseguisse beijar seus
lábios entreabertos, mordeu a ferida que havia ali provocando uma dor aguda
no homem abaixo de si que explodiu um jorro quente.
Felipe arquejou e continuou seu movimento, lambeu a orelha do rapaz
sentindo-se prestes a gozar também. Enfiou uma das mãos nos cabelos
negros e apertou os fios densos, puxando-o com mais força para trás:
— Não esqueça dessa sensação. Você é meu.
O ruivo grunhiu grave e tremeu com o orgasmo intenso, preenchendo-o
e possuindo-o de dentro para fora.
Gabriel arfava muito arrepiado, era posse e não conseguia sentir-se de
outra forma que não perdidamente apaixonado por Felipe. Todo seu ser
parecia flutuar. Os dois caíram na cama pequena suados e encaixados em
concha, o ar úmido e quente dificultando a respiração sufocada e penosa.
Felipe abraçou seu submisso apertando-o, ainda não havia se
recuperado daquela transa intensa e queria mais, queria muito mais. O
moreno segurou as mãos que o abraçavam por trás, muito aquecido e
confortável.
Pensamentos bobos de que era querido do mesmo jeito que queria
aquele homem invadiram sua mente. “Tudo bem eu me iludir se for só um
pouco... Às vezes parece tanto que você sente o mesmo que eu” havia
pensado, ofegante.
De volta ao presente, Gabriel arfou com aquelas memórias, cada parte
de seu corpo ainda afetado pelo toque alheio.
Assim que pôde, usou o próprio notebook em casa durante o intervalo
do almoço e abriu o arquivo do pendrive. A única foto que havia ali o fez se
arrepiar por completo em um sorriso enorme. Ele passou uma cópia para seu
celular imediatamente.
A cena bem focada de Felipe fotografado de frente, sorrindo com o
rosto inclinado e os olhos dourados brilhando contra a claridade natural, os
raios de sol matinais avivando a cor intensa de seus cabelos vermelhos.
Gabriel mordeu as falanges do punho fechado. “Que homem lindo da porra”
pensava rindo muito e admirando a foto, dessa vez em seu celular.
Ele se levantou e foi até o banheiro lentamente, estava sem camisa e
suado pelo treino da manhã. Sua cintura marcada e o pescoço cheio de
manchas roxas e avermelhadas se destacavam contra a pele úmida e brilhosa.
Encarou-se pelo reflexo, analisando sua tez mais pálida que o comum como
se estivesse prestes a adoecer, olheiras marcavam seu olhar abatido.
Sentia dores internas muito fortes e uma leve fraqueza que o fazia ter
um pouco de vertigem sempre que se movia muito rápido. Apoiou-se com as
duas mãos na pia sem tirar os olhos dos que o encaravam pelo espelho: era
um olhar amedrontado e as pupilas dilatadas tomavam um formato
amendoado como de um gato carente.
“Você tem certeza que está pronto para isso? Que está pronto para
assumir isso? Você sabe que ele só te acha interessante por causa do sexo,
não é?” pensava, dialogando com o homem apaixonado diante de si. “Tudo
bem, ele pode até te achar melhor que os outros submissos que teve e
‘gostar’ de você... Mas e se for só isso? Você não está confundindo as coisas
pressionando-o assim?”.
Gabriel abaixou a cabeça fugindo das lágrimas que se acumulavam nos
olhos que o visavam magoados, as lembranças voltavam a se repetir em sua
mente: a saudade, o sexo, o afago, o cinema, a noite juntos. Tudo de novo,
sem parar. Puxou o celular do bolso apreciando o sorriso bobo de Felipe na
fotografia. “Merda”.
Não tinha nenhuma opção.

✽✽✽

Enquanto estava se reunindo com o casal para discutir sobre os detalhes


finais da negociação com os Barbosa, e planejar a ação no comício que
ocorreria no início da semana dali a dois dias, Felipe pegava-se sempre
divagando facilmente.
Carla estava sentada à sua frente com as pernas grossas cruzadas,
envoltas em meia calça preta. Agitava os pés, ansiosa com o olhar distante
do amigo. Thiago, ao seu lado, revisava os documentos com o olhar
sonolento, procurando falhas, qualquer uma, que comprometesse o que
pretendiam na negociação.
Já haviam mapeado e organizado as provas sobre a fábrica que
manipulava as drogas que recebiam dos fornecedores a fim de quebrar o
cartel, planejaram todos os possíveis recursos que usariam contra Felipe,
inclusive pensando na possibilidade de se voltarem contra Gabriel. Havia um
plano traçado para cada eventualidade. Cada mínimo detalhe devia ser
levado em consideração e o ruivo se debruçava sobre cada um deles com
afinco.
Reuniam-se sempre no Drax, o famoso bar frequentado por pessoas de
Classe B da Ordem, principalmente envolvidas com dominação e submissão.
Ele funcionava durante o dia e noite e tinha dois andares, sendo o segundo
reservado em camarotes exclusivos para pequenas confraternizações íntimas
ou, como naquele caso, reuniões que precisavam fugir de suspeitas.
Estavam os três em um dos camarotes. Era um espaço bem iluminado e
amplo contando com um pole cercado de sofás, mesa de sinuca, uma ampla
mesa redonda para pôquer cercada de cadeiras e amplo banheiro privativo.
Ocupavam a mesa, abarrotada de papéis desalinhados e o notebook
sistematizado diante de Thiago. Felipe olhava distraído através do janelão de
vidro blindado que visava o andar de baixo: a pista de dança era escura e
tinha poucas pessoas por conta do horário de fim de tarde, o bar em si mais
movimentado pelo happy hour.
Carla agitou-se com aquele olhar distante e o sorrisinho bobo no canto
dos lábios do amigo. Ela encarou Thiago e batucou na mesa com as unhas
para chamar sua atenção. Quando ele a olhou, indicou Felipe com a cabeça,
os olhos piscando animados.
Thiago sorriu um pouco e negou com a cabeça satisfeito. Os dois
vinham conversando muito sobre a mudança de modos do amigo desde que
ele havia começado o contrato com Gabe. Sem dúvida o homem sisudo e
sempre muito frio, indiferente e resoluto, aos poucos sorria mais e distraía-se
sempre nas suas defesas inabaláveis acabando por expor, vez ou outra, os
sentimentos efervescentes que era impossível conter.
Carla se inclinou para frente e chutou a perna de Felipe com o scarpin.
Ele a encarou assustado com os olhos de dragão apertados e furiosos.
— O que está pensando que está com essa cara de besta? — ela
perguntou divertida.
Felipe bufou.
— Não é da sua conta — ele retrucou e desbloqueou o celular vendo a
foto de Gabriel que há muito deixava frequentemente aberta. Bloqueou a tela
de novo em um suspiro, tentando concentrar-se em onde havia parado.
— Hoje o Gabriel vai dançar naquele clube, não é? Está tudo bem com
a equipe alfa de segurança? — ela prosseguiu. Felipe assentiu indiferente. —
Hum, e você sempre vai assistir as apresentações dele? Ele dança tão bem
assim?
O ruivo a encarou sombriamente e deu um risinho sádico. Nada no
mundo se comparava ao seu homem dançando. Ele se arrepiou com a ideia
de chamá-lo dessa forma e sorriu mais ainda, satisfeito com a forma como
aquilo o afetou.
A mulher sorriu mais.
— Você não se importaria se fossemos assisti-lo hoje também, não é?
Estou muito curiosa para ver isso. E você também parece ansioso para hoje
— Carla completou juntando as duas mãos, as pontas dos dedos conectadas
em uma pose maléfica.
— Nem pensar — ele respondeu. — Vocês não podem ir.
Thiago levantou o olhar desinteressado e percebeu que Carla suplicava
a ele com um biquinho. “Convença-o” ela pensava enquanto piscava para o
marido. O homem suspirou vencido:
— Mesmo com a equipe alfa seria bom você estar armado. Se quiser, eu
sempre ando com a Escarlate para te devolver — Thiago começou a falar
lentamente. Abriu o terno que usava e mostrou a arma negra que carregava
no coldre. Ele sempre andava com duas em cada lado: a sua própria e a de
Felipe. — Não sabemos que tipo de investida o Jonathan pode tentar a
qualquer momento, ainda mais agora que o comício está perto.
Felipe arqueou uma sobrancelha, contrariado. Não gostava de encarar
aquela pistola, uma velha conhecida.
— Eu já disse que não vou mais usar ela.
— Mesmo que a vida dele esteja em risco? — Thiago retrucou
imediatamente, apoiando o queixo com uma mão. Piscou lentamente vendo
o ruivo retesar o nariz em fúria e apertar os punhos. Continuou: — já que
insiste em não andar mais armado podia pelo menos nos deixar ir com você,
assim qualquer coisa você tem reforços ao seu lado. Meglio un uovo oggi
che una gallina domani[2].
— Não vai acontecer nada, Aurora. O Jonathan não se arriscaria desse
jeito — Felipe disse em definitivo. Puxou um cigarro da carteira com a boca
e o acendeu em seguida, tragando, preocupado. Checou o celular enviando
uma breve mensagem de solicitação de relatório sobre a segurança de
Gabriel.
— Sim, realmente, ele precisaria estar realmente muito preocupado
com o relacionamento de vocês se ousasse alguma coisa hoje. Mas não
podemos negar que o risco é alto. A gente não sabe o que se passa na cabeça
daquela cobra peçonhenta e o que ele é capaz para te ver fora do caminho
dele — Carla complementou friamente. — Os boatos sobre o seu retorno
estão mais fortes, essa semana você esteve mais visível que nunca. Todos já
sabem que mais de 30% dos seus antigos subordinados estão ativos e
circulando.
— Cada reunião da cúpula é uma bagunça por causa disso. Seus
apoiadores não são muito discretos, você sabe. Então ele deve estar furioso
só esperando uma oportunidade. — Thiago finalizou. — E hoje o Gabriel vai
estar exposto. Quanto mais reforços, melhor.
Felipe bufou. “Meglio un uovo oggi che una gallina domani” pensou
em eco, contrariado.

✽✽✽
O dia passou mais rápido do que o esperado. Gabriel e Josh haviam
combinado de irem juntos para o clube da Lizzo e, durante o caminho todo,
Gabe precisou ouvir o amigo comentando sobre sua aparência muito cansada
e aconselhando-o, repetidamente, a não se esforçar demais.
O moreno deu de ombros, descansando a cabeça pesada no vidro da
janela ao seu lado, dessa vez não discutiria contra a razão e não revisou a
coreografia durante o resto do dia. Escutava a música que dançaria no fone
enquanto via os rapazes conversando e rindo entre si ansiosos pelo Pride,
planejando as muitas coisas que ainda precisavam organizar para a festa.
Conforme as horas passavam, Gabriel sentia seu coração cada vez mais
apertado e ansioso, temendo com a exposição que se submeteria naquela
noite. Não conseguia comer ou relaxar e demorou mais no banho que o
comum, encarando a água esvair-se pelo ralo.
Fortes calafrios percorriam a sua espinha, mesmo que não
transparecesse através de sua aparência. Estava muito elegante com os
cabelos negros desalinhados e a coleira em seu pescoço, seu corpo forte e
sensual realçado pela transparência de suas vestes. Além disso, Josh insistiu
em marcar seus olhos com uma sombra escura para combinar com a
composição, fazendo um esfumado anguloso rente os cílios densos,
destacando seu olhar felino.
Gabriel estava verdadeiramente deslumbrante e corou um pouco ao ver-
se pelo reflexo. Enrolava o máximo que podia quando dispensou o convite
para descer ao clube, dizendo que revisaria a coreografia ali, na casa de
Lizzo. Os outros poderiam seguir sem ele para o ambiente já lotado durante
a noite que caía avançada.
Mal conseguia respirar agora.
Ficou em silêncio, no escuro, mordendo o lábio com muita força,
bloqueando e desbloqueando a tela de seu celular. Os olhos dourados do
homem na fotografia aberta pressionando-o ao seu limite. “Por favor,
entenda… Eu estou apaixonado por você, seu idiota.”

✽✽✽

Felipe entrou no clube muito lotado, e seus olhos percorriam o espaço


amplo e barulhento buscando encontrar uma só pessoa. Carla e Thiago o
seguiam em seus flancos contra sua vontade. Acabou realmente perdendo a
discussão e aceitou, contrariado, a companhia do casal.
Viu de relance, em duas mesas que foram juntas para abrigar mais
pessoas, o grupo de amigos de Gabriel. Rostos conhecidos como o de Josh,
Ron, Joana e Guilherme, além de George, Marcelo, Yuri e Oliver. Eles riam
juntos e divertidos, bebendo, mas Gabriel não estava ali.
Os três caminharam para um outro ponto, procurando um lugar mais
próximo ao bar e da cabine do DJ, Felipe sabia que dali teria uma visão
privilegiada quando a apresentação começasse. Ocuparam uma mesa e Carla
olhou ao redor divertindo-se com a animação do clube. Thiago assumiu uma
cadeira, sentando-se exausto, enquanto o ruivo continuava vasculhando o
ambiente com o olhar afiado.
A música tocava alto, mas era possível ouvir o alvoroço na mesa
próxima. Gabriel havia descido finalmente e os amigos o encorajavam para a
apresentação. Felipe o visou e entreabriu os lábios sem ar. A beleza dos
olhos marcados pela sombra escura e das roupas muito leves diferente de
qualquer coisa que já havia visto o moreno usando antes. Parecia iluminar
todo o lugar.
Era impossível não o notar na multidão: a expressão mal-humorada e
felina contrastando com o sorriso lindo e sem graça enquanto Josh fazia
piadas e brincava, animando os amigos. Uma bagunça generalizada. Cabeças
giravam indiscretas, cochichos eram feitos ao seu redor:
— Nossa, ele parece estar mais gostoso hoje do que na semana passada.
Cacete.
Risadas.
— Hoje ele vai se apresentar sozinho, não é?
— Ah, sim, eu venho cedo só por causa disso. Ah, eu queria ter pelo
menos uma chance...
— Até parece! Você e metade dos outros caras daqui. Ninguém
consegue se aproximar dele, nem pra pagar uma bebida sequer. Ele rejeita
todos.
Felipe ouvia o diálogo ao seu lado entre dois homens que não tiravam
os olhos sedentos de seu submisso. Ele grunhiu e cruzou os braços, mal-
humorado, vendo que Carla também parecia muito atenta à conversa alheia.
Ela sorriu.
— Esse desgraçado chama atenção mesmo — Carla disse. — Você
escolheu um ganso dos ovos de ouro que todo mundo quer.
Felipe deu de ombros indiferente, confiante em si. Apertou os olhos na
direção de Gabriel como se o chamasse. O moreno agora vasculhava o
ambiente, olhava por todo o clube com o olhar ansioso e felino. Os dois se
entreolharam e Gabe corou um pouco, abaixou a cabeça e sorriu de canto
disfarçadamente.
Ele se despediu dos amigos e passou a caminhar lentamente, desfilando
entre as mesas e pessoas, até parar diante de Felipe com os braços cruzados e
o cenho cerrado, seu lábio como uma linha apertada e tensa. Eles ficaram se
olhando em silêncio quando Carla acenou divertida, chamando a atenção do
moreno.
— O que estão fazendo aqui? — Gabriel perguntou a ela rudemente.
— Nossa, que recepção — Carla disparou debochada e o viu arqueando
uma sobrancelha em impaciência. Ela riu divertida. — Por que está
perguntando tão agressivo? Não podemos vir a esse clube?
Gabe deu de ombros e apontou com o polegar para a entrada. Abriu um
sorriso debochado e brincalhão.
— Não. Vocês não viram a plaquinha na porta? Héteros são proibidos.
Felipe riu negando com a cabeça. Apesar de toda sua postura arisca, o
bom humor e as piadas ácidas sempre caiam bem em Gabriel, fazendo-o
parecer infinitamente mais interessante para ele. Thiago também deu uma
risada baixa que foi abafada pela de Carla.
— Idiota. É claro que viemos ver você se apresentar — Carla
respondeu risonha, gesticulando como se aquilo fosse óbvio. Gabriel mordeu
o lábio distraído em desconfiança e apertou os olhos inquisidores para ela.
Havia entendido imediatamente que aquilo poderia ser mais um movimento
superprotetor de seu dominador. — O quê? Não me olhe com essa cara. O
Felipe só vive falando sobre a sua “dança apaixonante” e ficamos curiosos.
Felipe pigarreou e virou o rosto discretamente, envergonhado. Gabe
arregalou os olhos sentindo seu rosto aquecendo, pensar naquele homem
falando dele com os amigos ainda mais se referindo a ele como
“apaixonante” era algo que o fazia estremecer.
Ele deu de ombros sussurrando um — Tanto faz — e puxou a mão do
ruivo em um súbito. Felipe encarou suas mãos dadas e depois o moreno que
o puxava.
— Vamos. O contrato fala que eu só posso beber álcool com você. Me
pague a porra de uma bebida.
Felipe sorriu e assentiu, puxando-o dali em direção ao bar e deixando
Carla e Thiago para trás.
A música tocava animada e a pista de dança já estava muito cheia. O
clube da Lizzo realmente era a maior potência entre os clubes voltados para
o público queer daquele bairro. Mesmo que fosse um pouco isolado dos
outros, que normalmente eram emparelhados algumas ruas acima, ainda
conseguia ser o mais atraente e popular.
Felipe e Gabriel se aproximaram do bar, o moreno se sentou em um dos
bancos altos escorando-se na bancada. Apoiou o queixo com uma mão e
sentiu Felipe muito próximo, encostando-se em suas pernas, de pé à sua
frente, quase encaixando-se entre seus joelhos abertos.
Seus olhos pareciam mel derretido e brilhavam mesmo no escuro, as
pupilas dilatando visivelmente quando Gabe sorriu, divertido, provocando-o.
O moreno deslizou as pontas dos dedos do meio do peitoral do ruivo até a
altura do umbigo.
— O que você quer beber? — Felipe perguntou. Tentava ao máximo
não ceder ao desejo intenso de beijá-lo.
Gabe deu de ombros muito sério.
— Não sei, eu não estou acostumado a beber. O que você bebe
normalmente?
— Hum, depende. Se você não está acostumado, não acha perigoso
começar hoje?
— Não. Na verdade, hoje é o melhor dia para eu começar — Gabriel
falou arqueando as sobrancelhas e arregalando os olhos em um suspiro
tenso, olhando para o chão. O ruivo apertava os olhos na direção de seu
submisso, curiosíssimo. — Então, quando você vai escolher algo para
beber... Depende do que exatamente?
Felipe hesitou, aproximando-se um pouco mais. Sentiu o cheiro
adocicado de óleo de coco tropical que vinha de Gabriel, era um aroma
quente e o invadia. Ele emanava uma sensação de acolhimento que o fazia se
sentir muito confortável, envolvendo-o como um cobertor macio e quente
num dia frio.
Desejava abraçá-lo quando travou o maxilar olhando ao redor, não
sabia se ele se sentiria confortável em expor-se assim e recuou um pouco. O
moreno tinha os olhos fixos nos dele em expectativa, seu coração palpitava
contra a garganta.
— Bom, depende de como eu me sinto ou quero me sentir — Felipe
confessou. Nunca havia falado sobre isso com ninguém. — Se eu estou
sufocado e quero ficar bêbado eu bebo uísque. Se eu estou cansado e quero
relaxar, gosto de vinho ou cerveja. Se estou em reuniões que odeio e quero
suportar alguma coisa que está me perturbando normalmente tomo Vodka.
O moreno batucou com as pontas dos dedos no balcão com um
biquinho, parecia imerso em si mesmo com a expressão cerrada. Uma
barulheira das pessoas ao lado do bar e muitas pessoas circulando pela boate
parecia insuficiente para tirá-lo de dentro de si.
— E quando você quer ter coragem? — Gabriel olhou para Felipe com
os olhos amendoados.
Felipe estranhou aquele tom rouco, quase um ronronar. Ele parecia
muito dócil e amedrontado ao perguntar aquilo.
Sentiu um impulso fortíssimo e, sem conseguir se conter, se aproximou
devagar o segurando pelo pescoço com as duas mãos delicadamente. Gabe
gemeu baixinho, fechando os olhos com o toque que ansiava.
— Você quer coragem para que, gatinho?
— Só me responde, porra — Gabriel murmurou, recompondo sua
expressão brava. Olhava-o de perto segurando as mãos que o envolviam no
lugar.
Felipe deu uma risadinha rouca e respirou fundo.
— Nesse caso eu acho que... — Ele o largou, endireitando-se, e fez um
sinal ao barman. O homem assentiu se aproximando e o ruivo falou: —
tequila, duas doses.
Gabriel sentiu um arrepio com a voz grave dele, abaixou a cabeça
ofegante e acompanhou o momento que o barman colocou os dois pequenos
copos de dose com líquidos acobreados em uma bandeja. Também havia
uma pequena porção de sal e duas pequenas fatias de limão. O ruivo pegou
uma dessas e o entregou.
— Se for para beber, beba direito. Segure o limão assim — ele disse
encaixando o limão nos seus dedos. Gabriel sorriu. — Agora... Pegue o
copo.
Gabe obedeceu e, com uma mão, segurava o limão, enquanto a outra
segurava a dose. Felipe assentiu passando dois dedos, o indicador e o do
meio, na pequena porção de sal.
— Abra a boca. — Gabriel hesitou e arqueou uma sobrancelha
desconfiado. Abriu os lábios lentamente. Felipe enfiou os dedos em sua boca
deslizando-os lentamente em sua língua, esfregando o sal como se
estimulasse a ponta daquele músculo úmido. Fitava-o sorrindo de canto,
lambeu os lábios muito excitado com o gemido do moreno. — Agora beba e
em seguida morda o limão. 1...2...Vai.
Felipe tirou os dedos lentamente e Gabe virou a dose chupando o limão
em seguida. A sensação ardente e um misto de sensações insanas se
espalharam pelas suas papilas gustativas. Queimava.
Ele sentiu um tesão intenso, o seu membro reagindo graças ao toque
prévio de Felipe. Sentia-se muito bem. Ele fez um som de incômodo na
garganta pelo álcool e o ruivo riu rouco, muito divertido.
— Que porra. Isso é forte pra caralho! — o moreno exclamou e Felipe
continuava rindo sem conseguir conter-se. Gabriel foi contagiado e riu
também, colocando o copo vazio e o limão de volta na bandeja. — Espero
que essa outra não seja para você porque no momento eu estou precisando
mais.
— Não vai me dizer para que precisa de coragem? — Felipe disse
segurando a mão de Gabe que já avançava sobre o outro copo. O moreno o
encarou profundamente em silêncio. Fechou o cenho e estalou a língua
negando com a cabeça.
— Você vai saber daqui a pouco — Gabe retrucou pegando o copo e o
limão. Lambeu os lábios e indicou o sal para que Felipe repetisse o que fez
antes.
O ruivo arfou:
— Se eu fizer de novo eu não acho que consigo evitar te beijar, gatinho.
Gabriel riu tentando segurar firme sua mão e não derramar a tequila.
Negou de novo com a cabeça e entreabriu a boca com um sorriso
provocante. Colocou a ponta da língua para fora em um convite sensual.
Felipe prontamente fez o mesmo procedimento com o sal, lentamente,
enquanto lambia os dentes arfando. Não podia evitar. Depois que o moreno
virou a tequila e o limão, o ruivo o puxou com força e o beijou, invadindo
sua boca com a língua quente e urgente.
Tudo pareceu silenciar em uma explosão de texturas, sabores e
sensações. Gabriel o envolveu jogando os braços por cima de seus ombros e
puxando-o para si. Um alvoroço de gritaria foi ouvido da mesa dos amigos
de Gabe que observavam tudo de longe. Ouviu-se muitos baques na mesa,
risadas e palmas histéricas.
Thiago e Carla sorriam um para o outro e aplaudiram também, sentados
juntos. O casal no bar beijava-se com vontade, as mãos pressionadas
puxando um contra o outro em um afago ardente como o líquido que
compartilhavam em suas bocas.
CAPÍTULO XIX

A grande clareira se abriu em um movimento habitual.


O público que frequentava o clube da Lizzo já ansiava o momento em
que a pista de dança se convertia em um palco iluminado para as
apresentações. E, por mais que ainda faltassem dois meses para a
comemoração do dia do orgulho, os frequentadores sempre amontoavam-se
em euforia para acompanhar os espetáculos que o grupo apresentava antes
do grande dia.
Gabriel era o mais admirado por muitos dos homens que,
platonicamente, o desejavam toda vez que o viam dançar. Os boatos sobre
sua figura felina haviam se espalhado entre seus admiradores antigos e
novos: um homem sensual e excitante que, além de dançar muito bem,
parecia inalcançável e impossível de conquistar. Isso os estimulava.
Será que ninguém nunca seria agraciado com sua atenção e afeto?
A iluminação normalmente tendendo ao roxo e azul que tomava o salão
foi morrendo devagar, sendo substituída pelo tom vermelho encarnado e
profundo. Fora isso, tudo era escuro. Algumas pessoas amontoavam-se ao
redor enquanto outras assumiam as mesas e cadeiras, as poltronas e os
bancos diante do bar.
Um silêncio muito tenso espalhava-se por todo amplo salão que
normalmente era muito agitado. Felipe permanecia praticamente no limite da
clareira aberta com Carla e Thiago ao seu lado. O casal recebeu um olhar
repreensivo por ainda conversarem sem prestar atenção no que aconteceria a
seguir.
— Silêncio. Vai começar — o ruivo murmurou friamente.
Josh, Ron, Joana e Guilherme, além de Lizzo e os meninos do grupo de
dança se emparelharam não muito distantes de onde o ruivo estava também
em expectativa. Normalmente o DJ anunciava a dança, mas dessa vez nada
foi feito. Tudo parecia muito fluido e natural como se todos pressentissem o
peso de uma nuvem carregada prestes a precipitar bem ali.
Gabriel, por sua vez, tremia. Permanecia profundamente imerso em
como se sentia e focava nisso com todas as suas forças. Uma risada
específica, rouca e suave, ecoava em sua mente e, por mais que ele tentasse,
não conseguia evitar a forma como seu coração perdia o rumo descontrolado
dentro de si.
Sentia o gosto da tequila e do beijo intenso ainda formigando em sua
boca. Cedia sem controlar, diferente de como sempre havia feito antes
durante toda sua vida, quando controlava sem ceder. Agora era uma plena
concessão mesmo com o medo que o invadia esfriando seus ossos.
Sem que houvesse evocado qualquer memória, lembrou-se do luto
intenso que havia vivido quando era muito jovem para compreendê-lo, e das
últimas palavras de seu pai antes de partir:
“Ninguém tem o direito de te fazer se sentir mal por ser quem é, você
entende o que quero dizer? Nunca deixe de ser quem você é. Você merece
ser amado. Prometa para mim, Gabe. Prometa que vai se proteger e não
deixar ninguém te machucar.”
Gabriel fechou os olhos devagar. Ainda conseguia lembrar de seu pai
como se o tivesse visto há poucas horas. Conseguia ouvir o tom de sua voz e
a forma como ele o abraçava, apertando-o pelo ombro com uma mão forte
em seguida. Gabe fez sua promessa naquele dia. Fechou-se em si. A partir
dali, ninguém o machucava. Nenhum insulto poderia feri-lo. Nenhuma
palavra alheia poderia fazê-lo recuar em quem era.
Durante sua vida inteira havia segurado, em rédeas apertadas, aquelas
cordas grossas e dolorosas que representavam o controle total de si mesmo.
É claro que, àquele tempo, seu pai temia que o machucassem por sua
orientação sexual, mas Gabriel entendeu tão logo que precisaria mesmo se
proteger se quisesse ser forte o suficiente para cuidar de seus irmãos e mãe
desolados depois que seu pai havia partido.
Até mesmo quando amou pela primeira vez, Gabe ainda se mantinha
cercado de seus muros, evitando dar o primeiro passo e observando suas
chances se dissiparem no que se tornaria apenas uma verdadeira amizade.
Amar, mesmo que fosse Josh, seria perder o controle e Gabriel não estava
disposto a isso.
O moreno suspirou, encarando o amigo entre a plateia que permanecia
coberta pela penumbra rubra.
Josh estava feliz agora e isso o reconfortava, era só isso que sempre
havia desejado para ele. Pensando bem, concordava mentalmente com todas
as vezes que Guilherme havia sido contra um possível envolvimento
romântico dos dois: não seriam felizes juntos e se machucariam, sem dúvida.
Suas demandas eram muito díspares e agora sim as coisas pareciam
finalmente se encaixar. Suas necessidades eram claras agora.
“Controlar… E ceder” pensou.
O moreno puxou o ar em total foco enquanto tocava com as pontas dos
dedos a coleira em seu pescoço. Mesmo com todas as pessoas que ocupavam
aquele lugar, era capaz de sentir o cheiro e a presença de Felipe. De olhos
fechados saberia encontrá-lo. Agora estava mais certo que nunca sobre como
se sentia sobre aquele homem.
Queria dizer para ele que a partir dali estava disposto a arriscar tudo e
correr o risco de cair mesmo que já desfrutasse da queda há muito. Estaria
tudo bem se não desse certo, se seu coração se partisse no final, porque
confiava nele. Gabriel sabia que ninguém no mundo seria capaz de cuidar
melhor dele do que Felipe.
Era estúpido por isso? Ele não sabia. Estava indo contra tudo que
sempre havia determinado para si mesmo, mas não conseguia ver outra
escolha. Gabriel estava apaixonado.
“Nem nos meus mais problemáticos sonhos ou nos meus piores
pesadelos eu poderia imaginar a sensação de ser tão intensamente
dominado....”
Caminhou lentamente até o centro da clareira enquanto o interlúdio em
piano açoitava o ar lentamente. Uma melodia doce e lenta estremecia o chão
e as paredes, as pilastras e estruturas físicas ecoavam o som como um grande
coração. Estavam todos imersos dentro de seu coração, afinal. E Gabriel
subjugava todo medo para expô-lo.
“Você faz eu me sentir exaustivamente demandado e possuído, até ser
forçado a perceber que não comando mais nada em mim, Felipe. Eu nunca
me senti assim… Por ninguém.”
Felipe apertou os punhos com as mãos dentro dos bolsos como se
pudesse ler seus pensamentos, elas tremiam enquanto ouvia o início da
música. A iluminação obscura fazia de Gabe uma silhueta que só era visível
aos que o miravam de perto assim como aquele homem estava agora.
Palpitava em uma taquicardia descompassada.
Gabriel o fitou rapidamente e intensamente, apertando os olhos para
que ele prestasse atenção, antes de se ajoelhar no chão. Fez isso em um
movimento repentino e pesado quando a voz da canção rasgava o espaço.
Todos prenderam a respiração com aquele movimento de rendição.
A coreografia lírica havia começado com movimentos alongados, suas
pernas e mãos tinham um ritmo sincronizado enquanto espiralavam, soando
como uma batalha interna. As expressões refletindo o que Gabe não
conseguia evitar que emergisse claramente em sua face exausta e pálida.
Perdia tudo de si enquanto rodopiava e, em um impulso só, colocava-se de
pé.
“Você já percebeu como a gente ri sem notar um ao outro? E como o
tempo parece sempre se arrastar toda vez que estamos separados? Você
também sente isso? Por favor, eu odeio quando você fica calado me
deixando adivinhar… Eu quero saber a verdade, Felipe.”
Parecia infinito enquanto girava. Seu corpo parou repentinamente, mas
o resto de seu corpo continuava ondulando como se estivesse em vertigem.
Esticou os braços e impulsionou-se para trás em um mergulho, caindo no
chão com uma leveza experiente, os braços recuados segurando docemente o
impacto da queda.
Um arquejo se ouviu. “Você sente isso? Eu sei que sente.” pensou.
As pessoas pareciam impressionadas com a habilidade que ele tinha de
fazer movimentos tão bruscos e parecer leve como uma pluma. Um
solavanco foi necessário para que saísse do chão, sua face assumindo um
tom de confissão intenso. Assentiu com a cabeça como se aceitasse um fato
inegável e sorriu de canto, satisfeito, enquanto girava de novo, mais rápido e
forte.
“Eu queria evitar. Se pudesse eu evitaria. Eu não queria me apaixonar
por você. Eu não queria! Mas eu não pude evitar. Cada maltido momento
que você chega perto, eu percebo que não existe ninguém no mundo com
quem eu gostaria de estar mais.”
Parecia entrar no ritmo e gostar dele, o embalo não possuía mais seu
corpo, mas sim seu corpo pertencia ao embalo.
Pertencimento era o que sugeria. As palavras não ditas eram inúteis
agora, porque seu corpo contava a história de uma batalha perdida, e era
clara como se a narrasse através de sentenças. Suas mãos tocavam em seu
corpo, mas não eram realmente as suas, eram as mãos de um outro alguém.
Seus olhos fechados e sua respiração ofegante demonstravam que era tudo
que precisava dali em diante.
“Eu não sei exatamente o que é isso. Se é físico. Se é paixão… Ou o
que quer que seja. Eu só sei que não quero sair do seu lado. Eu só quero que
saiba… Você não me engana, você sabe.”
Suas pernas se moviam sozinhas, levando-o em uma valsa singela. Um
sorriso doce tomava conta de seu rosto satisfeito. “Você sabe. Agora você
sabe”. Girou algumas vezes e encarou Felipe com os olhos dóceis, as pupilas
dilatadas visíveis graças à iluminação que o focava. Tremeu o lábio choroso
e sorriu um pouco para o ruivo que o via encantado.
“Agora você sabe que eu sou seu. Eu sou seu.”
Por fim, virou de costas para todos. Sentia que iria chorar. Chorava por
dentro. Havia perdido sua maior guerra quando caiu naqueles olhos cor de
âmbar.
Levantou uma mão em um aceno frágil como se fosse um convite para
segui-lo e as luzes apagaram enquanto um alvoroço de palmas, gritos e
assovios aumentavam longamente e gradativamente no escuro. Ovacionaram
a apresentação perfeita.
Gabriel agora fugia dali o mais rápido possível, contornando as pessoas
no escuro como um gato. Seu coração permanecia palpitando no limite de
sua garganta e, com a boca entreaberta estertorante, sumiu na multidão porta
de emergência afora.
Afinal, alguém havia conquistado sua atenção e afeto.

✽✽✽
Felipe parecia preso ao chão e piscava vagaroso. Seus lábios eram uma
única linha reta e seu maxilar protestava, travado ao seu máximo, contendo a
emoção revolta que lamuriava dentro de si, rogando por liberdade.
Ele mal conseguia respirar enquanto era açoitado pelos calafrios que o
tomaram desde o primeiro momento que havia visto Gabriel ali.
Acompanhar os movimentos do dançarino era como ver uma pintura, uma
fotografia. Decifrar um poema ou ouvir uma canção. Havia interpretado cada
tremor, cada hesitação, cada passo.
Não podia negar para si mesmo. O que havia visto era a declaração
mais linda que já havia presenciado na vida. E ela havia sido para ele, só
para ele. Sentia que ia explodir de alegria. Estava estático pelo regozijo de,
pela primeira vez em toda sua existência, entender, mesmo que
minimamente, sobre como se sentia sem temer por isso. E sentia
reciprocidade.
Compartilhava da mesma emoção daquela coreografia, da sensação de
batalha e de derrota declarada. Estava entregue e desejava aquele homem em
sua vida verdadeiramente, caminhando ao seu lado, mesmo que não
soubesse de fato o que aquilo significava. Estava disposto a descobrir.
Carla parecia sufocada e olhou assustada para Thiago, que assentiu
satisfeito, observando o amigo. Ele sorriu e indicou o ruivo com a cabeça.
Felipe parecia congelado mesmo que todo alvoroço da boate já tivesse
voltado ao normal.
A morena apertou o ombro dele, puxando-o para sair do transe, e Felipe
a olhou com os olhos marejados e brilhantes, sem conseguir esconder nada.
Ela sorriu doce e apertou o braço dele mais ainda.
— Vai atrás dele, Felipe. Vai agora — ela disse firmemente.
O ruivo negou com a cabeça, tentava se mover, mas não conseguia.
Suas pernas tremiam muito e quase tropeçou tentando dar um único passo.
Negou com a cabeça de novo, os olhos vidrados.
Thiago segurou o outro ombro do amigo, ficando lado a lado com sua
esposa. Fitou os olhos cor de âmbar firmemente.
— Já chega de fugir disso. Todos aqui são testemunhas. Isso foi lindo,
Felipe. Esse cara é perdidamente apaixonado por você. E a gente consegue
ver que você sente o mesmo por ele — Thiago falou apertando o braço do
amigo.
Felipe engoliu com dificuldade. Suas mãos pareciam anestesiadas pelos
tremores que mais pareciam vibrações intensas. Seu corpo todo ardia.
Olhava para Thiago e depois para Carla tomando coragem e negou com a
cabeça de novo.
Cobriu o rosto com uma mão e riu rouco e baixinho em júbilo.
Memórias bobas e tão banais que compartilhava com Gabriel invadiam sua
mente em flashes macios como camurça. Estava nas nuvens enquanto sentia
os minutos passarem. Seus amigos o encaravam em expectativa,
incentivando-o a reagir.
— Vai logo, Felipe! — Carla repetiu animada.
O ruivo sorriu mais ainda com o peito tremendo. Enchia-se com um
fogo tenso de coragem. “Então era para isso que você precisava de
coragem…” pensou e riu, aceitaria aquela proposta. Aceitaria deixar suas
defesas caírem por ele porque sentia-se da mesma forma.
Ele estava prestes a avançar em correria atrás de Gabe quando seu
telefone vibrou repentinamente e insistente assim como o de Thiago. Os dois
se entreolharam tensos enquanto puxavam os aparelhos e visavam a mesma
mensagem urgente da equipe alfa responsável pela proteção de Gabriel.

RYU
“J. hackeou o sistema da equipe. Perdemos nossas comunicações e
visão. Ele está aqui!
ALERTA. ELE ESTÁ AQUI.”

Gabriel tentava controlar a respiração com dificuldade depois de ter


dado tudo de si naquela coreografia. Ele sabia que Felipe havia entendido
tudo que queria dizer através de seus movimentos, tinha plena certeza disso.
Seu corpo tremia enquanto sorria muito bobo, segurando as bochechas
quentes e suadas. Seus olhos sombreados em negro formando uma expressão
selvagem que combinava com seus cabelos escuros alvoroçados e úmidos.
Ainda sentia-se consumido pelo olhar de Felipe, um olhar embevecido
e muito satisfeito com o que havia visto. Sorrindo aquele sorriso bobo que só
ele era capaz de ter. Gabriel riu divertido ali, encostado na parede do lado de
fora da saída de emergência do clube, defronte a rua deserta e mal iluminada.
Do outro lado, o prédio em construção escuro parecia abandonado.
Estava sozinho e não havia nenhum som além da música abafada que vinha
do estabelecimento. A brisa da noite rodopiava contra seu rosto corado.
Pensava apenas naquele olhar dourado e na risada rouca daquele homem
enquanto segurava, com a ponta dos dedos, a coleira em seu pescoço.
Suspirou ofegante desejando retornar ao clube para falar com o ruivo.
Beija-lo na frente de todos novamente. Pela primeira vez sentia-se preparado
para falar abertamente sobre como se sentia através de palavras. Estava
decidido, confessaria a ele o quanto queria que eles tivessem algo além
daquele contrato, e que não iria aceitar ser para ele apenas um parceiro
sexual.
Queria mais. Aquilo que haviam experienciado no último mês era
único, e ele não estava disposto a abrir mão tão cedo. Desejava prosseguir
sem medo, ser completamente transparente sobre o quanto se sentia cativo
(mais à sua companhia que ao seu sexo).
Ele sentiu um calafrio por conta do vento noturno que perpassou a via
vazia e silenciosa e o prédio abandonado, obscuro, atrás do clube. Preparava-
se para entrar novamente pela porta quando viu um homem alto sair das
sombras e parar diante de si, sob o único ponto de luz que vinha do poste
solitário. O homem penteou os cabelos para trás e sorriu largamente.
Gabe o reconheceu imediatamente.
— Que bom te rever, lindo — disse Jonathan, sorridente.
Ele se aproximou vendo o moreno recuar e ficar em guarda, sua base
preparada para brigar. Riu baixinho levantando as mãos como quem se
rende.
O homem usava um traje social muito elegante e completo, feito de um
tecido fino e escuro que conferia-lhe uma aura que se mesclava às sombras
noturnas. A gravata rubra e os olhos dourados eram as únicas cores que se
destacavam naquela criatura esguia e muito soberba.
— Que merda você quer aqui?
— Ah, eu vi sua apresentação — ele disse apontando para a porta
pesada da saída de emergência e suspirou fazendo um som impressionado,
enfiou as mãos no bolso e sorriu muito simpático. — Você é realmente muito
bom nisso! Eu nunca pensei que alguém fosse capaz de ser tão sensual
assim. Eu devo confessar que compreendo quem se apaixona por você só de
te ver dançar, porque eu mesmo estou sentindo meu coração acelerado até
agora.
O homem colocou uma das mãos sobre o peito, sentindo-o bater forte
ali. Sorria sem parar. Gabriel o encarava arredio com os punhos cerrados.
Jonathan continuou:
— A essa altura você já deve saber exatamente quem eu sou, não é? E
também quem ele é. Eu estou curioso, fofo. O que ele disse sobre mim? Que
eu era seu irmão gêmeo opressor ou algo assim?
Silêncio. O homem sorriu satisfeito e prosseguiu sem esperar pela
resposta:
— É, foi o que eu imaginei. Eu senti que devia falar com você
pessoalmente já que meu recado não foi suficiente para você entender no que
está se metendo. E eu acho que você merece saber a verdade, sabe? Não
deixar o idiota do meu irmão te cegar com as mentiras dele. — Ele deu de
ombros e riu baixinho. — Além do mais, eu realmente gostei de você, ainda
mais depois de te ver dançar.
— Foda-se! Eu sei sim quem você é. O que você quer, seu fodido?! —
Gabe bradou inquieto, não queria ficar mais nem um segundo no entorno
daquela pessoa assustadora. O analisou por completo enquanto ele falava e
aparentemente não estava armado, a não ser que estivesse muito bem
escondido. Continuou cauteloso olhando o homem que ria sem graça,
fazendo uma reverência e se desculpando com a cabeça.
— Desculpa, pelo visto você é o tipo de pessoa que gosta de ir direto ao
ponto. Eu gosto disso. Eu vou ser breve, sim? — O homem perdeu o sorriso
assumindo uma expressão muito séria e assustadora, seus olhos cor de âmbar
tomando o fôlego do moreno que o encarava. — Fique longe do Felipe.
Acabe esse contrato imediatamente e não volte a se envolver com a Ordem.
Seja convincente para que ele não vá atrás de você nunca mais e siga sua
vida. Simples.
Um silêncio tenso se fez enquanto uma forte rajada de vento noturno
cortava o espaço entre os dois. Gabriel riu incrédulo, olhando-o com o cenho
cerrado consumido pela raiva. A ousadia e falta de noção daquele homem o
deixava completamente possesso.
— E por que eu faria isso? — questionou retoricamente, cruzando os
braços diante do peito. Tentava se conter para não avançar nele.
Jonathan refletiu por um breve segundo e prosseguiu:
— Porque parece que você se apaixonou por aquele imbecil. A sua
dança... Aquilo foi óbvio. Lindo, mas óbvio. E se você gosta dele de
verdade, não quer que ele morra nem se machuque. — Ele suspirou
pesadamente por um instante, sorrindo novamente em seguida de forma
cínica. — Mas se ele continuar sendo imprudente assim por sua causa ou
continuar se envolvendo com coisas que já deveriam estar enterradas, é
exatamente o que vai acontecer. E você quer o melhor para ele. Não é, fofo?
O moreno engoliu em seco, recuando.
— O que você pretende fazer?! — questionou em fúria, definitivamente
iria socá-lo. Só de pensar em Felipe correndo perigo seu corpo todo tremia.
Precisava saber mais, precisava protegê-lo.
— Eu?! Eu, nada. Não poderia fazer nada contra meu irmão, por mais
que quisesse, fofo. Nosso pai se envolveria e a coisa ia ficar muito mais
complicada. E eu só quero o bem da Ordem. Eu não ganharia nada fazendo
algo contra o Felipe. — Ele deu de ombros indiferente. — Tem muita coisa
sobre ele que você não sabe, lindinho. Coisas que se você soubesse antes de
ter começado a brincar com ele, certamente te fariam correr para o mais
distante possível ou pelo menos pensar duas vezes. Pessoas como ele só
atraem problemas, inimigos e prestações de contas onde quer que elas vão,
você entende?
— Eu já sei que ele era um assassino. Você não vai me assustar com
essa merda — o moreno disse em fúria.
Jonathan levantou as sobrancelhas surpreso e riu batendo palmas,
divertido. “Então ele teve coragem de contar? Não, eu duvido. Ele deve
saber só o superficial” pensou.
— Era? Ah, lindo, e como é possível deixar de ser um assassino?
Jonathan suspirou irritado vendo o rapaz muito tenso e raivoso à sua
frente e continuou enquanto perdia a paciência. Seu tom de voz aumentava
mostrando que aquilo o incomodava verdadeiramente.
— Ele deixou a Ordem uma bagunça, lindo. Arranjou muitos problemas
e uma lista de pessoas para trás querendo sua cabeça. Depois sumiu para
fingir ser um fotógrafo de merda! Sabe quem teve que resolver tudo? Eu! —
falou exasperado, irritando-se por um instante. Puxou o ar tentando se
controlar e retomou seu tom muito comedido e frio por trás de um sorriso
falso. — Veja, ele sempre foi problemático, Gabriel. Violento, rude, um
verdadeiro arruaceiro. Tinha uma gangue que servia ele como se ele fosse
um deus! Não demorou nada para que se tornasse um monstro! Saía fazendo
as únicas coisas que ele sabe: destruir, violentar e matar!
— Cala a boca... cala a boca seu desgraçado! — Gabriel xingou pronto
para avançar nele.
— Mas é verdade. Eis o fato: se ele voltar a ser a besta insana, sedenta
por vingança e inconsequente que era, e acabar recomeçando o caos que ele
criou antes... Dessa vez ele não vai sair impune! Ele vai ser morto e a culpa
será sua! Você não vê o problema aqui? Você não é da Ordem e é indefeso.
Ele sempre vai fazer de tudo para te defender por causa disso. E defender
sua família e seus amigos e quem mais? Tudo por quê? Porque você não
pertence a esse mundo. Será que você não percebe que ele está se colocando
em risco quando te protege? Se vocês se envolverem mais, ele sempre vai
precisar ser quem ele era antes para te manter seguro. Você acha que isso o
deixa feliz? — Jonathan disse muito rápido sentindo que seu tempo se
esgotava. Provavelmente a equipe alfa já havia reestabelecido comunicação
com Draco. — Escute o que eu tenho a dizer, fique longe dele pela sua
segurança, mas principalmente pela dele. Tem muita coisa que nem ele sabe,
que dirá você! E é melhor continuar assim.
Gabriel arregalou os olhos e suas pupilas se contraíram em um terror
abismal. Lembrou-se imediatamente do diálogo que ele e Felipe tiveram no
carro:
— Eu quero você distante disso. É... Perigoso.
— Perigoso para mim? Ou para você?
— Para você. Mas nós temos um contrato e eu não vou deixar que ele
te toque um dedo, não vou medir esforços para te proteger. Então acaba
sendo perigoso para mim também.
Sim, afinal, era culpa dele que Felipe estivesse exposto ao seu passado
novamente.
Por culpa dele, que era indefeso e frágil, absurdamente comum, Felipe
precisava usar todos os recursos que tinha para protegê-lo.
Mesmo que Jonathan nunca tivesse se envolvido, mais cedo ou mais
tarde Felipe quebraria regras, invadiria territórios e faria o que fosse
necessário para exercer o seu papel previsto pelo contrato e pelo que
impunha os sentimentos que tinha por si.
— Até parece que você se importa com a minha vida ou com a dele, seu
filho da puta. Até parece que você se importa com alguém além de você
mesmo! Vai se foder! — Gabriel xingava-o sem parar quando a porta da
saída de emergência atrás de si abriu com violência.
Felipe puxou o moreno pelo braço com força, escondendo-o atrás de si,
Thiago e Carla ladeando-o.
Jonathan sorriu ao ver Felipe com seu olhar desesperado, protegendo
seu submisso. Cobriu o rosto com uma risada irônica. Thiago fez sinal que
sacaria a arma em seu coldre, afastando o paletó
— Ele tem um atirador. A mira está no Gabriel — Thiago disse
calmamente, mantendo seu tom de voz muito frio, a mão posicionada e em
alerta. Gabriel estremeceu e percebeu o ponto vermelho em seu peito,
mesmo com Felipe à sua frente, a mira a laser persistia. — Ele está em
algum lugar do prédio atrás dele. Estão usando um ponto de comando,
provavelmente um franco atirador de elite azul.
Felipe grunhiu bravo, emanava uma aura assustadora e assassina. Gabe
viu o ponto, um pequeno aparelho preso na orelha esquerda de Jonathan, que
servia para dar ordens ao seu atirador, e mapeou aquele item
cuidadosamente.
Sentiu a tensão vinda de seu dominador e o segurou pela mão buscando
seu olhar, queria demonstrar a ele que não temia, ainda mais agora que ele
estava ali. Os dois se entreolharam por um segundo breve e o ruivo
estremeceu sentindo-se péssimo por colocá-lo naquela situação. Ele voltou a
olhar para seu irmão.
— O que você quer aqui, Jonathan?
— Eu?! Bom, eu estava no meio de uma conversa aqui. E se eu não
tivesse tido a mesma educação que você eu questionaria se ninguém te
ensinou a não se meter onde não é chamado. Onde você aprendeu a ser tão
mal-educado? Com sua gangue de assassinos?
O ruivo balançou a cabeça em desgosto.
— Mande seu atirador tirar a mira dele. Agora, Jonathan!
— Não. Eu não vou sair daqui enquanto não terminar de falar com ele.
Não me atrapalhe e nada acontece com ele — Jonathan disse friamente e
olhou para Thiago com desdém e depois para Carla, dirigindo-se a ela: —
controle seu cachorro de classe B ou ele quem vai ser alvejado, Moretti.
A mulher riu alto, debochada, e cruzou os braços relaxada.
— Acho que você esqueceu que o meu “cachorro”, Jonathan, é o
melhor atirador da Ordem. Antes que você conseguisse abrir a boca para dar
um comando, você já estaria no chão. — Ela olhou para Thiago incisiva. —
Se ele der um passo em falso atire nele, eu estou disposta a arcar com as
consequências.
Thiago assentiu rígido em sua posição, ainda sem sacar a arma, apenas
posicionado. Gabriel o observava muito tenso, aquele homem alto parecia
muito habilidoso. Mesmo com os olhos fixos em Jonathan, à sua frente,
havia conseguido identificar um atirador escondido no prédio abandonado
do outro lado da rua e de onde ele mirava em poucos segundos.
— Eu mandei tirar a porra da mira do Gabriel, Jonathan! — Felipe
ordenou de novo, dominado pela cólera. Não conseguia pensar direito
sentindo o homem atrás de si em risco.
O moreno suspirou com o cenho cerrado. Não queria que aquilo
tomasse proporções maiores. Saiu de trás de Felipe encostando sua mão no
ombro largo dele, olhando-o nos olhos.
— Deixa ele terminar de dizer o que ele quer — Gabriel falou e olhou
para o homem sorridente com desprezo. — Termina de falar a merda que
você quiser e vai embora.
— Não — Felipe interviu autoritário, voltando-se para seu submisso,
tremia convulsivo. — Você não tem que escutar!
— Por que, fofo? Tem medo que eu conte todos os seus podres? Que eu
desfaça a brincadeirinha de vocês? — Jonathan cantarolou com um tom
provocativo e risonho, intrometendo-se.
— CALA A BOCA, PORRA! — o ruivo retrucou e sentiu a mão de
Gabriel o tocar, acariciando-o. Eles se olharam e o moreno assentiu,
apertando seu braço em um pedido de voto de confiança.
O ruivo emitiu um som de discordância. Não queria permitir que os
dois dialogassem.
Gabe olhou para Jonathan muito calmo, andando em sua direção. Sentiu
Felipe tentando o impedir e puxou o seu braço do aperto com força,
ignorando-o.
— Eu não tenho medo de você. Sempre agindo como se fosse superior
a todos e o dono da razão — Gabriel começou a falar andando lentamente
em direção ao homem bem-vestido. Ouviu Felipe protestando atrás dele e
não deu ouvidos, mantinha os olhos felinos fixos nos de Jonathan enquanto
andava sensual em sua direção. — Quer atirar em mim? Vai em frente. Eu
não tenho nada a perder.
— Gabo! Não — Felipe implorou vendo a mira piscando em seu
submisso. Qualquer movimento em falso seria fatal.
— Eu não quero te machucar, lindo. Isso é por minha segurança. O
único assassino aqui é ele. — Jonathan apontou para Felipe enquanto
prendia a respiração, tentava focar, mas verdadeiramente estava abalado pela
presença de Gabriel.
Ele pigarreou e desviou o olhar, percebendo que corava
involuntariamente com a beleza daquele homem e o olhar muito pesado dele.
Pensou por um instante que nunca suportaria olhar naqueles olhos vendo-os
carregados de desejo. Gabriel seria demais para ele. Era como uma droga:
viciante.
Felipe avaliava o irmão e notava seu comportamento nervoso e
hesitante, além da coloração avermelhada que tomava seu rosto. Bufou
apertando os punhos, enciumado, sabendo exatamente a razão daquilo.
Mapeou o prédio abandonado rapidamente buscando a mira laser com
experiência. Precisava pensar rápido em uma forma de tirar seu submisso
dali. Precisava encerrar aquilo o mais rápido possível, protegê-lo a todo
custo.
Jonathan se recompôs com dificuldade e sorriu simpático para o
moreno que o encarava com os braços cruzados à sua frente, esperando que
ele continuasse.
— Como eu ia dizendo... — Ele começou e olhou para o ruivo que o
fitava, os dois olhares gêmeos consumindo um ao outro em um ódio antigo.
Dirigia-se diretamente ao moreno parado diante de si: — acabe com o
contrato. Por sua culpa o Felipe está cometendo erros como um amador. E
está colocando ele, a Ordem e todos em risco. E tudo porque ele está tão
encantado por você que não consegue pensar direito. Você vai suportar se ele
morrer ou qualquer outra pessoa morrer por sua causa?
— Jonathan, já chega! — Felipe alertou em um brado furioso e xingou
apertando os punhos.
Gabriel recuou um pouco, abaixando a cabeça. Sentiu a culpa pesando
em suas costas. Não entendia que tipo de perigo iminente era aquele e
tampouco seria capaz de defender as pessoas que amava daquele mundo
novo e complexo.
Jonathan continuou, ignorando o irmão:
— Essa brincadeirinha besta de vocês só está criando problemas,
Gabriel — o homem falou calmamente e se aproximou um pouco mais dele,
sorvendo o cheiro doce que ele tinha. Encarou Felipe, que estava muito mais
próximo deles do que ele desejava, pronto para atacá-lo. — Como eu disse,
eu tive que resolver todos os conflitos que ele deixou para trás quando
saiu… Ou melhor, fugiu da Ordem.
Jonathan sorriu de canto, buscando o olhar vacilante de Gabriel. Os
dois se encararam e o maior prosseguiu:
— Eu tive que fazer muitos acordos para acalmar as coisas. E agora.
Por sua causa ele vai à sede bêbado querendo informações sobre você.
Reativa o sistema dele de vice-líder chamando atenção de todos e criando
um alvoroço. Cruza a cidade toda só por saber que eu estava no mesmo
ambiente que você no dia da mostra de fotos, o que aliás prova que ele tem
subordinados ativos te protegendo desde sempre. — O Castro riu soproso e
debochado. — Ele até invadiu um território inimigo só para te proteger e se
não bastasse, é o território de uma família que nos quer mortos, fofo.
Quantas imprudências... Não é? Como se não tivesse nenhum treinamento.
Estúpido.
O homem suspirou ao ver Gabriel muito corado, digerindo aquelas
informações, e olhou novamente para Felipe, certificando-se que estavam
perto o suficiente. Jonathan voltou a visar o moreno em seguida e estendeu a
mão lentamente para tocá-lo, em um movimento sensual e provocativo. Com
aquele movimento conseguiria exatamente o que queria: a fúria de seu
gêmeo.
— Nossa, com você tão perto assim eu consigo confirmar que você é
realmente lindo. Esqueça esse imbecil. Me deixe te tocar e vai esquecer que
ele já existiu... — o homem disse, levando a mão lentamente na direção do
cabelo de Gabe, prestes a tocá-lo.
Em um movimento veloz, Felipe se voltou na direção de Thiago,
puxando a sua arma do coldre dele. Noutra fração de segundo, avançou se
enfiando entre os dois à sua frente e engatilhou a arma em uma sequência
muito rápida. O ruivo a segurou com as duas mãos, encostando-a com força
na cabeça de Jonathan. Seu olhar opaco e assassino estava fixo no de seu
irmão e o dedo no gatilho pronto para disparar.
Gabriel teve um sobressalto. Mal havia conseguido ver os movimentos
de Felipe, que mexeu-se como uma sombra. Prendeu os olhos assustados no
ruivo, agora posicionado em uma base firme diante de si. Estremecia por
completo vendo-o armado.
Jonathan não piscava, encarando Felipe, quando levantou as duas mãos
lentamente, em um movimento de rendição. Olhou diretamente para Gabe.
— Viu? Um assassino. E imprudente. Por sua causa.
Gabriel sentia-se afogando em culpa, seu coração ardia. Sentia-se um
intruso e a causa daquilo tudo. Todo seu corpo doía.
Tentava lembrar dos momentos ao lado de Felipe, da sensação
reconfortante que tinha quando dormia em seu colo e da sua risada rouca e
divertida. Os momentos do dia em que saíram para fotografar no parque ou
do passeio no cinema, no qual ficaram o tempo todo de mãos dadas vendo
filme.
Pensava no bater de mãos comemorativo ao ganharem no fliperama e
na sensação gostosa de tê-lo ao seu lado, envolvendo-o como se estivessem
realmente em um relacionamento. Firmava-se na sensação daqueles olhos
cor de âmbar em si, o sorriso lindo e muito bobo cortando os lábios do
homem por quem era apaixonado.
— Se falar mais uma palavra, não existe grande líder no mundo que me
impeça de atirar, Jonathan — o ruivo falou friamente, sua voz era muito dura
e indiferente.
Gabriel sentiu um frio na espinha percebendo a seriedade do seu
dominador, a aura de liderança e poder, que ele havia vislumbrado
anteriormente, o tomando por completo.
Não era o homem com quem dormia, com quem compartilhava cafés,
ou para quem sorria timidamente e palpitante. Não era nem mesmo o homem
libertino e sádico com quem transava. Era algo muito superior, experiente e
violento. Era Draco.
— Felipe, por favor, calma... — Gabe implorou sem saber se deveria se
aproximar. Viu a mira vermelha ainda em si e entendeu imediatamente. Com
ela apontando nele Felipe estava de mãos atadas e não atiraria em Jonathan.
Essa era a ordem do seu atirador. Os outros ao redor entendiam a mesma
coisa, qualquer movimento em falso do ruivo representaria um dano em
Gabriel.
— Volte para o buraco onde se enfiou quando fugiu com o rabo entre as
pernas, Felipe. O que?! Desistiu de ficar se lamentando pelos crimes que
cometeu e agora está se fazendo de besta de novo, se achando um herói?
Você sempre precisa de uma causa perdida para lutar e se sentir melhor com
você mesmo, não é? Termine logo essa merda antes que comece a ficar mais
imprudente! Toda vez que você ama alguma coisa fica assim, um imbecil, e
assume a sua verdadeira face! Exatamente como foi por causa da nossa mãe!
Felipe não hesitou e puxou o braço armado acertando em cheio um
golpe com o carregador da pistola no rosto de Jonathan.
O homem recuou e tropeçou para o lado. Imediatamente, o ruivo se
enfiou na frente de Gabriel, a mira se posicionando em seu largo peitoral.
Um som de saque de arma ressoou atrás de si, mas o moreno ignorou,
confuso com a sensação daquele homem o protegendo.
Agarrou-o pela jaqueta instintivamente. Jonathan riu, limpando o canto
da boca ensanguentada com as costas da mão e olhou sombriamente para o
irmão.
— Você ainda se afeta se falar dela, não é? — Jonathan riu divertido e
arrumou os cabelos que haviam se desalinhado com aquele golpe violento e
pesado, a parte interna de sua boca sangrava sem parar.
Ele refletiu ao reparar que não poderia fazer nada agora que tinha
Felipe e Aurora o mirando ao mesmo tempo. Além disso, a equipe alfa do
ruivo certamente já estava o cercando como ele havia previsto e precisava
finalizar com aquilo logo.
Sabia exatamente como ferir Felipe sem precisar fazê-lo sangrar e
fiava-se nessa sua habilidade quando trouxera apenas um atirador para
protegê-lo. Ele estalou a língua várias vezes em desaprovação, como se fosse
um adulto repreendendo uma criança.
— Que violência desnecessária, Felipe. Mas pelo menos serviu para
você mostrar essas suas garras demoníacas pro seu brinquedinho. Mostrar o
monstro que você é de verdade! Ele já sabe as coisas que você fazia pela
Ordem? O trabalho sujo que você se orgulhava de fazer? Será que ele sabe
sobre tudo que você fez sem nunca ser mandado, apenas por prazer e para
suprir o seu ego nojento? Ele sabe o que realmente significa você ser um
assassino?
— Nem mais uma palavra, Jonathan! — Felipe disse furioso apontando
a arma para o irmão com voracidade. Gabriel ainda o agarrava pela jaqueta,
atrás de si.
O moreno percebeu o que explicaria o som de saque que ouviu outrora:
Thiago havia sacado a outra arma que tinha e apontava diretamente para
Jonathan. Isso fez o rapaz entender que a investida de Felipe contra o irmão
havia sido pensada, considerando que o amigo já havia mapeado exatamente
onde o atirador de elite azul estava, e calculado que ele não seria capaz de
defender Jonathan de duas armas apontadas para ele em ângulos diferentes.
Thiago era um atirador de Elite Púrpura, um franco atirador, que seria
capaz de acertar qualquer alvo uma vez que o tivesse marcado, seus olhos
sonolentos fixos impassíveis alertavam da certeza de que Jonathan cairia se
fizesse um movimento errado.
Carla estava atenta em seu submisso, em uma posição que não pudesse
ser alvejada, confiava plenamente em Thiago tal qual Felipe. Eles jogaram
uma moeda no escuro supondo que Jonathan tinha apenas um atirador e
acertaram.
Um silêncio tenso permeou naquela cena, a iluminação falhava no poste
único sobre o qual aquelas pessoas hostis estavam.
Jonathan riu de novo, pressionado pelas duas miras sobre si. Colocou
uma mão sobre o ponto em seu ouvido. — Sim, eu sei. Não foi nada, não se
preocupe — murmurou e enfiou as mãos no bolso, satisfeito. Virou um
pouco a cabeça a fim de evitar o corpo de Felipe, o qual escondia Gabriel.
— Sabe, lindo, você deveria ter escolhido o irmão bom. Esse sociopata
vai acabar te machucando de verdade qualquer dia desses.
— Vai se foder, seu maluco! — Gabriel respondeu em um grito, engolia
com dificuldade. Apertava Felipe com força, tremendo. Jonathan olhou
divertido para o ruivo que apontava a arma em sua direção.
— Você realmente está apaixonado por ele, não é? — Jonathan disse ao
irmão, sorrindo sadicamente, seus olhos sedentos saltando para Gabe.
Precisava pressionar o irmão ao máximo para alcançar seus objetivos
naquela missão. — Você realmente acha que alguém como você tem o
direito de se apaixonar? Ainda mais por alguém como ele?! Você sabe quem
vai sair ferido dessa situação, Felipe. Você sempre gostou de jogar! Desde
quando virou um perdedor?
O ruivo hesitou sentindo seu coração palpitar, não poderia assumir
como se sentia na frente daquele homem. Desejava sair daquela situação o
quanto antes, afastar Jonathan de vez e sabia que seu irmão não iria parar
enquanto não estivesse convencido que havia vencido.
As palavras dele o perturbavam intensamente e de repente entendia que
nunca poderia estar com Gabriel como a pouco pensava que podia. Ouvir
falar de sua mãe, a pressão e o medo de Gabe ser alvejado, todas aquelas
palavras de Jonathan se misturavam em sua mente, fazendo-o fechar-se
dentro de suas defesas de novo.
“Eu sinto muito, Gabo... Eu realmente sou um jogador e não posso
perder. Eu já sabia que te perderia de um jeito ou de outro. Eu preciso do seu
joguinho agora” pensou em um lamento, evocando o pior de si.
— Realmente, você está certo quando diz que eu adoro jogos. Mas está
errado em achar que eu sinto esse tipo de idiotice por esse cara. Ele é uma
foda como outra qualquer. Você continua insistindo nessa merda apenas para
me irritar porque sabe que eu odeio que pegue o que me pertence — Felipe
falou friamente e desengatilhou a arma, guardando-a na cintura. Afastou
Gabriel de si, que, agora, olhava-o estarrecido com o que havia ouvido. —
Eu fiz algumas coisas idiotas sim, grande coisa. Você não deveria supor que
eu tenho algum tipo de sentimento ridículo por um cara qualquer como ele
só por causa disso. Quem está fazendo uma bagunça com suas presunções é
você.
Jonathan arqueou as duas sobrancelhas surpreso, ainda sorria se
divertindo. Aquilo estava saindo muito melhor do que ele esperava. Era
exatamente o que precisava.
Gabe olhou para o chão: “Uma foda como outra qualquer... Sentimento
ridículo... Um cara qualquer como ele...” pensava sentindo suas mãos caírem
pesadas ao lado de seu corpo.
— Está dizendo que não sente nada por ele depois de toda essa cena?
Acha mesmo que vou acreditar em você?
— Eu não tenho por que mentir. — Felipe deu de ombros. — É claro
que eu vou reagir com você se metendo com a minha foda e na minha vida.
Ele é divertido. É um ótimo brinquedo para mim e eu não quero que você se
meta no que não é da sua conta. Mas não significa que eu sinta algo por ele,
o contrato acabado cada um segue seu caminho. Não entendo por que você
está supondo tantas idiotices... Eu já tive outros submissos tão bons quanto
ele e você nunca se meteu.
Gabriel engoliu em seco, recuando. Seu corpo todo era assaltado por
calafrios. “Brinquedo... O contrato acabado cada um segue seu caminho...
Outros tão bons quanto ele...”, sentia aquelas palavras tão frias. Invadindo-o
e congelando seus ossos.
Não conseguia piscar, a boca entreaberta e a respiração estagnada. Nada
funcionava dentro de si. Não deveria ser assim, não era? Ele parou para
recapitular se não havia sido baleado porque sentia-se definhando. Seu
corpo, internamente, ardendo pela sensação incapacitante que o tomava.
— Você nunca fez tanto por nenhum submisso assim antes, Felipe. Eu
não acredito em você — Jonathan retrucou perdendo a paciência. Não
gostava de ver o irmão tão calmo e precisava que ele perdesse o controle
muito mais.
— É impressão sua. Ele não é da Ordem, então as coisas ficaram
complicadas e eu precisei de mais recursos que o comum como procurar
informações sobre ele. Além de afastá-lo desse seu hábito idiota de ir atrás
do que me pertence só para tomar de mim. E não diga que não é isso, porque
é... Você adora destruir tudo que eu tenho, sente prazer em me ver irritado.
Jonathan riu concordando e deu de ombros.
— E invadir o território dos Barbosa? Vai dizer que tem uma razão
lógica para isso também?
— Claro. Eu nem ia atrás dele. Mas eu soube que irmã dele se envolveu
em um acidente causado por um acerto de contas entre os Barbosa e outra
gangue. — Felipe cruzou os braços diante de si e bufou como se estivesse
cansado e falando algo muito óbvio, seu tom inexpressivo. — É claro que eu
tive que ir lá averiguar se o meu submisso estava seguro, é minha obrigação
pelo contrato. Eu levo a sério esse documento. É um jogo que me diverte e
só. Se ele morresse eu não ia mais foder com ele e isso não está nos meus
planos ainda. Fora o fato mais importante de que se os Barbosa fizessem
algo com ele, todos saberiam que tínhamos nos desentendido no dia anterior
dele se machucar e eu estaria exposto. Foda-se! Eu já disse que essa é minha
diversão, porra! Eu posso lidar tranquilamente com os Barbosa, tenho tudo
sob controle para a negociação.
Felipe puxou a carteira de cigarros do bolso, com a boca segurou um
deles e a guardou de volta no lugar, acendendo-o em seguida em uma
tragada longa. Olhava para o irmão sentindo suas mãos tremerem, seus olhos
de lince sendo avaliados por aquele homem que parecia refletir se acreditava
ou não nele. Certamente não acreditava, mas para Jonathan o que importava
era Gabriel acreditar.
— Está me dizendo que fez tudo isso só por causa de sexo? Ele é tão
bom assim?
— Sim. Ele é muito bom nisso. Mas como todos os outros uma hora
perde a graça — Felipe respondeu, insensível. Fumava silenciosamente
ouvindo a respiração pesada de Gabriel que agora encarava o chão de novo.
Thiago não se movia de sua posição, mirando Jonathan enquanto Carla
prendia a respiração preocupada com os amigos.
— Então não se importaria se eu ficasse com ele, não é? — Jonathan
retrucou muito sombrio.
Felipe deu de ombros e negou com a cabeça fazendo pouco caso.
— Depois que eu usar ele bastante pode fazer a merda que você quiser,
só não se meta mais enquanto é minha vez com essas suas suposições
imbecis. Eu já disse que não sinto nada por ele.
Jonathan riu sombriamente. Mesmo que seu irmão estivesse mentindo,
sabia que aquelas palavras afetavam Gabriel intensamente. O moreno, por
sua vez, permanecia de cabeça baixa, uma das mãos em seu pescoço como
se tentasse recuperar a respiração, tateando a coleira trêmulo.
— E sobre esse medo todo dele saber sobre seu passado? Vai me dizer
que isso é sobre sexo também?
— Ele não é da Ordem. Se ele fugir de mim por causa das merdas que
você fala eu não vou ter mais o meu brinquedo. Você não sabe como dá
trabalho encontrar um submisso decente! Por sua causa agora ele sabe de
tudo, e sobre mim! — Felipe bradou de uma vez, irritado. — Na verdade
toda essa confusão só está acontecendo porque você estragou o meu disfarce
de fotógrafo! Já chega dessa merda, Jonathan! Me deixa em paz.
Jonathan riu sem acreditar em uma palavra de Felipe. Sentiu que seu
dever estava cumprido ao ver Gabriel tremendo muito, o chão ganhando
pontos escuros pelas lágrimas densas que escorriam silenciosas de seu rosto.
Reparou que Felipe não prestava atenção nele e suspirou em um muxoxo
falso.
— Bom, nesse caso, então eu sinto muito pelo mal-entendido. Eu
realmente pensei que você gostava dele. De qualquer forma... É melhor
acabar com esse contrato só por via das dúvidas. Para você pode ser só sexo,
mas o seu submisso claramente está apaixonado por você — falou indicando
o moreno que chorava em silêncio de cabeça baixa, escondendo-se através
dos densos cabelos escuros. Felipe olhou para Gabriel e entreabriu os lábios
prendendo a respiração, contendo ao máximo sua expressão e o impulso de
abraçá-lo. — E como ele não é da Ordem pode acabar fazendo alguma
besteira.
— Não conte com isso — Gabriel disse de súbito o olhando com fúria,
seus olhos inchados e muito úmidos por causa das lágrimas marcadas em sua
bochecha pela maquiagem que usava. — Você parece ser muito bom em
supor as coisas, não é, seu desgraçado? Você ouviu o que ele disse. Você o
conhece melhor que eu. É claro que eu não passo de um objeto que ele usa
para se saciar. Foder e se divertir no seu jogo de ser um fotógrafo safado.
Gabe riu amargo, tremendo em sua voz e engasgando com as lágrimas,
fungava muito.
— Meus sentimentos não importam aqui e eu já estive nesse lugar
antes. Eu sei bem como é gostar de alguém sem ser correspondido. Não é
algo novo pra mim. Agora que já disse o que queria, será que eu posso ir
embora?
— Gabo... — Felipe começou a falar em um sussurro, implorando
mentalmente que ele o olhasse e entendesse as suas razões de ter dito aquilo.
Não podia demonstrar nenhuma fraqueza diante do seu irmão.
Gabriel não olhou nos olhos alheios ao voltar-se para seu dominador:
— Cappuccino — ele disse sem forças. Sua palavra de segurança
ressoava muito fria, representando que ele estava no seu limite e seu
dominador precisava parar imediatamente. — Já chega. Eu vou para casa.
Não venha atrás de mim.
Silêncio.
Felipe sentiu aquela palavra cortando-o lentamente, em finos e
torturantes talhos. Tragou em silêncio olhando para o solo, e tentava sem
sucesso manter sua expressão fria e distante. Jonathan sorria lambendo os
dentes com aquela cena, apreciava o sucesso. “É melhor assim” pensou
satisfeito.
— O que isso significa, Gabriel? Essa palavra que disse agora... —
Jonathan questionou instigando-o. Parecia se divertir vendo Felipe muito
abalado.
— Se eu disser eu posso ir embora? — o moreno questionou
roucamente e viu o homem à sua frente assentindo divertido. Ele suspirou e
o olhou nos olhos profundamente, a dor estampada em seu rosto sendo aos
poucos substituída por uma nuvem densa de indiferença. — É a palavra de
segurança do contrato. Significa que eu estou de saco cheio de ser feito de
bobo. Você venceu.
Gabriel suspirou vendo o homem dar um comando baixinho para o
ponto em seu ouvido. A mira que apontava para si sumindo em seguida. Ele
girou os calcanhares para sair dali sem olhar ninguém, não conseguia
enxergar um palmo à sua frente.
Entrou pela saída de emergência bar adentro com violência, a música
tocava alta enquanto as pessoas dançavam amontoadas na pista de dança.
Havia muitas outras nos dois bares e nos bancos, nos pufes e em pé. As luzes
reluzentes que piscavam muito, fumaça e o barulho infernal mesclado de
batidas e conversas, risadas altas e histéricas, se misturando em uma cena
perturbadora na vertiginosa visão de Gabe.
Ele tropeçou uma ou duas vezes, esbarrando em pessoas e se
desculpando com a cabeça, seguia em frente sem ver aonde. Sentia que iria
vomitar quando as mãos de Josh o seguraram com força pelos braços.
— Gabriel?! Gabriel, o que houve? — Josh gritava no escuro,
sacudindo-o e tentando fazer ele reagir à expressão pálida.
O rosto do moreno estava sem vida e muito tenso. Ele olhou o amigo,
sentindo as lágrimas escorrerem pelas suas bochechas sem seu comando.
Sentia tanta dor que podia cair.
— Me leva para casa. Por favor. Me tira daqui — implorou.
Josh analisou o amigo e, mesmo sem entender, puxou-o em um
solavanco em direção à saída. Fez um sinal para Ron o seguir e caminharam
para fora, trôpego pelo peso de Gabe, que parecia muito tonto e nauseado,
trocando pernas e cobrindo o rosto gelado que não parava de chorar.
O loiro colocou o amigo no banco traseiro do carro de Ron e viu o
companheiro, preocupado, correndo para assumir a direção. Antes que
pudesse entrar no carro também, Felipe irrompeu do clube chamando por
Gabriel. Estava igualmente muito pálido, tremia convulsivamente quando
Josh o empurrou com as duas mãos fortemente.
O ruivo não o olhava, mantinha-se fixo na cena que via através do vidro
da janela do carro: o rapaz que chorava soluçante, curvado e apoiado com a
cabeça nas costas do banco do passageiro, agarrado ao próprio corpo como
se tentasse juntar os cacos de si.
— O que aconteceu?! De novo essa merda?! O que você fez para ele,
seu desgraçado?! O que você falou de novo? — Josh gritava impaciente e
empurrou Felipe de novo, pela segunda investida do homem. Ele o olhou em
desespero, os olhos dourados estavam regados por lágrimas densas, retidas
em uma camada grossa diante de seus olhos emitindo uma sombra insana. O
loiro não recuou. — O que você fez, porra?!
— Sai da frente! Me deixa falar com ele, Josh, sai da frente! —
implorava gritando e tentando avançar.
— Não! — Josh o empurrou com muito mais força, fazendo-o tropeçar
para trás. Felipe se desequilibrou cobrindo o rosto, odiava a sensação de
estar tão exposto. Os dois se encararam em seguida, Josh apontava muito
perto no rosto de Felipe avançando de uma só vez. — Escuta bem o que eu
vou te falar, seu merda! Decida de uma vez o que você quer ou fica longe
dele! Se for para ficar magoando ele toda vez, eu mesmo faço questão de
arrebentar essa sua cara! Foda-se quem você quer que seja! Fica longe do
meu amigo, seu fodido!
— Eu... — Felipe tentava explicar, mas sua voz não funcionava, suas
mãos tremiam intensamente como antes. Olhava diretamente para Gabriel,
implorando que ele o olhasse também. “Por favor, por favor... Olhe para
mim, eu imploro. Me entenda... Por favor”.
O loiro girou o corpo, afastando-se de Felipe. Entrou no carro se
acomodando no banco do passageiro e bateu a porta com força. Olhou pelo
espelho retrovisor e viu Gabriel pelo reflexo, encolhido. Apertava o próprio
corpo em um choro soluçante e dolorido, quase mudo.
O carro avançou e Felipe cobriu o rosto na mesma situação, de pé do
lado de fora, sozinho e arranhando-se lamurioso, em agonia. Os dois
pareciam quebrados e absurdamente frustrados, mergulhados em uma dor
sufocante e mútua.
Enquanto o veículo avançava na via e afastava os dois, a fina conexão
vermelha que os ligava ficava cada vez mais tênue e frágil, misturando-se às
luzes noturnas que tomavam, sinistramente os becos, a paisagem, os
corações.
CAPÍTULO XX
...

O clube da Lizzo permanecia movimentado e cheio. As pessoas


circulavam pela frente do estabelecimento bebendo e rindo. Algumas mesas
e cadeiras já haviam sido colocadas do lado de fora e a noite avançava em
suas horas, cada vez mais fria. Os sons noturnos invadiam o ambiente:
carros, gargalhadas e música abafada.
Carla saiu pela porta da frente procurando em todo lugar, Thiago a
seguia com os olhos atentos nos arredores. Mesmo que Jonathan estivesse
com apenas um atirador, todo cuidado ainda era pouco. Felipe estava
encostado na parede, isolado de tudo e todos, fumando em silêncio.
Encarava o chão e seu rosto não estava visível.
Os amigos se aproximaram, preocupados.
— Aonde ele foi? Cadê o Gabriel? — Carla perguntou ofegante.
Felipe negou com a cabeça e fungou, limpando o rosto sem permitir
que o vissem chorar, mas seus olhos estavam vermelhos e inchados. Os
cílios densos de uma cor clara natural estavam escuros pela umidade
excessiva.
— Ele foi embora — Felipe disse com dificuldade, sua voz era muito
fria de uma forma forçada e incerta. Tragou o cigarro silenciosamente e
voltou a encarar o chão. — E o Jonathan? Ele falou mais alguma coisa
depois que eu saí?
Thiago suspirou, tenso com o tom muito mortificado do amigo. Já havia
ouvido ele assim antes em uma época que ele não gostaria de lembrar.
Inevitavelmente a memória dolorosa de invadir a casa dele e impedi-lo de
algo fatal consigo mesmo tomou sua mente com um arrepio na espinha.
— Só repetiu o mesmo que ele disse antes de você sair — Carla
respondeu, apertou o casaco de Thiago ao seu redor sentindo-se mal em ver
Felipe daquela forma. — Disse para você terminar essa negociação de uma
vez e ficar longe da Ordem ou ele continuaria se intrometendo. Ainda
repetiu que era melhor mesmo vocês se separarem... Esse desgraçado. Ele se
acha tanto, aquele fodid-
— Ele está certo — Felipe a interrompeu com a voz rouca. Endireitou-
se e se livrou do resto do cigarro soprando a fumaça indiferente. Queria
acender outro imediatamente, ainda sentia suas mãos tremendo em vibrações
que se estendiam pelos seus braços. — Ele está certo em se preocupar que eu
volte. Eu realmente deixei tudo uma merda naquela época, não foi? Eu
estava tão obcecado... E depois que tudo acabou... Só acabou. Nada mudou.
Ele falava muito baixo. Estava com as mãos nos bolsos e seu rosto
parecia ter sido esculpido em mármore: imóvel, frio e indiferente. Marcas
retilíneas brilhavam traçando um caminho úmido do canto de seus olhos até
seu queixo.
O caos de suas emoções era cada vez mais suprimido, enfiado dentro de
si com a maestria de quem havia feito isso a vida toda. “Onde eu estava com
a cabeça quando pensei que eu poderia viver um relacionamento normal?
Ele é tão incrível que realmente... Por um momento... Eu pensei que fosse
possível viver como todo o resto. Mas é impossível”, pensava em silêncio.
Mirou os amigos que o encaravam preocupados e riu um pouco,
provavelmente estava com uma expressão digna de pena para causar tanta
comoção.
— Felipe... Não. Não faça isso com você — Thiago disse baixo.
— Vocês ouviram todas aquelas coisas que eu disse para o Gabo?
Como eu poderia servir para isso? Vocês viram como ele saiu de lá... O
Jonathan está certo. Eu não tenho o direito de me apaixonar. Ainda mais por
alguém tão... tão único. Eu sempre tento fazer algo certo e faço tudo errado
— Felipe disse quase sem voz.
Puxou outro cigarro em imediato pensando em acendê-lo e morrer de
uma vez de tanto fumar. A voz de Gabriel ecoou em sua mente “Café e
cigarros não contam como refeição”, guardou o cigarro de volta e apertou as
mãos muito firme.
Lembrou-se do bilhete que o irmão havia enviado por um Classe E no
dia em que Gabe o desobedeceu indo ao shopping: “É assim que acha que
merece ser tratado, lindo? Como um animal que é violentado? Você merece
mais. Muito mais. Alguém que entenda o valor desse sorriso e de seus
presentes”.
Felipe agora concordava com o gêmeo. Talvez ele não fosse capaz de
compreender o seu valor, de oferecer a Gabe o que ele realmente merecia e
precisava. Apaixonar-se era inevitável, mas ainda podia evitar sentir algo
mais profundo se desistisse de vez.
O ruivo continuou:
— É melhor eu encerrar o contrato. Ficar longe de tudo e da Ordem
definitivamente. Qualquer tentativa de me aproximar de qualquer pessoa é
perigoso.
— Espera. Aquela palavra de segurança não era a que encerrava o
contrato? — Carla perguntou empolgada e o ruivo negou com a cabeça. Ele
parecia obstinado em seu pensamento pessimista e mal reparou nesse
detalhe. Na realidade, supunha que, como Gabe mesmo havia dito antes, já
que ele quem havia começado aquilo então ele esperava que Felipe o
encerrasse.
— Então é isso?! Vai deixar ele te dizer o que fazer? Ele agora
determina quem você é? — Thiago perguntou friamente.
Felipe deu de ombros fingindo indiferença. “Você não é um mafioso
disfarçado de fotógrafo, Felipe. Você é um fotógrafo escondido na sombra
de um mafioso. Nunca esqueça isso. Não deixe aquele desgraçado
determinar quem você realmente é” ecoava em sua mente enquanto apertava
os punhos.
Já estava habituado a fingir que não sentia nada, quanto antes
começasse a fingir que não sentia nada por seu submisso, antes acreditaria
nisso.
Carla prendeu a respiração sentindo uma onda ardente de fúria a invadir
ao testemunhar aquela dissimulação malfeita. Ela apertou os olhos na
direção do ruivo, a raiva incontida cintilava em seus olhos de esmeralda.
— Eu não consigo acreditar nessa merda. Você viu alguma coisa
daquela dança que ele apresentou, seu imbecil?! — ela bradou. Felipe
apertou os olhos para o chão e deu de ombros, tentando evitar cruzar o olhar
com o dela. Lembrar daquela dança o fazia sentir todo seu corpo doer, seu
coração apertava como se fosse esmagado. Ela continuou gritando: — olha
para mim, Felipe! Você se lembra? Cinco anos. Há cinco anos atrás, você se
lembra da merda que você me falou?!
Felipe recuou e olhou para Thiago em hesitação. Encarou a amiga que
tremia em cólera em seguida, ela estava realmente furiosa.
— Olha bem para mim, porra! Lembra quando eu estava fugindo do
que eu sentia e você me chamou de burra por ter dispensado o Thiago?!
Você se lembra das suas palavras? Porque eu não esqueço. Não ouse se
culpar pelo que você fez àqueles fodidos na minha frente! Por sua causa eu
posso deixar flores no túmulo do meu pai sem um peso de impunidade na
consciência. Por sua causa eu posso acordar todo dia do lado de uma pessoa
que eu amo. Foi você quem me fez perceber que eu merecia ser mais do que
eles queriam que eu fosse por causa da merda de um sobrenome! Eu sei de
muitas pessoas que dormem melhor à noite por você ter livrado elas da
escória que as machucava. E agora isso? Vai acreditar no que aquele
desgraçado quer meter na sua cabeça?! Você vai desistir depois de tudo
aquilo que o Gabe fez para você?! Você viu como ele foi corajoso
enfrentando o Jonathan? Ele fez isso por você! Como ousa ser um covarde e
pensar em desistir?!
Thiago puxou o braço de Carla que avançava sem parar no amigo. Ela
apontava e gritava, pronta para socá-lo. O homem a segurou firme, em um
abraço, sentindo-a soluçar de raiva em seu peito e encarou o ruivo que
parecia muito confuso e perdido.
Mesmo que Thiago soubesse que Felipe tinha colaborado com a união
dos dois, não tinha certeza até aquele momento sobre o fator essencial que
havia sido sua palavra para que ela tomasse a decisão de escolhê-lo.
Na realidade, o ruivo sempre foi uma pessoa fechada que fingia
desinteresse no relacionamento dos dois quando, na realidade, estava sempre
promovendo oportunidades para que eles se encontrassem e ficassem juntos.
Thiago agradeceu mentalmente àquele homem enquanto apertava a
mulher que amava em seus braços, contendo-a. Felipe já havia salvado sua
vida uma vez e não obstante, acabou de descobrir, também havia sido peça
fundamental para que seu relacionamento acontecesse.
O ruivo negou com a cabeça ignorando-os. Pensava apenas sobre como
Gabriel o olhava durante a dança que havia performado. Seus movimentos
leves e fluídos como a correnteza de um rio, a fumaça de um incenso. Sentia
o coração palpitar com a memória do sorriso doce que ele esboçava nos
momentos certos, refletindo a satisfação que era libertar-se daquele peso.
Queria livrar-se desse peso também. Queria pedir perdão por não ter
tido a mesma coragem e enfrentado Jonathan como ele o enfrentou. “Como
você consegue? Como consegue ser tão precioso sem nem se esforçar? Ser
tão claro e tão sincero em tudo que faz? Como é não ter medo?” ardia em
silêncio, os pensamentos voltados para o homem que ansiava ao seu lado,
enquanto mantinha os olhos rígidos e insondáveis fixos na amiga que se
acalmava do choro revolto.
Carla socou o peito de Thiago e o empurrou, xingando.
— Foda-se esse babaca — ela grunhiu baixinho
— Não se afaste muito, signora — Thiago sussurrou, insistindo ainda
em segurar as mãos alheias enquanto ela tentava sair do entorno deles. A
morena puxou suas mãos geladas assentindo. Afastou-se em marcha sem
olhar para ninguém, irritada.
Silêncio.
— Pelo que eu me lembro... Você também me falou algumas coisas
quando estávamos naquele cerco. Sobre não ser digno dela se eu pensasse
em desistir — Thiago começou devagar e enfiou as mãos nos bolsos,
suspirando. Felipe encarava o chão contendo as lágrimas que insistiam em
regressar. — Você sempre foi durão, Felipe. Eu pensei realmente que você
não dava a mínima para nada. Mas depois daquele dia... Eu vi como aquilo
consumiu você. Mas isso já é passado agora. Eu nunca tinha te visto sorrir
do jeito que você sorri com ele.
Felipe arfou, escondendo o rosto. Chorava mudo sem conseguir conter
as lágrimas involuntárias, Thiago era o único além de Gabriel que realmente
o fazia se sentir seguro para expor suas emoções assim.
Virou-se para partir dali e passou a caminhar na direção de seu carro,
tudo em si implorava por uns momentos de descanso. Thiago o seguiu.
— Felipe! — Thiago chamou, do meio fio, enquanto via o amigo entrar
no próprio carro. O ruivo parou sem olhar para ele, segurava a porta com
muita força. — Ele sabe que você estava mentindo. Ele teria usado a palavra
de segurança máxima se realmente tivesse acreditado em você. Você sabe
que só tem um lugar que precisa estar agora.
A porta do carro bateu quando Felipe assumiu a direção sem responder.
Arrancou saindo dali com apenas um pensamento: nada no mundo o fazia se
sentir como Gabriel o fazia. Se era impossível ou não para ele estar em um
relacionamento, ele não sabia, mas no momento desistir não era uma opção.
Estar com Gabe era tudo que mais queria e precisava no mundo.

✽✽✽

Gabriel havia subido as escadas cambaleante e apoiando-se no


corrimão, empurrando Josh sempre que ele se aproximava tentando ajudá-lo.
Entrou em sua casa tirando os sapatos e as roupas em um solavanco
vertiginoso, trancando-se no banheiro em seguida.
Josh parou à porta de braços cruzados, esperando. Ouvia ele vomitar
sem parar e chorar. Suspirou tristemente enquanto ajeitava os cabelos loiros
muito claros para trás.
— Gabe? O que aconteceu? Você não vai me falar?
Silêncio.
Gabriel sentia seu corpo doer muito, pesado. Estava sentindo frio e
tremia batendo os dentes enquanto escovava-os com dificuldade, livrando-se
do gosto ácido e amargo em sua boca. Sempre que se olhava no espelho, a
maquiagem negra escorrida ao redor de seus olhos e a face muito rubra,
sentia outra onda e quente de lágrimas rolando de seus olhos.
Odiava-se por estar tão fragilizado e ferido.
Entendia plenamente cada palavra de Felipe, sabia que ele estava
mentindo e jogando, mas ainda assim havia sido tão real, seu tom de voz tão
frio e despreocupado, que chegava a considerar aquelas palavras como uma
verdade possível.
Negou com a cabeça intensamente, uma dor alucinante espalhando-se
por detrás de seus globos oculares. “Não, ele estava jogando. Ele é um
péssimo mentiroso. Ele estava jogando. Não piore as coisas, por favor”
pensava sentindo a insegurança o açoitar assim como os calafrios.
— Gabe, eu não vou embora enquanto você não me falar alguma coisa.
Como você está?
— Pode ir. Obrigado pela carona. Eu vou... ficar bem — Gabriel falou.
Não reconhecia a própria voz. Ela parecia mortificada e rouca.
— E se ele aparecer aqui?
— Ele não vem. Eu disse para ele não vir... Eu... — Gabriel mal
conseguia falar apertava a beirada da pia tentando tirar o resto das roupas
que ainda usava sem cair. Estava muito tonto. Voltou a chorar sem perceber
e as lamúrias permeavam seu tom de falsa frieza. — Ele não vem, Josh.
O loiro suspirou do outro lado da porta massageando as têmporas.
Olhou para Ron que o encarava de braços cruzados, encostado na entrada do
quarto.
— Você quer que ele venha?
“Sim” Gabriel pensou imediatamente, mas tudo que conseguia fazer era
chorar. Ele negou com a cabeça e riu sem graça.
— Ele não vem — repetiu mais uma vez antes de entrar no chuveiro.
Começou a se lavar pelo rosto muito quente, sentia a água escorrer pelo
seu corpo enquanto os tremores ficavam cada vez mais intensos. Doía, doía
verdadeiramente. A febre já havia se instalado em seu ser e não adiantava
tentar vencê-la. Precisava dormir, descansar, relaxar a mente sobrecarregada,
mas não conseguia, não sem Felipe.
Fechava os olhos e via Jonathan diante de si, ouvia a voz dele e queria
vomitar de novo. Ouvia, então, a voz de Felipe: “Depois que eu usar ele
bastante pode fazer a merda que você quiser”.
— Você estava jogando... não é? — sussurrou abraçando a si mesmo,
tentava se segurar naquele movimento. Literalmente. Sentia que iria
desmanchar, já não aguentando mais ficar em pé. Seus joelhos tremiam
fracos, premeditando uma queda violenta.
Ele saiu do banho e enxugou-se. Seus olhos mal conseguiam
permanecer abertos, estava exausto. Ele enrolou a toalha ao redor da cintura
e saiu do banheiro sem conseguir ver nada ao seu redor.
Josh e Ron saíram do quarto para lhe dar privacidade enquanto
cochichavam entre si sobre a possibilidade de ligar para Felipe. Ron era a
favor enquanto Josh hesitava se deveria. O moreno tirou um short e uma
camiseta do guarda-roupa e vestiu-se trocando pernas. Quase caiu no chão
enquanto colocava as vestes.
Puxou um moletom grosso e vestiu por cima, jogando-se na cama em
seguida. Enrolou-se com o lençol enquanto sua mente atordoada só ecoava
um nome, um chamado, uma pessoa. “Por que você não encerrou o contrato,
Gabriel? Por que você continua tentando acreditar que o conhece?” pensava
para si mesmo enquanto sentia o delírio da febre o invadir, entrava em um
sonho e o mundo do lado de fora já não existia.
A voz de Josh o chamando e perguntando como ele estava já era
impossível de ouvir, seu corpo se fechava como uma concha enquanto
tremia mais e mais.
Silêncio.
Em seu pesadelo febril sentia a cama em que estava deitado abrir como
um grande poço abaixo de si. Caía sem parar. Quando se deu por si, abriu os
olhos na cama de Felipe, as cortinas balançavam fantasmagóricas em uma
dança titubeante.
Ele se levantou bocejando, sem entender como havia chegado ali, nada
parecia fazer sentido. O ruivo estava sentado à escrivaninha, trabalhando em
suas fotografias, de costas para ele. O moreno caminhou em sua direção e
tocou em seu ombro chamando-o, mas sua voz não existia.
Não conseguia falar nada. Seu toque atravessou a pele alheia, não
estava realmente presente, apenas seu espírito flutuante. Felipe tomava seu
café em um copo americano de vidro. “A xícara... Onde... Cadê sua xícara?”
Gabe pensou enquanto chamava pelo nome do homem que trabalhava sem
dar atenção ao espectro ao seu lado. Xingou várias vezes.
— Seu idiota! Seu imbecil! É bom que tenha sido um jogo! É bom que
tenha falado aquilo só para afastá-lo, Felipe! Que droga, não me assuste
desse jeito, porra! — Gabriel discutia sem parar, mas o homem não o
escutava. Prosseguia em seus movimentos normalmente.
Felipe abriu uma gaveta e de lá tirou uma pasta sanfonada transparente.
Dentro das muitas camadas dela havia muitos e muitos contratos. Ele
colocou o que Gabriel reconheceu como sendo o seu na aba com a letra G e
a fechou em um estalo, jogando-a de volta para a gaveta indiferente.
Deletava suas fotos do computador em seguida sem dar importância ao fato.
Gabe continuava chamando seu nome, sem acreditar no que via. Não
queria acreditar enquanto xingava-o.
Um outro vão se abriu diante de seus pés e ele caiu novamente. Sua
cabeça doía muito em uma vertigem estranha. “Não, eu sei que estava
jogando! Você estava jogando não estava? Por favor...” pensava entre as
lágrimas.
Agora estava no meio de sua apresentação no clube da Lizzo
novamente, o olhar de Felipe apaixonado era o mesmo. Seu coração se
aqueceu reconfortante. Noutro momento estava no chalé onde eles
partilharam o café, aquele mesmo olhar estava ali.
Depois, em uma sequência de imagens, viu-o em diferentes momentos
enquanto comiam juntos, enquanto ele o via dançar de novo e de novo.
Enquanto despretensiosamente o pegava o observando caminhando pela sua
casa, organizando seus armários. Tudo parecia vários flashes das boas
memórias que tinham juntos.
Acelerava… acelerava cada vez mais.
— Felipe! — ele gritou tentando parar aquele carrossel de imagens.
Tudo estagnou de repente. Ele flutuava dentro de si em um silêncio estranho.
— Eu gosto tanto de você... Tanto...
Começou a cair de novo. Despencou.
Seu corpo se impactou contra algo e agora afundava. Dessa vez em uma
água fria, muito fria. Já mal sentia as vibrações intensas da sua carne porque
elas consumiam suas entranhas, gelavam o seu sangue e a sensação
congelante era tudo que experienciava.
Parecia que estava se afogando, cada vez mais para o fundo e no
escuro. A água entrava pelos seus ouvidos e boca, as narinas puxavam o
fluído que invadia seus pulmões. Como doía. Era uma febre realmente
terrível e seu pior temor era ficar sozinho sem Felipe.
“Você mentiu assim a vida toda? Foi assim que você teve que ouvir sua
própria voz dissimulando o que você sentia? Isso não é mais um jogo. Isso é
mais que só se proteger. Você nunca teve coragem de dizer a verdade?”
pensava em um lamento enquanto sentia-se delirar.
“Você realmente vai fugir e deixar ele me tirar de você?”. Não estava
em si há muito e seu quarto era um cômodo distante onde apenas seu corpo
estava em um repousar angustiante. “Uma foda como outra qualquer…
Sentimento ridículo... Um cara qualquer como ele... Brinquedo... O contrato
acabado cada um segue seu caminho... Outros tão bons quanto ele...”
ecoava e ecoava sem fim.
— Por quê? Por quê? — A voz de Gabriel em seu sonho era engolida
pela água. Bolhas sufocantes saíam de sua garganta. — PARE DE FUGIR!
PARE DE FUGIR, PORRA!
“Fica comigo...” pensou em uma súplica, a água que o envolvia parecia
congelar ao seu redor, com exceção das gotas muito quentes que saíam de
seus olhos. De repente tudo escureceu. “Eu preciso dormir. Eu preciso
dormir.”

✽✽✽

Felipe saiu do carro rapidamente e bateu a porta atrás de si, não


conseguia pensar direito com a sensação sufocante que era a ansiedade de
encontrar Gabriel. Era incapaz de se perdoar por ter perdido tanto tempo, por
ter sequer hesitado.
Realmente estava certo de que não o merecia e que não tinha o direito
de se apaixonar. Não conseguia tirar isso de si, mas também não conseguia
evitar ser um egoísta. Queria mais e mais daquela criatura e sempre que
tentava sequer supor viver sem ele sabia que sofreria com todo seu ser.
Era impossível, um sofrimento muito além do que conseguiria conviver.
Ele praticamente corria circulando o carro quando viu Josh parado do
lado de fora da casa de Gabriel, no meio da escada. Ron estava entregando
algo a ele e suas expressões pareciam muito preocupadas enquanto
conversavam entre si. Ambos viraram na direção do ruivo que se
aproximava.
— Que porra você quer aqui? — Josh perguntou irritado, cruzando os
braços. Ron suspirou como se estivesse aliviado.
Felipe olhou para a porta da casa entreaberta nos altos e pensou
seriamente em correr ignorando-os.
— Felipe, não é um bom momento. Vocês conversam amanhã — Josh
insistiu.
— Não. Eu vou falar com ele agora — Felipe disse friamente e muito
determinado.
Ron sorriu de canto e encarou o ruivo seriamente:
— Ele não vai conseguir falar com você agora, Felipe — Ron retrucou
e o homem arqueou uma sobrancelha sem compreender sobre o que ele se
referia. Collins voltou-se perspicaz para Josh e indicou a caixa de remédios
em sua mão. — Ele está ardendo em febre lá em cima, não vai te escutar.
Felipe sentiu seu corpo fraquejar. “Por que eu demorei tanto?” pensou,
odiando-se cada vez mais. Estava pálido e tremia ponderando se precisaria
derrubar os dois homens à sua frente para ficar com Gabo, cuidar dele.
Não conseguiria simplesmente partir sabendo que ele não estava bem.
Ninguém além dele deveria estar ao seu lado agora. Só de pensar nele
sozinho naquele exato momento já o fazia desejar avançar sobre os dois por
negligenciá-lo.
Ron voltou-se para Josh e continuou falando:
— Ainda bem que tinha essa dipirona no carro, cheque a validade e
qualquer coisa eu saio para comprar outra.
— Dipiron-?! Não! — Felipe gritou ecoando em um estalo de memória
repentino.
Josh havia virado o corpo e subia as escadas na direção da casa de
Gabriel quando o ruivo avançou para puxá-lo e impedi-lo. Ron se meteu no
meio de seu caminho esbarrando firmemente em Felipe.
— Não toque nele — falou muito baixo encarando o ruivo, ameaçador.
Felipe o ignorou e continuou gritando:
— Espera! Não dê essa merda para o Gabo! Ele é alérgico!
— Que?! — Josh estagnou voltando-se para Felipe com as sobrancelhas
arqueadas. O loiro nunca havia presenciado, nos dez anos que se conheciam,
o amigo doente. Gabriel sempre parecia invencível e nas raras vezes em que
adoecia, isolava-se para se cuidar sozinho, evitando que qualquer pessoa se
preocupasse com ele. Nunca saberia de um detalhe tão específico. — Como
assim?
Felipe grunhiu e empurrou Ron de seu entorno. Ninguém além dele
poderia cuidar de Gabriel, ninguém. Esse pensamento tomava sua mente
enquanto agradecia aos hábitos metódicos e detalhistas de Gabriel e também
a si mesmo por ter lido várias e várias vezes as muitas rasuras que o
submisso havia feito no contrato que assinaram juntos:
“15.8. Em caso de enfermidade ou ferida, o dominador cuidará do
Submisso, vigiará sua saúde e sua segurança, e solicitará atenção
médica quando o considerar necessário.”
Felipe lembrou-se mentalmente da anotação boba que Gabriel fez ao
lado disso com a letra bonita: “Eu tenho pavor de hospitais e sou alérgico a
dipirona”. Lembrava-se perfeitamente de todas as notas dele no documento
contendo comentários e observações que só Gabriel era capaz de fazer.
Não sabia exatamente quando havia se apaixonado verdadeiramente por
ele, mas consideraria que aquela primeira dedicação do moreno em esmiuçar
a única forma que Felipe sabia de se relacionar, estudando-a, foi uma das
coisas que colaboraram muito para se sentir assim.
— Ele é alérgico, é sério. Me deixa subir. Eu sei como cuidar dele, Josh
— Felipe falou friamente, mas seus olhos ardiam em súplica. — Dane-se. Eu
vou subir de qualquer jeito, eu não vou embora.
Josh suspirou, vencido, e trocou um olhar silencioso com o
companheiro que assentia com um sorrisinho. O loiro revirou os olhos e
indicou com a cabeça a escada para que Felipe o seguisse mesmo que ele já
estivesse subindo sem aguardar uma resposta.
— Ele já não parecia bem desde mais cedo. Ele passou a merda da
semana dormindo e se alimentando mal só ensaiando aquela coreografia —
Josh falou baixo e raivoso encarando Felipe que parecia sofrer
profundamente enquanto subia rapidamente. Bufou em um grunhido, sabia
que não precisava torturá-lo mais do que ele mesmo já se torturava. — Eu
não sei que porra você fez ou falou para ele... Mas depois que ele saiu do
banho ele já não estava mais em si. Ele se enrolou na cama e não saiu de lá.
Ele está queimando. Eu já procurei na casa dele, mas não achei onde ele
guarda os remédios, nem sei se ele tem algum.
Felipe assentiu sem dar atenção a ele enquanto entravam no pequeno
apartamento. Reconheceu imediatamente a espátula pendurada na parede por
um gancho, os eletrodomésticos e a sala-cozinha conjugada.
Estremeceu lembrando-se dos momentos que haviam passado ali
juntos, saudoso. Parecia que uma eternidade havia passado desde a última
vez que riram juntos. Sentia falta dele como se não se vissem há semanas.
Odiava magoar Gabe, odiava a sensação de que era incapaz de ser o que ele
merecia e sempre se sentia assim, devastado.
“Você realmente faz eu querer ser melhor, gatinho. Eu espero
conseguir”. Entrou pela porta do quarto seguido de Josh e viu o moreno
enrolado em lençóis na pequena cama. Seu corpo todo estava embrulhado,
ele usava um moletom grosso além das cobertas que o envolviam. Tremia
com os olhos fechados e inconscientes, seu cabelo úmido espalhado ao redor
de sua testa.
O ruivo avançou sem pensar duas vezes, seus olhos tomados por um
desespero profundo. Ele tocou na testa de Gabe e a sentiu muito quente.
Grunhiu de desgosto em um muxoxo.
— Gabo? Gatinho? — Felipe disse muito perto dele, sentando-se ao seu
lado na cama. Gabriel não respondeu. Tremia muito com os olhos apertados
e fundos, seu rosto estava muito vermelho. Delirava em seu sonho sufocante.
— Gabo, sou eu. Consegue me ouvir?
Silêncio.
— É melhor levar ele a um hospital — Josh concluiu tensamente. O
ruivo negou com a cabeça enquanto vasculhava todo o ambiente com os
olhos.
— Ele odeia hospitais. Vou tentar abaixar a febre dele primeiro. Só se
não adiantar eu o levo — Felipe disse lembrando de Gabe tremendo muito
ao ir cuidar da mãe e irmã da outra vez. Lembrava-se da sua expressão
sempre assustada quando ficava sozinho e como sempre o segurava firme
mesmo quando haviam acabado de iniciar o contrato.
Fingia-se de forte, mas sabia exatamente que era aquela uma das
principais razões de não querer estar sozinho naquela ocasião. Dormiram
juntos pela primeira vez naquele sofá, Felipe lembrou quase esboçando um
sorriso.
Ainda buscava ao redor. Levantou-se analisando a pequena mesinha de
cabeceira e a prateleira com alguns livros e cosméticos. Além disso, o
guarda-roupa pequeno e a portinha para o banheiro minúsculo. Começou
abrindo as gavetas da mesa de cabeceira quando o loiro estalou a língua.
— Eu já procurei aí, não tem nenhum remédio. Já olhei o guarda-roupa
também, além do banheiro e da cozinha. Eu posso ir comprar alguma coisa...
— O Gabo é metódico com organização. Ele não ia ficar sem remédio
em casa — Felipe concluiu friamente fazendo o loiro se calar. Surpreendia-
se consigo mesmo, conhecia mais daquele homem do que supunha que
conhecesse. Josh também parecia surpreso.
Gabe tinha trejeitos particulares que o ruivo gostava muito de observar
com atenção: desde a forma como ele comia até o jeito que passava o café,
dobrava suas roupas e arrumava a comida na geladeira. Era muito
organizado, sempre observador.
No começo não tocava em nada na casa de Felipe, mas não demorou
para tomá-la como se fosse sua, mudando tudo de lugar assim como havia
feito com os sentimentos dele.
Além de detalhista, Gabriel tinha muitas manias: sempre que estava
concentrado mordia o lábio com força, bagunçava o cabelo quando estava
muito irritado ou contrariado, as bochechas levemente infladas. Sempre
falando muito palavrão e retrucando qualquer palavra alheia com uma
resposta atravessada.
“Você é tão cheio de detalhes que eu tenho vontade de mergulhar em
você.”
Os olhos dourados se prenderam à prateleira. Duas pequenas caixas
coloridas que pareciam meramente decorativas para um olhar menos atento
chamaram sua atenção. Elas estavam em um lugar de fácil acesso em uma
situação emergencial, à beira da prateleira, mas não pareciam guardar coisas
importantes.
“Você finge que não adoece e não precisa de ajuda, não é? É claro”
Felipe pensava quando abriu a primeira e dentro dela havia velas e um
isqueiro. “Caso falte luz?” pensou rindo rouco na possibilidade de Gabriel
assustando-se com um blecaute repentino, sozinho ali, queria estar com ele o
confortando em uma situação assim.
Na outra caixa havia exatamente o que procurava: remédios
perfeitamente organizados para cada tipo de enfermidade comum. Felipe
negou com a cabeça sorrindo e puxou a cartela de paracetamol, sacudindo-a
na direção de Josh. Ele abriu a boca surpreso.
— É, ok, você realmente sabe como ele pensa. Eu nunca ia procurar aí
— o loiro disse com um risinho bobo.
Ron, que estava observando tudo à esguelha do lado de fora, apressou-
se em buscar um copo de água na cozinha e o entregou ao ruivo passando
por Josh, que continuava de braços cruzados parado à porta.
— Agora duvido que ele vá tomar, ele é teimoso até inconsciente —
Ronald falou.
Felipe se encaixou na cama e levantou o corpo pesado de Gabe,
abraçando-o. Forçava ele a se sentar:
— Seja um bom gatinho e tome esse remédio, sim? — o ruivo
sussurrou muito perto do moreno inconsciente.
Gabriel apertou os olhos negando com a cabeça, seu corpo quente
tremia. Dentro de seu delírio de febre, sentia-se muito mal e sufocado como
se estivesse afogando. Felipe o apertou firmemente, beijou seu rosto
docemente chiando para que ele se acalmasse.
— Eu estou aqui gatinho... Sou eu. Eu vou cuidar de você. Eu quero
muito cuidar de você. Tome.
Gabe miou baixinho e aceitou tomar o remédio fracamente. Sua mente
não estava ali, mas seu corpo obedecia inconscientemente ao seu mestre. O
ruivo estremeceu sentindo-o se esfregar em seu peito, sorvendo seu cheiro
com uma expressão mais leve ao sentir sua presença, queria agarrá-lo e não
soltar nunca mais.
— Fe...lipe. Lipe… — ele sussurrou baixinho com os lábios trêmulos.
Repetiu aquele nome mais vezes, sem voz, apertando-o muito.
O ruivo estagnou sem respirar, arregalando os olhos. Ouvi-lo chamar
por seu nome daquele jeito era realmente arrebatador. Josh arqueou as
sobrancelhas surpreso.
Felipe sorriu muito largo e satisfeito, apertando-o firme em seus braços:
— Eu estou aqui — sussurrou — Eu não vou sair daqui, não vou a lugar
algum. — Ele pigarreou tentando conter-se em seu tom de voz, dirigindo-se
ao casal que os observava:
— Vocês podem ir. Eu vou ficar aqui cuidando dele até a febre baixar.
Se em uma hora ele não melhorar nada eu o levo pro hospital — Felipe disse
firmemente, esforçando-se para recompor sua expressão fria, seu rosto
estava claramente corado.
Josh ainda observava os dois entrelaçados na cama ponderando a
situação. O moreno em seus braços estava tremendo e agarrava-se
firmemente na camiseta dele.
O ruivo se desfez do aperto, sussurrando que já voltava, e o deitou na
cama vendo-o apertar mais ainda os olhos em desagrado. O maior tirou a
jaqueta e os sapatos rapidamente. Foi até a cozinha onde pegou uma pequena
bacia com água gelada.
Josh e Ron mantinham-se em silêncio, observando aquele homem se
movimentando pela casa, dedicado, sem dar atenção aos dois. Ele colocou a
bacia sobre a mesa de cabeceira e, de dentro do guarda-roupa, tirou uma
toalhinha de uma das gavetas. O cheiro de Gabriel emanava das roupas e o
coração dele apertava cada vez mais.
Finalmente se sentou apoiando as costas no espelho da cama e encaixou
Gabe entre suas pernas como um bebê. Passou a tirar o moletom dele e
descobri-lo. O moreno grunhiu protestando de frio.
— Você tem que tirar essa merda ou a febre não vai baixar. Eu vou te
aquecer — Felipe ralhou mesmo sabendo que ele não o ouviria. Josh deu
uma risadinha, sentindo-se dispensável ali.
— Felipe... — Josh começou e o ruivo o olhou indiferente, sem nem
notar que eles ainda estavam ali. — O que eu disse antes... É sério. Decida
de uma vez sobre o que você quer e seja sincero com ele. Ele não merece
sofrer desse jeito toda vez que você for um idiota.
Felipe assentiu determinado. Envolvia Gabriel em seu colo enquanto
mergulhava a toalhinha na água. Começou a passá-la na testa e pescoço do
moreno sentindo um choro arrependido e tenso preso em sua garganta,
continha-o com toda sua força.
“Eu quero cuidar de você, eu quero tanto... tanto... ficar com você”
pensava dolorosamente. Ron falou sobre eles já estarem de saída e Josh
apagou a luz do quarto, deixando-o só iluminado pela luz que vinha do
banheiro. Disse algo sobre ligar para ele se precisasse de alguma coisa, mas
ambos foram ignorados pelo ruivo.
Ele só tinha olhos para Gabriel e permanecia ali, mergulhando a
toalhinha na água, espremendo o excesso e umedecendo a pele febril e
castanha de seu submisso. Nada mais importava, apenas ele.
— Eu sinto muito — ele sussurrou depois de um bom tempo, quando já
estavam a sós há muito. — Eu sinto muito mesmo, gatinho.
O moreno se revirou no seu colo, já não apertava tanto os olhos e
parecia apenas dormir tranquilamente mesmo com a respiração ainda muito
pesada e o rosto corado pela febre.
— Eu nunca fui bom em falar sobre como eu me sinto, Gabo. — Felipe
conversava com o rapaz adormecido com a voz rouca e baixa. A meia luz os
envolvia. — Eu queria mesmo conseguir dizer o quanto eu estou
perdidamente apaixonado por você, mas isso tudo aconteceu tão rápido. Eu
não estava preparado. E a sua dança. Eu sinto exatamente o mesmo... Aquilo
foi a coisa mais linda que eu já vi... Era para mim?
Ele riu rouco, bobo, e apertou Gabriel em seus braços, envolvia-o entre
suas pernas sentindo-o muito quente. Beijou sua cabeça enquanto acariciava
seus cabelos, afastando-os de seu rosto perfeito e sereno.
— Eu espero que tenha sido. Uma parte de mim quer tanto acreditar
que você se sente do mesmo jeito que eu. Mas... Pensando bem, nem eu
mesmo entendo como eu me sinto. — O ruivo riu de novo, trêmulo, e
colocou a toalhinha dobrada sobre a testa de Gabriel. Respirou fundo
lembrando-se de suas palavras tão duras de mais cedo, sentia seu rosto
ardendo pelos arranhões que ele mesmo havia feito em fúria consigo mesmo.
Puxou a franja pra trás tentando controlar a dor que sentia em seu peito. —
Aquela merda que eu disse... Era tudo mentira. Você sabe, não é? Nenhuma
palavra do que eu disse era verdade.
Gabe se revirou no colo dele aconchegando-se. O homem o puxou
ajustando-o em seu peitoral para que ficassem mais encaixados e envolvidos.
Dali sentia o cheiro adocicado que vinha de seus cabelos e revirou os olhos
de prazer.
Apertou-o mais enquanto tirava a toalhinha de sua testa para umedecê-
la de novo, recomeçando o processo de cuidados. No pesadelo sombrio,
Gabriel puxou o ar em um impulso muito tenso, sentindo-se finalmente
respirar. Era como se relaxasse pela primeira vez.
Sentia um aroma conhecido e amadeirado de chipre, cedro e cravo
invadindo o seu corpo dolorido. Seu coração acelerado batia cada vez mais
ritmado com um outro que ouvia bem, que conhecia bem. O calor
aconchegante e confortável fazia a algidez toda se dissipar como se nunca
houvesse existido.
Aos poucos tomava consciência de si, sentia seus extremos enquanto
apertava firmemente algo, seus pés gelados enroscavam-se nos de alguém.
Recapitulou os acontecimentos daquela noite lentamente enquanto ainda
sentia a cabeça doendo e latejando, algo molhado e gelado refrescava sua
testa.
Lembrou-se da agonia de um dia ansioso, do olhar dourado, do gosto da
tequila e do beijo intenso, lembrou-se da dança onde declarou-se com todo
seu ser, da pessoa intimidadora que o pressionava, das palavras terríveis que
havia ouvido.
Arfou sentindo vontade de chorar com aquela lembrança. Um aperto
intenso se fez ao seu redor, mas ele não abriu os olhos, ainda tentando
entender. Apurava os ouvidos, Felipe chiava acalmando-o: — eu estou aqui,
gatinho. Estou aqui com você.
Silêncio.
— Eu realmente sinto muito por tudo aquilo. Eu sinto muito pelas
coisas que eu disse e por não ter sido forte como você foi para enfrentá-lo.
Mas eu... eu realmente espero que acredite que era mentira. Eu só sei falar
mentiras quando se trata dos meus sentimentos. — Felipe bufou irritado. —
Aqui estou eu, tentando organizar tudo, mas não consigo. Não consigo. Eu
sempre acabo falando no contrato para evitar ser sincero.
Felipe riu rouco e trêmulo, muito nervoso. Seu coração estava acelerado
com a confissão.
— Pro inferno com essa merda de contrato, eu iria dar um jeito de ficar
com você mesmo se não topasse.
Ainda acreditava que Gabriel estava inconsciente e prosseguia falando
ao umedecer a toalhinha de novo, espremê-la e repousar dobrada sobre a
testa alheia. Beijou seus cabelos gemendo baixinho, estava muito satisfeito
de estar ali com ele.
— Mas não foi preciso, você aceitou... Você se encaixou perfeitamente
na minha bagunça. E eu nunca quis estar com alguém como eu quero estar
com você. Antes eu pensava que só tinha um caminho para mim. Mesmo
depois de sair da Ordem, mesmo depois de tentar recomeçar minha vida. Eu
sentia que só tinha uma possibilidade. — Felipe tagarelava em um sussurro.
Sorria bobo. — Mas quando eu te vi dançando, quando eu ouvi sua risada e
a sua voz. Quando eu senti seu cheiro e te conheci cada dia mais. Que droga,
você é viciante. Viciante, Gabo. Faz eu sentir que existe outra possibilidade
para mim. Que eu não preciso ficar sozinho.
Gabriel, em um sobressalto, apertou a camiseta de Felipe com muita
força, sem acreditar no que havia ouvido. Seu coração parecia que ia saltar
pela boca. O ruivo o envolveu tranquilizando-o em uma ninada suave,
acariciava os cabelos negros delicadamente, supondo que ele ainda delirava
pela febre.
— Não é culpa sua. Nada do que ele disse... Não dê ouvidos àquelas
besteiras. Ele só queria te desequilibrar como faz comigo. E... Ele está certo
até um ponto. Eu realmente era um idiota antes... — Ele riu baixinho e
amargamente, sentia-se cada vez mais seguro em confessar-se assim no
escuro para Gabriel enquanto supunha não ser ouvido. — Eu ainda sou um
idiota. Mas eu era pior. Talvez por isso eu continuo achando que não te
mereço e que você vai fugir assustado desse caos todo que me cerca.
Em um movimento lento, Gabe abriu os olhos e encarou Felipe sem
soltá-lo do aperto. O ruivo arregalou os olhos na sua direção sentindo o
sangue esvair de seu rosto, ficou pálido imediatamente com a ideia de ele ter
ouvido sua confissão.
Ele fugiu daquele olhar incisivo piscando nervosamente, tentava
organizar sua mente para justificar-se depois daquele flagra inesperado. O
moreno impulsionou o corpo, levantando-se rápido, e apoiou as duas mãos
no espelho da cama com o homem abaixo de si entre eles.
Sentou-se encaixado no colo de Felipe enquanto o fitava firmemente.
Ainda estava com febre e a vertigem o tomava, porém manteve-se firme ali.
— O que está fazendo aqui? — Gabriel perguntou rouco. O ruivo ainda
fugia de seu olhar, segurando a toalhinha úmida debilmente. — Olha para
mim, eu fiz uma pergunta.
Felipe levantou os olhos dourados lentamente na sua direção e o
encarou.
— O que você acha? Eu estou cuidando de você.
— Eu lembro de ter dito para você não vir atrás de mim. O que está
fazendo aqui então? — Gabe retrucou apertando os olhos. Aproximava-se
cada vez mais agora que Felipe havia levantado a cabeça. Sentia uma atração
intensa por seus lábios entreabertos e ofegantes.
— Você ainda está com febre. Deita — o ruivo ordenou muito baixo.
Suas mãos deslizaram pelas coxas desnudas de Gabe, invadindo seu short.
Gabriel não recuou.
— O Josh e o Ron podiam ter cuidado de mim. Por que você veio,
Felipe? — Pressionava-o. Mesmo que tivesse ouvido dele que estava ali por
ele e não pelo contrato, queria ouvir aquilo olhando em seus olhos.
Felipe riu debochado.
— Eles podiam cuidar de você? — ele disse e sorriu de canto fazendo o
moreno sorrir também, na penumbra. — Não gatinho, ninguém cuida de
você como eu cuido.
— Você não precisaria cuidar de mim assim se você não fosse um
mentiroso. Mas ainda bem que é um péssimo mentiroso — Gabriel disse
baixinho aproximando-se mais, sentia a ponta do nariz dele roçando no seu
enquanto o olhava nos olhos hipnotizado.
— Eu sei — Felipe sussurrou puxando-o em uma segurada firme na
nuca.
Os dois gemeram firmes com o beijo ansioso. A boca de Gabe estava
muito quente pela febre. Ele deslizou as mãos pelo cabelo rubro envolvendo
o rosto pálido do homem abaixo de si como se fosse a criatura mais preciosa
no mundo.
Mergulhava em um beijo intenso e involuntariamente esfregava-se nele.
“Você me machuca com suas palavras, cheias de mentiras e depois vem aqui
me curar. Eu não sei mais no que eu acredito. Por que você brinca comigo
como se eu fosse uma criança?” Gabe pensava tentando se livrar de todos os
pensamentos atordoantes que o assolaram durante a alucinação de outrora.
As mãos de Felipe o envolviam em um abraço forte por dentro de sua
camiseta. Ofegavam no ósculo urgente e úmido quando o moreno o afastou
devagar, segurando o rosto corado do ruivo. Os dois se encararam.
— Me deixe entrar de uma vez na merda da sua vida, Felipe. Já chega
de jogos.
O ruivo sorriu de canto, apertando-o firme. Lambeu o lábio desejoso de
outro beijo, levantava o queixo em busca da boca de seu submisso enquanto
o puxava para si. Gabe tentava se manter firme, mas sua cabeça doía muito.
— Você está querendo entrar e eu querendo sair dela — Felipe disse
baixinho — Vamos, deita. A febre ainda não passou.
— Eu estou falando sério, porra. Era mentira, não era? Toda aquela
merda que você falou. Eu não acreditei em uma palavra. Ou vai me dizer que
é realmente só sexo? É só isso que você quer de mim? É só isso que acha
que eu sou capaz de te dar?
— Gabo… — Felipe começou tentando acalmá-lo.
Gabriel o afastou em um empurrão e cruzou os braços em cima dele,
fazia um biquinho irritado com o cenho muito cerrado. Ainda sentia seu
corpo muito dolorido e frágil protestando e implorando para se deitar. O
ruivo o segurava firme envolvendo sua cintura com as duas mãos. Gabe
continuou:
— Eu odeio como ele consegue mexer com você. Eu não sei o que você
fez no passado, mas não é difícil supor que isso ainda te machuca. Que
merda, você... Não acha que já se puniu demais? — Gabriel sentia as
lágrimas rompendo de seus olhos ardentes. Enxugou-as imediatamente
sentindo raiva por tê-las derramado na frente dele de novo. Felipe estava em
silêncio, respirava entrecortado com os olhos impassíveis. — Deixe as
punições para quando for para o inferno, porra.
Felipe riu divertido.
— O inferno realmente vai ter que se esforçar para me punir, gatinho,
porque eu já estou pagando por todos os meus pecados com você. Tudo que
eu pensei que nunca iria fazer ou ser. Tudo que eu pensei que nunca iria
sentir na vida. Eu estou pagando por cada desdém — Felipe disse lentamente
enquanto o apertava firmemente. Inclinou-se para frente e beijou
rapidamente a boca irritada de Gabe. — Deita. Você precisa dormir. Amanhã
conversamos.
Gabriel grunhiu mal-humorado sentindo seu rosto aquecer, mas a febre
não era a culpada. Ele se aconchegou no colo do ruivo e enfiou o rosto na
sua camiseta sentindo o cheiro muito bom.
Felipe voltou a apertá-lo em um abraço, entre suas pernas. Eles se
ajustaram escorregando pela cama até estarem completamente deitados,
abraçados, para dormirem juntos. Mesmo em uma cama tão pequena, seus
corpos envolviam-se encaixados em um só de forma muito confortável.
O ruivo suspirou angustiado, não sabia até que ponto ele havia ouvido
de sua confissão e tremia ainda.
— Me desculpa.
— Foda-se. Eu não quero desculpas. Se toda vez você for falar alguma
merda e pedir desculpas eu não vou mais acreditar em nada que você diga —
Gabriel ralhou com o rosto enfiado no peitoral dele. Queria mordê-lo, queria
arranhá-lo de tão furioso que estava. Felipe assentiu e suspirou o abraçando.
Continuaram assim por alguns minutos até Gabe voltar a falar. — Você...
Realmente daria um jeito de ficar comigo sem o contrato se eu não tivesse
aceitado?
“Merda... Ele ouviu” Felipe pensou apertando os olhos, muito
envergonhado. Seu coração batia tão alto que Gabriel deu uma risadinha. O
moreno negou com a cabeça, muito bobo, dispensava uma resposta. Os dois
ficaram em silêncio por um tempo até Gabe bocejar sonolento.
— Prometa que não vai mais falar sobre mim daquele jeito, Felipe.
Prometa que vai tentar não deixar ele te desestabilizar mais. Por favor...
— Eu prometo — Felipe respondeu imediatamente. — Durma, agora.
Você precisa descansar, gatinho.
Gabe riu baixinho.
— Mesmo errado você continua mandão pra caralho — sussurrou.
Ainda queria perguntar sobre o que ele havia pensado da dança, se ele
havia realmente entendido o que ele queria dizer, apesar de já saber a
resposta.
Queria falar sobre Jonathan e o que poderia ser feito para que ele o
deixasse em paz. Queria agradecer por ele não ter dado ouvidos ao que tinha
dito e ter ido cuidar dele. Sentia-se muito relaxado em seu colo. Não sentia
frio ou dor.
Felipe sentia as lágrimas de alívio escorrerem pelos seus olhos. “Eu
sempre segurei firme para não dizer a verdade sobre como me sentia por
medo de fazer isso se tornar real. Mas mesmo que eu não diga, é real, afinal.
E eu não consigo evitar sentir isso por você, eu não consigo mais evitar” o
ruivo pensava.
“Eu não quero te magoar nunca mais... nunca mais. Eu quero ser o
melhor para você.”

✽✽✽
A manhã havia despontado muito nublada, ouvia-se o barulho dos
carros e das pessoas que ocupavam as vias seguindo suas vidas
despreocupadas. Mesmo em dias ruins ou em dias comuns, a vida nunca
havia de parar.
Josh subiu as escadas segurando uma sacola com pães e outros
alimentos, não havia dormido bem à noite, preocupado com o amigo que
havia deixado ali na madrugada passada. Bateu à porta e o grande homem
ruivo abriu-a imediatamente, o cheiro de café recém passado emanava da
cozinha. Ele fez um sinal com o indicador sobre os lábios para fazer silêncio
porque Gabriel ainda estava dormindo.
— Eu trouxe comida. Como ele está? — Josh sussurrou entrando na
casa, entregou as sacolas ao ruivo. Viu que Felipe parecia muito cansado
com olheiras fundas e espiou dentro do quarto onde Gabriel parecia ainda
dormir deitado na cama. Felipe organizava tudo para levar café para ele na
cama.
— A febre abaixou no meio da madrugada. E depois ele dormiu bem.
Obrigado por trazer comida, me poupou de mandar alguém comprar — ele
respondeu espreguiçando-se um pouco em um bocejo, estava sem camisa e
seus músculos pareciam ter sido esculpidos em porcelana, sua pele muita
alva a ponto das veias esverdeadas se destacarem à luz da alvorada.
Josh desviou os olhos envergonhado, Felipe era realmente um homem
muito bonito e atraente.
— Ele ainda acordou ontem? Vocês conversaram?
O loiro caminhou em direção ao quarto e cruzou os braços quando viu
que o amigo levantava devagar e um pouco confuso com os sons da
conversa. Ele parecia perdido e um tonto, bagunçando o próprio cabelo.
Felipe assentiu, virando-se para a pia, e passou a preparar um pão para
Gabriel, já havia colocado o seu café e estava muito distraído e sonolento. O
moreno havia se levantado cambaleando e se apoiou no batente da porta
silenciosamente, observando o ruivo de costas em sua cozinha.
— Mais ou menos. Ele ainda está com raiva de mim — Felipe
respondeu à pergunta de Josh tristemente, sem notar que Gabriel o observava
da porta do quarto.
— Ele não parecia bem com raiva ontem. Mas pelo visto você quer
mesmo se acertar com ele, já que passou a madrugada toda cuidando dele. Já
decidiu o que você quer, afinal? Porque ele ainda acha que é só sexo — Josh
disse sorrindo.
Gabriel, que ainda estava muito sonolento, o olhou com os olhos
arregalados.
— Que porra você está falando? — Mexeu os lábios sem emitir
nenhum som.
O ruivo assentiu de novo e deu de ombros, apoiando-se na pia, abaixou
a cabeça e apertou os olhos. Não gostava de expor-se assim, mas estava
muito sufocado.
— Nunca foi só sexo para mim, Josh — Felipe murmurou enquanto
virava-se. Arregalou os olhos deparando-se com Gabriel parado à porta,
ouvindo tudo, e os dois se encararam profundamente. Outro flagra em menos
de 24 horas. Ele recuou um pouco, desviando o rosto corado.
Josh cobriu a boca rindo baixinho:
— Ah, entendi — o loiro falou para Felipe e voltou-se para Gabe. —
Bom dia, flor do dia. Pelo visto você está melhor e muito bem cuidado. Não
invente de aparecer na academia até não estar mais doente.
— Bom dia flor do dia, o caralho. Eu não estou doente, seu babaca. Eu
só precisava descansar — Gabriel retrucou. Ele viu a camiseta de Felipe
apoiada na maçaneta do quarto de onde saía e a pegou firmemente.
Caminhou até a direção do ruivo, empurrando-a no peitoral dele. — Vista-se
antes de receber alguém — sussurrou enciumado e um pouco corado.
Josh deu uma risadinha observando a forma como os dois se encaravam
e se preparou para sair.
— Pode até ser, mas ainda bem que o Felipe apareceu ontem ou a gente
ia acabar te dando dipirona ou te levado na marra para um hospital. — Josh
riu divertido. — Como eu te conheço há todo esse tempo e você nunca me
falou que é alérgico?
“Claro, ele leu as minhas anotações no contrato...” Gabriel pensou em
um sobressalto e encarou Felipe com os olhos arregalados. O ruivo pegou a
xícara em que havia se servido de café e, despreocupadamente, começou a
tomá-lo, encostado à bancada da cozinha com os braços cruzados, a blusa
pendurada sobre seu ombro largo. “Ninguém cuida de você como eu cuido”
Gabe lembrou das palavras de seu dominador na madrugada passada.
— Você sabe que eu quase não adoeço e odeio dar trabalho. Sei lá, eu
pensava que fosse uma informação inútil — Gabriel resmungou e deu de
ombros. O loiro riu de novo e assentiu abrindo a porta da entrada.
— Já que está tudo bem, eu estou indo então. E vocês dois...
Conversem. Até mais — ele disse entre risos e saiu.
Um silêncio tenso se fez entre o casal que se encarava na cozinha,
Felipe colocou a xícara sobre a bancada em um estalo. Não pôde se conter,
puxando o moreno pela barra da camiseta lentamente em sua direção.
O outro, por sua vez, não protestou aceitando o abraço morno que o
envolvia. A pele do ruivo tinha um cheiro muito bom e estava muito macia
ao toque. Gabe estremeceu em um miado baixo, enterrando o rosto em seu
peitoral enquanto Felipe beijava os cabelos negros alvoroçados em um
suspiro, uma das mãos dele checava em sua testa se ainda estava quente.
— Como está se sentindo? — ele perguntou baixo.
— Bem — Gabe assentiu e sussurrou, enquanto beijava o peito nu dele.
— Sobre ontem... — Felipe continuou.
— Tanto faz, já chega dessa merda. Eu já entendi que era tudo mentira
e eu não esqueci que você me prometeu que não vai mais falar aquelas
coisas. Cumpra com a sua palavra e ponto — Gabe retrucou, abraçando-o
firmemente. Os dois ficaram em silêncio.
O moreno se afastou um pouco e pegou a xícara que Felipe havia
colocado café para levar para ele na cama, sorriu um pouco e começou a
tomá-lo devagar.
— Depois que essa negociação acabar não vai precisar mais ver o
Jonathan de novo. Vai tudo voltar ao normal. Eu vou poder voltar com o meu
trabalho no jornal e não vai mais precisar se preocupar em ouvir as
baboseiras dele. Eu vou proteger você — o ruivo prometeu, ainda segurava a
barra da blusa de Gabe como se não quisesse se afastar muito.
O outro assentiu entendendo plenamente que era justamente esse o
problema que o gêmeo dele havia apontado na noite passada. Sentiu uma
angústia tensa em seu peito. “Eu não pertenço a esse mundo, então é claro
que ele sempre vai querer me proteger... O Jonathan está certo. Será que
realmente as coisas vão melhorar depois que essa negociação acabar? Se eu
continuar indefeso desse jeito, será que não teremos problemas maiores do
que o irmão dele?”, pensava em um lapso de insegurança. Afastou os
pensamentos tentando não expor aqueles pensamentos que o perturbavam.
Silêncio.
— Eu só tenho uma dúvida — Gabe disse olhando para o homem à sua
frente. Felipe inclinou a cabeça na direção do ombro, esperando-o
prosseguir. — Sobre nós, digo. Se não é só sexo... Se nunca foi... O que é,
afinal?
Felipe sorriu de canto e foi na direção dele lentamente, pressionava-o
contra a bancada com o corpo desnudo, a barra da calça era baixa e
convidativa com o volume evidente e inevitável desde que ficaram a sós.
Ele abaixou o rosto, mantendo os olhos presos nos de Gabriel, esfregou
o nariz em sua orelha, descendo pelo pescoço. Com a mão enfiou um dedo
entre a coleira que estava ali e o puxou por ela. Gabe gemeu segurando firme
a xícara com as duas mãos.
— Temos um contrato, gatinho, isso é fato. Até porque esse é o único
tipo de relacionamento que eu conheço. Mas além disso, e mais importante...
Você é meu — Felipe disse rouco. Beijou a base de seu pescoço e deu uma
chupada leve ali fazendo o moreno arrepiar-se intensamente. Ele subiu
deslizando o nariz pela sua pele, respirava o cheiro próprio que se mesclava
com o do café. Parou diante dele encarando-o de perto, seus lábios quase se
tocando. — E eu sou seu. O que mais eu poderia dizer?
Gabriel revirou os olhos em um suspiro aliviado e colocou a xícara na
bancada, as sobrancelhas franzidas. Ele fez um biquinho sorrindo de canto
provocativo quando jogou os braços ao redor do pescoço de Felipe.
— Nada. Eu estou satisfeito com isso por enquanto — Gabe concluiu
puxando-o mais na sua direção, quase beijavam-se agora muito próximos. —
Acabe de vez com essa merda de negociação porque eu não vou encerrar
com esse contrato só porque aquele babaca quer. Se eu ver a cara do seu
irmão na minha frente de novo, eu vou socá-lo não interessa quantos
atiradores estejam me mirando. Entendeu?
Felipe teve um calafrio com a ideia de ele ser alvejado e negou com a
cabeça.
— Não brinque com coisas sérias, Gabo.
— Ah, Lipe, brincar com coisas sérias é exatamente o que eu mais
gosto de fazer — Gabriel disse sem pensar e estagnou inseguro, nunca havia
o chamado daquela forma antes.
O ruivo apertou os olhos sentindo-se imensamente excitado com aquilo,
prendeu os lábios e puxou o ar com força. As suas mãos agarraram a cintura
de Gabriel quando ele avançou para beijá-lo. Mergulhou em sua boca
sentindo o gosto doce e único do café em sua língua.
— Me chame assim de novo — Felipe disse muito excitado através do
beijo ardente. O moreno gemeu envergonhado, negando com a cabeça.
Sorriam satisfeitos e muito bobos. — Por favor, só mais uma vez.
— Não! — Gabe retrucou o agarrando. O ruivo grunhiu mal-humorado.
— Por favor — sussurrou de novo enquanto beijava sua bochecha e descia
os beijos estalados e múltiplos pelo seu pescoço. — Por favor —, repetiu.
Ninguém nunca o havia chamado daquele jeito, por mais óbvio que
fosse. Ninguém tinha essa coragem. Felipe sentia-se único no mundo, uma
felicidade intensa o invadia aliviando seus músculos e relaxando toda a
tensão e medo que ainda restavam desde os acontecimentos da noite passada.
Gabriel o afastou com a face mal-humorada de sempre.
— Sai, eu vou tomar um banho antes de comer. A febre passou e eu
estou suado. Me larga.
Felipe obedeceu a contragosto e fechou a expressão, totalmente irritado.
Ele se encostou na bancada pegando sua xícara de volta e tomou um bom
gole do café tentando se acalmar. O moreno fugiu dali caminhando em
direção ao quarto lentamente, sentia os olhos dourados pesados sobre ele
quando virou, à porta, olhando-o provocativo em um convite sensual. Sua
voz era arrastada e muito rouca, manhosa, ele estendeu a mão na direção do
ruivo:
— Ei, Lipe, vem tomar um banho comigo.
Um baque alto da xícara de Felipe na bancada se ouviu. Ele avançou no
moreno muito rápido, estava completamente possuído pelo desejo que aquilo
o causou. Segurou sua mão e o empurrou para dentro do quarto beijando-o
muito excitado.
— Gostoso — sussurrou quando o suspendia no seu colo. Ainda
precisava suá-lo um pouco mais antes de realmente permitir que tomasse um
banho.
CAPÍTULO XXI

Os dois dias passaram preguiçosos e muito rápido. Felipe havia


insistido que Gabriel ainda precisava se recuperar da febre e o levou para sua
casa a fim de passar o final de semana confortavelmente. Não que o moreno
não estivesse exultante com o fato, mas manteve-se arisco e arredio o tempo
todo, afirmando não ser necessário, até ceder.
O ruivo também havia dispensado as reuniões sobre a negociação que
tinha agendado com Carla e Thiago para focar em aproveitar os momentos
com seu submisso. O medo de perdê-lo que havia sentido na noite da
apresentação o fez perceber que não era tão imune quanto pensava às suas
próprias emoções.
Afinal, mesmo que tivesse passado a vida toda reprimindo-as, ali estava
ele diante de uma infinidade de sensações inexploradas que só Gabriel
conseguia despertar nele. E, aquele homem, que sempre foi frio e preciso em
todos seus movimentos, respeitado por todos na maior organização mafiosa
do continente, percebia-se fora de órbita e quase infantil, corando e
comportando-se com toda a sinceridade pela primeira vez durante aquele
final de semana.
Pouco depois de chegarem à casa de Felipe, Gabe estava parado diante
da geladeira. Sempre tinha comida pronta guardada ou de fácil preparo na
casa de seu dominador, mas ele se sentia um pouco nauseado e pensou em
preparar algo fresco e mais leve.
O ruivo o observava enquanto ele mordia o lábio, encarando o conteúdo
da geladeira, e depois dos armários. Os dois haviam saído do banho há
pouco.
— Quer comer algo específico? — Felipe perguntou.
Estava sentado à mesa da cozinha americana com o rosto anguloso
apoiado em uma mão e admirava, sorrindo, o moreno que ainda parecia
pálido e muito cansado. Gabriel estava lindo usando a camiseta de Felipe, os
cabelos molhados e arrumados para trás, além de uma bermuda que marcava
em sua bunda perfeita.
— Sim, mas eu não queria pedir nada. Acho que vou cozinhar alguma
coisa leve. Porra, não é que você tem panelas escondidas por aqui? Olha só
— Gabe disse pegando uma das panelas grandes de inox que estava, junto
com outras, muito bem guardada dentro de uma das portas mais altas dos
armários. Girou-a na mão sorrindo satisfeito.
— Você gosta de cozinhar?
O ruivo se levantou devagar, estava sem camisa depois do banho
compartilhado com seu submisso. A sensação atordoante da transa aquecida
pela água morna do chuveiro ainda permeava toda sua pele úmida. Estava
muito satisfeito em vê-lo na sua cozinha fazendo o que ele fazia de melhor:
revelar tudo que escondia como se fosse algo muito natural e comum.
Gabriel juntou alguns ingredientes na bancada ao lado da pia, planejava
fazer uma sopa para recuperar suas forças e assentiu à pergunta dele
concentrado, também gostava da sensação confortante que era estar ali.
Sentia-se verdadeiramente à vontade como se estivesse em casa.
Felipe riu rouco com aquela resposta e tomou a panela das mãos do
moreno em um movimento rápido. O outro, por sua vez, o encarou com
cenho cerrado e uma expressão muito brava e contrariada.
— Vá se deitar, você acabou de se recuperar de uma febre. Eu vou
cozinhar. O que quer comer? — Felipe analisou os legumes em cima da
bancada organizados minuciosamente por ordem de preparo e ladeados. De
fato, Gabe era metódico e parecia planejar tudo antes de dar qualquer passo,
em qualquer coisa. O ruivo sorriu prevendo o prato: — sopa?
— Sim. Mas eu posso fazer, eu estou bem. — Gabriel tentou pegar a
panela de volta, mas Felipe fugiu, recuando o corpo para trás. Segurou a mão
que avançava e o girou abraçando-o por trás. Beijou sua nuca e deslizou o
nariz pelo seu pescoço, beijando atrás da orelha alheia. O moreno se arrepiou
e grunhiu, mal-humorado. — E desde quando você cozinha, porra? Pensei
que gente rica vivesse só com cozinheiros fazendo tudo.
Felipe o largou, rindo muito divertido, e colocou a panela sobre o fogão
elétrico embutido. Encarou-o sedutor e pegou duas facas para cortar os
legumes de uma das gavetas.
— Desde sempre. A Baba me ensinou, e eu sempre gostei muito —
Felipe disse e Gabriel ecoou um “Baba?” confuso. O ruivo sorriu
docemente, entregando uma das facas ao moreno. — A governanta da casa
que eu cresci. Ela cuidou da minha mãe na gravidez e quando nasci. E
depois... Ela me criou. E o Jonathan também. Hum, você pode me ajudar a
cortar os legumes já que quer fazer alguma coisa. Mas depois se deite.
Gabriel estagnou recebendo a faca com os olhos arregalados, corou um
pouco com aquela confidência repentina e pigarreou vendo que ele avançava
ao seu lado. “E depois... Ela me criou” ecoou na mente do rapaz que
entendia superficialmente o que aquilo poderia significar, queria mais
detalhes e hesitava se devia prosseguir naquele assunto.
Começou a cortar uma batata sem ter certeza do que responder. Felipe
negou com a cabeça estalando a língua em desaprovação e o abraçou por
trás. Passou as mãos por cima das dele e começou a orientá-lo como fazer o
corte que ele queria.
Aquela presença atrás de si fez Gabe ter um arrepio, as mãos alheias
guiando as suas próprias no trabalho. “Droga, ele acabou de me fazer gozar e
ainda consegue me deixar excitado... Desgraçado” pensou engolindo em
seco.
— Assim não, assim. Isso. Se deixar muito pequeno não vai sentir o
sabor — Felipe disse no ouvido do moreno que tremia em um misto de
confusão e excitação.
— A sua mãe… — Gabriel sussurrou muito baixo e inseguro, e o
homem atrás dele suspirou profundamente.
— Diana. O nome dela era Diana. Ela morreu. Sim. Eu não tinha nem
um ano.
Gabe prendeu a respiração prosseguindo no corte, mudo.
— Obrigado por me contar — ele murmurou.
Felipe assentiu. Também se sentia grato por finalmente falar sobre
aquilo com ele, e não tirou as mãos de cima das dele por alguns minutos,
mesmo vendo-o fazer exatamente como havia orientado. O homem se deu
conta de que estava ali há mais tempo do que o necessário e o largou,
puxando o celular do bolso.
Quando ele se foi, Gabriel parou de cortar sentindo falta daquele
contato, seria capaz de passar a tarde toda daquele jeito. Forçou-se a
prosseguir, em seguida, o cenho cerrado e a expressão mal-humorada
marcando sua feição habitual.
O ruivo colocou a música de uma de suas bandas favoritas bem alto
para tocar, deixou o celular sobre o balcão e começou a cortar os
ingredientes lentamente ladeado de seu submisso.
“Talvez eu deva perguntar como ela morreu... Mas... Isso não é
importante, não é? Talvez eu deva perguntar se ele sabe como ela era quando
estava viva? Talvez seja melhor não perguntar... Nada?” Gabriel pensava
confuso enquanto prosseguia no corte, lembrou-se imediatamente de como
ele agrediu o próprio irmão ao tocar naquele assunto.
Reconheceu a música que estava tocando e começou cantarolar no
ritmo distraído, gostava muito dela.
— Você tem um bom gosto musical — Gabe ecoou seu pensamento
baixinho, reparando em como ele era ágil cortando os legumes, era
realmente muito habilidoso usando a faca ali ao seu lado.
Felipe fatiava tudo com rapidez e precisão, sorriu de canto e fez uma
mesura com a cabeça, sedutor. O outro corou imediatamente com a
expressão brava.
— Eu sei.
— Convencido — Gabe sussurrou fazendo o ruivo lamber os lábios,
satisfeito. Exibia o piercing provocando-o.
Eles prosseguiram na receita, silenciosos, ouvindo a música. Felipe
balançava a cabeça devagar quando a batida acelerou, o cabelo ruivo se
agitando lindamente ao redor de seu rosto perfeito, cantando silenciosamente
a letra, muito concentrado. “I didn’t decide. I love you despite myself. You
pull me out of who I’ve been, know what I mean? I’m not a saint. I’ve got no
faith to lose, only to gain. At least I can dream[3]”.
O moreno o observava discretamente com um sorriso bobo, também
cantarolava divertido: “Or we can stay in this lane all alone. Just say the
word and I’m on it. The past is receding so we can move on[4]”.
Com o tempo, passaram a discutir um par de vezes sobre a ordem
correta dos legumes e depois sobre os temperos, a música prosseguia
embalando enquanto Felipe que ria divertido daquela criatura raivosa ao seu
lado. Mandara-o sair da cozinha e não se meter enquanto Gabe mostrava a
língua para ele agressivo.
Uma aura muito natural e fluída parecia emanar dos dois quando riam
um do outro discretamente depois de discutirem sobre coisas tão triviais.
Gabriel negou com a cabeça enquanto se pegava empolgando-se mais que o
comum com a música, e respondeu com o dedo do meio à risada rouca que
recebia de sua dancinha animada.
Não interessava o quanto o assunto sobre sua mãe um dia tenha sido
doloroso para Felipe, simplesmente havia falado sobre isso sem sentir
melancolia e dor pela primeira vez na vida. A música ecoava e ele sentia-se
tão bem que não parava de sorrir. Aquilo parecia apenas como algo que ficou
no passado.
Procurava o peso que normalmente o atordoava sempre que pensava
nisso, mas não o sentiu.
“If it goes wrong (don’t look back). I’ll reassure myself, I knew all along
(don’t look back). At least it was real, it was real[5]”.
Sentia-se dançar no embalo da música também. Durante toda sua vida
apenas Baba o havia visto cozinhar ouvindo música daquele jeito. Ela
sempre se incomodava com o barulho alto e batia a bengala que a sustentava
no chão para assustá-lo e repreendê-lo.
“Talvez eu deva visitar a Baba nas férias de julho. Talvez eu deva levar
ele para conhecê-la...” pensava enquanto via Gabriel roubar uma das
cenouras e jogar na boca rindo.
— É bom que essa sopa fique gostosa! — ele disse enquanto mastigava.
Jogou-se no sofá esticando-se como um gato, muito confortável.
Felipe sorria também, acompanhando-o com o olhar, sentindo o coração
palpitar muito. Aquele sorriso abalava tudo dentro de si. Encarava a pele
marcada, e como a presença dele fazia aquela casa parecer mais bonita e
iluminada. “Sim, ela ia gostar muito de você, gatinho” pensou concluindo.
“We can be free if we want it (don’t look back, keep going, don’t look
back). Yeah, we can be free if we want it.[6]”
✽✽✽

Durante os dias que estava na casa de Felipe, Gabe aproveitou a deixa


do filme que haviam assistido no cinema para investigar cada gosto que seu
dominador tinha. Dissimulava mal o desinteresse enquanto perguntava,
despretensiosamente, quais seus filmes favoritos ou passatempos,
surpreendendo-se com cada resposta honesta que recebia dele.
Felipe não era um grande fã de cinema e preferia ler. O moreno o
fuzilava com perguntas sobre filmes muito populares e se ele já os havia
visto, sempre recebendo uma negativa como resposta. Não demorou para
Gabe se enfurecer e decidir mostrar seus filmes favoritos para ele, já que era
apaixonado por cinema desde a infância.
O ruivo defendia que os livros eram melhores. Argumentava que
conseguia ver as cenas da melhor forma e não se decepcionaria nunca com
elas — já que sua mente quem as criava — enquanto Gabriel, apesar de não
tirar os méritos dos livros, argumentava a favor dos elementos secundários
da filmografia a serem interpretados, como as trilhas sonoras, a fotografia, o
enquadramento, além do figurino, atuação entre outros muitos fatores que
compunham um filme.
Felipe fingia desinteresse com seus argumentos apenas para irritá-lo.
Ao contrário do que o ruivo pensou que faria alguma vez na vida com
qualquer um de seus submissos, além de cozinhar, agora ali estava ele em
sua sala, usando a televisão que nunca tinha sido sequer ligada e
maratonando filmes seguidos. Sempre sendo interrompido por Gabriel, que
parava para apontar e perguntar se ele tinha percebido algum detalhe
importante.
Felipe pegava-se encantado por aquele olhar fumegante e cheio de
energia, brilhando para ele, mostrando seus gostos mais pessoais e suas
observações sobre o mundo, mescladas nas interpretações que tinha sobre as
histórias que assistiam.
O ruivo assentia, dizendo que tinha sim visto o tal detalhe apontado, e o
outro franzia o cenho inquisidor:
— Você nem estava olhando para a tela, Lipe.
Felipe ria rouco enquanto jogava uma pipoca dentro da boca e dava de
ombros, observá-lo enquanto via os filmes era a melhor visão que podia ter.
Gostava da sensação dos seus dedos entrelaçados e de ouvir as
respostas que Gabriel dava para a tela, brigando ou concordando com as
falas. Às vezes falava-as simultaneamente com os atores com um sorriso
bobo de satisfação. Era um prazer que Felipe nunca havia experienciado
antes.
Pegou no sono com a cabeça pesada e igualmente adormecida do
moreno em seu ombro no sofá naquela noite.

✽✽✽

✽✽✽

O pesadelo havia começado como uma memória. Passeava na


biblioteca da Fortaleza, escondido como sempre. Era apenas o jovem Felipe
de 16 anos novamente. Avistou o romance de capa dura muito bonito e
denso na prateleira e o tomou para ler.
Achou-o tolo à primeira vista. Negava para si mesmo, intensamente, o
que sentia aflorar dentro de si ao folhear aquelas páginas. Não queria sentir
nada, nada, e subjugava qualquer flâmula que florescia dentro de si que não
fosse a raiva e o rancor, alimentando-os cada vez mais.
Leu-o até o fim, devolvendo-o à prateleira em um suspiro.
Naquele tempo, a madrugada era o único momento em que podia estar
ali, dentre a enorme coleção de livros da casa de veraneio dos Castro. Havia
passado a andar novamente entre as prateleiras de histórias infantis e juvenis
nauseado, percebendo muito cedo e forçosamente que não poderia se
esconder neles ou torná-los realidade.
Seu corpo tremia como de um criminoso que temia o flagrante sempre
que ouvia qualquer barulho vindo dos corredores. Era um forasteiro e não
suportava a ideia de alguém descobri-lo lendo. A biblioteca era o território
declarado do seu irmão e não admitiria para ele o quanto gostava dos livros.
Fingia odiá-los, fingia odiar tudo que o associasse ao gêmeo. Deixava o
ódio o consumir.
Não estava mais ali. De repente o sonho o levou ao momento que
observava atentamente, com os olhos frios e impassíveis, os outros rapazes
da sua idade durante os treinamentos da Ordem. No combate corpo a corpo,
suados e muito maleáveis deslizando em golpes e pontapés, muito ágeis em
seus músculos tesos. Atirando com suas armas e afiando lâminas. Lutando e
correndo.
Tomavam banho sempre distantes dele por temer a postura sombria e
reclusa, além dele ser o filho do grande líder. Era perigoso, estranho e
poderoso demais. Ninguém nunca tinha coragem de se aproximar dele além
de Carla e, depois, Thiago, que, àquela época, já era apaixonado pela amiga.
O sonho se dissolvia, e, de repente, estava noutro ponto das suas
memórias.
Ouvia de esguelha os relatos entre amigos, que não eram seus, sobre
seus primeiros beijos e romances adolescentes. Apertou o próprio peito em
negação. Odiava a sensação dolorosa de como os outros o olhavam como se
fosse uma aberração e tinha que sempre socar algo até ver o seu próprio
sangue rebentar de suas veias.
Amigos. Romances. Afeto. Família.
“Eu não preciso disso, eu não preciso de nada disso. Eu não preciso
sentir nada. Nada.” pensava sempre repetidas vezes suprimindo lágrimas,
reprimindo tudo.
Aos poucos, queria ferir qualquer pessoa que se aproximava dele,
sentindo-se cada vez mais parecido com a máscara que havia inventado para
se esconder e mais deslocado de tudo e todos. As pessoas ao seu redor
também acreditavam naquela figura e se afastavam mais ainda.
Ouvia suas falas entre cochichos sibilantes: “Ele é assim porque não
conheceu a mãe, a morte dela foi tão trágica, coitadinho”, “O irmão dele
sabe lidar melhor com tudo isso, ele é muito centrado e simpático.
Infelizmente ele não teve a mesma força”, “Ah, os filhos do grande líder são
talentos natos, um é extremamente inteligente, um gênio, e o outro um
dragãozinho demoníaco, muito astuto”.
O pequeno Felipe daquele tormento onírico sentia-se cada vez menor.
Desejava ser forte e nada mais, imbatível: tornar-se o ser descontrolado e
furioso que eles enxergavam. E, cada vez mais, odiava sentir.
Foi transportado naquela memória. Estava em uma briga qualquer.
Quantas ele havia travado tentando suprimir a necessidade de violência? Nos
bares e nas ruas, não se importava com o tamanho ou periculosidade do seu
oponente. Derrotava todos que o desafiavam, deixando-os sempre entre a
vida e a morte.
Seus punhos ensanguentados e o olhar sádico sedento por vingança
eram as últimas coisas que seus rivais viam. Por causa desse seu
comportamento, praticamente todas as gangues de Classe C e D, além de
muitos líderes de máfias de Classe B, sabiam quem ele era e sua afiliação.
As pessoas mais influentes dentro delas relevavam o temperamento
explosivo com bons olhos, prevendo dali uma arma poderosa para a Ordem
no futuro. E assim o foi.
Com o tempo, muitos começaram a admirá-lo por sempre ser tão
corajoso e habilidoso. Felipe nunca aceitava desaforos e antes de completar a
idade adulta já era respeitado por muitos desses líderes de gangue e
organizações criminosas graças as suas habilidades como assassino e
atirador dentro e fora da Ordem.
Sua gangue foi formada sem que ele intentasse por isso. Pessoas leais
que viam nele a oportunidade de acertar contas com um alvo em comum,
Carla era uma dessas pessoas.
Liderava aquela gangue por demanda popular. Guiava-a a assumir uma
proporção de uma verdadeira e forte organização criminosa de Classe C com
ares de Classe B. Não precisavam se envolver com drogas ou qualquer
serviço comum às outras gangues, seu diferencial eram seus serviços táticos
que chamavam atenção pela precisão e frieza.
Eram assassinos, atiradores e negociadores treinados pela fúria de um
homem frio e habilidoso: o idolatravam. Os seguidores de Draco, os Aliados,
acreditavam na sua fúria e se inspiravam em sua violência e em seu poder,
aos poucos cotando-o cada vez mais para um dia ser o grande líder.
Como um colaborador tático da Ordem, havia aceitado todas as missões
que designavam a ele, sempre mirando em conquistar a elite púrpura que o
capacitasse ainda mais. Era requisitado em quase todos os conflitos uma vez
que, por causa de sua aura que impunha respeito e terror, tudo se resolvia
sem maiores complicações quando ele estava presente.
Draco em seu auge, era inquebrável. Mas por dentro, todo seu espírito
estilhaçava-se em queda livre.
Máscaras. Via-as agora no pesadelo como fantasmas. Usava tantas
delas, reais e abstratas, que precisava cada vez mais de espelhos para buscar
através de seu rosto exausto quem realmente era. Não se via, apenas quem
fingia ser.
Foi transportado à outra memória. Carla havia aconselhado ele a
conhecer o BDSM para lidar com sua violência e, apesar de sua relutância
inicial, havia sido um tiro certeiro. Quanto mais estudava e se aprofundava,
mais queria tentar. Assim, podia finalmente estar em contato com alguém
que o queria voluntariamente, mesmo em sua rudeza.
Não havia mais problema em ser assustador e violento, afinal, cumpria
com o que seus submissos queriam dele. Mas tudo que podia oferecer era
tudo que restava de si: um ser temível.
Tinha submissos e os usava, deveras. Queria olhos que o olhassem com
vontade de tê-lo por perto quando ninguém mais queria, mesmo que ele
fosse violento. Mas frustrava-se. Não aguentavam como ele gostaria que
aguentassem, rejeitavam-no quando percebiam seu distanciamento e sua
inexperiência emocional, julgando-o.
Não é como se não tivessem sempre se aproximado dele com algum
interesse, para início de conversa. Jogavam sobre ele todas as suas
expectativas sobre quem Draco era e o que ele podia proporcionar de
benefícios, retorno financeiro e proteção, ignorando que ali existia também
Felipe. Um apaixonado por arte, por fotografia, leitor e arrebatado por
emoções.
Mas isso não importava, não queriam vê-lo por inteiro. Viam nele
apenas o bruto homem que os consumia como pedaços insignificantes de
carne, sem ao menos repararem que eles mesmos viam Felipe da mesma
forma. Era um abuso recíproco. Expectativas trocadas, interesses em
balança.
Não só negava o afeto que havia sido negado a ele, mas respondia na
mesma moeda: usar e ser usado. Violentar e ser violentado. Apenas mais
jogos de interesses.
O tormento do pesadelo agora tornava-se mais obscuro e perturbador.
Via diante de si aqueles rostos. Os rostos que havia eliminado. Um por um.
Suas confissões ecoavam em sua mente, todas elas formando a imagem mais
profunda do seu subconsciente. Aquela imagem que nunca deveria lembrar,
nunca deveria saber.
Via o sangue e ouvia seus gritos, a forma como imploravam por perdão.
Quanto tempo mais seria consumido por aquelas cenas? Já não tinha certeza
se eram memórias ou visões projetadas pelo que aquelas pessoas o haviam
dito antes de morrerem. Escória. Todos eles.
Não estava mais ali. Sentia o chão do quarto sob seu corpo e encarava
Escarlate. Só queria calar aquelas vozes. Passado e presente se misturavam,
o real e o irreal tornando-se cada vez mais uma única coisa. Memórias que
não o pertenciam.
Precisava acabar com aquilo, o último a ser eliminado era ele mesmo.
Enfiou o cano em sua boca em um só movimento enquanto tremia, as mãos
posicionadas no gatilho. Sentia-se derreter, suas mãos pegajosas pelo sangue
quente que não era o seu. Em breve seria.
“Eu já me livrei de todos eles, mãe. Desculpa, mas eu não aguento
mais.” Puxou o gatilho de uma vez.

✽✽✽

Gabriel teve um sobressalto. Felipe parecia agitado ao seu lado


afundado em um pesadelo perturbador. Sua expressão era de dor quando ele
acordou agitado e ofegante, o cabelo muito rubro e iluminado pela televisão
estática em uma tela de descanso graças ao tempo pausada.
Ele não gritou, mas seu rosto todo parecia aterrorizado enquanto
encarava as próprias mãos tremendo estertorante. O moreno o envolveu com
um abraço mesmo sem entender o que havia ocorrido, apertava-o repetindo
que estava tudo bem e que ele estava ali, fazendo Felipe acalmar-se aos
poucos. Segurava firme no abraço que o confortava.
Os dois se encararam no escuro, em silêncio, quando Gabe propôs irem
para a cama. Felipe o seguiu, arrastando-se, sem conseguir livrar-se das
muitas cenas doentias que via diante de seus olhos, as memórias de outrora e
cenas narradas a ele de muitos ângulos diferentes por algozes malditos que
ele mesmo exterminou pelos seus pecados.
Revivia aquelas lembranças que não queria ter como uma maldição,
aqueles detalhes que não gostaria de saber. Deitou-se apático, sentindo
Gabriel puxá-lo para o seu colo, o cheiro doce invadindo seu corpo e
dissipando aos poucos as memórias sombrias. Não sentia mais sono e pensou
em fumar.
— Você tem muitos pesadelos? É por isso que nunca dorme cedo? —
Gabe questionou no escuro em um sussurro. Felipe assentiu sem força,
abraçava-o como se agarrasse sua única âncora ao mundo real. — Já passou.
Seja lá o que for, foi só um sonho.
Silêncio.
O ruivo suspirou e o apertou mais. Sua voz rouca parecia vir de outro
alguém, irreconhecível para si mesmo.
— São lembranças.
Gabriel hesitou pensando se deveria avançar naquela conversa. Sentia-o
tremer ao seu redor e sabia que talvez ele não dormisse depois de ter se
assustado daquela forma assolado por aquelas memórias. Queria tranquilizá-
lo, mas não sabia como. Beijou o topo de sua cabeça demoradamente
suspirando seu perfume viciante.
— Você já falou para alguém? Sobre essas lembranças, digo... —
Gabriel perguntou e recebeu uma negativa lenta do homem que parecia cada
vez mais disposto a levantar-se, nervoso e ansioso. — Sabe, talvez colocar
para fora ajude. Se quiser...
Silêncio. Felipe considerava se conseguiria colocar em palavras aquilo,
nunca havia tentado.
— Não são só... Minhas. As lembranças — ele falou rouco, sua voz saía
com dificuldade em um esforço intenso.
— De quem são? — Gabe o incentivou a continuar.
— De outras pessoas. De muitas...
— São lembranças diferentes então?
Gabe o apertava com força, Felipe respirava pesado.
— Não. É... Complicado. São várias visões de um único
acontecimento... E... Eu lembro como se eu estivesse lá. Quer dizer... Eu
estava lá, mas eu não deveria lembrar — ele disse entrecortado.
— Entendi — Gabriel sussurrou incerto, incentivando-o a prosseguir, e
o ruivo esforçava-se para falar.
— São lembranças de um acontecimento horrível que eu era muito
novo para lembrar. Mas que eu sei como aconteceu porque... porque eu fiz
quem estava lá, fazendo ou testemunhando essas coisas horríveis, me contar.
— E por que você fez eles te contarem algo horrível que elas fizeram
ou viram?
Os dois se encararam no escuro, deitados na cama, enroscados um no
outro. Os olhos dourados cintilavam como de um dragão assustador. Gabriel
teve um calafrio com aquele olhar pesado e misterioso o invadindo
profundamente.
— Porque eu precisava sempre ter certeza de que eu estava matando a
pessoa certa.
Silêncio.
Gabriel não piscava, imerso na expressão de mármore de seu
dominador. Apertou-o firmemente em um suspiro e o beijou na ponta do
nariz. Felipe arregalou os olhos sem entender, quando o outro roçou o
próprio nariz no seu lentamente, acalmando-o.
Parecia complacente em um nível muito doce, como se o
compreendesse completamente e estivesse preparado para apoiá-lo
independentemente do que ele tivesse dito. Gabe segurou a bochecha do
ruivo com a mão muito quente, acariciando seu maxilar travado.
— Eu sinto muito por você ter que lembrar de algo que não foi culpa
sua. E eu sinto muito que tenha passado por tudo isso sozinho por tanto
tempo — Gabriel disse o olhando firmemente. Sua expressão era séria e as
sobrancelhas juntas numa expressão felina habitual que fazia Felipe perder o
fôlego. — E então? Você sempre pegou a pessoa certa?
— Sim — Felipe respondeu estarrecido, incrédulo com aquelas
palavras. Não havia uma sombra sequer de medo ou julgamento nos olhos
que o fitavam, invadindo sua alma e amenizando suas dores.
O moreno esboçou um sorriso frouxo e aliviado quando beijou sua
testa, — Ótimo — sussurrou. Seguiu em mais um beijo leve no seu nariz
passando para a boca que permanecia aberta. Beijou de novo e de novo até
ele se recuperar e aceitar o beijo deslizando a língua úmida com vontade
para dentro da boca alheia.
Os dois se beijaram excitados, roçando seus corpos em ansiedade.
Gabriel girou subindo sobre o ruivo, segurava o rosto dele com lascívia e
esfregando-se com mais força na ereção que aumentava gradativamente.
Afastou-se de repente e arqueou uma sobrancelha, sentando-se sobre
ele. Olhava-o de cima, muito provocativo, enquanto afastava seu cabelo
negro para trás. Felipe lambeu os lábios ainda sem reação, a mescla de
sentimentos inéditos continuava sempre o surpreendendo. Gabe em si
continuava sempre o surpreendendo.
— Acha que vai conseguir dormir? — o moreno perguntou e virou a
cabeça sorrindo de canto. Felipe suspirou e negou sinceramente, aqueles
pesadelos sempre tiravam seu sono por completo. O homem sobre si assentiu
e deu de ombros. — Foi o que eu pensei.
Ele começou a tirar a camiseta devagar, olhava-o provocante vendo o
olhar pesado de outrora sendo substituído por um de puro tesão. O moreno
sorria sentindo as mãos de Felipe em sua cintura e abdômen.
O ruivo, por sua vez, mordia o lábio com vontade apalpando-o. Não
demorou para ele o puxar com violência, jogando-o na cama. Rolavam
agarrados e excitando um ao outro num beijo cálido. Felipe não pensava em
nada, sua mente voltava-se para Gabriel e só para ele.
O passado e as memórias que não lhe pertenciam, todo o caos e dor em
que esteve imerso por toda a sua vida, enquanto caçava algozes e os julgava
convertendo a si mesmo também em um, sumiram como se nunca tivessem
sido reais.
A pessoa em quem precisou se tornar para julgá-los era implacável,
corrompida e insana, mas ali Felipe era só quem nunca teve a oportunidade
de ser: ele mesmo, em todas as suas faces. Ali com Gabe era Felipe
independentemente de qualquer coisa e tocá-lo o fazia ser mais humano do
que qualquer momento da vida na qual havia fingido, por muito tempo, ser
um monstro, um demônio, um dragão ou qualquer outra criatura absurda e
incapaz de sentir.
Sentia. Sentia com tudo de si e livremente, finalmente.
Naquela noite, intercalava em transar com ele com violência, surrando-
o e puxando seu cabelo e corpo como um submisso, e transar devagar,
gemendo arrastado em seu ouvido, beijando seu pescoço como um amante.
Perdiam-se entre o que o contrato permitia ou não. Ele não importava
mais e suas barreiras eram tênues. Estavam juntos porque queriam um ao
outro mais que tudo e nenhum documento poderia limitar isso. Desejavam
continuar assim e não parar noite adentro até dormirem exaustos, suados e
juntos. Envoltos, protegendo um ao outro de forma recíproca de seus
demônios e medos.
As inseguranças e os pesadelos desvaneceram por completo, criando
uma aura dócil que perdurou até mesmo depois que acordaram e voltaram a
ver filmes, ou conversar sobre fotografia e dança.
Felipe decidiu mostrá-lo sua gaveta secreta na qual ele guardava,
trancado, seus livros favoritos. Gabriel insistia em perguntar sobre todos eles
encantado, não sabia porque ele parecia tão envergonhado por gostar de ler
romances, mas adorava ver como ele parecia bobo e corado falando sobre as
suas histórias preferidas.
Ouviu-o por horas a fio, instigando-o a falar cada vez mais e mais como
se o ensinasse a colocar para fora seus pensamentos e emoções. Para
Gabriel, era um prazer ouvi-lo e, só de fazê-lo, já era, para Felipe, mais do
que qualquer submisso já havia feito por ele.

✽✽✽
No dia seguinte, Gabriel tomava o café sentado no sofá sem tirar os
olhos do quarto que vivia trancado. Felipe, que estava ao seu lado, roçava os
dedos lentamente na coxa desnuda do moreno. Rodeava um dos roxos
densos que tinha ali, na parte mais interna onde ele havia mordido durante a
madrugada, e sorria bobo sentindo a textura daquela pele, distraído.
Gabe sentiu um arrepio com aquele toque e suspirou, indicando a porta
com a cabeça.
— Você realmente nunca vai me mostrar esse quarto? — perguntou
mal-humorado, seu cenho estava cerrado enquanto bebia seu café segurando
a xícara com as duas mãos. Parecia uma criança birrenta.
Felipe olhou para a porta fechada e deu de ombros. Ele se levantou e
colocou a xícara que segurava sobre a mesinha de vidro no centro da sala.
Esticou a mão na direção de Gabriel em seguida.
O moreno o encarou apertando os olhos na sua direção e colocou a sua
própria xícara ao lado da dele. Levantou ignorando a mão estendida e cruzou
os braços. Felipe riu daquela malcriação e foi até o quarto silenciosamente,
já havia tempo que não trancava aquela porta deixando-a sempre apenas
fechada para caso ele um dia simplesmente quisesse entrar. Segurou a
maçaneta e voltou-se para o submisso que o seguia enquanto a abria.
— Eu já disse que não é nada demais, Gabo. Mas se você quer... —
Felipe disse enquanto abria a porta.
Gabriel surpreendeu-se com o fato dela estar destravada e entrou,
curioso, no cômodo.
Era realmente um quarto como todo o resto da casa, acinzentado e
desabitado. As paredes pintadas em um tom pálido de marfim. Havia uma
cama grande de dossel com estrado vazado no teto bem parecida com a do
quarto de Felipe, mas havia algo de muito frio e indiferente nas cobertas
cinzas perfeitamente esticadas e intocadas sobre ela, além da ausência de
mesas de cabeceira.
De frente à entrada do quarto, a parede era toda coberta por espelhos do
teto ao chão que os refletiam dali, e a cama encostava-se nela. À direita
havia a porta que dava para o banheiro da suíte. Gabriel foi até ele e checou
brevemente que era comum, sem banheira, apenas uma ducha e pia com
armários. A única semelhança deste com o outro era os espelhos que,
igualmente, cobriam toda a parede.
Não havia nada nas prateleiras, tudo parecia limpo e claro como se
ninguém nunca tivesse usado aqueles cômodos conjugados. A parede à
esquerda era lisa e neutra enquanto que ao lado da entrada, havia uma
cômoda pequena feita de uma madeira pesada com quatro gavetas grandes.
Fora a primeira, todas as outras três estavam vazias.
Nessa primeira gaveta, estavam organizados vários chicotes e peças de
açoite, além de algemas e punhos de corda. Não eram os brinquedos que
normalmente Felipe usava com ele, tudo que era exclusivo de Gabriel estava
no outro quarto, sendo raras as vezes que o ruivo usou com ele utensílios que
já havia usado com outros submissos. Ele sempre fazia questão de oferecer a
ele tudo com exclusividade.
Gabe fechou a gaveta satisfeito e suspirou, caminhando em direção à
sacada ao lado da porta do banheiro. Era uma janelona de vidro idêntica à do
quarto ao lado, coberta por uma cortina cinza esvoaçante que bloqueava a
luz matinal.
Ele deslizou os dedos no tecido que rodopiava reparando no detalhe que
mais havia gostado naquele quarto: o chão era de madeira laminada e era
muito silencioso e lustroso. Sorriu um pouco enquanto deslizava os pés no
solo morno.
Diferente do quarto ao lado que era de porcelanato muito frio e
precisava do carpete, aquele ali não precisava de nada para ser
aconchegante. Era um piso perfeito para ficar diretamente nele.
— Esse quarto tem o piso perfeito para dançar. E o espelho também é
conveniente... Parece um pequeno estúdio de dança se tirar a cama —
Gabriel comentou distraído segurando firme o tecido. Felipe o observava
silenciosamente. — O sol da manhã bate aqui… Com certeza refrata no
espelho, quer ver?
Ele puxou as cortinas completamente, em um movimento rápido, e a
claridade entrou no cômodo. Pequenos feixes coloridos se projetaram no
chão e pelo pé da cama: parecia um show colorido e lindo de arco-íris,
alguns se espalhando nas pernas dele.
Felipe abriu um pouco a boca incrédulo, estava encantado. Em seguida,
o moreno caminhou sorrindo até a cama onde se sentou, ele bateu no espaço
ao seu lado convidando o homem que se aproximava devagar.
O ruivo se sentou e o imitou quando ele se deitou. Os dois ficaram
deitados, lado a lado, com as pernas para fora da cama, em silêncio,
encarando o estrado vazado do topo da cama de dossel. Alguns dos raios
coloridos se espalhavam pelo teto também.
Felipe sentiu seu coração palpitando, podia se lembrar das pessoas que
já havia trazido para aquele cômodo, a maioria apenas para suprir sua
necessidade de sexo violento ou apenas seu sadismo incontido e libertino.
Mesmo tendo estado ali com um par de submissos, nenhum deles nunca
havia falado sobre o piso. Ninguém parecia tão interessado em detalhes
sórdidos como a luz do sol e a beleza da refração dela pelo espelho.
— Eu nunca tinha visto... Esse quarto por esse ângulo — Felipe
sussurrou, ecoando seus pensamentos sem notar. Gabriel riu baixinho,
gostando daquele tom.
— Você deve ter trazido muitos submissos para cá — Gabriel falou
divertido e imediatamente se arrependeu, perdendo o sorriso que tinha na
face. Ele suspirou sentindo muito ciúmes, seu estômago doía com aquela
sensação ácida. — A Carla disse que você é o tipo de dominador que faz os
seus submissos te odiarem. Mas sinceramente eu tenho certeza que não é
bem assim.
Felipe engoliu em seco, estava incomodado com aquele assunto e um
pouco envergonhado. Gabe continuou depois de um tempo:
— Algum deles já pediu para voltar depois que o contrato acabou? — o
moreno perguntou apertando os olhos para o teto, encarava um dos pequenos
arco-íris trêmulo que cintilava ali.
— Hum, sim... — Felipe respondeu timidamente, com sinceridade. Sua
voz era fria, mas ele estava muito tenso com aquela situação.
Gabe deu uma risadinha amarga.
— Viu? Eu disse. É impossível não gostar de você. Mesmo que você
trate alguém mal, tem... Alguma coisa no seu olhar que sempre faz não
querer sair de perto de você.
— Eu não acho que seja bem assim. Normalmente ninguém queria ficar
realmente perto de mim antes... De você — Felipe retrucou devagar, ele
queria desfazer aquela ideia boba e idealizada de que ele era alguém bom e
admirado. Tentava se explicar fitando o teto com os olhos apertados. —
Sempre que pediam para reavivar um contrato, normalmente eram submissos
que estavam com o ego ferido por eu tê-los dispensado, ou simplesmente
obcecados pela imagem que inventavam de mim por boatos. Muita gente
achava que eu ia virar o grande líder então... Só começaram a querer se
aproximar quando isso começou a se espalhar.
Ele virou devagar e fitou o perfil de Gabe que ouvia concentrado a sua
voz, parecia muito imerso nos próprios pensamentos enquanto respirava
devagar e mordendo o lábio. Felipe analisava cada detalhe da pele castanha
perfeita e de seu nariz arrebitado destacando os lábios desenhados. Suspirou
apaixonado por aquele rosto lindo.
— Ainda acho que todos eles te amam. Parece que você fez algo
incrível o suficiente para te verem como herói — Gabe disse em um sussurro
e virou o rosto também, os olhos dourados o observavam de muito perto e
ficaram assim. Felipe sentia o ar fugir com aquela encarada e desejou beijá-
lo.
O ruivo negou com a cabeça devagar.
— Boatos. O que eu fiz foram coisas horríveis o suficiente para me
tornar um vilão... E ninguém nunca amaria de verdade um vilão, uma pessoa
realmente má.
Silêncio. Gabe apertou os olhos e sorriu olhando para ele.
— Sabe, eu sempre acabo pensando... O que é uma pessoa má, afinal?
O que é um vilão? Todos nós fazemos coisas boas e ruins o tempo todo,
Felipe. Não somos idealizados e perfeitos. Somos falhos. Até o conceito de
bom ou mau é falho. O que é bom para mim pode não ser pra você. O que é
mau para você pode ser ótimo para mim. — Gabriel voltou a olhar para o
teto, parecia muito reflexivo em seus pensamentos filosóficos. — Além
disso, isso de bem e mal varia com o tempo e com o espaço. Varia com as
pessoas e suas infinitas possibilidades, realidades e percepções. Não é?
O ruivo arqueou as sobrancelhas com aquela análise inesperada. Não
conseguia parar de olhar para ele.
— Isso significa que você acha que não existe bem ou mal? — Felipe
questionou em um sussurro.
— Não, não é isso. Definitivamente eu acho que existe algo mais ou
menos definido sobre isso. Mas não tem como afirmar que algo é totalmente
mau ou totalmente bom sem considerar muitas variáveis. Fora o fato que,
mesmo que haja a confirmação de que algo é bom ou ruim, não deveria
existir um julgamento definitivo disso. Para mim é muito óbvio que existem
sim coisas que são mais ruins que outras e isso é o que o senso comum faz,
mas não adianta de nada eu julgar tudo no mundo, todos do mundo, em
todos os tempos e realidades, segundo essa minha própria régua moral.
Tampouco adianta eu tentar me julgar para sempre baseado só nos erros que
eu cometi como se eu fosse feito só deles.
Gabriel puxou o ar e continuou falando, tagarelava sem perceber como
fez muitas vezes naqueles dois dias. Felipe adorava ouvi-lo, sua voz doce e
enérgica enquanto estava empolgado e concentrado. Era brilhante de tão
inteligente e complexo em suas opiniões sempre incisivas. O moreno
continuou:
— É por isso que não acredito em vilões, sabe? Isso depende tanto de
que lado da história estamos. E cada um age conforme o que sua realidade e
individualidade o direciona para agir. Faz o que acha mais correto e está
passível de cometer erros e se redimir. Todos merecem se redimir. Até o
mais atroz merece sua redenção nem que seja através da morte, é o que eu
acho. Mas quem é que pode definir que a morte é a forma certa de alguém se
redimir? Esse é o ponto. — Gabe virou de novo dessa vez com os olhos
apertados em foco, invadia Felipe através de suas pupilas dilatadas em
prazer. Falava firmemente e devagar. — Bem e mal, herói e vilão, e,
principalmente, o julgamento definitivo de destino fadado para cada lado
dessa moeda cruel é resultado da ideia triste de que temos alguém, ou algo
superior que nos julga, você não acha? Essa ideia está tão entranhada em nós
que acaba nos permeando, ficamos cegos achando que somos nós o juiz e o
algoz, que podemos definir, segundo os nossos parâmetros, o que é certo e
errado e qual a melhor punição para cada dissidente. Fazemos isso inclusive
com nós mesmos, um rio de julgamento.
Felipe estava corado. Não conseguia controlar o coração tão acelerado
que mal parava de piscar em nervosismo. Olhou para o teto a fim de fugir
daquela encarada profunda. “Como água, você invade tudo... tudo...” foi um
dos muitos pensamentos que ecoaram em sua mente atordoada.
— Mas... Existem erros imperdoáveis, Gabo. Coisas que nunca
deveriam ser feitas. — O ruivo pigarreou. — E nem sempre existe
julgamento para esses erros até eles caírem no esquecimento. E algumas
coisas são impossíveis de esquecer e perdoar. Tentando julgar podemos
acabar sendo piores que quem cometeu o erro no início. É um ciclo sem fim.
— Sim. Eu concordo, principalmente na parte do “tentando”. Estamos
sempre tentando, Lipe... — Gabriel falou. Percebeu o momento que ele
piscou devagar, suspirando, ao ouvir o nome dele sendo dito daquele jeito.
— Mas se formos pensar bem, talvez a justiça não exista, e sim, no máximo,
a aplicação de julgamentos baseados em uma regra moral e uma sombra
ética mais ou menos acordada pela maioria das pessoas. E é uma tentativa
passível de falha. Dentro dessa complexidade, fica muito difícil escolher
lados sem ceder à hipocrisia.
Gabe continuou olhando para Felipe, procurando o olhar dele que
agora, fugitivo, repousava protegido pelas pálpebras. O ruivo estava tão
corado que era possível ver a coloração que se misturava com a do cabelo
em todas as suas bochechas e até orelhas. Gabriel continuava falando
devagar.
— Você disse que ninguém amaria de verdade um vilão. Eu não sei
sobre as outras pessoas, mas eu acho que se apaixonar é diferente de amar.
Quando nos apaixonamos não temos escolha, é um sentimento arrebatador,
uma sensação. E ela passa, apesar de sempre poder ser reavivada. Agora o
amor... o amor é uma escolha. É justamente escolher reavivar a paixão,
manter-se apaixonado. E principalmente manter-se ao lado de alguém,
independentemente de tudo. — Gabe deu uma risadinha boba ao reparar na
coloração cada vez mais intensa naquele rosto que visava.
Felipe parecia surtar internamente esforçando-se muito para manter-se
na sua expressão fria e serena, seus lábios tremiam em uma profusão de
pensamentos atordoados e confusos. O moreno prosseguiu:
— Falando por mim, não acho que eu conseguiria evitar amar alguém
seja essa pessoa boa ou má. Ao amar não estamos aplicando regras morais.
Não somos inquisidores no amor. Julgamentos não cabem. Estamos sendo
guiados por uma força muito determinada de escolher dedicar-se para
alguém. Não é como se não tivéssemos opção, porque temos. Mesmo que
arrebatados pela paixão e toda a química cerebral que ela cria, temos opção.
Amar é muito mais que um conjunto de coisas idealizadas. É realmente
escolher caminhar ao lado de alguém. Isso exige dentre outras inúmeras
coisas, controlar e ceder... Não é? Então, se eu escolhesse amar alguém
definitivamente isso significaria que eu entendo sua visão de mundo e
compactuo com ela em algum nível. Isso me tornaria mau também? Aos
olhos de alguns, sim. Isso me tornaria vilão? Isso não importa. Se eu
escolhesse amar alguém... Definitivamente o faria até o fim.
Independentemente do que os outros pensassem de mim. Até o fim.
Felipe arregalou os olhos e virou o rosto devagar. Os dois se encararam
em silêncio por tempo suficiente para a claridade aumentar e depois reduzir.
Não falavam nada apenas deitados, mergulhados um no olhar do outro.
Quanto tempo seria preciso para tomar uma decisão tão importante? Na
realidade aquilo não importava, não era como se fosse uma escolha
definitiva. Não haveria julgamentos. Havia cumplicidade e nada mais.
O ruivo não conseguia evitar a sensação leve que o invadia. Sentia que
naqueles dias ele se perdoou nem que seja um pouco. E era reconfortante ver
o mundo ao lado daquela criatura. Era tão bom que não conseguia mais
supor como seria a vida como era antes, ou como poderia ser depois dele.
Era tão estranho e inédito que se sentia como uma criança galgando
primeiros passos em um caminho que não conhecia. E queria caminhar. Os
dois queriam caminhar, e essa era a escolha.
CAPÍTULO XXII

Na manhã do dia do comício, Gabriel lia um dos livros de Felipe que


havia pedido emprestado, de bruços no carpete. estava imerso na história de
Marguerite Gautier e não conseguia parar de ler.
O ruivo entrou no quarto e sorriu satisfeito vendo-o ali, o sol
iluminando parte do corpo desnudo de seu submisso lendo, enquanto mordia
o lábio com muita força. Ele sentou ao seu lado e colocou a xícara com café
no chão, recebendo um sorriso doce de gratidão que o aqueceu por completo.
Queria viver naquele momento para sempre, vendo-o tomando o café
silencioso ao se sentar, marcando a página que lia com um dedo enquanto o
sol iluminava sua pele castanha.
A brisa fresca agitava as cortinas e rodopiando os papéis afixados no
quadro de cortiça da parede. Suspirou tomando o seu próprio café. Os olhos
castanhos de Gabe estavam muito iluminados por causa do sol e Felipe
captou o momento perfeito que as pupilas dele dilataram muito ao perceber
que ele já tinha os olhos atentos sobre si.
O moreno cerrou o cenho e mostrou, largando o livro que segurava, o
dedo do meio para o ruivo assim como a língua atrevida.
— Para de me encarar assim porra. Me olhando desse jeito até parece
que você vai morrer nessa merda de negociação. Se isso acontecer eu
realmente vou ficar puto.
Felipe riu rouco e negou com a cabeça.
— Eu já disse que só eu machuco, gatinho — ele disse sádico. Brincava
com o piercing apoiado sobre os braços nus e muito sensuais. Parecia
sarcástico e muito maléfico com aquele olhar de lince dourado e iluminado
pelo sol, o vermelho de seu cabelo emoldurando o belo rosto anguloso. —
Eu nunca levei um tiro sequer. Todos os cortes foram superficiais o
suficiente para eu não ter nenhuma cicatriz... Quer dizer, eu tenho só uma. E
eu respeito o cara por ter tentado me derrubar mesmo já estando no chão.
Gabriel apertava os olhos na direção de Felipe, excitado. Viu ele
esticando a perna e apontando para uma pequena cicatriz na altura da
panturrilha, escondida pelos cabelos claros que tinha ali.
O moreno arregalou os olhos vendo a cicatriz grossa e linear de
aproximadamente cinco centímetros. Tocou-a lentamente e sentiu que
provavelmente foi um corte que, se tivesse acertado corretamente, teria sido
muito profundo.
— Como conseguiu essa porra?
— Hum, derrubando um império — Felipe respondeu indiferente,
dando de ombros. Sorriu bobo para Gabriel e piscou.
Uma risada gostosa rompeu dos lábios desenhados de Gabe. Ele não
conseguia parar de rir apertando o estômago sem ar. Sentia-se sufocado
imaginando quão real aquela frase deveria ser, contrastando com aquele
pouco caso que o ruivo fazia do fato.
Ardia de curiosidade para saber exatamente o que de fato havia
acontecido em seu passado, mas não queria tocar no assunto. Lembrava-se
de sua expressão aterrorizada ao acordar do pesadelo durante a madrugada
de outrora e de sua expressão distante ao falar da mãe.
Ficava cada vez mais claro para ele que os dois fatos pareciam
interligados.
Ele teve que puxar o ar com força para conter a risada, o ruivo ria
também muito divertido. O som do telefone tocando silenciou os dois
repentinamente. Sabiam que se tratava de Carla preparando-o para sua
chegada. Precisavam organizar todos os detalhes para a negociação o quanto
antes, já que o comício aconteceria no fim da tarde.
— Fala — Felipe atendeu friamente após levantar-se do chão. Seu tom
não parecia nada com o do homem que ria há pouco.
— Estaremos aí em uma hora para a reunião. Sem desculpas — Carla
disse do outro lado da linha. O ruivo revirou os olhos e grunhiu quando ela
desligou em seguida.
— Podia ter mandado só uma mensagem — murmurou irritado, sabia
que ela queria pressioná-lo com aquela ligação.
Ele olhou para Gabriel que aguardava o olhando seriamente.
— Eles chegam em uma hora — ele disse com seu tom distante. Bateu
o aparelho na mesa indiferente e estendeu a mão para ajudar o moreno a se
levantar. O outro aceitou e impulsionou-se ficando de pé diante dele, muito
próximo. Felipe sorriu sádico e lambeu seus lábios em seguida. — Vamos,
eu quero te mostrar uma coisa.

✽✽✽

Uma grande caixa negra e densa foi retirada de dentro do guarda-roupa,


parecia um baú e adornado com um grande fecho dourado. Ela estava nos
andares mais altos encaixada em uma das prateleiras.
Felipe a colocou sobre a cama e hesitou, batucando com as pontas dos
dedos sobre o material firme que a compunha. Gabriel havia voltado da
cozinha, onde deixou as xícaras vazias, e estava apoiado no dossel da cama
em expectativa. O ruivo suspirou algumas vezes.
— Isso aqui. Eu pensei que não usaria nunca mais — ele começou.
Estava claramente inseguro e não olhava seu submisso nos olhos, temendo
sua reação. Riu um pouco trêmulo. — Espero que seja a última vez que eu
use.
Ele abriu a caixa. A tampa pendendo para trás pesadamente. Gabriel
arregalou os olhos e arfou vendo o arsenal que estava lá dentro: muitas facas
de diferentes tamanhos, facas táticas curvas e retilíneas, algumas com duplo
gume e outras com um único fio.
Via-as perfeitamente organizadas enquanto Felipe retirava a primeira
camada da estrutura da caixa posicionando-a na cama. Abaixo daquela havia
outra camada com outros elementos de combate corpo a corpo como soco
inglês, adagas de soco e kris[7].
Abaixo dessa, que também foi retirada e encaixada sobre a cama, havia
roupas escuras perfeitamente dobradas, coldres de corpo e perna, além de
luvas, braçadeiras, ombreiras e joelheiras de um material grosso e que
parecia impenetrável. Aquilo parecia formar uma armadura completa para
alguém pronto para batalhar contra um exército com seu próprio corpo.
Era inegável que Felipe tinha o porte de alguém que definitivamente
suportaria batalhar contra um exército, ou pelo menos com muitos homens
de uma só vez. Seu corpo era pesado e forte, além de incrivelmente ágil e
maleável mesmo com sua estrutura. Gabriel poderia igualar-se a ele em força
se realmente quisesse, mas a grandeza e a brutalidade que ele emanava era
incrivelmente assustadora até quando ele não tentava ser intimidador.
Entendia, portanto, que com todos aqueles itens e usando aquilo em seu
corpo, só de olhar seus olhos dourados cheios de ódio ele se renderia sem
pensar duas vezes. O moreno odiava admitir, mas era inevitável não
estremecer com aquela presença e voz.
Ele olhou para o ruivo, que o observava atentamente esperando uma
reação, os olhos opacos e frios pareciam proteger-se de uma possível
rejeição ou de qualquer atitude hostil de Gabe.
— Não era para ser uma negociação pacífica? Vai levar isso para que,
vão fazer um churrasco? — o moreno disparou sem pensar.
Felipe mal conseguiu segurar a risada explosiva, rouca e alta.
Aquele som invadiu Gabriel, abalando tudo dentro de si. Sentiu asas
batendo em seu estômago e um tremor entre suas pernas. O ar parecia
rarefeito. A forma como aquela risada o afetava era algo indescritível. Ele
apertou o dossel fechando mais ainda a expressão.
Se ele se renderia sem pensar duas vezes àquele homem sendo
assustador, para ele sendo doce e risonho daquele jeito pensar não era nem
uma opção. Sentia seus joelhos cederem enquanto apoiava a testa também no
dossel. Grunhiu mal-humorado quando o ruivo o puxou pelo braço.
Ele batalhou contra o puxão tentando esconder o quanto estava rígido,
involuntariamente, usava um short leve e era muito fácil ver o volume
crescente. O homem o envolveu em um abraço e roçou o nariz em seu
pescoço, causando um arrepio na base da coluna do moreno. Ele havia
parado de rir e apenas sorria sentindo seu cheiro.
— Me mostra... — Gabriel começou rouco. A carícia de Felipe o
afetava muito e o seu silêncio tenso parecia demonstrar que ele não sabia o
que dizer ao mostrar a ele seu arsenal de assassino. — Eu quero ver como
você usa.
O ruivo o afastou um pouco, encarando-o compenetrado. Os olhos de
Gabe brilhavam em uma empolgação incontida, as sobrancelhas sempre
apertadas em uma expressão brava e selvagem o conferiam uma aparência
sedutora e excitante.
Felipe recuou e, em um movimento lento, pegou uma das facas
girando-a entre os dedos com habilidade. Ela era pequena e levemente
curvada parecendo muito leve enquanto deslizava girando múltiplas vezes
nas mãos grandes dele.
Ele a parou de repente, segurando-a com força como se fosse apunhalar
alguém, e fitou Gabriel com os olhos de dragão. A excitação queimava como
chamavas no ventre do moreno que arfou sorrindo empolgado com aquilo.
— Tem certeza? — Felipe questionou em um sussurro. O outro assentiu
e estendeu uma mão.
— Me ensine alguma merda que eu não sei.
— Eu te ensinei que Orgulho e Preconceito não é um filme da Keira
Knightley — Felipe retrucou debochado e Gabriel corou arregalando os
olhos.
— Vai se foder, eu sabia que era um livro! — ele retrucou cruzando os
braços e o ruivo riu muito divertido, girando a faca em sua mão.
— Aham, sei — ele sussurrou quando o moreno o interrompeu:
— Eu estou falando sério! Eu sabia!
O homem estendeu as duas mãos tentando acalmá-lo, e começou a chiar
repetindo entre risadas gostosas: tá bom, gatinho arisco. Suspirou em
seguida, analisando os itens em cima da cama por uns instantes, ponderando
qual deveria ser a melhor escolha.
Gabe o observava com atenção e muito ansioso quando o ruivo pegou
uma das facas do arsenal cuidadosamente. Ela tinha apenas um fio e parecia
agressiva e densa, além de um pouco pesada, tinha um cabo emborrachado e
negro, sua lâmina era igualmente escura.
Ele a posicionou sobre dois dedos equilibrando-a no centro de massa,
parecia analisar seu balanceamento e peso. Jogou-a para cima muito rápido e
agarrou com precisão pela lâmina entregando-a com o cabo direcionado para
o moreno.
Gabriel estava boquiaberto com aquela breve demonstração das
habilidades de seu dominador quando a pegou silenciosamente. O ruivo
pegou uma outra lâmina, gêmea àquela que entregou a Gabe, e fez a mesma
análise antes de devolver a outra pequena com que brincava outrora para seu
lugar.
Caminhou silenciosamente para o outro lado do carpete, mais próximo
à escrivaninha, sendo seguido pelo olhar castanho e felino de seu submisso.
Ele alongou a cabeça para um lado e depois para o outro muito devagar,
parecia um leão prestes a atacar com aquela pele muito alva e chamativa, os
cabelos em um rubro intenso conferiam a ele uma aura colossal e inatingível.
Gabriel engoliu em seco e caminhou até a beirada do carpete, no ponto
oposto ao homem e mais perto da cama. Aquele tapete todo no chão se
convertia em um ringue no qual eles se enfrentariam. E Gabe sabia que
perderia. Queria perder.
Sorria sem parar, mordendo o lábio, ao ver Felipe girar a lâmina na
mão, exatamente como fazia com a espátula que o havia punido noutro dia.
O moreno tentou se concentrar apertando firme o punho da faca e sentindo
sua textura emborrachada encaixando-se em suas mãos.
Estremeceu pensando que aquilo ali podia ter sido a arma responsável
pelo fim de muitas vidas e afastou o pensamento lembrando-se da voz rouca
de Felipe sofrendo pelos pesadelos que o atormentavam até então.
Preocupou-se, portanto, se aquilo tudo ali não estaria sendo terrível para ele
por reviver seu passado.
— Está tudo bem mesmo para você mexer nessas coisas? — Gabriel
perguntou hesitante, mal conseguiu evitar seu tom muito preocupado e os
olhos brilhantes que, por um instante, afastaram sua expressão raivosa.
Felipe sorriu, grato pelo cuidado.
— Se for com você, sim — ele respondeu e segurou a faca firme depois
de jogá-la para cima uma última vez. “Você faz tudo isso parecer muito mais
leve” pensou em eco. — Não se preocupe com isso. Já que você pediu, eu
vou te ensinar algumas coisas. Está pronto?
Gabriel assentiu sem se mover. Receber lições do único assassino elite
púrpura da Ordem era uma grande honra. A aura ao redor de Felipe havia
mudado e ele não era mais o fotógrafo sádico de risada doce, era Draco
atento e altivo ensinando-lhe como lutar. Ele continuou:
— Você é um sensei. Sabe como formar uma boa base no shotokan[8].
Me mostre a sua.
Gabriel cerrou o cenho em total concentração e fez sua base kokutsu
dachi[9] com maestria: uma perna mais agachada atrás segurando o seu peso,
esse pé fazendo noventa graus com outro da perna que estava mais estendida
à frente. Seu quadril e tronco estavam encaixados no ângulo da base do pé
de trás, mesmo que seu rosto e postura de ataque estivessem voltados para
frente.
Felipe sorriu satisfeito, era lindo vê-lo agressivo naquela posição.
Mesmo que o karatê shotokan não fosse uma arte agressiva, Gabe era
selvagem em tudo que se propunha a fazer. Uma das mãos do moreno
repousava leve e aberta como uma lâmina na direção do abdômen enquanto
a outra segurava a faca na frente, em posição de ataque.
— Shotokan não usa lâminas — Gabe disse friamente e desconfortável
por segurar uma faca em sua base. Seu antigo sensei o odiaria para sempre
se o visse assim.
O ruivo riu e andou até sua direção devagar, como um bom professor,
analisando cada detalhe.
— Sim, mas essa é sua base principal, então você sempre vai acabar
voltando para ela. Suba um pouco mais o corpo, assim. — Felipe o
suspendeu um pouco e Gabe encurtou a base com obediência, sem se mover
muito da pose. O ruivo continuou o rodeando. — Num combate real você
não vai conseguir se manter tão baixo então tente ficar o mais natural
possível. Perfeito. A lâmina... Não segure assim. Vire a mão de lado. Isso,
assim.
Ele rotacionou o punho de Gabe em 180 graus para dentro, a lâmina
ficava um pouco deitada e perfeitamente posicionada em sua defesa. Gabriel
estava adorando a sensação de ser tocado por Felipe enquanto ele o
posicionava perfeitamente.
O ruivo assentiu satisfeito e seguiu para onde estava enquanto brincava
com a sua lâmina, ele continuou falando:
— Bom, agora que sua base está aceitável... A minha primeira lição: a
lâmina é como uma continuação da sua mão. Precisa manter em mente que
quando você a usa é como se estivesse usando sua própria mão.
Felipe se movimentou devagar ficando em sua base. Era curta e
fechada, as duas mãos se posicionaram anguladas na direção do rosto um
pouco abaixo do nível dos olhos, sendo possível fitar aquele olhar violento
através de seus punhos.
Ele estava muito sério naquela posição e parecia uma defesa
impenetrável, ainda mais para Gabriel que era ligeiramente mais baixo. Ele
avançou em passos lentos e silenciosos para o meio.
Gabe o imitou, movimentando-se devagar e muito focado. Os dois
mantinham os olhos presos um no do outro, uma energia excitante
perpassando seus corpos. Estava quente e estranhamente mudo, tudo ao
redor parecendo estático, em expectativa.
— Tente sempre sair da linha de ataque — Felipe disse em um sussurro,
quebrando o silêncio e Gabriel teve um sobressalto.
Em um lapso, Felipe havia avançado. Mesmo que o outro tenha
levantado a defesa rápido o suficiente, ele não obedeceu ao comando de sair
da linha do ataque, recuando apenas um pouco para trás. Isso o prejudicou
muito enquanto tentava batalhar com as investidas da lâmina, o maior nem
mesmo tentava cortá-lo usando mais os punhos que o fio letal.
O ruivo tinha um alcance de perna muito grande, o que o permitiu
alcançá-lo com facilidade. Bateu na defesa de Gabe com o antebraço,
engatando em um gancho, a mão alheia que segurava a faca.
Ela caiu no chão pela agarrada perfeita, enquanto a perna de Felipe
passava por trás da base enfraquecida do outro. Em um só impulso, girou-o
derrubando-o no chão, e seu corpo pesado caiu em sequência, encaixando-se
no tronco alheio. A faca que segurava posicionada na garganta pulsante de
Gabriel.
O menor arfava com os olhos arregalados. Tremia com o peso de seu
dominador e aqueles olhos que não piscaram naqueles curtos segundos em
que era atacado com voracidade até ser derrubado.
— Eu disse para sair da linha de ataque. Andar para trás não é
suficiente. Mas defendeu muito bem, gatinho — ele disse e se levantou
puxando o moreno que ainda tremia.
— Vai se foder — ele sussurrou rindo um pouco e pegou a faca do
chão.
Felipe piscou com um olho, sedutor.
— Porra, eu quase não consegui me mover. Você é muito rápido, parece
uma sombra. Não é à toa que não tenha cicatrizes — Gabriel resmungou
baixinho, voltando para sua posição inicial. Felipe riu e negou com a cabeça,
satisfeito. Também voltou para onde estava antes.
— Certo, então eu vou deixar que me ataque. Não vou me mover, só me
defender — Felipe disse, provocando-o enquanto sorria de canto. O suor
escorria pela sua pele por conta daquela atmosfera tensa e de seus
movimentos. Ele começou a se movimentar enquanto falava. — Você pode
tentar me cortar em um slash assim, como os que eu fiz ainda agora.
E fez um movimento suave deslizando no ar sem sair de sua base.
— Ou estocar assim — ele disse em um movimento firme de enfiada da
faca no ar. Gabriel recuou, um pouco preocupado.
— Tem certeza? Isso são facas de verdade... Eu não sei controlar meus
movimentos como você.
Felipe sorriu sádico.
— Seria uma honra ter uma cicatriz por sua causa — ele retrucou.
— Não fala merda, porra — Gabe disse baixinho enquanto suspirava,
indo em direção ao seu lugar no meio, assim como o ruivo.
Concentrou-se mais agora, queria mesmo que ele o admirasse e foi
invadido por uma determinação intensa. Puxou o ar devagar como fazia
enquanto treinava. Estava há muito tempo só lecionando sem realmente
entrar em competições ou combates válidos e finalmente percebeu o que
Josh tanto falava sobre sua desmotivação em relação ao karatê.
Concluiu que realmente amava mesmo a dança e antes disso amava
Josh. Tanto a ponto de se dedicar a algo só por ele. Era parte de si, dedicar-se
por amor.
Ele levantou os olhos castanhos na direção de Felipe e formou sua base
com mais firmeza, agora que já havia mapeado os movimentos do ruivo
traçava as trajetórias possíveis em silêncio. Mesmo sem nunca ter lutado
com facas, ele era muito bom em perceber padrões em qualquer situação e
criar estratégias.
Isso também era parte de si, a inteligência metódica.
Mover-se como no karatê não adiantaria. Percebeu que precisaria de
algo da dança ali e não da arte marcial. Ele sorriu de canto pensando em
algo. Felipe estava estático em defesa, prestava atenção naquele homem a
sua frente com minúcia.
O moreno então avançou, usando a outra mão que não a armada para
bloquear a mão da frente do ruivo em uma agarrada firme. Ele, por sua vez,
percebeu o movimento e girou o pulso para sair do aperto. Ao mesmo tempo
que fez isso, Gabe estocou a faca.
Lento demais. Foi desviado com um tapa pela outra mão de seu
oponente. Como se já previsse isso, Gabriel sorriu soltando a mão que havia
agarrado primeiro e puxou a nuca de Felipe como se fosse beijá-lo,
desestabilizando o homem que não esperava ser agarrado ali.
A perna ágil do menor raspou o chão e o joelho dele subiu rapidamente
para acertar sua barriga.
Felipe pensou muito rápido: com a mão que bloqueou a de Gabe,
empurrou o joelho dele e, para sair da linha de ataque, jogou a própria faca
que segurava para cima, no ar. Seu corpo girou saindo da segurada em sua
nuca sem que o moreno conseguisse reagir, pegou a faca com a outra mão
enquanto ela caía e agarrou Gabriel por trás muito firme.
Uma de suas mãos apertou a dele, que segurava a faca, e a girou
puxando-a, cruzando-a sobre o seu corpo para não conseguir se movimentar
ou usá-la. Com a outra mão, Felipe prendeu a própria faca na altura da
lateral da garganta alheia, como se fosse estocar ali.
O moreno estava indefeso, era como se estivesse envolto nos próprios
braços. Havia caído em uma teia e era impossível se mover. Gabe arregalou
os olhos na direção do espelho vendo o olhar dourado o fitando pelo reflexo.
Aquele homem era realmente tão veloz que mal era possível pensar quando
ele se movia. Arfou e sorriu muito.
— Muito bem, gatinho, você me surpreendeu — Felipe sussurrou no
ouvido do moreno que, imediatamente, largou a faca que segurava. O baque
dela caindo no carpete foi abafado.
O ruivo girou o corpo de seu submisso, largando a lâmina que segurava
também. Agarrou-o pelo pescoço com as duas mãos, beijando-o com muita
excitação. Sentiu que o outro também o envolvia excitado, gemendo em um
miado arrastado. Estava sufocado de tanto desejo por aquele homem que mal
conseguia conter sua respiração entrecortada.
Gabe o puxava, enfiando as mãos por dentro da calça negra que ele
comumente usava quando estava em casa, e apertou sua bunda com força. O
ruivo arfou, empurrava-o para o chão com seu corpo esfregando-se nele.
Não pararam de se beijar enquanto se livravam das roupas que vestiam.
Nada mais importava. Nem a hora que passava ou qualquer arsenal de luta.
As facas foram chutadas para longe enquanto Gabriel escorria a língua
lambendo o peitoral de Felipe, que estava deitado no carpete.
Ele chupava sua pele ansioso, distribuindo beijos e mordiscadas.
Olhava felino para seu dominador quando abocanhou seu membro,
segurando-o com as mãos. Agora chupava-o com vontade e volúpia,
engolindo-o e melando muito com sua saliva, masturbava-o e acariciava toda
aquela região com os dedos, pressionando e arranhando-o nas coxas.
Felipe se apoiou sobre os cotovelos para ver melhor o homem que o
chupava, mas mal conseguia se segurar, jogando a cabeça para trás. Sua
visão estava turva pela vontade e força que aquele homem empregava na
sucção e sua boca molhada. Tremia muito, suado.
Gabe parou o que fazia e lambeu a virilha alheia, subindo velozmente
pelo seu abdômen e peitoral. Girou o corpo abrindo o guarda-roupa ao seu
lado e puxou o lubrificante que estava em uma das prateleiras. Encaixou-se
em seu colo, e, em seguida, lambuzou a mão com o fluido transparente.
Passou a sentar lentamente no membro dele.
Felipe arfou: a umidade excessiva de seus corpos melados de suor e da
saliva que havia lambuzado ali, além daquele último detalhe, faziam eles
deslizarem. Gabriel não precisava de preparação nenhuma, já estava tão
excitado que não conseguiria esperar nenhum segundo.
Sentou devagar, sentindo a pressão do corpo que o invadia espesso e
muito rígido. Gemia revirando os olhos, guiando membro alheio para dentro
de si com a mão. Felipe apertou as coxas alheias com muita força, tanta que
afundava em sua carne. Entrava em seu submisso devagar e cada vez mais
fundo. E, quando sentiu que havia o alojado por completo, Gabe abraçou o
corpo do homem abaixo de si.
— Eu quero que me foda com força, mestre. Muita força — ele disse
muito rouco no ouvido de Felipe, causando uma onda de arrepios intensos
pela espinha do ruivo. — Entendeu?
Esperaram por alguns segundos para que o corpo pulsante se adaptasse
no apertado espaço que tinha. Felipe rugiu sem se segurar ou conseguir
esperar mais. Posicionou as pernas para ter impulso e passou a fazer Gabriel
quicar em seu colo, entrando e saindo com muita força.
O menor em si ajudava no movimento, sentindo-o indo muito fundo e,
várias vezes, atingindo pontos dentro de si que proporcionavam tanto prazer
que se tornava impossível conter seus gemidos altos. O ruivo o puxou,
girando seu corpo, e praticamente o jogou no chão, tamanha violência.
Montou nele apertando as dobras dos joelhos e abrindo as pernas dele,
metia com força. Seus olhos estavam conectados a todo tempo, com exceção
quando fechavam pelo prazer que os invadia ardendo suas peles suadas.
Realmente deslizavam. O ruivo segurou seu submisso pelo pescoço
enforcando-o, e, com a outra mão, estapeou seu rosto com força sem parar
de estocar.
Gabe gemeu alto, não precisava estimular o próprio membro porque
sentia-se sublime, agora ele mesmo segurava as próprias pernas o mais
abertas que podia apertando a própria coxa.
— Assim? É assim que quer que eu te foda? — ele perguntou muito
grave, estapeou com força o rosto dele de novo. Gabe sorriu safado e lambeu
os lábios.
— Sim! Mais... — ele miou e agarrou o homem que estava em cima de
si para que caísse sobre ele com todo seu peso.
Amava a sensação de sentir o abdômen dele pressionando seu membro.
Ardia revirando-se com os chupões que Felipe dava em seu pescoço, os
antebraços dele agora o envolvendo por debaixo de seus braços, passando
pelas espáduas e puxando-o com as mãos pelos ombros.
Metia com tanta força que o baque de suas peles era audível e úmido.
Felipe arfava gemendo contra a pele de seu submisso e o fazia delirar: ouvi-
lo gemer daquele jeito era absurdamente excitante.
O ruivo se impulsionou para levantar. Não queria gozar ainda, apesar de
correrem contra o tempo. Saiu de Gabe e posicionou-se para girá-lo de
bruços. O moreno ficou nos quatro apoios instintivamente, sentindo o ruivo
encaixar-se atrás de si.
Ele empurrou a cabeça de seu submisso na direção do chão em um
choque forte e apertou o rosto alheio contra o carpete, a bunda dele ficando
mais empinada. Felipe riu e enfiou rapidamente, deslizando para dentro do
outro sem hesitar.
O submisso gemeu arrastado. Estava tão excitado e quente, suando e
ansioso por mais força que tremia sufocado. O som de suas respirações
pesadas recomeçou a ecoar com as estocadas fundas e fortes, Felipe
continuava empurrando a cabeça de Gabriel contra o solo quando enfiou a
mão nos seus cabelos o puxando para se arquear.
A saliva escorria da boca aberta dele enquanto tinha seu cabelo puxado,
estava arqueado sentindo sua bunda batendo contra as coxas de Felipe. Este,
por sua vez, estocava forte e o olhava pelo reflexo com os lábios
entreabertos, era animalesco, galgando violento e rude contra ele.
O moreno revirou os olhos com prazer: não aguentava mais, não via
mais nada. Sentiu um tapa intenso em sua bunda e depois outro, as mãos
dele eram muito pesadas. Perdia o rumo naquele ritmo, estava prestes a
gozar. Felipe apertou os olhos puxando-o mais pelos cabelos, agarrou a
cintura de Gabe e negou com a cabeça sentindo o suor escorrendo por todo
seu corpo.
— Eu não aguento mais, gatinho... — sussurrou sentindo-se gozar sem
controle.
O calor melado e de textura densa que ocupou Gabriel, assim como o
gemido muito grave do homem que o penetrava, fizeram ele explodir,
apertando o carpete que se apoiava. Seu gozo se espalhou pelo tecido escuro
e os dois caíram ofegantes um ao lado do outro.
— Porra, eu nunca vou cansar disso — Gabriel sussurrou, sorrindo
timidamente e Felipe assentiu mordendo o lábio satisfeito, concordava
plenamente.

✽✽✽

Gabe abriu a porta da entrada com sua expressão mal-humorada


habitual, havia acabado de sair do banho e tinha se vestido de qualquer jeito
com a camiseta de Felipe e uma bermuda. Os cabelos molhados ainda
pingavam um pouco, bagunçados.
As marcas roxas em seu pescoço eram chamativas por estarem muito
recentes e seu rosto ainda estava corado da transa violenta e intensa. Carla o
analisou da cabeça aos pés prestando atenção em como ele parecia afoito
com aquela expressão arisca.
Ela entrou sem cerimônias, batendo os saltos scarpin cintilantes contra
o chão, e reparou na casa bagunçada: havia cobertores na sala e a televisão
indicava ter sido finalmente utilizada, um pouco de pipoca ainda restava em
uma vasilha sobre a bancada, as xícaras de casal com resto de café ladeadas.
Era uma casa habitada pela primeira vez.
A morena sorriu muito satisfeita. Thiago cumprimentou Gabriel e sorriu
de canto reparando nos mesmos detalhes. Trocou um olhar com a mulher
enquanto via o rapaz que arrumava toda a bagunça rapidamente, como se
morasse ali desde sempre.
— E então, onde ele está? — Carla perguntou divertida, vendo-o
arrumando tudo muito agitado como uma pequena formiga irritada, o cenho
cerrado fingindo não estar envergonhado com aquilo tudo.
— No banho. Ele disse que vai se arrumar e já vem. Mandou vocês
esperarem — Gabe retrucou rudemente.
— Espero que tenha ficado tudo bem depois daquela cena que aquele
corvo desgraçado armou para te fazer mal — a morena disse incerta.
Gabriel grunhiu depois de dobrar o cobertor e passou a lavar a louça,
lembrar-se de Jonathan e de como ele havia pressionado Felipe naquela noite
para falar aquelas coisas o deixavam fulo e mais agressivo que o normal.
— Foda-se aquele fodido. Eu tiraria uma habilitação só para atropelar
esse desgraçado — o moreno resmungou esfregando as xícaras e a bacia de
pipoca com violência. Thiago deu uma risadinha e Carla assentiu
satisfeitíssima e muito séria.
— Ótimo — sussurrou.
Ela usava uma calça social de alfaiataria ajustada em sua cintura e blusa
branca de botões, além de um terninho que fazia conjunto com a calça por
cima, era a primeira vez que Gabriel a via vestindo algo que cobrisse
praticamente todo seu corpo e não as usuais vestes provocantes e marcadas.
Ainda assim, mesmo naquelas roupas formais, seu corpo estava muito
realçado, os seios fartos forçando os botões em sofrimento.
Um silêncio se fez enquanto Gabe continuava lavando a louça. Carla
parecia preocupada e contrariada, batucando as unhas na bancada que servia
como mesa na cozinha americana, havia se sentado em uma das cadeiras
altas.
Thiago parou ao seu lado apoiando os cotovelos na mesa, deslizou os
olhos sonolentos para o vão entre um botão e outro da sua blusa e suspirou
mordendo os lábios tentando se conter, silenciosamente.
— Eu não estou gostando disso. Tenho um mau pressentimento — ela
sussurrou para o companheiro.
Gabriel, que estava de costas para eles, virou um pouco o rosto
aguçando sua audição através da água corrente.
— Não se preocupe tanto assim, signora. Não é como se ele não tivesse
feito isso antes. Ele sabe se virar sozinho — Thiago falou baixinho.
Um estalo na pia se fez e Gabriel virou-se com os olhos arregalados,
desligando a vazão da água em um lapso.
— O caralho que ele vai sozinho! — esbravejou estarrecido ao apoiar-
se na mesa em um tom muito preocupado, estremeceu por completo sentindo
a ansiedade que ele vinha evitando há dois dias tomando conta de todo seu
corpo. Não conseguia mais fingir para si mesmo o medo, quase pavor, que
tinha de perder Felipe.
Carla bateu na mesa irritada e revirou os olhos em concordância.
Thiago suspirou percebendo que era inevitável, logo mais o submisso de seu
melhor amigo saberia daquele fato. Mais cedo ou mais tarde perceberia que
as coisas estavam muito mais delicadas do que ele jamais poderia supor.
— Por quê? Como assim? — Gabriel ecoava enquanto Carla arqueava
as sobrancelhas e arregalava os olhos apontando para ele com uma expressão
de “pois é”.
— Você já está com ele tempo suficiente para saber o quanto ele acha
que faz tudo melhor sozinho, esse arrogante do caralho. Já tentei argumentar,
mas você acha que ele me escuta? Claro que não! Não quer que a gente vá
com ele! Não quer nem o suporte de nenhum atirador ou assassino, ninguém.
Acha que só vamos atrapalhar ele, esse… — Carla disse.
— Vão me atrapalhar sim — Felipe disse friamente saindo do quarto —
E eu ouvi do que você me chamou.
Carla arregalou os olhos sentindo um calafrio tenso ao ver o amigo
saindo do quarto e cruzou os braços muito brava. Gabriel abriu a boca
perdendo todo o ar, seu rosto aqueceu a ponto de doer com o que via.
Felipe usava uma calça preta feita de um tecido grosso com bolsos
grandes nas laterais que parecia muito confortável, ajustada às suas coxas
fortes. Um coldre de perna pressionava uma de suas coxas e também servia
como cinto ao redor de sua cintura. Calçava coturnos pretos e pesados de
cano mais alto que os usuais. Além disso, seu cabelo muito rubro estava
perfeitamente penteado para trás, alinhado, com exceção de uma única
mecha que caía rebelde diante dos olhos dourados.
A camisa preta de botões que vestia tinha a gola da blusa levantada e,
ao redor de seu pescoço, pendia uma gravata conhecida: a promessa de
retorno. Ele ajustava as abotoaduras nos pulsos enquanto caminhava
lentamente, carregava na dobra de um dos braços um denso sobretudo escuro
que jogou sobre o sofá.
Ninguém, além do moreno, parecia surpreso com ele daquela forma,
Draco sempre se vestia assim em suas missões no decorrer de toda sua vida,
mas para Gabriel aquilo era excitante e sufocante a ponto de ele ter que
apertar firme um de seus pulsos para voltar a si.
— Claro que não iríamos atrapalhar, Felipe. Você estaria mais seguro
com pelo menos um atirador ao seu lado — Carla insistiu fortemente.
— Eu já disse que não. Eu sei o que eu estou fazendo e preciso que
vocês cuidem do Gabo por mim. Acionar os Aliados só ia chamar mais
atenção ainda do Jonathan e de quem continua achando que eu vou voltar
para a Ordem. Essa merda tem que parar — Felipe retrucou rudemente,
caminhando na direção de Gabriel. Parou na frente dele vendo-o encará-lo
com o cenho cerrado e os braços cruzados. Indicou a peça ao redor de seu
pescoço em um tom autoritário: — a gravata.
Gabe grunhiu mal-humorado e revirou os olhos. Pegou a gravata
ansiosamente e começou a fazer o nó lentamente, um toque firme de quem
não queria que ele partisse. Percebeu que a camiseta preta social de manga
longa que ele usava era comum, mas sob ela, em contato direto com a pele
do ruivo, parecia usar mais uma blusa de uma malha muito grossa que
protegia seu peitoral e abdômen como um tipo de armadura interna
intransponível e maleável. Perdia o ar sentindo-o tão firme e poderoso diante
dele, parecia inalcançável e absurdamente forte.
“Eu não quero que ninguém cuide de mim porra, você quem vai se
encontrar com pessoas que te odeiam seu desgraçado. Por que tem que
insistir em agir sozinho?” pensava irritadíssimo, planejando disparar essas
palavras nele assim que tivesse uma oportunidade. Não sabia se conseguiria,
tremia sem querer se afastar dele.
Sentiu vontade de chorar com medo de acontecer algo ruim com aquele
homem e apertou as sobrancelhas mais ainda, mordendo o lábio com muita
força. Felipe segurou seu queixo como habitualmente fazia e puxou o lábio
que estava quase rompendo.
— Eu não preciso que os dois fiquem aqui comigo, Felipe. Pelo menos
um deles podia ir com você. Além disso, até agora você já usou seu pessoal
várias vezes, que diferença faria mais hoje? — ele resmungou virando o
rosto para livrar-se do aperto em seu queixo. Arrependeu-se de imediato
vendo-o colocar as mãos nos bolsos. “Não! Me toque. Merda, eu sou um
idiota. Me toque, droga” pensou em agonia.
Felipe não tirava os olhos dourados de seu submisso muito corado e
nervoso, tremendo ao atar sua gravata.
— Acho que atrapalharíamos sim. A negociação é entre o Felipe e os
Barbosa. O Ganjo nunca foi um cara simpático, se aparecêssemos lá ele com
certeza acharia mais problemas para tornar isso hostil. E o documento que
eles enviaram diz que querem apenas uma retratação pacífica — Thiago
falou lentamente, sua expressão sonolenta sem dúvida escondia a
controvérsia de seus pensamentos. Aquilo que dizia era o que a lógica
guiava, além do apoio ao desejo de seu melhor amigo naquele momento,
mas seus instintos e experiência apontavam no sentido contrário.
Carla bateu na mesa de novo.
— Aquele desgraçado que se dane! Até parece que vocês acreditam que
isso vai ser pacífico como eles disseram, ele com certeza vai tentar alguma
gracinha — ela disse muito alto.
Gabriel desfez o nó e o recomeçou, não estava conseguindo se
concentrar pelo nervosismo que permeava suas mãos trêmulas e nem queria
se afastar do homem à sua frente.
— Chega. É por isso que temos um plano para cada possibilidade, Carla
— Felipe falou muito firme em um tom autoritário, encarando
profundamente a mulher à mesa, seus olhos dourados brilhavam como de um
dragão poderoso.
Carla bufou apertando os lábios, vencida. Um silêncio se fez quando
Gabriel perguntou repentinamente:
— Quem é Ganjo?
— Ganjo Barbosa. É o atual líder dos Barbosa. Na realidade ele é o
último Barbosa de sangue vivo. Não é nada demais — Felipe respondeu
devagar, segurando as mãos de Gabe, o olhou profundamente o acalmando.
O moreno finalizou o nó francês rudemente e ajustando a gola com as
mãos, continuou encarando aquele homem de perto sentindo uma
preocupação crescente. Felipe continuou com a voz doce:
— Vai ficar tudo bem, gatinho. Eu não entro em jogos que não possa
vencer.
— Vai se foder, Felipe. Por que tem que ir sozinho, porra?! — ele
retrucou irritado. Podia estar xingando, mas gritava com seus olhos que não
queria que ele fosse.
Felipe abriu a boca e a fechou sentindo-se desolado, também não queria
deixá-lo. Thiago suspirou percebendo que aquilo não levaria a nada. Tirou a
Escarlate de seu coldre e a bateu na mesa chamando atenção dos dois.
Era uma pistola negra com detalhes em dourado muito bonita. Gabriel
observou os relevos entalhados nela e alguns arranhões na lateral do cabo,
pareciam riscos sequenciados, pelo menos dez deles: uma contagem feita à
lâmina.
Felipe fitou a arma que havia devolvido para o amigo na noite de
outrora, quando enfrentaram Jonathan. Só de tocá-la lembrava de tantas
coisas que nem conseguia respirar. Pegou-a e girou na mão com os dedos
esticados sobre o gatilho, analisando-a clinicamente. Checou se estava
travada enquanto observava-a perfeitamente limpa e carregada.
— Obrigado por ter cuidado bem dela — sussurrou para Thiago, que
assentiu agitando as mãos para ele deixar para lá. Fitou Gabe em seguida, ele
o observava preocupado quando grunhiu com sua expressão arisca:
— Você tem mesmo que ir sozinho? — Gabriel perguntou. Felipe
assentiu.
— Hum.
O moreno respirou fundo e bufou, bagunçando o próprio cabelo,
contrariado.
— Foda-se, então ensine a ele que Orgulho e Preconceito é a porra de
um livro e não um filme.
Felipe riu e o puxou para abraçá-lo, tremia rindo baixinho enquanto
sentia o cheiro doce que vinha dos cabelos recém lavados de seu submisso.
Queria voltar para o quarto e ficar mais dias com ele ali, vendo filmes,
comendo pipoca, lendo livros, conversando, transando.
— Eu vou voltar, não se preocupe — ele sussurrou. Gabriel enterrou o
rosto em seu peitoral o abraçando.
— É bom mesmo — ele sussurrou de volta.
Carla revirou os olhos com a cena e bateu palmas debochada,
devolvendo a mesma reação que Felipe sempre fazia quando era ela e
Thiago quem demonstrava muito afeto.
— Lindo, lindo. Já que você é o fodão que não precisa de ninguém,
termine de montar seu arsenal e vá preparado até os dentes. Eles não vão
pegar leve, eu tenho certeza. Se você levar um tiro eu vou fazer tirarem a
bala de você sem anestesia.
Felipe levantou os olhos sádicos e insondáveis na direção da amiga,
lambeu o sorriso sombrio exibindo o piercing de sua língua, Gabriel
apertado em seu abraço parecia muito frágil como um gato irritado. Todo
seu. O moreno atracava-se a ele com as mãos em garras.
— Você sabe que ninguém acerta o que não vê, Carla.

✽✽✽
Felipe estava checando se estava com todas as suas facas no lugar, a
munição extra nos bolsos e tudo mais que precisava encaixado no coldre da
perna, ao redor de sua cintura e até nos tornozelos. Havia colocado também
um coldre ao redor de seu peitoral forte, que fechava na altura do diafragma.
Escarlate, sua arma, estava posicionada sob o seu lado direito e duas lâminas
cruzadas nas costas.
Gabriel estava sentado no sofá encolhido, tentava ler sem sucesso o
livro que havia pedido a seu dominador, mas mordia os lábios e se pegava
sempre admirando o belíssimo e agressivo ruivo que continuava focado em
seu preparo.
Felipe parecia calmo e frio, como se aquilo fosse habitual ao extremo,
era um verdadeiro profissional. Eles trocaram um olhar demorado: o homem
ajustava a gravata em seu pescoço distraído naqueles olhos castanhos
enquanto o submisso deslizava devagar as pontas dos dedos sobre a coleira
em seu pescoço.
Carla e Thiago insistiam em revisar alguns detalhes sobre as
possibilidades de acontecimentos e procedimentos a serem tomados sem
prestarem atenção naqueles detalhes dos dois.
— Se eles mudarem o lugar da negociação, dê um jeito de nos avisar
imediatamente. Sair do comício sem dúvida é indício de que não será
pacífico. Faça marcações ou o que for, mas precisamos te encontrar onde
quer que você vá. Seu celular está com a localização ativa, não o perca —
Carla repetia.
— Carla, não é a primeira vez que eu vou em uma negociação. Já chega
— Felipe murmurou muito frio. Revirou os olhos desconsiderando a
preocupação desnecessária da amiga enquanto ela grunhia irritada. Thiago
havia saído para falar ao telefone, precisava orientar seu próprio esquadrão
sobre outras missões que ainda estavam pendentes. Felipe continuou com
dificuldade: — aliás, obrigado por ficarem para cuidar dele.
Gabriel havia voltado a tentar ler o livro. Estava com o cenho muito
cerrado e não conseguia ouvir o que os amigos conversavam na cozinha, eles
falavam muito baixo. Carla suspirou.
— Ele é nosso amigo agora, claro que ficaríamos. Aquele corvo
desgraçado do seu irmão não é doido de aparecer aqui. Vamos fazer ele ficar
quietinho enquanto você estiver fora — ela disse baixinho.
Felipe sorriu debochado.
— O Gabo... Quietinho. — Deu uma risadinha.
Não sabia como falar para seu submisso que uma negociação poderia
durar muito mais que um dia. Que o comício provavelmente era só uma
distração. Carla prosseguiu em sussurros evitando chamar atenção de
Gabriel:
— E então? Parece que vocês se acertaram e você foi sincero com ele
sobre como se sente. Finalmente acredita que merece mais que um contrato?
Felipe sorriu de canto timidamente.
— Hum, não — ele respondeu com seu tom indiferente, dando de
ombros. Carla soou um “Argh” de desgosto. Ele encarou longamente o
moreno sentado no sofá, que mordia o lábio perdido nos próprios
pensamentos, encarava o chão com os olhos vidrados e as mãos ainda
tocavam na coleira em seu pescoço. — Mas eu sou egoísta demais para abrir
mão dele. Então não se preocupe, eu vou voltar vivo... Eu tenho porque
voltar.
Silêncio.
— Escolher gostar de alguém sempre é um ato um pouco egoísta,
Felipe — Carla falou baixinho vendo Thiago que adentrava pela porta da
frente com os cabelos ondulados revoltos à altura do ombro, parecia cansado
trabalhando em dobro naqueles tempos. Ela havia acabado de descobrir um
fato sobre si mesma e nem sabia ainda como contar ao companheiro, seus
pensamentos estavam sobrecarregados com os próprios problemas, mas
ainda se dedicava para colaborar com Felipe. — Não temos certeza se somos
o melhor, mas queremos ser mesmo que a gente falhe. E normalmente
falhamos.
Thiago se aproximou e estendeu a mão para a morena. Ela aceitou
levantando-se da cadeira alta na qual estava sentada, indo em direção aos
seus braços.
— Vamos lá para fora, deixa eles se despedirem — Thiago sussurrou no
ouvido dela ao abraçá-la. Carla assentiu.
Felipe ficou em silêncio vendo-os sair em seguida. Ele suspirou quando
finalmente estava só dentro da casa com Gabriel, não queria partir. Não
queria deixá-lo ali.
Sabia que Carla estava certa em preocupar-se, Ganjo não faria uma
negociação pacífica. Ele estava com dados importantes e muito bem
organizados sobre o desvio do cartel da família dele e todas as outras
gangues que dividiam território com ele, sem dúvida, fariam um grande
alvoroço se soubessem daquela situação.
Depois que os Tyrone pararam de fornecer a segurança financeira e
toda a proteção que o nome daquela família impunha para os Barbosa, eles
ficaram muito mais vulneráveis a negociações. Antes, sob a asa da família
centenária, eles não temiam nada nem ninguém, poderiam fazer o que
quisessem que as outras gangues aceitariam sem nunca protestarem. O ruivo
contava com a vantagem.
Ele se aproximou do moreno e se sentou ao seu lado, encarando o livro
que ele carregava aberto diante de si. Sorriu de canto quando o moreno o
encarou, as pupilas dilatadas e brilhantes. Parecia se esforçar muito para não
chorar e mal conseguia manter sua face corriqueiramente arredia.
— Está gostando? — Felipe perguntou indicando o livro com um
movimento de cabeça. Gabe deu de ombros em um suspiro e fechou o livro
em um baque.
— Não. Você disse que era uma história de amor e a personagem
principal já começa morta. Isso é horrível, Lipe — Gabriel disse irritado.
— É claro que ela tinha que morrer, ela é uma heroína. Heróis sempre
acabam mortos.
Gabe arregalou os olhos para o ruivo, seu rosto assumiu uma cor pálida,
quase acinzentada. Ele engoliu em seco, desviando o rosto e Felipe suspirou
percebendo a gafe. Odiou-se, xingando mil palavrões mentalmente por falar
algo tão inoportuno naquele momento.
— Gatinho, é só uma história, sim? Eu vou voltar antes de você
terminar de ler — Felipe disse muito suave, sua voz era doce, um tom que
ele usava só com Gabriel.
Estava cada vez mais habituado a ser ele mesmo com o moreno e
sentia-se livre para isso. O outro, por sua vez, parecia sempre se agradar
quando ele falava rouco daquele jeito, medindo suas palavras com cuidado.
Cuidava dele em cada tom.
Gabe suspirou irritado e bagunçou o próprio cabelo em um movimento
frenético.
— Acho que demoro mais uns dois dias para ler, então venha antes de
eu terminar a metade.
— Antes de terminar o livro todo — o ruivo disse muito sério.
Gabe apertou os olhos na direção do livro e depois encarou seu
dominador. Havia entendido, mesmo sem ele dizer, que as coisas podiam
sim se complicar e que ele poderia demorar mais que o esperado.
Era algo que não precisava ser verbalizado. Compreendia que era um
mundo muito mais complexo que o que ele estava habituado e qualquer erro
poderia ser fatal. Abaixou a cabeça tentando fugir do assunto.
— Esse tal de Ganjo Barbosa… É com ele que vai negociar? Ele é
muito perigoso? Por que ele odeia sua família?
Felipe ponderou por uns instantes, apoiou o braço no encosto do sofá e
começou a deslizar a ponta dos dedos num roxo intenso que se destacava na
base do pescoço de Gabriel. O menor teve um calafrio com aquele toque e o
outro continuou acariciando ali, vendo-o corar gradativamente, as muitas
marcas que ele tinha em seu corpo lembrando-o a quem pertencia. O ruivo
permanecia sério, ainda formulando uma resposta.
— Ele odeia minha família porque os Barbosa sempre odiaram minha
família. Mas eles não são os únicos e nem os piores inimigos. Desde a
fundação da Ordem os Castro não se dão bem com... Os Tyrone, uma das
famílias que ajudaram a fundar a organização há umas centenas de anos atrás
— Felipe parecia repetir de cor e salteado aquilo que já conhecia a vida toda.
Falar aquele nome ainda era um pouco estranho e perturbador para ele. Para
Gabriel era tudo muito novo e ele prestava atenção com os olhos apertados
em foco total.
— Os Tyrone eram muito poderosos antes. Mas eles não queriam
obedecer às regras de convivência da Ordem e se separaram, criando o
próprio império deles. Eles protegiam três famílias que também acabaram
virando muito poderosas por causa deles. Uma delas era os Barbosa.
Felipe suspirou, não sabia se devia continuar contando sobre aquilo,
mas também se sentia muito bem em compartilhar com Gabriel sobre algo
tão crucial em sua vida. Ele ficou em silêncio por um tempo e logo
prosseguiu, deslizando os dedos pela costa do moreno, invadia o vão entre a
camiseta e sua pele:
— Além dos Barbosa, os Tyrone protegiam os Genovise e... Os
Maranzano. — Felipe pigarreou. O nome daquela última família o irritava
profundamente, quase tanto quanto os Tyrone em si. — Então todos eles,
historicamente, odeiam o sobrenome Castro que eu tenho. A minha
existência é uma ameaça à deles desde sempre, mas isso só piorou com o
tempo. Eu... piorei bastante as coisas.
Gabe tremeu com o toque que o acariciava distraidamente, olhava nos
olhos dourados de Felipe e o sentia distante, ocultando coisas que não
poderia falar ou simplesmente não queria. “Talvez ele não esteja preparado
para dar mais detalhes...” pensou enquanto deixava o livro de lado.
Puxou a mão livre do ruivo e entrelaçou na sua apertando-o
firmemente. Os olhos dele pareciam ter sido tragados de volta à realidade
quando fitou a sua mão apertada na de Gabriel, tremeu olhando para o
homem que o observava com uma sobrancelha arqueada. Felipe sorriu de
canto, acalmando-o.
— Eles não são mais poderosos assim como eram. Dos Barbosa, só o
Ganjo está vivo. Os Genovise têm bandeira branca declarada e oficialmente
vivem em Zona Neutra, a família não se envolvia muito em conflitos e é a
mais neutra desde sempre, consequentemente é a que tem mais integrantes
vivos. E os Maranzano... Bom, só restou um filho da puta que era sortudo
demais por ser maluco. Acabou se salvando que nem o parvo do Auto da
Barca do Inferno, pelo simples fato de ser parvo — Felipe disse
sombriamente. Tudo aquilo parecia um enigma para Gabriel.
— E os Tyrone? — Gabe perguntou. Felipe o encarou com o olhar
sádico, uma chama estranha e assustadora ardia no fundo da menina dos
olhos dilatada.
— Todos mortos.
Gabriel suspirou. “Você os matou não foi?” ecoou na mente dele, mas
jamais perguntaria aquilo. Sabia a resposta. Ela estava estampada naquele
olhar assassino. Queria temê-lo. Uma parte sua muito animalesca sentiu que
deveria verdadeiramente recear aquele predador ao seu lado.
Porém, nada sentia senão uma paixão intensa e arrebatadora. Um
cuidado demasiado e bobo. E medo de perdê-lo. Muito medo. Sabia quem
ele era e não era uma pessoa má. Não ao seu ver. Confiava tanto nele, tão
plenamente, tão absurdamente que queria mesmo era protegê-lo de tudo e
todos.
Sentia-se privilegiado por ouvir sua voz doce e rouca cantarolando ou o
acalmando, vê-lo galgando devagar para expressar melhor seus sentimentos,
poder admirar a coloração intensa que assumia seu rosto quando ele estava
envergonhado. Queria aquilo só para si de forma egoísta e quase infantil, não
queria que mais ninguém visse ou tocasse. Era só dele.
Se Felipe era um monstro, era o seu monstro. E Gabriel sentia-se pronto
para também se tornar um monstro se fosse necessário para mantê-lo seguro.
— Eu sinto muito. Eu não consigo parar de sentir que é culpa minha
você ter invadido um território inimigo e agora ter que colocar sua vida em
risco para resolver essa porra. Não consigo parar de pensar que se você não
tivesse um contrato comigo você não estaria nisso — Gabe começou em um
tom irritado, parecia realmente raivoso, mas por dentro sentia-se pesado e
em culpa.
Felipe negou com a cabeça veemente, estava muito sério apertando a
mão dele. A outra que acariciava seu pescoço o agarrou ali segurando-o
firmemente na nuca, obrigando-o a olhar para si. Doía e Gabe gemeu
sentindo prazer com aquilo.
— Eu fui porque eu quis, Gabo. Eu sabia dos riscos e eu os assumiria
de novo se precisasse. Você está proibido de se sentir culpado, entendeu?
Gabe revirou os olhos em tons de irritação com deboche e Felipe
apertou os dele considerando como o puniria por aquilo no futuro.
— Um — ele ecoou em um sussurro muito assustador, marcando o ato
rebelde de seu submisso como um que realmente o irritava. Gabriel sorriu de
canto.
— Mandão pra caralho — ele sussurrou e se aproximou de Felipe
devagar, olhando-o provocativo com um sorrisinho safado. Ele parou muito
perto do rosto impassível de seu dominador, havia se soltado de sua mão e
deslizou as unhas pelos seus braços fortes. Ainda tinha a base do pescoço
cativa pelo ruivo que o apertava ali como um gato. — Já que eu não posso
sentir culpa só porque o meu mestre me proibiu, talvez eu me sinta melhor
se eu deixar você bem irritado e te obrigue a voltar logo só para me punir.
— Não brinque comigo, gatinho — Felipe retrucou, seu tom o
provocava a fazer exatamente o contrário.
— O que eu poderia fazer que realmente te irritasse? — Gabriel ecoou
como se estivesse pensando. Apertava os lábios e os olhos olhando ao redor
refletindo muito. Felipe sentia o seu cheiro tão de perto inebriando-o, queria
beijá-lo, ele grunhiu.
— Gabo… — ele alertou muito grave.
O moreno arregalou os olhos como se tivesse tido uma ideia muito boa.
— Já sei, talvez eu deva ir embora para minha casa e desobedecer a
essa sua ordem idiota de me prender na sua casa enquanto você não está.
Felipe largou o pescoço dele e o segurou pelo queixo com muita
violência, olhava-o agressivo e ardendo em desejo.
— Não ouse sair da merda dessa casa, Gabriel. Me obedeça. Só dessa
vez escute o que eu digo e colabore. Isso não é um capricho, é a merda da
máfia.
O moreno riu divertido, sentindo seu queixo doer. Foi empurrado
repentinamente e Felipe estava em cima de si, pressionando-o contra o
encosto do sofá. Invadiu sua boca em um beijo cálido e ardente, muito
sedento. Sentia o piercing de sua língua estimulando a sua própria enquanto
ele apertava mais o seu maxilar com a mão.
Gabriel jogou os braços ao redor do pescoço alheio apreciando, muito
excitado, aquele toque rude e grosseiro. Gostava como ele era agressivo e
intenso, muito mais pesado e maior que o comum com aquelas vestes táticas.
Queria tirar tudo dele. Queria que ele o fodesse ali mesmo, não hesitaria se
ele desse o mínimo indício que o faria.
Com a mão livre, o ruivo apertou levemente o membro rígido de seu
submisso contra o tecido fino de sua bermuda. Esfregava estimulando-o ali
em uma carícia ansiosa. Gabe rebolava na mão dele segurando-o pelo
pescoço e puxando-o para si, queria sentir seu peso e sua força do jeito que
mais gostava.
Felipe parou repentinamente e se afastou, jogando-se pesado no sofá, ao
seu lado. Se não parasse, ele não iria à negociação alguma.
— Se você fosse um negociador como o Thiago sugeriu, esse seria um
momento perfeito para você tomar minha arma ou me matar sem pensar duas
vezes porque eu estava muito vulnerável. Viu? — Felipe resmungou
brincalhão e Gabe arfou corado, sentindo-se excitado.
— Talvez eu devesse ter feito isso agora para não te deixar ir. Só que eu
só te mataria de tanto foder, se é que isso é possível.
Felipe corou e cobriu o rosto timidamente, rindo rouco de nervoso.
Gabe se ajeitou e apertou os olhos na direção do ruivo, com um tom
ameaçador e afetado de ciúmes:
— Espera, é esse tipo de negociação que você vai entrar agora? O
Ganjo é algum tipo de cara gostoso ou alguma merda assim? Olha para
minha cara, caralho, não me diz que ele é mais gostoso que eu! Não me faça
virar a porra de um assassino, Felipe. Eu não divido nada do que é meu.
O homem riu mais alto e muito divertido. Ganjo Barbosa era um
homem de meia idade, baixo e com quase cem quilos, a imagem dele na
cabeça de Felipe fazia-o rir descontrolado em uma crise. Aquelas risadas
altas destoavam completamente de sua aparência sombria com aquelas
vestes e armas todas.
Carla e Thiago entraram na casa ouvindo as gargalhadas estrondosas e
descontroladas, Gabriel ria também apreciando o som que definitivamente
mais amava no mundo. O casal se aproximou trocando olhares, nunca
haviam visto Felipe rindo tanto.
— Perdemos alguma piada? — Carla perguntou.
— Ah, não. Nada demais. Vocês já viram aquele filme? “Meu
dominador é um babaca”? Ou será que esse é a porra de um livro também?
— Gabe retrucou.
Felipe cobria o rosto com as duas mãos, não conseguia parar de rir cada
vez mais. Carla começou a rir também e até Thiago riu mais da cena inédita
daquele homem que conhecia a vida toda do que da frase sem sentido do
submisso. Nem parecia que antes eles vivenciavam uma atmosfera de
expectativa, medo e despedida.
Gabe cruzou os braços com o cenho cerrado, sua expressão mal-
humorada fazia o ruivo perder o rumo daquelas risadas. O maior o puxou e o
beijou entre um sorriso largo enquanto recebia empurrões e vários protestos.
— Eu estou falando sério, caralho! Mudei de ideia nessa porra! Eu não
vou para casa, vou ficar aqui! Mas vou passar o tempo todo que você estiver
fora treinando para usar essas facas em você quando voltar se ousar ficar
com outro cara! Para, Lipe eu estou falando sério! — gritava irritado contra
os beijos muitos que recebia.
Carla corou e cobriu a boca em uma risada surpresa arregalando os
olhos na direção de Thiago.
— Acho que devíamos ter ficado lá fora mesmo — o homem disse
baixinho à companheira, entre risinhos.
CAPÍTULO XXIII

Felipe usava sobretudo preto e havia colocado as luvas grossas de meio


dedo feitas de um couro denso. Estava sobre sua moto segurando o capacete
pronto para partir, a aura divertida de antes havia sido completamente
substituída por uma de seriedade e concentração. Estava focado e muito mais
motivado a partir para essa missão agora que pensava apenas no retorno.
Retornaria, não havia dúvidas.
Gabriel permanecia com os braços cruzados e a expressão brava. Estava
envergonhado pelo ciúme bobo que o havia tomado anteriormente,
principalmente depois da frase que Felipe havia sussurrado em seu ouvido,
sem que o casal de amigos o ouvisse, enquanto saíam da casa:
—Não se preocupe com besteiras, gatinho. Não existe ninguém no
mundo além de você para mim.
Aquela voz grave, tão perto dele assim o desmontava por completo.
— Vamos esperar você voltar. Se atenha ao plano, certo? — Carla disse
e Felipe assentiu indiferente, ajeitando a mecha ruiva rebelde para trás,
travou o maxilar em foco e encarou Thiago. O amigo assentiu entendendo o
olhar.
— 48 horas. É o limite — Aurora disse com sua expressão sonolenta de
sempre. — Passando disso, o sistema vai reativar em 100%. Esteja ciente.
Eu não vou te deixar morrer.
— Não vai ser necessário — Felipe respondeu e colocou o capacete
preto. Ele se virou para Gabe, que tremia silenciosamente fingindo
indiferença, muito irritado. — Antes do livro acabar eu estou de volta, leia
com calma.
Gabriel assentiu dando de ombros e mordeu o lábio olhando-o nos
olhos. O ruivo encarou os amigos em súplica, e disse por fim em um
sussurro:
— Cuidem dele.
Ele passou a marcha e arrancou com a moto sumindo na via. Carla se
espreguiçou e deu uma tapinha no ombro de Gabriel:
— Vai ficar tudo bem, eu que me preocupo demais mesmo — ela disse,
mas Gabe havia girado o corpo para entrar na casa muito irritado, não queria
falar com ninguém tomado por um mau humor intenso.
Queria pegar aquele maldito livro e lê-lo, devorá-lo, como se devorasse
as horas que passariam o quanto antes para Felipe estar de volta logo. Ele
odiava a fragilidade a qual estava sujeito. Sempre que se tratava de seu
dominador acabava daquela forma. Se pudesse mudar uma coisa no
relacionamento dos dois, definitivamente seria isso.
“Eu não quero que ninguém me proteja, eu odeio que me protejam. Eu
quero lutar ao seu lado, seu desgraçado” pensava enquanto entrava na casa,
seguido do casal de amigos silenciosos. Eles sentaram ao sofá, observando o
moreno que, da cozinha, se servia de café trêmulo e imerso nos próprios
pensamentos.
Ele pensava em como desejava ter nascido na Ordem, conhecê-lo desde
cedo e ter sido dele desde o início. Queria tê-lo poupado de toda dor e de
todo o terror que aquele homem havia enfrentado.
“Uma família que odeia a sua. Uma não... quatro famílias. Isso deve ser
grande coisa. Quase todos mortos. O que eles fizeram para você, o que foi
que arrancaram de você? Que tipo de crueldade esses desgraçados podem
fazer com você agora?” ele pensava em disparada sentindo a cabeça doer.
Organizava muitas teorias em sua mente e não tinha certeza se deveria
perguntar a Carla e Thiago sobre tudo aquilo. Não era mais questão só de
curiosidade, queria saber como ajudá-lo, como reconfortá-lo. Queria ser o
melhor para ele.
“Foda-se se é só um contrato, para o inferno. Eu não vou desistir de
você nem se você acabar com essa merda” pensava irritado sempre que a
insegurança de estar invadindo o espaço de Felipe o assolava de novo.
“Você mesmo disse que aquela merda toda que disse para o Jonathan
era mentira. Eu não vou me fechar de novo. Eu não vou. Não vou permitir
que a gente regrida. Já fomos longe demais. Você é meu, porra” ele bateu o
punho fortemente na bancada-mesa chamando a atenção da morena que
suspirou caminhando até ele.
Carla havia tirado o terninho que usava e enrolado a manga da blusa
branca na altura dos antebraços, um dos botões estava aberto revelando um
decote fundo de seios fartos. Antes que falasse qualquer coisa, Gabriel se
voltou para ela com a expressão selvagem.
— Eu preciso de uma informação. Eu realmente preciso dela agora —
ele disse enquanto também se debruçava sobre a mesa segurando sua xícara
de café. Thiago prestava atenção na conversa do sofá, um braço apoiado no
encosto e a mão no lábio.
— O que quer saber? — Carla apertou os olhos de raposa para ele.
Felipe havia dito para cuidar dele e oferecer tudo que ele precisasse, nunca
havia dito que não poderia ceder informações.
Ela sorriu sádica. Motivar os dois a ficarem juntos era algo que ela
estava muito empenhada em fazer, ainda mais depois de ver o amigo rindo
divertido como viu há pouco.
— Eu quero saber qual a relação da Diana com os Tyrone.
Silêncio.
Thiago deixou o braço escorregar em choque e a morena sorriu
prevendo aquilo.
— Carla... — Thiago falou em tom de alerta, mas ela não deu ouvidos.
Inclinou-se na direção do moreno apertando os olhos.
— Se eu te contar isso, você vai ter informações confidenciais. E isso
significa que você deve protegê-las até o fim sem nunca as entregar a
ninguém, nem sob tortura ou risco de morte. Ainda quer saber?
— Sim — Gabriel disse dando de ombros. Era adulto, destemido e
livre, tomava suas próprias decisões sempre de imediato sem pestanejar. Foi
por isso que Felipe havia se apaixonado também, então ele deveria saber que
aquele homem estava disposto a entrar de uma vez por todas na vida dele.
Custe o que custar.
Carla riu.
— É brincadeira. Não se preocupe, eu nem sei todos os detalhes
mesmo. Mas o Felipe sim... Talvez precise cobrir algumas lacunas da
história diretamente com ele.
— Carla... Não temos o direito —Thiago repetiu em alerta. Sabia que
não adiantaria em nada. Ela deu de ombros.
— Se ele sabe esses nomes é porque o Felipe falou deles, Thiago. Ele
quer a informação e sabemos como aquele cabeça dura tem dificuldade em
falar. Se vamos passar um tempo aqui esperando ele voltar, eu prefiro que
seja conversando. Além disso, já está mais do que na hora desse peso ser
dividido... Ele já o carregou sozinho por muito tempo.
Gabriel assentiu em concordância, indicando para ela continuar. Thiago
silenciou suspirando, deitou-se no sofá pensando se aquilo seria um
problema para Felipe. A mulher continuou:
— Hum, a Diana. Se você está perguntando dela é porque sabe que é a
mãe do Felipe. O que eu poderia dizer sobre a Diana? Dizem que ela era a
mulher mais forte e selvagem da sua geração. E antes que você pergunte,
não, ela não pertencia à Ordem. Na realidade, o passado dela é uma
incógnita. O que sei é que ela era líder de uma gangue muito violenta na
região dominada pelos Maranzano, ao norte de Kilife.
“Dizem que apesar de assustadora e muito rude ela também era
estranhamente sociável e atraente, fazendo muito amigos e inimigos. Enfim,
era realmente uma mulher notável. Ela era chamada de Lótus Dourada. Há
muitos boatos sobre como ela subjugava todos os homens por sua beleza e
força: ela era muito alta e tinha uns olhos dourados e aterrorizantes. Dizem
também que ela cintilava feito o sol com os cabelos loiros. E nunca hesitava
antes de atirar.”
Carla sorriu percebendo um sorrisinho de canto nos lábios de Gabriel.
Lembrava a Felipe, sem dúvida.
— Bom, para você entender melhor a relação entre a Diana e os Tyrone
eu preciso te contar um pouco mais sobre tudo, tudo mesmo, desde o início.
Gabriel assentiu e puxou uma cadeira. Sentou-se entretido, como se
mergulhasse naquela narrativa por completo. Talvez o livro de Felipe
devesse ser negligenciado por alguns instantes. A Moretti prosseguiu:
— A Ordem foi fundada, originalmente, por 5 famílias: Castro, Moretti,
Walton, Vertheimer e Tyrone. Porém, a rivalidade entre a família Castro e
Tyrone é antiga e existe desde muito antes de todos nós. Eles nunca se
bicaram, principalmente por serem competidores no mercado do tabaco. Isso
causou uma ruptura entre os integrantes de Classe A e os Tyrone preferiram
sair da Ordem e prosseguir sem seguir as regras da nossa seita.
“Uma geração antes da nossa, pouco antes de Ruan Castro assumir o
posto de grande líder, quando ele ainda era apenas um dos vice-líderes na
cúpula, começou um grande conflito reforçado por essa inimizade histórica
entre a família dele e os Tyrone.
A família Tyrone era poderosíssima, e tinha em seu entorno três
famílias, as quais protegia e apoiava. Elas eram envolvidas com o crime
organizado: Barbosa, Genovise e Maranzano. Ou, também conhecida como
Tríade dos Tyrone.
Além do negócio com tabaco que competia praticamente de igual para
igual com o dos Castro, o apoio das três famílias envolvidas com lavagem de
dinheiro, tráfico e venda de drogas além de cassinos e agiotagem era de
suma importância para elevar a família Tyrone, sozinha, na competição com
todo o complexo sistema de autoalimentação da Ordem. Só que, a família
Castro, que já era igualmente poderosa, também ascendia exponencialmente,
envolvendo-se cada vez mais com o submundo e tentando alavancar a
Ordem e se distanciando da disputa. Está entendendo?”
Gabriel assentiu. Felipe havia falado sobre isso mais cedo e agora isso
estava mais claro na cabeça dele. Carla continuava:
— O maior responsável para a Ordem pôr um fim na ameaça que era os
Tyrone foi o Ruan. Eu preciso admitir que ele foi bem ousado e pioneiro em
sair do lugar aristocrático que as pessoas de Classe A da Ordem se isolavam
por gerações, e se envolver diretamente com as organizações de Classe C e
D, além de incitar que mais pessoas de Classe A se tornassem colaboradores
táticos que fossem para os conflitos diretamente.
“Ele foi um dos primeiros a incentivar um fluxo de serviços da Ordem
mais interativo com os interesses deles. Naquela época, o Alberto Tyrone
liderava sua família e, começou a reforçar seus territórios, percebendo em
Ruan uma ameaça direta aos seus interesses econômicos e políticos. Além
disso, Alberto parecia realmente obcecado em derrubar os piores inimigos
dele: Ruan, e a Ordem em si. Dizem que ele era muito influenciado pelos
irmãos: Luísa e Fernando Tyrone.
E é aqui que entra o que você quer saber: Diana. Como eu disse, ela
liderava uma gangue e era muito notável. Não demorou para ela chamar
atenção pelas suas habilidades como atiradora. Os Maranzano, os donos do
território em que ela atuava, investiram pesado nela para que trabalhasse
para eles.
Esses fodidos... Eram a pior face que vivia sobre as asas dos Tyrone.
Era uma família de assassinos libertinos, sem escrúpulos. Estupradores,
pedófilos e todo tipo de perversão nojenta. Acredite, eram odiáveis. Era
muito difícil, até para alguém como Diana, fugir dos olhos maliciosos
daqueles desgraçados.
Mas em alguma ocasião o caminho dela cruzou com o de Alberto
Tyrone e ele se apaixonou perdidamente à primeira vista, fazendo dela sua
atiradora e braço direito. E ela aceitou trabalhar para ele, claro. Veja bem, ela
sairia no lucro defendendo o Tyrone. Qualquer coisa era melhor que servir
diretamente aos Maranzano.
Os conflitos entre o Ruan Castro e Alberto Tyrone se intensificaram por
causa dos territórios superprotegidos. O Alberto realmente queria piorar as
coisas para a Ordem. Isso dificultava o processo de venda de tabaco e todas
as outras transações do submundo. Além disso, era frequente os conflitos
entre os integrantes e protegidos da família Tyrone e os da família Castro,
gerando uma tensão generalizada dentro da Ordem: as pessoas de Classe C e
D, além das pessoas de Classe B que tinham negociações com os Tyrone ou
sua Tríade se sentiam no dever de assumir um lado da guerra travada entre
os dois líderes.
Muitas negociações começaram e falharam para amenizar o problema
entre os dois naquela época. Ruan estava resoluto de sua posição em
fortalecer a Ordem para que ela disparasse em dominar toda a região
metropolitana de Artemísi, e Alberto prosseguia firme em não se render
naquela corrida.
Em uma dessas tensas reuniões que ocorriam para solucionar o
problema das taxações e barreiras dos territórios, Ruan Castro conheceu a
Diana. Olha, eu conheço o Ruan Castro e ele parece feito de pedra de tão
insensível, Gabe. Mas dizem que, mesmo sendo… Indisposto para
relacionamentos, ele se apaixonou intensamente por ela. Eu chuto dizer que
ela não tinha medo dele. E eu a admiro muito por essa e outras razões.
Enfim, os conflitos entre a Ordem e os Tyrone se intensificaram. À essa
altura, Ruan Castro era o mais cotado para assumir o posto de grande líder,
substituindo Raquel Moretti, minha avó. Os acordos eram feitos e desfeitos,
os descumprimentos geravam retaliações e traições, o de sempre: execuções
mandadas e brigas constantes criaram uma guerra real e palpável.
Só que tudo piorou quando os boatos do relacionamento escandaloso
entre Diana e o temível Ruan Castro começaram a correr!”
Carla riu.
— Você consegue imaginar? Um amor proibido entre a mão direita do
Tyrone e seu pior inimigo? Parece que, secretamente, eles começaram a se
encontrar e com certeza não era para jogarem cartas, não é? Claro que não,
até porque ela acabou grávida. E de gêmeos! E sabemos quem são esses
dois. Ela acabou precisando fugir, porque foi jurada de morte pelos
Maranzano, que tomaram para eles a responsabilidade pela traição.
“Bom, foi aí que Ruan Castro assumiu Diana como sua protegida e a
isolou do mundo enquanto estava grávida. E a guerra mais que declarada
entre os Tyrone e os Castro encontrou o seu clímax.
Alberto provavelmente se sentiu traído por Diana e profundamente
magoado. Ele foi tomado por uma fúria intensa e tinha a decisão definitiva
de destruir a Ordem. Dizem que o conselho de anciãos enlouqueceu. Houve
um auge de conflitos que o Castro pai teve que segurar. Ele aguentou todos
que o diziam ser imprudente em assumir uma mulher sem sobrenome como
sua, ainda mais sendo a mão direita de um inimigo como o Tyrone.
Um caos estava instaurado. Mas então, algo surpreendente aconteceu:
depois do nascimento do Jonathan e Felipe, tudo cessou repentinamente.
Alberto Tyrone abriu mão de algumas taxações e se isolou da liderança de
sua família. Dizem que se isolou literalmente de todos em uma depressão
profunda.
Ele até estipulou que sua Tríade elegesse pessoas capazes para o
representar em negociações, sempre deixando claro a ordem expressa:
amenizar o conflito o quanto antes e acabar com aquela guerra. E isso é um
mistério que eu não entendo. Felipe sempre se negou a me contar a razão
dessa recuada repentina. E o Felipe quando se cala... Você sabe como ele é.
O que sei, é que o Alberto realmente usou do dinheiro e poder que
detinha cedendo às exigências da Ordem para que a guerra chegasse ao fim.
Isso acabou aumentando a moral de Ruan e da Ordem em si. E então a
guerra parecia ter acabado, os Tyrone foram derrotados. Ruan Castro foi
demandado como grande líder e assumiu seu posto em uma grande festa. Os
gêmeos que carregavam seu sobrenome foram iniciados como membros de
Classe A, mesmo que sua mãe não pertencesse à Ordem, tudo era alegria.
Bom... Pelo menos parecia. E eu queria que fosse só isso. Queria que
terminasse aqui. Mas aqui existe outra lacuna na história que eu não sei te
explicar. Eu não sei o que aconteceu após alguns meses do nascimento de
Felipe e Jonathan, mas a Diana fugiu de onde estava isolada com eles em
alguma ocasião. Há versões que dizem que ela foi sequestrada, mas isso o
Felipe já me confirmou que nunca aconteceu. Ela realmente fugiu, mas eu
realmente não sei o porquê.”
Silêncio.
Carla suspirou e abaixou a cabeça. Ela não queria continuar. A partir
dali tudo era dor. Tudo era o pior.
— E então? — Gabriel questionou com os olhos arregalados.
— Você pediu a relação dela com os Tyrone. Eu acho que já te respondi
— ela disse fracamente e olhou para o moreno que a fitava. — Gabe, tudo o
que aconteceu a partir daqui... Determinou muita coisa na vida do Felipe. E
na minha vida também. Você tem certeza que quer saber?
— Eu já disse que sim, Carla! Você mesma disse que ele já carregou
esse peso sozinho por muito tempo.
Ela suspirou profundamente e olhou para Thiago, ele ainda estava
deitado e parecia imerso nos próprios pensamentos. Quantas vezes ele
mesmo ouviu o ódio compartilhado de Carla e Felipe aos Tyrone e sua
Tríade? O resultado triste que ele conhecia muito bem era uma Carla
desolada, um Felipe cheio de ódio. A morena continuou:
— Pois bem, se é assim. Eu queria te fazer um pedido antes de
continuar. Eu queria que... Você tentasse ao máximo evitar falar nisso com o
Felipe. Ele sempre fica muito... mal, quando o assunto é a mãe dele.
— Claro — Gabe sussurrou encarando o café que havia acabado, a
meia lua fina e escura no fundo da cerâmica branca cintilava. Ele estava
imerso em tantos pensamentos que mal conseguia respirar direito.
Carla assentiu tomando fôlego para continuar.
— Pelo que eu sei, quando Diana fugiu, ela buscou refúgio com uma
ex-amiga de gangue, mas a localização dela foi vendida. Tinha tempo que
ela estava sendo caçada pelos Maranzano e pelos irmãos de Alberto Tyrone,
e eles estavam esperando só uma oportunidade para a destruir.
“Diana foi subjugada e presa, separada dos filhos e eles foram
imediatamente usados como moeda de troca. Quando Alberto Tyrone soube
do ocorrido ele ainda tentou interceder pela vida da mulher, tida como
traidora, e dos seus filhos, mas o grupo que estava com ela se rebelou contra
o líder, mesmo que fosse um Tyrone, e não aceitou devolvê-la.
Eles deram um golpe em Alberto. Luísa e Fernando Tyrone, seus
irmãos, representantes dos Maranzano, principalmente, além dos Barbosa e
dos Genovise se organizaram para negociar a troca dos gêmeos e de Diana
por um acordo de imunidade total dos Tyrone e seus protegidos dali em
diante.
Se a guerra entre as duas famílias não podia continuar, então eles
queriam uma carta branca para humilharem os Castro e a Ordem. Foi um
golpe de mestre. O Ruan não consultou o conselho, nem ninguém. Como
grande líder ele apenas aceitou.
O acordo foi feito e assinado sem pestanejar: a partir daquele momento
os Tyrone e sua Tríade eram intocáveis. Dentre os benefícios daquele
acordo, estavam que eles sempre teriam vantagem nas decisões sobre seus
territórios em acordos futuros. Não poderiam sofrer retaliações da Ordem em
caso de conflitos com a organização, entre outra grande lista de lucros. Esse
acordo ficou conhecido como acordo... Lótus Dourada.
Esse... Acordo... Esse maldito acordo…”
Carla deu uma risada crua, sem graça e fria. Ela abraçou o próprio
corpo e suspirou. Encarava Gabriel profundamente, ela mesma era uma das
pessoas que sofreram por causa da imunidade que aquele documento
representava.
— Depois que ele foi assinado, Ruan pôde receber os seus filhos em
segurança. Felipe e Jonathan estavam seguros e de volta ilesos. Mas... A
Diana...
A morena arfou desviando o olhar dos olhos arregalados de Gabriel.
— Parece que um grupo menor, motivado pelo ódio e desejo de
vingança, não se conteve. Eles se movimentaram para executá-la assim que
o documento foi acertado e a devolução prioritária dos bebês foi feita.
“Diana não foi só assassinada, Gabe. Ela foi estuprada e torturada. O
que sei é que não foi algo limpo, muito pelo contrário. Foi terrível e cheio de
ódio. Eles queriam se vingar e extrair dela alguma informação crucial sobre
Ruan Castro e a Ordem que fosse útil aos Tyrone e à guerra, queriam
despejar nela toda culpa de terem perdido a corrida pelo poder.
Quem ela pensava que era, não é? Era só uma mulher sem sobrenome
que veio das ruas e atrapalhou um conflito centenário entre duas grandes
famílias... Era só... Uma mulher.”
Carla engoliu com dificuldade. Ela também era só uma mulher, sentia
na pele como doía ser uma mulher naquele mundo.
— Mas não tiraram nenhuma palavra dela. Ela não entregou nenhuma
informação. Nada. Nenhuma violação de seu corpo. Nenhuma tortura. Nem
a morte. Nada fez ela trair o Castro. O acordo continuava valendo, os
gêmeos equivaliam a mais de 50% do valor de troca acordado, então a
imunidade já estava em vigor. Nem a Ordem e nem Ruan Castro podiam
fazer nada a respeito. E Diana... estava morta.
Gabriel estava de cabeça baixa, a meia lua de café estava mais rala e
clara fechando-se em um círculo completo. Suas lágrimas escorriam
silenciosas pingando no fundo da xícara. A voz de Felipe ecoava em sua
mente:
“São lembranças de um acontecimento horrível que eu era muito novo
para lembrar. Mas que eu sei como aconteceu porque... porque eu fiz quem
estava lá, fazendo ou testemunhando essas coisas horríveis, me contar”.
O moreno sentia uma dor intensa dentro de si. Ligar os pontos nunca foi
tão fácil: Felipe os caçara, todos os responsáveis por aquela tragédia sombria
e cruel. Um por um.
Como o havia feito, não sabia, mas tinha certeza de que aquilo tinha o
destruído por dentro no final. Havia convertido ele em um vingador. “Você
suportou tudo sozinho? Você ouviu, diretamente, dos próprios assassinos e
estupradores da sua mãe como eles fizeram isso com ela? Ouviu todos os
detalhes de novo e de novo? De todos eles?” Gabriel pensava nauseado, seu
corpo tremia e as lágrimas eram muito densas.
Sua cabeça doía muito. Percebeu que prendia a respiração para não
gritar.
Ele suspirou com dificuldade, tentando se recompor. Desejava que
Felipe voltasse imediatamente, seus pensamentos estavam caóticos e só ele
era capaz de aquietá-los. Nunca havia acreditado em deus, mas agora rogava
a qualquer coisa que existisse para proteger aquele homem.
Não era como se não estivesse intercedendo por sua vida em segredo
desde muito mais cedo quando o viu segurando aquela arma com uma
contagem sombria em seu punho, mas agora sua prece era praticamente um
grito em sua mente.
“Eu não sei como pedir, mas por favor, por favor, cuide dele. Por favor.
Por favor. Eu faço qualquer coisa, mas por favor, traga-o vivo para mim. Eu
imploro. Proteja-o”.

✽✽✽

O grande salão central da mansão dos Tyrone era alvo e tão iluminado
quanto um sol, os quadros com os rostos dos antepassados que carregavam
aquele nome fitavam eternamente estáticos os dois homens parados sobre o
símbolo da árvore de teixo do solo.
Alberto sorriu largamente e abriu os braços provocativo.
— Você está perdendo seu tempo, Castro. Se veio aqui tentar me
convencer a reduzir as taxações dos cartéis da Ordem de novo, pode ir
embora. Não vai acontecer. Kilife é minha.
Ruan suspirou e enfiou as mãos nos bolsos da roupa requintada e
obscura, tinha sua expressão pétrea e distante de sempre, o olhar baixo e
indiferente.
— Você é infantil, Alberto. Se continuar colocando pedágio e
dificultando o escoamento da minha mercadoria para dentro de Artemísi
você sabe que eu posso bloquear o seu escoamento para fora, pelo mar. Não
dificulte. — Sua voz tinha um tom inegavelmente cansado e indisposto, não
queria mais perder tempo com a infantilidade daquele homem. Alberto riu.
— Você se acha tão superior, não é? Sempre se comportando como se
eu precisasse de você.
Ruan deu de ombros indiferente sem alterar sua expressão fria. Não o
olhava nos olhos. Não olhava nos olhos de ninguém. Nunca.
— Você precisa.
Alberto fez uma expressão de choque e apontou para o homem. Riu
amargamente e balançou o dedo na direção dele. O mais alto, por sua vez,
permaneceu imóvel e imponente. Enquanto o Tyrone parecia mesclar-se com
o ambiente em seus trajes elegantes de tom claro e acinzentado, que
realçavam os olhos azuis quase cinza, Ruan destoava de tudo: vestia-se de
preto da cabeça aos pés, os olhos castanhos profundos e densos tanto quanto
seus cabelos de mesma cor perfeitamente alinhado para trás.
O som de passos ecoou, vindo de um dos quatro corredores que davam
acesso ao salão, cada um em uma esquina do cômodo. Ruan virou a cabeça e
estagnou sentindo seu sangue gelar, Alberto também encarou a mulher que
vinha em sua direção lentamente sorrindo debochada como sempre.
Ela tinha os densos cabelos loiros sobre seus ombros e espaldas, usava
a jaqueta de couro de sempre e jeans surrado além de botas pesadas e
barulhentas, a camiseta branca semitransparente maior que ela ainda
permitia marcar os seios fartos e o sutiã de renda atraía o olhar.
O Castro a acompanhou com o olhar suando frio, esforçava-se além do
normal para permanecer com sua expressão indiferente mesmo que seu rosto
insistisse em assumir uma coloração rubra. Ele encarou aqueles olhos
dourados estarrecido, como era linda. Não conseguia evitar.
A proporção da sua beleza estava para o quanto também era perigosa. A
mulher mascava um chiclete fazendo barulho e soprou um uma bola de
goma que estourou alto, tocou na arma na sua cintura como um aviso: não
me encare demais.
Ruan pigarreou e virou o rosto em respeito. Ela estagnou ao lado de
Alberto e cochichou algo em seu ouvido. Sorriu provocativa para o homem e
recuou para trás do seu chefe, dando mais uma encarada pesada no outro que
ainda evitava voltar a olhá-la.
— Olha só, eu acabei de ficar sabendo algo interessante. Enquanto você
está aqui tentando me convencer a recuar, a Moretti te nomeou como
sucessor oficial dela e te deu mais poder ainda além do de vice-líder, Castro.
Ruan apertou o cenho e virou o rosto surpreso na direção de Alberto. O
outro riu com aquela reação e prosseguiu:
— Ah, vai me dizer que você não sabia? Eu deveria te parabenizar pelo
seu futuro cargo?! Depois eu que sou infantil. É claro que a Raquel vai
querer que você assuma o lugar dela. Seu alcance financeiro e o que você
tem feito na integração com os colaboradores táticos levantou a sua moral,
você acha mesmo que eu vou recuar agora, Ruan?!
Silêncio.
O Castro desviou os olhos de Alberto direto para a mulher loira que
permanecia encarando-o com um risinho debochado de canto, mascava o
chiclete analisando todo aquele homem da cabeça aos pés. Ele corou,
constrangido, e desviou o rosto de novo: “Como ela sabe disso? Quem é essa
garota?”.
O Tyrone riu e bateu palmas divertindo-se.
— Eu te conheço a vida toda, Ruan. Eu sei o que está pensando. Quer
saber como minha atiradora conseguiu essa informação, não é? Que tal eu
fazer uma charada, se você acertar eu digo como a Lótus Dourada descobriu.
— Não me interessa — Ruan o cortou, estava cansado dos jogos idiotas
de Alberto. Ele sempre levava toda aquela guerra como uma brincadeira de
criança. “Lótus Dourada?” ecoou em sua mente acelerando seu coração. —
E pare de enviar essas merdas de jogos para eu decodificar, isso é
imbecilidade. Negocie como um adulto.
O Castro avançou sobre Alberto como se fosse atacá-lo e, por instinto, a
atiradora sacou sua arma, intrometendo-se no caminho. Ela apontou a pistola
engatilhada direto na direção do peito do homem pouca coisa mais alto que
si.
Ruan apertou os olhos em sua direção, intimidador, e segurou
firmemente as mãos da mulher a ponto de pressionar o cano de ferro contra
seu coração. Apertava os dedos dela corajosamente enquanto a encarava. A
loira sorriu abertamente e permaneceu firme.
— Não pague de corajoso, Ruan. Se eu mandar, ela atira — Alberto
alertou de trás da mulher. — Não brinque com a minha Lótus.
Diana permanecia estática e agressiva, pronta para puxar o gatilho.
Ruan deu uma risadinha sem graça e arqueou uma sobrancelha olhou na
direção do seu inimigo, brevemente.
— Lótus? — ele desdenhou e então a encarou. Olhar nos olhos das
pessoas era difícil, mas olhar nos olhos dela era absurdamente fácil. — É o
símbolo da minha família e nem por isso eu precisei me esconder atrás disso.
Eu não tenho medo de pessoas sem nome. Codinomes servem para quem
tem medo de assumir quem são.
Ela não parava de sorrir provocativa. Levantou o queixo e estourou
mais uma bola de goma contra os dentes. O som estalado e consecutivo
ecoando por todo o espaço. Era debochada, divertindo-se muito com aquilo.
O Castro voltou-se para Alberto, o qual agora ria forçadamente.
— Ah, certo. Então, “Ruan” é quem você é? UAU, que nome
intimidador. UAU.
Ruan suspirou exausto, largou as mãos da atiradora, mas não se moveu.
Enfiou os punhos trêmulos dentro dos bolsos e permaneceu encarando o
Tyrone.
— Se permanecer dificultando o escoamento da minha mercadoria para
dentro de Artemísi, seus barcos no porto de Iapraq vão afundar. Isso é um
aviso — ele disse friamente por fim. Ouviu a loira à sua frente arfar baixinho
e a fitou sorrindo levemente de canto.
O homem recuou um passo e depois outro, desgrudando-se da ameaça
dela lentamente. Virou-se para ir embora, mas antes de partir girou os
calcanhares e apontou para Alberto.
— Ah, e não, Alberto. Não é do Ruan que você tem que ter medo. É do
Castro.
Ele fez uma mesura de despedida para o inimigo e Alberto deu uma
risada amarga e incrédula, sem notar a última olhada pesada e sedenta entre
a sua própria atiradora e aquele homem elegante.

✽✽✽

Ruan colocou um cigarro na boca e começou a tatear os bolsos atrás do


seu isqueiro. Seus subordinados o cercavam aguardando-o ao lado do carro.
A via movimentada ignorava os homens na rotina do norte de Kilife, o
cheiro de gasolina e fumaça mesclando-se ao denso e quente do mormaço.
— Cadê essa merda... — o Castro ecoou ainda com o cigarro entre os
lábios.
Um som estalado de isqueiro acendendo se fez simultâneo ao romper da
bola de goma.
— Está procurando isso, bonitão? — ela disse se aproximando. Exibia
o isqueiro prateado em uma de suas mãos: o desenho do lótus de mesmo tom
frio desenhado ali.
Os subordinados de Ruan formaram a guarda ao redor de seu suserano.
Ele arfou com aqueles olhos dourados sobre si de novo, um tremor
elétrico se espalhando pela sua espinha.
— Você...
Ela jogou o isqueiro na direção de Ruan e ele aparou o item com
dificuldade. “Como?” pensou encarando-o em suas mãos. A Lótus riu.
— Você é meio desatento. Deixou ele cair no jardim um pouco antes de
se reunir com o Alberto. Você estava fumando sozinho lá, não estava?
O Castro apertou os olhos, tinha certeza de que não havia ninguém ao
seu redor enquanto fumava no jardim da mansão, mais cedo. A mulher deu
de ombros rindo.
— O que foi “Caaastro”? Está surpreso? — Ela alongou o nome dele
debochada e sombriamente, arregalando os olhos e balançando a cabeça,
faziam um tom diferente e mais misterioso ao pronunciá-lo. Parecia ironizar
o quão aterrorizante deveria ser aquele sobrenome. A loira riu de novo e se
aproximou mais.
Os subordinados enfiaram-se no caminho. Ruan grunhiu.
— Recuem.
— Mas senhor... — um dos homens disse protestando, mas recebeu só
uma expressão autoritária, incisiva e pesada como resposta.
— Recuem — Ruan repetiu entredentes. Eles obedeceram.
O homem deu um passo à frente e guardou o cigarro e o isqueiro em
seu bolso, analisou o rosto perfeito daquela mulher. Estavam perto demais.
— Eu perguntei o que foi... “Caaastro”? Perdeu mais alguma coisa? —
Silêncio. Ela o analisava lentamente e debochada. Sorriu sensual. — Você é
mesmo bonitão. Mais ainda de perto.
Ele travou o maxilar.
— Você não é muito de falar, né? Eu falo muito — ela disse.
— O que você quer?
A mulher riu.
— Quem sabe? Talvez eu tenha vindo aqui atirar em você por ser um
babaca. Talvez eu tenha vindo aqui só devolver seu isqueiro. Talvez eu
queira esfregar na sua cara que eu não me escondo atrás de nenhum
codinome, quem sabe? A culpa não é minha se me chamam assim. — Ela
deu de ombros. — Também tem a possibilidade de eu querer te dar uns
beijos, mas vamos ver...
— O Alberto te mandou? — Ruan perguntou desconfiado, por alguns
segundos vacilou devaneando em beijá-la e isso o desestabilizou
completamente.
A loira arqueou uma sobrancelha, não parava de sorrir. Isso incomodou
o Castro, ela parecia irritante demais.
— Você é idiota, bonitão? Não ouviu o que eu disse?
Silêncio.
— Meu nome é Diana — ela disse por fim e se aproximou mais um
pouco, colidindo inevitavelmente com o seu corpo no dele. Ruan
estremeceu, mas permaneceu estático e inexpressivo, sentindo os seios dela
roçando no seu peitoral. — Me chamam de Lótus Dourada na minha gangue,
mas eu nunca me escondi atrás disso. Eu sei muito bem quem eu sou...
“Caaastro”.
Ela debochou e recuou. Ruan assentiu entendendo o recado.
— Certo... E o que você quer... Diana? — Ruan gaguejou.
Ela percebeu a variação em sua voz e sorriu mais ainda.
— Sair para beber. Com você.
— Eu não bebo.
Ela grunhiu e revirou os olhos.
— Então para comer, me leve para comer um hambúrguer.
— Eu não como hambúrguer.
Diana riu.
— Que riquinho mimado, impossível de agradar. Ok, você não precisa
comer hambúrguer. Só me pague um — ela disse e se afastou na direção das
motos estacionadas um pouco atrás do carro do Castro.
O homem a acompanhou com o olhar atônito, sem reação. A seguia
com os passos vacilantes, atraído pelo calor e energia que emanava dela,
estava hipnotizado.
Diana pegou as chaves do bolso da sua jaqueta e montou na sua moto,
tirou o capacete preso ao guidão e jogou os cabelos loiros e volumosos para
trás em um movimento sensual. Voltou a encarar Ruan sorridente.
— Me encontre hoje às 19 no Lulu’s, vamos jantar juntos — ela disse.
— Ou será que você tem medo de uma atiradora, “Caaastro”?
Colocou o capacete, risonha, e piscou com os olhos dourados como
mel. Arrancou na moto e sumiu em meio aos carros da via. Ruan
permaneceu estático vendo-a se afastar, seu coração batia muito forte. Estava
sufocado. “Quem é essa mulher?” pensou engolindo em seco.

✽✽✽

— Senhor, tem certeza? Pode ser uma armadilha. Na verdade... É quase


certeza que é...
Ruan saiu do carro ignorando-o, mas o subordinado o seguia
angustiado. Ele estava completamente diferente de mais cedo: usava uma
blusa de gola alta escura e calças leves de alfaiataria além de seu sapato
social mais simples.
Tentava ser o mais informal que conseguia, mas continuava tão
imponente e classudo quanto sempre com o grande sobretudo pesado que lhe
conferia a aparência assustadora habitual.
O cabelo castanho estava um pouco desalinhado e ele parou diante do
reflexo do vidro da janela do carro arrumando os fios e depois os
desarrumando mais uma vez. Suspirou vencido pela impossibilidade de se
sentir melhor consigo mesmo, iria assim mesmo.
— Senhor… — o subordinado insistiu, mas foi completamente
ignorado. O Castro avançava cada vez mais na direção do bar movimentado.
Já estava escuro e o horário combinado marcava quase certeiro.
— Volte para o carro e me espere lá — Ruan mandou sem pensar e
entrou no local sem cerimônias, sozinho.
Lulu’s era um bar comum: sujo, mal frequentado e barulhento. Fedia e
aparentemente o que teria sido um alvoroço de uma briga havia destruído
metade das garrafas de bebidas feitas de vidro. Estava tudo espatifado. As
cadeiras quebradas e bancos derrubados em um caos da desordem.
Os funcionários tentavam limpar tudo com dificuldade, três homens
brutamontes estavam severamente feridos em um canto e tentavam cuidar
dos cortes ensanguentados, encolhidos e amuados. Uma mulher grande e
gorda marchou na direção do Castro apontando para ele. Era a proprietária
do bar.
— Ei! Você! É você mesmo! Você é o tal do... “Caaastro”, não é? — ela
disse agressiva, tentando pronunciar de forma alongada e esquisita como
Diana havia feito mais cedo.
— E-eu... — Ruan começou recuando um pouco, todos agora olhavam
para ele. A mulher o encarou ameaçadora.
— Não me interessa se seu nome é esquisito de pronunciar assim
mesmo, a conta é sua! — ela disse e tirou um pedaço de papel do bolso, o
entregou com violência e apontou para o caixa. — A Diana comprou briga
de novo e dessa vez ela foi longe demais! Tá vendo os três imbecis ali? Ela
surrou todos eles e quebrou tudo que era meu! Agora pague!
— Mas o que eu... eu não...
— Ela disse que você ia pagar!
Ruan riu incrédulo e, negando com a cabeça, estendeu as mãos
acalmando-a. Olhou o pedaço de papel com o valor alto dos gastos de bebida
e mais os danos ao patrimônio detalhados em caneta.
O homem foi até o caixa e pagou tudo silenciosamente, ainda sem
conseguir tirar o sorriso do choque de sua face. Fez uma mesura para a
mulher gorda como quem se desculpa ao sair. Ela, por sua vez, grunhiu
revirando os olhos.
Do lado de fora sentiu a brisa noturna o açoitar e suspirou.
— Ela ainda está brava? — A voz de Diana chamou a atenção do
homem, fazendo-o pular assustado. Ele recuou tropeçando alguns passos
enquanto a procurava. Não estava em lugar nenhum ao redor. — Aqui em
cima, bonitão.
Ruan olhou para cima e arregalou os olhos: ela estava sentada nas
escadas de incêndio que davam vazão ao prédio acima do bar, sorriu
abertamente para o homem abaixo de si e escorregou lentamente para descer.
Era muito habilidosa e, em um salto, conseguiu pousar no chão como se
fizesse aquilo todos os dias.
— É assim que estava me espionando mais cedo? — Ruan perguntou
com a voz rouca e incerta.
— Eu gosto de escalar coisas. É divertido — ela retrucou e fez um
movimento com a cabeça na direção do bar. — Você não se importou de ter
pagado uma mixaria daquelas, né? Aqueles babacas sempre tiram com a
minha cara e eu não estava de bom humor hoje.
O homem se aproximou estendendo a mão na direção do rosto dela.
Diana recuou surpresa com aquilo e estagnou sentindo os dedos dele
roçando levemente no único corte que havia ganhado naquela briga, uma
linha rubra em seu pômulo. Ele franziu o cenho e voltou a encarar o bar
como se considerasse voltar lá dentro e matar os homens.
— Está tudo bem, não foi nada — ela disse e segurou a mão de Ruan
em um lapso. Os dedos dela estavam frios, parecia um pouco nervosa. —
Vamos, você está me devendo um hambúrguer.
O Castro a encarou, não conseguia dizer nada. Seus olhos brilhavam e
seu rosto tinha uma coloração rubra intensa. Diana riu apertando a mão dele.
— Você é caladão, mas a sua cara entrega tudo que está sentindo.
— Não é verdade — ele falou travando o maxilar. A loira negou com a
cabeça e o puxou, o homem a acompanhou cedendo sem nenhuma
resistência.
— Sei, sei. Vem logo, bonitão, vou te mostrar o melhor hambúrguer da
região. Mas não significa que é o mais higiênico, então apenas ignore essa
parte!
Ele sorriu e a acompanhou em hipnose, apertava as mãos dela como se
fosse o último calor do mundo. A criatura mais preciosa de sua vida. O
homem estagnou de repente e ela olhou para trás sorrindo como sempre.
— Diana...
— Que foi, “Caaastro”? — ela debochou e riu alto. — Vamos logo!
Ele não se moveu.
— Diana...
Silêncio.
Tudo parecia muito cinza, desfazendo-se.
— Diana...
Ruan soluçou sentindo frio.
— Diana...
Ele saltou na própria cama. Não tinha mais 25 anos. Não era mais tão
jovem.
— Diana... — repetiu em um lamento, não conseguia conter as
lágrimas. — DIANA...

✽✽✽

De uma memória perdida e qualquer...

Existir era mesmo doloroso e ela sabia disso desde sempre. Sabia que
amava, sabia que esse era seu principal e pior erro. Havia jurado que não
amaria ninguém além dela mesma. Tinha que ser forte graças à dor que
havia visto ao seu redor durante toda sua vida. Crescer nas ruas era mesmo
um inferno, ainda mais para uma mulher. Para uma mulher bonita era uma
sentença de morte.
Precisava ser forte, maior, melhor. Precisava de dinheiro, de poder, de
qualquer coisa que afastasse tudo e todos. A fragilidade não era uma opção
para quem quer que quisesse sobreviver naquelas condições. E ela não era
frágil.
Mas era algo pior: era leal. E amava um homem poderoso demais que
estava consumido por um medo infundado. Amava o fruto que colheu
daquele amor e faria qualquer coisa para proteger as únicas três criaturas que
um dia prezou.
Diana chorou mórbida enquanto era ferida, invadida e xingada. Quantas
culpas ela levou? A quantos pecados e misérias ela foi associada? Tudo
estava sobre ela. Todos estavam sobre ela. Não sentia mais o próprio corpo.
Pensava apenas nos filhos, como se os visse em uma luz dócil e muito
clara que cintilava através das lágrimas: o pequeno Jonathan parecia com o
pai, o tufinho escuro sobre sua cabeça arredondada, centrado e silencioso,
mal chorava e era muito dócil e amoroso.
Felipe parecia com ela, escandaloso por tudo e sorridente ao extremo,
vivia no colo e parecia um sol com os cabelos loiros alvoroçados
engatinhando explorador. Lembrou-se deles dormindo abraçados a ela,
envolvidos em seu colo quente e protetivo; e dos olhinhos cada vez mais
dourados de ambos, os quais lembrariam eternamente os dela para Ruan.
Quanto tempo levou? Não sabia. Morreu assim. Sozinha no cômodo
escuro e fétido, os cheiros de fluidos, suor e sangue em uma cena trágica e
doentia. Não estava ali naquele lugar sombrio. A luz havia tomado uma
proporção imensa, criando uma cena que existia apenas em sua cabeça
delirante. Sentia o cheiro do café da Baba, via a bela paisagem bucólica que
rodeava a Fortaleza, a casa de veraneio dos Castro. Ouvia a risada rouca de
Ruan e sentia seus beijos quentes.
Como era linda a visão daquela residência onde havia vividos os
melhores momentos de sua vida, o mundo nem parecia existir depois da
grande montanha que a escondia. Ela amava aquela montanha e tinha muitas
pinturas dela. Diana amava pintar.
Naquele sonho, seus bebês engatinhavam livres pelo carpete ensolarado
em uma prenuncia de um futuro feliz, onde os veria crescer, aprender a andar
e, tão logo, correr.
Ensiná-los-ia a ler, a cantar, a dançar, a viver. Estaria com eles dali em
diante por toda a eternidade os envolvendo e os amando. Estaria presente
quando se rebelassem, nas tristezas da vida, quando amassem pela primeira
vez e tivessem seus corações partidos. Os consolaria e daria conselhos como
uma mãe deveria fazer.
Diana via isso, enquanto sentia as lágrimas frias escorrendo de seu rosto
inerte. Mesmo que não estivesse mais presente, ainda sim estaria, seu
espírito os protegeria.
Sua lua solitária e seus dois pequenos sóis. Amava-os mais que tudo.
Ela podia ouvir suas vozes quando pudessem falar e sabia que diriam que a
amavam, seriam para ela a família que nunca teve e a esperança em
prosseguir. E esperança era a última sensação que viria a sentir, não medo.
CAPÍTULO XXIV
...

O entardecer era colorido em tons de ocre e púrpura que tomavam


gradativamente o céu, tornando-o cada vez mais escuro. As ruas estavam
movimentadas, mas, conforme Draco avançava acelerando em sua moto, os
prédios e residências modernas eram substituídos pelos casarões vetustos do
bairro histórico a oeste de Tanrisa. Ele era próximo da costa e da praia sendo
menos movimentado e isolado do centro comercial e habitacional.
O vento que vinha do oceano açoitava as ruas cada vez mais gelado, a
maré estava enchendo e a ressaca das ondas emitia sons surdos de baques
intensos da água contra a areia. O grande casarão de arquitetura antiga aos
moldes da Belle Époque era ladeado por muitos outros, e estava iluminado
do lado de fora por holofotes amarelos embutidos no chão. Daquela forma, a
construção assumia uma aparência majestosa e muito sofisticada.
Draco estacionou a moto e tirou o capacete, deixando-o ali mesmo.
Ajustou o sobretudo preto que lhe conferia uma aparência muito elegante e
misteriosa enquanto caminhava em direção ao local. As pessoas pomposas e
igualmente bem-vestidas chegavam silenciosas, passando pela segurança da
porta enorme que era a entrada.
Muitos homens em vestes sociais impecáveis desciam de limusines
acompanhados de belas mulheres com vestidos longos, ambos cercados de
capangas grandes e mal-encarados. Ali parecia ocorrer uma discreta festa da
aristocracia, e música abafada podia ser ouvida sempre que alguém entrava
pela segunda porta do lado de dentro.
O salão onde ocorriam os comícios normalmente eram isolados por
paredes à prova de som dentro de casarões insuspeitos e isolados como
aqueles, evitando assim chamar atenção dos transeuntes em caso de conflitos
internos.
O ruivo parou antes de chegar à entrada em uma estagnada repentina.
Dois homens agressivos e ladeados bloquearam a sua passagem, encarando-
o profundamente. Eles tinham expressões sérias e eram tão altos quanto
Draco, estavam armados debaixo das vestes sociais, claramente.
Olharam-se de perto por alguns instantes. Draco entendia plenamente o
que era aquilo. Ganjo Barbosa certamente não tinha intenções amigáveis se
queria que a negociação trocasse de local, armas de fogo eram
expressamente proibidas dentro do salão do comício.
Os homens indicaram um carro preto estacionado no meio fio, que tinha
a porta recém-aberta ao lado, e ele acatou entrando nos bancos de trás.
Sentou-se entre os dois capangas sorrindo ladino, achava engraçado tudo
aquilo. Matar aqueles homens todos de tão perto assim seria tão fácil que
chegava a ser ridículo. Como queria que aquilo acabasse logo e voltar para
casa, então colaboraria.
Afinal de contas, a mudança de local era uma possibilidade que havia
sido prevista nas muitas reuniões que tivera com Carla e Thiago para
preparar aquela negociação de forma completa. Ponderou por instantes,
sabia que seu celular estava no bolso e começou a considerar se realmente
conseguiria e deveria avisar sobre a mudança de local. Justamente enquanto
pensava nisso, o homem ao seu lado estendeu a mão sombriamente.
— Celular. Qualquer aparelho de localização. — O ruivo arqueou uma
sobrancelha para ele e o homem movimentou a mão fechando-a e abrindo.
— É isso ou suas armas.
Draco grunhiu indiferente com aquilo e entregou o celular para ele. O
homem o jogou pela janela quando o carro arrancou. Não importava,
preferia mesmo não avisar sobre a mudança de local e arcar sozinho com as
consequências.
Seguiram velozmente pela costa na direção do píer. Uma região de
hangares onde antes funcionava, há muito tempo atrás, o complexo portuário
daquele bairro antigo. Ali, naquela região necessariamente, nem a Ordem e
nem a Tríade, ninguém mandava além dos mercenários.
Draco sorriu percebendo o direcionamento do carro: a Zona Neutra do
Oeste.
Diferente do comício, no qual a Ordem mediava e dominava todas as
negociações, na Zona Neutra os mercenários eram a lei. Normalmente
quando precisavam fazer acordos não pacíficos, tanto a Ordem quanto outras
organizações menores tinham por escolha aquelas regiões.
Os mercenários tinham um código de conduta impecável e nunca
intervinham nas negociações, servindo como mediadores para que todos os
acordos fossem cumpridos, seja com base no diálogo ou com base na
violência.
Draco preferia violência. Violência era mais rápida e ele tinha pressa
para voltar.
Quando chegaram ao local amplo e desceram do carro, o ruivo sentiu o
cheiro de ferro e sal que vinha do mar e pôde ouvir as gaivotas que
raramente piavam no escuro que já começava a cair denso.
Diante dele viu a fileira de galpões enormes e sequenciados no decorrer
do hangar, sabia que a negociação já tinha começado enquanto seguia os
homens. Seria uma longa noite.

✽✽✽

O grande galpão à beira do cais tinha o teto alto em telhas acinzentadas


e surradas pelo tempo, e uma sequência de exaustores industriais fomentava
a ventilação girando devagar no topo. Além disso, havia pequenas janelas
gradeadas nas laterais superiores de toda a construção.
Grandes lâmpadas amareladas que pendiam de fios descascados
tornavam o ambiente parcimoniosamente iluminado, gerando muitas
sombras. Havia muitos caixotes enormes de madeira empilhados e
espalhados por todo amplo ambiente de terra batida e galões de metal
pesadíssimos contendo combustíveis esquecidos, assim como entulhos
entupiam o local, sobrecarregando-o.
Parecia um depósito ou um esconderijo. A maioria dos outros galpões
do píer eram assim, quando não estavam cheios de escombros de peças e
mercadorias esquecidas do antigo porto fluvial que existia ali antigamente,
estavam totalmente vazios e abandonados, servindo apenas como local de
negociações. Espaço para acordos e violência, segredos do submundo.
Draco caminhava lentamente ladeado pelos dois homens.
O ruivo mapeou todo o local e sorriu de canto, não poderia ser um
espaço mais favorável a ele. Os muitos caixotes distribuídos na amplitude do
ambiente, sem possibilidade de manter franco atiradores o alvejando de
cima, facilitava tudo. Era um campo livre e perfeito para a caçada.
Ele continuou contabilizando seus possíveis oponentes com aquele
olhar de dragão e sua audição aguçada. Além dos dois atrás de si, que a essa
altura já haviam se tornado quatro vindo das laterais, viu Ganjo Barbosa que
estava parado em uma clareira ao lado de Andrey Maranzano.
Desconsiderou esses dois como oponentes válidos e prosseguiu sua análise.
Atrás de Ganjo e Andrey, cinco homens estavam de guarda. A
contagem aumentou: seis, onze, quinze. Sim, quinze: mais quatro homens
apareceram, dois de cada lado, flanqueando-o e acompanhando-o em sua
caminhada em direção ao chefe dos Barbosa.
Havia mais. Dois indivíduos estavam mais à direita, isolados e alheios à
negociação: um homem parado diante de uma pilha de caixotes parecia
segurança pessoal do outro que, no topo das estruturas de madeira crua,
estava sentado com um olhar divertido, balançando as pernas como uma
criança para fora.
Draco não conseguia distinguir se era um homem ou uma mulher. A
aparência andrógina da pessoa e sua altura diminuta, além de traços
ambíguos, o confundiam pelo corte de cabelo curto e as vestimentas largas.
Tinha cabelos em um tom de loiro, tendendo ao ruivo natural, e
levemente dourado como areia sob o sol. Seus olhos eram de um verde
intenso e muitas sardas se espalhavam pelo seu nariz e bochechas. Usava
uma pequena argola em uma das orelhas e um casaco denso e escuro ao
redor de seu corpo.
Pela sua posição e descontração, não parecia interessado em intervir na
negociação e apenas se divertia, devolvendo o olhar ameaçador e o
sorrisinho agressivo ao homem que o analisava. Felipe considerou ser o
mercenário responsável pela vistoria da negociação.
Se desconsiderasse aquela pessoa e seu guarda-costas, aos seus pés,
além de Ganjo e Andrey, havia treze oponentes válidos. Parecia piada.
“Estão me subestimando?” Draco mal conseguia conter o sorriso sádico.
Dentro da boca brincava com o piercing, prendendo-o entre a língua.
Mesmo todos aqueles homens estando armados com pistolas e facas,
alguns com fuzis, sabia que poderia livrar-se deles rapidamente e sem
pestanejar. Fitou o homem gordo que estava parado à sua espera.
Ganjo Barbosa tinha por volta dos quarenta anos e tentava caber dentro
de umas vestes sociais mal colocadas. Uma mancha de molho apodrecia na
gola de sua camiseta branca que não suportava uma gravata, então estava
sempre com uns dois botões abertos na altura do pescoço de muitas
camadas.
Segurava uma bengala imponente com punho dourado e chamativo, e
tinha a careca coberta pela penugem de fios brancos sebosos penteados para
um lado só. O narigão redondo e a boca fina escondiam os olhinhos de rato
muito azuis. Sorria cinicamente para o ruivo que, agora, havia parado diante
de si.
Escondendo-se atrás dele, tremendo, estava um homem magro, alto e
curvado. Ele tinha cabelos longos e lisos, à altura da cintura, desgrenhados
em um rabo de cavalo frouxo na nuca. Duas mechas pendiam diante de seu
rosto insano. E, mesmo sendo bem mais velho que Ganjo, tinha um ar de
jovialidade graças ao contraste de suas aparências.
Andrey tinha os olhos acinzentados arregalados e os dentes à mostra
como um animal raivoso, enquanto apertava as vestes escuras e sociais do
homem gordo que o protegia. Parecia verdadeiramente louco. A linha d’água
de seus olhos eram avermelhadas e nos cantos de sua boca, manchas brancas
sugeriam a extrema medicação.
Felipe o ignorou. Não conseguia sentir pena daquele homem: talvez sua
demência caótica fosse uma benção já que, por conta dela, não estava
presente no dia que seus familiares tramaram contra sua mãe.
Os cinco homens de guarda atrás daqueles dois permaneciam imóveis,
assim como os dois à lateral direita. Atrás de Draco, circulando-o, os oito
homens pareciam pressioná-lo para que não fugisse. Não fugiria, era até
engraçado pensar nessa possibilidade. Não sentia a pressão que eles
tentavam impor e queria rir.
— Eu queria dizer que é um prazer te rever, Draco, mas eu estaria
mentindo — Ganjo começou com aquela voz fraca, e deu uma risadinha
falsa que tremeu a papada. Parecia apenas um homem qualquer que
trabalhava em um escritório no centro da cidade. Era o filho descartável dos
Barbosa, o humilhado por todos eles. Agora o último restante. — Fico feliz
que tenha aceitado com toda a educação da Ordem ter vindo à essa
retratação. Sabe como é, não é? Eu não poderia deixar passar o fato de que
você invadiu o meu território. Por mais que o acordo da Lótus não seja mais
válido, eu tenho que proteger o meu pessoal de ameaças, ainda mais se a
ameaça for o cara que matou meus três primos queridos.
Draco deu de ombros e, fazendo pouco caso, sorriu sádico esperando
ele continuar.
— Ganjo, mate ele logo! Atire nele! Mate ele, Ganjo! Ele matou todos
eles! Mate ele, mate ele — Andrey começou a implorar atrás dele, puxando
sua roupa. Tinha uma voz aguda e fora de órbita. Insano.
— Cala a boca, porra — Ganjo retrucou entredentes, fazendo o outro
recuar amuado. Então, voltou-se para Draco, sorrindo. — Você continua
caladão, não é?
Ele riu de novo sem graça. Prosseguiu:
— Ignore esse maluquinho aqui, tá? E não se preocupe, eu não guardo
rancor de você pelo que fez com meus primos. Aqueles filhos da puta
mereciam morrer, convenhamos. — Ganjo riu amistosamente e abriu os
braços indicando os homens atrás de si. — Veja só, agora... É tudo meu.
Tudo que eles disseram que nunca seria.
O ruivo fez uma falsa mesura com a cabeça, o rosto inexpressivo e frio.
Ganjo continuou, apertando a bengala diante de si e apoiando-se nela.
— Mas eu pensei que sua caçada tinha terminado, Draco. Você foi até a
julgamento depois, não foi? E foi absolvido sem nenhuma prova.
Ele riu e bateu palmas lentamente parabenizando-o, falsamente. A
pessoa sobre os caixotes permanecia balançando as pernas, observando a
situação, debruçava-se para frente como se fosse se jogar ouvindo tudo com
muita atenção.
— Então, Draco? Se isso tudo está no passado, o que exatamente você
estava fazendo no meu território? — Ganjo perguntou apoiando as duas
mãos sobre a bengala.
Andrey Maranzano interviu aos gritos:
— Não interessa, Ganjo! Mate ele, mate logo ele! Senão ele vai matar
todos nós, ele vai matar, ele vai matar, ele v-
Ganjo fez um movimento com a bengala, como se fosse acertá-lo com
ela, forçando-o a se calar imediatamente. Andrey fez um muxoxo, recuando
e encolhendo-se assustado. Agarrou-se de novo às vestes do Barbosa em
seguida. O ruivo suspirou e olhou ao redor. Ele deu de ombros de novo
ignorando aquela cena.
— Eu tive negócios a resolver. Tenho um contrato com alguém e essa
pessoa acabou entrando no seu território. Eu fui só para buscá-lo — Draco
disse rouco e muito sério, enfiou as mãos nos bolsos rapidamente com pouco
caso.
Imediatamente todos os homens atrás de si sacaram suas armas
apontando para ele. Os cinco que protegiam Ganjo não se moveram,
tampouco os dois na lateral. “Então só vocês têm a ordem para me conter?
Patético” pensou satisfeito. Havia se movimentado repentinamente, e
calculadamente, apenas com a intenção de confirmar seus adversários.
Ganjo levantou uma mão para que os homens abaixassem as armas.
Sorriu cínico para Draco.
— Um... Contrato? Como assim?
— São meus próprios negócios, Ganjo. Nada relacionado à Ordem.
Aliás, você deve saber que eu saí e, como você bem disse, eu já fiz o que
tinha que fazer. Não preciso mais me envolver com nenhum de vocês da
Tríade. — Draco tirou devagar a carteira de cigarros de dentro do bolso e
levantou-a indicando para Ganjo.
O homem assentiu, autorizando-o, e o ruivo pegou um dos cigarros com
a boca. Guardou a carteira e acendeu com o isqueiro que tirou
cautelosamente do outro bolso, em seguida. Tragou devagar e soprou
apertando os olhos dourados na direção do Barbosa.
— Eu iria me retratar de qualquer jeito porque não podia esperar por
uma autorização para entrar. Eu precisava cumprir com o documento que
temos, e a pessoa não sabia que estaria no seu território. Como eu disse, eu
fui apenas buscá-lo. Se tiver algo que eu possa fazer ou oferecer para
compensar o mal-entendido...
Ganjo sorriu largamente.
— Claro, claro. Um mal-entendido — Ganjo ecoou debochado. —
Bom, você sabe que eu também tenho meus próprios negócios, Draco. E que
eu tenho muitos interesses e negociações com Classe C e D na Ordem, então
uma tensão entre nós seria completamente desnecessária, você não
concorda? Diferente dos meus primos eu sempre priorizo a sinceridade e a
estabilidade.
Draco permanecia atento ao que ele falava. Era melhor manter as coisas
como estavam, realmente. Sem a proteção que os Barbosa tinham dos
Tyrone, agora, uma crise entre eles e a Ordem causaria uma quebra muito
intensa na venda de drogas. O ruivo assentiu, fumando devagar, em
concordância.
— O que você quer?
— Ah, o que eu quero? Bom... Sabe, fica difícil para o meu lado só
acreditar na sua palavra e escolher a dedo um pagamento por isso. Não sou
tão burro assim. Eu não sei se realmente devo acreditar nesse seu papo de
“próprios negócios”.
Ganjo fez uma careta cínica e altiva.
— Você pergunta o que eu quero então eu vou te responder: eu quero
que me diga a verdade, Draco. Porque, pelo que eu me lembro, a informação
que recebi era que você estava justamente no hospital onde a polícia tinha
ido coletar informações sobre uma negociação minha. Parece que uma
garota havia se envolvido no acidente, não é? Como era o nome dela? —
Ganjo tinha uma voz sombria e cínica. Draco apertou os olhos na sua direção
tragando em silêncio, prendeu a fumaça por um tempo soprando-a pelo
nariz. Assumia uma postura cada vez mais assustadora. — Ah, sim! Jessica
Almeida. É alguma conhecida sua?
Felipe negou com a cabeça e deu de ombros livrando-se do resto do
cigarro no chão. Pisou nele indiferente.
— Não, nunca ouvi falar.
Ganjo riu negando com a cabeça. Ele suspirou percebendo que aquilo
não levaria a nada.
— Não, não... Assim você não está realmente disposto a me oferecer o
que eu quero, Draco. E é tão pouco que eu peço. Se não for sincero sobre o
que foi fazer no meu território, ainda mais indo diretamente até uma pessoa
que havia se envolvido em uma negociação minha, fica tudo mais
complicado. Então, eu não vejo outra opção, não é? — Ele deu de ombros e
indicou a pessoa sobre os caixotes com a cabeça, olhava e falava diretamente
para ele. — Ei, Pix! Estamos em um impasse aqui. Você é o mediador e
dono dessa zona neutra, caso um dos lados não queira colaborar... Nada me
impede de resolver com violência, não é?
Pix, sorriu e bateu as mãos limpando a poeira delas. Tirou um pirulito
de dentro do bolso livrando-se da embalagem. Enfiou-o na boca e deu de
ombros.
— Não. Nada. Meu papel é garantir que as negociações aconteçam e
todos os acordos sejam cumpridos. Se não há colaboração, violência também
é uma forma de resolver as coisas — ele disse sorrindo e Ganjo deu de
ombros. Andrey Maranzano sorriu largamente.
Tudo aconteceu muito rápido a partir dali como em flashes.
Dito isso, Ganjo Barbosa bateu rapidamente a bengala no chão e todos
os oito homens ao redor de Draco prepararam-se para avançar nele. Mas era
muito tarde. O ruivo havia jogado o sobretudo para trás e sacado suas duas
lâminas.
Seu corpo agachou rápido e, bloqueando a arma apontada para si, do
homem que estava mais próximo, engatou seu braço em um gancho
acertando-o com um soco vindo de baixo, pela dobra do cotovelo. Um som
estalado se fez no membro do oponente, seu braço assumiu uma angulação
improvável, e a arma caiu no chão.
Draco girou o corpo daquele homem usando-o como proteção contra os
outros que atiravam na sua direção. Jatos de sangue jorravam do escudo
humano alvejado. Ele atirou uma das lâminas com força acertando no ombro
de um dos homens que prosseguiam, e este caiu.
O corpo do Castro agora se movimentava com muita velocidade para
trás, mesclando-se em meio ao amplo espaço e os objetos que aproveitava
como barreira. Jogou o corpo inerte que carregava com muita força na
direção de um dos que avançavam sobre ele e os dois caíram.
Passou a lutar contra três dos inimigos, bloqueando os golpes com
velocidade. Acertava-os com socos e usava seus próprios corpos para
bloquear os tiros dos dois que tentavam atirar nele sem sucesso. Usava do
fogo cruzado para que eles mesmos matassem os companheiros, dois deles
padeceram assim.
Era muito rápido e ziguezagueava na batalha. Três oponentes já não se
moviam derrotados ao chão. Agarrou um dos homens por trás engatando-o
com os braços firmes pelo pescoço, deu uma sequência de estocadas muito
rápidas com a faca em seu abdômen deixando-a presa ali pela pressa e o
girou pelo braço jogando-o como se fosse absurdamente leve sobre os
corpos dos que avançavam na sua direção, fazendo-os cair de novo com o
peso daquele cadáver.
Os outros dois que atiravam avançaram para o corpo a corpo
finalmente.
O ruivo agachou-se um pouco e, com as duas mãos juntas entrelaçadas
em um punho só, bateu na barriga do primeiro que vinha em sua direção.
Quando o oponente se curvou para frente pela investida, acertou-o
rapidamente no queixo na mesma configuração de mãos e, aproveitando o
impulso do golpe com a força de seus antebraços presos àquela garganta,
subiu-o um pouco, velozmente, e depois derrubou-o ao chão. Levou-o até o
solo em uma abaixada só e o baque da cabeça o deixou inconsciente.
Era absurdo. Draco puxou com velocidade a lâmina pesada na dobra do
coturno e a atirou no homem que corria em sua direção em seguida,
acertando-o no pescoço exposto. Menos dois. Os últimos dois que restavam
começaram a atirar do chão, pois haviam caído pelo peso do corpo do
homem que foi jogado sobre eles outrora.
O Castro finalmente sacou a Escarlate, esgueirando-se atrás de um
caixote. Apoiou a mão do tiro com a outra que segurava uma outra lâmina
requisitada de seu arsenal. Puxou o ar lentamente e seu corpo girou, saindo
da proteção de madeira. Deu quatro tiros precisos nos homens. Brincadeira
de criança.
Ele sorria sentindo um pouco de satisfação em estar de volta. Os
homens atrás de Ganjo não se moviam e isso era ótimo, o Barbosa parecia
acionar mais subordinados que entraram pelas laterais. O ruivo deu uma
risadinha esperando por aquilo. Os oito que havia antes era só uma distração,
sem dúvida. E estavam todos no chão só como um aquecimento.
Mais cinco homens haviam entrado em campo, e pareciam muito mais
compenetrados e fortes. Dispostos a conter a ameaça que era o dragão
Draco.
O mercenário Pix permanecia balançando as pernas do alto, vendo toda
aquela cena e divertindo-se muito. Chupava o pirulito satisfeito. Ele já havia
ouvido muito falar da fama de Draco, mas aquilo era muito melhor do que
ele jamais havia sonhado em presenciar.
Quando o Vingador, o nome a quem Draco era associado no submundo,
havia derrubado todos os Tyrone e quebrou sua Tríade sumindo do mapa em
seguida, Pix era só mais um mercenário em começo de carreira. Mas agora,
três anos depois, ele havia se tornado o líder dos mercenários que
controlavam a Zona Neutra do cais e sentia-se privilegiado.
Ver aquele homem que o inspirava outrora em ação era um dos seus
desejos antigos e estava gostando muito do que via ali de cima. Ele era
muito melhor do que os boatos. Não piscava ou mudava sua expressão fria
enquanto trocava o pente da pistola em um movimento firme, algumas
mechas rubras rodeavam seu rosto branco e assassino, contrastando com os
olhos dourados de dragão.
Era imponente e aterrorizante com aquele tamanho e velocidade.
Draco não estava com disposição para aquela brincadeira, não queria
perder tempo. Apesar de estar com o corpo quente, sabia que Ganjo só
queria irritá-lo. Tirou o sobretudo que usava jogando-o no chão.
Trocava tiros por detrás de uma pilha alta de pallets coberta por uma
lona preta. Grunhiu guardando sua própria arma desejando acabar com
aquilo logo, tiros eram uma perca de tempo.
Avançou como uma sombra na direção dos homens, impacientemente,
atirando uma de suas lâminas na perna de um deles, obrigando-o se curvar
de dor e cair de joelhos, retardado. Segurou as mãos armadas da sua outra
vítima, girando seus pulsos para cima e desviando do tiro dele: o homem
urrou. Em um pulo, Draco se agarrou com as pernas no tronco de seu
oponente e pesou para trás, caindo com ele em uma cambalhota no chão.
Os outros não conseguiam acertá-lo com suas balas. O ruivo tomou a
arma do corpo inerte que derrubou e descarregou todo o pente nos três
homens que tentavam avançar. Dois caíram com os tiros precisos. Três a
menos.
Os outros dois avançaram de uma vez e Draco saiu da linha de ataque,
rodeando-os e confundindo-os. Impulsionou-se com um pé em uma das
caixas pesadas e deu um salto ao mesmo tempo que puxava o punho cerrado
para trás.
Caiu socando o rosto do adversário mais próximo e girou no chão com
os joelhos para fugir dos tiros que o outro direcionou a ele. O homem ficou
sem munição naquela tentativa de alvejá-lo.
O Castro se agachou e, em um movimento selvagem, jogou-se com
todo seu corpo, agarrando o adversário pelo seu centro de massa. Caíram os
dois no chão. O ruivo sobre ele o tomou a arma em um golpe calculado e a
jogou longe, prendia-o com todo seu peso enquanto o socava repetidas vezes
no queixo até ele parar de se movimentar.
Não restava mais ninguém.
Os punhos de Draco agora estavam ensanguentados e suava muito
quando ele correu na direção de Ganjo, agarrando-o pelo colarinho. Andrey
fugiu para trás dos capangas, gritando histericamente ao mesmo tempo que
ria.
O Barbosa levantou as mãos acalmando os homens com fuzis que, atrás
de si, preparavam-se para acertá-lo.
— VOCÊ DISSE QUE QUERIA A PORRA DE UMA RETRATAÇÃO
PACÍFICA, GANJO! Eu já disse a verdade, foda-se se você acredita ou não!
Eu não quero NADA com você ou sua família. Não quero nada com a
Tríade. NADA! — Draco urrou, segurando-o com as duas mãos. Barbosa ria
nervosamente. — Você quer sinceridade? Você acha que eu não sei da
brincadeirinha que você faz com aquela fábrica de drogas? Agora que não
tem a proteção dos Tyrone, o que você acha que vai acontecer quando as
outras gangues descobrirem que você está burlando o cartel e lucrando mais
que eles? Você quer mesmo continuar brincando comigo, seu filho da puta?!
Barbosa ainda ria, tremia de medo, mas não queria dar o braço a torcer.
— Mate ele, Ganjo, mande matar de uma vez! Mate ele, mate ele! — o
Maranzano gritava sem parar, apontando para o ruivo. Seus olhos frenéticos
tremiam como todo seu corpo e cabelos longos alvoroçados. — Ele matou o
Marcus! Matou ele. Matou! Ele matou! Eu vi! Meu Marcus, meu Marcus,
meu amor não merecia isso...
Andrey chorava sem parar, tremendo muito, engasgava-se com o
catarro.
— Não merecia isso?! — Draco o olhou com os olhos demoníacos. Não
soltou Barbosa e mantinha-se muito atento aos seus movimentos enquanto
rugia muito alto. — Aquele fodido era o pior de todos! Se você é maluco
hoje é porque ele destruiu a sua cabeça de tanto que te surrou! Aquele filho
da puta do seu irmão estuprou a minha mãe até depois de morta, seu
desgraçado!
— Ele não fez isso, ele não fez! Você está mentindo! — Maranzano
ecoava alucinado.
— EU NÃO ESTOU MENTINDO! — Draco gritou, empurrando
Barbosa com força. O homem muito gordo tropeçou e foi amparado por um
dos seus capangas para que não rolasse pelo chão. A bengala que ele
segurava caiu pesada. Andrey chorava de soluçar. O ruivo tinha o nariz
retesado de fúria enquanto gritava: — todos eles falaram! Todos contaram
para mim em detalhes, e aquele filho da puta que te mantinha preso por
correntes em casa foi o pior deles! Ele me disse tudo! E você acha que ele se
arrependeu? Ele morreu rindo lembrando das atrocidades que fez! NÃO
OUSE DIZER QUE ELE NÃO MERECEU!
Andrey chorava alto gritando e negando, repetia insano agarrando a
própria cabeça:
— Marcus é bom, Draco é mau. — Agitava-se como em uma crise
doentia. Como se visse e ouvisse vozes.
Ganjo havia se recuperado quando Draco avançou nele de novo,
agarrando-o pela blusa da mesma forma como antes. O homem fez um
muxoxo acalmando os seus homens:
— Certo, certo! Vamos nos acalmar! Estamos todos muito agitados, não
é? — ele disse.
Draco apertou os olhos na direção dele:
— Por que será? — perguntou sombriamente. Ganjo riu.
— Eu só quero a verdade, Draco. Eu só estou prezando pela minha
segurança. É uma grande surpresa para mim que você tenha descoberto
sobre meu esquema, e... Eu realmente não gostaria de lidar com os
problemas de você divulgando dados tão importantes como esse para os
meus aliados. Afinal, eu não tenho mais os Tyrone para me proteger, não é?
O tom de voz daquele homem não parecia sincero. Ele apertava os
olhinhos de roedor na direção de Draco mais como se quisesse confirmar
algo, do que estivesse falando a verdade. Estava cheio de duplas intenções
enquanto via-o não transparecer saber de nenhuma informação crucial e
secreta.
O Barbosa assentiu satisfeito, sorrindo amarelo.
— Aceite o meu pedido de desculpas, Ganjo. Você está em
desvantagem aqui. Foi um mal-entendido. Se quiser dinheiro, territórios,
acordos. Vamos fazer isso. Assim não precisa sair de mãos abanando daqui e
demonstra para o seu pessoal que está protegendo eles. Mas não brinque
mais comigo. Eu garanto que não vamos mais nos ver se acabarmos logo
com essa merda.
— Ah, eu estou... Em desvantagem? — Ganjo perguntou sorrindo
muito, sentia o ruivo apertar suas vestes bufando em aviso. — Certamente
você é melhor em combate, mas eu tenho muitos homens, sabe? Uma hora
você cansaria.
Draco retesou o nariz apertando-o mais ainda. O Barbosa riu sem graça.
— Mas… Eu não ganho nada te matando, se não um problema enorme
com o Castro. E sinceramente eu prefiro ficar longe da mira da Ordem.
Porém... Acho que desvantagem é uma palavra muito forte, você não
concorda?
Felipe puxou o braço para trás preparando o soco que daria naquela
face redonda. Ganjo Barbosa levantou as duas mãos para bloquear e apertou
os olhos gritando muito rápido:
— Gabriel Almeida! — O braço de Felipe parou no ar e suas pupilas se
contraíram em um desespero intenso. Sentiu seu sangue gelar nas suas veias
e a garganta travar. Arregalava os olhos de dragão cobertos por uma névoa
assassina para o Barbosa que, sem receber o soco, agora o olhava sorrindo
satisfeito. — Também tem... A própria Jéssica Almeida que você disse que
não conhece. Luan Almeida que está na Itália, aliás que vida difícil a dele
trabalhando e estudando em outro país, não? Ainda bem que o irmão o
manda dinheiro todo mês. E... Quem era mais? Joshua Liam Rodrigues. Ele
está noivo daquele magnata, né? Um cara difícil de se aproximar esse
Ronald Collins. Nome estrangeiro e difícil. Essa gente rica é tão esquisita. O
quê? Você fez o seu dever de casa e eu fiz o meu, Draco.
O ruivo desceu o braço devagar e soltou Ganjo, recuando um passo.
Pix deu uma risadinha para si mesmo: “Hum, parece que o jogo virou,
Draco. Como vai sair dessa?” pensava empolgado, a arma que trazia consigo
em seu coldre estava preparada para problemas maiores.
Draco ponderava. Aquela era uma das possibilidades, a pior delas, que
a negociação poderia se tornar. Naquele caso não havia saída: não tinha
como proteger tantas pessoas de uma vez e, mesmo que pudesse, precisaria
reativar seu sistema e gangue em todo o seu poder para fazer dar certo.
Isso não só chamaria atenção de Jonathan. Isso recomeçaria um par de
problemas entre seus apoiadores na Ordem.
Para piorar, isso significaria muitas pessoas que Gabriel amava em
risco, além dele mesmo.
Felipe não poderia permitir que isso acontecesse. Aqueles nomes não
podiam ir a público. Ganjo era ambicioso até demais e Andrey, por mais
louco que fosse, ainda tinha uma força de subordinados enorme que servia
ao legado Maranzano.
Todos aqueles eram homens que serviam a sua família há gerações. Ele
tinha muito dinheiro e, agora sob os cuidados da Tríade, ainda tinha homens
leais que o obedeciam mesmo na sua sandice.
— O que você sabe? — Draco perguntou friamente. Sua expressão era
fria como mármore naquele rosto sujo de suor e terra da batalha de outrora.
Ponderava o que aconteceria se matasse todos eles ali e agora.
Provavelmente os aliados das duas famílias se rebelariam contra a Ordem e
muitos acordos quebrariam. Pessoas de Classe C e D, que mantinham
relações financeiras com eles, demandariam satisfação, e um caos seria
instaurado. Estava em um labirinto e penava buscando uma saída.
Ganjo deu de ombros ajeitando o paletó.
— Sei esses nomes que estão ligados ao cara com quem você foi
embora do meu território. Foi por ele que você invadiu, não? Esse tal do
contrato. Não me interessa que tipo de perversão ou negócio você tem com
ele, mas eu precisava confirmar isso... Realmente o grande Draco agora tem
uma pessoa viva com quem se importa. — O homem riu divertido recebendo
a bengala que havia caído no chão de um de seus subordinados.
Andrey avançou ao redor dele agarrando-o pela manga.
— Eu quero que ele sofra, eu quero que ele sofra — repetia. Ganjo
Barbosa concordou com a cabeça.
— No caso temos um impasse e voltamos à estaca zero — Ganjo disse.
— Se espalhar o que sabe sobre os meus negócios eu coloco esses nomes
como alvos de todos os outros que querem a sua cabeça. E você sabe que
não são poucos, não é? Ainda assim, eu preciso de uma retratação pela
invasão, então... Eu tenho uma proposta de acordo para acabarmos com isso
e enterrarmos de vez esse mal-entendido.
Draco grunhiu, assentindo em concordância. Barbosa deu uma encarada
em Pix, chamando-o com a cabeça, e o mercenário levantou, descendo das
caixas com muita habilidade. Ele caminhou em direção aos dois e parou
entre eles. Era muito mais baixo que Draco, pelo menos vinte centímetros,
mas parecia muito forte e ágil mesmo assim.
O loiro encarou primeiro Ganjo e depois Draco, então tirou o pirulito da
boca em um estalo e sorriu:
— Oba, hora do acordo. — Pix se espreguiçou.
— Esse carinha aqui. Você matou o irmão dele e não me interessa se ele
mereceu ou não — Ganjo começou cautelosamente apontando para Andrey
Maranzano. Sorria cínico. — Então podemos fazer o seguinte: você vai
ceder a ele um pedido. Ele pode pedir o que quiser e você vai ter que aceitar.
Draco interviu firmemente, sua voz era fria assim como sua expressão
impassível. Pix o olhava de perto com uma sobrancelha arqueada.
— Todos os nomes. Eu quero que eles sumam como se você nunca
tivesse ouvido falar neles, nunca vai divulgar nada ou tentar algo contra eles.
Eu quero um documento enviado para a Ordem. Um compromisso. Caso
quebre o acordo você não vai só estar quebrando um pacto comigo, mas sim
com toda a organização — o ruivo exigiu.
— Você não está em posição de fazer exigências, Felipe — Ganjo
retrucou.
— É isso ou não tem acordo. Podemos ficar aqui quanto tempo você
quiser. — Draco cuspiu e cruzou os braços diante do peito. — Todos os
nomes. Apague-os de todos os lugares que os tenha registrado. Esqueça-os.
Nunca os divulgue. Nenhuma retaliação.
Ganjo deu uma risada sem graça.
— Nossa, você se importa mesmo com eles... Ou melhor, com ele, não
é? — ele disse. Draco não respondeu. — Certo, certo. Conceda um pedido a
esse maluco aqui e eu não sei mais quem são as pessoas que citei. Nunca vou
divulgar nada e vou enviar um documento para a cúpula me comprometendo
com o sigilo e tudo mais, satisfeito?
Andrey batia palmas sem parar, empolgado. Dentro da aparente
alucinação constante só pensava em vê-lo sofrer. Ria sem parar, histérico,
sentindo o ruivo o encarar.
Pix aguardava o veredicto do lunático. Um silêncio tenso se fez quando
o Maranzano começou a gritar esganiçado:
— Eu quero que ele sofra muito! Eu quero que sofra! Que morra!
Matem ele!
Os homens atrás de Ganjo levantaram as armas como um esquadrão de
execução, pronto para fuzilar Draco que, por sua vez, suspirou. Talvez não
pudesse cumprir com sua promessa de retorno, afinal.
Deslizou os dedos pela gravata que pendia em seu pescoço e sorriu
fracamente. Era melhor assim, contando que Gabriel estivesse seguro. Já
havia deixado Thiago com a ordem de todas as medidas que precisariam ser
tomadas caso ele morresse nessa missão ou em qualquer outra, Gabe estava
incluso nela.
Provavelmente uma guerra começaria dali em diante por causa de sua
morte. Enquanto uma parte de si afundava em melancolia, uma outra ardia
querendo lutar. Não queria desistir, queria retornar para seu submisso e ficar
com ele.
Respirava pesado sentindo a contradição que era seus sentimentos:
morrer para salvar o homem por quem era apaixonado ou viver em nome do
egoísmo de voltar para ele, causando assim uma nova guerra.
A guerra aconteceria de qualquer jeito. As guerras sempre davam um
jeito de acontecer.
Pix estalou várias vezes com a língua se metendo na situação.
— Opa, opa! Espera. O acordo é um pedido. E aqui sempre
consideramos as palavras ao pé da letra, Ganjo. O Andrey pediu duas coisas.
Que ele sofra e que ele morra. — O mercenário segurava o pirulito que
findava com uma das mãos, metendo-se na frente de Draco. — Só um pode
ser concedido. E eu fico aqui pensando se você tem força o suficiente para
arcar com as consequências de um pedido irresponsável como o de executar
Felipe Castro, o filho do Grande Líder da Ordem. Mas tudo bem, não sou
ninguém para me meter na sua decisão, não é? Aliás, foi você mesmo que
disse que não ganharia nada matando ele.
Ganjo parecia ponderar. Mandou os homens abaixarem as armas de
novo. Suspirou e assentiu concordando. A manipulação de Pix havia
funcionado.
— Certo, certo. É verdade, é verdade. Então, o sofrimento é o pedido.
— Andrey batia palmas empolgado e satisfeito assim mesmo. Ganjo fez um
sinal com a cabeça, dando ordens aos subordinados: — surrem ele até
apagar. Não peguem leve.
Ele apontou para Draco, ameaçador:
— E você… Nem ouse revidar.
O ruivo apertou os olhos.
Pix saiu do caminho silenciosamente enfiando o pirulito de volta em
sua boca. Não sorria mais e estava muito sério. Felipe agradeceu
mentalmente por aquela intervenção e trocou um olhar com o mercenário
fazendo uma reverência com a cabeça, tinha uma dívida com ele.
Em um movimento lento, o ruivo se ajoelhou no chão com a cabeça
baixa. Os homens, comandados por Barbosa, então o cercaram e passaram a
chutá-lo e socá-lo sem parar. Acertavam-no com socos secos, peças de metal
entre os dedos de alguns rebentava a pele alva em uma profusão de sangue
quente.
Felipe já havia sido surrado antes em treinamentos na Ordem, fazia
parte da forma como os assassinos precisavam ser treinados. Enrijecia o
abdômen e travava a boca o máximo que podia, protegendo-se, sem
movimentar-se muito. Direcionava o rosto para o chão evitando os golpes.
Quando caiu no solo, os chutes e pisões, além de socos firmes e
sequenciados que vinham de cima, continuavam intensamente. Sua mente
estava focada. A dor que invadia sua carne parecia uma névoa. Apertava os
olhos sem conseguir conter sua respiração: pensava em Gabriel e no sorriso
dele.
As lembranças que tinham juntos invadiam suas memórias como se o
acariciasse. Pensava nele e só nele. Na voz e na risada. Em como ele
dançava. Sobre suas expressões arredias e seus hábitos malcriados.
Concentrava-se sentindo sua cabeça ser atingida, assim como suas pernas,
braços e costas.
Sentiu o momento que suas costelas quebraram e fraquejou sentindo um
chute acertá-lo em um outro ponto dolorido. Estava muito ferido e começou
a ter vertigens, perdendo a consciência. Já não conseguia mais saber
exatamente quanto tempo estava ali apenas apanhando, perdia a noção do
real e do imaginário e a dor era lancinante.
Forçava-se a aguentar tudo silenciosamente, sem emitir nenhum som,
os lábios cerrados. As memórias começavam a ficar cada vez mais confusas
em sua mente. Ouviu a voz de Pix intervindo novamente, dessa vez
alertando sobre o perigo do homem acabar morto pelas investidas firmes que
recebia, e exigindo que parassem.
De repente tudo cessou e Felipe mantinha-se em silêncio, imóvel,
semiconsciente. Tentava apurar os ouvidos sem se mexer, lutava contra as
muitas dores e a vontade de vomitar. Sentia muito frio e cada vez mais uma
sonolência que se alastrava pelo seu corpo.
Parecia que Ganjo conversava com Pix e tentou entender o que estava
acontecendo na conversa.
— Lembre-se de cumprir com a sua parte do acordo e envie o
documento à Cúpula com uma cópia para nós. Eu tenho uma reputação a
zelar na Zona Neutra — Pix alertou, friamente. Ganjo grunhiu.
— Sim, sim. Claro. Tanto faz. Eu não tenho interesse nessas pessoas e
muito menos no Draco — Ganjo disse fazendo pouco caso. — Por mim esse
desgraçado que se foda. Ele e essa arrogância dele.
O homem caminhou em direção ao corpo de Felipe, inerte no chão.
Puxou a perna gorda para trás e chutou-o com toda sua força. O outro não se
moveu segurando-se ao máximo e fingindo estar completamente
inconsciente. Andrey se agachou ao lado do ruivo e o cutucou com um dedo.
— Ele está morto, Ganjo? — perguntou exultante. Ganjo grunhiu,
negando, e o homem abaixado fez um muxoxo. — Ah, por que não? Por que
não podemos matar ele?
Felipe sentia-se afundando. Esforçava-se para continuar ouvindo, mas
as vozes começavam a ficar cada vez mais distantes.
— Porque realmente não vamos ganhar nada matando ele agora,
Andrey. E além do mais, a ordem veio de cima, tínhamos que encerrar com
essa negociação e deixar ele sobreviver no final como se tivesse ganhado.
Pronto, fizemos isso — Ganjo resmungou dando uma olhada sinistra para
Felipe. — Vamos. Não se preocupe que a hora dele vai chegar. Não vai
demorar até o nosso acordo de proteção ser válido de novo e aí você vai
poder fazer o que quiser com ele.
— Eba, eba! Viva Tyrone, viva Tyrone! — Maranzano cantarolava
animado, levantando-se dali e agarrando Ganjo. — Quando a Bárbara
reavivar nosso acordo eu vou matar ele! Eu vou matar ele!
Andrey ria sem parar de forma assustadora e Felipe apagou sentindo
suas forças se esvaírem.
CAPÍTULO XXV

Gabriel arregalou os olhos assustado graças a um sonho perturbador do


qual não conseguia se lembrar. Estava deitado na cama de Felipe e arfava
sufocado, no escuro, apertando os lençóis nervosamente. Xingou irritado e
levantou-se em um salto.
Quanto tempo havia passado desde a saída dele? A noite toda havia
virado e a madrugada também.
O resto do dia seguinte havia sido insuportavelmente sufocante
enquanto andava de um lado para o outro, e mal conseguia comer. Carla
tinha ficado na casa, sempre muito silenciosa, observando o moreno lacônico
que ia até a cozinha apenas para perguntar por notícias e, depois, voltava
para o quarto de Felipe a fim de meter-se nos lençóis e rolar tentando dormir.
Quando a noite caiu novamente, marcando 24 horas da saída do ruivo,
Gabriel sentia que ia explodir de ansiedade. Havia rejeitado todas as ligações
que recebia de Josh perguntando sobre como ele estava e respondeu com
uma seca mensagem dizendo que estava tudo bem.
Não queria conversar com ninguém, não queria mais nada além do fim
daquela agonia. Sentia-se sufocado pela ansiedade que, potencializada pelo
saber do passado da mãe de Felipe e os acontecimentos que envolveram sua
morte cruel, se alastrava por todo seu corpo.
Forçava-se a ler, mas sempre que lia sentia-se pronto para chorar de
raiva, sendo atormentado pela forma como se sentia. Nunca esteve tão mal-
humorado na vida.
Ele se sentou à mesa da escrivaninha onde Felipe normalmente
trabalhava editando suas fotos e deitou sobre os braços ali lembrando do dia
em que o viu dormindo naquela mesma posição, logo quando começaram o
contrato.
A beleza daquele homem era algo que sempre o deixava desconcertado,
e, pensando agora, recapitulando tudo desde o princípio, se o visse sabendo
de seu passado e suas dores o acharia infinitamente mais encantador.
Gabriel tinha mesmo uma atração incompreensível pelo perigo, como
se fosse algo inerente ao seu ser.
O moreno passou a bisbilhotar nas gavetas, começando pela última e
subindo. Encontrou vários utensílios de fotografia como filmes, flashes,
negativos, assim como tesoura, papel, barbante e outras coisas que ele não
entendia bem o que era.
Quando chegou na primeira gaveta, arregalou os olhos, surpreso. Viu
uma pequena pilha de fotos dele mesmo: a da noite em que se conheceram,
enquanto ele dançava e sorria despreocupado, uma foto dele quando era
criança que tinha certeza que estava na casa de sua mãe, a foto dele tomando
café no chalé, dançando na clareira, além de um par de outras fotos dele em
apresentações distintas no clube da Lizzo.
Arfou sem ar. Eram muitas fotos. Todas datadas na parte de trás, como
memórias.
“Seu imbecil” Gabriel pensou sentindo lágrimas pesadas escorrerem de
seus olhos.
Guardou as fotografias no lugar e fechou a gaveta voltando a deitar-se
sobre os braços, chorava em silêncio. Estava apavorado.
A citação do livro que lia ecoava em sua mente:
“Quando a existência adquire um hábito como o daquele amor, parece
impossível que tal hábito se perca sem que se percam, ao mesmo tempo,
todas as outras forças da vida”
Muitas memórias começaram a se passar na sua mente desde o início: a
primeira vez que viu aquele sorriso sádico e os olhos dourados sobre seu
corpo enquanto dançava. A forma como ele o irritara em uma forma
inteligente e agressiva de se aproximar.
A primeira vez que sentiu seu toque, muito rude e ansioso, no banheiro
daquele café e a forma como se sentiu subjugado e frágil pela primeira vez
na vida. O sexo intenso, as punições severas e a dor em sua carne sendo
aliviadas pelo seu toque sempre muito leve depois de cada vez. A forma
como ele havia sido dócil e simpático com sua família.
Sentia o cheiro e o gosto do café. Podia ouvir a risada rouca, ver os
olhos frios e brilhantes com as pupilas sempre dilatando lentamente ao olhá-
lo, uma coloração intensa em suas maçãs do rosto.
Lembrou da forma como ele o puxou repentinamente, abraçando-o
quando estava apavorado, molhado e cansado no dia em que tinha ido ao
hospital, da mesma forma como o puxou abraçando-o quando estava
assustado com a primeira vez que cruzou com Jonathan na exposição de
fotos.
Felipe sempre o envolvia com todo seu corpo e braços dando a ele a
sensação de que estava seguro de tudo.
Lembrava-se em sequência. Ouvia a voz de Felipe dizendo para ele não
cruzar a linha, que nem tudo se resumia a ele, ouvia-o mentir de novo e de
novo, mais para si mesmo do que para qualquer um, falando coisas horríveis
a Jonathan.
Sentiu a dor daquelas palavras que só agora conseguia compreender de
verdade, mas ainda assim doíam. Lembrou do toque dócil, com as pontas
dos dedos, que ele deslizou nas marcas que Gabriel escondia, de uma época
quando secretamente sentia-se tão sedento por dor física a ponto de se
mutilar.
A forma como ele o aceitou com todo cuidado, sem nunca o julgar ou
olhar aquilo com repulsa. Memórias como a primeira vez que ele prometeu
que voltaria, ao usar aquela mesma gravata que usava ao sair.
Lembrou-se da sensação de pleno pertencimento ao receber a coleira
em seu pescoço. Era como uma peça que se encaixava perfeitamente, um “é
para ser” sublime e além de seu entendimento. Não queria parar mais, não
queria parar nunca mais.
Marguerite Gautier, em A Dama das Camélias, havia dito para si
mesma:
“Estamos prevendo sempre que vão se apaixonar por nós, jamais que
vamos nos apaixonar por alguém; e, agora, ao primeiro golpe deste mal
imprevisto, não sei o que sou nem onde estou.”
— Livro desgraçado — Gabriel murmurou.
Pensar em separar-se de Felipe era tão doloroso agora que nem mesmo
ele, como masoquista, poderia suportar. A dor e o prazer andavam juntos se
estivesse com ele e queria estar com ele. Queria ser para ele qualquer coisa
que o permitisse ser ele mesmo, apenas Felipe.
Se não pudesse se livrar de Draco, o amaria também, igualmente. E se
Gabriel não fosse suficiente, então teria que se tornar algo mais, porque
podia ser. Tinha certeza de que podia ser mais por ele. Queria ser mais por
ele.
Chorava apertando o próprio corpo.
Queria tanto estar com aquele homem que não importava se estaria em
paz ou em guerra. Só queria que estivessem juntos e nada mais. Já não tinha
porque fingir para si mesmo que não se sentia dessa forma e nem mesmo
aguentava pensar em como havia demorado para aceitar a forma como de
fato se sentia.
Desejava-o e era essa sua escolha. O tempo passava lento enquanto não
tinha notícias. Foi até a cozinha com os olhos ainda inchados, a ponta
avermelhada do nariz que fungava denunciava sua posição de choro
enquanto ele fazia um café. A noite parecia infinita.
Carla e Thiago conversavam na sala. O notebook e os aparelhos que se
conectavam a ele, criptografando a rede para estarem plenamente e seguros
no sistema da Ordem, poluíam a mesinha de vidro do centro.
Eles pareciam um pouco agitados e silenciaram repentinamente quando
Gabe se aproximou com sua xícara de café. O moreno estava absorto e com
os olhos distantes ao se encolher em uma das poltronas que fazia par com o
sofá grande.
O casal trocou um olhar de preocupação e Thiago suspirou por fim:
— Ainda temos 24 horas pra ele dar notícias. Precisamos esperar — ele
disse e Carla negou com a cabeça.
— A posição dele está fora do ar. É claro que ele não está mais com o
celular ou o rastreador que tinha nele. Não fazemos ideia de onde encontrá-
lo. Se eles tiverem o levado pra dentro de Kilife, vamos levar semanas até ter
uma pista.
Gabriel apertou os olhos na direção dos dois enquanto digeria aquela
informação. Já não conseguia reagir com agressividade. Sentia-se um
verdadeiro cristão, orando sem parar.
Tomou do seu café muito quente sentindo a língua queimar, a dor o
dando um gás estranho e motivador. Tentou colocar a mente no lugar e
raciocinar antes de falar:
— Não existe outro lugar onde negociações acontecem além do
comício? Eu acho que ele tinha dito algo assim uma vez. Não é possível que
eles seriam burros de levar o Felipe, sendo quem ele é dentro da Ordem, para
o próprio território. Ainda mais que toda a Cúpula sabe que era para ser uma
negociação pacífica. Isso seria uma declaração de guerra, não? — Gabriel
disse, estava ansioso e exausto. A noite passada não havia dormido nada e
naquela mesma só havia tirado um cochilo perturbado por pesadelos.
— Sim, de fato. Existem outros lugares onde acontecem negociações:
as Zonas Neutras — Thiago disse com seu tom lento e habitual, acariciava o
próprio queixo, muito focado. — Eu já tinha pensado nisso, mas só na nossa
região temos três. Ele pode ter ido para qualquer uma delas. O pior é que as
localizações exatas dos pontos de negociação são dadas apenas para pessoas
que negociam diretamente com os mercenários que dominam essas regiões.
— Mercenários. Sim, era isso que ele tinha dito... Leais… — Gabriel
ecoou, apático. Seria ótimo ter alguém leal, algum tipo de anjo da guarda
justo naquele mundo sujo que protegesse Felipe.
Carla continuou explicando:
— Sim. Eles são como os colaboradores táticos da Ordem, mas eles não
fazem parte de nenhuma organização em específico. Oferecem serviços por
dinheiro. Eles dominam essas Zonas Neutras, onde normalmente servem de
mediadores pra acordos. — Ela suspirou. — Os mercenários também são
pagos pra garantir que a negociação ocorra devidamente. Mas, diferente da
Ordem, esses acordos podem ser violentos e resultar até em morte se um dos
lados não quiser colaborar. Os mercenários nunca intervêm como nós
fazemos nos comícios.
Gabriel se encolheu. A mulher continuou falando:
— Dentro do nosso planejamento existia a possibilidade de trocar a
localização da negociação. Nesse caso, o Felipe tinha que avisar pra gente, e
ele podia ter feito isso de forma muito simples. Não era como se precisasse
me mandar uma carta. Era um botão. Só um botão que podia ter sido
apertado enquanto ele tirasse a merda do celular do bolso. Mas não... —
Carla disse agitada, cruzava e descruzava as pernas em nervosismo, ansiosa
pelo retorno do amigo.
Thiago pousou a mão sobre sua coxa e a olhou longamente, parecia
invadir os olhos dela em silêncio, acalmando-a. Ela suspirou e cruzou os
braços.
— O Felipe sempre teve essa mania de querer fazer tudo sozinho,
signora — Thiago começou. — Não se preocupe, temos força suficiente para
encontrá-lo caso o prazo acabe. Eu confio nele, ele não se deixaria morrer.
Ele garantiu que tinha... Razões pra voltar.
Gabriel arregalou um pouco os olhos, corando, virou o rosto e mordeu o
lábio timidamente.
O telefone de Thiago começou a tocar sobre a mesinha. O homem, que
normalmente era calmo e sonolento, e que há pouco falava com seu tom
apaziguador e lento, avançou violentamente e preocupado sobre o aparelho
para atendê-lo.
Um número desconhecido o ligava. Ele atendeu e ouviu, sem dizer
nada, o outro lado da linha. Apertou os olhos e trocou um olhar com Carla,
que também havia dado um pulo de onde estava e agora o fitava
ansiosamente.
Thiago prosseguia em silêncio, ouvindo as instruções ao telefone.
— Entendido — ele respondeu e desligou em seguida.
— Quem era? — Gabriel e Carla perguntaram ao mesmo tempo.
— Um endereço. Ele está mesmo em uma Zona Neutra, mais
especificamente em um hospital de campanha que eles têm no Oeste —
Thiago disse ao se levantar. Carla fez o mesmo movimento, puxando seu
casaco do encosto da poltrona apressada.
Gabriel os imitou, seguindo-os.
— Eu vou com vocês! — Gabe exclamou e correu até o quarto pegando
sua jaqueta xadrez. Podia estar usando a camiseta de Felipe e uma calça de
moletom que usava para dormir, mas não se importava com como estava
vestido, queria apenas vê-lo.
A palavra hospital lhe deu um calafrio intenso na espinha. Mas ele
engoliu em seco, forçando-se a prosseguir exatamente como fez no dia que
recebeu a notícia da internação de sua mãe e irmã.
— Gabriel, é perigoso. Pode ser uma armadilha — Thiago alertou,
vendo-o calçar o all star, apressado. Carla juntava todos os aparelhos que
estavam sobre a mesa, agitando-se para sair o mais rápido possível.
— O caralho, foda-se! Eu não vou ficar aqui esperando vocês voltarem!
Eu vou e acabou — Gabe disse em definitivo.

✽✽✽

A noite estava particularmente mais fria que o habitual do lado de fora.


Thiago dirigia em silêncio com Carla ao seu lado no banco do carona e uma
música tocava baixinho, sendo abafada pelo som da via agitada a qual
cortavam, velozmente.
Gabriel estava no banco traseiro e via as luzes dos postes amareladas,
manchadas em perspectiva, por estarem em movimento. Pensou em como
aquilo ficaria lindo se Felipe o fotografasse.
Sempre que o ruivo apontava sua câmera para algo, capturava a
essência das luzes e das cores, a velocidade e a trajetória sendo aprisionada
com maestria em uma figura só. Sentia seu coração palpitar. Queria Felipe
vivo e fotografando. Queria vê-lo como o viu no dia em que foram para o
parque tomar café juntos: segurando sua câmera, os olhos brilhando em
júbilo.
Grunhiu com a expressão cerrada. “Desgraçado, você disse que só você
machucava, como ousa ir parar em um hospital?” pensava irritado demais.
Agora, conseguia ouvir o barulho do mar e a profusão de carros já não
era constante, o trânsito ficou livre e de repente estavam em um bairro de
ruas largas e muito menos movimentado.
Entraram em uma via principal que seguia pelo rumo da praia. De um
lado viam as casas antigas e prédios coloniais, enquanto que do outro, o mar
obscurecido pela noite provava sua presença apenas através de seu som de
ondas surdas. A areia era iluminada pelos postes de luz clara e tinha sombras
produzidas pelas largas amendoeiras que, espaçadamente, compunham a
paisagem.
O moreno pensava em como odiava a praia e sempre a evitava, mas, de
repente, vendo-a assim deserta e fria, desejou passear no calçadão com
Felipe. Talvez o faria entrar no mar assustador com ele como sempre quis.
Deitariam na areia e contariam as milhões de estrelas até perder a conta ou
não haver mais números.
Riu baixinho pensando em como era bobo, talvez estivesse delirando
por causa do medo.
Thiago dobrou em uma rua e estacionou diante de um prédio de quatro
andares com aparência muito velha e caindo aos pedaços. Não parecia um
hospital, definitivamente. Carla havia passado o trajeto todo desde antes de
saírem de casa acionando seu pessoal para que se dirigissem ao local. Em
caso de ser uma armadilha, estariam com todo um batalhão para a invasão e
resgate.
Esperaram no carro até receberem a confirmação de que todos estavam
posicionados. Quando assim o fez, a mulher voltou para o banco de trás com
os olhos de raposa muito vívidos, mirou Gabriel que estava com sua
expressão cerrada habitual. Ele não aceitaria ficar para trás e ela tinha total
consciência que seria impossível insistir nisso.
— Haja o que houver, não faça nenhum movimento impensado e fique
atrás de mim. O meu pessoal todo está cercando o prédio e eu não vou ficar
correndo atrás de você como uma criança, ok?
Gabriel assentiu bravamente em um grunhido. “Vocês me subestimam
demais achando que eu sempre preciso de proteção. Não é como se eu não
soubesse me defender ou correr” pensava no seu limite de irritação.
Saíram do carro visando a via estreita onde muitos prédios antigos
ladeavam aquele mesmo para onde se dirigiam. Estava tudo deserto e a
atmosfera parecia uma cidade fantasma e abandonada.
Por ser um bairro histórico, a maioria dos prédios ali não funcionavam
como no centro e as pessoas não circulavam na rua. Até mesmo a praia era
pouquíssimo frequentada naquela região.
Eles entraram pela recepção onde um senhor idoso assistia o jornal em
uma televisão de caixa. Aquele ambiente todo parecia ter parado no tempo
junto com ele. O velho trocou um olhar com Thiago e todos estagnaram,
vendo-o pegar o telefone ao seu lado do gancho.
O velho cochichou alguma coisa para alguém do outro lado da linha e
voltou a encarar as três pessoas desconhecidas que estavam ali enquanto
penteava os bigodes densos que cobriam sua boca diminuta. Aguardavam.
Carla usou o próprio corpo para se meter lentamente na frente de Gabe,
ela sabia que tanto Thiago quanto ela estavam armados e, em caso de
conflito, o melhor a ser feito seria proteger o moreno.
Não demorou para Pix, seguido de outros dois homens, aparecerem
depois que a porta do elevador velho no fundo do corredor abriu em um
rangido. Marcharam até pararem diante do trio.
— Você é o Aurora, não é? — Pix perguntou cruzando os braços diante
do homem muito alto. Estavam bem distanciados, o suficiente. Thiago
assentiu friamente. — Eu sou o Pix. Sou o mercenário líder da Zona Neutra
do cais. Seu amigo está internado aqui. O pior já passou. Ele precisava de
atendimento urgente, por isso eu o trouxe para receber os primeiros socorros.
Um dos mercenários ao lado de Pix cochichou algo em seu ouvido
depois de ouvir algo no aparelho de ponto em seu ouvido. Assim que
recebeu a informação, o líder dos mercenários sacou a arma que estava em
seu coldre em um movimento rápido, apontando-a para Thiago.
O atirador mais alto fez o mesmo movimento, imediatamente e sem
pestanejar. Os dois ficaram apontando armas um para o outro, hostis. Tanto
Carla como Gabriel, assim como os dois homens atrás de Pix, ficaram
estáticos. O som do noticiário era tudo que podia ser ouvido por alguns
instantes.
— O que o seu pessoal está fazendo cercando o hospital? — Pix
questionou friamente.
— Nos protegendo em caso de emboscada — Thiago respondeu sem
piscar. Pix apertou os olhos para o homem e deu uma risadinha.
— Emboscada? Tá de sacanagem, né? Se eu quisesse matar o Draco eu
já o teria feito. Você sabe a trabalheira que me deu recuperar o celular dele
para conseguir um contato de confiança? Esse filho da puta estava delirante
e só falava de um tal de Gabriel o tempo todo. Como eu não encontrei
nenhum contato assim no celular dele, eu liguei para o contato de segurança:
você. Matá-lo seria muito fácil na situação que ele estava, mas eu não fiz.
Sacou? Sem emboscada.
— O que aconteceu com ele? — Gabriel interviu, tinha a expressão
cerrada e seus olhos cintilavam em agonia — Como ele está?
Pix levantou a arma, rendendo-se. Colocou-a no coldre devagar,
encarando Aurora.
— Baixa essa merda e manda seus homens recuarem. Realmente não
tem emboscada. Eu estou só garantindo que o acordo feito na minha região
seja cumprido. E o acordo envolvia ele sobreviver no final.
Thiago abaixou a arma, enfiando-a no coldre também. O mercenário
voltou-se para Gabe em um suspiro.
— Certo, eu explico o que rolou no caminho, o Draco está inconsciente
e se recuperando lá em cima. Ele apanhou bastante.
Carla riu.
— Apanhou? Impossível.
Pix assentiu em concordância e deu de ombros acalmando-se. Começou
a voltar pelo caminho em que veio entrando no largo elevador seguido pelos
outros três e os mercenários que o acompanhavam. Apertou no botão para
subirem, tudo isso enquanto falava:
— É. Ele tinha a negociação sob controle, derrubou todos os homens do
Ganjo sozinho. Foi bonito de se ver. Todos aqueles mais de dez caras
armados não pareciam nada pra ele. Mas parece que o Barbosa tinha alguma
informação que o fez aceitar apanhar até quase morrer para que ela não
vazasse. — Pix deu um suspirou longamente. — No fim, o Ganjo aceitou a
retratação e ainda está devendo um documento se comprometendo ao sigilo
de informação acordada, mas o Draco saiu muito fodido. Pelo que eu
entendi, a tal informação que ele queria proteger eram uns nomes. O nome
do tal de Gabriel que ele tem repetido, inclusive.
Gabe tremia com os olhos opacos. Estava imerso dentro de si em um
misto de fúria e culpa. Enfiou as mãos nos bolsos sentindo-se muito mal com
tudo que ouvia. Sentiu o impulso do elevador parando no andar indicado e
seguia a todos, ansioso.
Carla e Thiago trocavam olhares silenciosos e atentos. Aquele andar
parecia malmente com um hospital, mesmo com as paredes brancas e áreas
muito bem iluminadas. Na realidade, soava muito mais como um tipo de
clínica improvisada com os leitos divididos por cortinas densas num salão
amplo.
Aquilo era como as pessoas da máfia, mercenários e pessoas de Classe
C e D cuidavam de seus ferimentos após conflitos e brigas. Era o que
podiam pagar e o que fugia de qualquer suspeita.
Caminharam até um dos leitos onde Felipe estava deitado, levemente
sentado por conta das fraturas internas. Estava sem camisa e seu tronco era
todo envolvido com bandagens firmes. Seu rosto estava ferido e um pouco
inchado, o lábio cortado além do supercílio arroxeado e rubro. Outras
escoriações muito escuras se espalhavam pelos seus braços e peitoral.
— Ele teve sorte de saber apanhar, conseguiu proteger bem o rosto. Se
não, ele teria perdido os dentes ou algo pior. O problema foi que acertaram
muito a barriga dele e está com um par de costelas quebradas. Se eu não
tivesse parado eles a tempo, as coisas seriam piores com uma hemorragia ou
alguma merda do tipo — Pix falou.
Quando viu Felipe, Gabriel avançou sobre seu corpo em agonia. Pegou-
o pela mão tremendo muito, seu queixo e lábios em um chacoalhar intenso.
Não sabia o que fazer, nem o que dizer. Queria que todos sumissem para que
ficasse a sós com ele em paz.
Apertou a mão do ruivo que parecia dormir enquanto o analisava com a
expressão cerrada mesclada com a de profunda dor. Carla suspirou e voltou-
se para Thiago, os dois trocaram mais um olhar alongado antes dela falar
para Pix:
— Obrigado por ter tirado ele de lá. E pelos atendimentos. Vamos arcar
com tudo que foi gasto — ela começou enquanto o mercenário negava com a
cabeça balançando a mão para ela esquecer aquilo.
— Não precisa se preocupar, é o meu trabalho. É melhor esperar ele
acordar por conta própria antes de levar ele daqui para outro lugar, eu
obedeci ao protocolo de não oferecer sedativos aos assassinos. Então ele
provavelmente está desmaiado por causa da dor. — Pix reparava atencioso
em como o moreno, de costas para todos, tremia muito segurando a mão de
Draco.
“Então é você. É você que ele estava protegendo” o loiro pensou.
— Espera… Ele está sem analgesia?! — Gabriel perguntou arregalando
os olhos para Pix. O mercenário assentiu dando de ombros. — Pro caralho
com a porra do protocolo! Por que ele precisa sofrer mais?!
Pix riu rouco desconcertado. “Certamente ele não é da Ordem” pensava
um pouco corado, aquele tom muito agressivo era fofo contrastando com
aqueles olhos castanhos angustiados. Ele gostava muito daquele olhar
fumegante em sua direção. Thiago interviu acalmando Gabe:
— Assassinos não podem tomar sedativos ou analgesia forte. Faz parte
do treinamento, Gabriel.
Gabe agora parecia se desfigurar em fúria.
— Foda-se, porra! — ele gritou. Carla bufou chiando, para que falasse
baixo.
— Ele vai ficar bem, Gabe. Pelo menos ele está vivo e não está com
complicações piores — Carla o tranquilizou vendo-o negar com a cabeça.
O moreno puxou uma cadeira que estava na lateral do leito, arrastando-
a com violência para colar com a cama e se sentou ali em birra, sem soltar a
mão de Felipe. Virou-se definitivamente de costas para todos com um bico
enorme.
Carla tentou continuar:
— Acredite, ele aguenta mais do que você pode imaginar…
Gabriel arregalou os olhos, o cenho apertado emoldurava sua expressão
de cólera e incredulidade. Grunhiu sentindo suas forças se esvaírem junto
com toda a disposição para discutir.
— Argh, dane-se. Já chega. Vão resolver o que resta dessa porra e me
deixem aqui com ele... — “Por favor” ele completou, mexendo os lábios sem
nenhum som, de forma que só Carla podia ver.
A mulher suspirou, assentindo, e saiu dali seguida de todos. Fechou a
cortina ao redor do leito em um puxão e todos ficaram em silêncio do lado
de fora, ouvindo Gabe fungar dentro do espaço.
Pix deu um suspiro vendo o casal que parecia muito preocupado diante
de si.
— Hum, é ele, né? Ele é o tal do Gabriel — Pix perguntou sorrindo
bobo. Ele tateou os bolsos em busca de seu pirulito, negando com a cabeça.
— Ai, ai, gente apaixonada é mesmo muito engraçada. Espero nunca passar
por esse tipo de merda.
Thiago arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto. Normalmente quem
menos quer se apaixonar é quem mais sofre com o destino.

✽✽✽

A manhã e sua claridade invadiam as janelas amplas, tudo muito alvo e


estranhamente límpido. Uma brisa fresca, quase fria, deixava o ambiente
confortável e arejado.
Sempre que respirava muito forte, Felipe sentia náusea por causa da
dor, então a amenizou buscando mapear as sensações de seu corpo ainda
com os olhos fechados, acordando aos poucos.
Sentiu um tecido pesado sobre suas pernas, aquecendo-o, e seu tronco
necessariamente estava muito dolorido. Os braços amortecidos ao seu lado
pesavam bastante. Uma de suas mãos estava muito quente, envolvidas por
uma outra.
Tentou processar todos os acontecimentos e lembrou-se da negociação
com Ganjo, o líder dos Barbosa.
“A ordem veio de cima, tínhamos que encerrar com essa negociação e
deixar ele sobreviver no final como se tivesse ganhado... Não vai demorar
até o nosso acordo de proteção ser válido de novo”, ouviu a voz de Ganjo
ecoando em sua mente. Lembrava-se perfeitamente da conversa estranha que
havia ouvido antes de perder a consciência.
“Quem é Bárbara?” refletiu em um eco sombrio.
Tentou afastar toda aquela confusão de sua mente quando
repentinamente recobrou a consciência por completo. Pensou imediatamente
em Gabriel e abriu os olhos de uma vez, puxando o ar mais forte. Sentiu dor
e gemeu baixinho, incomodado.
O espaço onde ele estava era um leito isolado por densas cortinas cor de
menta ao seu redor. Alguns aparelhos médicos estavam ao seu lado
desligados já que ele não precisava deles, e apenas um soro no alto de um
suporte se ligava ao seu braço livre à sua esquerda. Viu, parado, entrando
naquele cubículo através da cortina, o mercenário loiro que arregalou os
olhos em sua direção ao vê-lo acordado. Ele trazia um copo com café preto e
sorriu de canto, desviando o olhar do acamado para o rapaz que dormia ao
lado dele, apertando-o.
O ruivo acompanhou o olhar de Pix e sentiu como se seu coração fosse
saltar pela boca. Afinal, o que sentia agarrar-se em sua mão era Gabriel,
dormindo com a expressão cerrada exausta, as duas mãos em prece firmadas
na sua.
Pix deu um risinho e pigarreou alto fazendo o moreno ter um
sobressalto na cadeira e encará-lo com uma expressão mal humorada:
— Porra, você me assustou — Gabriel disse baixinho encarando o
mercenário que sorria provocativo.
— Ei, sem agressividade. Eu consegui o café pra você — Pix disse e
fez um movimento com a cabeça indicando Felipe, que ainda estava atônito
vendo o seu submisso ao seu lado, zelando por ele.
Gabriel virou o rosto confuso na direção de Felipe e seu corpo
estremeceu. Os olhos dourados na sua direção brilhavam em contato com os
seus, as maçãs do rosto feridas tomavam uma linda coloração que
combinava com o cabelo rubro.
A expressão do ruivo era um misto de choque e admiração que foi aos
poucos se derretendo em um lindo sorriso tímido e bobo. Gabe não hesitou
em pular de onde estava e abraçá-lo, tomando todo cuidado para não o
apertar muito.
Atracou-se em seu pescoço enfiando o rosto ali enquanto sentia o
cheiro que era só dele, o cheiro de sua pele, e grunhiu mal-humorado
sentindo-se impelido a chorar, continha-se ao máximo.
A mão alheia que recebia o soro acariciou seus cabelos fracamente, os
dedos longos e gelados enfiando-se pela sua nuca em uma carícia leve e
dócil.
— Desgraçado. Seu desgraçado... — Gabe sussurrou, desabando em um
soluço de choro.
Felipe riu rouco no seu ouvido, causando-lhe calafrios sequenciados.
Pix deu um risinho divertido repousando o café sobre a cadeira onde Gabriel
estava sentado outrora e saiu dali para deixá-los a sós sem falar nada,
fechando a cortina atrás de si.
— Eu vou chamar o médico — Gabriel disse se afastando. Virou o
rosto para que ele não visse suas lágrimas enquanto as limpava com o
antebraço em uma fungada. — Espero que esteja sentindo dor pra caralho.
— O quê? Por causa dessa besteira? Não foi nada — Felipe murmurou
sorrindo muito, não conseguia deixar de se sentir privilegiado com aquilo
tudo. — Mas se eu soubesse que você ia ficar tão sentimental assim eu teria
apanhado antes.
— Vai tomar no cu, Felipe! — Gabriel disse rudemente voltando-se
para ele agressivo, os olhos de gato cintilavam muito vívidos. Respirava
finalmente. Felipe ria baixinho e sem forças. Doía sempre que se
movimentava em demasia.
Os dois foram interrompidos por Thiago que havia aberto a cortina, Pix
o havia alertado sobre Felipe ter despertado. Ele adentrou o espaço seguido
de um homem tão alto quanto, mas muito mais corpulento, vestido com o
jaleco branco por cima das roupas de mesma cor.
Era mais velho e grisalho com um cabelo ralo e curto, usando uns
óculos quadrados que davam a ele uma expressão séria por trás dos olhos
castanhos. O médico circulou a cama pelo lado livre e Thiago permaneceu
aos pés dela encarando o amigo com a expressão serena e sonolenta de
sempre.
Gabriel se afastou um pouco com os braços cruzados, o cenho cerrado
enquanto mordia o lábio. Felipe trocou um olhar com o médico que já
conhecia e apertou os olhos sem acreditar naquilo.
— Você disse que me daria férias para o resto da vida, Draco. Três anos
não é o resto da vida. Por que eu estou olhando para sua cara? — o médico
perguntou muito sério e Felipe sorriu de canto debochado.
— O quê? Quando eu sumi você ficou sem ter quem atender e teve que
vir trabalhar com mercenários? — o ruivo retrucou.
— Claro. Minha vida ficou chata sem o inferno que você liderava. Você
fazia minha clínica ficar lotada de homens esfaqueados. Eu adorava! — ele
disse irônico. — Eu não tinha um bendito dia de descanso, seu maldito.
Agora ter você como paciente... Essa é nova.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo. Gabriel arqueou uma
sobrancelha quando os dois riram baixinho ao mesmo tempo. Thiago deu um
risinho fraco e coçou a nuca sem graça.
— Bom saber que sua vida estava parada sem mim, Jonas — Felipe
disse apertando a mão do médico que retribuiu o cumprimento firmemente.
O outro sorriu satisfeito.
— Não é todo dia que eu tenho a oportunidade de te ver fodido desse
jeito. Você tinha que ver a minha cara quando eu te vi chegando
inconsciente. Eu sabia que um dia você ia ser pego — ele disse enquanto
começava a apalpar o abdômen de Felipe levemente. — Vamos lá. Dói aqui?
O ruivo assentiu em silêncio, sentindo a dor intensa. Controlava sua
respiração evitando demonstrar através de sua face neutra e fria. Jonas
suspirou pesadamente.
— Vai precisar ficar sem fazer movimentos bruscos por pelo menos um
mês. Repouso. De verdade. Depois de umas duas semanas talvez já não sinta
mais tanta dor assim. Ah, e nada de fumar.
— Hum. — Felipe concordou.
Jonas levantou os olhos para Thiago, agora falando diretamente com
ele:
— Antes era você que sempre chegava todo fodido e agora é ele.
Quando foi que vocês trocaram de papel nas brigas que vocês se metem?
— Não olhe pra mim, ele se meteu nessa sozinho — Thiago disse
lentamente. Não tinha a mesma habilidade veloz de Felipe e acabava sempre
saindo ferido de batalhas.
Jonas assentiu rindo e apontou para Gabriel.
— E ele? Está aqui há um bom tempo sem sair do seu lado. O quê?
Agora você tem selecionado novos subordinados por beleza? — Jonas disse
galante, com um sorriso sedutor, e Felipe apertou os olhos para o médico.
Thiago riu repreendendo-o.
— Não faça isso Jonas, o Felipe não é tão paciente quanto eu. Ele está
ferido, mas ainda consegue atirar em você por dar em cima do homem dele
— Thiago disse tirando o copo de café da cadeira, puxou-a e se sentou
entregando o copo a Gabriel.
O moreno pegou-o sentindo-se corar intensamente, bebericou do
líquido morno evitando o olhar do médico ou de Felipe. Estava
absurdamente mal-humorado com as sobrancelhas juntas na sua
agressividade habitual, queria mandar aquele homem para longe.
No momento, só desejava ficar a sós com Felipe e protegê-lo.
Aproveitando cada segundo que podia ao lado dele e tentar aliviar a culpa e
a dor que o sufocavam ao extremo. Jonas riu divertido.
— O quê?! Tá de sacanagem. — Jonas ria sem conseguir se conter.
Apontava para Felipe que tinha os olhos semicerrados e ameaçadores para o
velho amigo. — Você está com alguém?! Logo você?
Gabriel grunhiu irritado.
— O quê? O que tem ele? — O moreno o encarou muito violento.
Desfez-se do copo vazio na lixeira em um movimento firme e virou a cabeça
afrontando-o.
Jonas levantou as duas mãos prendendo os lábios que insistiam em
sorrir:
— Nada, nada. Desculpa — ele repetiu baixinho e Felipe bufou,
massageando as têmporas.
— Ainda não fomos apresentados. Eu sou Jonas, eu era o médico que
cuidava dos homens da gangue dele, os Aliados. Bom, eu também cuidava
de alguns homens que ele surrava... Dos que sobreviviam, claro.
— E ele sempre fala sem pensar — Thiago completou sorrindo sem
graça e arqueando as sobrancelhas, encarava o amigo ruivo que mantinha-se
fitando ameaçadoramente o médico que sorria muito para Gabriel.
— E se já terminou, já pode ir embora — Felipe finalizou friamente.
Jonas assentiu dando outra risada e piscou para Gabriel acenando
enquanto caminhava para fora do cubículo:
— Claro, claro! Já estou indo. É bom te rever, Draco. Espero que
melhore logo e não me traga mais problemas. E... Boa sorte para você,
gatinho.
— Seu filho da p- — Felipe fez que ia se levantar da cama para socá-lo
e se curvou sentindo a dor intensa das costelas quebradas.
Gabriel avançou sobre ele segurando-o e o empurrou lentamente para o
leito. Felipe fuzilava Jonas com os olhos dourados assassinos. O homem riu
e repetiu antes de fechar a cortina atrás de si:
— Repouso absoluto, Draco!
Felipe se debatia, estava possuído por aquela sensação doentia. Ouvir
outro homem chamar Gabriel como só ele podia chamá-lo o fez sentir força
o suficiente para se levantar e surrá-lo. Queria fazer isso imediatamente.
— Fica quieto porra! Se você se mexer muito vai piorar tudo e não vai
se recuperar — Gabriel ralhou tentando segurá-lo. — Caralho! Fica quieto,
Felipe!
Thiago pigarreou para chamar atenção de ambos.
— Felipe, basta così. Mi dispiace, ma è un rischio professionale[10].
Depois você resolve isso. Você sabe que ele faz o mesmo com a Carla toda
vez. Ignoralo[11] — Thiago falou devagar e apaziguador. Juntou as duas
mãos pelas pontas dos dedos diante de si. — Agora, será que pode me dizer
o que aconteceu na negociação pra terminar assim?
Felipe grunhiu, aceitando o repouso forçado, ainda tremia de raiva.
Gabriel apertou sua mão encarando-o com os olhos castanhos, também
estava irritado, mas muito mais preocupado com sua saúde.
O ruivo suspirou tentando se acalmar enquanto encarava o amigo que
ainda aguardava explicações do ocorrido. Jonas nunca teve uma boa
personalidade e gostava de envolver-se com pessoas comprometidas, era
realmente insuportável, mas um ótimo aliado para encontrar naquela
situação.
Gabriel realmente era mesmo lindo demais e ter que lidar com
admiradores era, justamente como Thiago havia dito, ossos do ofício.
— O Ganjo... Ele tentou complicar as coisas pra mim — Felipe
começou lambendo os lábios, os cantos deles estavam feridos e sentia a
cicatriz arder.
Thiago bufou.
— Claro que ele tentou.
Felipe continuou assentindo, ainda irritado.
— Mas tinha alguma coisa errada... Eu sabia que ele não queria me
matar, mas também não sei se queria me testar. Ele realmente parecia querer
só me irritar, como se tentasse me fazer usar a informação sobre a fraude
dele.
Thiago parecia ponderar, os olhos de um castanho escuro preso nos do
amigo. Eles pareciam compartilhar o receio de problemas maiores.
— E então?
— Depois que eu o pressionei com a fuga do cartel ele mostrou as
garras. Claro. — Felipe suspirou e olhou rapidamente para o moreno ao seu
lado, ainda o encarava com a expressão felina e cerrada. Ele parecia
estranhamente reservado e cheio dos próprios pensamentos.
O ruivo sentia algo de muito errado com ele e queria estar a sós para
poderem conversar em paz. Suspirou voltando a encarar para Thiago, não
podia evitar contar a verdade.
— Ele sabia o nome do Gabriel. Mas não só o dele. Da família dele, dos
amigos...
Gabe fechou os olhos devagar, puxando o ar calmamente, já prevendo
aquilo. Tentava manter-se calado enquanto se fechava cada vez mais dentro
de seus muros, tamanha culpa e raiva que sentia. A fragilidade que era
colocado já o tinha deixado no seu limite.
Não suportava mais isso.
Felipe o olhou de novo, prevendo uma reação malcriada, mas o moreno
não disse nada. Apertava os punhos no cruzar dos braços e mantinha-se com
o olhar opaco, mirando o nada, sério e pensativo. Thiago parecia refletir no
que havia ouvido, concentrado.
— Como ele conseguiu essas informações? Você acha que... O
Jonathan…?
— Ele foi o único que foi atrás das informações sobre o Gabe, não é?
Eu não duvido de mais nada — Felipe concluiu com uma expressão
insondável.
Se Jonathan tivesse realmente repassado essas informações, ele
definitivamente teria ido longe demais para separá-los. Gabriel engoliu em
seco respirando com dificuldade.
Thiago sentia que algo não se encaixava naquilo e prosseguiu:
— E então o Barbosa propôs uma troca de sigilos. Ele não fazia nada
com os nomes e em troca você não fazia nada com a informação do cartel?
— Thiago questionou, apertando os olhos, e Felipe concordou com a cabeça.
O atirador estalou a língua. — Então... Ele depois simplesmente quis te
surrar até quase te matar? O Ganjo é meio burro, mas eu não esperava isso
dele.
Felipe negou com a cabeça, muito frio.
— Eu ainda precisava cumprir uma retratação pela invasão e esse foi o
preço. Ele pediu que eu concedesse um pedido para o Maranzano, e o pedido
era que eu morresse. Aquele líder dos mercenários quem interviu e o
manipulou para que ficasse só nisso — o ruivo disse, vendo Thiago arregalar
os olhos, surpreso com aquele nome.
Gabriel piscou atônito pensando no que poderia ter acontecido caso Pix
não estivesse lá para assegurar a vida de Felipe. O Castro assentiu,
acompanhando a expressão de seu amigo e entendendo imediatamente o que
ela significava.
— Sim, o Andrey estava lá. Como eu disse, tinha algo de muito
estranho nessa negociação.
— E o que você acha? Que ele vai continuar causando problemas
mesmo depois disso tudo? — Thiago questionou e Felipe negou com a
cabeça lentamente e sussurrou:
— Eu não sei…
Gabriel permanecia ouvindo tudo atentamente em silêncio.
O ruivo contou em seguida sobre o que havia ouvido antes de desmaiar
inconsciente: o diálogo misterioso entre Barbosa e Maranzano sobre o
acordo da lótus ser reavivado. Gabe tentava manter a postura fingindo não
saber do que se tratava aquele acordo e trocou um olhar rápido com Thiago.
Felipe omitiu o nome misterioso que citaram — Bárbara — em sua
explicação. Parecia muito focado e intrigado com tudo aquilo, mas ainda
achava que era melhor manter para si aquele detalhe.
Gabriel puxou o ar com a boca, sentindo-se sufocado, ao perceber uma
chama estranha no olhar de seu dominador, não o queria envolvido naquilo
de novo. Não conseguiria suportar vê-lo ferido mais uma vez. Não
conseguiria ficar de lado esperando-o voltar. Isso se voltasse.
— Seja lá sobre o que eles estavam falando... Você não vai mais se
envolver com isso... Não é? — o moreno perguntou, intrometendo-se. Sua
voz era fraca. Ele manteve-se firme encarando os olhos dourados que
vacilavam na missão de segurar os seus.
Silêncio. Gabe insistiu:
— Felipe... Você não vai mais se envolver com a Ordem ou com o
passado, não é? Não era... isso? Não era por isso que queria acabar com essa
negociação logo?
O ruivo suspirou e olhou para Thiago, que sabia muito bem sobre como
ele se sentia em relação aos Tyrone. Sabia também que se houvesse uma
chance de o acordo ser reavivado, sem dúvida ele seria o primeiro a ser
alvejado.
Além disso, a Ordem correria sério risco, uma nova guerra teria que ser
traçada.
Mesmo que tudo isso parecesse muito impossível e improvável, já que
tinham certeza de que os únicos integrantes restantes da família Tyrone
estavam mortos, não conseguia calcular como seria caótico e problemático
caso realmente existisse uma forma do acordo voltar a vigor. A única
possibilidade seria caso houvesse um Tyrone vivo que exigisse por isso.
Considerando que Alberto Tyrone havia se suicidado, e Luisa e
Fernando Tyrone foram mortos por Felipe pessoalmente, ele tinha certeza de
que não restava nenhum deles vivo. O ruivo negou com a cabeça lentamente,
alertando Thiago com o olhar. Era melhor tranquilizar Gabriel e, além disso,
precisava ficar a sós com ele.
O amigo compreendeu e suspirou, levantando-se.
— Bom. Eu vou considerar que a negociação acabou. Sem informações
concretas é melhor esperarmos o compromisso de sigilo do Ganjo e nada
mais. Vou repassar o relatório para a Carla — Thiago disse enquanto
preparava-se para sair. — Um carro vem te buscar assim que receber alta.
Respeite o seu repouso para se recuperar logo e qualquer reação do Jonathan
ou movimento dele, eu estarei monitorando. Espero que agora ele fique
distante.
Felipe assentiu, concordando.
— Desative meu sistema por completo — ele orientou. Sabia que
enquanto mantivesse seu sistema ativo, mesmo uma pequena porcentagem
de subordinados ligados à Ordem atuando em seu nome, ainda chamaria
muita atenção.
Manteria subnotificados apenas o necessário para proteção usual e
voltaria como era antes: apenas um fotógrafo. Thiago assentiu e acenou para
Gabriel antes de sair dali.
Silêncio.
O moreno mordia o lábio quando se aproximou da cama onde Felipe
estava.
— Você não me respondeu, Felipe.
O ruivo suspirou estendendo a mão na sua direção. O outro aceitou,
encaixando sua mão na dele, e foi puxado na direção do leito lentamente
com a expressão felina irritadiça.
— Sobre isso…
Antes que ele concluísse, Gabe o interrompeu bruscamente:
— Escuta, eu sei que isso te machuca, Felipe. E agora isso literalmente
te machuca. Olha pra você. Você está assim por causa disso... E também por
minha causa. — Ele grunhiu e Felipe negou com a cabeça. Gabriel
continuou tagarelando sem dar atenção: — não, porra. Não adianta negar. Eu
sei que você tenta fugir de quem você era antes e de toda essa merda que era
envolvido. E agora? Eu pensei que queria que voltasse a ser como era antes.
Sem... Tudo isso. Sem a Ordem, sem toda essa bagunça. Pensei que queria
ser só o Felipe e não mais o Draco. Eu... Olha pra mim! Eu fiquei de mãos
atadas sem poder fazer nada aqui! Você podia ter morrido nessa porra. Como
acha que eu ia me sentir?
— Gabo... — Felipe resmungou apertando as mãos trêmulas dele.
Gabriel mal percebia que falava muito rápido, as lágrimas escorrendo
caldosas dos seus olhos raivosos, ardendo.
— Não! Por favor, Felipe, você sabe que quanto mais você se envolve
com isso, mais as coisas ficam complicadas e tensas... O jeito que você
trabalha, ignorando todos os outros e fazendo o que bem entende? E se o Pix
não estivesse lá? Você teria morrido?! Argh! Eu... eu não posso fazer nada
por você e eu odeio isso! Será que você entende? — ele grunhiu,
engasgando-se em lágrimas e com preocupação.
Estava exausto e muito irritado. Queria só deitar-se ao lado dele e sentir
que era Felipe e só Felipe de novo. Em segurança. Que tudo aquilo ia acabar.
O moreno prosseguiu:
— Eu só não quero que você... Eu só não quero te ver se isolando e se
metendo em missões suicidas como essa. Sendo consumido por ódio! Porque
você não é só isso. E eu... Eu sei que não tenho direito de exigir nada... O
que eu quero dizer é...
Felipe o puxou com força, agarrando-o em um abraço. O moreno havia
se debruçado sobre seu corpo e o envolveu segurando-se para não pesar
muito sobre ele.
— Cuidado, porra... Você está machuca- — ele começou a protestar em
um sussurro, mas sentiu o ruivo o segurando pelo rosto.
Felipe o beijou docemente e com urgência, deslizando sua língua
quente na do outro. Gabriel arfou, sem forças para rejeitá-lo, sentia as gotas
salgadas de seu choro invadindo suas bocas enquanto ele segurava o homem
abaixo de si pelo pescoço.
Estava sem ar com aquele beijo urgente, mas não queria parar de se
sufocar. Precisava dele, precisava mostrar para ele o quanto estava com
medo de perdê-lo e como aqueles dias e toda aquela situação o fizeram mal.
Agora, mais do que nunca, estava certo sobre como se sentia e isso era
apavorante, desestabilizante. Sabia demais sobre a Ordem e todo aquele
submundo, e, se cruzasse a linha insistindo em envolver-se com Draco como
Gabriel, poderia perdê-lo em definitivo ou ele mesmo ser feito de refém.
Odiava ser fraco. Odiava. Queria ser forte por ele. Sentia que se fosse
mais, poderia estar ao lado dele em sua plenitude, sem limitá-lo.
Em um movimento rápido e impensado, o ruivo se inclinou para frente
para puxá-lo mais em sua direção e arfou de dor. Gabe o largou, xingando, e
o empurrou na direção da cama com as duas mãos posicionadas em seus
ombros.
— Mas que caralho, fica quieto — ele ralhou rudemente encarando os
olhos dourados de perto. Estava praticamente sobre ele na cama de hospital.
Felipe mantinha sua expressão fria de sempre, escondendo por trás da
inexpressão uma mescla de muitos sentimentos conflitantes. O moreno
encostou a testa na dele e apertou os olhos respirando fundo para conter-se.
— Prometa pra mim, Felipe. Prometa que essa foi a última vez que se
envolveu com isso e não vai mais se meter com essas merdas do passado.
Prometa que não vai atrás de informações desnecessárias que só vão te
machucar. Por favor. — Gabriel disse.
“Merda, eu sou um egoísta... um egoísta de merda” ele pensou.
Silêncio.
Felipe suspirou sentindo aquele tom suplicante o invadir. Queria ser
apenas ele mesmo, mas também sabia como era difícil desfazer-se de uma
parte sua que sempre se sobressaia e acabava voltando.
Entendia também que Gabriel não pedia aquilo por repulsa por quem
ele era, mas sim por temer perdê-lo tanto para a violência e perigos que
envolviam continuar caçando os Tyrone e sua Tríade, quanto para o ódio que
tendia a consumi-lo e destruir com toda a humanidade que ainda restava
nele.
Não podia arriscar.
Queria ser apenas Felipe por Gabriel. Enquanto que, noutro ponto,
Gabriel queria ser mais que só Gabriel, para que Felipe pudesse ser quem
bem entendesse e por completo.
Gabriel não o deixaria ser consumido pelo ódio se pudesse estar ao seu
lado dividindo sua fúria. Os dois permaneceram assim, ouvindo suas
próprias respirações, quando o ruivo deu um risinho rouco.
— Está tudo bem. Eu prometo, gatinho.
A promessa ecoou silenciosa e tensa, como o prenúncio de um forte
temporal.
CAPÍTULO XXVI
...

Quando o sol estava à pino e as gaivotas piavam altas no céu do cais,


um carro escuro estacionou rapidamente. Jonathan desceu irritado, os
cabelos negros cintilando pela claridade enquanto ele ajustava sua gravata
vermelha.
Ele caminhou bufando até um dos galpões, acompanhado de seus
subordinados que o seguiam silenciosos e armados.
Jonathan, por sua vez, odiava armas. Sabia atirar porque fora obrigado a
aprender, mas nunca realmente foi bom com atividades táticas e preferia
nunca ter que pôr em prática o que havia aprendido durante seu treinamento.
Funcionava bem como negociador até certo ponto e preferia seguir a
vida assim, diante dos computadores ou em diplomacia: manipular dados e
resultados, em uma posição na qual sempre seria um vencedor. Ninguém
nunca via seu verdadeiro “eu” e esse era seu trunfo.
Amava vencer. Perder não era uma opção.
O hangar com muitos galpões à beira do oceano estava deserto.
Necessariamente no galpão em que adentrava, o chão batido de terra e umas
poucas caixas enormes de madeira era tudo que compunha o local. O
ambiente era amplo e iluminado pela luz solar que perpassava pela
sequência de janelinhas gradeadas nos altos.
Ganjo Barbosa estava ali, cercado de três de seus homens. Jonathan viu
mais três figuras em um canto, mas não os deu atenção, partindo diretamente
ao seu alvo. Agarrou-o pelo colarinho com muita força.
— Que merda, Ganjo?! Tínhamos um acordo! — Jonathan gritou
contra Barbosa. Ganjo grunhiu.
— Me larga, Jonathan! Até parece que você sabe bater em alguém! —
Ganjo se livrou do aperto do moreno e o outro o encarou com os olhos
dourados em fúria. — Foi pra isso que me chamou aqui com urgência? Eu
cumpri com nosso acordo. O Draco está vivo como você pediu! Ninguém
falou nada sobre ele sair realmente ileso.
— Seu desgraçado! Você quase o matou! — Jonathan urrou tremendo.
Estava tão possuído de raiva que poderia atirar nele.
Tentou se recompor, respirando fundo algumas vezes. Não podia perder
sua compostura e máscara. Viver de máscaras era essencial para ele.
Olhou sombriamente para Ganjo que sorria cinicamente e devolveu o
sorriso falso ajustando seu terno.
— Tudo bem, tudo bem. Esqueça isso, lindo. Apenas cumpra com sua
palavra e esqueça o Draco. O seu negócio e da Tríade toda é comigo, e só
comigo.
Ganjo deu uma risada sombria.
— Sim, sim! Claro. Um irmão que quer roubar a cena do outro. Trair a
confiança dele negociando com seus piores inimigos... — Ele estalou a
língua várias vezes em um tom de reprovação. — Que víbora você é. O que
você não faz para ter seu momento de fama e se tornar o próximo grande
líder, não é, J?
Jonathan arrumou os cabelos em uma expressão fria. Sorriu amarelo e
os olhos opacos enquanto enfiava as mãos nos bolsos do traje slim preto,
ajustado perfeitamente ao seu corpo esguio.
Sua mentira era muito bem contada e era melhor assim. Preferia assim.
A verdade só trazia dor. Suspirou e deu de ombros.
— É exatamente isso. Que bom que você entendeu a importância disso
tudo pra mim. — Jonathan sorriu larga e falsamente. — Isso é um aviso,
Ganjo, fique longe do Draco e dos negócios estúpidos dele. Eu não sei como
conseguiu as informações sobre as pessoas ao redor dele, mas fique longe
delas.
Ele passou a caminhar de forma altiva gesticulando afetadamente com a
mão enquanto falava:
— Pensa comigo… Você quer que a Tríade volte a ter o poder que tinha
antes não é, lindinho? Então. Se mexer com a pessoa errada pode acabar se
arrependendo e colocar tudo a perder. Confie em mim e nós dois saímos no
lucro. Você vai ter seu momento se quiser se livrar dele no futuro, mas
agora... Fique. Longe. Do meu. Irmão.
O tom ameaçador e sombrio mesclava-se com o de profundo deboche.
Ganjo engoliu em seco e desviou os olhos dos de Jonathan, ele conseguia ser
quase tão assustador quanto o seu gêmeo quando queria.
O Barbosa acreditava nele. Não lucraria em nada matando Draco agora.
A negociação tinha que continuar e o acordo Lótus Dourada voltaria ao seu
vigor o quanto antes.
Pix se aproximou devagar chupando um pirulito, mantinha os olhos
bem presos no sorriso falso de Jonathan. A primeira coisa que havia pensado
ao vê-lo, sem dúvida, era que ele era muito bonito e ligeiramente fofo por
trás daquela expressão contraditória.
O mercenário era seguido por outros dois. “Hum, quando falamos ao
telefone eu realmente pensei que você não fosse tão interessante quanto o
seu irmão. Mas parece que eu tive sorte, os dois são realmente incríveis” Pix
pensava enquanto analisava o Castro.
Ganjo Barbosa grunhiu para Jonathan:
— Certo, certo. Você está certo. Mas eu já disse que ele está vivo! É
isso que importa, não? Eu vou cumprir com minha palavra e não vou me
meter mais com o Draco ou os negócios dele. Temos muito mais o que fazer
na nossa negociação — garantiu.
— Ganjo, Ganjo... Você não cansa de ser dissimulado — Pix interviu
cantarolando. — Sim, o Draco está vivo. Mas isso porque eu avisei que ele
ia acabar morrendo se você não parasse os seus subordinados, não é?
Ganjo engoliu em seco, grunhindo mal-humorado para o loiro.
Jonathan voltou-se para Pix, analisando-o da cabeça aos pés. De
primeira achava que era só um bonito homem baixo, quase vinte centímetros
mais baixo que ele, com um rosto quase infantil: as sardas alaranjadas
espalhadas por seu rosto pálido que contrastavam com uns olhos verdes
muito profundos enquanto chupava um pirulito entre os lábios de coração.
Era realmente lindo e quanto mais olhava, mais achava-o atraente. Os
cabelos cor de areia refletindo sub tons acobreados de um loiro natural.
Analisou-o melhor e vacilou em sua percepção, considerando que, na
realidade, aquela pessoa podia ser uma mulher.
Por um momento, tinha certeza que claramente era uma mulher.
A confusão se deu e ele virou o rosto na direção do ombro sem entender
muito bem do que se tratava aquela criatura bela e quase élfica à sua frente.
Olhou com uma sobrancelha arqueada para Ganjo em um lapso de estupidez
inocente.
— Quem é ela? — perguntou.
A boca de Ganjo se apertou assim como seus olhos de rato, prevendo o
que aconteceria dali em diante.
Pix grunhiu, sentindo a onda de fúria que o invadiu, quando avançou
firmemente sobre Jonathan. Agarrou-o pelas vestes passando a perna direita
por trás das do homem mais alto e o jogou no chão, derrubando-o em um só
golpe forte.
Encaixou-se sobre seu corpo em seguida, as coxas pressionando o
tronco do Castro. Os capangas que o protegiam apontaram a arma para Pix
imediatamente e os de Pix para eles, em sincronia. O loiro puxou o braço
rapidamente e desceu um soco preciso no rosto de Jonathan acertando-o em
cheio.
O estalo forte ecoou pelo galpão e o bater de asas dos pombos
assustados foi seguido de um breve silêncio aterrorizante.
Jonathan arregalou os olhos, surpreso e totalmente sem reação,
sentindo-se ser puxado com muita força a ponto de todo seu tronco ser
arrancado do solo. O mercenário agora o puxava com uma mão só enquanto
tirava o pirulito da boca para falar com ele.
— Olhe bem para mim, seu desgraçado. Primeiro: se quiser saber quem
eu sou pergunte para mim. E segundo: você e todo o resto deve me tratar
como ele. Eu não sou uma mulher, mas eu também não sou um homem, e eu
não vou perder meu tempo explicando isso para um merdinha presunçoso
que nem você. Então não interessa quem é o fodido que você chama de pai,
ou a porra da sua posição no buraco que você saiu. Se me chamar de ela de
novo, eu vou te arrebentar até ninguém te reconhecer, porque esse seu
sorrisinho cínico vai sumir para sempre, capicce?
Jonathan estava com os lábios entreabertos. Via uma chama ardendo
nos olhos de Pix e sentia a pressão do seu corpo sobre o dele. Estremeceu
sentindo o aroma que emanava do mercenário, era doce e levemente
amadeirado. Não sabia por que se sentia daquele jeito, tão arrebatado.
Seu coração batia tão rápido que mal conseguia piscar.
Antes que Jonathan pudesse reagir, o loiro enfiou o pirulito que antes
chupava na boca alheia e o empurrou com força de volta ao solo, saindo de
cima dele em seguida. O olhou de cima quando estava de pé, vendo-o sem
reação no chão, e piscou para ele sedutor.
— E meu nome é Pix. É seu dia de sorte, “lindo”, porque eu que mando
nesse cais. Se eu estivesse de mau humor, você sairia daqui pior que seu
irmão quando eu o levei pro hospital.
Ele se agachou ao lado do homem que agora se apoiava nos cotovelos
tentando recuperar-se daquilo, ainda muito incrédulo. A tensão entre os
capangas dos dois era completamente ignorada.
Pix se aproximou bem de seu ouvido, sussurrando sem que ninguém
mais escutasse além dele:
— E aliás, eu sou o mercenário que você contratou por telefone para
garantir que seu irmão saísse daqui vivo. Mas não se preocupe, seu
segredinho de que você se importa com ele a ponto de protegê-lo está a salvo
comigo. Você pode enganar todo mundo, mas não a mim.
Jonathan arregalou os olhos em um calafrio. Ainda estava com o
pirulito de Pix na boca sentindo o gosto muito doce que se mesclava com o
da saliva do mercenário e a dele próprio. O beijo indireto e a ideia de sentir
aquele gosto diretamente da boca alheia se passou na sua mente em um
lapso, sendo bloqueada imediatamente.
Trocou um olhar com o loiro que estava muito perto e sentiu seu rosto
aquecer em um corar inesperado. Era invadido sem pedir licença por aqueles
olhos e seu corpo todo parecia virado do avesso pela primeira vez na vida.
Estava exposto e odiava a sensação. Era tudo que ele menos precisava
no meio da guerra que estava por vir.
FIM DO LIVRO 1

continua...
NOTAS

[1]. No Karatê Shotokan, kata é uma sequência de movimentos individuais de técnicas de ataque
e defesa que, dentre outras coisas, tem como objetivo desenvolver as aptidões psicológicas e físicas
para um combate real. Cada movimento tem sua interpretação, além de um tempo e aplicação.

[2]. É um provérbio italiano que, literalmente, significa “melhor um ovo hoje do que uma galinha
amanhã”. Significa que ele deve aproveitar o que tem no presente e não arriscar com um futuro incerto
e perigoso.

[3]. Eu não decidi. Eu te amo apesar de mim mesmo. Você me afasta de quem eu fui, sabe o que
eu quero dizer? Eu não sou santo. Não tenho fé para perder, só para ganhar. Pelo menos eu posso
sonhar

[4]. Ou podemos ficar nesta pista sozinhos. Basta dizer a palavra e pronto. O passado está
retrocedendo para que possamos seguir em frente

[5]. Se der errado (não olhe para trás). Eu me tranquilizo, eu sempre soube (não olhe para trás).
Pelo menos foi real.

[6]. Podemos ser livres se quisermos (não olhe para trás, continue, não olhe para trás). Sim,
podemos ser livres se quisermos

[7]. Lâminas onduladas de dois gumes.

[8]. Shotokan é um dos estilos de karatê que tem como objetivo valorizar mais o lado desportivo
e físico visando promover o desenvolvimento pessoal.

[9]. É uma das bases do Karate.

[10]. “Felipe, já chega. São ossos do ofício”

[11]. “Ignore-o”
TRILOGIA INCONTROLÁVEL
Gabriel é um jovem dançarino e instrutor de karatê que se vê assinando um
contrato de dominação com Felipe, um fotógrafo misterioso.

Deveria ser só um contrato, mas eles cada dia mais se libertam, dando
espaço para o amor que cresce entre eles no meio de uma guerra de uma
organização mafiosa.

A partir daqui todos os caminhos são dolorosos, mas toda dor é apenas uma
ilusão.

É tudo questão de controlar e ceder.

Incontrolável 2 - Ceder SEM Controlar

A atmosfera densa e a tensão de outrora já não existiam, dissipadas pela


compreensão quase que instantânea que o tomou ao fitar aquele rosto diante
de si.
No passado, Gabriel sempre pôde ver a própria vida sob seu controle,
organizada e muito bem traçada, mas agora percebia que tudo havia se
convertido em uma sequência de jogadas imprevisíveis e oportunas.
Controlava e perdia o controle, cedia em proporções que nunca antes
experimentara. Toda a raiva, toda a violência que demandava aparentemente
sem razão naquele tempo, agora abrandava sob o peso do ouro em seu corpo.
Aqueles olhos o apaziguavam por completo, fazendo o que era confuso ficar
claro e objetivo.
Gabe havia dado uma razão para Draco aceitar a existência de Felipe. Agora
era o momento de mostrar que Felipe havia dado uma razão para Gabriel
aceitar a existência de Bourbon.

Incontrolável 1 - Ceder E Controlar

Se Gabriel soubesse desde o início quem ele mesmo era, teria sido diferente?
Ou se apaixonaria por Felipe da mesma forma?

Assinar um contrato de dominação com o fotógrafo misterioso não deveria


fazer muita diferença — afinal, era só sexo —, mas o destino não poderia ter
sido mais irônico, provando-o que junto aos corpos que se unem, almas
também se enlaçam. E que no caminho de encontrar o outro, encontrar-se é
inevitável. É libertador.

Um dançarino. Um lutador. Um masoquista. Um potencial completamente


incontrolável que não há dominador sádico no mundo capaz de conter,
mesmo que o ame.

E agora, ao descobrir que seu lar é muito maior do que pensava, cercado pela
maior organização mafiosa do continente e uma guerra centenária entre a
Lotus e o Teixo, ele terá que enfrentar muito mais que seus desejos sombrios
para florescer como a Rosa que sempre esteve predestinado a ser.

A partir daqui todos os caminhos são dolorosos, mas toda dor é apenas uma
ilusão.
SOBRE O AUTOR
KDaisies

Alter ego de um autor irrelevante que existe no mesmo plano que seus
mundos e personagens.
LUO EDITORA

A LUO foi fundada com o objetivo de entregar exclusividade em cada


obra que lançamos.

Valorizamos a singularidade de cada autor e sua comunidade de
leitores, onde a nossa preocupação gira em torno de atender as
expectativas de ambos. Na nossa visão, cada história tem a capacidade
de conectar várias pessoas em um mundo exclusivo onde inicialmente,
apenas nossos autores tinham acesso. Não se trata de mais uma história
publicada, mas sim, A HISTÓRIA sendo entregue em forma de arte
literária para ficar eternizada na memória das pessoas.

​ omos como a Lua que guia e ilumina suas histórias favoritas até
S
você.

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MISSÃO
Acolher histórias de autores nacionais pertencentes e/ou simpatizantes a
comunidade LGBTQ+, que por meio de sua arte em formato de história,
levem os leitores a mundos mais justos, igualitários, sem preconceitos e que
o amor, assim como a excitação de viver superando cada vez mais limites
considerados impossíveis, sejam prevalentes.

VISÃO
Ser referência nacional no mercado literário voltado a comunidade
LGBTQ+, onde nossas histórias e livros lindos, carregados de
representatividade diversa, possam fazer com que essas pessoas se sintam
acolhidas, agregando bem-estar e empatia à sociedade.

VALORES
Prezamos pela experiência completa que nosso leitor terá adquirindo nossos
livros. Isso inclui desde a personalidade que cada livro carrega em seu
design o tornando único, até a satisfação gerada no cliente quando ele recebe
além do livro que ele comprou, a nossa dedicação e carinho investidos em
atendê-lo de forma humanizada e com respeito, em todas as etapas do
processo de compra.

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