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61 - Amber
62 - Furio
63 - Amber
64 - Amber
65 - Amber
66 - Amber
67 - Amber
68 - Amber
69 - Amber
Epilogo
Cena Bônus
Visualizar - Uma babá para los Bombeiros
Autora
A garota
dos
Bilionários
Copyright © 2022 Juicy Gems Publishing
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode
ser reproduzida, distribuída ou transmitida de nenhuma forma sem
consentimento prévio da autora.
Traduzido por Moema Sarrapio

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Shared by the Cowboys
Nanny for the SEALs
Nanny for the Firemen
Nanny for the Santas
Shared by the Billionaires
1

Amber

“Parabéns para você, nesta data querida, muitas felicidades,


muitos anos de vida”, todo mundo cantou em uníssono: “Viva a
Michelle! Viva!”.
Aplaudimos e levantamos nossos copos, enquanto minha irmã
soprava a única vela no topo do bolo. Eu sorri e encarei o nosso
redor. Tínhamos alugado a cobertura aberta do Marcello’s, um dos
melhores bares de São Francisco. A vista era espetacular:
estávamos rodeados por arranha-céus imponentes que refletiam as
luzes avermelhadas da ponte Golden Gate que ficava à esquerda,
iluminando também as torres cinzentas que se espalhavam pela
baía do lado direito.
Suspirei, digerindo aquilo tudo. Eu e minha irmã quase nunca
podíamos desfrutar daquele tipo de coisa.
Os amigos de Michelle se revezaram fazendo brindes. Sua
melhor amiga de infância. Seus colegas de trabalho. E, finalmente,
seu namorado, Phil, que se levantou e falou durante um tempão,
como se quisesse se exibir, fazendo um discurso que era
demasiadamente dramático e emotivo para alguém que só estava
saindo com a minha irmã por um mês. Era como se ele quisesse
roubar a atenção de todo mundo na festa.
Quando ele – finalmente – terminou, aumentaram o som e todo
mundo voltou para as atividades anteriores. Minha irmã caminhou
devagar na minha direção.
“Você é a melhor irmã do mundo, sabia?”, ela perguntou.
“Eu sabia sim”, respondi, abraçando-a. “Mas fique à vontade
para me dizer sempre que possível. Além disso, você ainda não me
disse o que quer de presente de aniversário”.
“Este é meu presente, não preciso de mais!”, Michelle
gesticulou no nosso entorno. “Tem certeza de que não foi demais?”.
“Foi exatamente o que deveria ser”, eu disse. “Apesar de eu ter
cancelado o palhaço e o mágico de última hora. Eles realmente
teriam destoado da vibe deste lugar”.
Minha irmã riu e disse: “Eu me referia ao preço. Você tem
certeza de que não foi muito caro? Alugar toda a cobertura do
Marcello’s …”.
Ela não estava errada: alugar aquele lugar por quatro horas
custou uma pequena tonelada de dinheiro. Era muito, mesmo para
São Francisco. Minha conta bancária estava basicamente vazia.
No entanto, dinheiro são só números numa tela, e eu amava
Michelle mais do que qualquer coisa no mundo. Eu faria qualquer
coisa por ela, daria tudo o que ela quisesse. Especialmente porque
não tínhamos mais ninguém, só uma à outra.
“Não é todo dia que minha irmãzinha faz vinte e um”, eu disse,
evitando falar sobre o preço. “Eu tinha que estar aqui para
presenciar seu primeiro drinque”.
Michelle fez uma careta. “Não sei como te dizer isso, Amber,
mas este não é meu primeiro drinque”.
Fingi espanto. “Você está me dizendo que andou bebendo
durante a faculdade? Como uma criminosa?”.
“Não chame a polícia”, ela respondeu. “Sou muito linda para ir
para a cadeia. Eu não duraria uma semana!”.
“Devo dizer”, Phil invadiu a conversa, escorregando o braço em
volta da sua cintura, e disse: “Isso é realmente ótimo, Amber”.
“Valeu”, eu disse, com o sorriso mais diplomático que consegui
fazer. Phil era três anos mais velho que Michelle e era engenheiro
de redes da Western Digital. Mesmo que ele fosse um cara da TI
glorificado, a forma como ele agia era um pouco soberba demais.
Ele achava que era o próprio Ministro da Tecnologia, com toda a
pompa e circunstância.
“Eu adoraria contribuir”, ele continuou. “ quanto é minha
metade do custo que eu transfiro para você”.
“Não é preciso”, eu disse, usando meu sorriso como um
escudo.
Idiotas da tecnologia, sempre esfregando dinheiro na nossa
cara.
Antes que ele pudesse abrir a boca para protestar mais, eu
acrescentei: “Vou começar em um novo trabalho amanhã. Shelly e
eu não vamos mais precisar assaltar a poupança”.
“Emprego novo? Extraordinário!”. Ele olhou para minha irmã.
“Você não me disse que ela começaria um emprego novo”.
Minha irmã me encarava. “Pois eu também acabei de
descobrir”.
“Eu não queria desviar as atenções da sua festa”, eu disse.
“Onde você vai trabalhar?”, Phill pressionou. “Cisco?
Facebook?”. Seus olhos se arregalaram. “Tesla?”.
“Em uma start-up chamada Soluções Encriptadas”, eu disse.
Phil acenou pensativo. “Ouvi falar na SE. Eles estão alugando
um balcão na Second Street”.
“Por isso vou ficar no hotel”, eu disse sorrindo. “Amanhã só
preciso andar alguns quarteirões. Melhor do que precisar pegar o
trem”.
Só de pensar no dia seguinte fazia meu corpo se arrepiar de
nervoso. Eu precisava daquele trabalho e não queria pensar no que
aconteceria se não desse certo.
Cale a boca, cabeça. Você pode ficar preocupada e pensar
mais do que deve amanhã. Engoli o resto do meu para me certificar
de que minha mente me obedeceria.
“Bem, pelo menos deixe-me pagar pelos quartos”, disse Phil.
Eu estava ficando puta com a sua persistência, então respondi
secamente: “Duvido que eles aceitem Bitcoin”.
“Todo mundo aceita criptomoeda graças ao meu cartão
Coinbase”, ele respondeu suavemente. “É como um cartão de
crédito convencional, mas que faz transações em cripto. Na verdade
…”.
“Já sei disso tudo”, respondi. “Eu tenho o mesmo cartão. Sem
contar que programei um software de pagamento, quando
trabalhava na Litecoin anos atrás, antes da Bitpay roubar minha
ideia”.
“BitPay. Certo. É claro”, ele sorriu de forma condescendente.
“Menos conversa, mais dança!”, minha irmã declarou. “Vamos
lá. Você também, Amber! Se você não começar a rebolar essa
bunda, eu vou literalmente tacar fogo em você”.
Peguei outra taça de com a garçonete e, então, juntei-me a
eles perto do parapeito. Por um tempo, dançamos e bebemos e nos
esquecemos de todos os outros problemas nas nossas vidas.
Quando nos afastamos do grupo para pegar outra bebida,
minha irmã perguntou: “Alguma nova oportunidade de
investimento?”.
Era o código dela para perguntar se eu tinha conhecido algum
homem recentemente. Ela estudava finanças e achava divertido
usar aqueles termos de economia para tudo.
“Nenhum com uma rentabilidade atrativa”, respondi.
“Que bom!”, ela respondeu. “Porque aquele cara no bar está
encarando seu FUNDO de investimento imobiliário e quase
babando”.
Adjacente ao nosso terraço havia um bar. Uma dúzia de
pessoas estava lá dentro, assistindo a uma das TVs do bar, ou
apenas socializando. O homem de quem minha irmã estava falando
parecia ter vindo direto do escritório. De camisa branca engomada,
gravata azul e blazer. Sapatos de couro, que pareciam caros, e um
cinto que combinava com eles. Ele estava olhando para o seu
drinque, como se houvesse um enigma a ser desvendado entre os
cubos de gelo. Quando ele olhou para cima e nos viu olhando para
ele, afastou-se rapidamente em direção ao bar.
“VIUUU”, minha irmã sibilou.
“Não faz meu tipo”, respondi.
Não era verdade. Eu não tinha um tipo. Na verdade, eu odiava
a ideia de um “tipo”. e se condicionar a sair só com um tipo de
pessoa, era estúpido.
o cara no bar não parecia alguém que me interessaria. Ele
parecia meio arrogante. Bom, que tipo de cara usa terno e gravata
em um restaurante moderno em plena quinta à noite? Alguém que
queria se mostrar, isso sim.
“Não faz seu tipo? Com aquela carinha de bibliotecário
charmoso?”, disse Michelle.
“Eu passo”.
“Ah, vamos lá”.
“Vim aqui celebrar seu aniversário”, respondi. “E não para sair
por aí atrás de estranhos aleatórios”.
“Sim, sim, eu sei”, ela grunhiu. “Você gosta de conhecer o cara
melhor, blá-blá-blá, mas olha só para ele”.
“Shelly …”.
“Mais cedo você me perguntou o que eu queria de aniversário”,
ela continuou. “Isso é o que eu quero. Acabei de decidir. Quero que
você conheça um cara. E que talvez você durma com um cara.
Hoje. Se você não for falar com o bibliotecário charmoso agora
mesmo, eu vou te jogar daqui de cima e chamar vários Uber para
atropelarem seu corpo”.
Uma coisa que eu sempre esperava da minha irmã era uma
descrição gráfica de ameaça de violência. Era nossa diversão,
desde que éramos crianças. Naquela altura, quanto mais detalhada
fosse a descrição, mais intenso era o amor.
O cara do bar nos olhou de novo e, então se, virou
rapidamente para falar com o bartender.
“Vamos”, Michelle reclamou. “Você não sai com ninguém já
faz… cinco anos”.
Fiquei grata por ela não ter mencionado o evento que tinha
acontecido cinco anos antes, mas sua referência indireta me fez
estremecer. Ela estava certa. Tudo tinha mudado naqueles cinco
anos. Minha vida tinha ficado maluca demais para me preocupar
com homens, ou com namorados, ou qualquer outra frivolidade.
Eu encarei o pretendente e fiz o que era natural para mim: uma
lista na minha cabeça. Eu sempre organizava minha vida com listas
de prós e contras, eliminando todo o lado emocional, até sobrarem
apenas fatos rígidos e frios.

Contras: por que não falar com o bibliotecário charmoso?


1. Eu era uma nerd péssima na arte de conhecer pessoas novas e
ainda pior na conversa fiada.
2. Ele poderia ser um completo idiota.
3. Ele poderia não estar interessado em mim e me deixar
constrangida pelo resto da noite.

Prós: por que falar com o bibliotecário charmoso?


1. Minha irmã me daria sossego.
2. Eu tiraria aquele incômodo do caminho e voltaria para a festa.
3. Fazia muito tempo que eu tinha saído com alguém, e eu
provavelmente precisava praticar cantadas bregas.
4. O bibliotecário charmoso era de fato charmoso. Bem charmoso.

O primeiro item na lista de Prós foi o que me convenceu. Eu


conhecia minha irmã. Ela não me deixaria em paz, até eu pelo
menos tentar conversar com o cara. Eu queria me livrar daquela
missão, para poder voltar para a festa. Só fazia uma hora que
estávamos ali, e o terraço estava reservado até meia-noite.
Engoli o resto da minha bebida e entreguei a taça vazia para
minha irmã. Ela sorriu com alegria.
Ok. Aí vamos nós.
2

Amber

Arrumei meu vestido, respirei fundo e caminhei para dentro.


Assim que me aproximei da parte de trás, percebi que não tinha
nenhuma desculpa para estar lá. Tínhamos serviço de bar na parte
aberta da cobertura. Não tinha nenhuma razão para eu estar
naquele bar.
Não sou muito boa nisso. Michelle estava certa: já fazia muito
tempo. Não que eu fosse uma especialista naquilo antes. Porém, eu
estava animadinha por causa dos três drinques que tinha tomado,
então, coloquei minha bolsa no balcão ao lado do Sr. Arrumadinho-
demais e acenei para o bartender com meu cartão de crédito.
“Quero dois do que ele está bebendo”, eu disse. “Um para mim
e um para ele”.
O homem piscou para mim por trás dos óculos. “Ah, hm, você
não precisa fazer i …”.
“Eu insisto”, respondi. “Você está me olhando como quem quer
me comprar uma bebida, então, vamos pular estas formalidades
estúpidas e ir direto ao ponto”.
Ele sorriu e respondeu. “Esperta”. De perto, eu vi que ele tinha
sardas pelas bochechas, e seus olhos eram de um tom de azul
intenso que combinava com sua gravata.
O bartender nos encarou, deu de ombros e começou a
preparar os drinques. Pelo minuto seguinte, nós dois ficamos ali
parados estranhamente. Era quase doloroso ser péssima naquele
tipo de coisa. Eu era uma nerd que encantava muito mais
escrevendo mensagens de texto ou e-mails. Com a tela para
mascarar meu desconforto social. Se não fosse aniversário de
Michelle, eu jamais iria para um lugar como aquele.
O bartender depositou dois coquetéis no balcão na nossa
frente. Parecia uísque e Coca-Cola, com uma cereja no palito. Sorri
e levantei o copo.
“Gostei da sua escolha …”, eu disse.
“Obrigado”, ele respondeu.
Fechei meus olhos e dei uma risadinha. “Eu estava te dando a
deixa para se apresentar”.
“Ah”, ele correu uma mão pelos cabelos loiros-areia. “Meu
nome é Jude”.
“Amber”.
Ele sorriu dolorosamente. “Devo admitir que não sou muito
bom nesse tipo de coisa. Eu raramente saio de casa. A cidade é tão
caótica. Eu prefiro ficar em casa relaxando”.
Eu entortei a cabeça. “Pensei na mesma coisa. Um brinde a
nós, então. Uma dupla de introvertidos”.
Nós brindamos e eu bebi meu coquetel. A doçura do xarope
cobria qualquer gosto do álcool.
“Eu deveria saber que você é introvertido”, eu disse. “Isso
explica o porquê de você estar vestido como se fosse comparecer a
um baile de formatura. Você não está acostumado com isso”.
Seu sorriso ficou mais caloroso e mais natural. “Não estou
mesmo. Acostumado com isso. Eu fui arrastado para cá depois de
um evento de trabalho”.
“Trabalho?”, levantei uma sobrancelha. “O que você faz?”.
“Sou engenheiro de computação”, ele disse. “Programador,
basicamente”.
Senti algo se afrouxar debaixo das minhas costelas. “Eu sou
programadora”, respondi.
“Javascript?”, ele perguntou.
Suspirei. “Vamos lá, dê-me um pouco mais de crédito”, eu
apontei para mim mesma. “Você já viu uma garota Java usar um
vestido assim?”.
Seus olhos percorreram meu corpo educadamente, conforme
eu propus. “Eu nunca vi uma programadora usar um vestido assim,
para ser honesto”.
Eu tinha feito a piada como mecanismo de defesa para cobrir
meu desconforto em usar aquela roupa para uma noite na cidade,
mas naquele momento eu tomei consciência dolorosa do que vestia.
Um vestido de balada vermelho, que abraçava minhas curvas mais
do que qualquer outra peça do meu guarda-roupas. O decote
profundo mostrava um pouco demais do meu colo. Tudo isso sobre
saltos altos que eu sabia que me dariam câimbra, e eu teria que
ficar descalça no fim da noite.
“Normalmente, não me visto assim”, eu disse de repente.
“Não entendo o porquê”, Jude respondeu. “Você é linda”.
Senti que minhas bochechas coraram com o elogio. As sardas
de Jude ficaram carmim em solidariedade.
“Eu não quis insinuar que você é uma hacker meia-boca”, ele
disse. “O que você faz?”.
“Um pouco de tudo”, eu disse, aproveitando a desculpa para
falar sobre outra coisa. “PHP. Muito Python. Passei um verão
aprendendo Ruby sozinha, mas eu não apostaria nesse
conhecimento. E sim, é claro, eu também programo em Java”.
“Meu trabalho é basicamente Python”, Jude disse, com um
sorriso ansioso. “É basicamente o padrão atualmente”.
“Sem brincadeira, ouvi dizer que eles estão ensinando Python
para programadores iniciantes, em vez de C++”.
“Ai, ai, as crianças de hoje”, ele respondeu, chacoalhando a
cabeça.
“O que, hm, que máquina você usa?”, perguntei.
“Meu laptop é um Windows 10”, ele começou.
“Amador”, respondi, sorrindo.
“… mas meu computador opera em Windows e Linux”, ele
terminou, com um sorriso de satisfação.
“Redhat ou Ubuntu?”, perguntei.
Ele arqueou uma sobrancelha. “SuSe”.
Eu suspirei. “Velha guarda. Gosto do seu estilo”.
“Os clássicos são os melhores”, ele disse. “É claro. Os
dispositivos novos são mais chamativos, ou oferecem mais
ferramentas, mas eu sempre volto para o que sempre usei”.
Olhei Jude de cima a baixo com novos olhos. Quando eu o vi
vestido daquele jeito no bar, achei que ele era um dos milhares de
idiotas da tecnologia que moravam naquela cidade. O tipo de cara
que usa um terno de mil dólares em um bar, porque quer que todo
mundo saiba que ele é um bonzão. No entanto, Jude não era nada
como eles.
Ele era mais como eu.
Tomei um grande gole da minha bebida. A cereja balançou nos
meus lábios. Brevemente, me perguntei se eu deveria
sedutoramente movê-la com a língua. Era assim que funcionava o
flerte, não?
Ao invés disso, apontei para o copo. “Isso é bom, eu mal posso
sentir o gosto do álcool”.
“Ah”, Jude piscou para o seu próprio coquetel. “É um, hm, Roy
Rogers, não tem álcool”.
“Sem álcool? Qual é o intuito?”.
“Eu tive que pedir alguma coisa para não parecer muito
estranho”, ele disse defensivamente. “Mas eu queria manter minha
mente sã. Para os negócios”.
“Você deveria se apoiar em outra direção para acalmar os
nervos. Tomar um coquetel. Ou cinco. Se soltar antes da reunião. É
o que eu sempre faço”.
Não era o que eu sempre fazia. Na verdade, eu não tinha tido
muitas reuniões de trabalho nos últimos cinco anos. Porém, eu
estava encantada por aquele cara e queria que ele se soltasse mais.
Ele olhou para o seu copo e, então, depositou-o no balcão.
“Ok, você me convenceu. O que vamos pedir? Um martíni?”.
Bufei. “Martíni é bebida do James Bond ou de donas de casa
suburbanas. Você deveria pedir …”.
Eu fiz um showzinho, encarando-o de cima a baixo. Era a
desculpa perfeita para realmente observá-lo atentamente. O terno
deveria ser sob medida, porque se encaixava no seu corpo
perfeitamente.
“Uísque Seagram’s 7 Crown com Seven Up.”, me virei para o
bartender. “Dois setes, por favor”.
“Evite a confusão e peça um número quatorze!”, disse Jude.
Soltei uma gargalhada não muito feminina. “Caramba. Ele faz
piadas matemáticas”.
Ele me deu um sorriso meio torto. “São as melhores”.
As bebidas chegaram, demos uma golada. Jude assentiu.
“Isso é bom. Ok, o que mais você recomenda para a minha
reunião?”. Ele olhou no relógio. “Tenho mais dez minutos”.
“Bem, primeira coisa, você está se esforçando muito. Mesmo
que você pareça elegante nesse terno, os melhores caras da
tecnologia usam camisetas e calças de moletom aqui nesta cidade”.
“Cara da tecnologia? Certamente você não acha que sou um
deles, certo?”, ele perguntou.
“Ah, claro que não! Você é, definitivamente, uma raça de
programador com pedigree. Um mestre da tecnologia”.
“Mestre da tecnologia. Tipo mestre de RPG. Gostei”.
“RPG? Uau, você sabe deixar uma garota empolgadamente
entediada”. Ele corou, então, adicionei: “Você não precisa voltar
para casa e se trocar, podemos te consertar”.
Eu desabotoei seu terno e o removi. Meus dedos encostaram
nos músculos dos seus ombros no processo. Senti seu corpo
esbelto debaixo da sua camiseta. Ele não era do tipo fortão, mas
certamente não era magricela. Pendurei o blazer na cadeira do bar.
“Agora, dobre as mangas”, peguei um de seus braços e
desabotoei o punho, dobrando-o até o cotovelo. Sua pele estava
quente. “Até aqui”.
“Mangas dobradas”, ele disse. “Check”.
“O último detalhe é sua gravata”.
Ele piscou. “O que tem de errado com a minha gravata?”.
“Nada. É ótima, como uma gravata. Mas você deveria mantê-la
só em ocasiões especiais”. Inclinei-me para frente para soltar sua
gravata, afastando-a do seu pescoço. Quando desabotoei seu
colarinho, senti sua respiração balançar meu cabelo. Estávamos
muito próximos. Meus seios estavam quase – quase! – tocando seu
peito. Eu sentia o cheiro do seu perfume ou desodorante. Era
picante e prazeroso. E mesmo que eu tivesse a intenção de tocá-lo,
aquela proximidade ficou mais íntima do que eu esperava.
“Guardo para você até o fim da sua reunião”, enfiei a gravata
na minha bolsa e o encarei de cima a baixo. “Pronto. Você está
muito melhor do que antes”.
“Sim?”. Ele olhou para si mesmo, e eu o admirei. Seu corpo
esguio, seus antebraços desnudos. Ele estava elegante antes, mas
agora? Agora ele estava totalmente no território do homem sexy.
“Sim”, eu disse, esperando não estar corada de novo.
Ele ajustou os óculos no nariz e me deu um sorriso. “Me sinto
mais natural agora. Obrigado por me ajudar, Amber”.
“Sem problemas, camarada”, fiz um gesto de arminha com a
mão e apontei para ele, então, virei-me imediatamente para o bar
para pegar minha bebida.
Arminha com a mão? A polícia do flerte deveria me prender por
isso.
“Então”, Jude disse, inclinando-se contra o bar para encarar a
área descoberta. “Seus amigos estão me deixando um pouco
desconfortável”.
Olhei na direção do terraço e vi minha irmã e Phil nos
encarando abertamente. Bastou meu olhar para eles se virarem um
para o outro e fingirem que estavam conversando, apesar de
continuarem lançando olhares furtivos na nossa direção.
“Não é minha amiga. É minha irmãzinha”.
“Ela não parece nada inha”.
“Nem me fale”, eu dei uma resmungada. “Ela tem vinte e um
anos. Mas ainda sinto que ela é a adolescente idiota se metendo em
confusão. Ela cresceu tanto em cinco anos qu …”.
Parei abruptamente. Alguns minutos de flerte e eu estava
prestes a contar minha história para aquele cara. Talvez eu devesse
ter tomado somente bebidas sem álcool.
Jude fez uma careta preocupada. “Cinco anos do quê?”.
“Cinco anos que ela tirou carteira”, eu disse, tentando mudar
de assunto. “Ela cresceu tão rápido. Ela estuda em Stanford, você
pode acreditar? Bom, do que essa grande reunião de negócios vai
tratar? Algo legal? Relacionado à programação?”.
Jude fez uma careta. “Nada tão legal assim. É mais sobre o
lado administrativo das coisas. Nossa empresa vai se encontrar com
um grande investidor estrangeiro que acabou de chegar na cidade.
Queremos o dinheiro dele, então, vamos tentar tudo para
impressioná-lo”.
“Bilionários, certo?”, eu disse.
“Nem me fale”, Jude sorriu.
“Eu vou te dizer”, eu continuei, gesticulando com meu drinque,
como se estivesse em um comício. “Quando penso em bilionários,
penso em Smaug.
“O vilão d’O Hobbit?”.
“Exatamente!”, eu disse, empolgada porque ele entendeu a
referência. O dragão enorme, sentado em uma pilha de ouro em
uma caverna. É assim que eu vejo bilionários. Acumuladores idiotas
que fazem do mundo uma merda. Pelo menos os mais modernos.
Os bilionários do passado eram seres humanos de merda à sua
maneira, mas pelo menos eles faziam alguma coisa com a sua
fortuna. Sabe o que Andrew Carnegie fez? Ele construiu umas três
mil bibliotecas pelo país. Pequena cidade de fazendeiros em Iowa?
Bum! Biblioteca. Cidadezinha de mineiros na Pensilvânia? Sim,
biblioteca, amigos. Ele era tipo a Oprah das bibliotecas. Uma
biblioteca para você e uma biblioteca para você! BIBLIOTECAS
PARA TODOS!
Jude estava gargalhando, e o som era doce e puro para meus
ouvidos, que eu decidi continuar.
“Rockefeller também. Ele tinha problemas, mas pelo menos
tentou fazer alguma coisa boa para o mundo. Ele gastou uma
tonelada da sua fortuna em pesquisas médicas. Sozinho ele
financiou vacinas contra meningite e febre amarela. Você já ouviu
falar na Spelman? Foi a primeira universidade para mulheres afro-
americanas. Rockefeller a fundou. Em 1884. Mil oitocentos e oitenta
e quatro! Naquela época, não era popular!”.
“Mas os bilionários modernos?”, continuei. “Tipo Elon Musk e
Jeff Bezos? Eles não fazem isso. Estão ocupados gastando suas
pilhas de ouro, construindo foguetes em formato de pênis para ir a
Marte. Sabe quantas famílias americanas poderiam ser alimentadas
com apenas um foguete-pinto, Jude? Provavelmente todas elas!”.
Jude estava gargalhando tanto que teve que pousar o drinque
no balcão. “Você é passional”.
“Eu só odeio ver os pequenos se foderem”, eu disse. “E em
São Francisco, a diferença entre os baristas da Starbucks e os
investidores bilionários é maior do que qualquer coisa no planeta. E
isso é uma merda”.
Me dei conta de que tinha falado mais do que pretendia, limpei
a garganta e finalizei. “Não, hm, diga nada disso ao investidor que
você vai encontrar agora”.
Jude pegou seu celular e digitou alguma coisa. Então, ele virou
a tela para mim. O aplicativo Notas estava aberto e havia uma única
linha:

-Não chame o Sr. Rossi de duende acumulador de


tesouros.

“Que bom que você anotou”, eu disse gargalhando.


“Estou aprendendo muito esta noite”, ele colocou o celular de
volta no bolso. “Mais alguma dica? Vou fazer tudo o que você
disser”.
“Não pareça muito ansioso”, eu disse.
Ele acenou. “Ok”.
“Banque o difícil”, eu continuei. “Se ele quer investir na
empresa para a qual você trabalha, faça-o merecer. Você não está
desesperado pelo seu dinheiro, ele está desesperado para investir.
Do contrário, ele não viria até aqui para te encontrar, certo?”.
Jude correu sua mão pelo cabelo loiro-areia de novo. “Posso te
contratar para ser minha coach pessoal? Eu preciso de alguém
comigo o dia todo sussurrando conselhos no meu ouvido”.
“Eu cobro por hora”.
“Me manda a conta”, ele disse.
Nós dois gargalhamos, e eu pensei comigo mesma, isso está
indo muito melhor do que eu esperava.
3

Amber

“Você parece uma especialista em grandes investimentos e em


reuniões”, disse Jude. “Para quem você trabalha?”.
“Eu … estou meio que em transição”, eu disse
cuidadosamente. “Trabalho basicamente como freelancer”.
“Freelancer?”, ele fez uma careta. “A maioria dos bons
programadores da cidade trabalha para empresas que paga metade
do seu salário em ações”.
“E você supõe que sou uma boa programadora”, eu disse.
“Talvez eu esteja equivocado, e você seja uma programadora
fodona”, ele disse. “Então, por que freelancer? Você gosta da
flexibilidade?”.
Eu dei de ombros e procurei uma resposta. “Acho que eu não
gosto de trabalhar para as grandes empresas de tecnologia. Gosto
de ser minha própria chefe. Não sou boa em receber ordens de
gerentezinhos medianos que gerenciam equipezinhas”.
“Gerentezinhos medianos que gerenciam equipezinhas. Tente
falar isso cinco vezes mais rápido”. Jude suspirou e adicionou: “E se
uma grande empresa tipo Amazon ou Facebook bater à sua porta?
Você não trabalharia para eles?”.
“Não”.
“Mesmo por uma quantia obscena de dinheiro?”.
“Bom, todo mundo tem um preço”, eu disse, com uma
risadinha. “Mas eu, provavelmente, não duraria muito. Não sou
muito boa em manter minhas opiniões para mim mesma”.
“Entendo”.
“Se eu fosse programadora do Facebook e visse o grande
Zuck na sala de descanso ou algo assim, eu não conseguiria evitar
dar a ele minha opinião. Eu seria demitida na primeira semana”.
Eu olhei para o pátio da cobertura. Michelle e Phil estavam
conversando com um dos seguranças. Parecia que estava tudo
calmo. Eu torci para que nenhum dos colegas dela da universidade
tivesse jogado alguma coisa pelo parapeito.
“Chamar Mark Zuckerberg de duende acumulador de tesouros
seria definitivamente um movimento limitante na sua carreira”, Jude
disse, atraindo a minha atenção de volta para ele.
“Ah, esse não é o nome que eu tenho para ele. Eu o chamaria
de Robô da Perdição Distópica Feudal”.
“Você passou muito tempo pensando nisso”, ele disse, rindo.
Quando se está desempregada, você tem muito tempo para
pensar.
“Insultos geralmente valem a pena o tempo que demoram para
serem desenvolvidos”, eu disse filosoficamente.
Jude me fez rir, quando pegou seu celular de novo e escreveu
a frase no seu aplicativo de notas.
“Sério. Coach pessoal”, ele disse. “Pense nisso”.
“Talvez”.
Jude estava sorrindo, como se eu fosse a melhor parte do seu
dia. E eu me sentia do mesmo jeito. Quando saí de casa naquela
noite, eu esperava ser a responsável pela conta e babá de Michelle
e seus amigos. Eu tinha me conformado àquele papel e já
imaginava que não me divertiria muito.
Entretanto, conhecer Jude mudou minha perspectiva de tudo.
Ele era esperto, aquilo era óbvio. Ele era muito bonito, de uma
forma nerd. Ele era cativante. Eu não me lembrava da última vez
que tinha conhecido alguém como eu. Alguém com quem eu sentia
que podia realmente ser eu mesma, e não quem eles quisessem
que eu fosse.
Isso é o que eu quero de aniversário, ouvi a voz da minha irmã.
Quero que você conheça um cara. E que você durma com um cara.
E bom … naquele momento eu queria a mesma coisa.
“Ei”, eu disse. “Vou ficar por aqui mais um tempo. Alugamos o
terraço até meia-noite. Quando sua reunião com o investidor acabar,
venha me encontrar para tomarmos uma saideira”.
“Saideira?”, ele piscou os olhos insanamente azuis.
“Sua coach pessoal vai precisar te interrogar após a reunião”,
eu respondi. “Como é que vou saber o que você deve fazer a
seguir?”.
O sorriso de Jude aumentou de tamanho de repente, como se
ele estivesse tentando segurar, mas finalmente se rendeu. “Você
está meio que entrando em contradição agora”.
“O que? Como?”.
“Você me disse para bancar o difícil”, ele disse timidamente.
“Mas está fazendo totalmente o oposto”.
“Aquele foi um conselho relativo aos negócios”, eu disse,
aproximando-me. Senti seu cheiro no ar de novo e um impulso de
respirar profundamente.
“Qual é a diferença?”, ele perguntou com suavidade. Ele
estava perto o suficiente para sua respiração pinicar minhas
bochechas. “Parece que é o mesmo que … isso. Encantar alguém.
Convencê-lo a fazer negócios com você”.
Fiquei sem palavras pela primeira vez. Estávamos flertando e
estava indo bem. As piadas bregas e os conselhos exagerados
estavam nos aproximando. Eu nunca tinha conhecido alguém que
me entendesse daquele jeito. Nós só tínhamos conversado por
alguns minutos, e eu sentia que já tínhamos uma conexão real.
Michelle vai ficar tão feliz por mim.
Olhei para minha irmã. Ela estava discutindo com o segurança,
que de repente tinha mais dois companheiros ao lado. Todo mundo
na festa de Michelle estava olhando para eles.
“Me dá licença por um minuto”, eu disse, mas duvidei que Jude
tivesse ouvido, porque eu já estava correndo para fora do bar,
quando terminei a frase. As passadas largas até o terraço fizeram
meus pés doerem, mas não parei, até chegar perto e segurar o
braço do segurança.
“Algum problema?”, perguntei.
“Você e seus amigos têm que ir embora”, ele disse
simplesmente.
Michelle se virou para mim. “Achei que você tinha reservado a
cobertura até meia-noite!”.
“Eu reservei”, olhei para o segurança e repeti. “Eu reservei”.
O segurança estava estático como uma parede maciça. “O
dono disse que vocês têm que ir. Precisamos do espaço”.
Ele fez um gesto, como quem esperava ser obedecido. E
aquilo só me irritou mais ainda.
“Eu reservei esse terraço meses atrás”, eu disse, com a voz
gélida. “Paguei adiantado. Nossa noite toda foi planejada. Se você
nos fizer sair agora, eu juro por Deus que vou dar uma de doida”.
“Todo mundo, acalme-se”, disse uma voz nova.
Aquele cara parecia o típico cara da TI do Silicon Valley. Alto,
bonito, ele usava jeans de marca, tênis Air Jordan e uma camiseta
branca lisa. Seu cabelo emplumado balançava, enquanto ele olhava
do segurança para mim, e ele tinha o sorriso de quem sempre
conseguia o que queria.
“Por que vocês estão gritando?”, ele perguntou.
Coloquei um dedo no peito do segurança. “Ele quer que a
gente vá embora. E nós alugamos o terraço até meia-noite”.
“Ah, sim”, o rosto bem esculpido do homem virou uma máscara
de desculpas. “Me desculpem por isso. Preciso do espaço. Odeio ter
que fazer isso, mas foi uma emergência de última hora. Mas tudo
bem! Vocês têm muito espaço no bar de baixo. Vamos colocar
vocês em algumas cabines. Vai ser mais legal do que aqui. E se eu
terminar antes da meia-noite? Vocês voltam! Problema resolvido,
certo?”.
Eu pisquei para ele. “Espere um minuto. É você quem está
tomando a cobertura de nós?”.
“Minha cobertura”, ele disse, com uma pequena nota de pompa
na voz. “Mais uma vez, peço desculpas pela confusão”. Ele
gesticulou, para que eu me afastasse.
Meu primeiro impulso foi exigir meu dinheiro de volta. Alugar
aquele espaço foi caro, e eu realmente não tinha aquele dinheiro.
Então, olhei para minha irmã, ela e seus convidados estavam me
encarando. Esperando que eu pudesse resolver o problema. Era
aniversário dela, e eu tinha prometido algo especial.
Eu era tudo o que ela tinha. Ninguém mais no mundo podia dar
a ela o que ela merecia. E eu vi o desapontamento no seu rosto.
Como se eu tivesse falhado com ela.
“Não vamos a lugar algum”, eu disse. “Aluguei o terraço até
meia-noite. Se você quiser nos tirar daqui antes, vai ter que nos
arrancar”.
Os olhos do cara brilharam de surpresa e talvez até um pouco
de respeito. Mas, então, ele chacoalhou a cabeça.
“Que merda que vai ter que ser desse jeito”, ele olhou para o
homem enorme do lado dele.
Como um muro de músculos, os três seguranças avançaram
sobre nós, segurando a mim e a minha irmã pelo braço. Tentei me
desvencilhar, mas era como lutar com um robô feito de aço.
“Seu ridículo do Silicon Valley!”, eu gritei. “Nós alugamos o
terraço até meia-noite! Você não pode simplesmente nos tirar daqui,
seu bunda de geleia!”.
O homem riu como se fosse engraçado e se virou para dizer
algo ao homem ao lado dele. Ele parecia italiano, com cabelo
escuro e olhos aguçados acima de um nariz adunco.
“É assim que você trata seus clientes?”, eu gritei, mais alto
ainda, para atrair a atenção de todos que estavam dentro. “Nunca
aluguem este terraço, amigos! Eles vão expulsar vocês só pelo
capricho!”.
O que me deixava mais irritada era o fato de o cara de
camiseta branca não estar mais prestando atenção. Ele conversava
com o cara italiano. Os dois caíram na risada de repente.
“Nem todo o dinheiro do mundo é capaz de comprar classe,
seus feudalistas contemporâneos de merda!”, eu gritei.
“Amber, por favor”, Michelle disse, enquanto o outro segurança
a puxava pelo braço.
“Estou tentando consertar isso”, respondi. “Não vou deixar um
cuzão da TI estragar seu aniversário só porque …”.
“Não”, ela sibilou. “Por favor, você está fazendo uma cena.
Tudo bem. Vamos para outro lugar”.
Então eu vi. A humilhação nos seus olhos e na sua voz. Não
porque ela tinha sido removida da cobertura, mas porque eu estava
fazendo um escândalo. Era meio que meu mecanismo de defesa,
mas era embaraçoso para ela. Especialmente na frente de todos os
seus amigos.
Que bela festa de aniversário eu dei a ela.
Cerrei meus dentes para não falar mais nada, enquanto
éramos escoltados para fora do bar, e me esqueci completamente
de Jude do sorriso esquisito, porém charmoso.
4

Amber

Reclamei e dei um tapa no meu celular, silenciando o alarme


que tocava pela terceira vez. Demorei mais uns dez segundos para
me virar e abrir os olhos, e a claridade invadiu minha ressaca lá no
fundo do cérebro. Fechei os olhos de novo por um tempo e, então,
abri só uma pequena fração, uma microfenda. Eram oito e quarenta
e cinco da manhã.
Minha vontade era cobrir a cabeça com o travesseiro e voltar a
dormir. Mas eu ainda tinha um restinho de consciência naquele
cérebro cheio de ressaca. Eu tinha ligado o despertador, porque
tinha coisas a fazer.
SE. Soluções Encriptadas.
A adrenalina invadiu meu corpo e me forçou a sair da cama.
Precisei pular um casal adormecido para chegar ao banheiro. Olhei
em volta e vi que o quarto de hotel estava cheio. Michelle e seus
amigos dormiam espalhados: dois na outra cama, três nas
poltronas, um na cadeira do computador e o resto no chão.
Minha cabeça latejava e eu cambaleei até o banheiro. Mesmo
com a sensação de que minha bexiga ia explodir a qualquer
momento, forcei-me a beber um copo de água da pia, e mais um.
Enquanto eu fazia xixi, chequei meu Instagram. As fotos no
feed da minha irmã me ajudaram a lembrar do resto da noite.
Depois de ser expulsa do terraço do Marcello’s, nós resolvemos ir
até o Mission District. Pulamos de bar em bar, dançando e bebendo.
Eu me lembrava que tinha sido divertido apesar da vergonha no
deque da cobertura.
Então, conferi o extrato do meu cartão de crédito. Havia várias
transações pendentes. Duas páginas. Eu não só gastei dois mil
dólares em um terraço no qual só ficamos por uma hora, mas
também gastei mais uma fortuna tentando salvar a noite.
Resmunguei. Hoje precisa dar certo, pensei.
Tomei banho, engoli mais dois copos de água e, então, vesti as
roupas de trabalho que eu tinha trazido. Uma saia lápis e uma blusa.
Formal, mas não tão formal para São Francisco. A linha era sempre
tênue, especialmente para mulheres. Em alguns momentos, eu
desejava fortemente que minhas escolhas se restringissem a
camisetas e gravatas. Pelo menos, quando eu me sentisse bem-
vestida demais, poderia tirar a gravata e desabotoar o colarinho. A
vida é tão mais fácil para os homens.
Aquele pensamento me fez acionar memórias da noite anterior
– quando tirei a gravata e dobrei as mangas de outra pessoa.
Durante a expulsão do terraço, meu foco estava totalmente em
salvar o aniversário da minha irmã. Esqueci completamente do
Jude.
Flertar com um cara parecia algo muito pequeno, comparado
ao aniversário arruinado da minha irmã, mas pensar nele me deu
um sentimento de perda. Eu nem ao menos tinha pedido seu
número. Não sabia seu nome completo. Os dez minutos que
tínhamos passado juntos na noite anterior não configuravam
exatamente um encontro, mas eu sentia que tinha sido o melhor
primeiro encontro da minha vida.
Enfiei a mão na bolsa para pegar meu batom … e achei uma
gravata azul brilhante. Eu tinha me esquecido que a tinha guardado
ali para Jude. Me senti como uma Cinderela reversa, que pena que
a gravata não seria útil para me ajudar a encontrar meu Nerd
Encantado.
Olhei pela porta do banheiro para me certificar de que ninguém
mais estava acordado e, então, aproximei o tecido do nariz. Respirei
fundo, e o perfume de Jude invadiu minhas narinas e meu cérebro.
Por alguns segundos, pareceu que eu estava lá novamente,
tomando Roy Rogers e gargalhando, enquanto discutíamos sobre
programação. A memória me fez me sentir mais leve do que o ar.
Chacoalhei minha cabeça olhando no espelho, joguei a gravata
de volta na bolsa e comecei a passar delineador. Havia milhões de
homens na cidade. Era estupidez me concentrar em um que eu
tinha acabado de conhecer. Especialmente, porque ele me viu pagar
aquele mico, gritar com o dono do bar e ser arrastada para fora
pelos seguranças. A primeira impressão podia até ter sido boa, mas
eu duvidava que conseguiríamos retomar qualquer coisa depois
daquela vergonha.
Mesmo que haja uma chance, pensei. Não sei se meu orgulho
vai se recuperar. Apesar dos pesares, Jude permaneceu na minha
cabeça enquanto eu me arrumava.
Precisei pular por entre os amigos de Michelle no chão para
chegar ao frigobar do quarto, pegar um saco de amêndoas e uma
barra de chocolate. Por que não? Depois das despesas da noite
anterior, eu não iria morrer por causa de vinte pratas gastos no meu
café da manhã.
Eu realmente preciso desse emprego.
Me aproximei da segunda cama, onde dormia minha irmã, e
me sentei suavemente. Suas pálpebras vacilaram um pouco antes
de se abrirem, seus olhos escuros demoraram para focar. Então, ela
sorriu, quando me viu.
“Olá, irmãzona”, ela sussurrou.
Fiz carinho na sua cabeça. “Desculpa pela noite passada”.
“Por quê?”, ela perguntou. “Eu me diverti muito”.
“A confusão com o terraço e …”, eu parei, invadida pela
vergonha de ter feito uma cena na frente dela de novo.
“Me diverti mesmo assim”, ela disse sonolenta. “Você vai
sair?”.
Acenei.
“Boa sorte no seu primeiro dia!”, ela disseme conta tudo
durante o jantar”.
“Conto”, eu disse, inclinando-me para beijar sua testa. “Te amo,
Shelly”.
“Te amo, Amber”.
Quando peguei o elevador, me encolhi. Eu odiava mentir para
a minha irmã, eu não ia começar em um novo emprego naquele dia.
Era só uma entrevista. Mas era com uma start-up de tecnologia, e
eu tinha muita experiência relevante. Certamente, todo mundo em
Bay Area tinha, mas principalmente eu! Entre minha graduação em
Ciência da Computação em Berkeley, o tempo que eu tinha passado
programando Bitcoin miners e mais uma dúzia de outros projetos
solos, e aquela entrevista, a vaga tinha quase meu nome escrito!
E bom, eu era uma mulher. A cidade era cheia de
programadorEs (como o idiota que tinha nos expulsado do
Marcello’s na noite anterior). Eu odiava a ideia de conseguir um
trabalho só por causa das minhas partes íntimas, mas naquele
momento eu estava desesperada. Eu aceitaria qualquer brecha que
me desse um emprego.
Eu sou muito qualificada, pensei enquanto entrava no lobby.
Mais do que a maioria dos caras aqui nessa cidade. Só preciso
conseguir entrar no mercado.
Escolhi aquele hotel por duas razões. A primeira era porque ele
era um bom hotel. Um pouco de ostentação no aniversário da minha
irmã, ao invés de precisar pegar o trem de volta para nossa casa. E
a segunda, o hotel ficava a apenas alguns quarteirões de onde seria
minha entrevista. Saí do lobby e respirei fundo. Uma das coisas que
eu amava em São Francisco era o cheiro do ar, não era horrível
como qualquer outra cidade grande. Sempre carregava o aroma da
baía. Eu não podia ver o mar dali – a vista mais próxima ficava a
seis quarteirões –, mas eu sabia pela temperatura do ar que o mar
estava coberto por uma camada saudável de névoa naquela manhã.
Eu estava adiantada para a entrevista, então, entrei numa
cafeteria e comprei café e um muffin. Enquanto eu comia,
mentalmente me preparei para a reunião. Todos os pontos altos da
minha experiência que eu queria enfatizar. Assim que pensei nisso,
a dúvida invadiu minha mente, como a névoa invadia a baía. Eu
tinha falhado em uma dúzia de entrevistas. Meu conhecimento não
era o suficiente. Empresas queriam experiência corporativa, não de
uma freelancer se fodendo sozinha pela vida.
Engoli o resto do meu latte, como se fosse o antídoto para o
pessimismo, e caminhei, finalmente, pelo último quarteirão até o
prédio. Uma placa nova estava pendurada sobre a entrada, as letras
S e E gravadas a laser sobre polímero preto. Alisei minha saia
impulsivamente, segurei firme meu laptop e entrei no prédio.
O espaço era enorme e arejado, com várias janelas e paredes
de vidro. Uma mulher de vinte e poucos anos de terninho se
levantou da recepção e veio até mim, sorridente.
“Você deve ser Amber Moltisanti”, ela disse, ainda sorrindo.
“Seja bem-vinda à Soluções Encriptadas. Meu nome é Melinda”.
Meu coração disparou, quando apertei sua mão. SE era uma
empresa tão nova que eu não consegui informações online. Seria a
diretora uma mulher? Naquela cidade cheia de caras da TI imbecis?
Mas então vi a placa sobre sua mesa que dizia Coordenadora.
Presumi que aquilo significava que ela era recepcionista com mais
responsabilidades do que o normal. O que fazia sentido, porque ela
tinha toda a aparência e atitude de uma animadora de torcida, não
de alguém que fundou uma start-up.
“Você quer beber alguma coisa?”, ela ofereceu. “Café? Água?
Temos uma seleção adorável de chás herbais”.
“Estou bem, obrigada”, respondi.
Melinda acenou. “Nossa reunião é na sala de conferências, por
favor, me acompanhe”.
Segui Melinda pelos corredores do prédio. O salão principal
parecia o ginásio de uma escola secundária, com um pé direito alto
que se abria para o andar de cima. Cubículos se espalhavam
aleatoriamente, como se eles tivessem tentado criar um layout não
convencional, descolado. Nos cantos, havia cadeiras e pufes
espalhados ao redor de lousas eletrônicas.
É por isso que odeio millenials, pensei enquanto encarava o
espaço. Que coisa ridícula querer parecer super descolado e
diferentão.
“Nós, da SE, estamos desenvolvendo uma maneira moderna
para o câmbio de criptomoeda”, ela explicou. “Uma forma para os
leigos conseguirem comprar, vender e guardar ativos de cripto em
segurança. O software está na versão alfa, mas esperamos que os
testes beta comecem em dois meses”.
“Meio vazio”, eu disse. “Ainda é muito cedo?”. Aquilo era o
padrão no Silicon Valley. Muitos empregados chegavam ao meio-dia
e ficavam até meia-noite. Eu geralmente trabalhava durante aquelas
mesmas horas nos meus projetos em casa.
“É cedo, mas não é por isso que está vazio. Na verdade, sua
vaga é a primeira que abrimos!”, ela disse alegremente. “A segunda,
na verdade. A primeira foi a minha!”.
Fiz uma careta olhando todo aquele espaço. “Vocês ainda não
contrataram ninguém? Li que vocês já estão aqui há seis meses”.
“Eu estou aqui faz apenas um mês!”, Melinda disse, com um
sorrisinho. “Os dois fundadores começaram por baixo. Alinhando
tudo antes de expandir. Estamos quase recuperando o capital inicial
altíssimo do nosso investidor”.
Pisquei e tentei conter meu sorriso. A maioria das start-ups de
tecnologia naquela cidade não saíam do primeiro estágio do
financiamento. Boas ideias eram tão boas quanto muitas, e elas
geralmente se esgotavam antes de florescer.
Contudo, recuperar o capital inicial significava que a empresa
foi capaz de permanecer consistente e expandir o suficiente naquele
período, para lucrar. E eu estava embarcando numa empresa já
consolidada.
Era o sonho de qualquer um naquela cidade. Começar a
trabalhar para uma empresa de tecnologia que pagasse em dinheiro
e ações. Trabalhar oitenta horas por semana sem descanso. Então,
quando a empresa virasse um sucesso, o valor das ações cresceria
muito.
Não passe a carroça na frente dos bois, tentei me controlar.
Primeiro, arrase nesta entrevista!
Tentei manter minha voz impassível, quando respondi. “Legal”.
Melinda me levou até uma sala de conferência que ficava em
um aquário contra uma das paredes externas do prédio. A parede
tinha sido equipada com vários monitores de computador em grade
que exibiam a logo da SE. As outras três paredes eram feitas de
vidro, com vista para o resto do escritório.
“Vamos começar falando sobre sua experiência …”.
Melinda passou dez minutos revisando tudo no meu currículo.
Meu bacharelado em Ciência da Computação na Universidade da
Califórnia em Berkeley, o ano que passei trabalhando para a
Symantec, em Mountain View, os vários projetos de programação
que eu tinha realizado como freelancer ou por diversão.
Minha opinião sobre Melinda mudou durante a entrevista. Ela
não era só uma recepcionista. Ela sabia do que estava falando. Ela
me perguntou coisas pontuais que testaram meu conhecimento e
aprofundavam na minha experiência.
E eu tinha boas respostas. Respostas interessantes também,
como sobre o mês que passei desenvolvendo minha própria
blockchain de prova de trabalho, antes de desmantelá-la
inteiramente. A linguagem corporal de Melinda era calorosa, aberta
e satisfeita com minhas respostas. Eu estava arrasando naquela
entrevista!
“Acho que é tudo o que eu preciso saber. O Sr. Cauthon vai
continuar daqui”. Melinda apertou um botão no painel da sala de
conferência. “Estamos prontas para você”.
“Já estou indo”, uma voz baixinha respondeu.
“Ele é o Diretor de Tecnologia”, Melinda explicou. “Ele vai poder
realmente checar seu conhecimento. Sem pressão, é claro! Com
base no que acabei de ver, tenho certeza de que ele vai ficar tão
satisfeito com a sua experiência quanto eu estou”.
Sorri de volta para ela. A entrevista estava indo melhor do que
qualquer outra que eu já tinha participado antes. Naquela altura,
conhecer o Diretor de Tecnologia parecia apenas formalidade.
Até ele entrar na sala.
5

Amber

Seu rosto era exatamente como eu me lembrava, mesmo


depois de toda a loucura da noite anterior. Bochechas sardentas e
um corpo esguio. Boca pequena e expressiva. Olhos azul-cristal
atrás dos óculos.
Uma enxurrada de emoções me invadiu quando o vi. Alegria,
entusiasmo e vertigem. O primeiro não-encontro perfeito não tinha
terminado onde começou, porque Jude estava ali, em carne e osso,
olhando para mim com surpresa e descrença ao mesmo tempo.
Então me, dei conta do porquê de ele estar ali. Ele era o
Diretor de Tecnologia da empresa. O homem que estava prestes a
me entrevistar.
Meu cérebro reiniciou. Não, esse não é um termo acurado. Na
verdade, apareceu aquela tela azul e então reiniciou. Se minha
mente fosse feita de engrenagens, seria como se alguém tivesse
enfiado um pedaço de pau no meio delas.
“Este é Sr. Cauthon”, Melinda apresentou. “Nosso DT”.
Seu cérebro deve ter reiniciado também, porque ele ficou
congelado por um tempo, então, abruptamente, inclinou-se e
estendeu uma mão. “Pode me chamar de Jude. Prazer em conhecê-
la … Amber, certo?”.
“Amber Moltisanti”, eu disse, apertando sua mão. Eu não
queria soltar, porque o mundo parecia ter parado, enquanto
estávamos ali com os dedos entrelaçados. E, então, não partiríamos
para a próxima fase. Em que eu me sentiria humilhada por ter
flertado com ele na noite anterior.
E, também, porque a palma da sua mão era muito macia.
“Obrigado por vir até aqui”, disse Jude, afastando sua mão.
Seus olhos se dirigiram para a esquerda por um segundo, atraindo
minha atenção para Melinda. “É um prazer te receber”.
Ahh. Então era esse o jogo: fingir que não nos conhecemos na
noite anterior. Provavelmente, era o melhor.
Ainda bem que não dormi com ele. Isso teria piorado as coisas
mais ou menos em um bilhão de vezes.
“Posso te oferecer uma bebida?”, Jude perguntou, sentando-se
ao lado de Melinda. “Café, chá …”.
Olhei para ele. Ele usava roupas diferentes, mas tinha adotado
o estilo que eu havia proposto na noite anterior. Camisa sem gravata
e blazer. Um dos botões aberto, mangas dobradas até o cotovelo.
Ele seguiu meu conselho.
Era apenas um pequeno detalhe, mas imediatamente me
cativou. Talvez nosso flerte na noite anterior tenha despertado nele
o que despertou em mim. De repente, desejei que tivéssemos
continuado o encontro, sem me importar com os efeitos que aquilo
teria na nossa entrevista.
Os dois estavam me encarando. Jude tinha feito uma pergunta.
“Ah, hm, não, obrigada”, eu disse. “Tomei um latte no caminho”.
Ok, eu precisava me reorganizar e concentrar. Era uma
entrevista de emprego como qualquer outra. No mínimo, ter
conhecido Jude na noite anterior facilitaria as coisas, porque eu
sabia que ele era um cara inteligente com quem eu gostaria muito
de trabalhar.
“Muito bem”, disse Jude, escorregando a primeira folha da
pilha de Melinda para a sua frente. “Sei que vocês provavelmente já
discutiram seu histórico, deixe-me ver se acompanho …”.
Ele começou me perguntando algumas coisas específicas
sobre as linguagens de programação nas quais eu era proficiente.
Discutimos Javascript primeiro, depois Ruby. Os benefícios de
linguagens orientadas aos objetos versus as linguagens
procedurais. Ele me perguntou minha opinião sobre tipagem
dinâmica e funções de manipulações de exceções, o que me
permitiu fazer um discurso de cinco minutos sobre como eu odiava
C++.
Aquilo me deu uma sensação estranha de déjà-vu, porque já
tínhamos discutido tudo aquilo na noite anterior, mas agora com
riqueza de detalhes. Jude manteve sua expressão séria, sorriu
ocasionalmente, quando eu disse algo engraçado, e quando eu
contei sobre o programa que eu tinha escrito três anos antes, ele
pareceu genuinamente impressionado.
“Acho que isso cobre tudo o que preciso saber no que diz
respeito aos requisitos para a vaga”, ele disse, finalmente. “Você
tem alguma pergunta sobre a empresa?”.
“Melinda já me deu as informações básicas mais cedo”,
respondi. “Eu tenho uma pergunta sobre os benefícios adicionais”.
“É claro”, disse Melinda. “Além do seu salário, você vai receber
RSUs. Elas são basicamente ações da empresa, mas com três anos
de carência”. Ela procurou entre seus papéis e fez uma careta.
“Devo ter deixado o documento na impressora. Volto em um
minuto”.
Jude e eu observamos enquanto Melinda se levantava e saía
da sala. Assim que a porta se fechou, nossas cabeças se viraram
imediatamente uma na direção da outra.
“Eu não sabia que você tinha se candidatado para esta vaga!”,
ele sussurrou.
“E eu não sabia que você era o DT!”, respondi. “Você me disse
que era apenas programador”.
“Bom, eu sou. Esse é meu trabalho principal agora. Diretor é só
um título. Pelo menos até terminarmos as contratações e termos
uma dúzia de outros programadores para fazerem o trabalho sujo”.
Eu quase gritei você não sabe da sujeira que sou capaz de
fazer com você! Mas, de alguma maneira, consegui suprimir meu
mecanismo de defesa baseado no humor.
“Ontem …”, comecei.
“Sinto muito”, ele disse. “A forma com que vocês foram
removidos de lá … Sinto muito mesmo”.
Dei de ombros. “Sem estresse, não foi culpa sua”.
Ele hesitou, mas antes de dizer qualquer coisa, Melinda voltou
para a sala de conferências. Jude e eu voltamos a sorrir
educadamente.
“Aqui estão os detalhes da estrutura das RSU”, ela explicou.
“Você tem que declará-las como renda ordinária, infelizmente. Essa
é a diferença chave entre elas e os planos de ações padrão. Como
eu disse, você não pode liquidá-las antes de três anos, e isso
significa que você precisa ficar na empresa por este período. Se sair
antes, ou for demitida por justa causa, você perde o direito às ações
investidas. Contudo, felizmente, você vai amar trabalhar aqui, e isso
não vai ser um problema!”.
“Felizmente”, eu disse, sorrindo e tentando com muita força
não olhar na direção de Jude.
“A vaga, como discutimos, é para engenheira de computação
sênior”, Melinda explicou. “Você vai se reportar diretamente ao Jude
…”.
À medida em que ela falava, distraí-me por uma movimentação
no salão principal. Pelas paredes de vidro, eu podia ver claramente
um homem descendo as escadas do segundo andar, saltando os
degraus de dois em dois. Ele estava vestido de forma casual, de
jeans e camiseta. Seu cabelo estava bagunçado. A única coisa que
o diferenciava de um andarilho eram os Air Jordan caríssimos que
ele estava calçando.
Ele abriu a porta da sala de conferências e disse: “Desculpem-
me pelo atraso, estava terminando tudo com a equipe do Sr. Rossi.
Parece que acabei de sair de uma orgia burocrática”.
Congelei, quando ele tomou seu lugar. Eu conhecia aquele
homem. O cabelo emplumado e as maçãs do rosto protuberantes.
Os olhos amistosos e cor de esmeralda. O sorriso que era charmoso
e sexy.
Era o homem da noite anterior.
O dono do Marcello’s, que nos colocou para fora.
6

Amber

Quando encarei o homem da noite anterior, o dono do


Marcello’s, que tinha arruinado o aniversário da minha irmã, vi
minha carreira ir por água abaixo. Todas as coisas vulgares que eu
tinha gritado para ele na noite anterior voltaram para me assombrar
como o Fantasma da Vergonha Passada. Qualquer esperança de
conseguir o emprego desapareceu. Acabou. Mesmo com a conexão
que tive com o Jude, não tinha a menor chance de eu conseguir
consertar o que tinha feito na noite anterior.
O homem se ajeitou na cadeira e olhou para mim. Havia um
brilho nos seus olhos verdes, e seus lábios tremeram em um sorriso.
“Owen March”, ele disse, esticando uma mão. “É um prazer te
conhecer, senhorita … Moltisanti, certo?”.
Confusa, apertei sua mão. “Hm, pode me chamar de Amber”.
“Amber”, ele se inclinou e sorriu. “Gostei. Somos casuais por
aqui. Exceto por ele”. Ele deu uma cotovelada em Jude. “Sempre
arrumado. Isso é seu casual, acredita? Geralmente, ele usa o traje
completo. Não sei o que houve com ele hoje. Sexta-feira muito
louca, talvez”.
De repente, percebi que ele não tinha me reconhecido.
Me senti como um rato preso em uma ratoeira, mas sem ainda
ter sido notada pelo gato. O choque me paralisou na minha cadeira.
Quanto tempo levaria até ele me reconhecer? Será que ele
reconheceria?
“Já temos informações sobre as experiências relevantes e a
educação dela”, disse Melinda. “Estamos falando sobre os
benefícios”.
Owen olhou para Jude. “Isso é real, Boston?”.
Boston? Seria um tipo de apelido?
Jude não tinha tirado os olhos de mim. “A experiência dela é de
fato legítima e sólida”.
“Maravilha!”, ele olhou para mim. “Se este homem diz que você
cumpre os requisitos, quem sou eu para duvidar. Ele é o cara mais
inteligente que eu conheço. Você tem alguma pergunta para nós?
Os benefícios adicionais são generosos. Tem que ser, para competir
pelos talentos aqui nessa cidade”.
“Os benefícios são ótimos”, eu disse entorpecida. Eu estava
meio chocada. “Acho que não tenho nenhuma pergunta”.
“Ótimo, ótimo!”, disse Owen amigavelmente. “E ainda temos
mais benefícios, além dos que estão listados aí. Coisas informais.
Se você precisar de tickets para os jogos dos Warriors, por exemplo.
Também sou dono de um bar elegante aqui em SF. É um ótimo lugar
para reuniões. Se você trabalha para a SE, bebe sem pagar. E
temos um bar no terraço que é sensacional, com vista para a
cidade. Se você quiser fazer uma festa lá, é só me avisar, que nós
liberamos o espaço”.
Meu choque aumentou, quando ele mencionou o bar. A dor e a
vergonha pela noite anterior voltaram, avassaladoras. Eu estava
falida. Gastei os últimos centavos da minha reserva emergencial
alugando o terraço para a festa de aniversário da minha irmã. E este
homem tinha tirado aquilo de mim por puro capricho, típico de quem
sempre consegue o que quer. E ele fez de forma tão arrogante que
nem se lembrava de que era eu.
Olhei para Jude e me lembrei do que ele tinha dito cinco
minutos antes: Sinto muito pela noite passada. Ele não estava só
sendo educado, ele estava pedindo desculpas, porque era
responsável direto. Foi sua reunião que nos fez ser expulsos. Ele
tinha causado aquilo tudo. Tudo o que eu tinha sentido por ele de
repente evaporou.
“Hm, Amber?”, Owen chamou, com uma risadinha. “Terra
chamando Amber. Você está aí? Melinda, você pode nos trazer
café? Eu sei como você se sente. Eu sou um zumbi de manhã antes
da minha primeira xícara de café especial”.
Meu cérebro imediatamente elaborou outra lista de prós e
contras.

Meter o louco: prós


1. Seria extremamente satisfatório.
2. Este imbecil merece ser colocado no seu devido lugar.
3. Deus me livre de trabalhar com dois caras assim.

Não consegui fazer a lista de contras antes da minha raiva


borbulhar, incandescente e brilhante, e me fazer ficar em pé sem
pensar.
“Você é um grande arrombado”, eu disse.
Owen piscou, surpreso. Jude prendeu a respiração. Melinda
tremeu, como se tivesse sido atingida por um tiro.
“Hm”, Owen disse, com um sorriso desarmador. “Como é?”.
“Homens não são chamados de arrombados o suficiente”, eu
disse, deixando meu ódio sair pela boca. “Geralmente não gosto de
xingamentos que têm origem machista e homofóbica. Mas não
existem palavras para te descrever. Encho a boca para dizer que
você, Owen March, é sem dúvidas um grandessíssimo arrombado.
O presidente dos arrombados. O imperador universal dos
arrombados”.
O sorriso de Owen sumiu. “Se isso é algum tipo de piada ou
arte performática, não está surtindo o efeito desejado”.
“Você arruinou minha noite!”, eu gritei, revoltada, porque ele
ainda não tinha se dado conta. “Reservamos aquela cobertura
meses atrás! E você simplesmente aparece, estala os dedos e nos
faz ir embora!”.
Melinda ficou tensa. “Vocês se conhecem?”.
“Ahh”, Owen apertou os olhos na minha direção. “Eu sabia que
te conhecia de algum lugar. Vamos lá. Você está gritando comigo
porque não terminou sua festinha na minha cobertura?”.
“Não! Porque você arruinou o aniversário da minha irmã!”.
“Ela tem muitos aniversários à frente”, ele respondeu
simplesmente. “Presumo que ela tenha sua idade. A não ser que
você seja de uma família estranha, e sua irmã esteja comemorando
sei lá, oitenta, noventa anos. Aí sim, aniversários são realmente
especiais nessa idade”.
“Minha irmã tem vinte e um!”.
“Que ótimo, então”, Owen afastou as mãos. “Então, ela ainda
tem muitos aniversários pela frente, que Deus permita. Qual é o
problema?”.
Deixei sair um rosnado de frustração.
Jude esticou uma palma para mim. “Amber …”.
“E você”, eu disse, virando-me para ele. “É tão sua culpa
quanto dele. Você flertou comigo, usando seu papinho de nerd
programador e seus estúpidos coquetéis sem álcool e simplesmente
não fez nada, quando ele expulsou eu e minha irmã!”.
Owen deu um sorriso tolo na direção do sócio. “Roy Rogers?
Você disse que estava bebendo um coquetel com uísque. Eu lembro
de ter ficado impressionado com a bebida de adulto que você
pediu”.
Melinda ficou em pé. “Acho que esta entrevista acabou”.
“Obviamente”, Owen respondeu com sarcasmo. “Pelo menos
fiquei entretido. Alguma outra questão, senhorita Moltisanti?”.
Eu queria jogar alguma coisa, mas os únicos objetos ao meu
alcance eram os papéis de Melinda. Eu não queria fazê-la ter que
recolher minha bagunça.
“Por que você não lambe minha bunda?”, eu disse a Owen no
meu caminho para fora da sala.
“Não me ameace com algo que pode ser divertido!”, ele
respondeu, sem nem hesitar.
Sua risada me seguiu para fora da sala, através do escritório e
até o lado de fora do prédio.
7

Jude

“Bem”, Owen disse, quando ela saiu. “Poderia ter sido melhor”.
Eu não era o tipo de homem que ficava sonhando acordado
com mulheres, mas desde a noite anterior, Amber estava ocupando
uma parte significativa dos meus pensamentos.
Eu não costumava sair muito. Ser arrastado para bares para
conhecer investidores era literalmente a última coisa na minha lista
de afazeres em uma quinta à noite. Pior do que chegar adiantado a
uma reunião é chegar atrasado, assim, cheguei no bar antes do
horário. Só por precaução. Então, fiquei no balcão do bar, com
aquele drinque estúpido na mão, fingindo que me encaixava
naquele ambiente.
No momento em que a vi dançando no terraço, não consegui
tirar os olhos dela. Seus cabelos escuros e esvoaçantes, seu rosto
em forma de coração, as curvas do seu corpo balançando ao som
da música. Ela não tinha muito ritmo, mas não parecia se importar.
Ela mexia sua bunda redonda, como quem não se importa com o
que os outros pensam.
E, então, ela me pegou no flagra, olhando para ela.
Normalmente, aquele seria o momento mais embaraçoso da noite.
Era o tipo de coisa que me faria pagar minha conta e ir embora
correndo.
Mas ela simplesmente evitou aquilo, aparecendo do meu lado
no balcão do bar e se apresentando. Amber era franca de forma
refrescante. Era mais fácil conversar com ela por causa disso. E
quando descobri que ela era programadora? Uma nerd do Silicon
Valley, assim como eu? De repente me peguei agradecendo ao
fantasma de Steve Jobs.
Até Owen aparecer e arruinar tudo.
Me lembro de estar lá assistindo tudo, sem poder fazer nada,
quando os seguranças acabaram com a festa de Amber e a
expulsaram junto com seus convidados. Owen estava com o Sr.
Rossi, nosso investidor em potencial, então, não ia voltar atrás. Ela
gritou com ele, ele gargalhou e gesticulou com desdém. E foi assim
que eu perdi qualquer chance que eu podia ter tido com aquela
garota.
E, então, ela apareceu para a entrevista de emprego no dia
seguinte.
Uma luz piscou dentro de mim, como a tela de um computador
ligada pela primeira vez. Eu estava ansioso para vê-la de novo.
Sedento. Era como se eu tivesse esfregado uma lâmpada mágica e
feito um pedido, porque quando abri a porta da sala de
conferências, lá estava ela.
Não sei como, mas consegui ir com calma. Dei uma olhada na
direção de Melinda e fingi que era a primeira vez que Amber e eu
nos víamos. Ela pegou a deixa. Seguimos com a entrevista, como
se nada tivesse acontecido na noite anterior.
Bem no fundo, eu imaginava como seria. Amber e eu
poderíamos trabalhar juntos, tornarmo-nos amigos, ou mais do que
amigos. Tínhamos tanta coisa em comum. E a melhor parte? Ela era
extremamente qualificada. Contratá-la seria absolutamente a melhor
decisão, ignorando o fato de já estar encantado por ela.
E, mais uma vez, Owen apareceu e arruinou tudo.
Ele entrou na sala de conferência do jeito que sempre fazia:
com seu sorriso de campeão e charme usuais. Owen estava
acostumado a ser o centro das atenções em qualquer lugar que
entrasse. E ele gostava disso. Os olhos de Amber se arregalaram.
Segurei a respiração, já esperando Owen dizer alguma coisa
estúpida. Porém, ele não a reconheceu.
Aquilo foi a gota d’água. O que empurrou Amber do choque
para a fúria. O ódio encheu seus olhos como uma lâmpada
incandescente, cada vez mais brilhante, até cegar quem estivesse
por perto.
Fechei os olhos e suspirei, assim que ela começou a gritar com
ele. Quando decidi falar, ela virou a metralhadora de ofensas na
minha direção. A intensidade do seu discurso teria sido
avassaladora, mesmo que eu não fosse o alvo dele. E,
ironicamente, aquilo me fez gostar mais dela.
Então, ela irrompeu da sala, nos deixando lá, sentados, muito
atordoados para fazer qualquer coisa. Melinda foi a primeira a falar.
“Quem pode me explicar o que acabou de acontecer?”.
“Nós … meio que nos conhecemos ontem”, comecei.
O maxilar de Melinda ficou travado. “E você achou que esse
não era um fato relevante a ser mencionado?”.
“Foram só alguns minutos”, argumentei. “No Marcello’s. O
clima estava amigável e educado, até Owen roubar o terraço dela”.
Owen zombou. “Calma aí, Boston. Aquele restaurante é meu.
Eu não posso roubar o que já me pertence”, ele sorriu e continuou
em um tom mais afável. “Além disso, foi ela quem meteu o louco.
Ofereci as cabines do primeiro andar. Nossa área VIP, em uma noite
super cheia. E ao invés de aceitar e reconhecer, ela ficou maluca.
Que bom que não vamos ter alguém com esse temperamento
trabalhando aqui”.
“Ela é qualificada”, Melinda resmungou.
“Muito qualificada”, concordei.
Owen correu sua mão pelo cabelo e pegou a pilha de papéis
de Melinda. “Quantas entrevistas temos hoje? Seis?”.
“Quatro pessoalmente, duas on-line”, ela confirmou.
“Aí está”, Owen gesticulou, como se o problema estivesse
solucionado. Temos uma fila de talentos nos esperando, Boston.
Não teremos problemas para encontrar alguém. Ele olhou no seu
relógio BYLGARI Octo Finissimo. “Avise-me, quando estivermos
prontos para a próxima entrevista. Tomara que não seja alguém que
precisei expulsar do meu restaurante recentemente”.
Eu o assisti sair da sala e me virei para Melinda. “Desculpe por
não ter alertado você”.
Ela sorriu tristemente. “Eu sabia que você estava agindo
estranho. Parecia que você tinha uma queda por ela e estava
tentando esconder. Vocês dois devem ter se dado muito bem
ontem”.
Senti minhas bochechas corarem. “Talvez sim. Eu acho. Até,
você sabe, Owen acontecer”.
“Ele certamente é um sujeito peculiar. Às vezes, ele me lembra
meu namorado”. Ela fez uma careta. “Talvez seja o melhor. Você
não quer se envolver com alguém que trabalha para você.
Especialmente uma subordinada direta. É a receita perfeita para um
desastre”.
Eu acenei enquanto ela falava. Melinda estava certa. Naquele
um mês, desde que a contratamos, encaramos um aspecto comum:
ela estava frequentemente certa sobre as coisas.
Começamos com a mesma sequência de perguntas, logo que
o próximo candidato chegou, mas eu não conseguia parar de pensar
na Amber. A atitude introvertida, o espírito impetuoso que mostrou,
logo que saiu do casulo. A forma como ela mordia o lábio enquanto
pensava em como responder a uma das perguntas. O sorriso
confiante, enquanto explicava sua experiência trabalhando com
cripto.
Só tinha uma coisa que me incomodava. O currículo dela
parecia incompleto. Havia um intervalo temporal em que ela não fez
nada. Um período vago de “projetos como freelancer” que ela não
elaborou muito durante a entrevista.
Enquanto Melinda e eu entrevistávamos um dos candidatos on-
line, eu abri outra janela no navegador para começar uma busca.
Amber Moltisanti. Vamos ver quem você é de verdade.
8

Amber

Saí correndo daquele escritório e peguei uma rota aleatória.


Corri pelas ruas de São Francisco por vários minutos, até sentir que
estava a uma distância segura daquele lugar. Quando desacelerei,
lágrimas corriam pelo meu rosto.
Eu estava com raiva de tudo e de todos. Primeiro Owen, por
motivos óbvios. Depois Jude, por mentir para mim sobre sua relação
com Owen e por não ter impedido seu parceiro de nos expulsar. Por
último, Melinda, por ser tão serelepe, amigável e acolhedora.
Mas acima de tudo, eu estava com raiva de mim mesma. Por
chorar. Por não conseguir controlar meu ódio durante a entrevista.
Por ter criado expectativas. Eu já deveria saber, fazia muito tempo,
que expectativas sempre levam à decepção.
“O que você está olhando?”, gritei com um homem que estava
prestes a me perguntar se eu estava bem. Ele acelerou o passo e
se afastou.
Aqui vou eu de novo, pensei amargamente. Afastando as
pessoas que querem me ajudar.
Sequei minhas lágrimas e me recompus. Eu não tinha tempo
para aquilo. Eu precisava ser a adulta responsável, por mim e por
Michelle. Conferi meu celular, que estava no silencioso durante a
entrevista. Ela tinha me enviado uma mensagem:
Shelly: Fizemos checkout e pegamos suas coisas no hotel.
Não fique zangada, mas Phil pagou pelos quartos. Ele insistiu. Você
o conhece.
BOA SORTE HOJE! Você vai arrasar, irmãzona! Se você não
agir como a fodona que você é, vou te bater com uma frigideira até
você ficar toda roxa e amassada.
Beijocas!

O texto me fez sorrir, apesar de tudo. E o fato de não precisar


voltar para o hotel também era positivo. Eu só queria ir embora para
casa e vestir meu pijama o mais rápido possível.
Caminhei até a King Station e entrei no próximo trem para São
Mateo. Durante o trajeto, entrei no Reddit pelo meu celular para
passar o tempo e me esquecer daquela entrevista de merda. Desci
na parada do Parque Hayward e comecei a caminhar. Normalmente,
o caminho era curto e fácil, mas naquele dia eu estava usando
aqueles sapatos de salto estúpidos. Sempre me revoltava o fato de
homens poderem usar sapatos confortáveis, enquanto mulheres
tinham que andar sobre dispositivos de tortura medievais para
ficarem elegantes.
Quando cheguei a casa, meus pés doíam horrivelmente. Eu e
Michelle morávamos em um apartamento de dois andares que
ficava de costas para a baía, em um pequeno complexo com outros
cinco apartamentos. O nosso ficava no final do conjunto, então, só
dividíamos uma parede com um dos vizinhos.
Tinha custado muito mais do que eu podia pagar e tinha
dobrado de valor nos últimos cinco anos. Mesmo assim, ter
comprado aquilo me enchia de arrependimento.
Se eu não tivesse inventado de comprar esse apartamento
idiota …
Deixei o pensamento de lado, quando subi a passarela. Um
dos vizinhos, Sr. Jackson, estava cuidando do jardim. Ele olhou para
cima e acenou, acenei de volta. Todos os vizinhos eram amigáveis,
mas todos eles também eram aposentados. Quando eles me
cumprimentavam, eu podia notar a curiosidade em seus olhares.
Eles provavelmente pensavam como era possível para duas garotas
de vinte e poucos anos comprarem aquele apartamento sem ter os
pais por perto para ajudar.
Havia dois carros no nosso estacionamento. O de Michelle e o
de Phil. Resmunguei, quando pensei em ter que lidar com ele
naquele momento. No caminho para dentro, peguei as
correspondências da nossa caixa de correio. Uma das cartas vinha
do departamento de finanças de São Mateo. No envelope, a palavra
“VENCIDO” em letras vermelhas.
Que bom que peguei antes de Michelle ver, pensei, entrando
na casa.
Phil e Michelle estavam na sala vendo TV. Ele estava ocupado
com seu celular, mas minha irmã virou a cabeça, quando me ouviu
entrar.
“Amber? Você chegou cedo!”.
Enquanto eu chutava para longe meus sapatos com bastante
agressividade, formei uma lista na cabeça.

Motivos para dizer a Michelle a verdade:


1. Nós nunca mentíamos uma para a outra.
2. Ela ainda me amaria e me apoiaria.
3. Seria muito melhor desabafar com ela do que precisar
guardar minhas emoções só para mim.

Motivos para NÃO dizer a Michelle a verdade:


1. Eu não queria que ninguém mais soubesse o fracasso
gigantesco que eu era.

“Não trabalhei hoje”, eu disse, a mentira saindo com


naturalidade. “Só papelada. Tive que assinar pessoalmente, agora
tenho que ver uns vídeos de casa. Meu primeiro dia de verdade é
segunda”.
“Estou tão orgulhosa de você!”, Michelle se levantou e me
abraçou apertado. “Sério, irmã. Estou tão orgulhosa que poderia
socar sua cara agora mesmo”.
“Obrigada, Shelly”.
“Procurei algumas informações sobre a SE hoje de manhã”,
disse Phil. “Devo admitir: eles são mais maneiros do que eu pensei.
E tem muito potencial. E você ser contratada nesse estágio tão
inicial? Impressionante. Bom trabalho, Amber”.
Deus, obrigada pelo lembrete. Pensei. O que fazia aquilo doer
mais era que, pela primeira vez, ele parecia estar me elogiando
genuinamente. Me parabenizando por um emprego que eu não
tinha.
“Por que você não está na faculdade?”, perguntei a Michelle.
“Só tenho uma aula na sexta à tarde”, ela respondeu. “On-line”.
“Ah, sim”. Virei-me para Phil. “E você? Não tem que
trabalhar?”.
“Tirei o dia de folga”, ele deu de ombros. “Minha equipe está
mandando muito bem nos prazos”.
Phil continuou explicando que ele amava tanto seu trabalho
que era um grande sacrifício para ele tirar um dia de folga. Enquanto
eu ouvia aquela chatice, pensei que era um grande sacrifício para
mim não me atirar da janela naquele exato momento.
Subi as escadas e suspirei, enquanto trocava de roupa. A pior
parte de usar uma saia lápis era a impossibilidade de vestir
calcinhas normais, porque a costura aparecia. Usar tanga era a
coisa mais desconfortável do mundo, principalmente depois de
andar da estação até em casa. O cara que inventou a tanga,
possivelmente inventou também os sapatos de salto alto. E, sim,
certamente foi um homem.
Logo que estava confortavelmente vestindo minha calça de
pijama e uma camiseta, sentei-me na frente do computador. Minha
escrivaninha comportava duas telas panorâmicas, ligadas a um
processador potente da Alienware. Depois daquele dia de cão, movi
o cursor imediatamente para os atalhos de jogos na minha área de
trabalho. Eu queria algo que não me fizesse pensar. Talvez fazer
login em World of Warcraft e criar uma nova personagem. Ou
desligar as luzes para ver se havia alguém on-line para jogar
Phasmophobia. Qualquer coisa que me ajudasse a esquecer a dor
da falha daquele dia.
Porém, eu era a adulta da casa e precisava fazer as coisas de
adulto. Abri o navegador e comecei a procurar vagas de emprego.
Sempre havia vagas em Bay Area. Programadores passavam
aperto no Silicon Valley, a rotatividade era altíssima, mesmo nas
melhores empresas. Dentro de dez minutos, eu já tinha encontrado
duas dúzias de empregos em potencial.
Entretanto, todas as vagas eram para empresas grandes e
estáveis. Empresas para as quais eu não queria trabalhar. Eu não
queria ser só uma peça irracional na engrenagem de uma porra de
uma empresa! Eu queria trabalhar em uma start-up. Em algum lugar
em que pudesse realmente deixar minha marca, onde meu trabalho
seria apreciado e necessário.
Algum lugar como a Soluções Encriptadas.
A entrevista voltou a ocupar minha mente. Emoções recentes
foram atraídas pela memória: a alegria de ter ido muito bem na
entrevista e, então, o ódio, quando tudo desabou. Desejei ter meu
pai por perto para poder conversar.
Minimizei o navegador e cliquei no ícone do Diablo 2. Eu
jogava esse jogo, desde que eu tinha dez anos. Era confortável e
familiar. Comecei a jogar com a minha Feiticeira toda adornada com
equipamentos mágicos. Depois de lutar contra Mefisto, o chefão do
terceiro ato, eu me esqueceria completamente da SE.
Meus fones de ouvido com cancelamento de ruído não me
deixaram ouvir a campainha, mas eu vi a notificação no meu monitor
auxiliar. Parei o jogo e alterei para a janela do sistema de
segurança. Uma das câmeras mostrava a porta da frente, onde um
homem estava parado.
Eu não conseguia ver seu rosto daquele ângulo, mas reconheci
sua roupa. A calça social e o sapato, a camisa com as mangas
dobradas até os cotovelos, os cabelos loiros cor de areia e uma
posição meio esquisita. Ele enfiou as mãos nos bolsos e mexeu os
pés, meio desconfortável.
“Não é possível!”, murmurei. “O que diabos Jude está fazendo
aqui?”.
9

Amber

Encarei a tela por longos cinco segundos. Era definitivamente


Jude Cauthon. O homem que eu tinha conhecido no bar na noite
anterior. Um dos fundadores da Soluções Encriptadas. E ele estava
ali, parado na minha porta.
Ele esticou a mão e apertou a campainha de novo.
Tirei os fones de ouvido e corri para fora do quarto.
Michelle colocou a cabeça para fora da porta do seu quarto. “A
campainha está tocando?”.
“Eu atendo!”, respondi, meio entusiasmada demais. “Estou
esperando uma encomenda! Para você. É um presente. Não olhe”.
Meus passos pesados ressoaram nos degraus, quando corri
para a porta da frente. Fingi para mim mesma que estava com
pressa, porque eu queria manter aquela falha um segredo, não
porque eu estava ansiosa para ver Jude de novo. Eu parei na porta,
me recompus e então a abri.
Certamente, Jude estava parado na soleira da porta. Ele me
deu um sorriso meio torto, seus olhos impossivelmente azuis
brilharam por detrás dos seus óculos. Meu corpo estremeceu,
quando eu o vi.
“Oi”, ele disse.
Isso seria tão mais fácil, se você não fosse tão bonito! Eu
pensei. Engoli o pensamento e perguntei: “O que você está fazendo
aqui?”.
“Queria falar com você”.
“Ok, fale”.
“Podemos fazer isso do lado de dentro?”, ele olhou por cima do
ombro. “Seu vizinho não para de me olhar, desde que estacionei”.
Eu vi Sr. Jackson tentando bisbilhotar da sua garagem,
claramente interessado na nossa conversa. Também vi o sedan
Tesla preto e elegante estacionado na rua.
Eu o puxei para dentro e fechei a porta. “Ok, o que você
quer?”, perguntei em voz baixa.
“Eu, hm, quero falar com você”.
Cruzei os braços sobre meu peito. “Você já disse isso. Vá
direto ao ponto, Sr. Cauthon”.
Enfatizei seu sobrenome bem formalmente, para deixar clara a
natureza da conversa, mas apesar daquela atitude, eu senti uma
pontada de esperança. Eu estava feliz em vê-lo. Aquele breve
momento em que o puxei para dentro, em que ele estava totalmente
dentro do meu espaço pessoal, fez-me formigar de empolgação.
Seu cheiro despertou uma enxurrada de memórias da noite anterior.
Mais uma vez, afastei o que sentia. Parecia que meu corpo
estava me traindo. Aquele homem não era meu amigo. Ele era sócio
de um completo babaca e tinha permitido que aquele babaca me
expulsasse na noite anterior.
“A entrevista …”, ele começou.
“Sim, eu sei”, eu disse. “Estraguei tudo. Mas eu não queria
mesmo trabalhar para a sua empresa idiota”.
“Não”, ele disse devagar. “Quer dizer, sim. Você meio que
estragou tudo. No entanto, eu queria discutir sua experiência com
criptomoeda. Você mentiu no seu currículo”.
Franzi o cenho. “Não, eu não menti. Tudo o que está no meu
currículo é verdade. Se você não acredita que fui capaz de escrever
um programa para a Litecoin, posso te mostrar o código”.
“Não estou falando sobre isso”, ele disse pacientemente. “Sim,
tudo no seu currículo é tecnicamente verdade. Mas estou falando do
que você omitiu”.
Senti minha pele ficar fria. “Não sei do que você está falando”.
Ele continuou, como se eu não tivesse respondido. “Tem uma
parte da sua vida que você não citou no currículo. Nesse período,
não há nenhum projeto específico citado. Fiz uma pequena
pesquisa, quando você saiu. Seu currículo tinha o endereço da sua
casa. Um apartamento grande em um condomínio caro de São
Mateo. Você comprou há cinco anos”.
“E daí?”.
“Comprou em dinheiro”, ele disse. “Achei curioso.
Considerando como as taxas de juros estão atualmente, não faz
sentido comprar uma casa à vista”.
“Você parece minha irmã falando”, eu disse secamente.
“A conclusão lógica foi herança”, ele disse. “O que me fez
descobrir seu pai. Desculpa”.
Meu peito enrijeceu e ficou difícil respirar. Como ele sabia
daquilo? Obituário público, provavelmente. Ou registros de mortes
no município. De qualquer forma, aquela violação pessoal bateu
forte como uma faca no meu estômago.
“Vá embora”, sussurrei.
Jude mexeu os pés estranhamente, mas não se moveu. “Como
eu disse, usar uma herança para comprar esse lugar faria sentido.
Especialmente por causa dos acontecimentos. Mas não foi o caso”.
“Pare”, suspirei.
“Seu pai não te deixou nada. Muitas despesas médicas. Sua
mãe decretou falência, depois que ele … morreu”.
Ele não deixou quase nada, eu pensei amargamente. Nem
fotografias, nem objetos pessoais. Nenhuma história de família ou
informações sobre meus avós que morreram antes de eu nascer.
Meu pai não me deixou nada sentimental, para que eu me lembre
dele.
“Aí foi o fim da minha pesquisa”, ele admitiu. “Até eu vasculhar
os registros de cartão de crédito do Marcello’s. Eu sei que isso pode
ter sido meio contraventor da minha parte, mas escute primeiro. Eu
vi que você pagou a reserva com dois cartões: um cartão Coinbase
e um cartão Visa. O primeiro me deixou mais interessado. Ele está
vinculado a várias carteiras de criptomoeda com transações
extensas. Tudo está totalmente disponível nas devidas blockchains.
Normalmente, eu não conheceria os donos dos endereços, mas o
cartão Coinbase me abriu portas para rastrear seu histórico.
Eu estava petrificada, entorpecida pelo que ele estava prestes
a dizer.
Jude sorriu apologeticamente. “Devo admitir que demorou um
pouco para seguir as migalhas de pão. Você usou diversos
subterfúgios para tentar apagar o rastro, mas existem maneiras de
rastrear tudo, e eu sou sortudo o suficiente para ter algumas
conexões no mundo das criptomoedas. Consegui rastrear os
endereços originais. Uma carteira cheia de ArgoCoins, uma
criptomoeda baseada em token”.
Ele respirou fundo, antes de continuar, sabendo que estava
prestes a revelar meu segredo mais profundo e sombrio. “A carteira
continha trinta milhões de ArgoCoins. Na época, eles valiam nove
centavos cada, mas agora valem três milhões de dólares. Só três
carteiras tinham aquela quantia naquela época. Os criadores da
criptomoeda, Sam Clyburn e Han Hiroshoto. E o terceiro era um
programador anônimo com base em Bay Area …”
De repente, era como se eu estivesse totalmente nua ali, na
frente de Jude. “O que você quer, exatamente?”, perguntei,
desafiadora.
“Isso não está no seu currículo”, ele disse. “Por quê?”.
“Não me pareceu relevante”.
Ele gargalhou alto e me lembrou da noite anterior, enquanto
flertávamos. “Você participou da criação de uma das 100
criptomoedas mais relevantes do mundo. Esquece a SE. Esse tipo
de experiência pode te abrir portas em basicamente qualquer
empresa no Silicon Valley”.
“Obrigada por me explicar minha própria experiência com
criptomoeda para mim”, eu disse. “Você pode ir agora”.
Jude tirou os óculos e levou as palmas das mãos ao rosto em
frustração. “Por que omitir isso? Me diga a verdade. Você está
tentando permanecer anônima por causa dos impostos?”.
“Eu pago todos os meus impostos sobre a minha renda”,
respondi secamente. Bom, não posso dizer o mesmo sobre o IPTU.
“Então por quê?”, ele insistiu.
“Porque foi o maior erro da minha vida!”, finalmente cedo.
Ele colocou os óculos de volta e piscou, surpreso. “Erro?
ArgoCoin é uma criptomoeda legítima. Não foi usada para nenhuma
finalidade ilegal ou qualquer outra coisa problemática”.
“Não a criação da moeda”, eu disse. “A minha venda! Como
você disse, cada moeda valia nove centavos, quando eu vendi tudo.
Um mês depois elas valiam trinta e dois centavos, um ano depois,
um dólar!".
Jude fez uma careta. “Hoje elas valem mais de três dólares. O
tanto que você tinha na época valeria cem milhões de dólares”.
“Cento e dois milhões, quatrocentos e nove mil”, eu disse, com
a voz fraca. “Eu confiro todas as manhãs. Eu preciso. É uma
compulsão, saber o que eu poderia ter, se não as tivesse vendido”.
“Por que você vendeu?”.
“Você passou a manhã vasculhando minha vida”, eu respondi.
“Mesmo que o câncer no pâncreas tenha levado meu pai em três
meses, as contas do hospital continuaram chegando. Nós não
tínhamos nada. Minha mãe partiu um tempo depois, fazendo merda
e se entupindo de remédios e opiáceos diariamente, para superar a
perda do meu pai. Ficamos sozinhas. Eu queria comprar uma casa
para mim e Michelle. Minha parte de ArgoCoins tornaram isso
possível”.
Na defesa de Jude, seus olhos estavam me olhando de forma
calorosa e empática, enquanto ele ouvia minha história. E seu tom
era gentil, quando ele disse: “Você estava morando em Berkeley na
época. É muito longe de São Mateo”.
“Quase duas horas”, concordei. “Quatro horas por dia,
dependendo das pontes. Mas eu não queria que Michelle mudasse
de escola, então, eu tive que lidar com a viagem, para ela não
precisar fazer isso. E ela acabou entrando em Stanford, que é fácil
de chegar de trem”. Meu suspiro simbolizava cinco anos de
arrependimento. “Foi a decisão certa na época, mas não consigo
não pensar no que poderia ter feito, se não tivesse vendido minhas
criptomoedas …”.
“Isso é uma merda”, ele disse. De forma banal, mas muito
reconfortante.
“Sim, é mesmo. Na época, eu lembro que pensei que três
milhões era todo o dinheiro que havia no mundo, mas depois de
comprar este apartamento, pagar pelos estudos de Shelly e cinco
anos de IPTU na Califórnia …”, eu fiz uma careta. “Foi por isso que
você veio aqui? Para me fazer explicar o maior erro da minha
vida?”.
“Não”, ele disse. “Eu vim te oferecer um emprego na SE”.
Eu gargalhei. “Ah, sim, claro. Depois daquela cena de hoje?”.
“Você fez isso várias vezes em outras entrevistas”, Jude
respondeu. “Não está no seu currículo, mas eu fiz algumas ligações.
Visa. Alphabet. Helix. Você certamente tem uma vocação para enfiar
os pés pelas mãos”.
Ouvir os nomes das empresas nas quais eu tinha falhado em
entrevistas foi como sentir o ferrão de uma vespa no cérebro. Me
encolhi enquanto ele falava sobre meus fracassos.
Você sabota suas oportunidades, como um mecanismo de
defesa, meu terapeuta tinha falado há muito tempo. Porque você
tem medo de falhar, quando for contratada. Então, é melhor acabar
com tudo antes mesmo de começar, certo?
“Sim, eu tenho a boca grande”, respondi curtamente. “Isso não
é exatamente a explicação para você querer me contratar”.
“Precisamos de alguém com a sua expertise”, ele insistiu.
“Alguém que desenvolveu uma criptomoeda dessa magnitude do
zero? Seu conhecimento seria mais valioso do que o de qualquer
um em Bay Area”.
“Eu chamei seu sócio de arrombado”.
“Honestamente?”, ele deu uma risadinha. “Ele é um
arrombado”.
“Geralmente, os caras da TI não gostam de receber insultos”.
“Bom, lide com isso. Venha trabalhar conosco. Nos ajude a
construir algo incrível do zero, assim como você fez com a
ArgoCoin. E se nós conseguirmos, você vai ganhar mais dinheiro do
que ganharia com aquela criptomoeda”.
Por um breve momento, a esperança surgiu dentro de mim. Me
permiti considerar a proposta. Voltar ao escritório. Me instalar em
uma escrivaninha. Trabalhar com o que eu amava.
Trabalhar para alguém incrível como Jude.
“Eu teria que trabalhar para Owen”, eu disse.
“Raramente”, Jude respondeu. “Você vai basicamente trabalhar
comigo. E mais um monte de programadores que ainda vamos
contratar”.
E nosso flerte no bar? Eu queria perguntar, mas Michelle e Phil
resolveram aparecer na sala naquele momento.
“Você disse que era um presente de aniversário!”, Michelle
exclamou. “Eu vou te cozinhar em banho-maria, sua mentirosa”.
Jude piscou. “Cozinhar em banho-maria?”.
“Ela está brincando. É coisa de irmã, Shelly, este é …”.
“Jude Cauthon”, ele disse, acenando meio sem jeito. “Sou o
novo chefe de Amber. Ela, hm, ficou com a minha gravata. Eu vim
buscar”.
Boa saída, pensei. Então, dei-me conta de que, de fato, sua
gravata tinha ficado comigo. Corri até a cozinha e a peguei na
gaveta para entregar a Jude.
Michelle se engasgou. “Eu sabia que te conhecia. Você é o
bibliotecário charmoso!”.
Jude fez uma careta. “Hm, eu sou … o quê?”.
“Minha irmã idiota está apenas fazendo uma piada”, eu disse
incisivamente. “Mas sim, Jude é o homem do bar. Coincidência, não
é?”.
“Chefe charmoso”, minha irmã murmurou. “Gostei”.
“Eu vou jogar uma torradeira na banheira, enquanto você toma
banho essa noite”, ameacei.
“Phil Koepka”, disse Phil, dando um passo à frente para se
apresentar. “Eu li sobre o que você fez com a PayScale, sou um
grande fã”. Ele deu uma risadinha. “Nunca apertei a mão de um
bilionário antes”.
Eu quase deixei meu queixo cair. Bilionário?
“Phil e eu vamos buscar comida tailandesa”, Michelle disse.
“Vocês querem alguma coisa?”.
“Não, obrigada”, respondi. “E Jude estava de saída. Depois
que terminarmos uma coisa importante sobre o trabalho”.
Encarei minha irmã e o tapado do seu namorado até eles
saírem da casa. Quando eles finalmente se foram, virei-me para
Jude.
“Você é bilionário?”.
Suas bochechas ficaram vermelhas e ele olhou para os pés por
um momento. “Venha trabalhar conosco, Amber. Você queria isso e
você é melhor do que esperávamos. Todo mundo sai ganhando. Eu
imploro, se você quiser, mas espero que você não queira”.
Uma lista se formou na minha mente.

Motivos para trabalhar na SE:


1. Eu precisava do dinheiro.
2. Era o trabalho dos meus sonhos.
3. Eu precisava do dinheiro.
4. Eu veria Jude com frequência
5. Ah, e eu realmente precisava do dinheiro.

Motivos para NÃO trabalhar para a SE:


1. Eu era teimosa e queria permanecer naquela posição, só
porque Owen arruinou a festa da minha irmã.

Mesmo que a única desvantagem da lista fosse muito


tentadora sozinha, o peso das vantagens era muito, para
simplesmente ignorar. E dentro do meu estômago, borboletas
começaram a flutuar, enquanto eu pensava em aceitar a oferta de
Jude.
A porta da frente se abriu, e Phil enfiou a cabeça para dentro
da casa. “Ei, seu Tesla está bloqueando nosso carro”.
“Ele já vai sair, Phil!”, eu gritei. “Nos dê um minuto!”.
Ele rapidamente fechou a porta.
“Eu quero dez por cento a mais no salário inicial”, eu disse. “E
duas vezes mais benefícios. Como você disse: eu tenho experiência
valiosa em desenvolver criptomoedas do zero. Vocês precisam de
mim”.
Jude acenou, pensativo. “Acho que podemos fazer isso. Mais
alguma exigência?”.
Eu tentei encontrar mais coisas para pedir, mas não consegui.
A palavra sim estava dançando na minha língua, pedindo para sair.
No final, nem precisei dizer nada. Minha cara deve ter sido o
suficiente, porque fez Jude responder. “Te espero amanhã no
escritório, às dez”.
“Amanhã é sábado”, eu respondi.
Jude abriu a porta e deu um passo para a fora. “Somos uma
start-up e temos muito trabalho a fazer. Não podemos perder tempo.
Ah, e vista-se mais casual amanhã. O que for confortável para você.
Suas roupas estavam adequadas para a entrevista, mas salto alto
todo dia é um pouco demais”, ele sorriu por cima do ombro,
encarando-me. “Bem-vinda ao time, Amber!”.
10

Amber

O trem estrondoso tremia sobre os trilhos, enquanto se dirigia


para o Norte, em direção a São Francisco. E eu tremia junto.
Não era só a ansiedade pelo primeiro dia de trabalho, mas eu
veria Jude de novo. Passei a noite toda me revirando na cama,
pensando nele. E, quando eu finalmente peguei no sono, sonhei que
estava no terraço com ele, dividindo um coquetel com dois canudos
e flertando sobre qual linguagem de programação era mais erótica.
A investigação de Jude sobre meu passado parecia uma
violação. Eu duvidei até que fosse legal. Usar a posição de
autoridade em uma empresa para rastrear o endereço de alguém?
Sem contar a informação detalhada do cartão de crédito que usei no
Marcello’s. Em qualquer outro contexto, aquilo seria considerada
uma parábola sobre obsessão e comportamento de perseguição.
Porém, eu não via daquela forma. Jude estava apenas curioso
sobre um intervalo no meu currículo, então começou a conectar os
pontos, até entender a história toda. Se aprofundou na toca do
coelho com a curiosidade de um hacker. Eu entendia o
comportamento, porque era algo que eu faria também, se fosse ele.
E eu estava impressionada com a quantidade de informações que
ele conseguiu obter sobre mim. Jude não era só um cara da TI ou
um hacker meia-boca. Suas habilidades eram substanciais.
Entrar pela porta da frente da SE me fazia pensar que eu
estava voltando à cena de um crime. Melinda estava sentada na
mesma mesa, com o mesmo sorriso, e se levantou para me saudar,
como se nada tivesse acontecido no dia anterior.
“Vamos começar de novo!”, ela disse, sorridente. “Sou Melinda.
Bem-vinda a Soluções Encriptadas”.
“Amber Moltisanti”, eu disse, apertando sua mão. “Sou a nova
engenheira de computação sênior”.
Nós duas rimos com a tolice daquele teatrinho. Então, Melinda
disse: “Tenho algumas pilhas de documentos para verificarmos, me
acompanhe, por favor …”.
Sentei-me com ela na mesa da recepção e comecei a assinar
documentos. Havia muita coisa. Quando cheguei à carta oficial que
listava meu salário e benefícios, tive que fazer muito esforço para
não escancarar um sorriso. Mesmo sem considerar as ações, meu
salário era muito mais alto do que eu tinha esperado.
Assinei as páginas com mais rapidez daquele momento em
diante.
Depois que terminamos, Melinda me mostrou o prédio. Eu já
tinha visto a sala principal e as mesas que ficavam no andar térreo,
então, fomos até a cozinha. Os armários estavam cheios de cereais,
barras de proteína e doces. A geladeira tinha todos os tipos de leite
que eu conseguia pensar: integral, desnatado, semidesnatado, sem
lactose, leite de amêndoas, leite de arroz, leite de coco … até uma
coisa chamada leite de cânhamo, que decidi que não ia
experimentar. Também havia diversos sanduíches nas prateleiras.
“O computador central está conectado com os restaurantes
desse lado da cidade”, Melina explicou. “Tudo o que você quiser
pedir, nós pagamos. E se você quiser mais algum produto além do
que já temos aqui, é só me dizer que eu providencio”.
Apontei para um dos armários. “Vocês têm cereal de chocolate.
Tudo ótimo para mim”.
A sala de descanso era adjacente à cozinha. Parecia uma área
de lazer de um dormitório: sofás, televisões, mesas de sinuca,
mesas de pebolim e até uma fileira de fliperamas retrô.
A academia era no andar de baixo. Eu não sabia nada sobre
equipamentos de musculação, mas ela parecia mais completa do
que muitas academias profissionais que eu já tinha visto pela
cidade. “Meu namorado ajudou a escolher os equipamentos. Ele
não está trabalhando, então, precisa de algumas pequenas funções
para se manter ocupado”.
Um namorado desempregado nessa cidade, eu pensei,
Melinda deve ganhar bem o suficiente para compensar.
Ao lado da academia, ficavam os vestiários. Armários,
chuveiros, uma banheira de hidromassagem e três saunas:
masculina, feminina e não-binária. Na outra sala, havia uma
lavanderia com máquinas de lavar, secadoras e prateleiras cheias
de roupas com a logo da SE. Melinda jogou uma regata na minha
direção e fez uma piada sobre vestir a camisa da empresa.
Tudo parecia bem típico dos escritórios do Silicon Valley, em
breve, cheio de pessoas que literalmente “morariam” ali. E desde
que eu tivesse uma troca de roupas na mochila, não precisaria ir
para casa nunca.
“Ok, vamos ver seu escritório!”, Melinda disse empolgada.
Voltamos para a sala principal e subimos as escadas para o
segundo andar. Ele era basicamente todo aberto e tinha o formato
de ferradura, com mesas de reunião no centro e escritórios contra
as paredes externas. Embora todos os escritórios estivessem
equipados com computadores e outros equipamentos, só dois
estavam ocupados por pessoas. Jude estava em um deles e, no
outro, cujo vidro era jateado e não me permitia ver com muita
clareza, vi a silhueta borrada de Owen.
“Seu escritório é aquele, ao lado do de Jude”, Melinda
começou. Antes que ela pudesse continuar, Jude pulou da sua
mesa e veio nos saudar com um sorrisão no rosto.
“Amber! Devo admitir que não sabia com certeza se você viria”,
ele vestia as mesmas roupas do dia anterior: camisa desabotoada
no pescoço e mangas dobradas. Mais uma vez, eu senti um
calorzinho interno ao pensar que ele seguiu meus conselhos de
moda.
Ele não parece alguém que tem um patrimônio de um bilhão e
duzentos milhões de dólares, pensei, enquanto sorria de volta para
ele. Depois do comentário de Phil, fiz uma pesquisa sobre Jude
Cauthon. Havia muita informação on-line. Ele tinha até sua própria
página na Wikipedia.
E ele está aqui sorrindo para mim, como se eu fosse a melhor
parte do seu dia.
Ele ainda esperava minha resposta, então eu disse: “Aqui
estou”.
Ele se virou para Melinda. “Você já mostrou tudo a ela?”.
“Tudo menos o escritório dela”.
Jude acenou, então fez uma careta. “Bem, antes disso, acho
que é melhor tratarmos do problema primeiro. Venha comigo”.
Ele me guiou, passamos pela porta do meu escritório e por
mais três, até chegarmos à porta fechada, na qual ele bateu. Depois
de um momento, Owen respondeu: “Entra”.
O escritório era grande e arejado, cheio de móveis modernos e
lustrosos, em vários tons de branco e prateado. Uma mesa em
forma de L estava adornada com apenas um telefone e um laptop.
Nenhum outro monitor ao redor. Um sofá de couro branco estava
posicionado do outro lado da mesa, onde Owen estava sentado com
os pés sobre a mesinha de centro. Ele estava usando calças justas
de moletom cinza e uma camiseta branca simples.
Outro telefone estava na mesa ao lado do seu pé, e ele se
inclinou para apertar um botão. “Tudo isso parece bom para nós, Sr.
Rossi”.
“Fico feliz em saber”, respondeu Sr. Rossi, do outro lado da
linha, com um sotaque italiano. Mesmo pelo alto-falante do telefone,
sua voz parecia grossa e sexy. “Especialmente, a terceira
disposição, certo?”.
“A terceira disposição não é problema nenhum”, Owen
descruzou e recruzou as pernas na mesa. “Honestamente, se vocês
não tivessem colocado isso no contrato, nós teríamos. Queremos
que isso seja uma parceria, não só um investimento”.
“É como eu penso também”, Sr. Rossi respondeu.
Owen olhou no relógio. “Olha, eu sei que já está na hora do
jantar por aí, então, vou te deixar ir. Nossos advogados prosseguem
daqui, e finalizamos tudo amanhã”.
“Muito bem”.
Owen terminou a chamada e ficou em pé, esticando os braços
para trás. Seu cabelo estava perfeitamente penteado, o que não
combinava com o resto do seu traje. Nos pés, Air Jordans
caríssimos, um rosto lindo coroado por um cabelo impecável, mas
no meio disso tudo, um traje de mendigo cobrindo seu corpo.
“Ligação produtiva?”, Melinda perguntou.
O rosto de Owen virou uma máscara perfeita de dentes
brancos e covinhas nas bochechas. “Tudo certo da parte deles, isso
vai avançar”, ele se virou para mim. “Falando em tudo certo, você
voltou rastejando”.
“Eu … eu não rastejei!”, me engasguei. “Vocês pediram!”.
“Jude insistiu”, Owen explicou. “Podemos contratar qualquer
pessoa nessa cidade. Melinda está com o e-mail cheio de
candidaturas, se imprimirmos, a pilha fica maior do que este prédio.
A única razão para você estar aqui é porque Boston praticamente
implorou. Então …”, ele apontou para Jude.
Jude implorou? Eu olhei para o homem de óculos ao meu lado.
Suas bochechas rapidamente ficaram de todos os tons possíveis de
vermelho. Ele fica bonitinho, quando fica corado.
“O como e o porquê não são importantes”, disse Jude. “Amber
vai ser um trunfo valioso”.
“Tenho certeza de que sim”, disse Owen, com um quê de
dúvida na voz. “Só temos uma única coisa para resolver agora”.
Ele caminhou até sua mesa e se sentou. Esperei ele elaborar,
mas ele só se balançou para a frente e para trás, como uma criança
entediada.
“Bem?”, ele finalmente perguntou.
“Bem o quê?”.
“Você pode pedir desculpa agora”.
“Desculpa?”, perguntei, confusa.
Ele estalou os dedos. “Meio fraco, mas tudo bem. Desculpa
aceita”.
“O quê? Por que diabos eu devo pedir desculpa?”.
“Porque você me chamou de bunda de geleia no meu próprio
restaurante. E de arrombado, bem aqui, durante a entrevista”.
“Acho que ela te chamou de presidente dos arrombados”,
Melinda ressaltou. “E, então, de imperador universal dos
arrombados”.
Também o mandei lamber minha bunda. Tomara que ninguém
se lembre.
“Não quero saber que tipo de arrombado você alega que eu
seja”, Owen acenou com indiferença. “Não me importo. Desculpa
aceita”.
“Não!”, eu gritei. “Eu não pedi desculpa!”.
Owen sorriu, vitorioso. “Você pediu sim. Eu ouvi. E não dá para
voltar atrás. Agradeço você ter engolido seu orgulho para poder
trabalhar para esta companhia”.
Jude colocou uma mão nas minhas costas, mas eu me afastei
e me aproximei do seu sócio. Meus punhos estavam cerrados, e eu
podia ouvir a voz da minha terapeuta sussurrando, dizendo que eu
estava com medo de falhar e com mais medo ainda do sucesso, por
isso eu sempre me afastava de oportunidades, mas eu não
conseguia parar de falhar.
“Você deveria me pedir desculpa por ter nos expulsado da
cobertura!”.
Owen rolou seus olhos verdes de forma dramática. “Cobertura,
cobertura, você parece uma velha ranzinza no serviço de
atendimento ao cliente de uma operadora de celular. Ok. Você
precisou mudar o local da sua festinha e perdeu o mini
adiantamento que pagou. Grande coisa”.
“Mini adiantamento? Eu paguei dois mil no aluguel!”.
Owen deu de ombros, como se não entendesse.
“É muito dinheiro para mim”, eu disse, com amargor, pensando
no saldo vermelho que eu tinha no banco naquele momento. “Você
me deve um estorno”.
“Sua compensação aqui vai ser mais do que o estorno que
você quer. Estamos falando de centavos, enquanto você pode
ganhar dólares”. Ele olhou no relógio que parecia extremamente
caro. “Tenho outra ligação com os advogados para atender. Mais
algum ressentimento que você queira resolver, senhorita
Montessori?".
“Moltisanti”, eu gritei de volta. “Amber Moltisanti”.
“Sim, foi o que eu disse. Bem-vinda à equipe”, de alguma
forma, ele conseguiu fazer aquela frase banal soar como um insulto.
Comecei a pensar em algo azedo para responder, mas ele já
estava digitando um número no telefone. Jude colocou uma mão
nas minhas costas, orientando-me, e eu deixei que ele me guiasse
para fora da sala.
11

Amber

Nós três saímos do escritório de Owen e caminhamos para o


canto oposto. “Jude, você pode assumir daqui?”, Melinda perguntou.
Jude acenou e me conduziu até seu escritório. Era exatamente
igual ao de Owen, mas a diferença eram os pelo menos dez
monitores sobre a mesa. Alguns horizontais, outros verticais, como
a mesa de um bom programador deveria ser.
“Não o deixe te irritar”, Jude disse se sentando. “Ele pode ser
bem abrasivo às vezes”.
“Como você consegue trabalhar com ele?”, perguntei.
“Ele geralmente não é assim, esse novo investidor está o
deixando no limite dos nervos”.
“Ele me pareceu tranquilo em relação a isso”.
“Owen é bom de blefe”, Jude respondeu com um sorrisinho.
“Tudo na superfície parece calmo e tranquilo, mas debaixo d’água é
uma confusão de atividades. Você quer ver no que estamos
trabalhando?”.
Engoli o comentário que eu ia fazer sobre Owen, enquanto
Jude virou um dos monitores na minha direção para eu conseguir
ver. A animação brotou do meu estômago, quando ele abriu o
código-fonte da criptomoeda deles. Programas, funções e loops com
códigos coloridos na tela do AT0M, o programa de edição de
códigos.
“Vou te mostrar as ropes”, ele disse.
Por dez minutos, senti-me como Charlie, quando chegou à
Fantástica Fábrica de Chocolate. A única coisa que não tínhamos
eram os Oompa Loompas roxos caindo do teto e cantando sobre
Javascript. O código-fonte da criptomoeda deles era um colírio para
os meus olhos. Simples, mas complexo, funcional e bonito. Cada
linha do código era como uma pincelada de Caravaggio:
insignificante sozinha, mas junto com outras, formava uma obra de
arte.
“Você sabe que estamos desenvolvendo uma criptomoeda”,
Jude explicou, ajustando os óculos no nariz. “Ela é simples, mas
direta o suficiente para pessoas leigas no assunto entenderem e
conseguirem usar. Esse é o código de UI …”.
Enquanto ele se inclinava sobre a mesa, clicando com o
mouse, pensei no quão inteligente Jude era. Seus olhos passeavam
entre mim e a tela do computador, e eu podia ver o brilho de
genialidade naquelas órbitas azuis. Aquilo não era só seu trabalho,
era sua paixão.
Aquilo me lembrou do motivo pelo qual eu tinha gostado dele
imediatamente, quando nos conhecemos na outra noite. Ele
definitivamente não parecia o bilionário estereotipado.
Então me lembrei do que mais eu disse a ele no bar.
“Alguma pergunta até agora?”, ele perguntou.
“Não, tudo certo. Especialmente com os comentários no
código”.
“Documentar é o segredo”, ele disse. “Agora, vamos …”.
“Espera”, interrompi. “Antes que você continue, eu queria …
pedir desculpa”.
Jude deu uma risadinha. “Eu sei que ele não facilita as coisas,
mas se você quiser pedir desculpa para o Owen, vai ter que falar
com ele”.
“Não, quer dizer – eu queria pedir desculpa para você”.
Ele piscou. “Por quê? Você não me chamou de arrombado …
até onde eu sei”, ele sorriu.
“Eu fiz um discurso sobre bilionários”, eu disse. “Carnegie,
Rockefeller e como os bilionários atualmente são duendes
acumuladores de tesouros”.
“Isso foi realmente engraçado. E eu não interpretei como
ofensa pessoal. Em geral, concordo com você. Além disso, toda a
minha fortuna está em investimentos congelados pelos próximos
anos. A pilha de ouro de verdade é bem pequena. Eu só sou
bilionário no papel”.
“O financiamento estudantil da minha irmã também foi feito no
papel”, respondi. “E não é menos real por isso”.
“Bom ponto”, ele disse. “Mas não aceito sua desculpa, porque
ela não é necessária. Quero que meus funcionários nunca tenham
medo de falar o que pensam comigo”.
Meus funcionários. Foi um lembrete áspero de que o nerd bem-
vestido do outro lado da mesa não era alguém com quem eu estava
saindo. Ele era meu chefe. Eu precisava começar a pensar nele
daquele jeito.
“Owen não parece gostar do fato de eu dizer o que penso”,
respondi.
“A opinião do Owen não importa. Ele está aqui para
administrar. Quem faz o trabalho sujo de programação sou eu”.
“Ele é o Steve Jobs, você, o Steve Wozniak”, eu disse.
Jude deu uma risadinha e coçou a parte de trás do seu
colarinho. “Gostei da comparação, mas Owen não é relaxado assim.
Na faculdade, ele programou muito. Pelo menos metade da
infraestrutura do PayScale foi escrita por ele”.
Gargalhei e respondi: “Agora eu sei que você só está sendo
legal e o defendendo”. Sem chance daquele cuzão convencido no
outro escritório ter sido um programador. Ele só tinha uma tela na
mesa.
O sorriso de Jude desapareceu, enquanto ele considerava o
que falei. “Já que estamos pedindo desculpa … sinto muito pela
festa da sua irmã. Eu deveria ter tentado impedir o Owen de
expulsar vocês …”.
“Sim, deveria mesmo”, eu disse incisivamente.
Jude sacudiu a cabeça. “Eu fiquei meio sem reação com aquilo
tudo. Não sabia o que fazer. Agora você já o conhece, sabe como
Owen é … uma força da natureza. Tentar argumentar com ele é
como tentar lutar com um furacão. Especialmente, se ele tiver
plateia e, naquela noite, Sr. Rossi estava com ele. Eu ainda me
arrependo de não ter falado nada, mas …”. Ele deu de ombros
estranhamente. “Sinto muito, é isso”.
Aquilo não consertava o que tinha acontecido. E não sarava as
feridas, financeiras e emocionais, causadas pela expulsão na frente
de todo mundo. Entretanto, o pedido de desculpa de Jude me
ajudou a me sentir bem por estar ali, do outro lado da mesa dele.
“Valeu”, respondi.
Ele acenou e nós ficamos em silêncio por um momento. O
único barulho vinha dos cliques do seu HD.
“Bom, a infraestrutura central está toda aqui”, ele disse,
prestando atenção na tela do computador de novo. “O próximo
passo é expandir. Por isso precisamos de mais pessoas. Até agora,
só oferecemos suporte para Bitcoin. A necessidade mais urgente é
expandir para oferecer suporte para Ethereum. Além disso,
precisamos englobar todas as outras criptomoedas possíveis. Eu
tenho uma lista com as cem mais populares”. Ele abriu uma
planilha.
“Listadas pelo valor de mercado?”, perguntei.
“Mais ou menos. Além de algumas outras que eu acho que são
promissoras”, e como se ele pudesse ler meus pensamentos,
continuou: “Eu lido com a integração do ArgoCoin, se for muito …
você sabe”.
Sorri de forma desafiadora. “Não, tudo bem. Não vou morrer
por isso. Além do mais, quem é a melhor pessoa para integrar?”.
“Foi o que eu pensei”.
Dei uma olhada na lista. “Vamos criar em cima de blockchains
que já existem, ou vamos desenvolver outras paralelas?”.
Ele me deu um olhar apreciativo, e eu sabia que o tinha
impressionado. Meu peito se inflou de orgulho.
“Blockchains paralelas”, ele respondeu. “Vai nos dar mais
flexibilidade. E, também, poderemos lidar com tráfico intenso no
caso de as taxas de transações subirem muito em qualquer das
cripto”.
“Você pode negociar com uma distribuição maior”, eu pontuei.
Jude deu de ombros divertidamente. “Nós pretendemos obter
um pouco de lucro na distribuição de preços, sim”.
Engasguei-me. “Uma empresa tentando lucrar? Por quê? Isso
nunca aconteceu antes na história!”. Quando ele parou de rir,
acrescentei: “Blockchains paralelas são muito mais difíceis do que
usar infraestruturas que já existem”.
“Sim, são mesmo”, ele concordou. “Por isso estamos
contratando. Owen não estava brincando, quando falou sobre o
número de candidaturas. Vou te consultar para fazer algumas
contratações, falando nisso. Porém, isso é um problema para a
semana que vem”.
Acenei. “Você tem um mapa da extensão que quer que eu
siga?”.
Jude se ajeitou na cadeira e sorriu. “Eu tinha, antes de te
contratar. Mas você é livre. Lide com isso da forma como quiser”.
Sorri de volta para ele e respondi: “Então é melhor eu
arregaçar as mangas.”, me levantei e, após hesitar um momento, eu
disse: “Jude?”.
Ele levantou a cabeça na minha direção. “Sim?”.
“Eu sei que sou bocuda”, cada palavra era excruciante para
mim, mas me forcei a dizer. “Eu posso ser abrasiva também, feito o
Owen. Mas eu vou trabalhar duro. Para ter êxito”.
“É bom ter você no time”, ele disse, enquanto eu saía da sala,
e diferente de Owen, ele não estava sendo irônico.
Entrei no meu escritório. Meu escritório. Era mais formal e
impessoal do que o que eu tinha em casa, mas era meu. Poderia
ser apenas um banco dentro de um armário que eu ficaria feliz.
E é claro, aquele ali era muito mais magnífico do que um
armário. Minha janela dava para o norte, e eu podia ver os arranha-
céus contra o céu azul, escondendo quase toda a baía. O escritório
tinha o tamanho dos outros nos cantos do prédio, mas ainda era
grande o suficiente para abrigar uma mesa, uma cadeira, duas
outras cadeiras do outro lado da mesa e uma outra pequena mesa
de reuniões em um dos cantos. E ainda havia espaço o suficiente
para uma mesa de sinuca, se eu quisesse. Me perguntei se Owen
ficaria irritado, se eu mudasse a mesa de sinuca da sala de
descanso ali para o meu canto.
Sobre a mesa, havia três monitores: o do meio era horizontal e
os outros dois verticais. Bom para visualizar códigos-fonte longos.
Melinda tinha colocado um post-it no meu teclado com as
informações de login e senha. Me conectei e alterei a senha para
algo mais seguro.
Os monitores estavam conectados a um laptop anexado a uma
estação de ancoragem. Uma olhada rápida na rede local revelava
que havia uma estação de trabalho no canto da sala, com a qual eu
poderia me conectar remotamente, se precisasse de mais potência.
E ela tinha muita potência: a estação de trabalho tinha poder de
alimentação suficiente para um navio de cruzeiro.
Abri minha caixa de entrada e havia uma mensagem de boas-
vindas de Melinda. Alguns momentos mais tarde, recebi outro e-mail
de Jude, com uma lista de diretórios e repositórios de códigos que
usávamos. Uma lista para DEV (desenvolvimento) e outra para
PROD (produção)”.
Respondi o e-mail agradecendo e, então, vi minha assinatura.
AMBER MOLTISANTI
ENGENHEIRA SÊNIOR

Dei um sorriso, quando li, e, então, enviei o e-mail. Depois de


tantos anos tentando sozinha, eu tinha, finalmente, encontrado uma
start-up foda para trabalhar. Era absolutamente o emprego dos
meus sonhos, mesmo com um dos donos sendo um cuzão feito o
Owen.
Owen. Um sorriso diferente invadiu meu rosto.
Abri o software de programação. Havia uma quantidade
tremenda de trabalho a ser feito, e eu mal podia esperar.
Porém, havia algo que eu precisava fazer antes.
12

Owen

Juro pela minha vida, eu não entendia o porquê de aquela


mulher ficar tão estressadinha com aquele disparate no terraço.
Não me entenda mal, não estou dizendo que ela é
estressadinha, porque ela é uma mulher. Não é politicamente
correto, e o diretor de uma start-up nova na área precisa ser
apropriado e adequado, conforme manda o figurino.
Mas aquela mulher? Ela era estressadinha. Essa é a verdade.
Não tinha nada a ver com o gênero – ela podia ser rabugenta
mesmo, se fosse um programador gordo de pescoço peludo.
Ela perdeu as estribeiras durante a entrevista. Foi
completamente amadora. Se um homem chama alguém de
arrombado, pode apostar que ele vai ser cancelado, antes mesmo
de ter a chance de postar um pedido de desculpa nas redes sociais.
Porém, se alguém como ela faz isso, recebe uma segunda chance.
Eu não queria chamá-la para voltar. Ok, eu admito. É pessoal.
Eu não gostava de contratar pessoas que me mandavam lamber
sua bunda durante a entrevista. Era uma regra para mim. Ela tinha
sido a primeira a fazer aquilo, mas a regra certamente valeria para
todo mundo.
Entretanto, Jude era como um irmão. Eu confiava nele. Mais do
que como irmão, como parceiro. Ele era o fiel escudeiro que eu
tinha encontrado nas trincheiras em tempos difíceis. Ele protegia
minha retaguarda. Passamos pelas mesmas merdas, ninguém mais
entendia o quanto eu tinha trabalhado duro para chegar aonde
cheguei, a não ser Jude – porque ele estava comigo o tempo todo,
suando e lutando comigo.
Jude também era um cara dócil. Ele geralmente ficava feliz em
viver sua vida sem grandes problemas. Então, quando ele bateu o
pé e ordenou que nós daríamos uma chance para a afirmadora de
arrombados, para mim, foi sério quanto um infarto. Assim, concordei
em fazer uma oferta para ela, porque sou um cara legal e capaz de
me concentrar no quadro geral, e não no ataque de pelanca daquela
garota.
E como ela me agradeceu? Surtando no meu escritório.
Tanto faz. Ela era problema do Jude. Desde que ela ficasse
quietinha no seu canto, transformando café em código, eu não me
importava com a forma que ela agiria.
Entrei em uma ligação com os nossos advogados que durou
três horas. Discutimos as especificidades da proposta do novo
investidor. Financiamentos como este eram geralmente menos
complicados, mas Furio Rossi não era um investidor qualquer.
Ele era da realeza italiana.
Ok, tecnicamente, a monarquia na Itália foi dissolvida em 1946.
Porém, mesmo sem o título de Duque, todo mundo tratava Furio
como se ele fosse um. Como o G de champagne. Ninguém
pronuncia, mas sabe que ele está ali.
E ele era obscenamente rico. O herdeiro da fortuna da família
Rossi. Sabe o que é melhor do que as regalias de ser um Duque?
Uma conta bancária com três bilhões de euros.
Enquanto eu ouvia os advogados falarem sem parar sobre as
minutas do contrato, fiquei pensando no motivo que levou Furio a
investir. Sua propriedade tinha dezoito mil hectares entre Roma e
Nápoles. Ele era o sócio majoritário entre onze produtores de vinho
e fornecedor de uva para mais trinta deles. O iate da sua família era
tão grande quanto barcos da marinha italiana. Ele tinha um
helicóptero na proa!
Basicamente, Furio Rossi tinha mais dinheiro do que podia
gastar em uma vida toda. Dinheiro real. Não aplicado em ações.
Dinheiro à moda antiga. Ele não precisava se envolver com
especulações tecnológicas.
Bom, se ele queria investir na ACS, e tinha feito uma proposta
maior do que a dos outros investidores do Silicon Valley, quem era
eu para impedir? Eu apenas sorriria, apertaria sua mão e aceitaria
seus euros. Mesmo que ele quisesse uma parcela muito maior da
empresa (quarenta e cinco por cento) do que os outros investidores.
Alguém bateu na porta. Os vidros estavam embaçados, então
apertei o botão que dissipava aquele efeito elétrico. A figura esbelta
de Melinda estava parada do lado de fora, com um sanduíche nas
mãos. Coloquei a ligação no mudo e acenei para ela entrar.
“A transação bancária foi finalizada”, ela disse. “Não dá mais
para voltar atrás”.
“Boa. Eu sabia que você chutaria bundas”, acenei para o
sanduíche que ela segurava. “Achei que você fosse vegetariana”.
“Eu sou. Isso é para você. Você precisa lembrar de comer”. Ela
colocou o sanduíche na mesa.
Meu estômago roncou com aquela visão. “O que eu faria sem
você?”, eu disse, desembrulhando o plástico.
“Morreria de fome, provavelmente. E eu seria demitida”.
“Me lembre de te dar um aumento”. Mordi o sanduíche,
saboreando o peru com mostarda e mel, enquanto os advogados
falavam sem parar sobre um detalhe do contrato que nem era
importante. Quando olhei para cima, Melinda estava me encarando.
“Mais alguma coisa?”.
Ela cruzou os braços, e eu sabia que era um mal sinal. “Você é
muito parecido com o meu namorado. Teimoso feito uma mula”.
“Em algum momento, vamos conhecer este seu namorado
misterioso?”, perguntei. “Estou começando a acreditar que ele não
existe. Você diz que ele não está trabalhando e que só fica à toa em
casa. Por que você não o convida para vir aqui?”.
“Ele também ama mudar de assunto”, ela disse secamente. “O
que estou dizendo é que vocês são ambos teimosos. E que você
deveria pedir desculpa a Amber”.
Engoli o bocado de sanduíche. “Ah, sim. Ela é sortuda. Eu a
perdoei, mesmo sem ela ter se desculpado. Não é sempre que
alguém não é punido por chamar seu chefe de arrombado”.
“Eu estava lá. No Marcello’s”, disse Melinda. “Apesar de ter
ouvido a discussão do lado de dentro, você foi meio que um
arrombado mesmo”.
Eu gargalhei. Eu amava Melinda por isso. Ela era direta. De
forma solidária, não como Amber. Melinda só trabalhava conosco
fazia um mês, mas parecia uma vida toda. Não conseguiríamos
fazer nada, se não fosse ela, e ela era muito esperta.
“Ela estava fazendo uma cena na frente do Sr. Rossi”, eu
disse. “Tive que expulsá-la”.
“Você poderia ter sido mais legal”.
“Ninguém chega aonde eu cheguei sendo legal”, respondi.
Ela apertou o maxilar ainda mais. “Você deveria se desculpar”.
“Não vai acontecer, Melinda”.
“Eu sei como ler as pessoas, Owen”, ela insistiu. “É meio que
um superpoder que eu tenho. E Amber parece ser alguém que você
não quer como inimiga”.
“O que ela vai fazer? Me chamar de arrombado de novo?”.
Melinda deu de ombros, olhou-me como se eu estivesse
cometendo o maior erro da vida e saiu da minha sala.
Por que todo mundo está policiando o que eu fiz? Pensei,
enquanto me organizava para ir embora. Eles deveriam fazer o que
eu mando, não o contrário.
Passei pelo escritório de Jude para dizer tchau e, então, parei
na porta de Amber. Ela estava curvada sobre o teclado, com a
postura terrível de um programador enquanto trabalha. Acenei para
ela pelo vidro e ela olhou na minha direção. Ela sorriu
verdadeiramente antes de acenar de volta.
Viu? Ela nem lembra mais do que aconteceu.
Eu geralmente não ia embora cedo daquele jeito, mas os
Lakers iam jogar contra os Warriors, e eu tinha ingressos para a
temporada toda. Porém, naquela noite, era extra especial: um amigo
me deu ingressos para a tribuna de honra. Eu queria ver a fuça de
LeBron James, quando os Warriors vencessem por vinte pontos.
Chamei um Uber e, quando cheguei ao primeiro andar, falei
rapidamente com Melinda, porque ele já estava à minha espera. Eu
estava pensando na ideia de contratar um motorista particular. Com
o nosso patrimônio valorizado, e a nossa fama se espalhando, era
perigoso entrar no carro de um desconhecido. O único motivo que
ainda me impedia de ter um motorista era o fato de Jude dizer que
pareceríamos pretensiosos.
Eu não achava que era o caso. Você nunca parece demais
para esse nicho. Ainda assim, esperei. Talvez quando a SE
atingisse o patamar de “unicórnio” eu pudesse, finalmente, puxar o
gatilho.
Meu apartamento era a cobertura do Edifício Grosvenor, na Cal
Street. Diferente do arranha-céu onde Jude morava, o meu só tinha
seis andares, o que dava uma sensação de mais intimidade e luxo.
Eu olhei para a câmera na porta, que verificou minha
identidade pelo reconhecimento fácil e checou se eu estava sozinho.
Se eu trouxesse visitantes, tinha que reprogramar o computador
antes da chegada. Assim, se alguém me seguisse na rua e forcasse
a entrada, o computador reconheceria e chamaria a polícia.
Morar no último andar era bom. Eu tinha tetos arqueados e
janelas amplas. O chão era revestido de sândalo brasileiro, e
afrescos decoravam as duas paredes principais da sala de estar.
“Conselheira – desativar segurança”, eu disse.
A voz suave de Marina Sirtis respondeu por uma caixa de som
no teto. “Segurança desativada. Bem-vindo, Owen”.
O apartamento todo era conectado a uma IA que eu tinha
desenvolvido, com comandos de voz que poderiam ativar qualquer
coisa por microfones espalhados pelos cômodos. A IA controlava
tudo, desde as fechaduras do meu closet até a temperatura da
geladeira.
Como é bom viver no século da tecnologia.
Tux, meu gato laranja, pulou do sofá e atravessou em direção
ao terraço. Eu abri a porta para ele, e ele pulou na cadeira que dava
para ver a cidade toda. Alguns arranha-céus se espalhavam ao
redor do meu prédio. Dava para ver a Bay Bridge entre dois prédios
a leste e uma faixa de terra ao norte que eu sabia que era a Ilha
Alcatraz. O sol estava se ponto preguiçosamente do meu lado
esquerdo, e um fiapo de nuvens rolava por cima da baía. A noite ia
ser fria.
“Conselheira – luzes de proximidade”, eu disse.
“Luzes de proximidade ativadas”, a IA respondeu.
Enquanto caminhei pelo apartamento, as luzes se acenderam
automaticamente na minha frente e se apagaram atrás de mim. Eu
tinha usado originalmente som para detectar minha posição na
casa, mas Tux constantemente ligava e desligava luzes, correndo e
brincando pela casa. Então, alterei a configuração e agora era
detectado via Bluetooth pelo meu telefone.
Abri meu laptop no quarto e me sentei na beirada da cama. A
tela piscou estranhamente, quando a máquina ligou, mas durou só
um momento. Abri meu e-mail de trabalho e havia vinte novas
mensagens, desde que eu tinha saído do Uber e entrado em casa.
“Porra”, resmunguei. “Que horas são na Itália? Eles não
dormem?”.
“São duas e quarenta da manhã em Roma, Itália”, minha IA
respondeu solicitamente.
“Obrigado, Conselheira”.
“Não há de quê”, ela respondeu, falhando em detectar meu
sarcasmo.
Entrei no meu closet e troquei de calça. Então, abri a segunda
porta que dava para os meus sapatos. Mais de cem caixas estavam
sobre racks, imaculadas como se tivessem acabado de chegar da
loja. Depois de um momento de decisão, peguei uma caixa especial
da prateleira mais alta. Meus Air Jordans retrô, em vermelho e preto.
Eles me ajudariam a mostrar a LeBron quem era o rei do basquete
de verdade.
Olhei para os meus ternos com um pouco de arrependimento.
Eu adoraria vestir um deles para o jogo. Todos eram
impecavelmente feitos sob medida, e eu mantinha a forma para eles
caírem sempre bem. Porém, as pessoas naquela cidade não
respeitavam homens de terno. Eles esperavam que gênios da
tecnologia se vestissem como mendigos. Era o equivalente
millennial para ostentar um Rolex.
Então me vesti casualmente. Além dos meus sapatos, ninguém
nunca olharia duas vezes para mim, com aqueles jeans e aquela
camiseta, apesar de ela ter custado mais de duzentos dólares.
Enquanto amarrava meus cadarços, tomando um cuidado
cirúrgico, eu disse. “Conselheira – envie uma notificação da minha
chegada pela porta dos fundos do Chase Center”.
Terminei de amarrar um dos sapatos e comecei a amarrar o
outro, quando me dei conta de que a IA não tinha respondido.
“Conselheira – envie uma notificação da minha chegada ao
Chase Center”, repeti. “Porta dos fundos com segurança extra”.
Silêncio.
Meu primeiro pensamento foi que o microfone tinha dado pane.
Se fosse o caso, ia ser um saco substituir. Os microfones foram
encomendados sob medida em Singapura, e o tempo de entrega
era de pelo menos um mês.
Caminhei até a saída do closet onde os outros microfones
conseguiriam detectar minha voz e disse: “Conselheira – verificar o
status do microfone”.
Mais silêncio.
“Conselheira?”, aumentei a voz, como se aquilo fosse ajudar.
“Inteligência Artificial Doméstica. Relatório de Status”.
Uma voz finalmente respondeu pelo alto-falante do teto. No
entanto, em vez da voz suave de Miranda Sirtis, ouvi uma voz
grossa e com tom de desacato.
“Uma Inteligência Artificial com voz de mulher? Você não cansa
de ser um estereótipo?”.
Amber.
“Que diabos você está fazendo?”, perguntei. “Como você
entrou aqui?”.
“Me parece óbvio”, ela respondeu, com a voz meio distorcida
pelo microfone. “A não ser que você seja um idiota completo”.
Ela invadiu minha rede doméstica. Meus punhos se cerraram
com aquela intrusão pessoal e profissional.
“Você está cometendo um erro”, eu grunhi. “Se você acha que
vou deixar uma vaca programadora …”.
“Não foi legal”, ela repreendeu. “Hora de ser espancado”.
As portas do closet se fecharam eletronicamente. Pulei na
direção delas, tentando evitar, e meus dedos quase foram
espremidos pela tranca de segurança. Segurei o puxador e puxei
com força. A porta nem se moveu.
“Conselheira – abra a porta!”, gritei.
“Sua escrava eletrônica misógina está tomando café”, Amber
respondeu. “Somos só nós dois, querido”.
Cerrei os dentes e peguei o telefone para reconfigurar o
comando da porta. Porém, assim que digitei minha senha, a tela
parou de funcionar. Não importava o quanto eu apertasse os ícones
na tela, nada se abria.
Apesar disso, eu podia ver o que estava acontecendo no
celular. Amber estava controlando tudo, enquanto eu assistia
desamparado. Meu calendário do Outlook se abriu, e o jogo dos
Lakers foi selecionado.
“Basquete? Você está muito ocupado hoje”, Amber disse. O
item do calendário desapareceu e foi substituído por uma nova
reunião que ocupava as quatro horas seguintes. Amber rapidamente
digitou o nome do evento: ASSISTIR PORNÔ DE ANÕES.
“Que merda?”, gritei. “Vários investidores têm acesso ao meu
calendário público. Eles vão ver”.
“Ah, ok, desculpa, vou consertar”. Amber deletou a reunião e
criou uma nova: ASSISTIR PORNÔ DE PESSOAS PEQUENAS.
“Mais politicamente correto agora?”, ela perguntou.
Tentei abrir a porta do closet de novo. Ela não se moveu, e eu
suspirei de frustração.
“Estou tentando pensar em alguma piada sobre sair do
armário”, a voz no teto começou. “Mas não consigo pensar em nada
inteligente. Volto quando conseguir alguma coisa legal”.
“Você vai pagar por isso”.
“O que foi?”, Amber perguntou complacentemente. “Não gosta
quando as pessoas fodem com seus planos?”.
Eu era um homem rico e poderoso. Acostumado a ser tratado
de uma determinada forma, o tempo todo, por todos. As pessoas se
jogavam aos meus pés em busca de atenção e aprovação. Eles me
bajulavam e imploravam por coisas. Eles certamente não me
ferravam. Ficar preso indefeso no closet não era algo com que eu
estava acostumado.
E eu não gostei nada daquilo.
“Tudo bem aí?”, Amber perguntou. “Não quero que você mije
nas calças, então vou te ajudar”.
A fechadura se destrancou, e a porta se abriu. Me forcei a sair
do closet sem nenhum senso de urgência. Assim que saí, a porta do
meu quarto se trancou, a porta do banheiro se abriu e a luz se
acendeu.
“Eu levantaria a tampa para você, mas aparentemente seu
vaso sanitário é a única coisa que não é controlada por inteligência
artificial nessa casa”, Amber disse. “Então, vou ter que acreditar em
você. Certifique-se de sacudir duas vezes e lavar as mãos”.
“O que você quer?”, perguntei.
Uma gargalhada ecoou pelo alto-falante. “Você sabe o que eu
quero”.
“Que eu faça papel de idiota?”.
“Quero meus dois mil de volta. O adiantamento do terraço”.
“Você está violando uma dúzia de leis de segurança de redes
por causa de dois mil dólares?”.
“Sim”.
“Não acredito”.
“Tudo bem”, ela respondeu. “Você pode ficar no seu quarto e
pensar sobre o assunto por um tempo. Tenho a noite toda”.
Travei meu maxilar tão forte que doeu. “Não posso te dar
dinheiro, se estou trancado no meu quarto”.
Houve um momento de silêncio, então, a porta do meu quarto
se abriu.
Calmamente, caminhei para a cozinha. O sol estava se pondo
lá fora, espalhando uma luz laranja e roxa pelo céu de São
Francisco. Tux estava sentado no balcão da cozinha, balançando o
rabo meio confuso e encarando o alto-falante que ecoava uma voz
não familiar.
De repente, todos os eletrônicos e eletrodomésticos
começaram a funcionar. A luz do teto piscou, o forno e o micro-
ondas ligaram, e até as chamas do fogão piscaram, imitando um
show pirotécnico de quinta categoria. As orelhas de Tux se
achataram e ele sibilou com raiva.
“Oooo, fantasmas estão chegando!”, Amber cantarolou. “Este é
o fantasma do Natal dos arrombados! Você vai pagar pelos seus
pecados digitais, Owen! SE ARREPENDA!”.
As luzes continuaram piscando, e os aparelhos continuaram
ligando e desligando por mais dez segundos, até pararem
abruptamente da mesma forma como começaram.
“Você sabe que eu posso pagar os melhores advogados?
Quando eu acabar com você, você nunca mais vai conseguir um
mísero emprego nesta cidade”, ameacei. “Isso se você conseguir
sair da cadeia e não apodrecer por lá”.
“Então é melhor eu fazer meu dinheiro valer a pena”, ela
respondeu. “Coloque seus óculos de sol, amigão. Essas luzes LED
são dimerizáveis, vamos testar o quanto eu consigo clarear esse
lugar antes de elas explodirem”.
As luzes do teto ficaram mais brilhantes. Mas eu estava
olhando para baixo, para meus óculos que estavam pendurados na
gola da minha camiseta.
Espera um minuto.
Não havia nenhuma câmera dentro da minha casa, só do lado
de fora. Aquilo era uma questão de design – alto-falantes eram uma
coisa, mas eu não gostava da ideia de ser filmado 24 horas por dia
pela minha IA, e aquela experiência com Amber estava reforçando a
paranoia. Eu tinha colocado meus óculos na gola da camiseta,
quando eu estava no closet. Eu não os estava usando antes
daquilo. E meu telefone ainda estava no meu bolso, então, ela não
tinha me visto pela câmera. O que significava que ela estava me
vendo de fato.
Então me dei conta de onde Amber estava.
Abri uma das gavetas da cozinha, onde eu guardava várias
miudezas, sem contar alguns dispositivos eletrônicos de utilidades
gerais. Olhei para o meu terraço e dei um sorriso.
Hora da revanche.
13

Amber

Me sentei em um banco no parque de rico esnobe do outro


lado do edifício de rico esnobe do Owen, no bairro de rico esnobe
do Owen, e sorri enquanto digitava no meu laptop.
O apartamento inteligente dele era muito legal. Ele tinha feito
tudo personalizado, dava para ver. Seus códigos eram desleixados,
mas razoáveis. Se tivesse sido feito por qualquer outra pessoa, eu
ficaria impressionada.
Entretanto, também era explorável. Especialmente, porque ele
tinha levado seu computador de trabalho para casa e conectado à
sua rede doméstica, facilitando a entrada do meu cavalo de Tróia
pelo seu firewall.
Eu sorri para a tela do meu laptop. As ferramentas de sistema
da sua IA doméstica tinham um mapa com a planta do seu
apartamento, que mostrava cada microfone e alto-falante da casa.
Quando ele se aproximava de um dos microfones, o ícone do mapa
ficava verde, enquanto os outros, dos quais ele se afastava, ficavam
vermelhos. O resultado era que eu conseguia vê-lo andar pela casa
claramente, como se eu estivesse lá. Como o Mapa do Maroto do
Harry Potter.
Assim que me revelei e o tranquei no closet, conseguia ouvir o
medo na sua voz. Ah, ele estava puto, mas o medo estava lá –
escondido perto da superfície. Ouvir aquilo era puro êxtase para
mim.
É isso que você ganha por arruinar o aniversário da minha
irmã, pensei.
Eu estava adorando fazê-lo sofrer. Especialmente, quando ele
foi para a cozinha. Do banco do parque do outro lado da rua, eu
pude vê-lo entrar no cômodo e, então, hesitar, quando as luzes
piscaram. Era muito mais satisfatório do que ver da tela do
computador. Ele ali parado, encarando o teto da própria casa,
possuída por um demônio raivoso da TI, usando uma camiseta
branca lisa com o par de óculos escuros caros pendurado na gola.
Eu não só zoei com a cara dele, mas com o resto das coisas
que ele conseguia ver. Programei a geladeira inteligente para enviar
para ele por e-mail 200.000 lembretes para comprar ovos. Essa é a
faca de dois gumes da tecnologia: grandes ferramentas trazem
grandes oportunidades.
Então, fiz a piada sobre ele colocar os óculos de sol.
Owen não reagiu como eu esperava. Ele ficou quieto de
repente. Por um momento, parecia que ele estava olhando pela
janela na minha direção.
Então, ele andou até o terraço e tentou abrir a porta.
“Na-não”, provoquei. “Você não precisa ir lá fora. Todos os
seus vizinhos vão ouvir você chorar e implorar por ajuda. Vai ser
uma vergonha para você”.
Owen não respondeu. Ele caminhou calmamente de volta para
a cozinha, subiu no balcão e destrancou a janela. O vidro se inclinou
para a frente, e eu xinguei baixo. As portas eram todas
eletronicamente controladas, mas a janela era simples e comum.
“Não faça isso!”, eu disse no microfone. “Você tem muita vida
pela frente! Eu acho. Talvez você seja um grande perdedor mesmo”.
Owen enfiou a cabeça pela janela, então, olhou para baixo. Ele
estava no sexto andar, a mais ou menos noventa metros do chão.
Então, ele passou uma das pernas pela janela aberta.
“Ei”, eu disse, com a voz nervosa. “Sem gracinhas. Se você
quer tanto assim sair, eu abro a porta da frente …”.
“Não preciso da sua ajuda”, ele disse, sua voz saiu amplificada
pelo microfone da cozinha pelo meu fone de ouvido.
Meu coração se acelerou. “Owen, espera …”.
Ele passou a outra perna pela janela e, então, vagarosamente
se abaixou até seus pés tocarem uma alcova na parede externa. Ele
encontrou outro apoio de mão e se jogou para a frente, pendurando-
se com as duas mãos, enquanto suas pernas se agitavam no ar.
“Caralho”, eu sibilei. “Se um bilionário morrer simplesmente
porque não consegue lidar com a porra de uma piada …”.
Meu coração saltava nos meus ouvidos, quando o vi descer até
a janela do apartamento de baixo do seu. Um movimento errado, e
ele cairia na calçada, e meu trote se tornaria um crime muito mais
sério. No entanto, Owen se movia habilmente de janela a janela,
seus movimentos eram cuidadosos e precisos. Quando ele chegou
ao segundo andar, finalmente se soltou, pulando o resto da distância
e aterrissando no chão com suavidade na calçada. Seu cabelo
plumoso balançou e voltou para o lugar, como se ele tivesse
acabado de sair do salão de cabelereiro.
Forcei uma risada e disse: “Boa habilidade de escalada. O
Homem-Aranha jamais bateria em uma garota, não é mesmo?”.
Owen se sentou do outro lado do banco, deixando um espaço
entre nós. Ele colocou seu braço no assento e ociosamente checou
seus tênis, que pareciam retrôs e caros.
“Quatro anos escalando na academia”.
“Faz sentido. Todo escalador que eu conhecia era um babaca”.
“Você acessou tudo pelo meu computador de trabalho?”, ele
perguntou casualmente.
Acenei. “Estávamos na mesma rede no escritório. Acessei a
raiz, graças às permissões do sistema de arquivos no repositório de
códigos”.
“E assim que conectei à rede de casa …”. Owen sacudiu a
cabeça e encarou o prédio. “Apesar de você ter quebrado uma
quantidade enorme de leis e violado o acordo de acesso digital que
você assinou na SE esta manhã, eu estou bem impressionado”.
“Não quero sua aprovação”, respondi. “Quero a porra do meu
dinheiro de volta”.
Ele se virou para me avaliar. O olhar presunçoso no seu olhar –
sua cara linda de quem sempre consegue o que quer – era
exasperante.
“Não acho que isso seja por causa dos dois mil”.
“É sim. Realmente”, respondi.
“Acho que você quer ser demitida”.
Me engasguei com uma risada. “Por que eu quereria ser
demitida? Esse é o emprego dos meus sonhos”.
O sorriso de Owen ficou ainda maior. Achei difícil encarar seu
olhar de esmeralda. Seus olhos pareciam me perfurar, vendo mais
do que fisicamente era possível ali no banco.
“Jude não é o único que pesquisou sua vida. Eu vi as
entrevistas de trabalho que você teve nos últimos anos. Visa. Helix.
Alphabet. Eu conheço gente em todas essas empresas, então, fiz
algumas ligações. Eles todos disseram a mesma coisa, que sua
entrevista estava indo bem, até você bancar a idiota. Você pediu um
salário duas vezes maior do que eles pagam para os engenheiros
sênior na Visa. Na Helix, você insultou o modelo do laptop do
entrevistador. E na Alphabet, você estava com o contrato na mão
para assinar, mas decidiu largar a caneta e criticar as práticas de
coleta de dados do Google”.
“Eu sou exigente”, eu disse defensivamente. “Não vou
trabalhar para uma empresa que rouba os dados das pessoas e age
como se fosse a melhor coisa do mundo”.
Owen chacoalhou a cabeça devagar, sem desmanchar o
sorriso. “Não, não é isso. Bom, certamente sim, você é exigente.
Mas acho que você arruinou essas entrevistas intencionalmente”.
Tentei rir, mas saiu forçado. “Por que eu faria i …”.
“Porque”, ele disse, me cortando, “no fundo, você não é boa o
suficiente”. Ele gesticulou como um filósofo falando sobre a vida.
“Você tem medo de trabalhar para uma empresa de verdade, cheia
de códigos reais e se dar conta de que não é tão maravilhosa
quanto pensa que é. E o pior, todo mundo se dar conta disso. Então,
você sabota suas próprias chances, antes de chegar àquele ponto.
Melhor perder o emprego por causa de alguma razão idiota do que
falhar porque é insuficiente”.
Eu não conseguiria falar mesmo que pudesse – minha
garganta congelou. Owen sacudiu a cabeça e olhou para o próprio
prédio.
“Esse absurdo sobre o depósito do terraço? É só sua desculpa
mais recente para arruinar o trabalho dos seus sonhos e voltar para
a sua caverna de autopiedade. Mi-mi-mi, você ajudou a criar uma
criptomoeda que valia bilhões, mas vendeu sua parte cedo demais.
Vou te contar um segredo, Amber: ninguém se importa. Todo mundo
nessa cidade quase brilhou. Eu conheço uma dúzia de pessoas que
fala que pensou no Twitter ou no Uber antes. Não importa. O
passado não significa nada. O que importa é ir em frente. Seu
próximo passo”.
Ele me encarou com aqueles olhos verdes novamente. E me
invadiu. Inteira. Como se eu estivesse nua na frente dele. E ele
sorrindo.
“Você quer que eu te demita, então, você pode contar a todo
mundo que um dos fundadores da SE é um cuzão que não aguenta
uma piada. Bom, eu não vou te dar esse prazer”.
Ele esticou a mão na minha direção. Por um segundo, achei
que ele fosse pegar meu laptop e jogar no chão. Mas ao invés disso,
ele pegou meu telefone.
“Desbloqueie”, ele disse.
Sem saber o que fazer, digitei meu código e devolvi o celular
para ele. Ele escorregou seus dedos pela tela, procurando alguma
coisa. Ele abriu um aplicativo – minha carteira de cripto – e pegou
seu próprio telefone, aproximando-o do meu. Então, finalmente me
devolveu meu celular. Vi uma nova transação na minha carteira.
Owen tinha depositado dois mil dólares em cripto na minha conta.
Porém, não era Bitcoin, Ethereum ou Dogecoin. Eram dois mil
dólares em ArgoCoin.
“Pensei que talvez você quisesse um pouco de volta”. Seu
sorriso era vitorioso e cruel. “Só mais alguns milhões e você vai
voltar para onde começou. Te vejo no escritório amanhã”.
Ele gargalhou, enquanto se afastava do banco, e toda a
satisfação que eu tinha sentido por invadir seu apartamento
desapareceu.
14

Amber

Quase não fui trabalhar no dia seguinte. Teria sido muito mais
fácil ficar na cama, passando meu tempo no Twitter no celular,
pensando se eu duraria mais trabalhando no Starbucks ou fritando
hambúrguer.
A única coisa que me forçou a ficar em pé e vestir jeans limpos
foi o olhar presunçoso de Owen no dia anterior. Eu faria qualquer
coisa para acabar com aquele sorrisinho.
Eu ia provar que ele estava errado. Eu não estava tentando
sabotar minhas chances na SE.
Mas foi o que eu fiz, uma voz sussurrou na minha cabeça. Foi
por isso que eu invadi seu computador de trabalho, seu
apartamento, e esta é a razão pela qual eu arruinei todas as minhas
outras entrevistas de emprego.
Melinda balançou um dedo para mim, quando entrei pela porta.
“Segurança é muito sério para nós, Amber. Comprometer o
equipamento de trabalho de um colega é uma violação tremenda na
confiança, corporativa e pessoal. Entretanto, Owen decidiu te dar
uma segunda chance”. Ela arqueou uma sobrancelha e continuou.
“Mas sua pasta de acesso ao sistema será auditada daqui para
frente. E qualquer outra infração futura será resolvida pela polícia”.
“Entendido”, eu disse curtamente.
Ela sorriu calorosamente. “Excelente! Temos um longo dia
hoje. Te enviei as quatro entrevistas que vamos conduzir. Por favor,
analise seus currículos antes de começarmos”.
Quando subi, caminhei para onde ficava o escritório de Owen.
O efeito de fumaça estava desativado, e eu pude ver que ele estava
com os pés sobre a mesa, jogando uma bola de tênis de uma mão
para a outra. Parecia que ele estava em uma conferência telefônica.
Mesmo estando no alcance da sua visão, ele nem me olhou.
Ok, que seja.
Jude estava no seu escritório. Ele levantou uma mão e sorriu,
me cumprimentando. Acenei de volta antes de entrar na minha sala
e começar a trabalhar.
Passei as duas primeiras horas da manhã revisando o mapa
da expansão da SE. Mapeei cada objetivo em grande escala que
Jude tinha me explicado, então listei subobjetivos que precisavam
ser alcançados antes. Assim sendo, desmembrei estes objetivos em
funções, programas e rotinas que precisavam ser programados.
Eu nunca tinha trabalhado em projetos daquele tamanho. Nem
mesmo quando criamos a ArgoCoin. Era satisfatório ver nosso
objetivo principal (expandir o suporte para mais criptomoedas) e,
então, quebrá-lo em partes subsequentes. Quando terminei, eu
tinha um diagrama de Gantt, e uma teia de aranha listando o projeto
inteiro. Assim, quando outros programadores chegassem, eu
poderia facilmente atribuir a eles tarefas específicas, e eles
conseguiriam acompanhar algo já em andamento.
Peguei outra caneca de café e uma barra de proteínas na
cozinha, então me sentei e comecei a trabalhar no código de uma
das tarefas pequenas. Desbastando aquela montanha enorme de
trabalho diante de mim. Seria mais fácil, quando uma dúzia de
programadores estivesse por ali, mas por hora era bom pegar uma
picareta e começar o trabalho duro sozinha.
Meus fones de ouvido tocavam música tecno sem letra, e eu
entrei no ritmo por um tempo. A única coisa que me fazia me
dispersar da tela do computador era Jude, quando passava do lado
de fora da sala. Eu tentava não olhar diretamente para ele, mas o
examinava por cima do meu monitor central. Óculos elegantes,
bochechas sardentas, olhos azuis intensos que ficaram ainda mais
brilhantes com a camisa combinando.
Ele é meu chefe, pensei. Não o cara com quem flertei no bar.
Eu provavelmente trabalharia por mais muitas horas, se
Melinda não tivesse aparecido na minha porta e dado uma
batidinha. “Ei, desculpa interromper. O primeiro candidato está aqui”.
“Ah, Certo. Me desculpa, já desço”.
“Você conseguiu revisar seu currículo?”.
“Claro que sim”, menti.
Fechei o programa que estava usando, peguei meu laptop e
saí da sala. Jude estava subindo as escadas, enquanto eu descia,
com uma caneca de café nas mãos e um sorriso no rosto. Parei no
topo da escada para esperar por ele.
“Terminei o mapa de expansão”, eu disse, com uma nota de
orgulho na voz.
Seu sorriso ficou mais torto. “Eu vi. Vou escolher duas das
tarefas para começar hoje”.
“Não esquece de anotar no diagrama, para eu saber quais”.
“Claro”. Ele limpou a garganta e, por um momento, parecia o
cara estranho do bar de novo. “Me contaram o que você fez ontem”.
Fiz uma careta. “Me perguntei quando você falaria no assunto.
Eu só invadi o laptop de Owen. Não mandei mensagens por aí, nem
fiz nada sério. Só queria que você soubesse”.
“É claro. Não pensei que você fizesse isso. Foi divertido, na
verdade. Owen estava todo nervoso com isso, antes de você
chegar. Acho que ele arranhou seus tênis, enquanto escalava as
janelas … eles são uma edição cara de colecionador ou algo assim”.
Tentei esconder meu sorriso, falhei, então, apoiei-me nele.
“Você deveria ter visto. Logo que invadi a rede dele, descobri
vulnerabilidades no sistema da geladeira e consegui acesso à raiz
da IA doméstica”.
“Eu disse a ele que esses eletrodomésticos com conexão à
internet são um pesadelo digital”. Jude chacoalhou a cabeça com
espanto. “Estou chocado por ele não ter te demitido. Não sei o
porquê. No entanto, não acho que você vai ter uma terceira chance”.
Ele não me demitiu, porque sabe quem eu sou de verdade.
Olhei por cima do meu ombro na direção do escritório dele. Eu mal
podia ver sua mesa dali, mas vi que Owen sorria de forma
presunçosa para mim.
“Tenho uma entrevista”, eu disse, acenando para Jude e
continuando a descer as escadas. Me soterrar de trabalho naquela
manhã tinha me feito esquecer do que Owen disse, mas agora as
palavras ecoavam pela minha cabeça, como um comunicado no
horário nobre.
Você sempre arruína as coisas. Porque você tem medo de
falhar. Porque você não é tão boa quanto pensa que é.
Era estranho alguém conseguir me definir de forma tão
acurada. Como se ele tivesse invadido meu cérebro, lido meus
pensamentos privados e os recitado para mim. Teria sido
perturbador em qualquer circunstância, mas especialmente porque
foi dito por alguém como Owen March.
A primeira entrevista foi com um programador chamado Sanjay
Matthews. Melinda conversava com ele sobre sua educação e
experiência, enquanto eu rapidamente olhava as partes relevantes
do seu currículo. Ele respondeu às perguntas de Melinda habilmente
e com confiança.
“Três anos trabalhando com Ruby?”, perguntei, quando chegou
a minha vez. “É mais do que o normal. Todo mundo que conheço se
cansou depois de dois anos e voltou para programações básicas”.
Sanjay mostrou os dentes impecavelmente brancos. “Não sei
por quê. Eu amo Ruby on Rails. Especialmente para e-commerce”.
Pisquei. Ninguém chamava a linguagem pelo nome todo, Ruby
on Rails. Ninguém que sabia o que estava fazendo, pelo menos.
“Por que você prefere Ruby a Padrino?”, perguntei com
cuidado.
“Eu gosto de usar Linux”, ele respondeu imediatamente. “E a
arquitetura Model-View-Controller é a minha praia”.
Meu sentido aranha estava gritando naquele momento. O cara
parecia estar recitando artigos da Wikipedia, em vez de falar da sua
perspectiva legítima de conhecimento.
Continuei perguntando coisas pontuais sobre Ruby, então
mudei para Java. Suas respostas continuavam vagas e não
específicas. Todos os seus trabalhos tinham sido em empresas
internacionais, eu tinha notado, e suspeitei que nenhum deles era
real. Em certo momento, Melinda me olhou de lado de forma
curiosa. Ela estava entendendo o que eu estava tentando fazer.
Finalmente, após um tempo mantendo a pose, cruzei os braços
e suspirei. “Você não tem ideia do que está falando, não é mesmo?”.
O sorriso perfeito de Sanjay tremeu. Somente por um
momento, mas tempo o suficiente para eu ver. “O quê?”.
“Seu conhecimento de Java é raso. Você não conseguiu citar
nenhuma das sub-rotinas de Pearl. Se eu te pedisse para escrever
uma função simples de programação, duvido que você conseguiria,
sem visitar algum fórum on-line”.
“Você me pareceu mais entendido no telefone”, disse Melinda.
“Tinha alguém te ajudando?”.
“Eu … não sei do que vocês estão falando …”, ele gaguejou.
Virei meu computador na direção dele. “Escreva um simples
FOR loop …”.
Ele olhou para o meu laptop, como se fosse uma aranha
venenosa. “O que … qual linguagem?”.
“Qualquer uma”, respondi secamente.
Sanjay sabia que tinha sido pego, então rapidamente pegou
seu celular. “Acho que isso é um engano …”.
“Sim, engano foi você vir aqui e tentar enganar pessoas que
são boas no que fazem”, eu gritei, enquanto ele corria para fora da
sala de conferência. “Por que você não procura o edifício Cisco na
esquina? Eles contratam qualquer um!”.
Melinda gargalhou por um momento, então, fez uma careta.
“Geralmente, sou boa em detectar falcatruas bem antes da
entrevista. Desculpa ter desperdiçado seu tempo”.
“Tá de brincadeira? Foi mais divertido do que brincar com
cachorrinhos. Espero que o próximo candidato seja assim também.
Mal preparado”.
A próxima candidata era uma mulher pequena de uns quarenta
anos. Ela tinha trabalhado para o Facebook por oito anos e estava
pronta para mudar. Para a minha insatisfação, ela não estava
mentindo sobre sua experiência. Mas aquilo significava que ela de
fato sabia do que estava falando e, depois de vinte minutos nos
despedimos dela sorridentes.
“Ela vai para a pilha de contratar”, Melinda disse. “O próximo é
Dave Lunan …”.
Os próximos dois candidatos sabiam mais que Sanjay, mas
não tinham experiência. Eles eram crus, mas talentosos. Novos e
maleáveis.
O quarto candidato, Barry, tinha o melhor currículo do grupo,
mas sua aparência parecia a de alguém que tinha acabado de rolar
da cama: calça de moletom, uma camiseta suja e chinelos. Era
como se ele tivesse tentado fazer um cosplay do Owen, mas sem
dinheiro.
Ele apertou nossas mãos com um quê de importância que me
irritou. Como se nós fossemos as sortudas, porque o estávamos
entrevistando. Ele se sentou na cadeira do outro lado da mesa e a
inclinou em duas pernas.
“Vamos começar pela sua experiência”, Melinda disse. “Você
trabalhou na Symantec pelos últimos nove anos?”.
Barry acenou, mas não elaborou muito.
“O que te fez querer mudar de emprego?”, ela perguntou.
Ele deu de ombros. “Não sei, Mel. Acho que estou entediado”.
“Mel?”, ela deu um sorrisinho, mas seu tom foi perigoso. “Não
sou sua stripper favorita. Sou a coordenadora sênior nesta
empresa”.
Barry deu um sorrisinho. “É, mas esse é só o termo
politicamente correto para recepcionista. Certo?”. E então, ele
chacoalhou a cabeça para mim. “Tudo agora tem um nome
estúpido. Só diga o que você faz, é mais fácil”.
“Ah, você está muito certo”, eu disse, com um sorriso
sarcástico. “As pessoas deveriam dizer mais o que pensam sem
meias palavras”.
“Totalmente”.
“Então me deixe fazer isso”, eu disse. “Barry, dê o fora daqui”.
Ele cambaleou na cadeira. “Hã?”.
“Você me ouviu”, repeti. “Não quero alguém como você na
minha equipe, nem se você for o último programador no planeta”.
Seu maxilar se abriu. “Por que não?”.
Me levantei e dei a volta na mesa. “Porque você é um cuzão. E
já atingimos a meta de contratações de cuzões”.
Peguei o telefone dele da mesa e o joguei no espaço
compartilhado do escritório. Aquilo o deixou perplexo, e ele perdeu o
equilíbrio. Sua cadeira caiu de lado e ele tombou no chão. Então,
ficou em pé e me encarou.
“Mas … tipo … eu sou bom”, ele disse.
“Chocolate é bom”, Melinda disse. “Você é mais encrenca do
que vale a pena. Te acompanho até a porta”.
Peguei meu laptop e um lanche na cozinha. Melinda me
encontrou no corredor da saída.
“Nos livramos de enrascada”, eu disse.
“Certamente”, ela sorriu, mas não como eu esperava. “Você foi
um pouco dura com ele”.
“Ele era um cuzão e, como eu disse, já preenchi a vaga de
cuzona”, fiz uma mesura.
“Tem muitos cuzões nessa cidade”, Melinda disse
pacientemente. “E alguns podem ser úteis, se você os colocar em
uma sala para programar o dia todo”.
“Não gostei da forma como ele te diminuiu”, eu disse.
“Talvez”, ela respondeu. “Mas você estava com uma cara
estranha, desde que ele entrou. Acho que você só queria uma
desculpa. Da próxima vez, vamos tentar controlar a situação
melhor”. Ela pegou um saco de batatas do armário e saiu.
15

Amber

Enquanto subia as escadas, pensei no que Melinda tinha dito.


Será que eu estava procurando uma desculpa para explodir com o
Barry?
Ele me lembrou do Owen. Bem no fundo, eu sabia o que tinha
desencadeado aquilo. Owen tinha virado o jogo na noite anterior,
insistindo que eu queria ser demitida. E como eu não consegui
contrariá-lo, provando que ele estava errado, acabei descontando
no primeiro cara que me lembrou dele.
Antes que eu me desse conta do que eu estava fazendo, meus
pés me carregaram para a sua sala. Eu não sabia o que dizer, mas
não importou, porque o escritório estava vazio e as luzes apagadas.
Ele tinha ido embora.
“Muito bem”, sussurrei. “Sair de mansinho, antes que eu
pudesse te dizer que você estava errado”.
Jude ainda estava trabalhando no escritório, os dedos
frenéticos no teclado. Bati na porta e disse: “Owen saiu antes das
duas? Acho que ele não está dando seu melhor como o resto de
nós …”.
Jude tirou os fones de ouvido. “Bom, é domingo”.
“Ah, é!”, eu dei uma risadinha e chacoalhei a cabeça. “Já que
ontem foi meu primeiro dia, pensei que hoje era terça”.
“Os dias estão confusos mesmo. O único motivo pelo qual eu
sei que é domingo é porque pedi comida vietnamita no Four Sisters,
mas eles não abrem no domingo”. Ele gesticulou para mim. “Você
devia ir embora. Você vai trabalhar muito nos próximos meses”.
“Você ainda está aqui”, pontuei.
“Saio em dez minutos”.
“Encontro?”, provoquei.
“Não, mas eu sei que preciso ir embora para não ficar
sobrecarregado. Estou relendo a saga A Roda do Tempo. Me ajuda
a relaxar”.
O sorriso que ele me deu foi caloroso e convidativo. Me
lembrou do sorriso que ele tinha me dado no bar naquela noite.
Como se eu fosse uma intrusa bem-vinda. Aquilo me fez formigar de
empolgação.
“Ei”, eu disse, entrando no seu escritório. “Se você vai sair em
dez minutos, quer ir tomar uma cerveja?”.
Jude piscou, surpreso. “Ah, uma cerveja …”.
“Ou qualquer outra coisa”, acrescentei. “Vinho, coquetéis …
você pode tomar outro Roy Rogers, se não quiser nada alcoólico.
Mas eu preciso de um drinque, e preferiria ter companhia a beber
sozinha”.
Vi uma oscilação de empolgação nos seus olhos cristalinos.
Algo acordou dentro dele, refletindo sutilmente no seu exterior
quieto e reservado. Ele queria dizer sim, ele queria beber comigo.
Talvez ele quisesse até mais do que isso.
Mas, então, ele chacoalhou a cabeça. “Não é uma boa ideia”.
“Por que não?”, perguntei. “Tivemos uma conexão aquele dia
no bar. Uma fagulha. Eu sei que você também sentiu”.
Ele ficou em pé, prestes a fugir. “Eu só estava sendo educado”.
“Não é verdade”, insisti, chegando mais perto dele a cada
segundo. A frustração que eu sentia a respeito de Owen acabou
escapulindo, enquanto eu falava com Jude. “Você estava flertando.
E eu sei, porque eu também estava. Primeiro, eu só estava
satisfazendo o desejo da minha irmã, conhecendo alguém no seu
aniversário, mas eu realmente gostei de falar com você. E você
também. Admita!”.
Quando terminei de falar, eu estava inclinada sobre a sua
mesa, com as duas mãos apoiadas, encarando-o. Desafiando-o a
argumentar comigo. Eu tinha passado o dia todo planejando,
programando e, então, entrevistando candidatos para trabalharem
comigo, e aquela experiência me fez me sentir poderosa.
Jude parecia querer argumentar. Vi a surpresa invadir seu
rosto. Ele apertou a mandíbula, o que fez suas sardas dançarem,
mas ele não disse nada.
Ao invés disso, ele me beijou.
Hesitei, quando ele colou seus lábios nos meus, mas a
surpresa acabou logo. Eu podia sentir o quão sedento ele estava na
forma como seus lábios investiam, na forma como suas mãos
puxavam minhas bochechas contra ele, como se ele não quisesse
me deixar ir nunca mais, e meus dedos alcançaram seus antebraços
nus, saboreando o calor da sua pele. Meu corpo se acendeu com
aquele toque elétrico, com o dinamismo que crescia dentro de mim.
Tive a sensação de que ia sair flutuando.
Tão rápido quanto ele começou, ele interrompeu o beijo. Pude
ver seu peito arfando pela camisa, quando ele se afastou de mim.
Tentei recuperar o fôlego e senti o coração bater nas têmporas.
“Então você não quer tomar um drinque comigo”, eu disse.
“Mas quer me beijar em cima da sua mesa?”.
Eu vi a erupção da paixão dos seus olhos desaparecer,
voltando para as profundezas onde adormecia antes daquele
momento. “Você está certa. Eu não deveria ter feito isso. Foi um
erro”.
“Não foi esse meu ponto”, eu disse.
“Tenho que ir”. Ele agarrou sua bolsa e a colocou no ombro.
“Tenho que …”, seus olhos pareciam buscar a coisa certa a se dizer.
“Eu apenas tenho que ir”.
Fiquei parada assistindo Jude passar correndo por mim e voar
para fora do prédio.
16

Amber

Eu tinha uma forma especial de reprimir as coisas,


especialmente aquelas com as quais eu não queria lidar. Não
importava se era uma coisa boa, como trabalhar para uma start-up
promissora, ou uma coisa ruim.
Aquele beijo foi as duas coisas ao mesmo tempo.
Juntei as minhas coisas na minha própria sala – bem devagar,
para não parecer que eu estava correndo atrás do Jude – e então
saí. Caminhei até a estação entorpecida e esperei pelo trem 514.
Entrei e procurei um assento livre, porque eu queria me sentar
sozinha.
Abri meu laptop e ativei o VPN. Assim que abri o repositório de
códigos, vi que uma das pastas estava sendo editada. O código no
qual Jude estava trabalhando. Ele não fechou o software antes de
sair.
Para ocupar a cabeça no trem e me distrair de qualquer coisa
relacionada àquele beijo, apressadamente terminei o que ele estava
fazendo. Então, encerrei o código e desativei o VPN.
Depois daquilo, acabaram minhas distrações. E o beijo voltou à
minha cabeça, em loop infinito.
Eu tinha beijado meu chefe.
E ele, literalmente, saiu correndo no minuto seguinte.
De repente, estragar meu futuro na SE parecia um bom plano.
Qualquer coisa para evitar a vergonha cortante que eu sentiria da
próxima vez que visse Jude. A urgência repentina de abandonar
meu trabalho era uma compulsão que eu tive que rejeitar; um
pensamento intruso forçando seu caminho dentro da minha cabeça.
Seria tão simples apenas não ir trabalhar no dia seguinte. Seria uma
escapatória fácil.
Michelle estava na cozinha, preparando a janta de domingo,
quando cheguei. “Eu já ia te mandar uma mensagem. Você foi
trabalhar hoje, de novo?”.
“Eu sei que é domingo”, eu disse. “Mas sou nova e queria …”.
“Eu acho ótimo!”. Minha irmã se jogou nos meus braços,
abraçando-me apertado. “Trabalhar o fim de semana todo? Parte de
mim estava esperando você achar alguma coisa de errado com
esse trabalho e abandonar no segundo dia, mas claramente você
está levando isso a sério pela primeira vez. Estou tão orgulhosa,
irmã! Só queria dar um socão nessa sua cara estúpida!”.
“Obrigada, bunda suja”, respondi. Mas suas palavras tinham
me acertado em cheio. Acho que não vou arruinar tudo na SE no fim
das contas. Sem mencionar que aquilo só provaria que Owen
estava certo. Entretanto, eu ainda teria que resolver o problema do
beijo em Jude.
“Você está bem?”, Michelle perguntou, voltando a preparar o
jantar. “Você parece distraída”.
Por um momento, pensei em contar a ela sobre Jude.
Geralmente, contávamos tudo uma para a outra, e seria bom para
mim desabafar sobre os meus problemas.
Porém, eu ainda não tinha nenhuma opinião sobre aquilo
ainda, então, eu respondi: “Só estou pensando em tudo o que
preciso fazer na SE. É desgastante pegar o bonde andando”.
“Vai ser bom para você! Você sempre foi do tipo que se joga de
cabeça nas coisas. Me lembro que durante o Ensino Médio você se
escondia no quarto por muitos finais de semana nos campeonatos
on-line. World of Warcraft ou algo do tipo. Pelo menos agora é a sua
carreira!”.
“É, acho que sim”, respondi. “Vou trabalhar mais um pouco”.
“O jantar fica pronto em duas horas”, Michelle avisou, enquanto
eu subia as escadas.
Liberei um pouco de espaço na minha escrivaninha e abri meu
laptop. Eu já tinha desenhado o mapa de expansão, então era fácil
achar uma tarefa pequena na lista de coisas a fazer.
No entanto, eu só tinha escrito quatro linhas do código, quando
uma mensagem instantânea apareceu no programa da SE.

Cauthon, Jude: Você terminou a função que eu estava


escrevendo?

Meu coração acelerou, quando li aquele nome na tela. Pensei


no que dizer antes de responder.

Moltisanti, Amber: Vi que ainda estava aberta sem salvar. Eu


não tinha nada para fazer no trem a caminho de casa, então
terminei para você.
Cauthon, Jude: Valeu. Eu geralmente fecho tudo no fim do dia

Moltisanti, Amber: Você saiu correndo.
Cauthon, Jude: Seu código ficou bom. Na minha função. Eu
não teria feito melhor. Estamos felizes em ter você na nossa equipe.

Resmunguei, quando li a última mensagem. Ele estava


ignorando o beijo e minha referência casual. Ele estava fingindo que
não tinha acontecido, porque ele achava que tinha sido um erro.
Conversar com ele on-line me fez reviver o beijo na cabeça. O
calor dos seus lábios nos meus, macios e tenros, implorando por
mais. A forma como meu corpo reagiu. E mais do que isso, a forma
como eu reagi, quando senti o corpo de Jude, seu toque, as novas
sensações que ele provocou em mim …
Me arrepiei com o pensamento e tentei afastá-lo. Se Jude
achava que aquele beijo tinha sido um erro, então eu não ia mais
falar no assunto. Eu já tinha passado vergonha o suficiente para um
dia, e era tudo minha própria culpa, para começo de conversa.
Afinal, eu o convidei para um drinque e o pressionei, quando ele
recusou.
Eu sabia que precisava clarear as ideias, então fechei meu
laptop e abri meu desktop pessoal. Jogar um pouco de Diablo me
ajudaria a refrescar o cérebro. O computador demorou um pouco
para abrir o jogo, os gráficos ficaram meio disformes por alguns
segundos antes de se estabilizarem. A atualização programada era
em dois dias, então, provavelmente era só o Windows fazendo o
download.
Por vinte minutos me perdi na dinâmica caótica e acelerada do
jogo. Quando terminei uma missão, já tinha me esquecido de todos
os problemas de trabalho. Então, com a força de vontade de um
bicho-preguiça com sono, abri meu e-mail de trabalho e me forcei a
me concentrar nas tarefas. Melinda tinha me enviado mais um lote
de currículos. Diferente daquele dia, eu queria me preparar para as
próximas entrevistas.
Deixei o programa de bate-papo da empresa aberto enquanto
eu trabalhava, para o caso de Jude me mandar outra mensagem,
mas ele não mandou. Me envolvi lendo os currículos e anotando
perguntas para as entrevistas e, então, voltei para o programa de
códigos para terminar o que eu tinha começado antes. Quando me
dei conta, já era hora do jantar.
Minha irmã e eu só tínhamos uma à outra, assim era um
combinado jantarmos juntas aos domingos. Como fazíamos quando
nosso pai era vivo, e tudo era normal. Naquela noite, comemos
macarrão, salada, frango grelhado e pão de alho. Michelle tinha que
escrever um artigo, então comemos rapidamente e conversamos um
pouco entre cada garfada, mas ainda assim compartilhando nossa
refeição.
Ela cozinhou, e eu arrumei a cozinha. Então, voltei para o
quarto.
Fiquei pensando se deveria trabalhar mais, ou jogar mais um
pouco, quando vi que uma aba piscava na tela do meu laptop. Era o
programa da empresa. Fiquei empolgadíssima, era uma mensagem
nova!
Mas não era de Jude.

March, Owen: Jude me mandou o mapa que você


desenvolveu. Ficou bom. Talvez você não seja tão inútil.

Olhei com desprezo para a tela e escrevi uma resposta ácida.

Moltisanti, Amber: Tão fofo você fingir que entende assuntos


técnicos. Como meu cachorro que assistia TV, agindo como se
estivesse entendendo alguma coisa.
March, Owen: Zombe o quanto quiser. Eu programo desde
que você usava fraldas.
Moltisanti, Amber: Desde que eu usava fraldas? Você só é
alguns anos mais velho.
March, Owen: Presumo que você só aprendeu a usar o vaso
sanitário na adolescência.
March, Owen: Não precisa se preocupar. Sua sala na SE é
pertinho do banheiro. Vai ajudar na prevenção de acidentes.
Moltisanti, Amber: Pode mudar de assunto o tanto que quiser.
Eu nunca vou acreditar que um metido feito você saiba a diferença
entre um for-loop e um while-loop. Você não conseguiria invadir nem
o sistema de um computador de plástico.
March, Owen: Justo. Acredite no que quiser.
March, Owen: E, falando nisso, eu não sabia que você jogava
Diablo. E a versão antiga ainda por cima. Muito vintage da sua
parte.
Congelei. O cursor piscava na janela do bate-papo, esperando
pela minha resposta. Senti que era Owen gargalhando na minha
cara.
Como ele sabe que eu estava jogando Diablo?
Os monitores do meu desktop pessoal estavam apagados,
porque ele tinha entrado no modo de espera. E o laptop da SE
estava do lado dele. Mesmo que ele tivesse invadido as câmeras
para me espionar, ele não conseguiria ver as telas.
Talvez eu tivesse virado o laptop um pouco em algum
momento, permitindo que ele visse meus monitores. Era a única
explicação possível.

Moltisanti, Amber: Diablo? Não sei do que você está falando.


March, Owen: Tá bom, ok. Banque a idiota. Mas quando você
deitar a cabeça no travesseiro, não vai conseguir parar de pensar
que eu sou um hacker muito habilidoso.
Moltisanti, Amber: Abusar da sua autoridade e usar a
propriedade da empresa para me espionar pela câmera do laptop
não é ser um hacker. Você é no máximo um pervertido. E se eu
estivesse trocando de roupa? Aposto que eu encontro um bom
advogado para te processar.
March, Owen: Resposta errada. Tente novamente.

Fiz uma careta para a tela. Parte de mim suspeitava que ele
estava mentindo e que ele tinha sim usado a câmera do laptop da
SE para me espionar. Apesar disso, outra parte de mim se
perguntava …
Primeiro, entrei nas configurações do meu laptop e desabilitei a
câmera e o microfone. Depois, só por garantia, passei fita isolante
na câmera. Então, dissipei a proteção de tela do meu desktop
doméstico e executei meu antivírus. A varredura estava na metade
do caminho, quando Owen me mandou outra mensagem.

March, Owen: Ha ha ha. Esse antivírus meia-boca não vai


ajudar.

Merda. Ele estava conseguindo ver a tela do meu desktop e


não era pela câmera do laptop.

Moltisanti, Amber: Bom, se você não usou a câmera, talvez


você tenha infectado o laptop para acessar a rede da minha casa.
March, Owen: Terceiro erro e você está fora, criança. Achei
que você era mais esperta. Estou desapontado.

Comecei a ficar ansiosa. Aquele era meu quarto. Meu


computador pessoal. Eu deveria me sentir segura, escondida entre
a minha rede de monitores. A intrusão de Owen era como uma
violação digital.
Me agachei sob a mesa e puxei o cabo de energia da tomada.
As ventoinhas do meu computador desaceleraram e pararam.
“Arrombado”, resmunguei, me sentando de volta na cadeira.

March, Owen: Sabe, fazia muito tempo que eu não ouvia esse
termo até aquele dia. Acho que vou começar a usar.

Me assustei quando me dei conta do que ele estava falando.


Ele me ouviu chamá-lo de arrombado. E o microfone do meu laptop
da SE estava desabilitado. Talvez ele tenha habilitado novamente.
Não havia mais nenhum dispositivo de escuta no meu quarto. Sem
Alexa, sem Amazon Dot. Só meu desktop (que estava desligado),
meu laptop da SE (cujo microfone estava desabilitado) e …
Me encolhi como se tivesse tomado um soco. Meu celular.
Meu celular estava sobre a mesa, eu o peguei e refleti sobre
meus passos naquele dia. Teria Owen invadido minha sala para
pegar? Não, eu levava meu celular comigo para todos os lugares –
até para o banheiro. E eu nunca tinha usado o Wi-Fi da empresa,
por segurança!

March, Owen: Merda, acho que você descobriu. Entretanto,


valeu a pena ter transferido dois mil em ArgoCoin para conseguir
acesso.

Era isso: na noite anterior, no banco do parque! Ele pegou meu


celular para transferir criptomoedas para mim. Ainda assim, eu o
assisti fazer isso. Ele não abriu nenhum outro aplicativo nem tentou
nada.
Virei meu celular, a capa tinha um espaço para cartão de
crédito atrás, tirei minha CNH e os cartões que ali estavam, puxei a
aba …
Um pequeno chip caiu sobre minha mesa. Era do tamanho e
da espessura de um selo, com um circuito de radiofrequência
estampado.
Era um chip de radiofrequência. Quando meu telefone se
conectou à minha rede doméstica, o chip acionou um programa que
acessou todos os meus dados de login e deu acesso ao Owen. Por
longos três segundos, fiquei surpresa. E impressionada.
Depois, fiquei furiosa.

Moltisanti, Amber: Seu MERDA. Você sabe que isso é


invasão de privacidade?
March, Owen: Ha ha ha ha, quando você pensou que eu
estava espiando pela câmera, nem se importou, mas agora que
descobriu que foi uma ação hacker te faz querer chamar a polícia.
Suas prioridades estão fora de ordem, criança.
Moltisanti, Amber: Vai se foder.
March, Owen: Você fez isso primeiro. E eu não fiz nada. Só te
provei o que eu consigo fazer. Comparado a toda a merda que você
fez no meu apartamento, isso foi bem razoável.
Moltisanti, Amber: Você cometeu um grande erro admitindo
isto no programa de bate-papo da empresa. Salvei essa conversa e
vou mandar para o Buzzfeed. Ou para o TMZ.
March, Owen: Vá em frente. E eu libero as gravações do que
você fez comigo.
Moltisanti, Amber: Você tem mais a perder. Quando um peão
feito eu faz algo errado, nem vale o buchicho. Porém, quando Mark
Zuckerbosta chuta um cachorrinho, vira notícia internacional.
March, Owen: Quero ver toda essa presunção, quando você
estiver assentada na sua cela na cadeia.
Moltisanti, Amber: Você vai estar lá também, comendo pão
rançoso e mingau com o resto dos presos.
March, Owen: Ah, queridinha. Gente rica não vai para a
cadeia, a não ser por motivos muito maus. Mas se você quiser
apertar o botão vermelho e acionar as armas nucleares, vá em
frente. Vamos ver o que acontece.

Ele estava certo, o que só me fez ficar mais furiosa. Homens


como Owen raramente precisam encarar as consequências de seus
atos. Além disso, eu não queria denunciá-lo de verdade. Eu só
estava puta e frustrada, porque ele era melhor do que eu. E mesmo
que eu não quisesse admitir, eu estava impressionada.
Encarei meu celular. Não era mais seguro. Eu precisava
restaurar as configurações e, então, blindar minha conexão toda,
para me certificar de que ele não teria mais acesso.
Bem naquela hora, uma mensagem apareceu na tela:
March, Owen: Eu sei no que você está pensando, você vai
precisar formatar seu celular. Não se preocupe, vou te poupar do
aborrecimento.

A tela do telefone piscou e ficou preta na minha mão. Ouvi um


barulho suave, como se fosse um capacitor elétrico sobrecarregado
dentro do dispositivo. Uma fumacinha saiu pelo alto-falante e a capa
ficou intensamente quente de repente. O soltei sobre a mesa e
xinguei.

Moltisanti, Amber: Seu cuzão. Agora vou precisar comprar


outro celular!
March, Owen: Que vida difícil a sua. Te vejo amanhã no
escritório.

O ícone verde ao lado do nome do Owen ficou cinza, quando


ele se desconectou. Sozinha no meu quarto, rosnei, derrotada.
17

Jude

Sozinho no meu apartamento, suspirei arrependido.


Como foi que eu pude beijar Amber daquele jeito?
Especialmente no meu escritório. Aquilo só aumentava o senso de
erro: um chefe beijando sua funcionária na empresa. Enquanto não
havia mais ninguém lá. Eu só imaginava as manchetes que aquele
ato podia causar, e os editoriais que seriam escritos sobre
dinâmicas de poder e abuso de autoridade.
E, mesmo assim, eu não pude evitar. Ela estava inclinada
sobre a mesa, olhando-me de forma desafiadora com aqueles olhos
grandes e redondos. Me convidando para tomar um drinque e
exigindo saber por que eu neguei. Ela era linda, sem nem precisar
fazer esforço. Com os cabelos pretos sedosos amarrados em um
rabo irregular, e os lábios grossos franzidos. Eu … eu …
Eu não sei o que me aconteceu. Era como se um hacker
tivesse invadido meu corpo e me feito fazer o que eu fiz.
Ainda assim, mesmo sabendo que era um erro – e era um erro,
porra! – eu não conseguia ignorar a forma como me sentia. Todas
as emoções que eu senti naquela noite no bar voltaram correndo,
amplificadas pelo beijo. Amber tinha tudo o que eu sempre quis em
uma mulher. Inteligente, nerd e linda. Convencida, quando se
tratava do trabalho, o que era justificável.
Quando me deitei na cama e fechei meus olhos naquela noite,
só conseguia ver Amber, inclinada sobre a minha mesa, com a
mesma expressão desafiadora. Esperando para ver o que eu ia
fazer.
Eu não deveria tê-la contratado. Aquele era o maior e mais
óbvio erro na história toda. Enquanto eu fosse seu chefe e ela minha
funcionária, não podia acontecer nada. Era um pesadelo jurídico e
moral.
Todavia, é claro que teria sido um delito muito maior escolher
não a contratar, porque eu queria sair com ela.
É isso o que eu quero? Me perguntei no escuro. Sair com ela?
Ser seu namorado?
Me consolei com o fato de que eu estava atolado de trabalho
na SE e assim seria pelos próximos meses, enquanto expandíamos
rapidamente. Mesmo que eu quisesse um relacionamento com a
Amber, eu não teria tempo.
Porém, aquilo só significava que passaríamos muito tempo
juntos no escritório. E eu não sabia o que era pior.
Cheguei à empresa cedo no dia seguinte. Para os padrões do
Silicon Valley, qualquer horário antes das dez era cedo. Entrar no
escritório às seis e meia era como ir trabalhar no meio da noite.
Eu amava chegar cedo. Tudo era silencioso, sem distrações.
Quando estávamos criando a PayScale, eu rendia muito mais de
manhãzinha, antes de Owen chegar no nosso pequeno escritório
alugado. Naquele dia, eu esperava que chegar cedo fosse me fazer
evitar encontrar Amber.
Como se fosse possível mantê-la longe dos meus
pensamentos, mantendo-a longe dos meus olhos. É claro que não
era, devido à nossa proximidade. Owen subiu as escadas, correndo,
às oito, cheio de energia e um sorrisão no rosto, quando me deu um
tchauzinho. Me perguntei qual era a causa do seu extremo bom
humor.
Por volta das nove, desci para tomar outra xícara de café. Meu
plano era me esconder no meu escritório, ativar o vidro fosco,
colocar meus fones de ouvido com a música bem alta, para não ser
incomodado. Então, eu não veria Amber. Eu poderia começar a
deixar aquilo para trás.
Porém, quando cheguei no alto das escadas, Amber estava
entrando pela porta da frente, conversando com Melinda.
No dia anterior, depois do beijo, experimentei meu primeiro
“lutar ou correr” de verdade. Naquele momento, foi a segunda vez.
Eu queria virar de costas e correr para dentro da segurança e
isolamento do meu escritório. A única coisa que me impediu foi o
fato de que Amber já tinha me visto.
Ela sorriu ao subir os degraus. Seus cabelos pretos estavam
soltos e balançavam ao redor do pescoço a cada passo. Ela parecia
cansada, como se tivesse trabalhado a noite toda, mas ainda estava
devastadoramente linda na minha opinião.
“Dia”, ela disse.
“Hm, oi, bom dia”, respondi. Então, atingido por um raio de
coragem repentina, decidi lidar com o assunto de uma vez.
“Desculpa pelo que aconteceu ontem”.
Ela sorriu tristemente e chacoalhou a cabeça. “Não precisa
pedir desculpa. Não é sua culpa Owen ser um …”, ela parou. “Ah,
você está falando do …”.
“Do beijo”, eu disse, abaixando a voz, para garantir que Owen
não ouvisse. Eu não queria saber o que ele diria sobre aquilo tudo,
se descobrisse. “Eu não deveria ter te beijado. Sou seu chefe. Foi
errado fazer isso com você”.
“Fazer isso comigo?”, ela virou os olhos desgastada. “Eu sou
adulta. Também sou parte disso. Além do mais, fui eu quem te
convidou para beber”.
“Mas eu sou o elo forte da corrente”, insisti. “E preciso tomar
decisões sábias. Não vai acontecer de novo”.
Mesmo que eu quisesse desesperadamente que acontecesse.
Naquele momento, ali parado a um metro de Amber, tudo o que eu
podia fazer era não fantasiar sobre jogá-la contra a parede e beijá-la
novamente. Eu sabia que se ela discordasse de mim, se ela
dissesse que queria sair comigo, tomar aquele drinque e ver o que
aconteceria, eu não teria forças para recusar. Eu cederia sem
hesitar.
No entanto, Amber disse: “Entendido”. Ela parecia
desapontada. “Isso é muito para mim, está muito cedo. Eu não
estava preparada para um sermão do RH antes da minha terceira
xícara de café”.
“Terceira?”. Ela parecia não ter tomado nem a primeira ainda.
“Você está bem?”.
Ela ajeitou a bolsa do seu laptop no ombro. “Tive uma noite
muito longa. Passei muito tempo aumentando a segurança da minha
rede doméstica. Adicionando um firewall extra e uma lista de
permissões de sistema. Também achei uma vulnerabilidade no meu
impulsionador de cartão de vídeo. Não quero ninguém explorando
isso”.
Ela olhou pelo meu ombro na direção do escritório de Owen.
Eu esperava ver raiva nos seus olhos, mas havia algo mais naquele
dia. Determinação, e talvez um reconhecimento contemplativo de
algo que eu desconhecia.
“É melhor eu parar de pensar nisso”, ela esticou a mão e tocou
meu antebraço. “Fico feliz por você usar suas camisas assim
sempre. Cai muito bem em você”.
Ela sorriu e entrou na sua sala. Demorei três segundos longos
para sair do torpor criado pelo seu toque – e pelo elogio que ela me
fez.
18

Jude

Depois de outra xícara de café, isolei-me na minha sala para


trabalhar. Aquela montanha de códigos que precisava ser escrita era
esmagadora, mas depois do mapa que Amber criou, seria mais fácil.
Entretanto, depois de uma hora, notei um problema. Me
deparei com ele, enquanto escolhia qual blockchain paralela da
Dogecoin eu escreveria primeiro. A maior parte do mapa era
impecável, mas havia uma parte que precisava de ajustes.
Amparado pela desculpa de ter algo técnico para discutir, fui
até a sala dela. A porta estava aberta, mas parei para bater,
educadamente, antes de entrar.
Amber tirou os fones de ouvido. “Você não veio aqui tentar me
beijar de novo, não é? Estou ocupada”.
Eu quase tropecei nos meus próprios pés. Amber fez uma
careta.
“Desculpa. Quando fico desconfortável, meu mecanismo de
defesa aciona as piadas”.
“Por favor, não faça isso”, eu disse, com uma risadinha fraca.
“Tudo já está muito estranho”.
Ela apontou um dedo para mim e disse: “Não, muito estranho
seria se eu te dissesse que você beija bem”. Ela parou, como se
tivesse se dado conta, de repente, do que tinha acabado de dizer.
Suas bochechas alvas ficaram vermelhas, e ela disse: “E aqui estou
eu fazendo piada de novo. Ai ai. Diga”.
“A blockchain paralela da Dogecoin”, eu comecei. “Está boa
como todas as outras, mas você se esqueceu de levar em conta a
natureza hiperinflacionária”.
Ela virou a cabeça, enquanto refletia. Então, respirou fundo.
“Merda. São as variáveis que usei, não são?”.
“Você usou um inteiro longo”, confirmei. “O que normalmente
seria longo o suficiente. Porém, considerando a quantidade de
Dogecoin existente no mundo, é possível que teremos usuários,
cujo saldo exceda o valor máximo do inteiro”.
“Não seria bom”, ela grunhiu. “Vou trocar para uma variável
mais longa”.
“Não, é só substituir”, eu disse, abrindo meu laptop sobre a
mesa dela e me encaixando do lado. “Mudar isso significa que
vamos precisar refazer estas duas funções …”
Amber não reagiu defensivamente, como a maioria dos
programadores reagiria. Ela assentiu e começou a anotar formas de
consertar o problema. Escutando de verdade o que eu estava
dizendo, para então criar um plano de resolução.
Só quando terminei, e ela me deu aquele sorriso caloroso de
novo, foi que me lembrei da garota em quem eu tinha passado a
noite pensando em beijar. Agradeci a ajuda e voltei rapidamente
para a minha sala. Demorou um bom tempo para o meu coração
parar de bater forte, como se quisesse fugir do meu peito. Ficar
perto de Amber era emocionante, de uma maneira que me chocava.
Se ao menos ela não fosse minha funcionária.
Melinda subiu as escadas para buscar Amber para as próximas
entrevistas. Por volta das onze, ela voltou e parou na minha porta.
“Nós temos dois candidatos realmente bons”, ela disse.
“Melinda vai encaminhar tudo para você e Owen darem a aprovação
final. Mas acho que vocês deveriam contratá-los. Hoje”.
“Excelente notícia”, eu disse.
Amber ficou na porta mais um pouco. Fiquei apavorado com a
possibilidade de falar sobre o beijo de novo – que tipo de pessoa faz
piada sobre seus próprios momentos vergonhosos? – mas ela só
disse: “O que você disse hoje de manhã me fez repensar algumas
tarefas do mapa. Você se importa se eu compartilhar algumas
coisas com você? Só pelo bem da minha própria sanidade?”.
“Claro”, eu disse, aproveitando a oportunidade para ficar perto
dela um pouco mais. “Hm, na sua casa ou na minha?”.
Me encolhi com o trocadilho estúpido – e inapropriado –, mas
ela apenas sorriu e respondeu: “Sua sala é mais legal. Vou buscar
meu laptop”.
Por meia hora não éramos mais duas pessoas que tinham se
beijado no dia anterior. Éramos dois programadores tentando
resolver uma série de problemas técnicos juntos. Não demorou
muito para ela encontrar uma solução e empacar na hora de
desenhar o procedimento. Expliquei a ela como poderia ser o
próximo passo. Foi uma discussão hábil, com idas e vindas, como
uma dança coreografada, na qual nós dois éramos muito bons.
Devagar, minha ansiedade em estar perto dela foi sumindo.
Meu pulso quase voltou ao normal, com oitenta batidas por minuto.
Amber era brilhante, eu podia ver. Muito mais do que pensei
que ela seria originalmente. Ela via as coisas que eu não via, e
nossas perspectivas eram complementares, de forma que me dava
ainda mais confiança sobre o futuro da empresa e, especificamente,
sobre o mapa de expansão.
Pedimos noodles para o jantar e os comemos na minha sala,
discutindo os últimos itens do mapa.
“Ok, uma pergunta para você …”, eu disse. “Guerra nas
Estrelas ou Jornada nas Estrelas?”.
Ela levantou uma sobrancelha. “Por que você acha que eu me
importo? Só porque sou uma nerd da computação, eu deveria
gostar dessas grandes franquias de ficção científica?”.
Pisquei. “Bom, eu não queria presumir, mas …”.
“Só estou te zoando”, ela disse gargalhando. “Jornada nas
Estrelas, sem a menor dúvida”.
“Sério? Fácil assim?”.
Ela engoliu um bocado de noodles e inclinou a cabeça.
“Jornada nas Estrelas é uma série criativa e única. Não aquela
bobagem entediante do George Lucas”.
“Elabore mais, por favor”, pedi.
Amber colocou sua caixinha de noodles na mesa e se inclinou
para trás com as mãos atrás da cabeça. O movimento fez seu peito
subir um pouco mais e, não sei como, mas consegui manter contato
visual sólido feito rocha. “Pense nisso. Guerra nas Estrelas é só a
mesma velha história de sempre, só que no espaço. Um imperador
malvadão, e os coitadinhos oprimidos corajosos tentando lutar
contra ele. Eu li essa história tantas vezes em diferentes cenários.
Se você remover o espaço da equação, a história inteira poderia
muito bem se passar, sei lá, na Europa. Um grande reino, com um
governante maligno. Darth Vader poderia ser um cavaleiro buscando
por rebeldes pelo reino. Espadas, em vez de sabres de luz. A
Estrela da Morte, uma fortaleza que os rebeldes querem tomar”. Ela
imitou um bocejo profundo. “Chaaato!”.
“Então, você está dizendo que uma história precisa ser
perfeitamente única para ser boa?”, respondi. Sua opinião me
atingiu como um ataque pessoal como fã de Guerra nas Estrelas,
mas eu não queria demonstrar.
“Não precisa ser, mas ajuda”, ela respondeu. “Por exemplo:
Jornada nas Estrelas. Muito melhor do que copiar e colar a mesma
história cansativa, Gene Roddenberry imaginou algo diferente. Algo
único. A Enterprise não é só uma nave qualquer procurando
encrenca no espaço, é uma nave científica!”.
“Espaço … A fronteira final”, citei, para me certificar de que ela
soubesse que eu tinha credibilidade nerd. “Estas são as viagens da
nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para a
exploração de novos mundos …”.
“Para pesquisar novas vidas, novas citações, audaciosamente
indo aonde nenhum homem jamais esteve!”, ela finalizou a citação.
“Exatamente! No universo de Jornada nas Estrelas, a Terra está em
paz. Não existe dinheiro. Ninguém briga por causa de moedas. Suas
motivações são totalmente únicas e puras. Você não encontra
exemplos assim na vida real”.
“Não é verdade”, argumentei. “Existiram muitas expedições
científicas na história da humanidade. A Era da Vela girava em torno
de cruzar oceanos vastos, com o propósito de exploração”.
“Com o propósito de dinheiro”, Amber pontuou. “Fernão de
Magalhães não circum-navegou o globo terrestre só porque lhe
apeteceu. Ele queria estabelecer rotas comerciais para a China! Ele
foi, literalmente, financiado pela Espanha, porque eles queriam
competir com Portugal. E esse é um caso que se repetiu na história.
Quando Cristóvão Colombo chegou às Américas, ele não queria
fazer amigos, ele queria escravizar nativos e roubar seu ouro. A
expedição de Lewis e Clark cruzou o país com propósitos
comerciais. David Livingstone procurou a nascente do Rio Nilo, o
que tinha algumas motivações científicas, mas acabou abrindo
caminho para os poderes europeus entrarem no continente
africano”.
Ela usava a mão para elencar cada um dos pontos, e sua voz
estava cheia de entusiasmo e empolgação. “Mas a nave estelar
Enterprise é pura. Exploração para obter conhecimento. Os
membros da Frota Estelar são proibidos de interferir no
desenvolvimento de todas as sociedades, mesmo que isso
signifique morrer. Está escrito na Primeira Diretriz! É por isso que eu
prefiro Jornada nas Estrelas à Guerra nas Estrelas. Se trata de uma
história que nunca foi contada antes, e não foi contada depois!”. Ela
deu um aceno enfático para concluir o argumento.
“As motivações não são inteiramente puras”, eu disse. Amber
se tensionou, pronta para continuar o argumento, e, então, eu disse:
“O Capitão Kirk queria comer o maior número de alienígenas
possível. E não só pela ciência”.
Amber gargalhou de repente e em surpresa. “Ok, você tem
razão nesse ponto. De qualquer forma, eu sempre gostei mais da
Nova Geração”.
“Capitão Picard é muito melhor que Capitão Kirk, acho que
estamos de acordo”. Eu sorri e disse: “Owen é um grande fã de
Jornada nas Estrelas, falando nisso”.
O rosto de Amber se contorceu de aborrecimento. “Imaginei,
com base na voz da Conselheira Troi que ouvi na sua IA. É uma
imitação perfeita”.
“Não é imitação”, eu disse. “Owen contratou a real Conselheira
Troi, ou a atriz, Marina Sirtis, para registrar um banco de dados de
frases e palavras. Foi legal conhecê-la. Ela é uma pessoa muito
bacana. Mas ele pagou tipo cinquenta mil pratas”.
Os olhos de Amber se arregalaram. “Meu Deus do céu. É isso
o que acontece, quando as pessoas têm mais dinheiro do que
deveriam”.
“Você está dizendo que não faria algo tão nerd assim, se
tivesse dinheiro?”, perguntei.
“Eu não deixaria a riqueza mudar quem eu sou”, Amber disse
curtamente.
Apertei os olhos contra ela. “Deixa eu ver se entendi. Se você
tivesse dinheiro infinito, e Patrick Stewart se oferecesse para
aparecer no seu aniversário e cantar para você por cinquenta mil,
você recusaria?”.
Amber me encarou. “Ok, certo. Eu contrataria Patrick Stewart.
E não só para cantar ‘Parabéns pra você’, eu o contrataria para
fazer tudo. Me informar sobre a previsão do tempo, me seguir e ler
meus e-mails em voz alta, dizer que sou bonita”.
Você não precisa do Patrick Stewart para dizer isso, pensei.
Amber era deslumbrante, não importava quem estivesse dizendo.
“Independentemente”, ela disse. “Eu acho que é horrivelmente
arrogante dar à sua IA a voz da Conselheira Troi. Mais uma razão
pela qual Owen é …”. Ela abaixou a voz e continuou: “Um grande
arrombado”.
Eu gargalhei e respondi: “Ele diz que são esses pequenos
prazeres na vida que o fazem seguir em frente”.
“Aposto que sim”. Amber tomou um gole do seu energético e
encarou a parede. Por alguns segundos, pareceu que alguém a
tinha desligado da tomada.
“Você ainda está aí?”, perguntei.
Ela voltou a prestar atenção em mim. “Desculpa, eu estava
fazendo uma lista”.
“Uma lista?”.
“É algo que eu faço às vezes, quando preciso tomar uma
decisão. Uma lista mental de prós e contras”.
“Que decisão você estava tentando tomar?”.
Amber congelou, como se tivesse sido pega fazendo algo
estranho. “Hm, o que fazer para o jantar”, ela disse depois de um
tempo. “Preciso passar no supermercado no caminho para a casa.
Fiquei na dúvida entre arroz temperado ou macarrão”.
Uma coloração vermelha cruzou suas bochechas. Tive a
impressão de que a lista não tinha nada a ver com o jantar.
“Então, Owen era um cara da tecnologia?”, ela perguntou.
Acenei. “Ele ainda é, mas raramente pega no pesado.
Ocasionalmente, quando ele não tem muita coisa para fazer, ele me
pede algumas tarefas de programação para executar. Nada muito
complicado: só alguma coisa para se ocupar por um tempo”.
“Você disse que ele escreveu a maior parte do código da
PayScale”, Amber disse cuidadosamente. “É verdade?”.
“É sim”.
“Olhei o código fonte da PayScale ontem”, ela disse. “É … não
sei. Intricado. Sofisticado. Bom”.
“Esta é uma descrição do Owen”, eu disse. “Ele provavelmente
foi um programador melhor do que eu no começo”. Fiz uma careta.
“Mas por que você olhou o código da PayScale?”.
“Curiosidade”, Amber respondeu, distante. Ela ficou meio
perdida no limbo de novo, mas rapidamente voltou. “Então, por que
ele parou de programar?”.
“Crescemos muito rápido”, expliquei. “E um de nós tinha que
cuidar da administração. Ele era a escolha natural. Eu sou muito
tímido e estranho para ser o rosto da nossa empresa. Owen é mais
carismático, charmoso. Mais bonito”.
“Não diga isso, você é muito mais bonito do que ele”, Amber
respondeu rapidamente.
Foi a minha vez de corar. Dei de ombros e olhei para o teclado.
“Você estava querendo elogios”, Amber disse. “Não é?”.
“Não”.
“Claro, claro …”. Amber pegou um noodle sozinho e jogou em
mim. Ele atingiu meus óculos, deixando um rastro de molho.
“Guerra de comida está na lista de coisas proibidas na SE”, eu
disse. “E como seu chefe, vou te dar uma advertência”.
Amber suspirou dramaticamente. “Se uma garota nem pode
jogar noodles na cara das pessoas de vez em quando, qual é a
razão de estarmos vivos?”.
Ela se inclinou para a frente e gentilmente beijou o noodle dos
meus óculos e o engoliu. Então, ela respirou nas lentes e as limpou
com sua blusa. Quando ela se sentou de volta e os colocou de volta
no meu nariz, seus longos cabelos dançaram e encostaram nos
meus braços, fazendo cócegas e eletrificando meu corpo. Senti o
cheiro frutado do seu xampu e tive que me concentrar para não
respirar fundo.
“O quê? Eu não tenho um guardanapo”, ela disse sorrindo.
“Sem guerra de comida, prometo”.
Amber e eu tínhamos uma boa dinâmica juntos, mesmo depois
do fiasco do beijo. Eu sentia que podia ser eu mesmo com ela. E
tinha a impressão de que ela se sentia da mesma forma. As coisas
seriam tão simples, se ela fosse um homem. Seriamos muito bons
amigos. Sem complicações.
Ao invés disso, eu estava fantasiando sobre seus olhos que
pareciam duas piscinas e seus lábios que eram quentes e beijáveis

Pare. Se concentre.
“Acho que ainda precisamos consertar o problema da senha”,
eu disse, virando-me para a tela. “Você se lembra do que era?”.
Nós dois nos acomodamos atrás da minha mesa e voltamos a
trabalhar, mas meus pensamentos eram tudo, menos platônicos.
19

Amber

Por mais que a invasão do Owen no meu telefonecelular


tivesse me enfurecido, eu consegui enxergar o lado bom: esqueci-
me totalmente da situação desconfortável com o Jude.
A partir do momento que Owen fritou meu celular e saiu do
bate-papo na noite anterior, eu estava completamente concentrada
na segurança da minha rede doméstica. Atualizei o firmware do meu
modem e dos três acessos sem fio da minha casa, comprei outro
firewall e passei três horas configurando meu servidor.
Então, comecei a planejar como eu me vingaria dele. Porque
aquilo não era mais só sobre o episódio na cobertura do restaurante
e os meus dois mil dólares. Tinha se tornado pessoal.
Bom, e quando encontrei o Jude nas escadas, no dia seguinte,
nosso beijo era literalmente a última coisa que eu tinha na cabeça.
No entanto, assim que eu o vi, voltou a ser minha preocupação
número um. Um lembrete de que às vezes eu cometia erros e não
sabia como consertá-los.
As coisas ficaram meio estranhas com o Jude no começo.
Como não ficariam? Tínhamos nos beijado no dia anterior. O beijo
tinha sido bom. Na verdade, tinha sido ótimo. Em uma escala de um
a dez, tinha sido um onze. E agora tínhamos que trabalhar juntos e
fingir que nada tinha acontecido.
Acontece que, quando aproximamos nossas cadeiras e nos
concentramos no trabalho, sentimos aquele encaixe natural. Éramos
unidos pela nossa experiência em programação e pela pilha
gigantesca de trabalho que estava diante dos nossos olhos.
Foi só quando paramos para comer que pude revisitar o que
tinha acontecido, no dia seguinte. E enquanto estávamos lá
sentados, comendo nossos noodles vietnamitas, fiz outra lista
mental.

Razões para não beijar Jude de novo:


1. Ele é meu chefe.
2. O beijo tinha deixado as coisas estranhas.
3. Eu não quero estragar tudo no trabalho.
4. Se Owen descobrir, vai provavelmente me demitir. Ou pior:
me manter empregada para me ridicularizar eternamente.

Razões para beijar Jude de novo:


1. Eu quero muito. Muito mesmo.

“Você ainda está aqui?”, Jude me perguntou gentilmente.


Foi um milagre eu ainda não ter caído da cadeira. Jude estava
me olhando como alguém que analisa as possibilidades de dar um
xeque-mate em uma partida de xadrez. Parecia que ele realmente
conseguia ler meus pensamentos.
Será que ele sabe que eu estava pensando no beijo?
Consegui esquecer aquilo e voltar minha atenção para o Owen
e como eu conseguiria minha vingança. Aquele carinha da TI
convencido não estava mentindo sobre suas habilidades de hacker.
Aquilo eu tinha entendido. Contudo, ainda achava que era mais
esperta e melhor hacker do que ele.
Eu precisava de tempo para planejar meu próximo movimento.
E para fazer com que o Owen abaixasse a guarda. Eu queria atingi-
lo, quando ele menos esperasse.
Me vingar do Owen ficou ali na minha cabeça durante a
semana, enquanto eu trabalhava. Oficialmente, contratamos os dois
entrevistados do outro dia: Dave e Nancy. Ambos se reportavam
diretamente a mim, o que era extremamente intimidador no começo.
Eu estava acostumada a trabalhar com outras pessoas, mas não
tinha sido a chefe de ninguém ainda. Nos primeiros dois dias, eu
respondi a muitas perguntas. Nancy era direta e começou a
programar rapidamente, mas David duvidava de si mesmo o tempo
todo e constantemente me mostrava seus códigos, para que eu
conferisse se tudo estava bem. Na quinta, irritei-me e disse a ele
que não precisava compartilhar cada etapa do seu trabalho, como
se eu fosse sua professora do jardim de infância. Depois daquele
momento, ele abaixou a cabeça e me deixou em paz.
“Eu realmente não sei lidar bem com pessoas”, contei ao Jude.
“Sabe sim”, ele insistiu. “Honestamente, o fato de você não ter
proferido nenhum palavrão significa que você está amadurecendo”.
Apesar das minhas novas responsabilidades como monitora
dos meus subordinados e no gerenciamento dos projetos, passei a
dedicar trinta minutos do meu dia ao planejamento da minha
vingança contra o Owen. Melinda tinha me alertado a não usar os
equipamentos da empresa para fins nefastos, ameaçando auditar
meu servidor se precisasse, mas eu tinha desenvolvido um
encriptador que limpava os dados de acesso imediatamente,
removendo qualquer evidência de que eu estava enfiando meu nariz
onde eu não era chamada.
Mas tentar encontrar as vulnerabilidades do Owen era mais
difícil do que eu esperava. Quando comecei a trabalhar na SE, sua
rede era mais desprotegida, mas ele tinha aprendido a lição e
dificultado o acesso ao seu laptop e aos dois servidores do seu
escritório. Eu não conseguia invadir nenhum deles, mesmo tentando
de todos os nossos diretórios compartilhados.
Em uma tarde, Owen deixou sua sala e foi para a área aberta
do segundo andar. O bilionário parou na impressora que cantarolava
e zumbia, de costas para mim. Ele vestia uma calça de moletom
cinza e uma blusa azul marinho da Surf Arrakis tão justa que parecia
uma segunda pele, mostrando cada ondulação e protuberância dos
seus músculos. Até sua bunda ficava bonita naquela calça.
Ainda não acredito que ele é um programador de verdade,
pensei, aborrecida. Ele parece do tipo que foi o capitão do time de
futebol. Ou o príncipe do baile. A combinação de charme, boa
forma, boa aparência e habilidades de hacker era um conceito que
não entrava na minha cabeça.
Ele se afastou da impressora, e eu apressadamente voltei
meus olhos para a tela do computador. Porém, em vez de voltar
para sua sala, ele entrou na minha, com o que ele tinha imprimido
na mão. Será que ele tinha me visto olhar para ele? Fingi estar
muito ocupada, digitando qualquer coisa no teclado, quando ele se
aproximou da mesa.
“Você não bate antes de entrar?”, perguntei, removendo meus
fones de ouvido. “Estou ocupada”.
Owen abriu seu sorriso perfeito na minha direção. “Ah, eu sei
bem o quão ocupada você está” Ele colocou o papel sobre a mesa e
o escorregou na minha direção. Ainda estava quente da impressão.
Na folha, uma foto do Boromir de O Senhor dos Anéis, vivido pelo
ator Sean Bean. Acima da imagem, o seguinte texto: NINGUÉM
SIMPLESMENTE INVADE O COMPUTADOR DE OWEN MARCH
COM UMA INJEÇÃO DE SQL.
Minhas bochechas ficaram quentes. Era exatamente o que eu
tinha tentado fazer nos últimos cinco minutos. A vergonha de ser
pega no flagra me causou uma crise de suor.
“Esse meme tem tipo uns vinte anos”, eu disse.
“Fazer o quê? Gosto das coisas à moda antiga”.
“É mesmo”, acrescentei. “Quem diabos imprime um meme em
um pedaço de papel? Você podia só ter enviado um GIF, como uma
pessoa normal”.
“Eu queria ver sua reação pessoalmente”. Ele esticou seus
polegares e indicadores, formando um retângulo, como se ele
estivesse emoldurando meu rosto. “Click. Suas bochechas estão
mais vermelhas do que a bunda de um babuíno. Muito melhor do
que enviar virtualmente. Além do mais, a pronúncia certa é JIF”.
Eu gargalhei. “Obrigada por me lembrar de que você é um
idiota. É GUIF. Com som de guê”.
Ele sorriu e disse ceticamente: “Se você diz”. Então, ele se
virou e caminhou de volta para o hall.
Pulei da cadeira e me arremessei contra a porta. “Eu digo sim!
O G tem som de GUÊ!”.
Ainda se afastando de mim, ele dramaticamente deu de
ombros.
Fui até o corrimão que dava para a sala principal. Dave estava
sentado em um pufe com o laptop no colo, enquanto Nancy estava
em um dos cubículos.
“Hora do Quiz!”, eu bradei. “A pronúncia é JIF ou GUIF?”.
Dave limpou a garganta e respondeu: “Acho que é JIF,
senhorita Moltisanti”.
“Eu já disse para me chamar de Amber. E não! Não é JIF!”.
Nancy fez uma careta do seu cubículo. “Odeio dizer isso, mas
concordo. É JIF”.
“Não!”, gritei. “É GUIF! Porque o G vem de gráfico, então tem
som de Guê!”.
Os dois deram de ombros e voltaram ao trabalho. Me virei e
encontrei Owen recostado na porta do seu escritório, com os braços
cruzados, assistindo-me, com um sorriso enorme no rosto.
Resmunguei irritada e voltei para a minha sala batendo os pés.
Jude, Owen e Melinda se reuniram naquela tarde. Não fui
convidada, mas ouvi parte da discussão, quando fui até a cozinha
pegar um energético. Aparentemente, um dos investidores, um
italiano rico, queria visitar as instalações para assinar os
documentos do financiamento pessoalmente. Owen achou que seria
uma boa ideia dar ao investidor o que ele quisesse, mas Jude
estava hesitante em receber alguém no prédio, antes da assinatura
do contrato.
“Do que você tem medo?”, ouvi Owen perguntar, enquanto
caminhava pelo hall. “Você acha que ele vai ver algo de que não
gosta, fechar as pernas e ir embora, sem dormir conosco?”.
“Não sei”, disse Jude, mas eu já estava muito longe para ouvir
mais alguma coisa.
Michelle estava na casa do Phil a semana toda, e eu não
queria ir para nosso apartamento grande e vazio sozinha naquela
noite. Em vez disso, fui até a Rua Califórnia e escolhi uma cafeteria
para me sentar com meu laptop no quarteirão ao lado do prédio
onde Owen morava. Abri meu computador, selecionei sua rede sem
fio e executei um protocolo simples para checar vulnerabilidades.
Tentei invadir a rede por duas horas, sem sucesso. Minha
última proeza tinha assustado Owen, porque seu sistema doméstico
estava trancado a sete chaves. Até seus eletrodomésticos
inteligentes tinham sido atualizados manualmente com um novo
firmware. Não consegui achar um único ponto de entrada.
“É GUIF, porra”, murmurei, irritada. Eu não gostava da ideia de
falhar tantas vezes no mesmo dia. Guardei meu laptop e saí da
cafeteria. Enquanto eu caminhava pela rua na direção oposta à do
prédio de Owen, os cabelos da minha nuca de repente se
arrepiaram. Eu parei e olhei para o prédio. Inclinado sobre o
parapeito da sua cobertura, segurando uma taça de vinho em uma
mão, estava Owen. Sua outra mão acariciava o gato laranja parado
ao lado dele.
Eu não podia vê-lo bem, mas eu sabia que ele estava sorrindo
feito um idiota. Levantei meu dedo do meio na sua direção e
continuei andando.
20

Amber

Eu ainda não queria voltar sozinha para o meu apartamento


vazio e sabia que não conseguiria dormir de tão puta que eu estava,
então decidi voltar para o escritório. Eram nove da noite, e todo
mundo tinha ido embora. Do jeito que eu gostava. Uma casa vazia
me lembrava da sensação depois que meu pai morreu, mas um
escritório vazio? Para mim, era um tipo diferente de paz.
Porém, quando subi as escadas, me dei conta de que o prédio
não estava vazio.
Jude fez uma careta, quando bati na sua porta aberta.
“Desculpa, não queria te surpreender.”, me expliquei.
Ele sorriu, quando viu que era eu, e respondeu: “Eu estava tão
concentrado no trabalho que não tinha te visto”.
“Você está trabalhando em algum dos códigos?”, perguntei,
esperançosa. Eu queria aproveitar a oportunidade, me juntar a ele
para pensarmos juntos novamente e nos perder no trabalho
metódico, mas criativo da programação.
“Contrato”, ele respondeu, suspirando pesado. “Para o
financiamento. Os advogados são bons e escreveram a maior parte,
mas algumas estipulações técnicas estão fora do alcance deles”.
“Isso não pode esperar até amanhã? Pensei que o contrato
não seria assinado nas próximas uma ou duas semanas”.
“Se eu adiar, significa que vou adiar as outras setecentas
coisas na minha lista de afazeres”. Jude me deu um sorriso triste e
aborrecido. “Esse é um pequeno problema, quando você é seu
próprio chefe. Você não pode simplesmente escolher seu horário,
porque, na verdade, você nunca para de trabalhar”.
“Entendo perfeitamente. Eu passava cerca de vinte horas por
dia na frente do meu computador quando estávamos no auge do
desenvolvimento da ArgoCoin”.
Jude inclinou sua cabeça. “Está tarde para você estar aqui. Se
esqueceu de alguma coisa?”.
“Não”, eu disse, tentando soar casual. “Não consegui dormir.
Então, pensei em começar a integração da blockchain paralela
Stellar. Vai ser difícil tentar entender alguns detalhes”.
“Você está falando sobre o algoritmo de verificação de token?”.
Jude esticou o braço na direção do quadro branco e pegou uma
nota adesiva roxa. Segurando-a em uma mão, ele disse: “Tenho
algumas ideias sobre como proceder, se você tiver tempo”.
“Eu adoraria!”, eu disse. “Mas você não precisa finalizar a
revisão do contrato?”.
“Bom, como você sugeriu: isso pode esperar. Prefiro deitar e
rolar nos códigos com você”.
“Uau, pelo menos me pague uma bebida antes!”, brinquei.
O sorriso de Jude desapareceu e suas bochechas ficaram
carmim. “Eu não quis dizer …”.
Merda. Agora ele vai ficar todo estranho de novo.
“Eu sei, eu sei …”, eu disse. “É brincadeira. Meu mecanismo
de defesa: lidar com o assunto de cabeça erguida, ao invés de fingir
que não aconteceu. Porém, se vamos trabalhar juntos, você não
pode simplesmente ficar vermelho toda vez que isso acontecer!”.
Jude se levantou da cadeira. “Pois eu acho que evitar certos
assuntos dá muito certo”.
Revirei os olhos e me aproximei dele. “Isso é estupidez. Não
precisamos pisar em ovos. Somos dois adultos. Nos beijamos. E foi
um beijo ótimo”.
Ele piscou, surpreso.
“Já foi”, eu disse. “Não podemos mudar o que passou. Mas se
não vai acontecer nunca mais de novo, precisamos aceitar e seguir
em frente. E minha forma de seguir em frente é fazendo piadas. É
assim que eu funciono. Mas parece que você está apenas
reprimindo tudo. Me ajuda aí, Jude. Vamos lidar com isso juntos.
Você pode rir quando eu fizer essas piadas, assim podemos (os
dois) superar o beijo e seguir em frente?”.
O rosto de Jude virou uma máscara imóvel, iluminada pelo
brilho dos monitores. A luz forte acentuava os traços do seu rosto: o
nariz bonitinho, os lábios carnudos, as maçãs do rosto pontiagudas
o suficiente para cortar pão. Ele piscou, e sua boca se moveu, como
se ele quisesse dizer algo, mas não soubesse como.
“Fala”, insisti. “Seja lá o que você estiver pensando, vamos
lidar com isso de uma vez e começar a trabalhar”.
“Não”, ele respondeu. Seu tom foi tão enfático, tão emotivo,
que fiquei surpresa. “Não quero seguir em frente, Amber”.
“Então o quê …”.
Parei de falar, quando ele agarrou meu rosto com as duas
mãos e me beijou.
O beijo foi tão apaixonado quanto o primeiro, mas meu cérebro
estava mais preparado dessa vez. Me inclinei sobre ele com desejo,
meu corpo acordando a cada toque, da mesma forma que na
semana anterior, no mesmo exato escritório. Abri a boca, e a língua
de Jude escorregou para dentro faminta, desesperada, e ele me
segurou, como se não quisesse me deixar sair dali nunca.
De repente, ele parou e me afastou, exatamente como da
primeira vez. Seu peito arfava, e eu pude admirar sua aparência. As
mangas da camisa dobradas para cima, os antebraços expostos,
sua calça perfeitamente adaptada ao seu corpo, mostrando sua
forma esbelta. Jude era bonito, lindo, sexy … de uma forma
perfeitamente nerd – e ele nem se dava conta, o que obviamente
fazia tudo ficar ainda mais tentador. Ele correu uma mão pelo cabelo
loiro-areia, enquanto recuperava o fôlego, procurando meus olhos,
esperando uma reação.
Então, eu vi a hesitação de novo. Como na primeira vez. O
impulso de agarrar o laptop e fugir da sala, fugir de mim, porque não
podíamos estar fazendo aquilo.
Foda-se, disse o diabinho no meu ombro. Foi por isso que você
veio para o escritório agora, de verdade. Não o deixe fugir desta
vez.
“Bem?”, perguntei, também arfando. “Isso é tudo?”.
A relutância sumiu do seu olhar e foi substituída por
determinação irrepreensível. Jude me agarrou pelos braços, me
virou e me jogou contra a parede perto do quadro branco, me
beijando novamente, desta vez com seu corpo todo, todo aquele
calor e força pressionados contra mim. Minha língua se juntou à
sua, faminta, e o beijo ficou mais intenso, nossas mãos começaram
a passear pelos nossos corpos, nosso corpo estava pegando fogo,
com desejo, e seu beijo era tão intoxicante, tão arrebatador, que eu
só estava vagamente consciente de outros detalhes.
Sua camisa branca bem engomada.
Seus dedos entrelaçando meu cabelo.
O tecido suave da sua calça.
O volume quente do que estava sob ela, pressionando minha
perna.
Viramos um emaranhado de braços, dedos e línguas,
esbarrando nas canetas que estavam no quadro branco sem nos
importar nem um pouco. Os dedos de Jude estavam desabotoando
minha calça jeans o suficiente para ele enfiar a mão. Não havia
sequer um sinal daquele garoto nerd tímido do outro dia, quando ele
parou os dedos na borda da minha calcinha antes de descer mais.
Me afastei do beijo, inclinando a cabeça para trás, gemendo no
seu escritório vazio, enquanto seus dedos corriam pelo meu clitóris
e se curvavam dentro de mim. Eu não tinha me dado conta do tanto
que eu queria aquilo. Do tanto que eu o queria. Até aquele
momento. Mas, então, a necessidade tomou conta, de forma que eu
não pude entender como foi que consegui ignorar por tanto tempo.
Enquanto pulsações de prazer se espalhavam pelo meu corpo,
causadas pelos seus dedos, desci minha mão até o volume cada
vez maior na frente da sua calça. Ele gemeu profundamente com o
toque mais suave, e o som era tão puro e intoxicante que eu nem ao
menos me preocupei em abrir o zíper, eu o segurei através do
tecido, apreciando sua grossura, enquanto o acariciava. De repente,
seus dedos estavam se contorcendo e bombeando minha boceta,
ao mesmo tempo que eu o masturbava, e nós entramos no ritmo
erótico, enquanto nossas línguas dançavam.
“O sofá”, Jude murmurou na minha boca.
Sacudi a cabeça. “Não temos tempo”. Me sentei na sua cadeira
ergonômica e tirei a blusa pela cabeça, arrancando o sutiã junto.
Jude parou para devorar a visão dos meus peitos nus, com mais
sede surgindo nos seus olhos azuis. Aquilo me fez arrepiar,
enquanto ele tirava minha calça pelas minhas pernas. Então, ele se
inclinou para me beijar e eu, apressadamente, desabotoei sua
camisa, arrancando-a do seu corpo e agarrando imediatamente a
camiseta de baixo, para tirá-la pela sua cabeça.
Jude era esbelto, mas longe de ser magricela. Seus músculos
eram muito mais definidos do que eu esperava para um nerd
programador. Sardas cobriam seus ombros e braços, como gotas de
tinta marrom e douradas. Cada curva e fenda do seu corpo definido
era realçada pela luz forte dos monitores do computador.
Seus músculos se flexionaram, quando ele agarrou minha
calcinha, tirando-a do meu corpo e jogando-a longe. Eu esperava
que ele fosse tirar a calça e se juntar a mim no mundo mágico dos
pelados, mas ele se ajoelhou na minha frente, segurando um dos
meus peitos, beijando-o gentilmente em volta do mamilo, antes de
dar uma longa lambida.
Meu corpo se arqueou em direção a ele. Meus mamilos eram
sensíveis, mas aquela grande quantidade de estímulo estava
fazendo meu corpo pinicar de prazer. Do peito até o meio das
pernas. Corri minhas mãos pelos seus ombros e agarrei suas
costas, enquanto ele chupava meu mamilo, mas então ele começou
a se abaixar.
“O que você está fazendo?”, perguntei. Eu não gostava
daquela proximidade com as minhas partes baixas. Era uma
vulnerabilidade estranha. Ou, pelo menos, nada de sexo oral na
primeira vez.
Ele beijou meu umbigo e disse com a voz profunda: “Quero te
provar”.
“Eu quero você!”, eu disse, agarrando uma mecha do seu
cabelo e levantando seu rosto para beijá-lo novamente. Então,
escorreguei meu corpo da cadeira, puxando-o para baixo e
removendo sua calça.
Cueca boxer, pensei. Achei que ele fosse do tipo samba-
canção.
Então, removi-a também, sem nenhuma sedução lenta, muito
pelo contrário, com rapidez desejosa! Jude me olhou com o mesmo
desejo, enquanto eu me sentei no seu colo na cadeira,
perscrutando-o perfeitamente. Estiquei a mão e agarrei seu pau,
que pulou quando eu o toquei, e o posicionei entre meus grandes
lábios.
“Amber”, Jude disse de repente. “Preciso dizer uma coisa …”.
“Não ouse mudar de ideia agora”, eu o alertei. “Seu pau está
literalmente quase dentro de mim!”.
“Não é isso”, ele comprimiu os lábios carnudos, como se
estivesse tentando não rir. “Preciso te dizer … eu sou … eu sou fã
de Guerra nas Estrelas. Nunca nem vi Jornada nas Estrelas”.
Gargalhei em choque. “Sério? É isso que você precisa me
dizer, tipo, agora?”.
“Achei que você gostava de usar humor como mecanismo de
defesa”. O sorriso de Jude finalmente invadiu seu rosto com a
própria piada. Naquele momento, usando minhas palavras contra
mim, ele estava mais sexy do que nunca.
“Ah, mas você vai me pagar por isso”. A cabeça do seu pau
estava firmemente entre meus grandes lábios e eu soltei meu peso
com rapidez, me empalando com a sua vara.
Gememos juntos, enquanto ele me preenchia, em um dueto de
êxtase momentâneo. Seu sorriso virou choque e admiração, quando
ele me olhou, como se estivesse me vendo pela primeira vez.
Ele é meu chefe. O pensamento invadiu minha mente. E trouxe
consigo um senso de preocupação, mas naquele momento, me
excitou. Era a quantidade perfeita de travessura. De proibição.
Eu não era do tipo que dormia com o chefe, mas naquele
momento eu tinha certeza absoluta de que era quem eu queria ser.
As mãos de Jude correram pelas minhas pernas e pela minha
cintura, quando comecei a me mover em cima dele. Subindo e
descendo na cadeira, ele me preenchia, sua dureza pressionava
cada centímetro das minhas paredes internas, me fazendo querer
aumentar a velocidade. Acelerar antes que um de nós
enlouquecesse. Mas eu também queria saborear o momento, então
me segurei.
Jude se ergueu para enfiar a língua na minha boca em um
beijo profundo. Eu fiquei sem ar, quando ele se afastou e mergulhou
para apertar e beijar meus peitos. Arqueei as costas, enquanto ele
me venerava com a sua boca, a língua contornando um mamilo, e
então o outro, os lábios roçando minha pele e fazendo meu corpo
todo se arrepiar.
“O seu gosto é muito bom”, ele gemeu no meu peito.
Tentei responder que o dele também, mas só consegui
suspirar. Comecei a me mover mais rápido, deixando o prazer guiar
o movimento do meu quadril, desejando-a cada vez mais a cada
estocada.
De repente, eu estava no ar, porque Jude ficou de pé, me
segurando pelas coxas com uma força surpreendente. Gemi alto,
quando ele me deitou de costas no tampo da sua mesa. O telefone
e um porta-canetas caíram no chão no processo da nossa luxúria
frenética.
Jude se inclinou sobre mim, todo lindo e gostoso, e o desejo
nos seus olhos azuis-safira era o suficiente para me deixar sem ar.
Todo o resto desapareceu. Éramos só Jude Cauthon, o cara
bilionário da TI, lindo, que eu tinha conhecido no bar, e eu. E seu
pau, afundando-se cada vez mais profundamente em mim, com a
precisão de que eu precisava. Então Jude me agarrou, como quem
estava se afundando.
“Amber”, ele gemeu, com a voz tensa. “Ai, Amber …”.
Enrolei minhas pernas ao redor dele enquanto ele me fodia, e
nós dois nos perdemos nos movimentos irracionais dos nossos
corpos.
21

Jude

Não sei o que deu em mim. Tudo na Amber naquele dia no


meu escritório … seu cabelo escuro formando uma cortina em volta
do seu rosto em formato de coração, seus olhos me encarando
ansiosos … eu não pude me conter.
E quando eu estava segurando suas coxas com força, me
enfiando o mais profundamente que eu podia dentro dela, fiquei
feliz.
Sem fôlego e suados, nós dois fomos para o sofá, relaxar.
Aquela mesma cortina de cabelos agora estava espalhada pelo meu
peito e a bochecha quente de Amber estava na minha barriga. Sua
cabeça subia e descia a cada respiração minha, com um peso
satisfatório sobre meu corpo.
“De onde você é?”, ela perguntou de repente.
“Virgínia. Uma área próxima de Richmond”.
Senti seu rosto se contorcer numa careta sobre a minha pele.
“Então por que Owen te chama de Boston?”.
Apontei para a parede. Os olhos de Amber se voltaram para o
diploma que estava pendurado. “Me formei pelo MIT”.
“É isso?”, ela perguntou. “Não é porque você tem um sotaque
forte de Boston ou algo assim?”.
“Owen não é o cara mais criativo do mundo. Quando me mudei
para San Jose e me inscrevi para o seu projeto de criptomoeda, foi
meu diploma do MIT que fez com que ele me considerasse para a
posição. Então, meio que me destaquei por isso”.
“E ele estudou onde?”, ela perguntou.
“Na estadual de San Diego”, respondi. “Mas só por três anos.
Ele desistiu, porque ele queria trabalhar no que achava que seria a
próxima inovação tecnológica”.
“PayScale?”.
Corri meus dedos pelo cabelo dela, saboreando a experiência.
“Não. Outra coisa. Não me lembro do nome. Foi um fiasco. Assim
como o projeto seguinte. Só então ele pensou no PayScale, e o
resto é história”.
“Um desistente”, ela ponderou. “Faz sentido. Só um cara
convencido feito ele poderia pensar em abandonar a faculdade e
ainda assim ser bem-sucedido”.
“Como eu disse: ele é realmente esperto. E bem-sucedido,
obviamente”. Encarei a costura do sofá de couro. “E se ele não
tivesse desistido, provavelmente nunca nos teríamos conhecido, e
minha vida seria bem diferente”.
Amber se virou para me olhar. “Eu não quero pensar nele.
Quero pensar em você. E nisso que acabamos de fazer”.
Ela roçou os lábios nos meus, com suavidade, explorando.
Corri meu polegar pela sua bochecha me perguntando como é que
eu podia ser tão sortudo …
“Falando nisso …”, eu comecei. “Você pareceu tensa, quando
eu comecei a … você sabe. Na cadeira”.
Senti que ela ficou ainda mais tensa. “Ah …”.
“Não é importante”, eu disse. “Só não sabia se você achava
que eu ia mandar mal ou …”.
“Não!”, ela respondeu rapidamente. “Não é você, sou eu. Eu
não gosto de sexo oral. Eu prefiro a coisa de verdade”. Seu corpo se
escorregou sobre o meu, fazendo me agitar novamente. “E a coisa
de verdade? Foi muito, muito boa”.
Eu sorri de volta para ela. Obviamente, eu tinha gostado o
mesmo tanto que ela, talvez até mais. Eu ainda conseguia me
lembrar da sensação de estar dentro dela. Da forma como ela
gemeu e se apertou em torno da minha vara, enquanto eu ia fundo

“Nada mal para uma primeira semana de trabalho, hein?”, ela
disse.
As memórias desapareceram todas de uma vez, e a culpa me
invadiu. Amber era minha funcionária. Eu tinha poder sobre ela.
Aquilo desequilibrava tudo o que tínhamos feito.
E se alguém descobrisse …
“Para”, ela disse.
Fiquei confuso. “Parar o quê?”.
“De ter esses pensamentos”. Ela espetou o dedo na minha
testa. “Eu posso ver a engrenagem aí dentro, como um relógio de
parede antigo. Você está preocupado, porque não deveríamos ter
feito isso, mesmo que você realmente queira isso”.
“Amber, se alguém descobrir …”.
“Não vou contar a ninguém”, ela insistiu. “Você vai?”.
“Não, mas se …”.
“Sim, sim”. Ela me deu uma beijoca. “Você parece um disco
arranhado”. Outro beijo. “Vou continuar te beijando …”. Outro. “Até
você calar a boca e não falar mais no assunto”.
“Seus beijos são bem convincentes”, eu disse.
“Que bom. Porque isso foi bom, Jude. E demoramos muito a
fazer, desde que nos conhecemos no bar”.
“Foi a menos de uma semana”.
“Exatamente! Tempo demais. Nós temos química. Quero
continuar fazendo isso. É um benefício adicional muito melhor do
que aquela academia do primeiro andar que eu nunca vou usar”.
Eu sabia que deveria protestar mais. Insistir que aquilo deveria
acabar ali. Remover aquilo do sistema e manter uma relação
estritamente profissional. Mas com ela ali, meio deitada sobre o meu
corpo, com os peitos quentes e macios espalhados no meu peito,
encarando-me pelos seus grandes cílios? Eu teria concordado com
qualquer coisa que ela dissesse.
“É esse o olhar que eu queria ver”, ela disse, escorregando a
mão pela minha coxa.
E quando seus dedos se enrolaram em volta do meu pau, e ela
começou a estocar, me esqueci de todas as ressalvas.

Cheguei ao trabalho cedo no dia seguinte. Era provavelmente


minha imaginação, mas achei que dava para sentir o cheiro de sexo
no meu escritório, misturado com o xampu floral de Amber. O cheiro
acendeu todas as memórias da noite anterior, e eu senti meu
membro ficar duro dentro da calça.
“Que bom que você chegou”, Owen disse, enquanto
caminhava pelo hall com seu laptop na mão. “Temos alguns
detalhes para discutir a respeito do investimento”.
Ele puxou uma cadeira e leu todas as especificidades, uma por
uma, como Amber tinha feito no dia anterior. O contexto diferente
não fez nada para dissipar Amber da minha cabeça, e eu só acenei
enquanto Owen falava e dei algumas opiniões sobre pontos
específicos.
“Vou ter que discordar de você neste ponto”, eu disse, quando
chegamos ao último item. “Você é melhor nisso do que eu. Eu gosto
de programar e pronto”.
“Não tem nada de errado em ser o macaquinho dos códigos”.
Um barulho no topo da escada chamou nossa atenção. Amber
tinha chegado e estava caminhando para a sua sala. Ela acenou
para nós, compartilhando um sorriso secreto comigo antes de
desaparecer pela porta ao lado.
Owen voltou a olhar para mim. “Vocês dois parecem estar se
dando bem, Boston”.
“Sim, claro, acho que sim.”, me engasguei. Será que ele
conseguia sentir o cheiro de sexo na sala? “Ela é uma funcionária
capacitada”.
Owen apertou os olhos na minha direção. “Você tem uma
queda por ela. Não tem?”.
“Eu … não. Não mesmo. Ela trabalha para mim. Sou o chefe
dela. Nos damos bem, e é isso”.
“Você quer dizer que vocês dois não têm flertado um com o
outro como dois adolescentes nerds, desde que ela chegou?”.
“Você está imaginando coisas”, respondi. Fiquei feliz por minha
voz ter saído tão firme. “Somos colegas de trabalho. É isso”.
Owen assentiu, fingindo concordar. Então, ele disse: “Bom, o
negócio é que eu estava revendo as filmagens das câmeras de
segurança daquele dia no terraço. Antes do Sr. Rossi e eu
chegarmos lá, você estava no bar. Conversando com ela.
“Você já sabia disso”, eu disse, mas meu estômago se revirou.
“O que eu não sabia era que vocês dois foram muito amistosos
um com o outro”, Owen disse. Seus olhos verdes brilhavam da
mesma forma que acontecia, quando ele estava dando uma palestra
e mandando muito bem. “Vocês não estavam só papeando um
pouquinho. Vocês ficaram lá pelo menos quinze minutos. Tempo o
suficiente para ela te comprar uma bebida. E vocês dois estavam
dando todos os tipos de sinais”.
“Sinais?”.
“Não se faça de besta, amigo. Eu te conheço muito bem para
isso. Ela estava se inclinando na sua direção, mostrando o decote.
Tocando o cabelo o tempo todo. E, então, ela tocou você. Tirou sua
gravata, dobrou suas mangas”.
“Não posso fazer nada, se uma garota flerta comigo em um
bar”, falei, mas Owen já estava respondendo.
“Você tem se vestido da mesma forma desde então”, ele
pontuou. “Por exemplo, agora mesmo. Sem gravata. Desabotoada
no colarinho. Mangas dobradas. Antes da semana passada, você
insistia em vir de terno para o escritório. De repente você virou o
João Fashionista. Admita. Você gosta dela”.
Minhas bochechas ficaram quentes. Me senti um coelho preso
em uma armadilha … até que me dei conta do que seu comentário
implicava. Ele achava que eu gostava dela.
O que significava que ele não sabia que tínhamos transado.
“Ok”, admiti. “Eu meio que gosto dela”.
Owen bateu uma única palma. “Bingo!”.
“Espera um minuto …”, eu comecei. “Por que você estava
olhando as imagens de segurança?”.
Owen era mais sutil do que eu. Sempre tinha sido. Mas ele
tinha umas falhas. Toda vez que ele dizia ‘honestamente’, ele estava
escondendo alguma coisa.
“Honestamente”, ele disse. “Eu estava olhando as imagens
para me certificar de que eu não tinha sido um cuzão naquela noite.
Especialmente perto do Sr. Rossi. Então, assisti à gravação para ver
se eu poderia ter feito algo diferente. Sabe? Para neutralizar a
situação …”.
Observei meu amigo por um momento. O que ele estava
escondendo? Eu não queria perguntar, porque ele encontraria uma
desculpa escorregadia. Porém, ele definitivamente estava
escondendo algo de mim.
E eu imaginava o que era.
“Não importa, porque ela trabalha para nós”, eu disse. “Ela
trabalha para mim. Então, tudo o que podemos fazer é flertar”.
Nós fizemos mais do que só flertar naquela noite, pensei,
enquanto Owen saía do meu escritório. E eu quero fazer muito mais
com ela.
22

Amber

Tentei agir normalmente, quando entrei no escritório. Eu disse


oi para Melinda e falei sobre as entrevistas que teríamos naquele
dia. Quando passei por Dave, perguntei se a promoção da Steam já
tinha começado, e quais jogos ele estava pretendendo comprar.
Nancy estava ouvindo música e digitando no teclado, então eu
apenas acenei amigavelmente e subi as escadas.
Mas foi impossível para mim agir normalmente, quando vi
Jude. Ele estava dentro da sua sala com o Owen, os dois estavam
discutindo alguma coisa com os laptops juntos. Ver seu rosto de
garoto e seu cabelo loiro-areia me fez imediatamente abrir um
sorriso.
E quando ele sorriu de volta, me aqueceu e a sensação me
acompanhou pelo resto da manhã.
Enquanto eu colocava minha cabeça no lugar para começar a
trabalhar, pensei na última vez que eu tinha dormido com alguém.
Tinha sido uns seis meses antes, perto do Dia de Ação de Graças.
Nos conhecemos em um bar de jogos de tabuleiro, em San Mateo,
chamado Teoria de Jogos. Eu o levei para casa, depois de acabar
com ele no Catan. Porém, ele acabou sendo melhor no jogo do que
na cama, e toda a experiência me deixou aborrecida e insatisfeita.
Mas na noite anterior, naquela sala ali do meu lado? Foi
satisfatório o suficiente para mais seis meses.
Melhor não demorar isso tudo. Se dependesse de mim, o
repeteco seria naquela noite mesmo, na minha sala.
Passei algumas horas programando, então encontrei Melinda
no andar de baixo para entrevistar mais candidatos. Das quatro
pessoas, dois homens eram extremamente qualificados. E,
coincidentemente, os dois se chamavam Will. Melinda disse que
prepararia a papelada para as propostas, assim, fui até a cozinha
pegar um sanduíche e voltei à minha sala para continuar
trabalhando.
E mais uma vez, Jude sorriu para mim secretamente, quando
entrei no meu escritório.
Entrei em um bom ritmo com o trabalho, parando só para usar
o banheiro e pegar mais energético na cozinha. Melinda saiu às
quatro, porque tinha uma consulta médica. Me despedi dela e
continuei trabalhando.
Um pouco depois daquilo, Owen atravessou o hall para falar
com Jude. Na volta, ele parou e acenou para mim sarcasticamente.
Fiz uma cara para ele que só o fez rir ainda mais.
Terminei a função na qual eu estava trabalhando e, então,
reabri o documento que eu tinha criado, intitulado Como me vingar
de Owen. Eu não tinha esquecido da forma como ele tinha invadido
meu computador doméstico e destruído meu celular. Mesmo que
tivesse custado seiscentas pratas para substituir, o dinheiro não era
minha principal motivação. Eu me importava mais com o fato de um
cara feito Owen ter se dado bem em cima de mim.
Aquilo simplesmente era inaceitável.
Parte de mim se perguntou por que eu estava tão obcecada
por ele. Nossa rivalidade tinha ido além do que tinha acontecido no
aniversário da minha irmã.
Eu queria tirar aquele sorriso presunçoso da cara dele.
Daquela cara bem esculpida, charmosa e linda.
Chacoalhei minha cabeça. O que eu estava pensando? Ok, ele
era bonito, o suficiente para me distrair toda vez que ele entrava no
meu escritório. Mas eu podia dizer aquilo, já que não estava
ativamente atraída por ele, certo?
Só quero me vingar, eu pensei comigo mesma. É a única razão
pela qual estou obcecada por ele.
Mesmo depois de uma hora tentando, eu ainda estava longe
de conseguir acessar seus dispositivos. Tudo estava bloqueado com
segurança, porque é claro que ele sabia que eu tentaria alguma
coisa. É fácil defender um forte, quando você sabe que o inimigo
está vindo.
Todavia, eu tinha uma carta na manga. Quando invadi sua rede
doméstica, encontrei informações preciosas em um dos seus
servidores de microfone. Seu endereço de e-mail pessoal e senha
visíveis, gloriosamente sem criptografia nenhuma.
Eu não queria abusar daquilo. Certamente, eu já tinha invadido
a rede do seu apartamento, e ele ganhou acesso ao meu
computador doméstico pelo meu iPhone. E a meta em ambas as
situações era zoar um com o outro. Era tudo atitude, tipo marombas
na academia flexionando os bíceps para mostrar quem é mais forte.
Acessar seu e-mail pessoal seria como cruzar uma linha
diferente. Era uma violação mais severa do que simplesmente fazer
as luzes do apartamento piscarem e trancar Owen no closet. Eu
estava relutante em fazer.
Felizmente, eu tinha uma forma de usar aquele acesso sem
abusar da privacidade dele.
Eu tinha escrito seu e-mail e senha, então, comecei a tentar
várias plataformas de mídias sociais. Twitter, Instagram, Facebook.
Infelizmente, a combinação não funcionou em nenhum deles. Owen
era inteligente o suficiente para usar uma senha diferente para cada
conta que ele tinha. Aquilo dificultava as coisas.
Isso quer dizer que vai ser ainda mais satisfatório, quando eu
conseguir pegá-lo.
Uma ideia surgiu na minha cabeça, ela era pequena, sutil,
brilhante. Porém, para funcionar, eu precisava que Owen estivesse
longe do seu celular.
Peguei meu computador de trabalho e esperei. Terminei uma
tarefa, duas … Owen não saiu da sala nem uma única vez.
Tampouco entrou em nenhuma chamada ou conferência. O que ele
estava fazendo?
Fui ficando impaciente. Abri o bate-papo da empresa e falei
com ele:

Moltisanti, Amber: Oi, posso falar com você por um segundo?


March, Owen: Estou ocupado.
Moltisanti, Amber: É só um segundo.
March, Owen: Minha porta está sempre aberta.
Figurativamente. Literalmente, está fechada no momento.
Moltisanti, Amber: Preciso que você venha aqui.
March, Owen: Para você poder invadir meu escritório e brincar
com as minhas coisas? Sem chance.
Moltisanti, Amber: Não seja idiota. Apenas venha aqui.

Ouvi a porta do seu escritório se abrir e, então, fechar-se. Dez


longos segundos depois – eu contei – ele apareceu na minha porta.
“Tranquei meu escritório para o caso de você estar tentando
forçar seus viruzinhos no meu sistema. Então, o que é tão
importante?”.
Demorei um segundo olhando para ele de cima a baixo. Ele
estava usando tênis pretos e laranjas, estilo retrô. A camiseta lisa
cinza também fazia a roupa parecer simples e barata, mas a forma
como ela abraçava seu corpo mostrava a qualidade. Talvez tenha
sido feita sob medida para ele. Os jeans de marca eram super
certos, caiam muito bem nele. E era óbvio que não havia nada nos
seus bolsos.
Que bom.
“E então?”, ele demandou. “O que foi?”.
“Eu queria que você soubesse que…”, me forcei a engolir.
“Você me pegou com o seu truque. Meu celular e minha rede
doméstica. Eu estava errada sobre você. Odeio admitir, mas você
sabe o que está fazendo”.
Surpresa brilhou nos seus olhos verdes. Desconfiança por um
momento, mas depois seu olhar ficou mais suave. Eu devo ter sido
bem convincente.
“Valeu”, ele disse. “Eu não queria que isso virasse um concurso
de aborrecimentos, mas eu não sou só um testa de ferro. Eu já
coloquei muito a mão na massa”.
Compartilhamos um momento longo de apreciação.
“Era tudo o que eu queria dizer”, concluí. “Você ainda é um
cuzão por ter nos expulsado do Marcello’s, mas pelo menos você é
um programador legítimo”.
Ele acenou, parecendo que queria dizer algo mais, e então se
virou.
No momento em que ele se virou, eu me virei para o meu
teclado rapidamente. Eu só tinha dez segundos, antes de ele voltar
para o seu escritório.
Onde seu telefone estava.
Eu já tinha aberto o LinkedIn no navegador. Assim, tudo o que
eu tinha que fazer era clicar em “Recuperar senha”, colar seu
endereço de e-mail e apertar enter.

“Um link de recuperação de senha foi enviado para o seu


e-mail …”

Alterei a janela e eu já tinha seu e-mail aberto. Normalmente,


não era possível fazer login do e-mail em um segundo dispositivo,
mas como estávamos na mesma rede interna, o fator de
autenticação em duas etapas não foi necessário. Instantaneamente,
o e-mail para a recuperação da sua senha apareceu. Eu abri, cliquei
no link dentro e, então, rapidamente deletei o e-mail e fechei a
janela.
Fiquei tensa, esperando como um gato se escondendo de um
lobo. Com sorte, a notificação apareceu na tela do celular dele e
então desapareceu, antes que ele pudesse voltar para a sala. No
entanto, se ele viu a luz do celular se acender …
Contei até sessenta antes de relaxar. Então, voltei para a
janela de redefinição de senha que eu tinha aberto mais cedo.
Mudei a senha para algo engraçado (rindo para mim mesma
enquanto digitava) e BUM, eu tinha acesso ao perfil no LinkedIn de
Owen March.
Havia pelo menos mil formas de disseminar o caos naquela
plataforma. Encarei a tela e considerei minhas opções por dez
minutos, antes de decidir a melhor forma de pregar uma peça nele.
Depois de alterar seu perfil, fiz logout e apaguei tudo do histórico do
meu navegador.
Owen entrou na minha sala um pouco depois. Meu coração
acelerou, quando ele enfiou a cabeça pela porta. Será que ele sabia
o que eu tinha feito? Será que ele tinha descoberto tão rápido? Eu
esperava que ele fosse demorar dias.
“Sim?”, perguntei, meu coração pulando na têmpora.
“Eu só queria te falar uma coisa sobre o aniversário”. Seu rosto
lindo estava impávido, quando ele disse as palavras. “Talvez eu
devesse ter pegado mais leve. No próximo ano, vocês estão
convidadas para celebrar lá na cobertura, sem pagar nada”.
Seu pedido de desculpa me surpreendeu. Eu não soube o que
dizer, então, só agradeci. Ele acenou, então saiu. Sua sinceridade
quase me fez me arrepender do que eu fiz.
Quase.
Depois de um minuto que Owen saiu, Jude me mandou uma
mensagem.

Cauthon, Jude: Market Street, 1402.


Eu ainda estava intrigada com a mensagem, quando ouvi sua
porta bater. Jude pendurou seu laptop no ombro, acenou
educadamente e, então, desceu as escadas.
Quando pesquisei o endereço, me dei conta do que ele estava
falando. Era um arranha-céu. E eu sorri.
Me levantei e saí, cinco minutos depois, esperando que fosse
tempo o suficiente e que ninguém suspeitaria. Nancy era a única
que ainda estava trabalhando, então parei e falei com ela antes de
sair.
“Tudo o que eu revisei está impecável”, eu disse, quando ela
perguntou sobre seus códigos. “Você está fazendo um ótimo
trabalho”.
Ela suspirou aliviada. “Que bom ouvir isso. Você nunca sabe,
quando começa algo novo!”. Ela se inclinou para a frente, olhando
ao redor, para se certificar de que estávamos sozinhas. “Ouvi dizer
que um grande investidor tem preocupado todo mundo …”.
“É, um italiano cheio do dinheiro …”, respondi. “Eles vão
assinar o contrato em uma semana ou duas. O acordo é que tudo
esteja consolidado até lá”.
“Quem é ele?”, ela perguntou. “Ouvi dizer que este tipo de
investidor costuma invadir o lugar e fazer o que quer … eu odiaria
que algo mudasse logo agora que eu peguei o jeito …”.
“Não precisa se preocupar”, eu disse. “Ouvi dizer que é um
herdeiro da Itália. Provavelmente velho, não deve saber nada de
tecnologia. Geralmente, esses caras têm mais dinheiro do que bom
senso”.
Andei dois quarteirões até a estação de bonde e peguei um
para cruzar a cidade. O endereço me levou a um arranha-céu
enorme e moderno, adjacente a um jardim sobre uma ponte. Tive
que tombar a cabeça para trás para ver o topo da torre.
“Posso ajudar?”, perguntou um porteiro vestido de cinza e azul.
“Hm … talvez. Não tenho certeza. Tenho que encontrar …”.
“Senhorita Moltisanti?”, o porteiro perguntou com um sorriso
largo. “Estão te esperando”, ele abriu a porta e gesticulou. “Os
elevadores são do lado direito. Ele está no décimo-segundo andar.
12C”.
“Obrigada”.
Peguei o elevador até um corredor que era elegante, mas
decorado de forma simples. Bati na porta do 12C. Quando ela se
abriu, ali estava Jude, parado, sorrindo para mim.
“Jeeves te deixou entrar sem problemas?”, ele perguntou.
“Jeeves?”, eu gargalhei. Este é o nome do seu porteiro,
sério?”.
“Não, mas é uma piada entre nós. Entra, entra”.
Entrei no apartamento dele. Era legal, com janelas amplas e
uma vista da cidade, mas não era grande. Vi um único quarto pela
porta da direita, e a sala e a cozinha não eram muito maiores que as
minhas.
“Não parece que um bilionário mora aqui”, eu disse.
Jude deu uma risadinha. “Já falei. Só sou bilionário no papel.
Além disso, qual é o sentido de ter espaço que eu não uso? Assim é
muito mais simples …”.
Eu o segui até a cozinha e não pude evitar de comparar
mentalmente sua casa com a de Owen. Ao todo, não tinha mais do
que noventa metros quadrados. Comparada à cobertura do outro
homem, aquele apartamento era bem humilde.
E aquilo só me fez gostar mais do Jude.
“Posso te oferecer algo para beber?”, ele perguntou, abrindo a
geladeira. Parecia o mesmo modelo que eu tinha em casa. “Tenho
uísque Seven Crown e 7-Up, se você quiser um Dois Sete”.
“Sério?”, perguntei. “Você gostou tanto assim?”.
“O que posso dizer? Aquela noite me causou uma boa
impressão”. Ele me deu um sorriso juvenil. “Mais do que uma”.
“Eu adoraria um drinque”, eu disse. “Mas não agora. Depois”.
O sorriso de Jude ficou desagradável. “Eu esperava que você
fosse dizer isso”.
Ele me beijou e eu esqueci tudo, o drinque, o trabalho e o pôr
do sol de São Francisco do lado de fora da janela.
23

Amber

Depois da minha primeira semana no trabalho, senti que tinha


alcançado muita coisa. Meu mapa estava ficando mais detalhado a
cada dia. Tarefas se completavam e vagarosamente progredíamos
para objetivos maiores. Senti que estávamos avançando mesmo.
Sem mencionar tudo o que eu e Jude estávamos fazendo.
Como no primeiro fim de semana, trabalhei sábado e domingo.
Ainda havia tanta coisa para fazer … eu não me importava em ir
para o escritório, na verdade. Quando eu trabalhava em um grande
projeto, jogava-me de cabeça. Se eu tentasse ficar em casa,
possivelmente ia pensar no trabalho o tempo todo.
No sábado, o escritório foi parcialmente todo meu. Melinda
estava lá, preparando-se para as entrevistas da semana seguinte,
mas foi embora às duas da tarde. Todavia, no domingo, quando
cheguei, lá por volta das dez, encontrei Jude na sua sala, dedos
voando pelo teclado e fones nos ouvidos.
Dei uma piscadinha amistosa para ele e entrei na minha sala
para trabalhar. Porém, não consegui me concentrar no código na
minha tela por uma hora. Continuei pensando no programador
bonitinho na sala ao lado da minha e em todas as coisas pervertidas
que eu estava fazendo com ele.
Ao meio-dia, percebi que ninguém mais chegaria ao escritório
naquele dia. Me levantei, reuni coragem e fui para a sala de Jude.
Ele tirou os fones dos ouvidos e sorriu.
“Vi que você está trabalhando na função do tempo limite”, ele
disse. “Se precisar de ajuda me avisa. Eu fiz isso muitas vezes
antes e pode ser um trabalho duro”.
Fechei a porta atrás de mim. “A única coisa dura na qual estou
interessada está dentro da sua calça”. Passei na direção dele pela
sala, sentindo-me simultaneamente sexy e tola. Os olhos de Jude se
abriram de curiosidade, quando fiquei de joelho na frente dele e abri
seu zíper.
“Estamos no meio do dia …”, ele sussurrou, mas sem nenhum
movimento tentando me conter.
“Ninguém mais vai chegar”, eu disse, sorrindo.
Escorreguei minhas mãos pela cueca dele e seu pau estava
duro e pronto. Sua pele estava quente, quando eu o puxei para fora,
mantendo meu rosto perto o suficiente para ele poder sentir minha
respiração.
“E se alguém resolver aparecer?”, ele perguntou.
“Melhor eles baterem na porta”.
Os protestos de Jude morreram nos seus lábios, quando
comecei a chupá-lo, e se tornaram suspiros suaves e gemidos
profundos de prazer.
Eu não me considerava uma especialista em boquetes, mas eu
devia estar fazendo algo certo, com base nos sons que Jude estava
fazendo. Parecia que eu mal tinha começado, quando os músculos
das suas coxas ficaram tensos e ele gemeu meu nome, como se
fosse um xingamento. Eu tirei seu pau da boca rapidamente e o
masturbei rapidamente, enquanto ele gozava nos meus dedos.
Me levantei, toquei seus lábios com os meus e disse: “Chega
de safadeza. Agora temos que trabalhar de verdade”. Então saí do
seu escritório, deixando-o sentado na sua cadeira, com o peito
arfando de satisfação.
Enquanto eu lavava as mãos no banheiro, não pude evitar o
sorriso no espelho. Sexo sempre foi uma das coisas que eram
decorrência de um relacionamento, mas não uma parte
superimportante. Entretanto, com Jude, eu me sentia totalmente
diferente. Havia algo naquele homem que me fazia me sentir mais
sexy do que nunca. Estar com ele me fazia querer ser lúdica,
divertida e obscena.
E, apesar das minhas ressalvas iniciais, havia algo
deliciosamente travesso em fazer aquilo com meu chefe. Era um
tabu. Não queríamos que outras pessoas descobrissem. Aquilo fazia
tudo ficar muito mais interessante do que se fosse um cara aleatório
com quem eu estava saindo.
Era mais fácil, porque tínhamos mais ou menos a mesma
idade. Ele não era tipo vinte anos mais velho do que eu. E como
estávamos trabalhando tão perto na primeira semana, parecia que
ele era mais um colega do que meu chefe. Um par.
Na segunda, entrevistamos três outros programadores. Owen
apareceu para as entrevistas, apressado e apertando mãos. Ele foi
educado e respeitoso comigo o tempo todo. Aquilo me fez sorrir
interiormente.
Ele ainda não sabia.
Jude estava preso em reuniões com Owen até tarde durante a
tarde, então saí do escritório sozinha por volta das cinco. Vinte
minutos de trem depois, e eu estava caminhando para a minha
casa.
Michelle estava sentada na mesa da cozinha, rodeada por
livros e seu laptop. Ela olhou por cima da tela, quando entrei pela
porta.
“Por onde você andou?”, ela perguntou.
“Trabalhando”, respondi. “Por onde mais eu andaria?”.
Minha irmã levantou uma sobrancelha. “Você não vem para
casa faz três dias”.
“Trabalhei no fim de semana”, eu disse defensivamente. “Além
disso, como você sabe? Você estava na casa do Phil o fim de
semana todo”.
Michelle se levantou e abriu a geladeira, como se aquilo
provasse seu argumento. Quando eu dei a ela um olhar
questionador, ela disse: “Você não tocou no meu macarrão”.
Hesitei, então respondi: “Eu cozinhei para mim mesma”.
Ela gargalhou, como se fosse uma piada. “Você dormiu no
escritório todos os dias? É o trabalho que tem te mantido tão
ocupada?”.
Peguei o pote de macarrão e me servi de uma porção em um
prato. “Não sou obrigada a trabalhar esse tanto, mas estou
motivada. Até agora, o trabalho é satisfatório. Não fico empolgada
com um projeto assim desde a ArgoCoin”.
“Isso é maravilhoso!”, ela disse. “Você foi uma das primeiras
pessoas que eles contrataram, não foi? Você é a única que tem
ficado lá até tarde, ou você está ocupada junto com eles?”.
Definitivamente junto com ele. Me perguntei brevemente como
ela reagiria, se eu contasse a ela com uma piada assim. Porém, era
um cruzamento que eu não tinha certeza se queria ultrapassar. Eu
tinha que: ou contar a Michelle sobre o que estava acontecendo, ou
eu teria que mentir para ela.

Motivos para contar a Michelle:


1. Nós contávamos tudo uma para a outra.
2. Ela provavelmente ficaria empolgada.
3. Aquilo faria com que ela parasse de me encher o saco para
baixar o Tinder.

Motivos para não contar a Michelle:


1. Era imoral dormir com meu chefe.
2. Eu estava meio envergonhada com aquilo.
3. Ela poderia pensar mal de mim.

“Para!”, Michelle de repente gritou comigo.


Pisquei. “Parar com o quê?”.
“Com essa lista na sua cabeça aí. Não negue. Você sempre
fica com esse olhar parado, como se estivesse pensando em
filhotinhos. Seja o que for, quero saber agora!”.
Eu suspirei e responder. “Eu dormi com Jude”.
“O bonitinho do bar?”. Então ela se engasgou. “Seu chefe?
Aquele Jude?”.
“Sim?”, eu disse com uma careta.
Naquele momento, não consegui ler minha irmã. Me lembrou
de um programa de computador travado.
E, então, ela sorriu largamente e se jogou nos meus braços.
“SIM! Já estava na hora!”.
“Sério?”, perguntei.
“Sim, sério! Você finalmente transou. Meu pedido de
aniversário se realizou!”.
O alívio me invadiu, mas eu ainda hesitei. “Mas ele é meu
chefe, Shelly”.
Ela deu de ombros. “Você disse que são mais como colegas.
Que vocês trabalham juntos programando. Certo?”.
“Tipo isso, sim”.
“Então! Me parece que ele só é seu chefe no papel. Como se
ele fosse mais como seu supervisor”. Ela me abraçou de novo, mais
apertado. “Estou tão orgulhosa de você, Amber!”.
“Por dormir com meu chefe?”.
“Por tudo isso. Trabalhar no emprego dos seus sonhos. Dar
tudo de si. E sim, por se permitir ser vulnerável com um cara,
mesmo que seja um dos fundadores da companhia. Nos últimos
anos, você ficou no seu quarto, em frente ao computador, sem estar
fazendo nada efetivamente. Estou tão orgulhosa de você por
finalmente tentar ser feliz de novo. Nosso pai ficaria orgulhoso
também”.
Algo se moveu no meu peito, perto do meu coração. Engoli
seco e sorri para a minha irmã. O orgulho imaginário do meu pai não
importava mais, mas para Michelle sim. Ela era tudo que eu tinha,
então sua opinião valia muito para mim.
A campainha tocou, e Michelle se afastou. “É o Phil. Ele trouxe
comida. Não sabia que você estaria em casa, então não perguntei
se você queria …”.
“A última coisa que eu quero é que Phil saiba disso”, alertei.
“Não conte a ele. Se você contar, vou te trancar no closet e colocar
fogo na casa para receber a indenização da seguradora”.
“Nem uma palavra”. Michelle arrastou o dedo pelo peito
fazendo uma cruz. “Juro por Deus e pela minha morte!”.
Cobri meu prato de macarrão com papel toalha e o coloquei no
micro-ondas. Vozes abafadas vieram do hall, de perto da porta da
frente. Então Michelle disse com a voz clara: “Amber! Você tem
visita!”.
Jude entrou na cozinha com o laptop pendurado no ombro. “Oi,
Amber”, ele disse estranhamente. “Desculpa te incomodar em casa,
mas … o código no qual você trabalhou hoje? O do loop de
transmissão? Achei um erro nele”.
Um alarme disparou no meu cérebro por um segundo breve,
então dei uma risadinha. “Já contei à Shelly. Você não precisa
inventar uma desculpa para justificar porque veio aqui mais”.
“Eu não acreditaria nessa desculpa mequetrefe mesmo”,
Michelle respondeu. “Amber não erra nunca”.
“Você está certa”, disse Jude sorrindo. “Ela não erra mesmo”.
Me sentindo tolo, mas empoderada pela sua presença na
minha cozinha, enrolei meus braços ao redor de Jude e o beijei.
Shelly fingiu que estava se engasgando.
“Ah, cale a boca”, eu disse.
“Desculpa, fiquei preso em reuniões com Owen”, Jude se
explicou. “Coisa do investimento. Incrivelmente chata”.
“É tão difícil ser um grande e importante bilionário”, eu
provoquei. “Imaginei mesmo que você quisesse uma noite sem
mim”.
Jude olhou para a minha irmã e, então, sussurrou. “Você
imaginou errado”.
Eu sorri para ele.
A campainha tocou de novo. “Ótimo. Phil está aqui. Não quero
aquele bunda-mole sabendo sobre nós, então você se importa em
se esconder no meu quarto?”.
“Eu adoraria ver seu quarto. Vou te julgar pelos pôsteres na
sua parede”.
“Minha credibilidade nerd é incontestável”, eu disse,
empurrando-o na direção das escadas. “Levo jantar para você”.
“E alguns petiscos?”, ele perguntou com esperança.
“Sim. Me espera lá!”.
Eu o assisti desaparecer pelas escadas e, então, olhei para
Michelle. Ela estava sorrindo para mim.
“Tá namorando!”, ela provocou, cantando.
“Ele é meu colega”, respondi.
Ela abaixou a voz. “Um colega que você está traçando”.
Revirei meus olhos. “Se você continuar falando assim, vou
colocar fogo na casa”.
“Não importa, vale o risco!”, ela disse, indo em direção à porta.
Peguei um segundo prato e servi mais macarrão. Antes que eu
pudesse colocar no micro-ondas, escutei minha irmã me chamar.
“Hm, Amber? Você tem …”.
A última pessoa que eu esperava ver naquela hora entrou na
cozinha.
Owen.
E com base no fogo nos seus olhos verdes, ele estava puto.
24

Amber

Owen parecia ter saído do trabalho: jeans, camiseta cinza lisa


e os mesmos Air Jordans nos pés. Seus punhos estavam cerrados,
e seu belo rosto tomado pelo ódio.
“VOCÊ!”, ele rugiu.
“Eu?”, respondi, dando um passo para manter a ilha da cozinha
entre nós.
“Ela?”, Michelle perguntou. Então se, engasgou. “Amber, você
…”.
Dei a ela um olhar de alerta. Não, eu não dormi com ele,
Michelle. Jesus.
Owen chacoalhou um dedo na minha direção. “Não tente
negar! Eu sei o que você fez!”.
Minha garganta se apertou de pânico. Será que Owen sabia
sobre Jude e eu? Fomos descuidados? A chegada de Owen foi
muito oportuna para ser coincidência. Ele deve ter seguido o sócio
até lá. Para nos pegar no flagra.
“Eu posso explicar …”, comecei.
“Você!”, disse Owen, perseguindo-me em torno da ilha da
cozinha. “Invadiu meu perfil no LinkedIn!!”.
Continuei me movendo para manter a ilha entre nós, mas meu
alívio me atingiu como um balde de gelo. “Ah, aquilo?”.
“Que diabos você quer dizer com ah, aquilo? O que mais você
fez?”.
“Nada. Figura de linguagem. Foi só o que eu fiz”.
“Não importa o que ela fez”, Michelle interveio. “Não significa
que você pode invadir minha casa e gritar com a minha irmã!”.
Owen pegou o celular e entregou para Michelle. “Foi isso que
ela fez”.
Eu sabia o que tinha na tela. O perfil de Owen que era
extensivo. Páginas de experiência e prêmios. E, no final do perfil,
havia uma lista de competências:

* Patrocinador diamante do Centro de Artes de Oakland


* Co-fundador da sociedade de caridade dos
Programadores com os Órfãos
* Raposa cinza peluda na Associação dos Peludos de Bay
Area (pronomes: peludo/pelude)

Eu ri. “Uau, eu já tinha ouvido falar sobre os furry, mas nunca


havia visto um em carne e osso. Ou eu deveria dizer em pelo e
osso?”.
“Eu não sou nenhum furry!”, Owen tentou se aproximar de mim
de novo. “Ela editou meu perfil!”.
Eu gargalhei mais uma vez. “Estou surpresa por você ter
demorado tanto para descobrir. Melhor você atualizar sua
autenticação em dois fatores, hein?”.
As outras peças que pregamos um no outro eram
relutantemente respeitosas. Talvez não exatamente respeitosas,
mas com respeito implícito. Ele me pegava, ha ha, e então eu o
pegava de vingança.
Mas não havia tom de brincadeira nos olhos de Owen. “Qual é
o seu problema, Amber? Você sabe quantas pessoas viram isso?
Você sabe o quão estúpida sua brincadeira foi?”.
“Ei”, Michelle interrompeu, aproximando-se dele. “Você não
pode falar com a minha irmã as …”.
“Eu não te perguntei absolutamente nada”. Sua voz era suave,
mas alarmante, e ele olhou para ela, até ela se afastar.
“Calma, cara”, eu disse.
Owen deu a volta na ilha de novo. “Calma? Você está
honestamente me pedindo para ter calma? As coisas estão frágeis
agora. O investidor italiano está vindo para cá na próxima semana e,
por mais que tenhamos concordado com os termos, o acordo ainda
não está finalizado até a tinta secar sobre o papel. E se alguém
importante visse esta atualização no meu LinkedIn? Você sabe que
tipo de escândalo isso pode causar? Se as pessoas acharem que
eu sou um furry?”
“Talvez”, eu disse com o pouco de atitude que senti, “você
devesse ter pensado nisso antes de invadir meu computador e
destruir meu celular”.
“Isso é um grau totalmente diferente”, ele insistiu, removendo
uma mecha de cabelo dos olhos. “Uma coisa é invadir dispositivos
pessoais. Diversão sedutora inofensiva. Mas isso pode causar
danos reais. Isso é invasão corporativa!”.
Diversão sedutora? Pensei. Foi isso que ele pensou que
estava acontecendo?
Ele colocou as duas mãos sobre a ilha da cozinha,
praticamente tremendo de raiva. Naquele momento, dei-me conta
de que talvez eu tenha sim ido longe demais.
“Você vai me demitir?”, perguntei.
Owen se afastou do balcão e grunhiu. “Não. Não vou te demitir.
Mas por Deus, Amber. Você realmente quer provar meu ponto, não
quer? Arruinando suas chances no trabalho, porque tem medo do
sucesso. Cristo Redentor, você passou dos limites!”.
“Eu …”, engoli seco. “Desculpa se fui longe demais”.
Seu maxilar endureceu. “Posso usar o banheiro? Eu estava
indo ao banheiro do escritório, quando vi sua atualização. Faz meia
hora que estou segurando o xixi”.
Apontei para o corredor: “Segunda porta à direita”.
Michelle e eu ficamos em total silêncio, enquanto ele
caminhava pelo corredor feito um lobo. Foi só quando a porta bateu
que conseguimos respirar novamente.
“Seu chefe está puto”, disse Michelle.
Fiz uma careta. “Acho que fui longe demais. O que quer dizer
alguma coisa, porque semana passada eu invadi o sistema do
apartamento dele”.
Escutei a descarga no banheiro, e a água correr pela torneira
da pia. Quando Owen saiu do banheiro, sua expressão estava mais
suave.
“Foi uma boa piada”, ele disse. “Em qualquer outro contexto,
eu teria rido. Mas agora, na semana antes da assinatura do contrato
com o Sr. Ross …”, ele chacoalhou a cabeça. “Você tem sido ótima
desde o começo para a empresa. Mesmo com tão pouco tempo,
não sei o que seria da SE sem você. Então, por favor, não me faça
te demitir por pura infantilidade”.
“Você está certo”, eu disse, surpresa porque realmente me
sentia daquela forma. “Eu fui longe demais. Desculpa. Não vai
acontecer mais”.
Owen me olhou suspeitosamente por um minuto e então
acenou. “Qual é a senha nova? Eu não consigo deletar a
informação, porque você alterou minha senha”.
Ainda tensa com a forma como ele tinha me repreendido, eu
disse em voz baixa: “Arrombado6969. A maiúsculo”.
Michelle bufou. Eu olhei para ela, e ela caminhou para trás,
como quem quisesse desaparecer pela parede.
Depois de digitar a nova senha e confirmar que estava
funcionando, Owen deu uma risadinha. “Eu devia ter imaginado”.
Ele tocou a tela do celular mais algumas vezes, possivelmente
removendo a informação que eu tinha colocado e, então, devolveu o
dispositivo para o bolso. Depois disso, ele me encarou por alguns
minutos. Tempo o suficiente para eu me perguntar se ele estaria
mudando de ideia sobre me demitir.
“Considere essa guerra de trotes encerrada”, ele disse. “Está
na hora de agirmos como adultos”.
Ele acenou com a cabeça para minha irmã e, então, saiu do
cômodo sem dizer mais nada.
Assim que seu caro se afastou, ouvi passos. Jude apareceu,
assustado com a situação.
“Considerei intervir brevemente”, ele disse. “Mas acho que isso
só pioraria as coisas”.
“Ainda bem”, eu murmurei. “Você fez certo em ficar lá em cima.
Ouviu tudo o que aconteceu?”.
“Acho que todo mundo no bairro ouviu”, ele respondeu. “Eu
sabia que vocês dois estavam quietos demais nos últimos dias. Tipo
a calmaria antes da tempestade. Você tem sorte por Owen ter se
contido. Porque se ele quisesse te demitir, não tenho certeza de que
conseguiria mudar sua cabeça. Se o investidor visse aquilo …”.
Senti uma onda de vergonha, quando Jude e Michelle me
olharam. A culpa borbulhou dentro de mim e me fez sentir náuseas.
Eu queria pregar uma peça em Owen, mas não potencialmente
prejudicar sua carreira e o futuro da empresa. Ele não merecia
aquilo.
Eu o odiava na semana passada, pensei. Agora eu quero
prejudicá-lo? Talvez meus trotes tenham, sim, tom de flerte.
Jude deve ter lido minhas emoções no meu rosto, porque deu
um passo para a frente e enrolou os braços em volta de mim. Fechei
os olhos e suspirei contra seu peito, tentando conter o choro.
“Vamos lá para cima, antes que Phil chegue”, eu disse.
Pegamos nossos pratos de macarrão e fomos para o meu
quarto. Fechamos a porta, me sentei na cadeira do computador, e
Jude se sentou na borda da minha cama. Notei que meu quarto
estava uma bagunça, com uma pilha de roupas sujas no canto, mas
meu reservatório de vergonha já estava inteiramente cheio naquele
momento.
“Você tinha razão”, disse Jude com a boca cheia de macarrão.
“Sobre o que?”.
Ele apontou para o quarto com o garfo. “Sua credibilidade nerd
é incontestável. Três posteres de Matrix. Uma cópia assinada de
Ready Player One. E aquele PC gamer que parece uma nave
espacial”.
Concordei com os elogios. “Precisei atualizar o cartão de
vídeo. Mas o GeForce RTX 3090 ainda está pendente”, eu mexi
meu macarrão no prato. Eu tinha perdido a fome. “Acho que
estraguei tudo com Owen”.
Jude deu de ombros. “Eu o conheço faz muito tempo. Ele vai
superar. Ele vai ficar de boa com você”.
“É disso que eu tenho medo”, eu disse.
Diversão sedutora. Era isso que Owen pensava sobre as
nossas pegadinhas?
“Quando ouvi sua voz”, Jude começou. “Tive certeza de que
ele tinha nos descoberto”.
“Eu também! Pensei que ele tinha te seguido até aqui”.
“Se ele tivesse …”, Jude chacoalhou a cabeça devagar. “Ainda
bem que ele não descobriu”.
“Ele chegou perto, certamente”. Engoli minha última garfada e
coloquei o prato de lado. “Isso te faz se arrepender?”.
“De jeito nenhum”, ele respondeu sem hesitar.
“Isso te faz querer … parar?”, eu não queria perguntar aquilo,
mas me forcei. “Você acha que devemos parar com isso agora,
antes que ele descubra de fato?”.
Jude colocou o prato de lado e me deu atenção total. “Nada me
faria querer terminar agora, Amber. Nem Owen. Eu ainda quero
evitar que ele descubra, mas se isso acontecer …”, ele ficou em pé
e caminhou na minha direção, acariciando minha bochecha com o
polegar. “Nada vai mudar”.
Ele me beijou, e eu me esqueci de toda a vergonha que eu
tinha passado na cozinha.
25

Amber

A luz do sol invadiu a janela cedo na manhã seguinte. Eu já


estava acordada fazia uma hora, mas não tinha me levantado da
cama. Jude dormia ao meu lado. O edredom envolvia metade do
seu corpo e eu estava aproveitando para observá-lo. Um
emaranhado dos seus cabelos loiros-areia estava dobrado como um
topete no travesseiro e ele ficava absolutamente adorável sem
óculos.
Eu poderia observá-lo dormir o dia todo.
Porém, nós tínhamos nos engolido ferozmente na noite
anterior, e meu estômago parecia estar colado nas costas. Dei um
beijo gentil na sua testa e, então, saí do quarto e fui para o andar de
baixo.
Já havia café no bule, peguei uma xícara e me servi de cereal.
Eu estava sentada no banco da ilha, enfiando uma colherada na
boca, quando Phil apareceu.
“Dia”, ele disse com um sorriso presunçoso.
“Feche a boca”, murmurei para ele. “Ninguém quer ver esse
buraco enorme nos seus dentes”.
Porém, enquanto ele se servia de café e acrescentava uma
quantidade enorme de creme, seu sorriso não desaparecia.
“Eu sei que você e minha irmã fazem coisas”, eu disse. “Mas
você poderia fingir que não. Tira esse sorriso da cara, meu filho”.
Ele tomou um gole do seu café vagarosamente e estalou os
lábios. “Meu sorriso não tem nada a ver com a Shelly. Tem a ver
com o que descobri sobre você na noite passada”.
Congelei com a colher na metade do caminho para a boca.
Será que eu e Jude tínhamos feito muito barulho na noite anterior?
A casa tinha paredes grossas, mas se Phil tinha ouvido a gente …”.
“Não tenho tempo para joguinhos”, eu disse com rispidez.
“Desembucha logo”.
“Seu perfil no Facebook”, ele me esperou responder e como eu
fiquei em silêncio, ele continuou. “A sua atualização”.
“Eu não entro no meu Facebook faz três anos”, respondi,
suspirando aliviada.
O sorriso de Phil aumentou de tamanho. “Hm, acho que não,
você acessou ontem”.
Algo no seu tom de voz me deixou em alerta, então peguei
meu celular. Eu não tinha o aplicativo do Facebook instalado, logo,
tive que abrir meu navegador e fazer login manualmente. Entretanto,
uma mensagem de erro apareceu, dizendo que a senha estava
errada.
Meu estômago deu uma volta e eu acenei para Phil. “Me dá
seu celular. Quero ver”.
O namorado irritante da minha irmã estava rindo, quando abri o
aplicativo no seu celular e busquei meu perfil. Diferente da alteração
que eu tinha feito no perfil do LinkedIn de Owen, o que ele fez
comigo não foi sutil.
Eu tinha sido marcada em uma nova foto. Duas, na verdade.
Na primeira, alguém vestia uma veste de pelos cinza e branca. A
coisa olhava pelo ombro com seu sorriso de mascote com a bunda
empinada para a câmera, e o rabo da fantasia levantado. Parecia
um Husky.
Na segunda foto, a mesma figura, de frente, sem a cabeçona
de mascote. E a cabeça que saía do buraco da fantasia era a
minha. Meus olhos, minha boca, euzinha.
A legenda dizia: “Provavelmente, estou passando dos limites
ao mostrar este meu lado, mas não posso mais esconder. Sou uma
orgulhosa furry”.
Passando dos limites. Exatamente o que Owen me acusou de
fazer.
Eu estava totalmente ciente de que Phil estava me encarando,
esperando resposta. “Não sou eu.”, me defendi.
“Você tem uma irmã gêmea, e eu nunca soube?”.
“É montagem”, eu disse. “Photoshop ou algo do tipo”.
“Foi postada pela sua conta”, ele pontuou.
“Meu chefe deve ter invadido meu perfil. Ele está tentando se
vingar”.
“Seu chefe? Jude Cauthon? Por que ele invadiria sua conta?”.
“Não. Ele não. O outro. Owen March”.
Phil aspirou. “A questão continua. Por que ele faria isso? Se é
verdade, é uma grande violação da sua privacidade. Sem mencionar
a legalidade da coisa. Ele fundou a PayScale, é literalmente um
bilionário. Ele tem muita coisa em jogo para arriscar fazer isso”.
“Não tenho tempo para te explicar tudo”.
“Como ele invadiu sua conta?”, Phil perguntou. “Você não
habilitou a autenticação de dois fatores?”.
“Não uso minha conta faz três anos”, falei rangendo os dentes.
“Isso é ainda mais vergonhoso!”.
Minha mente estava acelerada, quando coloquei minha tigela
na pia e comecei a lavar. Eu não estava falando a verdade. Eu tinha
entrado no Facebook fazia dois meses, quando Michelle me falou
sobre uma memória. Uma foto de nós duas e nosso pai na praia,
tirada anos antes. Meu primeiro pensamento foi que as credenciais
poderiam ter ficado salvas no meu navegador. Owen deve ter
conseguido acesso, quando invadiu meu celular e meu computador
na semana anterior.
Sacudi a cabeça. Não era possível. Eu tinha verificado todos
os acessos durante aquele ataque. Nada tinha sido comprometido
na semana anterior. Foi em algum momento entre aquele dia e
agora. Ele deve ter encontrado outra forma de acessar.
Ele estava aqui ontem.
Revivi a cena na minha cozinha. Num suspiro de
entendimento, corri para o banheiro no corredor. Quando Phil
esticou a cabeça para dentro alguns segundos depois, eu estava
abrindo os armários e jogando as toalhas no chão.
“Você está fazendo uma bagunça”.
“Ninguém deveria ter que ouvir sua voz anasalada tão cedo
assim”, gritei de volta para ele.
Ele deu de ombros. “Eu deveria ir para o trabalho. Não fique
com vergonha do que você gosta. Algumas pessoas vão te julgar
por ser furry, mas eu não. Faz o que você quiser”.
Sua simpatia esquisita me fez gaguejar. Não sou uma furry,
porra!
Eu tive que esvaziar todos os armários do banheiro antes de
encontrar. Debaixo da pia, colado nas costas da cuba de mármore.
Era do tamanho de um cartão de crédito, mas mais grosso, com
uma única antena.
Eu resmunguei, quando reconheci o objeto. Um repetidor sem
fio que era usado para ataques em redes. Como se fosse um
vizinho enxerido sentado no seu alpendre, abrindo suas
correspondências todas, antes de entregá-las a você.
Eu estava singularmente consciente daquilo. Corri para cima e
me vesti. Jude estava se mexendo na cama, e nem mesmo a obra
de arte que era seu corpo seminu poderia me distrair da minha
cólera.
“Você já vai sair?”, ele murmurou, esfregando os olhos.
“Preciso chegar ao trabalho antes de você. Vai parecer muito
suspeito, se formos juntos”, eu o beijei na testa. “Phil já foi embora,
então sirva-se de café e cereais”.
“Não como cereais”, ele disse se espreguiçando. “É puro
açúcar”.
“Você me explica tudo sobre isso hoje à noite”, dei mais um
beijo nele, peguei meu laptop e saí.
A viagem para São Francisco pareceu demorar uma
eternidade. Eu tentei cinco senhas diferentes para entrar no meu
Facebook, mas nenhuma funcionou. Me perguntei quantas pessoas
estavam olhando meu perfil naquele momento. Eram nove horas. As
pessoas estavam acordando, checando seus celulares. Eu não tinha
muitos amigos no Facebook, eram mais ex-colegas de faculdade e
parentes distantes. Mas eu não queria que as pessoas pensassem
que eu era uma furry.
Eu estava praticamente chacoalhando de raiva, quando entrei
pela porta da frente da Soluções Encriptadas. Melinda me deu um
sorrisinho da sua mesa.
“Amber, posso falar com você por um momento?”.
“Pode esperar?”, respondi sem desacelerar. “Tenho algo que
…”.
“É sobre seu relacionamento com Jude”.
Aquilo me fez parar imediatamente. “Como você sabe …”.
“Eu não sabia”, ela disse com uma satisfação surpreendente.
“Não com certeza. Mas agora eu sei! Obrigada por confirmar e
tornar tudo mais fácil”.
Suspirei e me virei para ela. “Olha …”.
“Não vou te julgar”, ela disse com o modo prático e direto de
um robô. “Só quero me certificar de que vocês estão sendo
conscientes. Se algo der errado entre vocês, não quero que a
reputação da empresa seja prejudicada".
“E não vai”, eu disse. Um momento depois, adicionei: “Nada vai
dar errado entre nós”.
“Tenho certeza de que não. Porém, enquanto isso, vou pedir
que vocês dois assinem alguns documentos. Para proteger a
empresa, espero que vocês entendam”.
“É claro”, eu fiz uma careta. “Entretanto, Jude não quer que
Owen saiba. Nem eu”.
Ela acenou, como se fosse óbvio. “A confidencialidade do
assunto não será violada. E me certificarei de que Owen nunca
tenha acesso ao documento”.
“Ok. Bom. Obrigada”, eu me senti entorpecida. Até o dia
anterior nosso relacionamento tinha sido um segredo para todo
mundo. Mas naquele momento, minha irmã e Melinda sabiam. Eu
não sabia como me sentir.
“Vou preparar o documento essa semana”, ela disse, voltando
para sua mesa, como se tivesse discutido meras trivialidades.
Owen estava na sua sala. Ele estava inclinado na mesa sobre
os cotovelos, enquanto uma voz maçante de advogado saía do seu
telefone. Ele colocou seu microfone no mudo e disse: “Estou
ocupado. Você pode voltar mais tarde”.
Seus dedos deslizaram para o botão e eu resmunguei. “É
melhor você manter assim, ou eles vão ouvir tudo o que eu tenho
para dizer”.
Owen se encostou na cadeira. A pessoa no telefone continuou
falando sobre leis e contratos.
“Você se acha muito esperto, não é?”, eu perguntei.
Owen me deu um sorriso que me enfureceu. “Eu sei que sou
esperto. Mas por que estou sendo esperto especificamente agora?”.
Tirei o repetidor da bolsa e joguei na mesa dele.
“Em minha defesa. Eu tinha mesmo que mijar”, ele disse.
“Achei que nossa guerrinha tinha acabado! Você disse isso! E
eu repito: agir como adultos!”.
“Certo”.
“Mas você tinha que dar o tiro final antes”.
“É claro”, ele disse. “Eu tinha que empatar”.
Cerrei os dentes. “Não é empate. Te peguei duas vezes. Você
me pegou três”.
“Três?”, as linhas pontiagudas do seu rosto ficaram rígidas,
enquanto ele pensava. “Vamos ver. Primeiro, seu celular. Depois
sua conta no Facebook. E isso foi tudo”.
“Você está se esquecendo do terraço do restaurante”, eu
praticamente gritei. “Foi o que começou isso!”.
“Ah, o restaurante não conta”, ele disse, improvisando. “A
primeira invasão foi no meu apartamento. Todas as minhas ações
foram respostas a essa. Um segundo”.
Ele levantou um dedo na minha direção – um gesto irritante,
como se eu não merecesse seu tempo – e tirou o telefone do mudo.
“Eu gosto dessa estratégia. Certifique-se de especificar o orçamento
com a Jessica. Os bancos europeus podem ser inquietos”.
Ele colocou o telefone no mudo novamente. “Ok, do que
estávamos falando mesmo?”.
“Meu perfil no Facebook. Você adicionou uma nova foto minha
com uma fantasia felpuda”.
“Ah, sim”.
“Como você fez isso?”, perguntei.
Owen pegou o repetidor sobre a mesa e o manuseou entre os
dedos. “Me parece óbvio”.
“Não quero saber como você acessou a conta. Estou falando
da foto. Parece que sou eu!”.
“Eu sou fera no Photoshop. Peguei uma foto do seu rosto de
um dos seus álbuns de família. Você, sua irmã e seu pai na praia.
Vocês estão muito felizes na foto. Por isso seu sorriso na minha
montagem”.
“Me dê a senha”, demandei.
Ele chacoalhou a cabeça. “Não. Meu perfil ficou daquele jeito
por cinco dias antes de eu poder alterar. Dou-lhe a senha no
sábado. É justo”.
Nada que eu dissesse mudaria sua opinião. Isso era claro. E
argumentar só o faria ficar mais feliz.
“Isso não acabou”, prometi.
Ele sorriu para mim. “Tenho certeza de que não. Vá em frente e
dê o seu melhor. Mas …”. Ele levantou um dedo. “Se você
prejudicar a SE ou o investimento pendente, eu vou te demitir.
Escolha com sabedoria”.
Senti seu sorriso nas minhas costas por todo o trajeto até meu
escritório.
26

Amber

Me sentei na minha sala e encarei o monitor do computador


por vários minutos. Eu estava muito irritada para fazer qualquer
coisa. A pior parte era que meu cérebro não podia pensar em nada
para me vingar de Owen ainda. Provavelmente, porque eu só tinha
tomado meia xícara de café em casa, antes de descobrir o que ele
tinha feito.
Saber que aquela foto estava no meu perfil me incomodava.
Não porque era particularmente constrangedora – ou pelo menos
não só por isso. Owen tinha conseguido tirar o melhor de mim e
saber daquilo me dava uma coceira no meio das costas, onde eu
não conseguia alcançar.
Os dois Wills – Crawley e Won – apareceram para o primeiro
dia de trabalho no fim da manhã. Eles até chegaram na mesma
hora. “Vou ter que chamar vocês de Will Um e Will Dois”, eu disse.
“Acho que eu sou o Will Wun”, o próprio disse, com um sorriso
ridículo.
Eu ri por educação. “Ok. Ha ha ha. Vamos nos tratar pelos
sobrenomes então. Você é Won e você é Crawley”.
Crawley fez um joinha. “Ok, chefa”.
Chefa. Ainda não tinha me acostumado. Eu não sabia se
gostava, ou se não gostava.
Melinda estava conduzindo entrevistas por telefone com mais
candidatos, então eu mostrei aos Wills o prédio e as instalações.
Então os levei para o andar de cima, para apresentá-los ao Jude.
“Este é Jude Cauthon”, eu disse. “Ele é o cérebro da SE”.
Jude se levantou e apertou a mão dos dois. “Amber está sendo
modesta”, ele disse. “Ela só está aqui faz uma semana e já está me
ultrapassando na programação. Se eu digo alguma coisa, e Amber
diz o contrário, é melhor vocês acreditarem nela”.
Em seguida, mostrei a eles os cubículos no andar de baixo.
Expliquei que eles podiam trabalhar de qualquer lugar e pontuei que
Dave raramente se movia do pufe do canto. Logo que os Wills se
instalaram e fizeram login no sistema, mostrei a eles o repositório de
códigos e a lista de tarefas que tínhamos para eles começarem.
Suspirei, quando voltei sozinha para o meu escritório. Eu era
uma nerd que preferia ficar sozinha num canto, sem socializar,
então mostrar tudo aos dois novatos por uma hora me deixou
exausta. E nem era hora do almoço ainda.
Eu abri o mapa e a lista gigante de tarefas. Alguns minutos
depois, duas das tarefas ficaram amarelas, indicando que alguém
estava trabalhando nelas. Quando passei o mouse para ver quem
estava fazendo o quê, vi que os dois já estavam trabalhando.
Ao voltar para o mapa principal, vi-o com novos olhos. Quando
comecei a missão na semana anterior, parecia uma montanha
impossível de trabalho a ser escalada. Porém, agora que Nancy e
Dave estavam trabalhando nas tarefas e, especialmente, com a
adição dos dois Wills, parecia que a montanha tinha ficado mais fácil
de escalar.
Uma mensagem instantânea se abriu na minha tela.

Cauthon, Jude: Sua irmã me contou sobre seu Facebook hoje


de manhã. Parece que Owen não interrompeu a guerra de verdade.
Moltisanti, Amber: AH NÃO! Diz que você não viu a foto!!
Cauthon, Jude: Eu posso mentir se você quiser …
Moltisanti, Amber: Não é real.
Cauthon, Jude: Eu sei. Owen é muito habilidoso no
Photoshop. Ele criou a logo da PayScale.
Cauthon, Jude: Tudo bem?
Moltisanti, Amber: Sim, só estou brava. E exausta. Nunca
gerenciei pessoas e realmente me cansei só de mostrar para os
Wills as ropes. E Melinda sabe sobre nós. Vamos precisar assinar
documentos sobre nosso relacionamento. Declarar que é totalmente
consensual etc. Para a empresa se garantir. E, então, posso
finalmente TRABALHAR programando.
Moltisanti, Amber: Então se você tem alguma coisa para me
fazer me sentir melhor, diga.
Cauthon, Jude: Segura a onda durante o dia. Vou te fazer se
sentir melhor à noite. Na minha casa.
Moltisanti, Amber: Só de pensar, já me sinto melhor.
Cauthon, Jude: Viu? Gerenciar pessoas é fácil.
Moltisanti, Amber: Então, você está dizendo que eu deveria
dormir com Dave, Nancy e com os Wills? Ok.

Conversar com Jude me fez sorrir, mas quando coloquei meus


fones nos ouvidos e programei pela hora seguinte, meu estresse
voltou. O código no qual eu estava trabalhando era mais complicado
do que eu esperava e ia demorar muito mais do que o planejado.
Fui até a cozinha pegar um energético e me dei conta de que eu
estava imunda. Eu corri tanto para sair de casa de manhã que nem
tomei banho.
Comecei a me sentir ainda pior, até me lembrar das instalações
que eu tinha acabado de mostrar aos Wills. Havia um vestiário ao
lado da academia, com chuveiros e toalhas limpas.
Conferi minha agenda, para me certificar de que não tinha
nenhuma entrevista alinhada com Melinda, então desci as escadas.
Um dos Wills – Crawley – já estava discutindo com Nancy alguma
coisa sobre o código dela. Sorri, quando vi a cena, e continuei
caminhando para o outro lado do prédio, atravessei a cozinha e
cheguei à academia.
Derrapei e parei bem ao lado de dentro. Eu esperava que a
academia estivesse vazia, mas Owen estava deitado em um banco
segurando um halter com os dois braços no ar. Os músculos dos
seus braços se abaulavam com o peso e então se esticavam de
novo, quando ele estendia os braços e grunhia.
Apesar da minha irritação com Owen, não pude evitar de
admirá-lo. Ele era bonito. Cheio de músculos e com a pele
bronzeada, ressaltada pela sua regata, muito mais do que quando
ele usava camisetas. Uma gota de suor escorria pelo seu braço, e
meus olhos a perseguiram até ela entrar nos sulcos dos seus
músculos.
Owen encaixou a barra no suporte e se sentou com um sorriso
no rosto. “Tire uma foto. Vai durar para sempre. Só não poste no
meu LinkedIn”.
Suas palavras me acordaram do transe. “Não queria te distrair
atravessando a sala. Você podia ter deixado o peso cair no seu
peito”.
Ele pendurou um braço na barra, enquanto me assistia
preguiçosamente. “Não acho que sou eu quem está distraído
agora”.
Algo se animou dentro de mim, quando o vi. Mas eu tentei
esconder. Se comportem hormônios. Ele não é tão gostoso quanto
pensa que é.
Sem nada mais inteligente para dizer, repeti o que pensei em
voz alta: “Ah, por favor. Você não é tão gostoso quanto pensa que
é”.
Ele se levantou do banco e caminhou em minha direção. Sua
regata estava encharcada de suor e colada no seu peito. Havia uma
toalha pequena na sua mão, e ele começou a limpar o suor das
têmporas e dos braços. Ele parou, olhando-me, uma nuvem
almiscarada, suada e intoxicante de masculinidade fez algo se
revirar dentro de mim.
“Lá vai você de novo”, ele disse, sorrindo de forma arrogante.
“Sério, tire uma foto e supere”.
“Eu não …”. Eu o encarei. “Para. Eu não estava te olhando”.
“Ok”.
“E as nossas sabotagens? Não tem nada de sedutor nelas.
Você está completamente equivocado”.
Seu sorriso aumentou. “O que você quiser”, mas seu tom não
combinava com a frase.
Deixei sair uma lufada de irritação. Nada do que eu dizia
afetava aquele cara. A cada palavra, ele ficava mais confiante de
que eu estava olhando, flertando com ele, via invasões elaboradas
de computadores.
Eu estava o olhando. Só estou fingindo que não.
“Terminei aqui”, ele disse, jogando a toalha em um cesto. “A
academia é toda sua. Acho que você precisa descontar toda essa
raiva em alguma coisa”.
“Não vou usar a academia”.
“Ah”, ele olhou para o vestiário. “Deixe-me adivinhar. Você
estava com tanta pressa para sair correndo de casa essa manhã e
vir gritar comigo, que se esqueceu de tomar banho …”.
Era irritante como ele estava certo, então eu disse de forma
teimosa. “Não. Eu geralmente tomo banho no meio do dia”.
“Sim, faz sentido. Provavelmente, você sua muito com aquela
roupa felpuda”.
E, com aquela frase, ele passou por mim e deixou a academia.
Seu braço tocou meu ombro, e eu senti calor e comichão.
Deixei sair um barulho de frustração, ao caminhar até o
vestiário feminino. Eu não podia acreditar que tinha ficado ali,
encarando Owen, enquanto ele se exercitava. Como se nunca
tivesse visto um cara sarado suado antes. Ele era tão convencido
que arruinava todas as linhas perfeitas do seu corpo.
Ele não é convencido. Algo sussurrou na minha cabeça. Ele só
é confiante. E confiança é incrivelmente sexy.
Meu corpo estava quente e praticamente cantarolando por
causa daquele contato. Seu cheiro estava preso dentro das minhas
narinas, pungente, inebriante e ridiculamente tentador. Um
pensamento invasivo forçou a entrada na minha cabeça: beijá-lo,
sentir o suor salgado nos seus lábios e sentir o calor do seu corpo
irradiando contra o meu, enquanto ele me agarra e me toma …
Para dissipar os pensamentos, forcei-me a ficar em pé no
chuveiro frio por dez segundos, antes de regular a temperatura.
Mesmo assim, a memória dele permaneceu como uma ideia
péssima.
Ele estava mexendo comigo? Me perguntei enquanto o calor
da água invadia meus ossos. Eu não estava flertando com ele.
Ou estava?
Amarrei meus cabelos e usei uma esponja para limpar meu
corpo. Era surpreendente como tudo era bem abastecido. Havia três
tipos de sabonete líquido, além de barbeadores e toucas de banho
descartáveis. Melinda provavelmente tinha se encarregado de
abastecer o vestiário feminino propriamente. Pensei em agradecê-
la, quando tivesse a chance.
A porta do vestiário se abriu e se fechou. Pensei que fosse ela,
então chamei. “Melinda?”.
Esperei ouvir a voz de Melinda, mas esperei Nancy também. O
que eu não esperei foi a voz profunda de Jude.
“Ei”, ele disse, seu sussurro quase inaudível por causa do
barulho do chuveiro. “Amber?”.
Abri a cortina do chuveiro e coloquei a cabeça para fora. “E se
não fosse eu?”.
“Só queria ter certeza”. Seus óculos se embaçaram, e ele os
desembaçou com os dedos.
Fechei a cortina e continuei me lavando. “O que você está
fazendo aqui?”.
“Vendo se você está bem. Owen estava muito sorridente,
quando voltou da academia. Então eu sei que ele disse alguma
coisa para te irritar”.
“Sim. Mas vou sobreviver. Agora dê o fora, antes que alguém o
veja. Não é porque Melinda sabe sobre nós que quero que mais
alguém descubra. Sem mencionar que Nancy encontrar um dos
diretores da empresa dentro do vestiário feminino configura assédio
sexual no ambiente de trabalho”.
Ouvi um barulho do lado de fora. Então, a cortina se abriu, e
Jude entrou no chuveiro comigo. Sem óculos e totalmente nu.
“E se alguém entrar?”, sussurrei. “E vir suas roupas?”.
“Ninguém usou esse lugar até hoje. Você é a primeira. Mas por
precaução eu tranquei a porta. Ninguém vai entrar”.
Eu suspirei, quando ele me abraçou por trás com os dedos
deslizando pela minha pele molhada. Senti seu pau duro por trás da
minha bunda, uma vara grossa que estava tão quente quanto a
água escaldante. Ele beijou meu pescoço e meus suspiros se
intensificaram.
“O que aconteceu com a ideia de me fazer me sentir melhor
essa noite?”, sussurrei.
Ele aproximou os lábios do meu ouvido e respondeu: “Não
pude esperar tanto tempo. Tenho sede de você”.
Empurrei a bunda contra ele. Seus lábios continuaram se
movendo pelo meu pescoço até meus ombros. Seus braços me
rodearam, me segurando com segurança, e seus dedos
escorregaram até estarem no meu montinho de cabelos e, então,
avançaram para a minha boceta já totalmente encharcada …
“Preciso de você”, Jude sussurrou.
“Aqui estou”, respondi.
Gemi alto, quando Jude me preencheu por trás e me fez
esquecer todos os outros problemas da minha vida.
27

Owen

Eu tinha uma única certeza: aquela garota não ia sair em


vantagem.
Amber achava que era a maioral. Uma programadora
convencida que estava acostumada a provocar trolls por trás de um
teclado. Foi bom lembrá-la de quem estava no comando ali.
Especialmente depois da sua proeza no meu perfil do LinkedIn.
E a forma como ela me olhou na academia? Ela estava
definitivamente me secando. Talvez eu tenha flexionado um pouco
mais, quando passei por ela, mantendo o corpo todo tenso, fazendo
meus músculos saltarem. E definitivamente aquilo a afetou. Os
olhos dela admirados não mentiram. E pegá-la no flagrante me
secando foi muito melhor do que invadir seu perfil no Facebook.
Jude tirava sarro da quantidade de tempo que eu passava na
academia e até me chamava de vaidoso. Contudo, ele não entendia
por causa da sua posição na empresa. O Diretor de Tecnologia não
precisa aparecer diante das câmeras ou tratar com investidores.
Então Jude podia apenas se sentar e tomar decisões de dentro do
seu confortável escritório.
O contrário do Diretor Executivo. Eu era o rosto da empresa.
Eu tinha que me manter em forma, manter meu corpo forte. Carisma
não é uma qualidade natural. É algo que se fortalece com a
aparência física. Por isso, a maioria dos 500 CEOs mais ricos do
país tinha mais de um metro e oitenta. Confiança física leva à
confiança empresarial.
Depois que nos encontramos na academia, ainda esbarrei em
Amber mais duas vezes naquele dia. E, a cada vez, eu abria mais
ainda meu sorriso. Judiando dela com bondade. Ela reagia
exatamente como eu esperava: olhando-me com frustração.
Muito bom.
Eu me senti meio mal por gritar com ela na noite anterior. Mas
a aposta era alta. O dano que ela podia ter causado a mim e à
empresa era incalculável. O que eu fiz em retorno, colocar uma foto
no seu álbum do Facebook, e deixá-la sem acesso por alguns dias,
era pouco significante comparativamente.
Agora estamos empatados, eu pensei. Podemos nos
concentrar no que importa de verdade. Os investidores.
Mas bem no fundo, eu sabia que não estávamos empatados.
Os dois dias subsequentes foram relativamente quietos. Os
novatos, Will Won e Will Crawley, pareciam saber o que estavam
fazendo. E eu tenho que admitir que Amber era boa em julgar
personalidades. Com exceção da sua própria, é claro.
Ela e Jude passavam muito tempo trabalhando juntos. O que
não era nenhuma surpresa, considerando a quantidade de coisa
que estava envolvida à expansão da nossa plataforma. Os dois
pareciam se dar bem, o que era um alívio. Eu amava Jude como a
um irmão, mas às vezes ele podia ser exigente com as pessoas
com quem ele trabalhava. Julgando-as com base na forma como
elas programavam, ou como elas organizavam a estrutura de um
arquivo no computador. Coisas insignificantes assim.
Estou feliz por ele ter me convencido a contratá-la.
Havia uma outra razão pela qual eu estava feliz, mas eu
tentava não pensar muito naquilo. Amber Moltisanti era uma grande
gostosa. Era um fato impossível de ignorar. Seu rosto em formato de
coração, e seus lábios grossos que se comprimiam, quando ela me
olhava. Seus longos cílios naturais. A curva do seu quadril, e a
bunda redondinha na medida certa. Suculenta. Com S maiúsculo.
Apertável. Eu sempre demorava os olhos nela, quando passava
pela sua sala. Uma vez, ela não me viu por que estava muito
concentrada programando. Ela estava mordendo os lábios e
fazendo careta.
Ela é ainda mais sexy, quando faz careta, pensei, voltando
para minha sala.
Não importava o que ela alegava, havia absolutamente um
lado sensual nas nossas brincadeiras. A forma como ela me olhou
do banco da praça depois que invadiu meu apartamento me fez ter
certeza. Sim, ela estava puta comigo por tudo o que eu fiz no
aniversário da irmã dela. No entanto, havia mais coisa ali.
E depois que ela me cobiçou na academia, e a forma curiosa
com a qual ela me olhava desde aquele momento? Eu tive certeza
absoluta. Havia algo ali. E estava crescendo com o tempo.
Eu faria algo a respeito, se não estivesse tão ocupado com
tudo o que estava acontecendo no momento. Eu passava oito horas
por dia com advogados ao telefone, acertando os detalhes do
contrato e renegociando partes específicas. Sr. Rossi podia ter
herdado sua fortuna, mas ele também parecia saber o que estava
fazendo. Ou pelo menos seus advogados sabiam.
A iminência do contrato com o investidor não era minha única
preocupação. Naquela noite, eu me encontraria com o dono de uma
empresa de San Jose que queria integrar seu software com a nossa
plataforma. Em um jantar privado no Marcello’s. O dono – cujo nome
era Gio e não Marcello – era um homem velho e enrugado que
cumprimentava todo mundo com sorrisos calorosos e beijos nas
bochechas, como se eles fossem parte da sua família. Depois de
uma única visita, Gio se lembrava de quem eu era, e o que eu tinha
pedido. O restaurante e o bar viraram minha segunda casa, e eu me
sentia mais à vontade do que me sentia no meu apartamento
apertado.
Depois que Jude e eu ganhamos dinheiro com a PayScale,
comprei o lugar. Paguei três vezes mais do valor de mercado, mas
depois de tudo o que Gio tinha feito por mim? Eu fiquei feliz em
fazer aquilo. Permiti que Gio se aposentasse e passasse mais
tempo com seus netos (ele tinha dezoito!). Apesar disso, ele
continuou indo ao restaurante três vezes por semana para dizer um
oi ao pessoal da cozinha e experimentar o molho. Ele também se
certificava de que os clientes estavam sendo tratados com o mesmo
amor e calor, que ele achava que eles mereciam.
Na teoria, o restaurante não era muito lucrativo. As coisas
eram assim na indústria da hospitalidade. Porém, eu não me
importava. A diferente entre três mil e oito mil de lucro por mês não
significava nada para mim. O que significava era ter aquele lugar.
Ninguém poderia tirá-lo de mim.
Os bartenders e garçons sorriram e me cumprimentaram,
quando entrei. Passei alguns momentos conversando com cada um
deles, sendo amigável e gentil antes de subir as escadas. O deque
da cobertura estava cheio. Era uma bela noite, sem o frio usual que
vinha da baía. Saí do deque e fui para a sala privada perto da
escada.
“Jocelyn!”, eu disse, abrindo os braços. “Finalmente você
chegou! O trem estava atrasado?”.
Ela riu da minha piada. “Meu amor, eu não andaria de trem
nem se o Leonardo DiCaprio estivesse ao meu lado. É por isso que
eu tenho um belo e confortável carro”.
Quando Jocelyn e eu nos abraçamos e nos beijamos na
bochecha, não pude deixar de pensar no quão atraente ela era. Ela
estava usando um vestido Armani como se fosse uma segunda pele
e o decote da frente me deu uma visão bem saudável do topo dos
seus peitos. Sua mão permaneceu na minha bochecha por um
longo segundo, enquanto ela sorria para mim.
“Já faz algum tempo desde San Diego State, não é?”, ela disse
com a voz insinuante.
Jocelyn e eu moramos no mesmo dormitório no primeiro ano
de faculdade. Não éramos exatamente amigos na época
(frequentávamos círculos diferentes), mas em uma noite no final do
ano nós ficamos bêbados no quarto dela e acabamos transando. Foi
bem desleixado, bagunçado, nenhum de nós sabia o que estava
fazendo.
Mas eu ainda me lembrava de que tinha sido bom. Muito bom.
E aquela década que tinha passado tinha a tornado mais bonita.
“Nós dois vencemos distâncias”, eu disse, sentando-me com
ela.
Ela levou a taça de vinho aos lábios e tomou um longo gole.
“Se você tivesse me dito no passado que hoje nós dois estaríamos
administrando cada um sua empresa de tecnologia, eu não teria
acreditado em você”.
Acenei para o garçom que trazia meu coquetel, gin e tônica.
“Saúde. A nós!”, eu disse, tocando minha taça na dela.
“Nós, individualmente?”, ela perguntou. “Ou nós, trabalhando
juntos?”.
“Eu pensei em individualmente”, respondi com suavidade. “Se
você quiser integrar seu software com o câmbio da SE, então pode
ser um brinde aos nossos esforços conjuntos”.
“Owen, Owen”, ela disse, aproximando-se mais de mim. “Não
precisamos ir direto ao ponto. Uma garota gosta de ser cortejada
antes de ir para a cama com alguém”, seu sorriso implicava que a
cama naquele caso não era metafórica.
Quando eu agendei a reunião, dois meses antes, empolguei-
me com a ideia de rever Jocelyn. Ela era meu tipo de mulher:
motivada, carismática e incrivelmente linda. Secretamente, eu
esperava que nós fizéssemos mais do que negócios.
Porém, no momento em que eu estava ali, sentado ao lado
dela, não senti a mesma fagulha de empolgação. Não que ela não
correspondesse às minhas expectativas. Pelo contrário, ela as
superava. Ela era mais gostosa do que eu me lembrava. Meu pau
deveria estar latejando com a urgência de trancar a porta daquela
sala privativa e arrancar seu vestido.
Mas não, algo mudou, desde quando marcamos a reunião. E
depois de dois drinques com Jocelyn e pelo menos uma dúzia de
insinuações, eu me dei conta do que era.
Amber.
Inconscientemente, continuei comparando Jocelyn com a
programadora que estava trabalhando para mim. Jocelyn era um
pouco magra demais, enquanto Amber tinha curvas mais
voluptuosas. Jocelyn era charmosa e carismática, como uma líder
de negócios deveria ser, mas era fútil. Ela não tinha a língua afiada
e a inteligência sagaz de Amber.
Por que estou fazendo isso? Me perguntei, quando o garçom
nos trouxe pratos de aperitivos para começar. Jocelyn é
maravilhosa. Não preciso compará-la a ninguém.
Mas mesmo tentando, eu não conseguia tirar a outra garota da
cabeça.
“Eu não entendo como Curry ganhou dois prêmios MVP”, disse
Jocelyn, gesticulando para a TV na parede. Os Warriors estavam
jogando contra os Knicks. “A liga ainda está polarizada”.
“Você gosta de basquete?”, perguntei. “Tenho ingressos para a
temporada. Uma tribuna no segundo andar”.
“Eu adoraria assistir”, ela respondeu, terminando seu vinho.
“Você me mostra sua tribuna, mostro-lhe a minha”, ela pontuou com
uma piscadinha.
Eu sorri de volta, mas não estava entusiasmado. Eu
geralmente amava, quando as mulheres eram atiradas, mas eu não
estava interessado. Eu queria alguém que fosse difícil. Que valesse
a pena perseguir e convencer.
Um dos seguranças veio para a nossa sala privada. Ele
esperou, até que eu acenasse para ele, então se inclinou para falar
no meu ouvido.
“Ela está aqui”.
Eu sabia a quem ele estava se referindo. Eu estava esperando
aquela chegada, desde que invadi seu Facebook. Eu estava
surpreso por ela ter tido a paciência de esperar por dois dias.
O segurança me olhou questionador. Sacudi a cabeça e disse:
“Deixa ela ficar. Não há nada que ela possa fazer. Mas fique de olho
nela”.
Ele acenou e saiu.
“Quem é ela?”, Jocelyn perguntou. “Uma ex que veio fazer uma
cena no seu restaurante?”.
“Não. Uma cliente problemática. Não tenho ex-namoradas que
causam problemas”.
“Bom”, ela disse, com o sorriso largo. “Gosto de homens sem
bagagem”.
A segunda parte do jogo de basquete começou, e enquanto a
atenção de Jocelyn estava no jogo, peguei meu celular e acessei o
sistema de segurança do restaurante. Havia doze câmeras no
restaurante, e eu deslizei entre elas até encontrar a que eu queria.
O bar no andar de baixo apareceu em alta resolução, captado pela
câmera do teto. Havia quatro clientes sentados no bar, mas foi a
mulher no final do balcão que imediatamente atraiu minha atenção.
Amber parecia ter vindo direto do trabalho, porque seu laptop estava
pendurado no banco ao seu lado. Ela estava bebendo algo escuro,
enquanto usava seu celular.
Parei o vídeo e continuei assistindo ao jogo e flertando com
Jocelyn. Ela mencionou que sua casa ficava a meia hora e me
perguntou, não casualmente, a que distância eu morava.
No meu telefone, assisti Amber pagar por seu drinque. Ela
deslizou do banco e jogou seu cabelo por cima do ombro e pegou a
bolsa do seu laptop. Senti uma pontada de desapontamento,
quando ela rumou para a porta.
Mas antes de chegar lá, ela virou para a esquerda. Para os
banheiros.
“Você ouviu o que eu disse?”, Jocelyn perguntou. “Eu tenho
treinado yoga cinco vezes por semana. Sou muito flexível”.
“Sim, flexível, isso é ótimo”, fui trocando de câmeras até
encontrar a certa. O corredor dos banheiros. Um homem saiu do
banheiro e desapareceu da tela. Então Amber reapareceu na tela.
Mas ela não entrou no banheiro feminino. Ela passou pela porta,
abriu a porta com a placa Apenas Funcionários, e desapareceu.
Sorri para mim mesmo. Hora do jogo, Amber.
28

Amber

Me sentei no balcão do bar casualmente, bebendo meu


coquetel para matar o tempo. Meu plano era simples, mas eu
precisava que Owen não estivesse lá. Então, antes de fazer
qualquer coisa, eu precisava me certificar de que ele tinha ido
embora.
Se ele estivesse lá, ele não resistiria à tentação de ir me
provocar. Eu conseguia pensar em várias coisas que ele diria.
Talvez comentasse sobre meu traje felpudo ou falasse ao bartender
que eu não era confiável, e que ele deveria se certificar de que eu
pagaria minha conta, ou pior: ele diria que minhas bebidas eram por
conta da casa, usando seu dinheiro para me fazer reagir de alguma
forma.
Porém, depois de dez minutos sentada no bar, bebendo meu
drinque e fingindo que estava jogando no celular, Owen não
apareceu. Os seguranças não me expulsaram. Ele definitivamente
não estava lá.
Boa.
Paguei minha conta, coloquei a minha bolsa com o laptop
dentro no ombro e caminhei pelo corredor que dava no banheiro.
Havia um funcionário guardando a porta que eu tinha passado dez
minutos vigiando. Só uma outra pessoa da equipe passou por
aquela porta durante aquele tempo, a recepcionista, que voltou com
uma caixa de guardanapos.
Atravessei a porta com mais confiança do que eu, de fato,
sentia. Esse é o segredo, quando se tenta fazer algo assim: fingir
que pertence ao lugar. Ninguém vai longe na vida, se não fingir
confiança vez ou outra.
Entrei em outro corredor. O cheiro de comida sendo preparada
e de álcool foi substituído pelo cheiro de poeira e alvejante. A porta
no fim do corredor tinha uma placa: SAÍDA, em letras vermelhas, e
outras quatro portas estavam espalhadas pelo trajeto. A primeira,
ESCRITÓRIO, estava trancada. A segunda estava aberta, mas era
só uma despensa cheia de suprimentos tipo guardanapos e
talheres.
A porta seguinte dizia: SISTEMA, e eu sorri, satisfeita.
Agradeci silenciosamente ao Deus Hacker, coloquei a mão na
maçaneta e a girei.
A porta estava destrancada.
O cômodo era tão pequeno que não dava nem para eu abrir os
braços. Todos os tipos de cabos e fios isolantes se espalhavam pelo
chão e terminavam em caixas pretas de eletricidade, que os ligavam
no teto. Havia três caixas: eletricidade, TV a cabo e internet.
Bingo.
Fechei a porta e peguei meu laptop. Enquanto ele ligava, abri a
caixa da internet e achei a porta de acesso. Usei um cabo para
conectá-la ao meu laptop, o que me deu acesso direto ao roteador.
Finalmente, eu tinha acesso total à rede do restaurante. Eu
podia ver cada byte que transitava. Eu poderia até ver as câmeras
de segurança do restaurante, se quisesse. Havia uma na sala
principal perto do bar, então, presumi que havia outras no resto do
local e até na cobertura.
A empolgação tomou conta do meu corpo. Eu estava
acostumada a invadir sistema a distância. De casa, da segurança da
tela do meu computador, vestindo pijama. O mais próximo que eu
tinha chegado de um lugar que estava invadindo foi o apartamento
de Owen, quando me sentei do outro lado da rua para assistir. Estar
dentro do restaurante daquele jeito me fez me sentir o Tom Cruise
em Missão Impossível.
Eu ainda não sabia como usaria aquele acesso contra Owen.
Eu tinha revirado ideias na cabeça por dois dias, mas não tinha
conseguido estabelecer um plano sólido. Tudo bem, porque aquela
primeira noite era só para estabelecer meu acesso. Assim que eu
criasse uma conta backdoor e abrisse uma porta no firewall do
restaurante, eu poderia acessar tudo do conforto da minha casa.
Eu estava quase na metade, quando a porta da sala se abriu.
Meu coração parou, quando Owen entrou no cômodo e fechou
a porta atrás dele. Eu não tinha ideia do que se passava pela sua
cabeça, seu rosto estava impávido, quando ele me viu.
“Com licença”, ele disse, fingindo estar confuso “A senhorita
está perdida? Este não é o banheiro feminino”.
Resmunguei: “Droga”. Pega com a mão na massa.
Owen sorriu. Um sorriso vitorioso e charmoso que eu já
conhecia. “Você não consegue parar, não é mesmo?”, ele atestou.
“Vá se foder”.
“Eu sei que você tem pensado nisso”, ele respondeu
suavemente. O espaço era tão estreito que eu senti sua respiração
nas minhas bochechas. “Você está mesmo obcecada por mim. Não
aguenta ficar longe, quando não está no escritório, então precisou
vir aqui chamar minha atenção …”.
Eu gargalhei. “Obcecada? Se enxerga”, mas seu corpo estava
tão perto do meu, e eu senti seu perfume de novo. Então, as
memórias daquele dia na academia me invadiram …
Ele gargalhou de volta, como se fosse um jogo. “Eu conheci
uma garota feito você na primeira série. Ela sempre gostava de me
provocar no recreio. Me jogava coisas, e me chamava de cabeçudo.
Acontece que ela tinha uma grande queda por mim. Eu não tinha
ideia, até ela me beijar”.
Quando ele mencionou o beijo, meus olhos encontraram seus
lábios, grossos e sorridentes. Me peguei pensando em como seria
beijá-lo.
Apontei para a parede e disse: “Prefiro lamber esse circuito
elétrico ligado a te beijar”.
Te beijar. A frase ecoou pela salinha e pela minha cabeça.
Owen mordeu um lábio e continuou rindo. Então, correu uma mão
pelo cabelo.
“Não acredito em você, criança”.
“Você pode acreditar no que quiser …”, eu comecei, mas não
consegui terminar a frase.
Porque Owen se inclinou e me beijou, e eu me esqueci de tudo
o que ia dizer. Sua mão escorregou pela minha bochecha até
alcançar minha nuca, e então ele me agarrou de forma possessiva.
Então me esqueci de tudo o que estava fazendo ali. Do meu laptop,
do acesso à rede, do meu plano de vingança. Tudo sumiu como
neve num dia de sol. Tudo o que eu pensei foi no calor e na
empolgação que se espalhava pelo meu corpo, enquanto nossas
bocas se moviam e se agitavam.
Estou beijando Owen, uma voz sussurrou e o pensamento me
excitou mais do que eu esperava que ele podia.
Owen me deu uma última investida com os lábios e então se
afastou. Ele sorriu e disse. “Eu sabia”.
Meu peito ficou pesado, e eu tentei chegar para trás, mas
minha bunda já estava no limite, encostando no equipamento de
metal pesado. “Você está de brincadeira”, eu disse, sem ar, de todas
as formas possíveis. “Tentando me confundir depois de descobrir
meu plano”.
“É só você dizer que eu saio daqui”, ele disse, com a voz tão
baixa que era um suspiro. Havia uma promessa sexy nos seus olhos
confiantes. “É só dizer que eu volto lá para cima, para a minha
reunião, sem mais nenhuma palavra”.
Abri minha boca, mas nenhuma palavra saiu. Minha língua se
recusava a se mover. Eu não podia pedir a ele que saísse, porque
eu não queria que ele saísse.
Eu quero que ele me beije de novo, dei-me conta. Eu quero
que ele pegue meus peitos, que ele pressione seu corpo contra o
meu, que ele me tome como o prêmio que ele tanto tem esperado.
Como se ele pudesse ler meus pensamentos, ele assentiu
satisfeito. “Foi o que eu pensei”.
O beijo foi mais intenso, como se ele tivesse se segurado da
primeira vez. Ele me beijou com seu corpo todo, seu peito largo
pressionando o meu, sua coxa entre as minhas pernas, e suas
mãos escorregando até minha lombar. Meu corpo se abriu para ele,
como uma flor se abre para o sol, e sua língua se moveu na minha
boca em resposta.
Todas as frustrações e a competição que tínhamos vivido de
repente se transformaram naquele ato físico, como se tudo pudesse
finalmente ser resolvido naquele armário lotado.
Gemi na boca de Owen, quando sua coxa encontrou o meio
das minhas pernas com uma pressão emocionante. Estiquei meu
braço pelo seu volume, meus dedos alcançaram seu zíper. Antes
que eu pudesse abri-lo, ele agarrou meu punho e colocou minhas
mãos para cima da minha cabeça, contra a parede, beijando meu
pescoço. Me deixando saber que ele estava no controle, de forma
que fez meu corpo derreter.
Sua mão livre desceu até meu zíper, soltando meus jeans, e
ele os abaixou pelas minhas pernas, junto com a minha calcinha.
Saí de dentro das minhas roupas e estiquei meu braço para puxá-lo
de novo para perto de mim, mas ele não me deixou. Suas mãos
desceram pelas minhas coxas, separando-as. Abrindo minhas
pernas.
Entendi o que ele queria fazer, quando já era tarde, então eu
disse: “Não, eu não …”, ele enfiou seu nariz no meu sexo e minhas
palavras se tornaram um gemido de surpresa.
No quesito sexo oral, eu sempre mantive uma certa distância.
Eu não gostava que os homens fizessem isso. Certamente, um
psicólogo teria uma explicação melhor para isso, mas eu sabia que
era uma questão de confiança. Eu não me senti confortável em
fazer isso com Jude, provavelmente não me sentiria por semanas,
ou até por meses.
Porém, Owen nem me perguntou. Ele simplesmente enfiou sua
cara na minha boceta, como se fosse uma piscina de água gelada
para um homem com sede. Ele me queria, então ele me tomou.
E a parede ao nosso redor tremeu.
O prazer me invadiu, enquanto ele beijava meus grandes
lábios e, então, meu clitóris. Eu fiquei chocada com a sensação,
totalmente atordoada, enquanto meus joelhos oscilavam, e eu
praticamente caí sentada na caixa atrás de mim. A boca de Owen
me acompanhou, sem tirar sua boca de mim. Ele me devorava com
sua língua que se movia e se agitava de cima para baixo.
Inclinei minha cabeça e gemi muito alto, eu não podia me
controlar. Meu corpo tinha desejo próprio, e eu estava reagindo aos
raios intensos de prazer que me invadiam pelo meio das minhas
pernas. Owen olhou para cima, e seus olhos esmeralda me
deixaram mais enlouquecida e mais selvagem, enquanto sua língua
fazia coisas maravilhosas comigo. E eu não conseguia conter meus
gemidos.
Um pensamento invadiu minha cabeça. Owen, esse cara da TI
convencido está me chupando!
Mas não foi um pensamento alarmante. O efeito foi contrário, e
parecia reforçar o êxtase puro e roto que assolava meu corpo.
A língua de Owen era totalmente atenciosa à minha boceta e
ao meu clitóris enquanto ele me chupava, alternando entre a rigidez
e o calor de chupadas intensas com a suavidade de lambidas em
volta. Ele passou mais tempo fazendo a segunda coisa, beijando-me
e roçando seu nariz, enquanto seus dedos acariciavam minha
entrada encharcada. Seus dedos estavam ensopados em segundos,
então entraram em mim com uma facilidade maravilhosa.
Comecei a me esfregar no seu rosto, me empurrando contra
ele, implorando por mais. Seus dedos se moviam para dentro e para
fora, contorcendo-se suavemente, como se fosse um saca-rolhas
com precisão espantosa. Então minhas mãos desceram pelo seu
cabelo, aqueles fios sedosos que eu tinha ficado admirando a
distância, pensando como seria tocá-los. E naquele momento eu os
agarrava com força, enquanto o rosto de Owen se afundava no meu
sexo, e eu gemia obscenidades, implorando para ele não parar, para
continuar, daquele jeito, bem assim, me come, bem assim, VAI!
Minhas costas se arquearam dolorosamente, e tudo ficou
brilhante, quente e ensurdecedor, um barulho sem som que lavava
meu corpo e me enchia de felicidade, enquanto cada nervo e cada
músculo se eletrificava e relaxava ao mesmo tempo. Então, o brilho
diminuiu, o barulhou parou, e só o que restou foram meus gemidos
irregulares.
Eu arfava como quem tinha acabado de correr uma maratona,
quando olhei para baixo e vi que ainda segurava os cabeços de
Owen. Meus dedos doíam com a pressão, quando eu finalmente os
libertei. Minhas pernas pareciam gelatina e, se eu não tivesse
escorada pelos equipamentos debaixo de mim, teria caído no chão.
Então Owen ficou em pé. O volume na sua calça jeans era
indiscutível e senti um pouco de inveja por não ter sentido aquilo
dentro de mim, somente seus dedos.
Ele limpou a boca com as costas da mão e sorriu
selvagemente. “Faça o que quiser com o firewall. Vou deletar a
conta e trocar as portas de acesso depois que você sair. Valorizo a
tentativa, entretanto. Teria funcionado, se eu não estivesse
vigiando”.
“Esquece esse firewall”, eu suspirei, tocando seu peito. “Só tem
uma porta que eu quero que você acesse.
Dei uma risadinha com a minha piada pós-orgasmo. Owen
também, mas não fez nenhum esforço para abrir seu zíper e me dar
o que eu realmente queria.
“Preciso voltar para uma reunião. Te vejo amanhã no
escritório”.
Ele se inclinou o suficiente para me beijar. Seus lábios estavam
a apenas alguns milímetros dos meus. Perto o suficiente para eu
sentir o calor do meu corpo ricocheteando no dele.
E, quando eu me inclinei para vencer aqueles milímetros e
beijá-lo, ele se afastou, com um sorriso de sabichão, e saiu daquela
salinha, me deixando sozinha e confusa.
29

Amber

Encarei a porta por um longo tempo, esperando pela volta de


Owen. Esperando-o entrar e dizer que estava brincando. Que era
outra pegadinha para se vingar do que eu tinha feito no seu perfil do
LinkedIn. Então, ele abriria seu zíper, revelando o membro duro que
nenhuma calça jeans seria capaz de conter, e me tomaria, até que
nós dois acabássemos arfando e satisfeitos.
Mas ele não voltou.
Desci da caixa lentamente. Minhas pernas estavam moles e
trêmulas, mas consegui me estabilizar o suficiente para vestir a
calça.
Enquanto eu colocava meu laptop dentro da bolsa, um
pensamento terrível me atingiu. E se tudo isso fosse parte de outra
peça que ele estava me pregando? Algo mais elaborado, pessoal e
cruel? Imaginei que abriria a porta e daria de cara com todo mundo
da SE. Nancy, Dave e os dois Wills. Eles teriam ouvido meus
gemidos de prazer nos momentos anteriores. Owen apontaria para
mim e riria da minha cara vitoriosamente, o que me assombraria
pelo resto dos meus dias.
Mas quando abri a porta, a única coisa que encontrei foi o
silêncio.
Isso realmente aconteceu? Me perguntei enquanto encarava o
corredor vazio.
Nervosamente saí da área de funcionários e voltei para o
restaurante. Owen não estava em nenhum lugar que eu podia ver. O
que provavelmente era bom, porque eu não tinha ideia de como
reagiria, se o visse.
Eu estava entorpecida no caminho de volta para o trem. Era
como estar bêbada, mas de endorfinas ao invés de álcool. Meus
joelhos ainda estavam bambos, mas eu recobrava minhas forças a
cada passo.
Isso realmente aconteceu? Me perguntei de novo, quando me
sentei no trem. Eu até me belisquei, para ter certeza de que não era
um sonho extremamente realista. Minha pele queimou de dor e ficou
branca onde eu tinha me beliscado, mas eu não acordei.
Aquilo confirmava que sim, nossa provocação tinha um toque
de flerte. Ou pelo menos para ele tinha, eu só não tinha me dado
conta. Entretanto, a forma como meu corpo ganhou vida, quando ele
me tocou naquela salinha, foi uma reação inesperada, parecia que
eu realmente o desejava já fazia tempo.
Intensamente.
Enquanto o trem sacudia nos trilhos, revivi o encontro sexy na
minha cabeça. O beijo, a forma como Owen arrancou minhas
calças, a fome com a qual ele me chupou, enfiando sua cabeça
entre as minhas pernas e inalando, como se eu fosse um perfume
caro que ele queria comprar.
A última vez que recebi sexo oral foi na faculdade. Foi a última
vez em que confiei o suficiente em um cara para deixá-lo fazer
aquilo e, mesmo assim, depois de seis meses juntos. Mas Owen
baixou minha guarda instantaneamente, envelopando meu clitóris
com sua boca e me devorando com um abandono imprudente.
Fazendo-me tremer e gritar seu nome naquela salinha, enquanto
gozava pelo seu rosto todo.
Eu me sentia diferente. Internamente e no que dizia respeito
aos meus sentimentos por Owen. Mas era um tipo bom de diferente.
Ah, era totalmente bom!
Um sorrisinho juvenil me escapou no trem. Um cara mais velho
se virou para me olhar, mas eu o encarei como quem diz ‘cuida da
sua vida’, e ele voltou para a posição em que estava antes.
Não acredito que deixei Owen fazer isso, pensei. Eu não deixei
Jude me chupar, e confio muito mais nele.
De repente me dei conta. Jude!!
Como eu tinha me esquecido dele durante tudo aquilo?
Eu estava dormindo com Jude. Consistentemente. Mas aí
beijei Owen na salinha do seu restaurante e o deixei chupar minha
boceta.
A situação já faria me sentir culpada em qualquer outro
contexto. Nesse principalmente. Eles se conheciam. Eles eram
amigos. Eles eram parceiros de negócios.
Será que eu tinha acabado de arruinar meu trabalho na SE?
Eu estava me esforçando tanto para não estragar tudo!
Senti raiva de mim mesma. Frustrada. Confusa. Excitada e
satisfeita também, mas estes sentimentos tinham sido emudecidos
naquele momento. O que eu iria fazer?
Uma coisa era inegável: eu estava intensamente atraída por
Owen naquele momento. E não conseguia parar de pensar nele.

Para evitar que Jude viesse até a minha casa naquela noite,
mandei uma mensagem dizendo que não estava me sentindo bem.
Eu queria vê-lo, mas não confiava em mim naquele momento. Ele
veria minha confissão estampada no meu rosto e imediatamente
quereria saber o que estava errado. Além disso, eu precisava
entender meus sentimentos antes de mais nada.
Porém, quando cheguei ao trabalho na manhã seguinte e fui
para a minha sala, Jude imediatamente veio até mim.
“Ei, você tem um minuto?”, ele perguntou, me convidando para
entrar na sala dele.
Tentei agir o mais naturalmente possível, quando entrei. Será
que ele sabia? Será que Owen tinha contado a ele? Eles eram bons
amigos, e homens gostam de falar sobre essas coisas. Pelo menos
homens como Owen.
Brevemente me perguntei se deveria ser honesta. Arrancar o
Band-Aid de uma vez e contar a ele o que tinha acontecido. Era a
coisa certa a se fazer, e seria um gesto de boa fé. Mas eu ainda
estava processando minhas próprias emoções e sabia que não teria
coragem de dizer as palavras em voz alta. Ainda não.
“O que foi?”, perguntei e fiquei tensa esperando pela sua
resposta.
“Você está se sentindo melhor?”.
Suspirei por dentro aliviada. Ele só queria saber como eu
estava.
“Sim, bem melhor …”, eu respondi. “Foi só uma dor de
garganta, mas já passou. Provavelmente alguma alergia …”.
“Bom, muito bom”, ele removeu os óculos e limpou as lentes
com um pano. “Eu, hm, queria discutir nossa relação também”.
Minha respiração ficou presa na garganta. “Hm?”.
“Eu estava falando com Melinda …”, Jude passou a mão pelo
cabelo, sinal de que estava nervoso. “O documento que ela quer
que a gente assine. Falando sobre o nosso relacionamento. Ele é
bem detalhado no que diz respeito à, hm, natureza do nosso
relacionamento. E eu disse a ela que é apenas físico”.
“Ah, sim”.
“O documento fica mais simples assim”, ele continuou
rapidamente. “E eu estava pensando que seria mais simples no
geral se, hm, a gente mantivesse tudo casual. Você e eu podemos”,
ele abaixou a voz, “… continuar dormindo juntos. Mas não podemos
deixar que outras pessoas nos vejam juntos. Isso daria uma
impressão errada aos outros funcionários”.
“Sim, claro”, eu disse devagar. Tudo aquilo me parecia muito
conveniente. Será que ele sabia o que eu tinha feito com Owen na
noite anterior e estava tentando me dizer que estava tudo bem?
“Então é tipo um relacionamento físico”, ele disse, com as
bochechas coradas. “Nada mais. Quer dizer, eu definitivamente
gosto de você. Como amigo, e como mais do que amigo. Talvez.
Mas agora tudo está tão maluco por aqui com a expansão e nosso
volume de trabalho, que deveríamos manter tudo casualmente.
Talvez no futuro possamos dar um passo à frente, se tudo correr
bem. Talvez”.
Eu sorri para ele disse: “Você só está tentando se certificar de
que não somos exclusivos para sair com outras mulheres, não é?”,
se qualquer outro homem tivesse começado aquela conversa, meu
comentário seria genuíno, mas partindo de Jude, o bem-
intencionado e adoravelmente esquisito cara da TI, só fiz uma piada.
Suas bochechas foram de vermelho para carmim. “Não!
Absolutamente não. Quer dizer, eu não tenho ninguém mais … na
verdade, nós dois poderíamos fazer isso, mas não acho que eu vou
fazer. Mas poderíamos. Se quiséssemos. Apesar de eu não querer”.
Eu sorri para ele de forma calorosa e desarmante. “Relaxa. Eu
só estava brincando. Eu sei e concordo com tudo o que você disse.
Vamos manter isso casual. E se isso se tornar algo mais …”, eu
pisquei para ele. “Melhor ainda”.
Ele sorriu de volta para mim, e eu sabia que tudo estava bem.
Pelo menos naquele momento. Eu tive o impulso excruciante de
caminhar na direção dele e beijá-lo. Não havia mais ninguém no
segundo andar. Seria rápido. Ninguém saberia.
Porém, antes que eu pudesse agir, ouvi passos atrás de mim.
Congelei, apavorada com a ideia de que seria Owen. Mas era só
Will Crawley.
“Ei, chefa. E chefe”. Ele acenou para mim, então para Jude.
“Eu tenho uma pergunta sobre uma das funções da cadeia lateral da
Ethereum. O histórico diz que ambos trabalharam nela”.
É difícil ter privacidade agora que temos mais funcionários.
“Na verdade, foi só Jude”, eu disse, me lembrando do código
ao qual ele se referia. “Só acrescentei alguns comentários depois”.
“Legal. Estou trabalhando na integração com uma das outras
moedas baseadas em token …”.
Me afastei enquanto ele explicava seu problema. Jude me deu
um sorriso secreto, antes de voltar sua atenção para o novo
programador. Sorri de volta para ele, antes de me virar e sair da
sala.
Então, imediatamente dei de cara com Owen.
Seu peito estava duro feito pedra, e ele nem tremeu, quando
eu literalmente esbarrei nele. Meu corpo acordou e ficou em estado
de alerta, como se eu fosse um soldado pronto para os meus
deveres. Ele estava usando jeans e uma camisa polo azul justa, o
que para ele era tão formal quanto um terno. Ele tinha uma caneca
da Starbucks nas mãos e seus olhos estavam cobertos por um par
de óculos escuros que devem ter custado cinco pratas ou
quinhentos mil.
Minha boca ficou seca, e eu lambi meus lábios para forçá-los a
se hidratarem. “Óculos escuros do lado de dentro?”, eu disse
gargalhando. “Vocês, caras da TI, têm um senso de moda muito
estranho”.
Ele fez uma careta. “A festa foi longa com a nossa nova
parceira de negócios ontem. Vamos integrar nossos softwares logo.
Uma ressaca dessas vale a pena para mandar bem assim no
trabalho”.
“Você é um mártir de verdade”, respondi, mas o sarcasmo no
meu tom foi menos duro do que deveria ter sido. “E essa camisa
polo?”.
Ele olhou para si mesmo. “O que tem?”.
“Nunca te vi usar nada mais elegante do que uma camiseta”.
“Você só trabalha aqui faz duas semanas”, ele pontuou.
Teria ele se vestido melhor por minha causa? Era o único
motivo que me vinha a cabeça.
“Você teve uma boa noite?”, Owen tomou um gole do café,
mas eu ainda podia ver seu sorriso por trás da xícara. Aquele
sorriso me lembrou do sorriso da noite anterior, quando seu rosto
sexy estava no meio das minhas pernas, e sua língua se contorcia,
cultuando-me …
“Minha noite foi ok”, respondi. “Poderia ter sido melhor”.
“Tenho certeza de que foi algo válido, mesmo que não tenha
sido tudo o que você queria”, ele sorriu largamente.
De repente, Jude e Will saíram do escritório e se juntaram a
nós. “Noite boa?”, Jude perguntou, depois que Will desceu as
escadas.
“Noite ótima”, Owen respondeu, sorrindo com uma luxúria
discreta na minha direção. Mas se Jude tinha entendido alguma
coisa, não deixou claro.
“Você e Jocelyn se deram bem?”, Jude perguntou.
“Sim, ela foi mais ousada do que eu me lembrava”, ele
respondeu.
“Achei que você tinha ido para uma reunião de negócios?”,
perguntei, tentando esconder minha surpresa. “Foi um encontro?”.
“Um pouco de cada”, ele respondeu. “Jocelyn e eu estudamos
juntos, e ela tem uma empresa de processamento de dados. Ela
ainda tem uma queda por mim, com certeza. Eu juro que ela se
comportou como um cachorro encarando uma máquina de frango
assado. Não me olhe assim, Boston. Nada aconteceu. Eu tenho
mais autocontrole do que você pensa. E estava concentrado no
acordo”.
“Quem sou eu para te julgar?”, Jude disse, limpando a
garganta. “Às vezes não tem problema em misturar um pouco da
vida pessoal com o trabalho …”.
Owen bufou. “Você está bem, cara? Nunca pensei que você
pudesse dizer uma coisa assim …”.
Os olhos de Jude se arregalaram. “Não! Quero dizer, sim.
Estou bem! Estava só pensando …”. Ele pegou seu celular do bolso.
“Ah, merda, esqueci de responder o e-mail de Melinda …”.
Eu fiz uma careta com toda aquela cena, mas Owen não
pareceu perceber nada de errado. Ao invés disso, ele enfiou a mão
no bolso e colocou algo nas minhas mãos.
“Falo com vocês depois”, ele disse, correndo para a sua sala.
Abri minha mão e encontrei um Post-it dobrado na metade.
Jude virou as costas para mim e fez uma careta. “O que foi
isso?”.
“Hm … não sei. Owen é estranho”.
Jude deu uma risadinha e disse: “Isso significa que ele falhou
com Jocelyn. Ele passou dois meses ansioso para essa reunião.
Aparentemente ela é muito atraente”. Ele limpou a garganta e
adicionou. “Na opinião de Owen, eu não concordo”.
Ele estava em um encontro com uma mulher atraente ontem,
pensei, e a deixou para ir jogar comigo? A confusão na minha
cabeça se intensificou.
Jude acenou para mim. “O que é isso? Um bilhete?”.
Fechei os dedos para cobrir o papel instintivamente, e então os
abri novamente. O bilhete provavelmente era algo pessoal.
Provocando sobre o que tinha acontecido, ou prometendo mais.
Mas eu não podia esconder e ler depois, sem levantar suspeitas.
Desdobrei o pedaço de papel vagarosamente.

Arrombada6969

A palavra vulgar me trouxe imagens da noite anterior,


memórias dos braços fortes de Owen em volta das minhas coxas, e
sua língua pressionando meu clitóris com força.
Jude gargalhou. “É a senha nova do seu Facebook, não é?”.
Me dei conta de que ele estava certo. Era semelhante à senha
que eu tinha alterado no LinkedIn de Owen, Arrombado6969. Owen
estava me dando acesso de novo … e me provocando ao mesmo
tempo.
“Sim”, eu disse, gargalhando. “Acho que é”.
Owen saiu do seu escritório e caminhou na nossa direção.
“Melinda disse que comprou donuts. Comam enquanto estão
frescos”.
“Você deu a senha do Facebook de Amber a ela?”, Jude
perguntou. “Mesmo que só dois dias tenham se passado?”.
Owen sorriu amplamente e respondeu, sem parar no corredor.
“O que posso fazer? Gosto de dar coisas”.
Ele gargalhou, enquanto descia as escadas, me deixando mais
vermelha do que nunca.
30

Amber

Depois de pegar um donut –de chocolate – na cozinha, voltei


para a minha sala e tentei fazer login na minha conta do Facebook.
A senha funcionou. Rapidamente, alterei para algo mais seguro e
removi a foto falsa da minha página.
Foi mesmo uma coisa boa o fato de Owen me dar acesso à
minha conta, em vez de me fazer esperar por cinco dias, como tinha
ameaçado. Foi um pequeno gesto, mas que indicava que as coisas
tinham mudado entre nós.
Mais indicativos de mudança? Ele me chupou ontem!
O fato de que ele tinha ido jantar com outra mulher na mesma
noite também era estranho. Intrigante. Decidi descobrir quem era
aquela mulher. Seus detalhes não apareciam no calendário de
Owen, mas Jude mencionou o fato de eles terem estudado juntos.
Uma Jocelyn que tinha estudado na San Diego e que atualmente
era a diretora de uma empresa de processamento de dados. Em
vinte segundos encontrei fotos dela.
E ela era gata.
Jocelyn Wagner tinha pernas longas e cabelos sedosos, como
uma top model dos anos oitenta. Magra e estilosa. Ela estava
vestida impecavelmente em todas as fotos que encontrei. Como se
ela tivesse uma assessoria de estilo pessoal. E ela tinha seios fartos
e vívidos, que ficavam maravilhosos nas suas roupas, mesmo sem
nenhum decote.
Para ser honesta: ela era mais bonita do que eu.
E Owen a deixou esperando para vir vadiar comigo.
O pensamento me deixou animada e excitada de novo.
Quando fechei a aba de busca da internet e voltei para o software
de programação, tentei afastar meu chefe sexy da minha cabeça,
mas ele permaneceu nos meus pensamentos, como se alguém
tivesse tatuado o nome ‘Owen’ no meu cérebro.
Eu ainda me sentia vagamente culpada com a situação. Eu
estava dando uns amassos em dois homens da mesma empresa.
Dois bilionários que eram meus chefes. Que tipo de garota era eu?
Mas Jude tinha sido enfático, dizendo que as coisas entre nós
eram casuais. E que nosso relacionamento, físico ou mais do que
isso, só tinha começado fazia alguns dias. Uma semana, para ser
exata. Eu gostava muito dele, mas estávamos longe de ter algo
sério.
Aquilo mudava alguma coisa?
Formei uma lista mental:

Razões para contar ao Jude:


1. É a coisa certa a se fazer.
2. Ele e Owen são amigos.
3. Eu prefiro que ele saiba por mim do que por Owen.

Razões para não contar ao Jude:


1. Ele pode se ferir.
2. Eu quero continuar nosso romance.
3. Eu quero pagar para ver o que vai acontecer entre mim e
Owen.

O último item da lista me fez refletir. Pagar para ver o que vai
acontecer entre mim e Owen? Na noite anterior, eu quis mais, e ele
não me deu.
Que tipo de homem recusa sexo desse jeito? Especialmente
depois de chupar a garota.
A resposta era cruel e provocativa: o tipo de homem que não
quer dormir com você.
Talvez Owen não quisesse ir em frente comigo. Talvez ele nem
mesmo estivesse interessado. Ele me beijou, não sentiu nada e,
então, resolveu me dar uma esmola metafórica, chupando minha
boceta. Um prêmio de consolação.
O pensamento me fez me sentir absolutamente vazia, e eu não
consegui parar de pensar no assunto a manhã toda.
Minha resposta chegou na hora do almoço.
Owen entrou na minha sala como se fosse o dono do lugar. Ele
meio que era, mesmo. Meu corpo todo despertou de novo, logo que
o vi, uma mistura de atração sexual, frustração e curiosidade.
“Você tem planos para o almoço?”, ele perguntou.
Pisquei, surpresa. “Não … não tenho”.
“Que bom. Vamos sair. Precisamos discutir algumas coisas”,
ele me encarou por alguns segundos. “Vamos? Anda”.
Peguei meu celular e o segui para fora da sala. O pânico me
invadiu, quando pensei que desculpa inventaria. Até o dia anterior,
eu e Owen éramos inimigos mortais. De repente, estávamos ali,
indo almoçar juntos …
Owen enfiou a cabeça dentro do escritório de Jude. “Vou levar
Amber para o almoço com os caras da AWS”.
Jude removeu seus fones do ouvido e fez uma careta. “Tentem
agir como adultos durante a reunião. Vai nos ajudar a construir uma
boa reputação”.
Owen me olhou de forma selvagem. “Não posso prometer”.
Eu o segui até o andar de baixo, saímos do prédio, e um carro
já estava à nossa espera. Entramos no banco de trás, e o carro
partiu.
“AWS?”, perguntei. “Serviços Web da Amazon?”.
Owen olhou pela janela, sem me encarar. “Com toda a
expansão, precisamos aumentar nossa hospedagem de sites.
Preciso que você responda às questões técnicas que possam
surgir”.
“Obrigada pela confiança”, eu disse.
Ele deu de ombros. “Jude estava ocupado. Era você ou um dos
recrutas”.
Enquanto o carro rodava por São Francisco, esperei Owen
tocar no assunto. Mas ele ficou em silêncio absoluto. Quando o
carro parou perto de um restaurante no cais, não tínhamos trocado
uma só palavra. Era um restaurante grã-fino, e eu me senti
inadequada vestindo calça jeans e tênis.
É por isso que ele está usando uma camisa polo, notei. Não
porque ele quer me impressionar.
“Chegamos antes deles”, Owen disse, enquanto a
recepcionista nos guiava até nossa mesa. “Não pega bem para o
time de vendas. Eles deveriam ter chegado bem antes e já
começarem a conversa praticamente implorando para que nós
fizéssemos negócios com eles”.
A referência casual foi demais para mim. “Vamos falar sobre o
que aconteceu ontem no seu restaurante?”.
Ele me deu um olhar confuso. “Não?”.
“Como assim, não? Você não quer falar sobre isso?”.
Owen deu de ombros. “Não tenho nada para falar”.
“Nada para falar …”, repeti. “Sério mesmo?”.
Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, o pessoal da
Amazon chegou, um homem e uma mulher, ambos jovens,
atraentes e sorridentes. Eles pareciam o rei e a rainha do baile de
formatura.
Owen começou com os cumprimentos e apresentações. Era
como se ele tivesse apertado um botão de repente. Sr. Diretor,
charmoso e gentil, prestes a falar sobre sua empresa para qualquer
pessoa que quisesse ouvir. Eu sorri e acenei, enquanto eles
falavam, basicamente só os três estavam envolvidos na conversa.
Depois da entrada, a discussão mudou para os serviços de
hospedagem de sites. Owen explicou o plano que tínhamos com a
Microsoft e o aumento que estávamos esperando nos próximos
meses e anos.
“Aqui está o plano que recomendamos a vocês”, a mulher do
sorriso de um milhão de dólares respondeu. Ela escorregou um
fichário sobre a mesa. “Para uma empresa com o seu potencial,
podemos oferecer isso tudo significativamente mais barato do que a
Microsoft”.
“Isso é sempre bom”, Owen respondeu e me olhou. “O que
você acha, Amber?”.
Abri o fichário e li os detalhes técnicos. “Me parece bom”. Eu
parei. “Essas soluções são todas sob demanda”.
“Achamos que é o melhor para uma empresa do tamanho da
de vocês e com crescimento potencial”, o homem respondeu.
“Nosso plano atual com a Microsoft é dinâmico”.
A mulher respondeu olhando para Owen, mesmo após eu ter
apontado a diferença: “Não achamos que seja necessário. Na
verdade, achamos que a Microsoft está tirando vantagem de vocês”.
Ela deu uma risadinha comedida e sacudiu a cabeça.
“Acreditem: é isso o que vocês querem”. O homem tocou o
fichário com um dedo.
“Não olhem para mim”, Owen disse. “Amber é quem sabe. E,
sem ofensas, eu confio mais nela do que em vocês”.
Eu estava prestes a recuar e concordar com o que quer que
Owen e os vendedores decidissem, mas ele me olhou com
confiança. Ele confiava mesmo em mim. Então, eu segui em frente.
“Escalonamento sob demanda é mais barato no papel, mas
toda vez que tivermos um problema de tráfego de dados na
plataforma, teremos custos adicionais. E a confiabilidade é mais
baixa durante a inicialização destes servidores novos. Com o
escalonamento dinâmico, os servidores oferecem suporte, mesmo
que o tráfego de dados aumente”.
O sorriso do homem era quase condescendente. “Você está
tecnicamente certa, é claro. Mas o tráfego atual da sua plataforma
não está nem perto do número que se beneficia do escalonamento
dinâmico. Este plano é mais do que adequado”.
“Não estamos planejando de acordo com o tráfego atual”,
respondi. “Estamos planejando com base no que esperamos para o
próximo ano. Com os projetos das blockchains paralelas que
estamos correndo para terminar, nosso tráfego vai ser dez vezes
maior do que é hoje. Mil vezes durante o pico. E uma plataforma de
troca de criptomoeda como a nossa vai ter vários picos durante as
movimentações do mercado”.
A mulher suspirou irritada. “Owen, achei que estávamos de
acordo durante a nossa ligação preliminar. E as coisas mudaram
agora de repente …”.
Owen olhou para mim. “Qual é sua resposta final, Amber?”.
Ignorei os olhares frustrados dos dois e respondi:
“Definitivamente, precisamos de escalonamento dinâmico”.
Owen gesticulou. “Aí está. Confio em um membro da nossa
equipe. Incluam escalonamento dinâmico no acordo, ou vamos
manter a Microsoft como hospedeira”.
As expressões de alegria dos dois se desmancharam. “Owen,
vamos falar um pouco mais sobre isso. Tenho certeza de que você
vai ver como este plano é muito mais barato, se ler com atenção
nosso indicadores-chave de performance …”.
“O preço não interessa, se vocês vão cobrar mais caro durante
os picos”, ele respondeu.
“Ou se a plataforma cair, enquanto vocês estão atualizando os
servidores sob demanda”, completei.
O homem pediu licença para usar o banheiro. Sua parceira
tentou continuar conversando sorridente conosco sobre o clima
maluco da baía e se algum de nós estava infeliz com a mudança
dos Raider para Las Vegas. Quando ele voltou do banheiro, tinha
uma expressão séria e o celular em mãos.
“Podemos incluir escalonamento dinâmico no plano”, ele disse,
como se aquela tivesse sido a ideia o tempo todo.
Owen me olhou satisfeito, o que me fez sorrir o resto do
almoço.
31

Amber

Depois que a dupla da Amazon foi embora, Owen me guiou até


o bar para tomarmos um coquetel em celebração. Dois copos de um
uísque do qual eu nunca tinha ouvido falar, mas que parecia caro,
considerando o olhar surpreso do bartender.
Enquanto ele preparava nossos drinques, eu fiz algumas
contas em um guardanapo. “Está vendo esse preço subindo?”, eu
disse, apontando para o fichário da Amazon. “Se o preço de um
Bitcoin oscila, e nosso tráfego aumenta, nós pagamos esse valor
por minuto”.
“Caralho!”, Owen respondeu.
“Os picos geralmente duram quatro ou cinco horas. Por este
preço e com a quantidade estimada de tráfego que esperamos ter
…”, escrevi o número e confirmei o fato. “O plano deles nos custaria
cinquenta mil a mais!”.
“Cinquenta mil por pico de tráfego”, Owen ressaltou. “Você
sabe como criptomoedas funcionam. Isso pode acontecer dez vezes
em uma única semana!”.
O bartender nos entregou dois copos de líquido marrom-
escuro. Owen ergueu o seu e disse: “Que bom que eu te trouxe”.
“Que bom mesmo. Se você tivesse assinado um contrato de
três anos com esse plano, eu o chamaria de idiota para sempre”.
“Eu sou esperto o suficiente para saber quando devo confiar na
sabedoria de outra pessoa”.
Tomei um gole do uísque. Era turvo e deixou um gosto de
fumaça na minha boca, enquanto queimava minha garganta
suavemente.
“Já que eu economizei cinquenta mil por pico”, eu disse. “Que
tal algum tipo de compensação bônus no meu próximo
pagamento?”.
Owen apertou os olhos verdes por cima de seu copo. “Um
bônus indireto, certamente. Esta economia vai ser refletida nas
ações da empresa, o que vai aumentar o valor das suas”.
Suspirei dramaticamente. “Tá bom”.
“Sem piadas agora”, ele disse, mais sério. “Você mandou bem
demais na reunião. Merece elogios”.
Terminamos nossos drinques e pedimos mais dois, enquanto
discutíamos os melhores momentos da reunião. Tirar sarro dos
vendedores da Amazon por tentar nos convencer, a forma como
conseguimos driblar as tentativas. Owen descreveu a reunião para o
bartender, como se eu fosse uma amazona corajosa matando um
dragão, com a voz cheia de orgulho.
Foi com aquela celebração vertiginosa que pedimos a conta e
chamamos um Uber. No caminho para fora, entretanto, Owen de
repente agarrou meu braço e me puxou para um corredor aleatório.
“Onde estamos indo?”, perguntei, confusa.
“Não tenho ideia”, ele respondeu sem parar. “Vamos descobrir”.
O restaurante era muito maior do que parecia do lado de fora,
era um armazém inteiro convertido. Havia uma dúzia de salas
privativas com mesas finamente organizadas, todas preparadas
para os clientes noturnos, e todas elas com uma vista maravilhosa
da baía e da Ilha de Alcatraz.
Owen me puxou para dentro de uma dessas salas. Ela era
como todas as outras, mas ele agiu, como se aquela fosse especial.
Ele fechou a porta e trancou a fechadura, então, pressionou o
ouvido contra a madeira para escutar do outro lado.
“O que estamos fazendo aqui?”, perguntei.
Ele se virou, sorrindo faminto: “Isso aqui”.
Me engasguei quando Owen me jogou contra a porta e me
beijou, como se esperasse por aquele momento a manhã toda.
Seus lábios estavam quentes e inebriantes, e sua língua tinha um
resquício do uísque caro que tínhamos tomado. Meu corpo se
ergueu com desejo, enquanto ele me pressionava contra a porta,
espremendo meu corpo no seu – duro, quente e possessivo.
Tiramos nossas roupas freneticamente, com desejo e ainda
nos recuperando da reunião. Owen me dobrou sobre a mesa e me
penetrou, vi seu comprimento duro por alguns segundos, antes de
senti-lo dentro de mim, empurrando com força, sem parar, enquanto
se enterrava fundo. Nós dois gememos, nossas vozes e nossas
respirações se misturavam em um refrão de prazer, então Owen
abafou meus gritos com um beijo.
Diferente da noite anterior, Owen não me provocou. Ele
agarrou minha coxa e começou a me foder constantemente, tirando
e colocando seu pau de forma estável. Seus olhos verdes cintilavam
no escuro, enquanto ele me penetrava, e cada estocada parecia um
ponto de exclamação. Corri meus dedos pelo seu peito, agarrando-
o, arrastando minhas unhas pela sua pele e esperando deixar
marcas, qualquer coisa que o fizesse se lembrar daquele momento,
enquanto ele me socava sem parar, chacoalhando os talheres sobre
a mesa.
Olhei para cima e o vi, admirando tudo, enquanto ele estava
dentro de mim. Seus cabelos castanhos emplumados caíram sobre
seus olhos, mas suas mãos estavam ocupadas, me tateando e me
agarrando, me tomando, então ele sacudiu a cabeça para removê-
los da frente dos olhos.
Não acredito que estou fazendo isso com Owen March.
Dois dias antes, éramos uma pedra no sapato um do outro.
Uma semana antes, eu não suportava nem a sua voz. De alguma
forma, os sentimentos borbulhantes faziam o ato muito mais sexy.
Uma surpresa erótica que nenhum de nós esperava.
Deixei escapar um grito mais alto, e ele colocou uma mão na
minha boca para abafar o som, sorrindo malignamente, sem diminuir
o ritmo com que me fodia. Sem o menor pudor, gritei ainda mais na
sua palma e me rendi ao êxtase irracional do seu amor selvagem.
32

Owen

Enquanto eu enfiava meu pau o mais fundo que podia na


boceta da Amber, pensei comigo mesmo: não era assim que eu
esperava que as coisas iam acontecer com essa garota.
Quando Jude insistiu que a contratássemos, apesar do seu
surto durante a entrevista, hesitei. Eu não perdoava pessoas que
gritavam obscenidades para mim tão facilmente, especialmente se
elas fizessem isso em público. E eu sabia que ela ia tentar me
sabotar por causa do que eu tinha feito no aniversário da sua irmã.
Mas eu amava seu espírito. Eu estava intrigado por ele, desde
quando ela foi desaforada na cobertura do restaurante. Ela era do
tipo de mulher que não abaixava a cabeça. Ela falava o que
pensava, mesmo se aquilo não fosse agradável.
Eu queria uma pessoa como ela ao redor. Ela tinha provado
seu valor durante a reunião com a Amazon. Porém, havia mais do
que apenas seus benefícios para a SE. Diferentemente das pessoas
com as quais eu falava todos os dias, Amber não se deixava
intimidar por mim. Ela era como um animal selvagem, que
requereria tempo e energia para domar.
E, quando eu a domei, foi muito satisfatório.
Ela olhou para mim, e a surpresa e o puro prazer irradiavam
pelos seus olhos. Ela apertou as pernas ao redor da minha cintura,
como se ela quisesse me manter dentro dela para sempre. Como se
ela fosse se enrolar até morrer, se sua boceta não fosse preenchida
por mim. E aquilo era um espelho do meu próprio desejo, quando eu
a penetrei cada vez mais forte, fazendo os talheres sobre a mesa
trepidarem a cada estocada desesperada. Eu não conseguiria pegar
leve, mesmo que quisesse. Amber estava enrolada em volta da
minha vara, espremendo minha vida, enquanto mordia os lábios e
tentava abafar os gritos.
Esmaguei os lábios dela em um beijo voraz que abafou os
gritos de prazer, enquanto eu enterrava meu pau e finalmente
explodia, com as pernas trêmulas e os músculos enrijecidos,
segurando-a em meus braços.
Por um longo instante, ainda dentro dela, o único som que eu
ouvi foi o das nossas respirações. Nossas testas estavam
pressionadas uma contra a outra e eu podia sentir seus cílios
roçando minha pele tão suave quanto as asas de uma borboleta.
Meu celular vibrou dentro do bolso da minha calça que estava
nas minhas canelas, e Amber disse: “Acho que nosso Uber
cancelou a corrida”.
Eu ri, enfiado em seu pescoço. “Vamos chamar outro”.
“Eles vão te cobrar por essa corrida”.
“Droga”, suspirei. “Trinta pratas jogadas fora. Melhor eu voltar
ao trabalho para me certificar de que isso não vai me levar à
falência”.
Ela deu uma risadinha. Um som despreocupado que eu
raramente ouvia de uma mulher. Tentei saborear aquilo, recordar na
minha mente para sempre. Amber era geralmente tão séria que eu
não tinha certeza se ouviria aquele som outra vez na vida.
“Independentemente do Uber”, ela começou. “Deveríamos …”.
“Eu sei”, eu disse. “Mas não quero me mover”.
Ela fez um barulhinho de felicidade. “Quero que você fique
dentro de mim também”.
Ficamos ali naquela posição por mais um tempo, até eu
finalmente me afastar. Em silêncio, ela se vestiu na frente da vista
para a Ilha Alcatraz.
“Pronta?”, perguntei a ela.
Ela ficou na ponta dos pés e me beijou. “Agora sim”.
Eu destranquei a porta e a abri, olhando para os dois lados no
corredor antes de …
Um garçom de avental estava parado nos olhando de cara feia.
“Vou chamar o gerente”, ele disse.
Amber ficou tensa, mas eu rapidamente levantei uma mão e
disse: “Espera! Tenho algo para você”, enfiei a mão no bolso e puxei
duas notas. “Pelo seu silêncio”.
Ele pegou os duzentos dólares com os olhos arregalados por
um momento. As notas sumiram no seu próprio bolso e ele disse:
“Não vi nada”, então se virou e saiu andando na outra direção.
De mãos dadas, Amber e eu saímos apressados do
restaurante, gargalhando, enquanto caminhávamos pela rua.
Chamei outro Uber e voltamos para o escritório. Continuei
olhando para Amber que sorria pela janela. Ela estava brilhando
positivamente, como eu nunca tinha visto.
Então, seu sorriso desapareceu, e ela disse: “Acho que não
devemos contar ao Jude, não é?”.
“Por que manteríamos isso escondido dele?”, perguntei.
“Não sei”, ela disse rapidamente. “Presumi que você não fosse
querer contar a ninguém. Eu sou sua funcionária etc. Isso seria um
escândalo muito maior do que uma foto de roupa felpuda no
LinkedIn”.
Mordi minha boca por dentro. “Sim, talvez. Eu consigo imaginar
o olhar de julgamento de Jude. Ele é mais preso à moral do que eu.
Ele jamais faria algo assim”.
Amber gargalhou, nervosa. Eu não podia culpá-la. Eu também
estaria nervoso, se fosse ela, por ter transado com o chefe
milionário.
Na verdade, poderia ser ruim até para mim. Se eu tivesse que
demitir Amber, e alguém descobrisse que dormimos juntos …
Estremeci. Ela poderia causar mais danos do que
simplesmente invadir meu apartamento ou meu perfil no LinkedIn.
Mas estranhamente, eu não estava preocupado com aquilo. Senti
que confiava em Amber. Provavelmente efeito dos hormônios pós-
sexo correndo pelo meu corpo.
“Ok, ele não precisa saber”, concordei. “Nem Melinda. Se ela
descobrir, vai me passar um sermão e nos fazer assinar um termo
de responsabilidade para livrar a barra da empresa. O escândalo
seria muito grande se as pessoas descobrissem. Tecnicamente, no
organograma da empresa, você responde diretamente ao Diretor de
Tecnologia, e se você dormisse com ele, o problema seria bem
maior”.
Amber riu de nervoso de novo e continuou olhando pela janela.
Me repreendi internamente. Eu não deveria estar fazendo
piadas do tipo. Ela estava claramente desconfortável com o que
tínhamos acabado de fazer. Caramba, ela estava mais pálida do que
um fantasma.
“Ei”, eu disse, apertando sua mão. “Relaxa. Não há nada para
se preocupar. Tudo bem”.
Ela sorriu de volta para mim, um pouco mais calma.
“Obrigada”.
“De nada, arrombada”.
Ela gargalhou, e o motorista do Uber olhou pelo retrovisor,
surpreso. “Ei, esse é meu apelido para você”.
“Claramente é mais adequado se eu usar com você”, eu disse.
“Com todo o respeito”.
De volta ao escritório, Amber e eu voltamos a fingir que éramos
só colegas de trabalho – que não se davam bem. Jude veio me
encontrar no topo da escada, enquanto Amber corria para a sua
sala.
“Como foi?”, ele perguntou.
“Amber chutou todas as bundas possíveis”, eu disse. “Estou
feliz em tê-la levado comigo. Ela economizou uma quantidade
absurda de dinheiro, colocando esses vendedores no lugar deles”.
Jude sorriu, apreciando a informação. “Parece que você está
começando a gostar dela”.
Olhei para dentro da sala de Amber, e ela estava inclinada,
colocando o laptop no lugar. Sua bunda era uma obra de arte e fez
meu pau latejar.
“Um pouco”, eu sorri, sorrindo para o meu parceiro. “Mas só
um pouquinho”.
33

Amber

Devo admitir: ficar de sacanagem com os dois ao mesmo


tempo foi estranho no começo, mas de repente me excitava mais do
que tudo.
Sexo nunca foi prioridade na minha vida. Era bom e tudo mais,
mas não era tudo para mim. Pelo menos até eu começar a trabalhar
lá. Quando comecei a ir e voltar entre Jude e Owen, me tornei
insaciável. Era como se a minha libido estivesse hibernando até
aquele momento, mas agora estava fora da caverna, pronta para a
festa.
Estar com os dois também me fazia me sentir sexy de uma
forma que nunca tinha me sentido. Durante toda a minha vida, eu
tinha sido uma nerd que preferia pregar peças nos garotos da
escola, ao invés de competir por sua atenção. Eu estava
acostumada com as margens da popularidade, a ficar comigo
mesma.
Contudo, agora eu estava no centro da atenção de dois. E
aquilo me fazia me perguntar o porquê de eu ter esperado tanto
tempo.
Fui trabalhar mais cedo no dia seguinte. Jude era a única
pessoa lá, Melinda geralmente não chegava antes das nove, dali a
duas horas. Ninguém mais chegava antes das dez.
“Você chegou cedo”, eu disse, quando o vi.
“Não dormi bem. Então decidi vir para cá”.
Levantei uma sobrancelha. “Algum motivo específico? Talvez
sua cama estivesse muito grande e vazia?”.
Ele me deu um sorriso maroto. “Acho que parcialmente sim”.
“Ontem assisti a um filme com a minha irmã”, eu disse,
entrando no seu escritório. “Desculpa não ter aparecido. Vou
compensar esta noite”.
Jude apertou o botão que instantaneamente embaçou os
vidros do seu escritório, assim ninguém poderia ver dentro. “Por que
esperar?”.
Antes que eu pudesse responder, ele me agarrou e me colocou
no seu colo. Seus lábios estavam no meu pescoço, depois no meu
peito e eu inclinei minha cabeça e gemi, até ele me carregar para o
sofá e fazermos amor nas primeiras horas da manhã.
Owen chegou algumas horas depois e me lançou um olhar
muito sexy, quando passou pela minha sala. Mandei um beijo para
ele, o que o fez sorrir ainda mais.
Trabalhei por algumas horas e tive uma reunião com Nancy,
Dave e os Wills para falar sobre as tarefas do mapa. Quando voltei
para a minha sala, havia uma mensagem piscando na tela do meu
computador.

March, Owen: Ei, venha aqui, quando puder.


Moltisanti, Amber: Meio ocupada. Desculpa.
March, Owen: Venha. Você não vai se arrepender.

Eu não sabia o que ele tinha em mente, mas era muito


arriscado para nós fazer qualquer coisa sedutora no meio do dia.
Entretanto, minha curiosidade não me deixou em paz, e eu me
levantei e caminhei até o escritório de Owen.
A sala estava vazia.

Moltisanti, Amber: Acabei de voltar da sua sala. Estava vazia.


March, Owen: Quem disse que eu estava lá?
Moltisanti, Amber: Onde você está?
March, Owen: Não vou te contar.
Moltisanti, Amber: Só garotas podem brincar de pique-
esconde. Quando garotos fazem isso não é sexy.

Ele não respondeu. E eu não estava falando a verdade. Brincar


de pique-esconde era sexy. Ou pelo menos com o Owen. Ansiei por
vê-lo e descobrir o que ele tinha preparado para mim.
Desci as escadas. Melinda tinha um bando de novatos
começando naquele dia. Eles eram parte da equipe de marketing,
então não trabalhariam direto comigo. Porém, eles estavam alojados
nos cubículos perto de Nancy e Dave, falando animadamente sobre
uma campanha que seria seu primeiro projeto. Soluções
Encriptadas estava crescendo, e eu já notava a diferença para
aquele prédio grande e vazio que eu conheci.
Owen não estava na cozinha nem em nenhuma das salas de
reunião. Então me dei conta de onde ele poderia estar. As luzes da
academia estavam acesas e Owen estava parado em um rack de
agachamento, usando shorts e uma regata super justa.
“Você precisa de ajuda?”, provoquei. “Está com medo de deixar
o peso cair, não é? Acho que você não é tão forte quanto pensa”.
“Não preciso de ajuda”, ele disse, erguendo a barra que ficava
no rack. “Apenas achei que você gostaria de ver. Especialmente
depois da última vez, você se divertiu muito”.
Franzi meus lábios, quando ele começou a fazer elevações. Os
músculos do seu dorso se contraíram e flexionaram juntos, sua pele
bronzeada puxando e empurrando o peso. Pelo espelho na parede,
Owen sorria para mim.
“Eu não estava te secando aquele dia na academia”, eu disse,
olhando por cima do ombro, para me certificar de que ninguém mais
podia ouvir. Só por segurança, caminhei para mais perto dele para
manter a conversa privada. “Aquilo foi antes de qualquer coisa”.
“Eu não estava falando da academia”. Ele completou uma
última elevação, e então soltou o peso e se virou para mim. “Eu
estava falando do restaurante. Depois que você tirou minha camisa,
você praticamente me comeu com os olhos ali mesmo. Antes da
verdadeira comida”.
Minhas bochechas ficaram vermelhas. “Posso ajudar com
alguma coisa relacionada ao trabalho?”.
“Só queria dizer que você precisa fazer reuniões mensais com
seus subalternos diretos”, ele disse. “E relatórios de performance a
cada seis meses”.
Resmunguei. “Parabéns. Você acabou de banir minha libido
para o Reino do Nunca Mais”.
Ele apontou um dedo musculoso na minha direção. “A-há!
Então você estava me secando”.
Revirei os olhos. “Reunião produtiva, chefe”.
“Ah, e mais uma coisa”. Ele se inclinou e me deu um tapa firme
na bunda. “Continue o bom trabalho”.
“Com licença, senhor”, eu disse, fingindo estar ofendida. “Isso
não é um comportamento adequado para o ambiente de trabalho”.
Owen voltou para o aparelho. “Me processe”. Ele pegou a
barra e começou outra série. Precisei usar uma quantidade
vergonhosa de força de vontade para tirar meus olhos do seu corpo,
enquanto ele se exercitava.
Quando voltei para a minha mesa, havia outra mensagem dele
no bate-papo.

March, Owen: O que discutimos ontem, depois da reunião?


Acho que temos mais alguns tópicos para abordar. Tenho pelo
menos três ações a serem tomadas por você. Me encontre na minha
casa às sete para discutirmos. Acho que você já sabe meu
endereço.
No final do dia, eu estava organizando minhas coisas, quando
Jude colocou a cabeça para dentro da minha sala. “Ei, eu queria
dizer que você não precisa deixar Owen a intimidar”.
Um arrepio de nervoso percorreu minhas pernas. “Me intimidar
como?”.
“A reunião de vocês mais tarde”, ele respondeu. “Ele fazia a
mesma coisa comigo. Tínhamos reuniões com parceiros em
potencial e, então, ele me fazia sentar e ouvir todos os seus
conselhos sobre como agir. Ele vai fazer a mesma coisa com você
hoje na casa dele”.
Ah, mas eu duvido muito que vocês dois tinham o mesmo tipo
de reunião que nós dois vamos ter.
“Não estou preocupada. Não tem problema receber
direcionamentos”. E para afastar suspeitas, acrescentei. “Desde que
ele não se comporte como um arrombado”.
Jude gargalhou e se aproximou com os braços esticados.
Então, ele pareceu se lembrar de onde estava e enfiou as mãos nos
bolsos. “Que bom que você tem uma atitude positiva em relação a
isso. Porém, não diga ou faça nada que ele possa usar para demitir
você, ok?”
“Vou dar o meu melhor. Você trabalha amanhã cedo?”.
“Provavelmente sim”.
“Talvez eu te encontre na sua sala”, eu disse, piscando.
“Enquanto o escritório estiver vazio”.
A pele de Jude ficou carmim, quando ele saiu da sala.
Owen estava me esperando do lado de fora do apartamento.
“É assim que você acessa minha propriedade legalmente”, ele
disse, guiando-me para a cobertura.
“Prefiro o outro jeito!”.
Eu tinha visto a planta do seu apartamento, mas o lugar era
ainda mais impressionante ao vivo. Tetos altos, arte moderna na
parede e um espaço incrivelmente luxuoso. Mais uma vez, pensei
no quanto ele e Jude eram diferentes, só levando em conta suas
casas. De que forma eles escolheram gastar – ou exibir – sua
fortuna.
“Conselheira – desabilitar segurança”, ele disse para o teto.
“Segurança desabilitada”, a voz de Marina Sirtis respondeu.
“Bem-vindo, Owen”.
Fiz uma careta. “O que foi? Ciúme?”, ele perguntou.
“Sim, estou com ciúme!”, respondi. “Quero a Conselheira Troi
me cumprimentando toda vez que eu chegar em casa! Ou o Capitão
Picard”.
“Quando a SE for um sucesso”, ele respondeu. “Você vai ter
dinheiro o suficiente para contratar quem quiser”.
“A menos que eu te mate e roube seu apartamento”.
“Por favor, não faça isso”.
Seu gato laranja apareceu em um canto, viu-me e, então,
arqueou as costas.
“Ei, amiguinho”.
O gato sibilou e saiu correndo para outro cômodo.
“Ok, foda-se então”, murmurei.
Owen gargalhou. “É esse seu prêmio por hackear meu
apartamento e me insultar pelos alto-falantes. Tux se lembra. E
falando nisso, vou supor que você tenha boas intenções e não vai
invadir meu sistema hoje de novo”.
Eu sorri para ele. “Não posso prometer”.
Estávamos nos beijando, antes mesmo de chegar no quarto,
nos batendo contra as paredes no caminho, sem desgrudar os
lábios. Quando finalmente caímos na cama, Owen me despiu
devagar. Não foi nada como o sexo desesperado e apressado no
restaurante. Ele me beijou devagar entre as pernas, lento e gentil, e
eu arqueei minhas costas, me rendendo ao movimento da sua
língua.
Eu pude sentir meu próprio gosto nos seus lábios, quando ele
terminou e escorregou por cima de mim, abrindo mais minhas
pernas e se esfregando em mim por um tempo. me provocando.
Quando ele finalmente se afundou em mim, fez tudo valer a pena,
mesmo com aquela demora toda. Nossos corpos se mexeram
juntos, como ondas gentis contra a praia. Pode ter durado dez
minutos ou uma hora: fiquei presa nas sensações intoxicantes do
seu calor e da sua dureza.
Eu não sabia que ele tinha um lado suave, pensei, enquanto
nos acariciávamos depois do sexo. Seus dedos estavam no meu
cabelo, massageando meu escalpo de uma forma que estava
perigosamente me fazendo adormecer.
De repente, a IA da casa despertou: “Pacote na casa”.
“Sim, definitivamente um pacotão”, eu disse.
Owen riu com sinceridade. “Ela está falando da caixa de
correios”.
“Eu sou a única caixa de correios que deveria receber suas
entregas!”, respondi saboreando a breguice daquela frase. Owen
resmungou, mas ainda estava gargalhando.
“Você realmente pagou Marina Sirtis cinquenta mil para gravar
a voz da sua inteligência artificial doméstica?”, perguntei.
Owen zombou: “Cinquenta e cinco, na verdade. Seu agente
regateou, reclamando do volume de frases. Você acredita?”.
“Uau”, eu disse, imitando indignação. “Cinquenta mil é
aceitável para um hobby inútil, mas cinquenta e cinco? Ultrajante!”.
Ele fez uma careta. “Você está zombando da minha cara? Eu
acho que você está zombando da minha cara”.
“Nããão”, eu disse com sarcasmo. “Como você pode pensar
isso?”.
Os dedos de Owen voaram para as minhas axilas, para me
fazer cócegas. Eu me contorci em cima dele, como uma minhoca
pelada.
“Conselheira”, eu disse para o teto. “Você pode dizer Amber
Moltisanti?”.
A resposta veio depois de uma breve pausa. “Sim, eu posso.
Amber Moltisanti”.
Meu sobrenome soou robótico e não natural, como se fosse
uma miscelânea de sons de diferentes idiomas compilados pela IA.
Mas Amber saiu bonitinho.
Olhei para Owen. “Você a programou para saber meu nome?
Ou um dicionário de nomes?”.
“Na verdade, eu tinha planos de instalar um sistema de alerta
de segurança”, ele respondeu. “Alerta Prata, Alerta Âmbar e Alerta
Escarlate. De acordo com o nível. Mas nunca cheguei a programar”.
“Isso soa muito nerd e paranoico!”.
“Claramente não paranoico o suficiente, porque teria sido útil,
quando você invadiu meu sistema”.
“Eu realmente gostei daquele momento”, eu limpei a garganta.
“Conselheira, tem alguma coisa gostosa no freezer do Owen?”.
“Atualmente”, ela respondeu. “O freezer contém: três pacotes
de arroz integral de micro-ondas, um quilo de carne moída …”.
“Carne moída congelada? Você não tem um açougueiro que
traz coisas para você diariamente?”, eu bufei. “Bilionário de araque”.
A IA continuou falando: “Brócolis congelado, mix de couve-flor
e uma caixa de taquitos de frango e queijo”.
Me sentei na cama. “Taquitos congelados? Sim, por favor.
Conselheira, pré-aqueça o forno em 200 graus”.
“A temperatura adequada para o preparo de taquitos é de 180
graus”, ela respondeu.
Olhei para Owen com aprovação. “Sabe, estou começando a
gostar desse negócio de IA doméstica”. E então, olhei para o teto:
“Boa, Conselheira. 180 graus!”.
“Pré-aquecendo o forno”.
“Eu ia pedir comida”, Owen disse.
“Pode pedir o que quiser”, respondi. “Eu vou comer taquitos”.
“Conselheira”, disse Owen. “Não obedeça mais a Amber”.
“Negativo”, ela respondeu. “Amber arrombada tem privilégios
administrativos no sistema”. Arrombada não era uma palavra
gravada, era uma mistura de sons existentes juntos.
“Droga”, eu disse. “Eu deveria ter sabido que arrombada não
estaria no banco de dados da sua IA”.
Owen inclinou a cabeça em surpresa. “Como diabos você tem
acesso de administradora?”.
Eu sorri com suavidade para ele.
“Conselheira, quando os privilégios de administradora foram
concedidos a Amber?”.
“Amber arrombada se tornou administradora quarenta e oito
horas atrás”.
“O sistema de entrega de pacotes lá embaixo”, revelei,
gargalhando. “A segurança nunca foi atualizada, desde que o prédio
foi construído. Me deu acesso fácil à sua IA doméstica”.
“Você é má”, ele disse, sorrindo com apreço. “Eu solicitei
especificamente que você não invadisse meu apartamento de novo”.
“Ei, eu fiz isso dois dias atrás”, eu disse defensivamente. “E,
também, prometi que não podia prometer nada”.
O sorriso de Owen se tornou faminto novamente. “Conselheira,
desligue as luzes. Você não vai querer ver o que eu vou fazer com a
Amber”.
As luzes esmaeceram. Owen me atacou e, desta vez, a forma
como ele me fodeu foi tudo, menos suave e amorosa.
34

Amber

Por uma semana, as coisas ficaram maravilhosas de todas as


formas possíveis. Eu trabalhava em um emprego que amava, em
uma empresa na qual eu participava ativamente. Eu tinha
subalternos, pessoas que me olhavam como figura de autoridade.
Quando eu fazia sugestões, ou dava opiniões, eles seguiam. Eu
podia até não gostar dos outros aspectos da gerência, mas eu
amava aquela parte.
Pular de colo em colo entre Jude e Owen também me
mantinha ocupada. Eu alternava entre os dois, dormindo em uma
casa e, então, na outra. Eu não fui para a minha própria casa por
cinco dias seguidos.
E, quando fui finalmente, Michelle sabia que algo estava
acontecendo. Eu nem precisei fazer uma lista mental:
imediatamente, contei a minha irmã o que estava acontecendo entre
mim e Owen.
Sua reação foi difícil de descrever. Foi similar à reação dos
nossos vizinhos, quando os Warriors ganharam o campeonato de
NBA uns anos atrás. Ou talvez como a de alguém que ganhou na
loteria. Houve gritos, descrença e muitas, muitas perguntas.
“No meu aniversário, meu pedido foi que você transasse com
um cara”, ela disse. “Eu não esperava que você fosse fazer isso
com dois”.
Ela estava preocupada com a relação de Owen e Jude, e com
o fato de os dois serem meus chefes na empresa, mas além disso,
ela foi totalmente solidária e estava totalmente enciumada.
“E eu só tenho um único namorado idiota”, ela murmurou.
“Nenhum desses caras é meu namorado”, eu pontuei. “Nossos
relacionamentos são estritamente físicos. Jude deixou isso muito
claro”.
“E Owen?”.
“Ele não precisa deixar isso claro”, respondi. “É bem óbvio”.
“E por quanto tempo vai ficar assim?”, ela perguntou.
Aquela era uma pergunta para a qual eu não tinha resposta.
A semana passou, e eu sabia que todo aquele sexo estava
sendo bom para Jude e Owen. Os dois estavam tensos no trabalho,
se preparando para a chegada do grande investidor italiano. Era
bom ajudá-los com a pressão e, sim, eu fiz o mesmo trocadilho com
Owen numa noite, depois que nós dois tomamos uma garrafa de
vinho e nos beijamos, e nos lambemos, e nos chupamos.
Na noite anterior à grande visita, dormi em casa. Os dois
bilionários donos da Soluções Encriptadas estavam trabalhando
juntos até tarde da noite. Desse modo, pela primeira vez na
semana, não tivemos tempo para transar. Fui para casa, trabalhei
um pouco mais e então tentei dormir. Eu estava uma pilha de nervos
também. Se o investimento falhasse …
O sono me escapou por um longo tempo, e quando eu
finalmente adormeci, foi um sono conturbado e irregular. Eu acordei
o tempo todo, com medo de perder a hora. Aquilo me lembrou dos
sonhos que eu costumava ter durante as semanas de prova na
escola, quando eu pensava que ia adormecer no meio dos testes.
Quando eu caminhei pela entrada do nosso prédio na manhã
seguinte, eu já tinha tomado metade do meu café. Eu tinha me
vestido um pouco melhor: saia lápis e uma blusa bonita. Sem
mencionar que realmente gastei tempo alisando meu cabelo. Era
um lembrete de que eu era muito feliz trabalhando em um lugar
normalmente casual. O outro lembrete eram os sapatos de salto nos
meus pés. Depois de caminhar da estação de trem até o escritório,
eu queria atirar os sapatos na baía.
“Dia”, eu disse à Melinda. “Chegou cedo”.
“Me preparando para a reunião com o Sr. Rossi”, ela
respondeu, sem desviar o olhar da sua pilha de papéis. “E mais uma
papelada chata que precisa ser preparada”.
“Que tipo de papelada?”, perguntei.
Um formulário de comunicação de relacionamento.
“Ah, Jude me fez preencher um destes semana passada”, eu
disse. “Achei que ele tinha te devolvido”.
Melinda me encarou pacientemente. Esperando. Havia uma
expressão interessante no fundo dos seus olhos, então, olhei de
novo para o formulário. Parei de respirar, quando li a segunda linha:
… comunicando o relacionamento entre Amber Moltisanti e
Owen March.
“Sem julgamentos”, ela disse, com uma mão para cima, como
se estivesse tentando acalmar um cachorro selvagem. “Só quero
proteger a empresa. Vou pedir ao Owen que assine um também. E,
sim, vou deixar isso escondido de todo mundo envolvido. Jude não
vai saber sobre este e Owen não vai saber sobre o de Jude”.
Assinei o formulário entorpecida. O conteúdo era o mesmo do
primeiro que eu tinha assinado. Concordando que o relacionamento
era consensual. Concordando em não demonstrar afeto dentro da
empresa ou na frente de outros funcionários em eventos de trabalho
fora da empresa. Distante, me perguntei como Melinda descobriu.
Ela tinha algum tipo de magia vudu, quando se tratava dessas
coisas.
Também me perguntei se ela se sentiria bem em guardar
aquilo tudo para ela e o porquê de ela não julgar. Se eu fosse ela,
definitivamente teria julgado alguém que acabou de ser contratada e
já dormiu com os dois chefes em menos de duas semanas.
“Bom!”, ela disse, quando eu terminei de assinar, colocando o
documento em uma gaveta. “Agora vamos nos concentrar no que
realmente importa. A chegada do investidor. Ah, mais uma coisa!”.
Ela pegou uma caixa quadrada da mesa e me entregou. “Chegou
para você ontem”.
“Ah, eba!”, eu disse, compartilhando minha empolgação,
porque era melhor do que a vergonha da situação anterior. “Eu
estava esperando por isso!”.
Enfiei minhas unhas na fita adesiva e arranquei a tampa. “O
que é isso?”, Melinda perguntou.
“Um microfone. Vocal e dinâmico”.
Ela me deu uma olhada confusa. “Você está virando uma
dessas streamers de jogos de videogame?”.
Eu gargalhei. “Na verdade, quando eu era pequena, eu queria
transmitir jogos na Twitch. Mas não, isso é para um projeto pessoal”.
Carreguei a caixa debaixo dos braços e subi as escadas. Jude
estava na sua sala, mas a porta estava fechada e seus fones
estavam plugados em seus ouvidos. Dei um sorriso na direção dele
e entrei na minha sala.
Melinda tinha me enviado por e-mail o itinerário do dia. O
investidor – Sr. Rossi – chegaria com seu pessoal às onze. Eles
fariam uma visita pelo prédio para conhecer todos os funcionários
da SE. A tarde estava reservada para a discussão do contrato e a
assinatura dele e, na sequência, Sr. Rossi levaria Owen e Jude para
jantar na cidade.
Fiquei feliz, porque o jantar era só entre os mandachuvas. A
última coisa que queria era passar o jantar todo com um sorriso
falso para agradar um velhote rico. Eu preferia ficar em casa de
pijama, relaxando.
Me concentrei e tentei terminar algumas tarefas, mas quando
Owen apareceu para trabalhar, foi difícil. Ele estava usando uma
calça social azul marinho e uma camisa de botões branca. Seus
sapatos eram de couro marrom finamente polido, combinando com
seu cinto. Ele não estava usando casaco, mas sua gravata verde
combinava com seus olhos.
“Uau, papai!”, eu disse quando ele passou pela minha porta.
“Se esforçando para agradar o investidor, hein?”.
“O que posso dizer? É um grande dia. Apenas me certificando
de me vestir adequadamente”. Ele me olhou de cima à baixo e
sorriu. “E pelo jeito não sou o único. Eu te comeria agora, criança”.
Corei com o elogio, mas olhei feio para ele. Ele não podia dizer
essas coisas em voz alta, enquanto Jude estava na sala ao lado.
“Relaxa”, ele disse, entrando no meu escritório e abaixando a
voz. “Jude está lá embaixo com a Melinda, o que significa que eu
posso te dizer o quanto eu quero rasgar sua blusa e enfiar meu pau
no meio dos seus peitos”.
Ele parou, quando estava a um pé de distância de mim, sorriu,
virou-se e caminhou para fora. Eu sorri, quando vi sua bunda
musculosa dentro da calça, que era feita sob medida, como o resto
do seu traje.
Pelas horas seguintes, ninguém mais trabalhou. Todo mundo
tentou, mas era como estudar para uma prova na véspera do Natal.
Às cinco para as onze, Jude enfiou a cabeça dentro da minha
sala. “Melinda quer que estejamos todos na recepção para recebê-
lo. Desenrolando o tapete vermelho”.
Me levantei, ajeitei minha saia e me juntei a ele. “Eu não
deveria estar me sentindo nervosa assim, mas estou”.
“Nem me fala”, Jude sussurrou. Ele olhou para mim e abaixou
a voz. “Falando nisso, você está espetacular”.
Eu sorri, sem olhar para ele. “Bem, obrigada”.
No andar de baixo, todo mundo formou duas filas na porta.
Nancy parecia confortável usando saltos, mas os dois Wills
pareciam totalmente estranhos de camisa. Dave nem tentou se
vestir melhor – e estava tudo bem, não foi um requerimento oficial –
e ele se movia de um pé para o outro, enquanto esperávamos. No
geral, eu me sentia como a criadagem esperando pelos nobres de
Downton Abbey.
“Eu quero subir essa saia e te tomar aqui mesmo”.
Um arrepio sexy se espalhou pelo meu corpo. Ninguém mais
estava ouvindo. Dave conversava com Melinda do meu lado direito,
e os Wills estavam discutindo um problema de código com Jude do
outro lado.
“Para”, eu disse a Owen.
Mas ele continuou, como se eu não tivesse dito nada. “Duvido
que eu duraria muito tempo com você vestida assim. Aposto que eu
gozaria no momento em que enfiasse meu pau na sua boceta”.
Melinda estava no fundo e nos deu uma olhada. Não havia
julgamento nos seus olhos, mas aquilo me lembrou de que ela sabia
sobre nós. Não me admira ela ter descoberto, se estamos sendo tão
óbvios assim.
“Para com isso”, eu sussurrei para Owen. “O contrato de
comunicação de relacionamento que assinamos fala
especificamente de demonstrações no escritório”.
“Que contrato?”.
“O que Melinda me fez assinar”.
Senti o corpo de Owen tensionar, como se fosse uma corda de
arco sendo puxada. “Você contou à Melinda? Sério?”.
“Não, não contei …”.
Meu chefe soltou um rugido de raiva. “Achei que estávamos só
nos divertindo. Eu não queria que você fosse correndo pedir à
Melinda que colocasse tudo em um papel”.
“Eu não contei”, eu sibilei. “Ela descobriu sozinha”.
“E como diabos ela fez isso?”, ele sibilou de volta.
“Sexto sentido, aparentemente”. Ela também descobriu sobre
Jude e eu.
Owen sacudiu a cabeça e encarou o nada. “Que ótimo.
Maravilhoso. Exatamente como eu queria que fosse”.
Ele não estava mais sussurrando, e Nancy e um dos Wills
olharam na nossa direção. Ironicamente, eles já estavam todos
acostumados com o fato de Owen e eu nos bicando o tempo todo.
Todo mundo sabia que não nos dávamos bem.
“Relaxa”, respondi. “Não precisa fazer tempestade em copo
d’água. O investidor está quase aqui”.
“Estou chateado”, ele respondeu. “Porque achei que as coisas
estavam claras. Sobre as expectativas daquele … projeto. Mas acho
que não ficou claro para você”.
Revirei meus olhos. “Você está sendo um grande arrombado”.
De repente, uma voz suave veio da porta, perguntando com
um sotaque italiano: “O que é um … arrombado?”.
35

Amber

Todas as cabeças se viraram para os visitantes que


caminhavam pelo corredor aberto até o escritório. Havia dois
homens e duas mulheres, todos usando ternos caros de corte
italiano. Mas era o homem no centro, liderando a tropa, que me
chamava a atenção.
Quando ouvi Jude e Owen descrevendo o Sr. Rossi, imaginei
um homem mais velho. Cabelos brancos e uma barriguinha de
chope. Um velho com dinheiro. Mas o homem parado ali na minha
frente tinha a minha idade ou alguns anos a mais.
Ele também era o homem mais lindo que eu já tinha visto na
minha vida. E eu já o tinha visto antes, embora não soubesse na
época. Ele era o outro homem com Owen na cobertura na noite do
aniversário da minha irmã.
Sr. Rossi caminhou pelo hall com a graça comandante de
alguém que tinha nascido usando aquele terno de corte italiano. Ele
era alto e esguio, mas com um toque de força nos movimentos. Ele
tinha um nariz aquilino proeminente e olhos penetrantes, porém
calorosos. Sua pele me fazia pensar em oliveiras. Seu cabelo
escuro era groso e ondulado, e eu nunca tinha visto maçãs do rosto
e maxilar tão fortes em ninguém além de modelos de revista. Seu
rosto era perturbadoramente lindo, como se ele fosse um deus
grego de verdade, que tinha descido do Monte Olimpo para se
misturar com humanos.
Deus grego não. Pensei com o estômago agitado. Romano.
Sr. Rossi sorria pelo cômodo, como se todos fossem seus
velhos amigos e não potenciais colegas de negócios. Nancy estava
absolutamente empolgada, como uma fã. Quando seus olhos
passaram por mim novamente, senti o impulso de fazer qualquer
coisa que ele mandasse.
“Essa palavra, arrombado”, ele repetiu, com as sobrancelhas
formando uma careta contemplativa. “O que significa?”.
Dave riu. Os olhos de Nancy se arregalaram. Os dois Wills me
encararam, como se eu tivesse ferrado com tudo.
Melinda veio nos resgatar, correndo com um sorriso
reconfortante. “É só gíria, Sr. Rossi. Um elogio para alguém que
está fazendo um bom trabalho, certo?”.
“É claro”, eu respondi, em coro com Owen, Jude e todos os
funcionários da SE”.
“Ah, claro!”, Sr. Rossi disse calorosamente. “Aprendi inglês no
Reino Unido, e essa palavra é usada como insulto. Entretanto, não
conheço gírias americanas. Owen! Que prazer em vê-lo
novamente!”.
Relaxei, quando ele apertou a mão de Owen e Jude, e então
de alguns outros empregados. Ele beijou todo mundo nas duas
bochechas, e Nancy parecia que ia desmaiar naquele momento.
Quando seu olhar pousou em mim, ele parou, como se tivesse
acabado de descobrir algo surpreendente.
“E quem é essa?”, ele perguntou com voz suave, porém grave.
“Esta é Amber Moltisanti”, disse Owen. “Nossa engenheira
sênior”.
“Prazer em conhecê-lo, Sr. Rossi”, eu disse.
Ele pegou minha mão. “Por favor, insisto que me chame de
Furio”, ele se inclinou para beijar as costas da minha mão e me
abraçou, como tinha feito com os outros. Seu hálito era mentolado e
seus lábios estavam quentes, quando ele beijou minhas duas
bochechas. Me pareceu mais devagar e com mais intimidade do que
ele tinha feito com as outras pessoas. Seu perfume era suave, mas
proeminente, algo único que eu nunca tinha sentido antes, e
acrescentava vários pontos de exclamação ao que ele diria a seguir.
“Você é a mulher mais requintada que já tive o prazer de
pousar meus olhos”, Furio exclamou.
O comentário seria inadequado vindo da maioria das pessoas.
Porém, vindo de alguém como Furio Rossi, parecia tão natural
quanto um sorriso educado. Ele não disse aquilo para me elogiar,
mas como um fato. Como Roma é a capital da Itália. O céu é azul.
Amber é a mulher mais requintada que Furio já viu.
Meu estômago se agitou, quando ele sorriu calorosamente
para mim. Cada interruptor do meu corpo tinha sido acionado, e eu
estava brilhante, quente e desperta.
O que eu respondo? Vou parecer intimidada por ele!
Ele deve ter pensado que fiquei desconfortável, porque
imediatamente segurou minha mão e disse: “Por favor, desculpe se
fui muito amistoso. Na Itália, geralmente somos muito generosos
com os elogios, e eu não quero que você me interprete mal”.
“Não, está tudo bem”, respondi. Mais do que bem.
Furio se apresentou e apresentou seus colegas para o grupo, e
eu apertei suas mãos e acenei, mas não ouvi uma só palavra. Meus
olhos estavam totalmente fixados no homem italiano suave, no
bilionário que estava conversando com Jude a apenas alguns
metros. Ele estava parado casualmente com uma mão no bolso, e
sua calça apertava sua bunda como se esse fosse seu trabalho. Eu
fiquei tão concentrada naquilo que perdi o que um dos advogados
italianos disse, então somente acenei e concordei.
Owen bateu nas costas de Furio e o guiou em direção à sala
de conferências. Furio olhou por cima do ombro, me dando um
sorriso maroto final, antes de desaparecer pela porta.
Me arrepiei toda, mas num bom sentido. Ele não é em nada
como eu imaginei.
“Arrombado”, Melinda murmurou perto de mim. “É claro que ele
ia chegar bem naquela hora”.
Me encolhi quando lembrei do ocorrido. “Oh, merda. Sinto
muito!”.
Ela me deu um olhar zangado e, então, seguiu os outros para
dentro da sala de conferências.
Voltei para a minha sala e imediatamente fui pesquisar sobre o
homem. Furio Rossi, filho de Alessandro Rossi, neto de Silvio Rossi,
que era Duque antes da nobreza ser abolida.
Meu Deus. Ele é um Duque! Ou pelo menos seria.
Ele tinha milhares de hectares no interior da Itália.
Aparentemente um hectare equivalia a dois acres e meios. Tentei
imaginar o quão grande era uma terra com cinquenta mil acres. Nos
Estados Unidos, podia até não ser tão grande. Mas em um país
pequeno como a Itália? Poderia ser muito bem um outro país.
Continuei pesquisando comparações. Luxemburgo era tipo dez
vezes maior do que as terras de Furio Rossi. E Luxemburgo, apesar
de pequeno, era visível no mapa.
Ele tem um décimo de Luxemburgo, só que na Itália!
Não havia muitas fotos de Furio on-line. As mesmas dez ou
vinte fotos se repetiam. Fotos de Furio em eventos de caridade,
bailes e outras coisas célebres. Por alguma razão, os paparazzi
italianos pareciam deixá-lo em paz. Me perguntei o que ele pagava
por isso. Era o que eu faria se tivesse o seu patrimônio.
Um bilionário beijou minha mão e disse que eu sou requintada.
Era estranho pensar naquilo. Eu estava dormindo com Owen
March e Jude Cauthon, dois bilionários do Silicon Valley. Aquilo era
empolgante, obviamente. Mas Furio Rossi era diferente. Ele era um
bilionário do mundo. Um único homem solteiro de uma longa
linhagem de homens ricos e poderosos, que tinha crescido no seu
status, como uma criança cresce, quando veste um terno. Um terno
italiano caríssimo.
Finalmente, olhei para o relógio e notei que tinha passado
quase uma hora pesquisando sobre ele. Eu precisava trabalhar de
verdade.
Ainda assim, quando fechei meu navegador e abri meu
programa, não consegui parar de pensar no homem no andar de
baixo. Seu perfume exótico estava preso dentro do meu nariz, e eu
continuava inalando profundamente, esperando conseguir mantê-lo
ali.
Enquanto as horas passavam, me perguntei como estava indo
a negociação e a assinatura do contrato. Eles almoçaram dentro da
sala de conferências, e ninguém saiu de lá, nem mesmo para ir ao
banheiro. Nancy e Will Won me enviaram mensagens, perguntando
se tudo estava correndo bem. Como eu era a gerente, e não alguém
que poderia fazer fofocas, eu disse que certamente tudo estava indo
bem.
Mas, bem no fundo, eu me perguntava …
Foi só às cinco da tarde que a porta da sala de conferência
finalmente se abriu, e todo mundo saiu, rindo como se fossem
amigos. Suspirei aliviada. Eu não conseguia vê-los do segundo
andar (só ouvi-los), mas estava claro que tudo parecia estar bem.

Dorce, Melinda: Feito. Contrato assinado. Temos um


financiamento de ponta, oficialmente. Furio Rossi é dono de 45% da
SE.
Moltisanti, Amber: UHUUU! Cadê o champanhe?
Dorce, Melinda: Acho que Jude e Owen vão sair para jantar e
celebrar com Furio. Assim que eles saírem, podemos fazer nossa
própria festa.

“Ficamos felizes em ir para onde você quiser”, Owen estava


dizendo, enquanto eles caminhavam para o andar de cima. “Se você
tem algum bom lugar em mente, vamos com você”.
“É o restaurante de um velho amigo da família”, Furio explicava
com seu sotaque italiano intoxicante. Mantive meus olhos colados
na tela do computador mesmo, quando ele estava do lado de fora
da minha sala. “Vai ser bem interessante”.
“Então combinado”, Owen disse.
Senti o olhar de Furio entrar na minha sala, como uma brisa
agradável de verão. “Talvez possamos convidar nossas gerentes
seniores? Para celebrar a nova colaboração”.
“Bom, só temos a Amber por enquanto”, Jude explicou. “Os
outros programadores são subalternos a ela”.
“Excelente!”. Furio entrou na minha sala. “Amber? Você nos
acompanharia no jantar?”.
Me forcei a olhar para ele de novo. Deveria ser ilegal um
homem ficar tão sexy de terno. Ele deve ter vendido sua alma para
o diabo. Nada mais faria sentido.
“Bem”, eu disse. “Eu tenho muita coisa para fazer e geralmente
não saio para comer …”.
“Ah, devo insistir”, Furio disse, dando-me outro sorriso. “Você
nos honraria com sua presença. E tenho certeza de que sua opinião
técnica será vital”.
Tentei pensar em outra desculpa mais firme. Mas nada me veio
à cabeça. Furio parecia ser o tipo de homem que não aceitava não
como resposta. E a forma como seus olhos estavam enterrados nos
meus, me seduzindo a ir com eles …
“Por favor?”, ele perguntou. “Prometo que não mordo”.
“Claro”, eu disse finalmente, sem conseguir conter o sorriso.
“Eu vou”.
36

Amber

Furio tinha um carro para a sua equipe, então, Jude, Owen e


eu pegamos um Uber para o restaurante. Owen, que estava ao meu
lado no banco de trás resmungou e disse: “Acho que Furio gostou
de você”.
“De mim?”, pisquei. “Ele me conheceu não tem nem um
minuto. E, na maior parte deste minuto, eu estava tentando controlar
os danos de ter te chamado de arrombado”.
“Eu vi a forma como ele a olhou”, Owen disse silenciosamente.
“Confie em mim, um cara sabe, quando outro se interessa por sua
… hm, funcionária”.
Ele quase disse namorada, ou algo tão possessivo quanto. Ele
estava com a cara linda amarrada, como se não tivesse gostado
daquilo.
“Furio é um homem muito legal”, eu disse. “Muito mais jovem
do que eu pensei”.
Owen resmungou de novo.
“Não importa”, Jude respondeu do banco da frente. “Amber
pode fazer o que quiser. Desde que Furio não a faça se sentir
desconfortável”.
“Ele definitivamente não fez”, respondi meio rápido demais.
Owen me olhou de lado.
“Só me deixa um gosto amargo na boca”, ele disse. “Ele
começar a cobiçar nossos funcionários, antes mesmo de
assinarmos o contrato. Ele te beijou nas duas bochechas”.
“Ele beijou todo mundo nas duas bochechas”, eu disse,
embora sentisse meu rosto corar com a lembrança dos seus lábios
na minha pele.
Owen resmungou, discordando. Ele estava realmente com
ciúme? Minha primeira reação foi sorrir. Era bom saber que Owen
estava tão enamorado que o sorriso de outra pessoa o deixava
enciumado.
Mas quanto mais eu pensava no assunto no carro, mais irritada
eu ficava. Eu não pertencia a ele. Ele tinha deixado muito claro que
era apenas físico. E, então, lembrei-me da forma petulante como ele
agiu, quando ouviu sobre o formulário, culpando-me, em vez de
aceitar o fato de Melinda ter descoberto tudo sozinha.
“Gostei do Furio”, eu disse para todos no carro. “Estou feliz por
estarmos fazendo negócios com ele”.
“Eu também”, Jude concordou. Owen apenas encarou o lado
de fora pela janela, e seu humor mudou para pior, como se o acordo
não tivesse sido concretizado.
O restaurante era no centro da cidade e tinha uma cobertura
aberta, com mesas de madeira cobertas com toalhas brancas. A
Salesforce Tower despontava acima de nós, e a noite estava quente
e brilhante. O som do piano se espalhava da parte coberta, e eu
fiquei surpresa, quando vi que não era música mecânica. Um
homem de terno deslizava seus dedos pelas teclas do piano de
cauda.
“Mais bonito que o Marcello’s”, brinquei, quando nos sentamos.
Owen me olhou, meio ofendido, meio entretido.
“Onde estão seus funcionários?”, Jude perguntou.
Furio sorriu largamente. “Ocupados, enviando a papelada para
as pessoas necessárias. Movimentando dinheiro, por assim dizer.
Esta noite seremos apenas nós, amigos!”.
Ele conversou silenciosamente com o garçom, o qual voltou
trazendo uma garrafa empoeirada de champanha. Eu não era nem
um pouco entendida de vinho, mas reconheci a logo dourada do
Dom Perignon. O garçom carregava a garrafa, como se fosse um
bebê recém-nascido, e apressadamente serviu quatro taças, sem
derramar uma só gota. Jude murmurou alguma coisa.
“Trouxe este da minha adega particular, especialmente para a
ocasião”. Furio ergueu sua taça. “A uma longa e frutífera relação
empresarial”.
“E ao crescimento da Soluções Encriptadas”, Owen concordou.
Nós tocamos nossas taças e bebericamos nossas bebidas. As
bolhas faziam o champanhe ficar suave e formigante, mas além
disso eu não conseguia perceber a diferença entre as garrafas de
vinte dólares que eu já tinha tomado.
Furio pediu desculpa e se levantou da mesa, enquanto Owen
rodava a taça entre os dedos, estudando seu conteúdo. “Dom
Perignon, mil novecentos e cinquenta e nove. Nem consigo imaginar
o quanto custou”.
“Descobriremos agora”, Jude respondeu, segurando o celular.
“Quarenta e dois”.
Me engasguei. “Dom Perignon? Muito mais do que quarenta e
dois dólares”.
Jude respondeu sem nem me olhar. “Quarenta e dois mil,
Amber”.
Aquilo me atingiu no meio de um gole, e eu perdi o ar,
surpresa, me engasgando com o champanhe caríssimo, a ponto de
precisar cobrir minha boca com um guardanapo.
Olhei para a taça na minha mão. Dez mil só pela minha taça.
Talvez mil dólares por gole. Olhei para meu guardanapo molhado
horrorizada. Quanto eu tinha desperdiçado, quando me engasguei?
Owen se aproximou de mim e disse: “Da próxima vez que você
for me encher o saco por causa do preço que paguei pela voz da
minha IA doméstica, lembre-se desta garrafa de champanhe.”
Furio estava todo sorridente, quando voltou para a mesa. “Falei
com o chefe. Ele me garantiu que o pernil de cordeiro é primoroso!
Tomei a liberdade de pedir para nós todos”.
“Ah, eu ainda não tinha decidido …”, eu disse.
“Não se preocupe!”, Furio disse alegremente. “Pedi vários
especiais junto com o cordeiro, assim podemos experimentar tudo.
De onde eu venho, compartilhar comida atrai boa sorte!”.
Seis pratos de aperitivos chegaram à mesa: pão italiano com
presunto e queijo fontina, bruschetta de grão de bico, brócolis com
anchovas e bulbos de alho assados, tiras de frango com parmesão,
salada de figo assado com queijo de cabra, com rúcula e patê de
azeitona salgada em pães crocantes. Passamos a comida uns para
os outros e enchemos nossos pratos. Meu estômago retumbou com
a visão. Me dei conta de que tinha ficado tão nervosa naquele dia
que não consegui comer.
Enquanto comíamos, o clima na mesa ficou mais leve e
despreocupado. Eu podia sentir que os três homens – ou melhor, os
três bilionários – tinham estado tensos com a assinatura do contrato
de investimento, mas naquele momento, tudo estava se
dissolvendo. Até Owen parou de reclamar sobre Furio ter flertado
comigo e voltou ao seu estado normal.
Os pratos principais vieram, e Furio insistiu que eu provasse o
cordeiro. E eu devo admitir: foi uma das coisas mais deliciosas que
eu já comi na vida. Devorei minha porção e tentei não encarar o
resto no prato de Furio, que ele não tinha comido. Não devo ter
conseguido, porque ele pegou seu prato e despejou o conteúdo no
meu.
“Vamos fazer uma troca”, ele disse, pegando um pedaço de
pão do meu prato. “Você concorda?”.
“Absolutamente!”, respondi com a boca cheia d’água só com a
visão daquela carne.
“Hoje é um ótimo dia para fechar acordos com benefícios
mútuos!”, ele declarou, arrancando gargalhadas de todo mundo. “Me
diga, Amber, faz quanto tempo que você trabalha para a empresa?”.
“Não muito”, admiti, olhando para Jude e Owen. “Acho que faz
um mês?”.
“Exatamente um mês”, Jude disse. “Logo serão cinco
semanas”.
“Que estranho”, refleti. “Ao mesmo tempo que parece que
essas semanas voaram, parece que trabalho para a SE desde
sempre”.
“Bem, temos trabalhado muito”, disse Jude, me dando um
sorriso secreto, sugerindo que ele não estava falando de
programação.
“E onde você trabalhava antes?”, Furio quis saber.
“Eu era basicamente freelancer. Alguns pequenos projetos”.
“Ela está sendo modesta”, Owen se gabou. “Amber
desenvolveu a ArgoCoin”.
“Ajudei a desenvolver, com mais dois programadores”,
clarifiquei. Mas era bom ouvir Owen falar daquele jeito sobre mim.
As sobrancelhas escuras de Furio se ergueram em surpresa.
“ArgoCoin? Eu conheço. É a criptomoeda que usa taxas de
transação baseadas em nó, certo?”.
“Exato”, respondi. “O que faz dela mais barata e mais rápida do
que outras criptomoedas. Estou surpresa que você conheça”.
Furio tomou um gole do seu champanhe. “Eu pesquisei
bastante essa indústria. Devorei livros. Acho que é importante saber
no que estou investindo”. Ele sacudiu a cabeça, maravilhado. “E
você foi uma das criadoras? Da ArgoCoin? Você realmente deve ser
um gênio. SE tem sorte de ter você”.
“Definitivamente, temos”, disse Owen, e Jude acenou
enfaticamente. Senti que corei pela centésima vez no dia.
“Seu sobrenome”, Furio continuou, ainda me olhando.
“Moltisanti. De que parte da Itália é?”.
“Ah, eu não tenho ideia”, eu disse, rindo. “Meus avós se
mudaram da Itália antes da Segunda Guerra. Acho que de algum
lugar perto de Roma, meu pai falou uma vez”.
“É uma coisa linda saber de onde viemos”, disse Furio. “Você
deveria perguntar ao seu pai”.
Tomei um gole do meu vinho – que não era o champanhe caro.
Era um assunto que eu não gostava de discutir, mas Furio era
charmoso e gentil, então resolvi me abrir com ele.
“Meu pai morreu de câncer faz alguns anos”, eu disse.
O rosto de Furio se tornou um retrato de luto e empatia. Ele
colocou seu copo na mesa e esticou as mãos, colocando a minha
entre elas.
“Amber. Eu sinto muitíssimo pela sua perda. Me permite
perguntar que tipo de câncer ele teve, se não for muito difícil para
você?”.
“Pancreático”.
Seu rosto se contorceu. “Pancreático. Tão terrível. Não há …
como vocês dizem? Sinais precoces?”, ele continuou buscando as
palavras. “Sintomas precoces. Quando você descobre a doença, já
é geralmente tarde demais”.
Com qualquer outra pessoa, eu colocaria um basta ali. A
doença do meu pai era algo que eu tinha passado os últimos três
anos tentando esquecer. Mas Furio era tão gentil, e seus olhos
estavam focados em mim, como se o motivo principal da sua
viagem fosse me confortar.
“O único lado bom foi a rapidez”, eu disse, com um sorriso
forçado. Minha garganta se apertou, mas eu continuei. “Ele morreu
três meses depois do diagnóstico. Eu tinha uma amiga na
faculdade, cuja mãe teve câncer no cólon, e ela passou anos
definhando com os tratamentos. Comparado a ela, a situação do
meu pai não foi tão ruim”.
“Não faça isso”, Furio disse, suas palavras eram apaixonadas e
ferozes. “Você não precisa diminuir seu próprio sofrimento,
comparando-se aos outros. Eu sinto terrivelmente pelo seu pai,
Amber”.
Ele se inclinou e me abraçou. Não havia nada sexual ou
inapropriado no abraço, apesar de eu não poder evitar a
empolgação que senti com o cheiro do seu perfume. Ele era só
outro ser humano tentando me confortar.
Jude sorriu com a cena, mas Owen bebeu seu vinho
desconfortavelmente.
“Devo insistir que você aprenda mais sobre a história da sua
família”, Furio disse, quando o abraço acabou. “É importante para os
italianos, e aqueles que são descendentes. Precisamos apreciar
nossa história. Especialmente nesta cidade”.
“Como assim, especialmente nesta cidade?”.
Furio se encostou na cadeira e tomou um gole do seu vinho. “O
número de italianos que imigrou para a Califórnia é muito grande.
Parcialmente, por causa da, hm, corrida do ouro. Mas outro motivo
foi o fato de a costa leste dos Estados Unidos ser hostil com
imigrantes italianos. Os imigrantes anglo-saxônicos já tinham
ganhado muito poder em cidades como Boston, Baltimore e Nova
Iorque. E quando eles ficaram poderosos, não permitiam que outras
etnias se estabelecessem nos seus domínios. Foi por isso que o
meu povo tem uma … lamentável história de crime organizado.
Máfias”, ele disse a palavra, como se fosse algo desagradável.
“Mas aqui?”, ele disse, renovando o entusiasmo e gesticulando
para os arranha-céus que cresciam sobre nós. “Italianos vieram
para cá e prosperaram. Eles tiveram grandes oportunidades para
prosperar, sem precisar apelar para negócios ilegais. Há mais
imigrantes italianos na Califórnia do que na Nova Inglaterra. A
cidade de São Francisco ainda celebra a cultura do meu povo!”.
“Saúde!”, disse Owen.
Furio pediu mais duas garrafas de vinho e uma sobremesa de
cada para compartilharmos. Nós quatro falamos sobre comida,
cultura italiana e tecnologia.
Eu estava atraída por Furio de uma forma que não era só
física. Ele era tão amistoso e caloroso; um homem que apreciava a
vida e amava compartilhá-la com outras pessoas.
É fácil ser amistoso, quando se é um bilionário.
Sua personalidade era contagiante, era um prazer tê-lo por
perto. Até mesmo Owen e Jude estavam agindo, no fim da noite,
como se ele fosse seu novo melhor amigo. E eu tive certeza de que
eles estavam agindo genuinamente.
Aparentemente, a SE era a única empresa de cripto na qual
Furio quis investir. Havia outras empresas de criptomoeda com base
na Itália que ele considerava comprar, mas não tinha nenhum
concorrente direto. Se Furio as comprasse, poderia integrar todos os
sistemas para trabalharmos juntos. Talvez pudéssemos expandir
para outros países no futuro.
Para a minha surpresa, Furio tinha pesquisado. Ele tinha uma
compreensão detalhada de muitos conceitos que eu não esperava.
Havia várias lacunas no seu conhecimento no fim da noite (e ele
admitiu rapidamente), mas no geral, ele sabia o que estava fazendo.
Notei que Owen e Jude estavam impressionados.
Assim como eu.
Nós estávamos satisfeitos e felizes, quando saímos do
restaurante. “Não importa quem está investindo”, Owen disse com o
braço em volta das costas de Furio. “Você é nosso convidado. Na
próxima vez que você vier nos visitar, o jantar é por nossa conta”.
“Se você insiste”, Furio disse. “Mas devo alertá-los de que eu
tenho gostos caros!”.
Nós rimos juntos, mas eu não consegui parar de pensar na
garrafa cara de champanhe que Furio deixou sobrar sobre a mesa.
Eu não conseguia entender a ideia de alguém que tinha tanto
dinheiro que podia abrir uma garrafa daquelas e nem mesmo
terminar o champanhe!
Furio abraçou Jude e Owen, como se eles fossem seus irmãos,
beijando suas bochechas. Então, ele se virou e sorriu para mim.
“Amber, foi um prazer inenarrável. Estou muito feliz por você
ter vindo”.
Quando ele me abraçou, outra pontada de excitação
preencheu meu corpo, como se bolhas de champanhe estivessem
se espalhando. Sua barba roçou minha bochecha, enquanto ele me
deu dois beijos, identicamente ao que ele tinha feito com os
homens, mas ao mesmo tempo totalmente diferente.
“Você é uma pessoa única e radiante”, ele sussurrou. “Estou
fascinado por trabalhar com você e espero ver muito mais de você
em breve”.
Eu também gostaria de ver mais de você, pensei com um
sorriso sacana.
37

Owen

Tudo tinha corrido perfeitamente naquele dia. Os detalhes do


contrato eram pequenos e insignificantes. Mesmo que Jude e eu
tivéssemos vendido 45% da empresa para o cara, não poderíamos
esperar uma melhor finalização do que aquela.
Mas, ainda assim, eu me senti vagamente irritado com tudo.
A irritação até sumiu durante o jantar, mas voltou, quando vi
Amber desejando boa noite ao Furio. Ele sussurrou alguma coisa no
ouvido dela que a fez se acender totalmente, o que não era normal
para aquela mulher normalmente abrasiva. Foi minha imaginação,
ou ele demorou mais no abraço nela do que tinha demorado comigo
ou Jude?
Então, o bilionário italiano entrou no carro, que saiu
rapidamente.
Meu impulso imediato foi de lembrar a Amber o que era estar
comigo. Levá-la para casa, arrancar sua blusa, levantar sua saia e
tomá-la da forma desesperada como eu queria. Ouvir seus gritos de
prazer intenso reverberarem pelas paredes do meu apartamento.
Mas eu estava mal-humorado, então abri o aplicativo do Uber
no meu celular e toquei na tela. “Chamei um carro para você,
Amber. O motorista está a um minuto daqui”.
“Ah”, ela piscou, surpresa. “Eu poderia ter chamado meu
próprio carro”.
“Esse foi um jantar de negócios”, respondi suavemente.
“Vamos pagar os custos de transporte”.
Vi o desapontamento no rosto dela, o que me fez refletir sobre
minha decisão. Porém, quando o carro parou, ela entrou
imediatamente, e ele partiu.
“Meu carro está a três minutos”, eu disse ao Jude.
Ele acenou. “Tudo correu extremamente bem hoje”.
“Sim”.
Ele fez uma careta. “Você não acha?”.
“Eu acho sim”.
“Então, por quê”, Jude começou, “… você está agindo como se
tivesse perdido alguma coisa?”.
Encarei a direção em que o carro de Amber tinha ido, rumo à
sua casa em San Mateo. Eu estava irritado, mas não só pelo fato de
Furio ter se engraçado com ela. Eu ainda estava azedo com o fato
de Melinda saber sobre meu relacionamento com Amber. Até aquele
momento, eu estava aproveitando tudo. Era gostoso, casual e
maravilhosamente descomplicado.
Assinar uma declaração no trabalho removeu um pouco da
diversão. Eu não sabia como me sentia sobre aquilo.
Não era culpa de Amber, provavelmente. Se ela disse que
Melinda descobriu sozinha, eu acreditaria nela. Entretanto, eu não
gostava de perder o controle da situação, então estava descontando
em Amber. Encontrando alguém para colocar a culpa.
Sacudi a cabeça e respondi ao Jude: “Acho que é estranho
vender quarenta e cinco por cento da nossa companhia para outra
pessoa. É como se eu desse metade do meu bolo de aniversário
para alguém”.
“Bom, é assim que bolos de aniversário funcionam. Você divide
com os convidados”, Jude disse, com um sorrisinho. “Seria um
aniversário deprimente, se você não tivesse ninguém com quem
compartilhar”.
“Você entendeu o que eu disse”, eu disse.
Jude deu de ombros. “Acho que sim, mas estou bem feliz com
tudo. Não poderíamos encontrar melhor investidor do que Furio.
Especialmente, pelo fato de ele ser tão sincero sobre a compra da
empresa de criptomoeda italiana”.
“Certamente”, eu disse, mas não sentia de verdade.
Me servi de um drinque quando cheguei a casa. Abri o Hulu na
TV e coloquei uma das minhas séries, mas eu não estava assistindo
de verdade. Estava apenas encarando as cores na tela e pensando
na mulher que eu não tinha trazido para casa naquela noite. Tux se
enrolou no meu colo e roçou sua cabeça em mim, implorando por
atenção. Preguiçosamente, cocei a parte de trás das suas orelhas
com um dedo.
Quando meu copo estava quase vazio, peguei meu telefone
para mandar uma mensagem para Amber. Era a primeira vez que
eu enviava uma mensagem para ela fora do bate-papo da empresa.

Owen: O que você está fazendo?


Amber: Telefone novo. Quem é você?
Owen: O homem que te fez comprar um celular novo.
Amber: Me lembrando que você destruiu meu celular? Pior
forma de puxar conversa que eu já vi.
Owen: Não estou puxando conversa. Só quero saber o que
você está fazendo.
Amber: Então você me enfia em um Uber e me manda para
casa, como quem quer se livrar de mim, e AGORA você quer saber
o que eu estou fazendo?
Owen: A noite tinha acabado. E pela forma como nosso amigo
italiano estava te olhando, fiquei receoso que ele pudesse te
convidar para ir dormir no hotel com ele. Te fiz o favor de evitar um
não constrangedor.
Amber: Você chamou o Uber depois que o Furio foi embora.
Fiz uma careta com meu engano. Ela estava certa.

Owen: Só mandei mensagem para saber o que você está


fazendo. Se não quer conversar, ok.
Owen: Posso te dar o número do Furio, se você preferir falar
com ele.

Meu dedo pairou sobre o botão de envio por alguns segundos,


antes de eu finalmente enviar a segunda mensagem. Amber
começou a digitar e parou. Tux deve ter sentido meu azedume,
porque ele sacudiu o rabo e pulou para outra cadeira, se curvando
em uma bolinha.

Amber: O que está acontecendo? Você está com ciúme do


Furio?
Owen: Não é ciúme. Estou apenas pontuando que ele estava
em cima de você hoje. Fazendo várias perguntas pessoais.

As respostas de Amber vieram rapidamente e sem hesitação.

Amber: Ha ha ha ha ha ha ha
Amber: Sério?
Amber: Vou te contar um segredo: perguntar sobre o câncer
do meu pai não é flerte nenhum. Ele só estava sendo legal comigo.
Owen: Então você nega que ficou toda bobinha, quando ele te
abraçou e te beijou?
Amber: Você é muito mais sexy quando NÃO está agindo feito
uma criança, Owen.

Deitei-me na cama e encarei o teto. Por que eu estava


deixando aquilo me irritar tanto? Eu não podia controlar Amber. Ela
nem era minha namorada! Antes da reunião, fiquei irritado, quando
soube que teríamos que assinar um documento advertindo a
empresa sobre nosso relacionamento.
Por que a imagem dela e de Furio juntos me deixava tão
incomodado?
Talvez eu não queira que as coisas com Amber permaneçam
casuais.
38

Amber

Depois que enviei a última mensagem ao Owen, desliguei meu


celular e o joguei na mesa de cabeceira. Qual era o seu problema?
Agir dessa forma enciumada com Furio e me culpar por que Melinda
descobriu sobre nós?
E a forma com a qual ele insistiu que não queria nada oficial,
que queria que tudo ficasse casual … senti como um tapa na cara.
Minha irritação não durou muito. Ela cresceu rapidamente, mas
diminuiu igualmente rápido, me deixando vazia e oca.
Apesar da briguinha boba, eu sentia falta de Owen. Eu estava
gostando da nossa diversão secreta. E eu estava com saudade de
Jude pelos mesmos motivos. Só tinha duas noites, desde que eu
tinha estado com eles, enquanto eles se preparavam para a reunião
de investimento, mas depois de passar quase todas as minhas
noites acompanhada por um deles, as duas noites sozinha pareciam
uma eternidade.
Liguei meu celular de novo, sem saber para quem eu queria
enviar uma mensagem, mas havia um texto novo de Jude.

Jude: Eu estava procurando uma desculpa para te trazer para


casa, mas Owen foi mais rápido chamando o Uber. Desculpa.
Eu: Não é sua culpa. Eu queria ir para casa com você também!
É tarde demais para te tentar a vir para cá?
Jude: Por mais tentador que seja – e é MUITO. Acredite –
estou acabado. Os últimos dias me destruíram. Preciso de uma boa
noite de sono.
Eu: Você não acha que vai dormir bem comigo?
Jude: Com você, eu não consigo nem dormir ;-)
Eu: Ha ha ha ha
Jude: Ei, o que você achou do Furio?

Pensei muito bem antes de responder.

Eu: Ele não é nada como eu esperava. Na medida do possível


dos investidores, acho que gosto dele. Ele foi bem amistoso.
Jude: Sim, concordo. Gostei muito dele.
Jude: Alguns investidores de ponta são apenas caras idiotas
com dinheiro demais que tentam enfiar suas opiniões nas empresas.
Mas Furio parece feliz em nos deixar trabalhar em paz.

Sim, tivemos muita sorte.


Adormeci, pensando em Jude e sonhei com seu apartamento
no centro. Eu estava sobre ele, beijando-o, mas quando ele tirou
seus óculos, imediatamente se transformou em Owen. Owen me
agarrou pelos braços e me rolou na cama até ficar sobre mim,
empurrando seu peso entre minhas pernas. Eu as abri para ele, e
ele sorriu e me beijou.
O beijo continuou, enquanto Owen roçava em mim, e eu
suspirei que o queria muito.
“Também quero você”, Furio respondeu. De repente era ele
quem estava em cima de mim, e não Owen. E a surpresa do início
virou adrenalina e excitação, quando beijei Furio com mais desejo
do que antes.
Eu acordei na manhã seguinte, suada e com calor debaixo do
edredom. Meus sonhos tinham sido eróticos do início ao fim, um ato
pecaminoso atrás do outro.
Tomei banho e fui para o escritório bem cedo. Eu tinha
esperanças de encontrar Jude sozinho, porque ele sempre chegava
antes de todo mundo. Mas quando entrei no prédio, Will Crawley já
estava sentado no seu cubículo com uma xícara de café fumegante
sobre a mesa.
“Ei, chefa”, ele disse. “Tudo bem?”.
“Sim, desculpa. Só me assustei em ver alguém aqui tão cedo”.
Ele deu de ombros. “Eu meio que gosto de chegar cedo. É
mais quieto antes de todo mundo chegar. Consigo trabalhar melhor”.
“Faça isso, então”, eu disse e subi as escadas.
Se Jude estivesse na sua sala, eu ainda poderia roubar um
beijo ou dois. Will Crawley não iria para o segundo andar. Teríamos
alguns momentos privados pelo menos. Eu ansiava por contato
físico da mesma forma que uma pessoa faminta anseia pelo almoço.
Jude estava na sua sala, mas eu vi que ele não estava
sozinho. Furio Rossi estava debruçado na sua mesa, olhando para
um dos monitores, enquanto Jude explicava alguma coisa. Ambos
me olharam, quando passei pela porta.
“Amber!”, Furio exclamou com alegria, como se minha
presença fosse o ponto alto do seu dia. “Eu estava me perguntando
se você chegaria cedo. Te trouxe um espresso. De um lugar
especial aqui na rua. Recomendação do amigo de um amigo”.
Sorri, quando Furio caminhou na minha direção. Ele não
estava usando um terno completo. Ao invés do blazer, um suéter
cinza-escuro. A camisa era listrada e seus cabelos escuros
pareciam combinar com as calças, como uma gravata combina com
uma camisa.
Ele ficaria lindo até usando farrapos.
“Eu não gosto de espresso,”, eu disse. “É muito forte”.
“Experimente”, ele disse, colocando o pequeno copo de papel
na minha mão, “te garanto que é diferente de tudo. Por favor, eu
insisto!”.
Cheirei o copo, o aroma amargo do café invadiu meu nariz,
junto com outras notas. Hesitante, tomei um gole. A consistência era
meio espumosa, mas era mais suave do que qualquer espresso eu
já tinha experimentado. Na verdade, desceu até mais fácil do que
café normal. Bebi todo o conteúdo e lambi os lábios. Furio levantou
uma sobrancelha, com expectativa.
“Uau!”, eu disse.
Ele apontou. “É esse rosto lindo que eu queria ver! Eu sabia
que você ia gostar. Jude fez a mesma cara, quando experimentou”.
“Estava muito bom”, Jude admitiu.
“Estou surpresa em vê-lo aqui”, eu disse ao Furio. “Achei que
você fosse embora hoje”.
“Não até o fim da manhã”, ele respondeu. “Tenho algumas
horas até lá e queria passá-las vendo como minha nova empresa
funciona!”. Ele deu uma risadinha e levantou uma mão. “Sim, sim,
eu sei que só tenho quarenta e cinco por cento da empresa. Mas
certamente sinto que já sou parte da família”.
A manhã passou, e Furio fez exatamente o que disse. Assistiu
Jude trabalhar por um momento, depois veio para a minha sala para
conversar. Fez algumas perguntas gerais sobre meu trabalho, o que
eu fazia todos os dias, e então algumas coisas mais específicas. Ele
parecia um aluno curioso estudando para uma prova.
Se fosse qualquer outra pessoa, eu teria ficado irritada com a
intrusão. Ninguém gosta de explicar seu trabalho com riquezas de
detalhes, especialmente para o recém-dono da empresa. Mas Furio
não era assim. Suas perguntas eram cheias de curiosidade, e eu
senti que seu interesse era genuíno.
Não me importo, porque ele é lindo.
Afastei o pensamento. Sim, Furio Rossi era extremamente
sexy. No entanto, eu já estava saindo com dois outros homens. Eu
não precisava de um terceiro, por mais exótica que parecesse a
ideia.
Às onze, Furio finalmente partiu. Mas não sem antes distribuir
cestas cheias de azeite, vinho, licores caros italianos e outras
iguarias do seu país. “Na minha família, sempre damos presentes
para os novos parceiros. Atrai boa sorte”, ele explicou caminhando
para a porta.
“Obrigada”, eu disse. “Queria que tivéssemos alguma coisa
para dar em troca”.
“Vocês me deram o melhor presente de todos”, ele disse
sorrindo calorosamente, para mim em particular. Então, olhou ao
redor e acrescentou. “Um pedaço da empresa!”.
“Ninguém lhe deu isso”, ouvi Owen murmurar. “Você comprou
por muito dinheiro”.
Furio não ouviu porque estava ocupado, batendo nas costas de
Jude e se despedindo. Meu coração se acelerou, quando chegou
minha vez, e Furio agraciou minhas duas bochechas com beijos
suaves novamente.
E, assim, tão rápido quanto chegaram, Furio Rossi e sua
equipe partiram.
“Cestas …”, Owen refletiu, quando sobramos só nós dois.
“Quem faz isso? Isso foi uma transação comercial, não uma festa de
Natal!”.
“Achei que foi gentil da parte dele”, eu disse.
“Sim, certamente foi o que você mais gostou”, Owen
respondeu.
“O que você está querendo dizer?”, perguntei.
“Nada”, ele respondeu, embora seu tom de voz significasse
que não era nada.
“É bom conhecer um homem tão caloroso e amistoso”. Peguei
meu celular do bolso. “Muito melhor do que alguém que destrói
meus dispositivos”.
Ele revirou os olhos e subiu as escadas.
39

Amber

Passei a noite no apartamento de Jude. Nós nos agarramos


como amantes que tinham ficado separados por anos e não só por
alguns dias. Os beijos de Jude eram famintos e possessivos, de
uma forma que me surpreendeu – e me excitou.
Talvez eu goste mais do Jude, pensei.
No dia seguinte, Owen entrou na minha sala e fechou a porta.
“Desculpa, eu tenho sido um cuzão”.
“Tem mesmo”, eu disse. “Mas isso é desde que eu comecei a
trabalhar aqui”.
Aquilo o fez dar um sorrisinho, mas que logo desapareceu.
“Furio me intimida. Eu tenho uma forma estranha de lidar com isso.
Quando ele está por perto, me sinto inadequado”.
Pisquei, surpresa. “Você? Inadequado?”.
Ele continuou, como se eu não tivesse falado. “Furio Rossi
sempre foi bilionário. Ele nasceu com mais dinheiro que qualquer
pessoa pode gastar na vida. Ele cresceu assim. E, por isso, é
natural para ele. Ele é suave e charmoso”.
“Se eu concordar, você vai ficar bravo?”, perguntei.
Ele sacudiu a cabeça. “Para mim, é totalmente diferente.
Primeiro, porque eu só sou bilionário no papel. A maior parte da
minha fortuna está presa em opções de ações que eu só posso
movimentar em três anos”.
“Então, você está com inveja do tipo de dinheiro que ele tem”.
“Posso terminar?”. Eu acenei, ele continuou: “Segundo, porque
é estranho para mim. Antes da PayScale, eu estava em
dificuldades. Eu não tinha economias, não tinha portfólio de ações.
Nada. Então, da noite para o dia isso mudou. Eu fui de compartilhar
um estúdio com Jude para, de repente, ter mais dinheiro do que eu
achava ser possível. Às vezes, acho que eu me sinto um impostor.
Como se eu tivesse usado um código de trapaça para ganhar um
jogo de videogame”.
Ele se apoiou na porta fechada e cruzou os braços, olhando
para o chão. “As pessoas me julgam por isso. Eu não mereci meu
trajeto. Sou só um cara da TI que teve sorte e vendeu sua empresa
na hora certa. E isso é verdade. Pelo menos, parcialmente. E já que
eles pensam que eu sou um cara da TI convencido que não merece
estar na alta sociedade, acabou virando uma profecia que eu
mesmo estou cumprindo. Eu meio que tenho que agir assim, porque
as pessoas esperam isso de mim. E o que Zuckerber, Dorsey e
Musk fazem:se esforçam muito, para parecer que não estão se
esforçando”.
“Às vezes”, ele continuou, com um suspiro longo. “Eu queria
ser eu mesmo. Por isso tenho inveja do Furio. O cara é totalmente
confortável na sua própria pele. Amistoso e legal, sem se preocupar
com o que as pessoas pensam. Comprando empresas aleatórias de
tecnologia, dando cestas de presente por aí … isso é poder real. E
quando eu vejo alguém como Furio exercendo, sinto como se eu
não merecesse”.
Encarei o homem na minha sala com outros olhos. Eu nunca
tinha visto Owen agir de forma tão vulnerável antes. Era um lado
dele que eu nem sabia que existia. Meu coração derreteu, e eu
queria me levantar, atravessar a sala e o abraçar, sem medo de que
as pessoas pudessem ver.
“Desculpa”, eu disse. “Acho que entendo agora”.
Ele deu de ombros, como se não fosse grande coisa. “Então,
sim, é por isso que tenho sido um cuzão. Quando vi você e Furio
flertando, todas essas inseguranças invadiram minha superfície”.
“Nós realmente não estávamos flertando”, eu disse.
Os olhos verdes de Owen me encararam.
“Ok, flertamos um pouco. Ou melhor, ele flertou”.
“Então você aceita minhas desculpas ou não?”, ele perguntou.
“Sim. Quer dizer, não. Você não precisa pedir desculpa. Você
precisou explicar de onde isso vem, e eu valorizo isso”.
Ele sorriu de forma estranha e, então, visivelmente vestiu sua
máscara de confiança e liderança, afastando a vulnerabilidade e se
tornando o Diretor Executivo da empresa de novo.
Depois daquilo, as coisas voltaram ao normal entre nós. Ele
dormiu na minha casa naquela noite – depois que verifiquei que
minha irmã e Phil não estariam lá. Transamos loucamente.
Desesperadamente. Então, fizemos piadas sobre o fato de ele estar
lá para invadir meu sistema doméstico de novo. Após alguns
comentários sobre como ele ainda precisava se vingar, depois que
eu invadi o sistema do seu apartamento e defini que Amber
arrombada era administradora, nos beijamos preguiçosamente na
cama e fizemos amor devagar, suavemente e sem a menor urgência
de antes.
E a semana seguinte foi daquele jeito. Jude numa noite, Owen
na outra. Eu falei para os dois individualmente que não queria
passar duas noites seguidas acompanhada e que precisava de
tempo para mim mesma. Os dois acreditaram na desculpa. Eu sabia
que não podia fazer aquilo para sempre, mas, naquele momento,
enquanto os dois clamavam não querer nada sério? Eu estava
encontrando maneiras de fazer aquilo funcionar.
A empresa cresceu rapidamente. Melinda tinha uma lista longa
de contratações em potencial que nós tínhamos entrevistado, e
agora que o financiamento tinha dado certo, começamos a expandir
como se não houvesse amanhã. Contratamos novos programadores
naquela semana e promovemos Nancy e Dave a líderes de equipe.
Melinda também expandiu a equipe de marketing. Em quatro
dias, tínhamos uma propaganda passando no intervalo do jogo dos
Giants. Usamos um projetor de parede para assistir e fizemos uma
grande festa no salão da SE, com bebidas e petiscos. A propaganda
passou no terceiro intervalo. A logo da SE, rodeada por curvas de
circuito, piscando na tela.
“SE”, disse uma dubladora com a voz profissional e confiante.
“Soluções avançadas para pessoas normais”.
Todo mundo celebrou e jogou pipoca no ar. Os cinco membros
da equipe de marketing se cumprimentaram e se abraçaram,
sorrindo para todo mundo.
Agora, o escritório estava cheio de novas pessoas trabalhando.
A academia começou a ser usada por mais gente do que apenas
Owen. Nancy guiava um grupo de yoga todos os dias e até o,
normalmente pateta, Dave começou a usar roupa de ginástica e
participar.
Tudo realmente mudou muito, desde que comecei, pensei,
passando pela academia. O organograma da empresa antigo tinha
Owen March e Jude Cauthon no topo, seguidos por Melinda e eu.
Agora tinha vários entroncamentos que continuavam aumentando
diariamente.
Quando recebi meu primeiro contracheque, fiquei de boca
aberta com o valor. Mas ele foi diretamente para as contas e meu
débito no cartão. O segundo usei para pagar as contas de casa e
sobrou tanto dinheiro que eu nem sabia o que fazer. Usei metade
para pagar meu financiamento estudantil, e Michelle me ajudou a
dividir a outra metade entre uma poupança e um plano de
aposentadoria.
Vou conseguir pagar meu financiamento estudantil em um ano
ou dois, pensei alegremente. Sem contar que vou conseguir pagar o
de Michelle, para ela poder começar uma carreira sem débitos.
Além do meu pagamento regular, minhas ações começaram a
se acumular. Algumas empresas demoravam quatro meses para
entregar o benefício, mas a SE fazia aquilo mensalmente. Eu
comecei a fazer as contas, para saber quanto elas valeriam se (e
quando) a SE entrasse no mercado de ações. Se cada uma valesse
dez dólares, eu teria um valor. Se valessem vinte, eu teria outro
valor.
A maior parte era especulação e palpite, mas uma coisa era
certa: eu ia ganhar muito dinheiro.
Um dia, depois de passar duas horas analisando uma das
blockchains paralelas com Nancy, percebi que já fazia uma semana
que eu não conferia o preço da ArgoCoin. Costumava ser minha
rotina matinal, checar compulsivamente o preço logo após acordar.
Me lembrando de quanto dinheiro eu podia ter, se não tivesse
vendido as ações tão cedo. Mas já fazia uma semana que eu não
checava. E não só isso, no momento em que me lembrei, nem quis
checar.
Talvez eu esteja finalmente seguindo em frente.
40

Amber

Pela primeira vez na minha vida, tudo estava dando certo. Eu


tinha o emprego dos sonhos que me desafiava e me deixava
realizada todos os dias. Eu estava ganhando muito dinheiro, criando
uma poupança e, finalmente, me sentindo mais estável
financeiramente desde a morte do meu pai. E eu ainda tinha dois
homens lindos, sensuais e divertidos na minha vida. O que mais
uma mulher podia querer?
Furio, uma voz ecoou na minha mente.
Desde a assinatura do contrato, Furio manteve contato
conosco. A cada um ou dois dias, ele mandava e-mails,
perguntando a opinião de Jude sobre alguma coisa técnica na sua
outra empresa de cripto, e eu sempre estava em cópia. Um dia,
Jude estava muito ocupado e me pediu para responder. Enviei uma
longa e detalhada mensagem. Furio respondeu com mais
perguntas, investigando sobre como resolver um problema que ele
tinha encontrado na Itália. Acabamos trocando pelo menos uma
dúzia de e-mails e, embora eles fossem completamente
profissionais e nunca tivessem sequer refletido nossas vidas
pessoais, parecia que estávamos flertando.
Eu sempre sorria, quando lia sua assinatura de e-mail: Do seu,
Furio Rossi.
Em uma tarde, Jude marcou uma reunião no seu escritório com
Owen, Melinda e eu. Fui a última a chegar, e eles já estavam
conversando.
“… namorado tem sido um grande chato”, Melinda estava
dizendo. “Ele se exercita todos os dias, mas além disso, não tem
nada para fazer. Ele fica vagando pelo seu apartamento o dia todo,
assistindo TV e me esperando chegar. É como ter um filhotinho de
cachorro”.
“Se ele precisa, podemos encontrar um trabalho para ele aqui”,
disse Owen. “Seria bom conhecê-lo finalmente. Você disse que ele
viria para o último evento, mas ele nos deu o bolo”.
Melinda deu uma risadinha. “Jimmy é um doce, mas não tem
as habilidades necessárias para trabalhar aqui. Ele é meio cabeça-
oca, acostumado com trabalho braçal”.
“Instrutor de academia?”, Owen sugeriu. “Muitos funcionários
usam a academia agora, seria um bom investimento”.
Melinda resmungou. “Eu amo meu Jimmy, mas a última coisa
que eu preciso é vê-lo no escritório. Eu só quero que ele volte a
trabalhar. O que deve acontecer entre agosto e setembro. Aí ele vai
parar de ser tão grudento. Ok, estamos todos aqui. Vamos começar.
Jude?”.
“A empresa de cripto de Furio da Itália está crescendo
rapidamente”, Jude declarou. “Sua base de usuários aumenta em
cinco mil por dia”.
“Por que você está falando sobre isso, como se não fosse uma
coisa boa?”, Owen perguntou. “Isso é ótimo. Especialmente, se ele
acabar integrando essa empresa com a SE”.
“Porque eles estão tendo problemas com escalonamento”,
disse Jude. “A equipe de Furio não está conseguindo responder,
então, ele quer que um de nós vá para a Itália para ajudar. Mostrar a
eles como se faz”.
“Por que precisamos fazer isso pessoalmente?”, perguntei.
“Em pleno 2022, isso é facilmente solucionável em uma reunião no
Zoom”.
“Furio é assim”, disse Melinda. “Lembra que ele veio
pessoalmente assinar os documentos, mesmo com a possibilidade
de fazer tudo on-line?”.
“Verdade”. Cruzei os braços. “Poderíamos pedir à Nancy ou ao
Dave. Eles conhecem as soluções de blockchain paralela
implementadas aqui mais do que ninguém”.
Owen sacudiu a cabeça. “Não acho que Furio vai ficar feliz se
mandarmos um líder de equipe. O processo envolve todos os
engenheiros seniores e o presidente da empresa dele. Precisa ser
Jude”.
Jude tirou os óculos para limpar na sua gravata. “Eu não quero
ir para a Itália. Eu estrago meu sono por semanas, quando viajo
dentro do país. Ir para a Europa vai ser dez vezes pior”.
“Quando estávamos vendendo a PayScale, tive que fazer pelo
menos uma dúzia de viagens desagradáveis”, disse Owen
gargalhando. “Passou da hora de você lidar com isso também”.
Jude colocou os óculos no rosto de novo e me encarou. “E se
mandarmos a Amber?”.
“Eu?”.
“No meu lugar …”, ele disse. “Você é a engenheira sênior,
diferente de Nancy e Dave. Sua opinião vai ser aceita e respeitada.
Owen e eu bufamos ao mesmo tempo. “Sério?”.
“Sério”, Jude disse, respondendo para mim, não para Owen.
“Isso me libera, para me concentrar no panorama geral. Tenho
trabalhado dezoito horas por dia atualmente, tentando lidar com a
velocidade do nosso crescimento”.
“Você faria isso?”, Owen perguntou. “Parar um pouco seus
projetos para passar quatro dias na Itália?”.
“Hmm …”, eu disse.

Motivos para ir:


1. Eu nunca visitei a Itália.
2. Pode ser uma boa oportunidade de construir uma rede de
contatos.
3. Viagem grátis!
4. Vou ver o Furio.

Motivos para não ir:


1. Estou atolada de trabalho e ficar fora quatro dias vai me
atrasar muito mais.
2. Não gosto de voos longos.
3. Vou ver o Furio.

O último item era uma vantagem ou uma desvantagem. Eu


ficava igual idiota toda vez que pensava no sorriso do bilionário
italiano charmoso. E os e-mails que trocamos, totalmente
profissionais, mas ainda assim …
“Claro”, eu disse, jogando minha lista mental na lixeira. “Eu
vou”.
Naquela noite, eu fui embora, fingindo que estava indo para a
estação de trem, mas em vez de ir para San Mateo, chamei um
Uber que me levou para o apartamento de Jude. O porteiro me
deixou entrar, e Jude me esperava com comida chinesa em
caixinhas.
Depois de encher meu estômago e outros buracos igualmente
satisfatórios, Jude e eu ficamos na cama de conchinha. Ele estava
estranhamente silencioso, e eu corri meus dedos pelo seu peito em
um carinho preguiçoso.
“Bitcoin pelos seus pensamentos”, eu propus.
“Estou preocupado com a viagem”.
“Com o quê?”, perguntei. “Você não acha que eu vou fazer um
bom trabalho?”.
“Tenho certeza de que você vai fazer um excelente trabalho”,
ele respondeu sem hesitar. “Não estou preocupado com isso. Estou
preocupado com Furio. Não quero que ele a roube de mim”.
Meu corpo inteiro ficou tenso. Se Jude notou, não deu nenhum
sinal. “Me roubar de você? Como assim?”.
“Você é uma expert em programação”, ele respondeu. “A
empresa dele está enfrentando problemas técnicos. Tenho medo de
ele simplesmente a roubar”.
“Ahh”, eu expirei longamente, não me dei conta de que estava
segurando a respiração. “Não se preocupe com isso”.
“E se ele lhe oferecer um trabalho?”, Jude perguntou. “Você me
avisa, está bem? Nos dê a chance de fazer uma contraproposta”.
“Não posso liquidar minhas ações até estar aqui por um ano
completo”, eu pontuei. “Eu não vou embora tão cedo”.
“Sim, mas um homem como Furio Rossi tem dinheiro o
suficiente para compensar sua perda de ações. Se ele tentar, de
fato, contratá-la, promete que me avisa?”.
Eu me sentei e beijei seus lábios quentes. “Você é fofo, quando
fica preocupado, sabia? Prometo que não vou deixá-lo me roubar”.
Mas logo que Jude dormiu, perguntei-me o que eu faria se
aquela oportunidade me fosse realmente proposta.
Dois dias depois, eu estava rolando minha mala no aeroporto
de São Franciso, na fila para o raio-X. Eu tinha uma escala de três
horas no LaGuardia. Provavelmente, não era tempo o suficiente
para sair e ver nada em Nova Iorque, antes de ter que estar de volta
no aeroporto. Melinda tinha comprado uma passagem econômica
premium, com espaço extra para as pernas. Meu assento era na
janela na segunda parte da viagem, então eu iria poder encostar
minha cabeça na divisória do avião e dormir. Como o voo era
noturno, eu estava saboreando a ideia de dormir.
Eu estava pensando naquilo, quando dois homens
uniformizados vieram até mim. “Você é Amber Moltisanti?”.
“Sim”, eu disse lentamente. “Por quê?”.
Um deles soltou a corda da barreira e o outro gesticulou. “Por
favor, venha conosco”.
Eu já tinha visto tantos vídeos de pessoas dando chilique no
aeroporto e sabia que não queria fazer o mesmo. Entorpecida,
deixei a fila da segurança e os segui. Quem eram aqueles caras?
Seguranças do aeroporto ou seguranças particulares? A logo nos
seus uniformes parecia a logo de uma empresa de segurança.
“Eu fiz algo de errado?”, perguntei. “Isso é uma revista
aleatória?”.
“Você não fez nada de errado”, um deles respondeu
rapidamente. “Estamos guiando-a para o seu avião”.
Eu estava começando a pensar que aquilo era um sequestro.
Eles me guiaram para fora do terminal, onde entrei em uma van com
o nome Segurança SFO escrito na porta. A van saiu do terminal
público, dirigiu em círculos até passar por dois postos de controle,
onde nós três tivemos que mostrar nossas identificações. Não me
dei conta de onde estávamos indo, até passar por uma placa,
indicando que estávamos no Terminal Particular SFO.
Porém, a van virou à direita do terminal e entrou em uma pista.
Quando paramos, vi um jatinho particular. A bandeira na asa tinha
três cores: verde, branco e vermelho.
A porta da van se abriu, e um homem de terno disse: “Por aqui
para o jato do Sr. Rossi”.
Jato do Sr. Rossi, pensei enquanto subia a escada para o
avião. Uma aeromoça de terno branco me deu uma taça de
champanhe. Não havia mais ninguém a bordo, a não ser o piloto
que parecia estar fazendo sua checagem de rotina pré-voo.
E é assim que você impressiona uma garota, pensei, enquanto
apertava meu cinto de segurança.
41

Furio

Quando descobri que Amber Moltisanti era a funcionária que a


SE estava enviando para a Itália por quatro dias, fiquei sem palavras
de alegria. Na verdade, eu mal pensava em outra coisa que não
fosse aquela programadora dos cabelos negros, desde quando a
conheci em São Francisco.
Eu estava completamente ciente dos meus sentimentos por
ela; eu não me iludia com a ideia de que meu interesse era
estritamente profissional. Amber era uma flor bela e radiante que
merecia ser adorada, e eu pretendia tratá-la como ela merecia. Eu
estava agindo sob a presunção de que ela era solteira, mas eu tinha
motivos o suficiente para pensar que era uma presunção acurada.
Não havia aliança no seu dedo, e as americanas eram
profundamente apegadas ao conceito de casamento. Ademais, eu
duvidava de que ela estava romanticamente envolvida com alguém
de forma séria. Qualquer homem que cortejasse Amber seria
estúpido, além do que posso descrever por não a tomar como
esposa imediatamente. Então, se Amber não era casada, eu sabia
que ela era solteira.
Levei tudo em consideração, quando me sentei no banco de
trás do meu carro no aeroporto. Não era permitido aos civis dirigir
até a pista, mas era exatamente onde estávamos no momento.
Muitas das regras não se aplicam a homens com o meu status. O
poder tem uma forma especial de driblar cordões de isolamento,
como um gládio bem afiado. Essa é a verdade desde antes do meu
nascimento e permanecerá assim por muitos anos após minha
morte.
Do banco da frente, meu assistente limpou a garganta. Em
italiano, ele disse: “Não entendo o que você viu nessa mulher”.
“Ela é a engenheira sênior, perfeitamente qualificada para a
tarefa em questão”, respondi, também em italiano.
“Não é por causa da sua posição que você está aqui,
pessoalmente, esperando por ela no aeroporto”, ele respondeu
secamente.
“Ela é linda”, admiti.
“Você já saiu com um número incontável de mulheres bonitas”.
“Ela também é brilhante”.
Meu assistente se moveu no banco, o couro rangeu
suavemente. “Você esteve com mulheres brilhantes. Cientistas,
professoras, políticas, mulheres de negócio. Por que Amber? Por
que ela?”.
Me perguntei o porquê. Aliás, eu estava me perguntando aquilo
desde a minha primeira visita a São Francisco. Desde quando
estava na cobertura do restaurante de Owen March e vi aquela bela
mulher sendo arrastada para fora pelos seguranças. Eu fui seduzido
pela mulher, tão impetuosa e cheia de vida, e foi um deleite imenso
vê-la trabalhando para a empresa, na qual eu havia investido.
Eu não seria capaz de explicar o desejo que senti por Amber
Moltisanti, só assumir que ele existia, que era forte e inabalável feito
uma pedra. Quando me deitei para dormir, vi seu rosto em formato
de coração e seus olhos escuros e penetrantes que pareciam uma
piscina na qual eu queria me afogar. Mesmo enquanto eu estava
acordado, me flagrava encarando o nada, pensando nela e no seu
rosto iluminado pela luz da tela do seu computador.
Nós tivemos uma conexão. Eu senti no momento em que nos
conhecemos. E, desde então, eu a queria desesperadamente. Seu
corpo, sua mente, sua alma.
Não respondi, e meu assistente fez um barulho de
desaprovação. “Não é assim que você conquista uma mulher. Você
é um homem ocupado. Você deveria bancar o difícil, deixá-la ser
levada até a mansão e só encontrá-la após ela esperar por um bom
tempo. Vir encontrá-la pessoalmente é demais, e todas as outras
coisas que você planejou para ela, todo o trabalho que você …”.
“Não quero bancar o difícil”, eu o interrompi. “Não quero fazê-la
esperar. Eu quero dar a ela o meu eu de verdade. Quero que ela me
conheça pelo homem que eu sou”.
Meu avião apareceu no céu como um pontinho, crescendo
enquanto se aproximava de nós e da pista, até tocar o solo. Saí do
carro e esperei do lado de fora, o vento fazia meu casaco balançar
em volta da minha cintura, enquanto eu assistia ao avião taxiar na
nossa frente.
A aeromoça apareceu primeiro e, então, ali estava ela. Amber
desceu do avião, como uma deusa visitando a Terra. Meu peito se
inchou de desejo com a visão dela e com a forma que ela sorriu,
quando me viu.
Uma só mala, notei com um sorriso, quando a aeromoça abriu
o compartimento de bagagem e pegou sua bagagem. A última
mulher com quem eu saí precisava de três malas enormes para um
fim de semana, e era difícil de tantas maneiras …
Amber é simples, fácil e ainda por cima extraordinária, pensei
quando ela se aproximou. Quando nos abraçamos, parecia o abraço
de amigos que tinham ficado muito tempo separados. Suas
bochechas estavam quentes, quando a beijei, e eu pensei tê-la
sentido tremer nos meus braços.
“Amber”, eu disse, em inglês. Minha língua ficou fraca na
minha boca. Lambi meus lábios e disse: “Você está maravilhosa”.
“Você está sendo legal”, ela disse com uma risadinha
autodepreciativa, mas notei que suas bochechas ficaram vermelhas.
Por causa do vento certamente. “Minha mala estava no
compartimento, e eu não me troquei. Quer que eu tire estas roupas
casuais antes de irmos para o escritório?”.
“Você está absolutamente perfeita”, eu disse, e estava falando
sério. “Você está radiante e renovada que seria um crime mudar
qualquer coisa”.
“Eu estou renovada”, ela disse. “Tomei um banho antes de
pousarmos. Uma banheira, caralho. Desculpa o linguajar, mas eu
não sabia que jatos particulares tinham banheiros completos!”.
Eu ri com a sua franqueza. “Estou feliz por você ter usado
nossas instalações tão bem. Venha! O carro nos espera”.
Coloquei uma mão gentil nas suas costas, enquanto a guiava
para o carro. Meu assistente me deu uma olhada final de
desaprovação, antes de abrir a porta para nós.
Não preciso da aprovação dele, pensei. Não preciso deste jato,
ou da minha mansão, ou de todos os terrenos e riqueza da minha
família. A única coisa da qual eu preciso é Amber Moltisanti.
E eu tinha certeza de que sabia como conquistá-la.
42

Amber

Então é assim que vivem os bilionários.


A viagem no jato de Furio foi mais luxuosa do que qualquer
hotel em que já fiquei na vida. Assentos de couro branco e taças de
champanhe. Bife com batatas palito no jantar. Um quarto que ficava
isolado da cabine para dormir por horas. Um banho de banheira
matinal, preparado pela comissária de bordo, enquanto o voo ia tão
suavemente que a água quase não mexia. E, para o café da manhã,
ovos pochê, frutas, bacon e suco de laranja fresco e natural, antes
de aterrissar.
Tudo foi tão maravilhoso que quase fiquei desapontada,
quando começamos a aterrisagem em Roma.
Quase. Furio estava em algum lugar na península italiana
esperando por mim. E aquilo me empolgou mais do que a
experiência no jato.
Para a minha surpresa, Furio não estava só na península, ele
estava parado na pista de pouso ao lado de um carro preto
elegante, cujo modelo eu não reconheci, usando um terno cinza
ardósia, com uma gravata prateada que combinava com as
abotoaduras. Ele me saudou, como se eu fosse a melhor parte do
seu dia, com um abraço caloroso e beijos nas bochechas que quase
me fizeram ter uma crise de risadinhas.
“Você gostaria de relaxar antes de visitar o escritório?”, ele
perguntou, enquanto saíamos do aeroporto. “Tenho certeza de que
a viagem foi muito exaustiva”.
“Estou mais revigorada e relaxada do que já estive na vida”,
respondi honestamente. “Não precisamos perder tempo. Estou
ansiosa para colocar a mão na massa”.
“E eu estou ansioso para te ver com a mão na massa”, ele
respondeu com os olhos escuros brilhando.
Enquanto dirigíamos por Roma, Furio apontava prédios e
estátuas no caminho. Ele parecia saber um pouco de tudo. Vimos a
esquina, na qual o Imperador Otho anunciou seu golpe contra o
Imperador Gaiba. Vimos a praça, onde os antifascistas tentaram
assassinar Mussolini em 1938. Vimos o beco, onde ficava a fachada
de um SPA romano.
Enquanto eu o ouvia me brindar com informações sobre a
cidade antiga, não conseguia deixar de admirar a forma como Furio
exalava confiança. Não era o mesmo tipo de confiança de Owen.
Era mais suave, uniforme, como se ele tivesse nascido com ela. O
tipo de confiança que eu imaginava que um príncipe teria. Como um
direito inato.
Ele é neto de um Duque, afinal de contas.
O carro finalmente parou em frente a uma construção
neoclássica, feita de pedras com janelas altas e adornadas. A placa
na entrada dizia eTodo, o nome da empresa. Saí do carro e vi que a
rua era feita de paralelepípedos e que havia um fluxo contínuo de
pedestres na calçada. Era metade da manhã, e Roma estava
acordada e conquistando o dia.
Segui Furio para dentro do prédio, que era mais moderno do
que o lado de fora sugeria. Era menor do que a sede da SE, mas a
planta era mais tradicional, menos aberta. Eu sabia, entretanto, que
o tamanho modesto era pura enganação. Eu tinha pesquisado a
empresa no avião e vi que eles estavam expandindo rapidamente.
Eles precisariam de uma nova sede em breve, especialmente agora
que estavam se integrando à SE.
Furio me guiou por um corredor até uma sala de conferência
grande, ocupada por uma grande mesa. Todos os dez funcionários
da eTodo estavam presentes, e só havia uma mulher. Além disso,
notei que a idade mediana era superior à dos caras na maioria das
empresas do Silicon Valley. Todo mundo parecia já ter quarenta.
Furio falou com todos na sala em italiano, com o braço em
volta do meu ombro, como se fosse uma grande apresentação. Os
funcionários sorriram e acenaram educadamente, alguns
sussurraram algumas palavras.
Até o momento, eu tinha subestimado a viagem. Ver Furio
ocupava a maior parte da minha empolgação. Era fácil esquecer
que eu estava ali para dar conselhos e consultoria para uma outra
empresa de cripto. E eu era uma programadora nerd, péssima com
audiências.
Por que tenho que falar com todos de uma vez? Achei que ia
trabalhar só com um ou dois programadores!
“Boa tarde a todos”, eu disse de forma estranha. “Como vocês
estão?”.
Alguns fizeram caretas e olharam ao redor. Ninguém
respondeu. Então me dei conta de uma coisa: nenhum deles falava
inglês. E por que falariam? Eles moravam na Itália. De repente,
desejei ter passado mais tempo no avião aprendendo frases básicas
em italiano e menos tempo mergulhada na banheira.
Furio sentiu meu tom alarmado, porque acenou para um
homem perto dele que eu não tinha reconhecido. O homem tinha
cabelos brancos amarrados em um rabo de cavalo, e ele limpou a
garganta para falar algumas palavras em italiano. Quando ele
terminou, olhou-me, esperando.
Ah, um intérprete.
“Meu nome é Amber Moltisanti, sou engenheira sênior na
Soluções Encriptadas, uma empresa sediada em São Francisco.
Estou aqui para ajudá-los com seus problemas de escalonamento”.
O intérprete transmitiu minhas palavras para o resto. Várias
cabeças acenaram, concordando. Então, eles fizeram uma rodada
de apresentações individuais. Eu não poderia guardar todos os
nomes e títulos, mas um homem que se destacou foi Edoardo. Ele
era o Diretor Técnico e tinha possivelmente vinte anos a mais do
que eu. Ele falava rispidamente, com os braços cruzados e uma
postura de quem não estava feliz em me ver.
Quando as apresentações acabaram, Furio pediu a Edoardo
que me explicasse brevemente sobre seu roteiro atual. O homem de
olhar austero nem se importou em se levantar e cuspiu suas
palavras, como se ele fosse importante demais para falar sobre o
tema. O intérprete traduziu frase por frase. Entretanto, ele foi
redundante. Antes de viajar, eu tinha encontrado o mapa e o plano
de infraestrutura da eTodo, assim como os detalhes dos seus
problemas de dimensionamento.
Quando ele terminou de explicar, todos me olharam, esperando
o que eu tinha a dizer sobre aquilo.
“É um bom plano”, eu disse, diplomaticamente. “Mas só se o
tráfego diário for pouco. Ele deve ser alterado para cobrir mais
clientes”.
“E como vamos mudar isso?”, Edoardo perguntou, usando o
intérprete.
“Bem …”, engoli a seco. Eu odiava dar más notícias. “O mapa
deve ser descartado. Vocês devem começar tudo outra vez”.
Assim que o intérprete transmitiu o que eu tinha dito, Edoardo
latiu uma risada. “Não vamos começar de novo. Não depois de tudo
o que já fizemos”, ele olhou ao redor, buscando apoio. A maioria dos
outros funcionários da eTodo concordou.
“O problema é que usando a estrutura central da blockchain”,
expliquei. “Vocês têm um limite máximo de transações por cada
bloco. A única forma de acomodar o aumento no tráfego é
implementando soluções de blockchains paralelas nos servidores
destinados a isso. Assim, vocês poderão gerenciar todas as
transações internamente durante os picos e, lentamente, alimentá-
las na blockchain principal depois. E com a sua própria
infraestrutura de blockchains paralelas, vocês conseguem escalonar
facilmente”.
As pessoas ao redor da mesa fizeram careta, absorvendo as
palavras que o intérprete tinha falado. Eu os vi se dando conta de
que eu estava certa, um por um. Uma solução de blockchain
paralela era de fato a única forma de continuar crescendo naquele
ritmo.
Edoardo também se deu conta. Ele parecia alguém que
recebeu notícias chocantes e ficou encarando o nada, piscando,
enquanto sua mente processava a informação.
Então, ele saiu do transe e teimosamente aprofundou. “Uma
blockchain paralela requer a reconstrução da plataforma toda”, ele
disse.
“Correto”, respondi apologeticamente.
“Demoraria meses para criar uma única blockchain paralela
capaz de escalonar desta forma”, ele continuou. “Anos, para finalizar
as quarenta e três criptomoedas para as quais atualmente
oferecemos suporte”.
Olhei para ele de forma divertida. “Meses? Não vai ser tão
difícil assim. O código central é simples, especialmente para
moedas baseadas em token”.
Edoardo se virou para os dois homens ao lado dele e disse
alguma coisa alto o suficiente para todos ouvirem. Vários homens
riram. Um deles se engasgou. A única mulher na sala travou o
maxilar, claramente irritada.
Ele acabou de me insultar.
“O que ele disse?”, perguntei ao intérprete.
Ele me encarou hesitante.
Furio deu um passo à frente do seu canto, enfurecido como um
lobo. Ele começou a falar com Edoardo em italiano, repreendendo-o
com uma raiva evidente, mas eu levantei uma mão e pedi a ele que
esperasse. Furio parou e assentiu.
“O quê”, perguntei pausadamente ao intérprete. “ele disse?”.
O intérprete limpou a garganta e não me olhou, enquanto
respondia. “Ele disse que vocês, mulheres americanas, acham que
sabem tudo. E que qualquer programador real sabe que isso
demoraria pelo menos um mês. Ele sugeriu que você só está nessa
posição na sua empresa, porque você … é amiguinha do novo
chefe. Mas ele não disse amiguinha. Ele usou uma palavra vulgar
que eu não me sinto confortável em traduzir”.
Minhas bochechas de repente pegaram fogo. Edoardo me
encarou desafiador. Olhei para Furio, que estava encarando
Edoardo como se o fosse demitir ali mesmo. Parte de mim queria
que ele fizesse isso, que ele ordenasse aos seguranças que
arrastassem o homem para fora do prédio e o jogassem na rua.
Porém, eu sabia que ninguém me respeitaria, se aquilo
acontecesse. Então, seriam quatro longos dias na eTodo. Eu
precisava resolver de outra forma.
Peguei o laptop de Edoardo. Ele tentou evitar, mas não
conseguiu fazê-lo a tempo. Eu vi que seu Notepad++, um software
de programação, estava aberto e conectado ao repositório de
códigos da eTodo. Boa. Havia um projetor pendurado no teto, então,
conectei o laptop ao cabo, até a tela estar visível na parede.
“Um mês?”, eu perguntei a Edoardo, forçando uma risada de
deboche.
Ele disse algo condescendente, mas eu nem ouvi a tradução.
Meus dedos já estavam voando pelo teclado, começando a
solucionar o código. Minha ira adicionava ênfase a cada batida nas
teclas, enquanto eu declarava minhas variáveis e trabalhava.
Todo mundo estava assistindo, mas seus olhares não estavam
me irritando mais. Eu estava com raiva demais para me sentir
estranha. O homem era um cuzão, e eu tinha que provar que ele
estava errado. E eu ia fazer aquilo na frente de todo mundo que
trabalhava para ele.
Depois de dez minutos, eu tinha oito páginas de códigos. Em
meia hora, dezenove. Suor escorria entre minhas escápulas por
causa do calor do projetor atrás de mim, mas eu ignorei. Eu estava
em um ritmo alucinante e não queria parar nem para ajustar minha
blusa.
Alguns dos outros programadores começaram a sussurrar uns
com os outros, apontando para a tela. Discutindo o código. Edoardo
continuou de cara feia na minha direção, fazendo outros
comentários insultantes para os homens ao lado dele. No entanto,
eles não estavam rindo. Eles estavam encarando meu fluxo de
códigos com curiosidade e admiração. Edoardo começou a suar.
Loops, funções e novas variáveis surgiram das pontas dos
meus dedos no programa. Eu não sabia todo o esquema
personalizado da eTodo, então criei indicadores temporários que
seriam preenchidos mais tarde. Naquele momento, eu só precisava
completar a maioria do trabalho, o esboço que provaria que aquilo
poderia ser feito com muito mais facilidade do que eles achavam.
Depois de quarenta e cinco minutos, tirei as mãos de cima do
teclado e me inclinei na cadeira. A sala estava silenciosa, mas a
maioria dos funcionários estava sorridente diante da solução que eu
tinha acabado de criar.
Escorreguei o laptop na direção de Edoardo. “Se você demora
meses para fazer o que essa mulher americana acabou de fazer em
menos de uma hora, então você é realmente péssimo no que faz”.
Do outro lado da sala, Furio deu um largo sorriso na minha
direção, enquanto o intérprete traduzia minhas palavras vitoriosas
para o resto.
43

Amber

“A cara dele”, Furio disse naquela noite. “Eu achei que ele ia
ter um derrame ali mesmo!”.
Estávamos em uma mesa para duas pessoas do lado de fora
de um restaurante no meio da cidade, dividindo uma garrafa de
vinho, enquanto esperávamos pela nossa comida. O sol estava se
pondo atrás dos prédios antigos do meu lado esquerdo, espalhando
uma luz laranja no céu. O Pinot Noir na minha taça era mais gostoso
do que qualquer vinho que eu já tinha tomado na vida, e eu sabia
que aquilo se dava parcialmente à minha vitória na eTodo.
“E você! Achei que você fosse demitir Edoardo”, eu disse.
“Pedir aos seguranças que o atirassem no meio da rua com todos
os seus pertences”.
“Talvez eu ainda faça isso”, ele respondeu gravemente.
“Depois do que ele disse sobre você e sobre mim … inaceitável”.
“Fiquei feliz por você ter me deixado colocá-lo no seu lugar,
primeiramente”, eu disse. “A cara dele depois que eu fiz seu
trabalho? Foi impagável”.
Furio rolou a taça de vinho por entre os dedos. “E agora todo
mundo lá vai te respeitar da mesma forma como eu respeito”.
Inclinei minha cabeça na direção dele e bebi meu vinho. Parte
do motivo pelo qual eu me sentia tão bem depois dos eventos do dia
foi a presença de Furio lá, testemunhando tudo. Eu queria sua
aprovação desesperadamente, dei-me conta. E a sensação era de
ter tomado uma garrafa toda de vinho sozinha.
“Essa solução vai ser fácil de ser implementada?”, ele me
perguntou. “Nas outras criptomoedas também?”.
Acenei. “Vamos ter muito trabalho, mas as soluções são fáceis.
Intensas, mas fáceis. Nem de longe são o bicho de sete cabeças
que Edoardo disse que seriam”.
Furio suspirou aliviado, como se um grande peso tivesse sido
removido dos seus ombros. “Comecei a duvidar da compra desta
empresa”.
“Você está brincando?”, respondi. “Do jeito que as coisas estão
indo, eTodo vai ser uma das maiores empresas de câmbio de cripto
da Itália em um ano. Foi um investimento fantástico e um
testemunho do seu conhecimento da indústria”.
Furio deu de ombros, mas também sorriu. “Meu conhecimento
é meramente, como dizem, raso … não é profundo”.
“Profundo o suficiente para tomar decisões boas de
investimento”, respondi. “E suas perguntas em São Francisco? Você
sabe muito mais do que todo mundo que não trabalha na indústria!”.
Ele sorriu genuinamente com o meu elogio, então pediu licença
e foi ao banheiro. Fiquei sorrindo, quando ele se levantou e
caminhou, olhando longamente e com apreço para as suas coxas e
bunda dentro da calça social.
Me pergunto como ele fica em roupas normais. Ou sem roupa
nenhuma.
O pensamento me fez dar uma risadinha, mas então meu
sorriso sumiu. Eu tinha Jude e Owen em São Francisco. Será que
eu deveria mesmo ter estes pensamentos sobre Furio? Era errado?
Eu tenho algum futuro com esses dois? Eles são meus chefes,
mais literalmente do que o Furio.
A pergunta era como uma espinha na testa, depois que ela
surgiu, ficou impossível ignorar. Calculei a diferença de fuso e
mandei duas mensagens, exatamente iguais. Uma para Owen e
outra para Jude.
Eu: Hora da verdade: você já pensou em algo mais sério entre
nós? Ou você quer que isso continue casual?

Eram oito da manhã em São Francisco. Jude estaria no


escritório, mas Owen estaria em casa, preparando o café da manhã.
Tentei imaginar a cara dos dois após ler a mensagem.
Owen respondeu primeiro.

Owen: E precisar assinar mais documentos informando


Melinda sobre isso? Dá muito trabalho, criança.

A resposta de Jude veio a seguir.

Jude: Não tenho certeza. A SE está crescendo muito rápido e


ter um relacionamento exposto na frente de todos os funcionários
novos … As coisas poderiam se complicar. A estrutura da empresa
precisaria ser ajustada, para você não responder mais diretamente a
mim. Mesmo assim, pegaria muito mal.
Jude: Podemos manter tudo mais simples por agora? Não
quero prejudicar nada na empresa e especialmente as suas ações

Li as duas mensagens duas vezes. A natureza piadista de


Owen e a calma racional de Jude. Entendi as duas. Logicamente,
elas faziam sentido.
Porém, eu não pude evitar o desapontamento. Eu queria mais
com eles. E se eles não podiam me dar o que eu queria …
“Por que você está com essa cara?”, Furio perguntou, voltando
para a mesa. “Que notícia você recebeu que a deixou tão triste?”.
Sorri e guardei o celular. “Coisas chatas do trabalho. Nada
importante. Vou resolver quando voltar”.
“Esqueça seu trabalho em São Francisco”, disse Furio,
gesticulando ao redor com a taça de vinho na mão. “Hoje você está
em Roma! Devo insistir que você relaxe e aproveite a cidade que eu
tanto amo”.
Terminamos nosso vinho e comemos nossas deliciosas
massas, só então comecei a relaxar. Era fácil perto de Furio. Ele era
tão desarmante, tão suave. Eu ficava nervosa perto dele,
certamente, mas totalmente à vontade. Como se ele fosse um velho
amigo, e não um cara que eu só tinha visto ao vivo duas vezes.
Quando conheci Jude no terraço, fiz um discurso sobre
bilionários. Eu tinha uma imagem firme deles na minha cabeça:
jovens fundadores arrogantes de empresas de tecnologia ou velhos
enrugados donos de indústrias. Eu pensava neles como homens de
negócios malvados que sugavam tudo ao seu redor, sem dar nada
em troca.
Todavia, minha noção tinha mudado totalmente. Furio não era
nenhuma dessas caricaturas. Ele era jovem, mas adorável.
Riquíssimo, mas humilde. Com os pés no chão de forma que ficava
fácil me comunicar com ele.
Nossa conversa deslizou por diversos tópicos. Comparação do
clima de Roma com o da Califórnia. Políticos modernos italianos e a
facilidade de barganha na União Europeia. O novo filme de Ben
Stiller que tinha sido terrivelmente dublado em italiano. Meus
tempos de faculdade em Berkeley e a graduação em administração
de Furio em Oxford, onde ele ficou mais fluente em inglês. Eu disse
a ele que não conseguiria imaginar como seria adquirir
conhecimento acadêmico em outro idioma. Ele disse que era difícil,
mas aquilo o tinha ajudado a aprender mesmo durante
adversidades, forjado o homem que ele era.
Ele pediu uma garrafa de vinho de sobremesa, que
harmonizava muito bem com um prato cheio de doces recheados de
creme. Em seguida, tomamos café – rico, suave e cremoso, mesmo
sem ter nem um grama de creme – e, então, Furio puxou minha
cadeira e me guiou pelo braço para o carro que nos esperava.
A propriedade de Furio ficava a meia hora da cidade. Dirigimos
pelas colinas por um tempo, até chegarmos a um portão elaborado,
que se abriu automaticamente. Seguimos por uma estrada ladeada
por ciprestes até a mansão. Um funcionário abriu minha porta, e eu
desci no estacionamento. A mansão tinha dois andares de altura e
se esticava da direita para a esquerda a perder de vista, enorme até
mesmo para a casa de um bilionário.
O interior era igualmente maravilhoso. Tetos em abóbada muito
altos, adornados por arabescos esculpidos. Serpentes d’água se
enrolavam pelas paredes ao meu redor e o chão de mármore
branco parecia ter sido polido incansavelmente. Na minha frente, no
final do hall, vi duas escadas que escalavam a construção, como
duas cornetas torcidas.
Parece que acabei de entrar em um museu.
“Venha”, disse Furio. “Vou te mostrar seus aposentos na ala
leste”.
Ah, a ala leste, claro. Pensei. Eu não tenho um quarto. Tenho
aposentos. E uma ala inteira para eles.
Nossos passos ecoaram pelos corredores cavernosos,
enquanto andamos o que pareceram cinco quilômetros pela casa
até chegar aos meus aposentos. Tapetes grossos cobriam o chão
da sala de estar que era grande o suficiente para abrigar uma
partida de tênis. A tapeçaria pendurada nas duas paredes retratava
batalhas romanas, cheias de homens cavalgando e segurando
espadas, vestindo armaduras. Um quarto apareceu sob outro portal
arqueado, onde a lareira acesa bania o friozinho do chão de
mármore.
“Espero que seja aceitável para você”, disse Furio com uma
sinceridade profunda.
“Aceitável. Claro”, eu disse com a voz fraca. A combinação de
cômodos tinha mais metros quadrados do que minha casa inteira.
Furio acenou. “Excelente. Vou te deixar descansar …”.
Só era meio-dia em São Francisco, mas meu relógio biológico
estava uma bagunça. Eu estava exausta por causa dos eventos do
dia. A cama estava me chamando, e eu tinha certeza de que
dormiria imediatamente após encostar a cabeça no travesseiro.
“Estou cansada”, admiti.
Furio hesitou, como se estivesse esperando outra resposta.
Porém, ele cobriu seu desapontamento rapidamente e me abraçou.
“Boa noite, Amber”, ele sussurrou nos meus cabelos. “Estou
muito feliz por tê-la aqui”.
Nos afastamos um pouco, mas ficamos meio abraçados. Furio
era muito mais alto do que eu, e eu tive que inclinar a cabeça para
olhar nos seus olhos escuros. Olhos que bebiam a luz do fogo da
sala ao lado, chamas que dançavam com vida, calor e promessa.
Ele me quer.
O pensamento invadiu minha cabeça com muita certeza. E, ali,
eu soube que queria a ele também. Eu queria a ele, desde que nos
conhecemos no escritório da SE, e aquele desejo só tinha se
intensificado. E, naquele momento, era forte como fogo, que crescia
no meu peito e se espalhava em todas as direções, reunindo-se
entre as minhas pernas e empurrando meus lábios contra os dele,
ansiosa por experimentar sua língua contra a minha …
Então, Furio se afastou, e o cômodo pareceu ficar ainda mais
frio, enquanto o homem vestindo aquele terno fino saiu. As portas
enormes bateram atrás dele, e eu ouvi o barulho do arranhão oco da
madeira contra a pedra.
Também estou feliz por estar aqui.
44

Amber

Furio foi caloroso e amistoso no café da manhã no dia


seguinte, que foi servido na sala de jantar que era maior e mais
aberta do que a sala de entrada no escritório da SE. Sentamo-nos
juntos no fim da mesa, que era grande o suficiente para uma legião
romana, com pratos de presunto, melão e biscoitos com queijo
macio.
Ele estava muito ocupado para me acompanhar até o
escritório, então fui levada por um dos motoristas. Edoardo estava
muito mais quieto e prestativo, e me convidou para a sua sala, logo
que eu cheguei para verificar o código que eu tinha escrito no dia
anterior.
Ele não foi amistoso, mas reconheceu minha experiência
técnica. E foi respeitoso. E eu podia notar que não foi por nada que
Furio pudesse ter dito. Mais uma vez, fiquei feliz em poder provar
meu valor, sem a ajuda de outra pessoa.
Passei os três dias seguintes criando um mapa para o futuro
da eTodo, assim como eu tinha feito na SE. O mercado na Itália era
significativamente diferente do mercado nos Estados Unidos, então
o mapa tinha que ser desenvolvido de forma personalizada para
necessidades específicas. Edoardo e eu discordamos em alguns
pontos, mas ele não foi rude. Algumas vezes, concordei com suas
soluções; outras vezes, ele aceitou as minhas.
Quando chegamos à parte da plataforma, percebi que Furio foi
genial, comprando a eTodo. A plataforma era simples e minimalista,
simplificada, de certa forma que outras plataformas de cripto na
Europa não eram. Integrá-la daria vantagens tremendas à SE no
mercado europeu, ainda mais do que eu tinha suspeitado
originalmente. Talvez Furio tenha tido sorte com a compra, mas eu
suspeitei que ele era muito mais inteligente do que tentava parecer.
Furio e eu jantamos juntos todos os dias em lugares diferentes
da cidade. O motorista sempre parava a alguns quarteirões de
distância, o que nos permitia caminhar lentamente até o restaurante,
enquanto Furio descrevia fatos históricos interessantes sobre o
bairro ou a rua.
No final de cada noite, nós íamos para casa e nos
desejávamos boa noite de forma estranha. O desejo que eu vi na
primeira noite nos olhos escuros de Furio ainda estavam lá, mas ele
nunca agiu. E como uma nerd esquisitona que tinha medo de falhar,
eu era muito covarde para dar o primeiro passo.
De repente, comecei a julgar Jude e Owen. Eu nunca tinha
ficado longe nem um dia e, de repente, já fazia quatro. Nós
trocávamos mensagens ocasionalmente, mas as nove horas de
diferença tornavam as conversas longas mais difíceis. Quando eu
acordava, eles já estavam dormindo, quando eu ia para a cama, era
muito cedo para eles.
Da segunda para a terceira e última noite, Furio permaneceu
no meu abraço de boa noite, mas não agiu, então, senti-me
sexualmente frustrada. Tentei reunir coragem para sair do meu
quarto e caminhar pela mansão até chegar à porta dele, bater e
perguntar se o desejo que eu via em seus olhos era real. No
entanto, eu não tinha capacidade de fazer algo tão ousado, logo
permaneci debaixo do meu edredom macio.
Peguei meu laptop e ativei meu VPN de trabalho. Havia vários
novos funcionários listados no nosso organograma e no bate-papo
interno, nomes que não reconheci. Mesmo na minha ausência, tudo
continuava a crescer.
Owen estava offline, mas o ícone de Jude estava verde.
Moltisanti, Amber: Olá! Protegendo bem o forte na minha
ausência?
Cauthon, Jude: Tentando. Nancy e Dave estão fazendo um
ótimo trabalho, lidando com as tarefas pequenas, mas eu preciso
tomar umas decisões importantes. Eu não tinha me dado conta de
que você tinha tanta coisa em mãos!
Cauthon, Jude: Só queria dizer que admiro seu trabalho duro
mais do que nunca.
Moltisanti, Amber: Certíssimo!
Moltisanti, Amber: Sua agenda diz que você está livre agora.
Tem tempo para uma conversa rápida?
Cauthon, Jude: Um minuto. Preciso falar com a Melinda.
Rapidinho.

Enquanto eu esperava por ele, encarei o ícone de Owen. Onde


será que ele estava? O imaginei jantando com aquela mulher, dona
da outra empresa de Tecnologia. Jocelyn Wagner. Que era
incrivelmente gostosa e estava tentando arrastar Owen para sua
cama.
Tentando me enganar de que aquela coceira no meu peito era
curiosidade e não ciúme, peguei meu telefone e digitei uma
mensagem para ele.

Eu: Bom dia Califórnia, boa noite Itália! O vinho e a massa são
maravilhosos. Talvez eu nunca mais volte.
Owen: Justo. Vamos promover Nancy à engenheira sênior. Ela
tem dado duro, desde que você foi. Aproveite sua nova
nacionalidade italiana!
Eu: EI.
Eu: NÃO TEM GRAÇA.
Eu: Diz que está com saudade.
Owen: Estou com saudade do que eu gostaria de estar
fazendo com você agora mesmo.
Eu: Que tipo de coisas?
Owen: Coisas sujas. Coisas que nem quero escrever numa
mensagem.
Eu: Enviando mensagens sexuais enquanto trabalha? Que
safadinho!

Parei, esperando para ver se ele mentiria sobre onde estava.


Eu não gostava desse tipo de jogo, montar a armadilha e esperar
para ver se Owen cairia, mas estar do outro lado do mundo estava
comprometendo minha inteligência emocional.

Owen: Estou em casa, na verdade.


Eu: Malandrão! Você não tem uma empresa para administrar?
Owen: Existem diversas maneiras de administrar uma
empresa. Os Warriors jogam hoje, vou levar o Editor Sênior do The
Chronicle comigo. Ele quer escrever uma matéria sobre a SE.
Eu: Incrível! Vou deixar você e seu trabalho. Quando eu voltar,
quero ir a um jogo!
Owen: Na verdade, ainda estou em casa. O jogo começa em
uma hora.
Eu: Hm, sério? Então nada o impede de descrever as coisas
que você quer fazer comigo. Detalhadamente.

Enquanto eu esperava por Owen, Jude voltou.

Cauthon, Jude: Ok. Livre. Tudo bem?


Moltisanti, Amber: Queria dizer que sinto sua falta.
Especialmente do seu corpo em cima do meu. Saudade do seu
corpo em cima do meu. É isso.
Cauthon, Jude: Meu Deus. Você está faminta hoje.
Moltisanti, Amber: É quase hora de dormir, e eu bebi muito
vinho. O que você está vestindo?
Cauthon, Jude: Calça cinza, cinto preto, sapatos de couro
pretos e uma camisa branca simples.
Moltisanti, Amber: Mangas dobradas?
Cauthon, Jude: É claro.
Moltisanti, Amber: Isso aí, bebê.
Cauthon, Jude: Ok. Fechei a porta e liguei o embaçador de
vidro. O que você está vestindo?
Moltisanti, Amber: Calcinha rosa de babadinhos pretos e uma
camiseta velha da Blizzcon.
Cauthon, Jude: Aquela desbotada?
Moltisanti, Amber: Ahã.
Cauthon, Jude: Amo quando você dorme assim.
Moltisanti, Amber: É? Queria que você estivesse na cama
comigo agora.
Me deitei na cama e abri as pernas, imaginando que eu não
estava sozinha naquele quarto enorme e vazio. Mas antes que eu
pudesse mandar alguma coisa mais sexy, Owen respondeu.

Owen: Se você estivesse aqui agora, eu a jogaria na parede


da cozinha e a beijaria até nós dois perdermos o ar. Então,
enquanto você ainda estivesse recuperando o ar, eu a colocaria de
joelhos, enfiaria meu pau na sua garganta, admirando seus lábios
em volta dele. Você me olharia de baixo, implorando por mais, sem
dizer nada. E, então, contra a parede, eu ia foder sua cara.
Segurando um punhado do seu cabelo e empurrando no meu pau,
até você quase se engasgar, mas a mantendo no limite, para você
conseguir aguentar. E sua boca quente, molhada, receptiva e
deliciosa me faria gozar em um minuto na sua garganta. E como
você é uma boa garota, você engoliria até a última gota, implorando
por mais.

Meu corpo todo ficou vivo, enquanto eu lia o texto graficamente


erótico. Eu nunca tinha feito sexo selvagem daquele jeito. E vindo
de Owen, sabendo que aquilo estava na sua cabeça, me excitou
intensamente.
Escorreguei minha mão para o meio das pernas e comecei a
esfregar o fogo que se formava lá.

Eu: E depois disso?

Mudei para o meu laptop, onde a última mensagem estava


piscando na tela. O texto de Owen tinha inflamado alguma coisa
dentro de mim, e meus dedos digitaram coisas que minha cabeça
era normalmente tímida demais para pensar.

Moltisanti, Amber: Eu queria que você estivesse aqui, eu te


colocaria na cama e escalaria seu rosto. Eu te afogaria com a minha
boceta, para cima e para baixo, roçando contra seu nariz e sua
boca, te fazendo sentir meu gosto. Então, eu me inclinaria para
devorar seu pau, enfiando o mais fundo que eu consigo, te
chupando mais rápido a cada movimento da sua língua na minha
boceta.
Cauthon, Jude: Eu gosto disso. MUITO.
Cauthon, Jude: Eu agarraria suas coxas e te seguraria contra
mim. Eu mal conseguiria respirar, mas não me importaria. O mais
importante é enfiar a língua tão profundamente dentro de você, até
você gritar e rebolar em cima de mim.
Moltisanti, Amber: Eu amo, quando você me segura no seu
rosto, me beijando e me lambendo. Seu pau é uma delícia enfiado
na minha garganta. Eu chupo com tanta intensidade que quase me
engasgo, com os lábios enrolados na base, fazendo cada
centímetro seu desaparecer.

Chutei o edredom para longe e me esfreguei mais rápido,


guiada pelas palavras fumegantes no meu laptop e no meu celular,
me movendo entre as duas conversas individuais.

Owen: Depois que você engolir cada gota da minha porra, vou
te pegar pelo cabelo e te beijar. Ainda estou duro feito rocha, então
te viro de costas e te dobro no sofá da sala. Eu quero sentir seu
gosto, lamber seu líquido, porque você está mais molhada do que
nunca, mas eu preciso muito de você e não posso esperar. Eu guio
meu pau por trás, enfiando cada centímetro sem hesitar e te faço
gritar de prazer.
Eu: É maravilhoso ser fodida assim. Não pare.

Então, no laptop:

Cauthon, Jude: Não me canso do seu corpo. Apertando meus


dedos na pele das suas coxas, enquanto você chupa meu pau. É o
céu.
Moltisanti, Amber: Sua língua é mais do que eu posso
aguentar, então estou arqueando minhas costas e gritando,
enquanto gozo na sua cara. Seus braços me seguram firme até eu
mal poder me mover.
Moltisanti, Amber: Mas estou desesperada para te fazer sentir
o mesmo, então agarro seu pau de novo, me inclinando na cama
para enfiá-lo na minha boca, chupando e lambendo mais rápido do
que antes, porque estou desesperada pela sua porra.

Rapidamente trocando de dispositivos, minhas duas fantasias


começaram a se misturar. Eu não estava com cada um deles
individualmente, eu estava imaginando que Owen me comia por trás
enquanto eu chupava Jude. Sexo a três. Virtual.

Owen: Estou enfiando meu pau profundamente em você, com


estocadas longas e duras. Minhas coxas batem na sua bunda e é
música para os meus ouvidos entre os seus gemidos. Agarro um
punhado do seu cabelo, endurecendo meus dedos e te puxando
para trás, te forçando a arquear as costas e receber mais do meu
pau.
Eu: Amo cada segundo. Escorrego meu quadril para trás com
desejo e olho por cima do ombro, enquanto você me fode.
Owen: Nossos olhares se encontram e eu amo o jeito como
você me olha. Você é inocente e está vulnerável, e eu sei que você
é minha. Eu sorrio, puxo seu cabelo um pouco mais, forçando sua
cabeça para trás.
Eu: Mais forte, por favor. Me fode forte. Eu aguento! MAIS
FORTE!

Minha respiração se acelerou, enquanto eu trocava mensagens


com os dois e as duas telas começaram a se misturar na minha
frente.

Cauthon, Jude: Você gosta de me chupar?


Moltisanti, Amber: Eu amo. E não me canso.
Owen: Meu pau dói de tesão por você.
Eu: Sinto o mesmo por você. Dói o tanto que eu gosto de ser
fodida por você. Estou praticamente gritando de êxtase e
intensidade.
Cauthon, Jude: Seus lábios são incríveis. Estou tentando me
segurar, mas sei que não vou durar muito mais.
Owen: Soltei seu cabelo, porque estou apertando sua cintura
com as duas mãos, me enfiando em você com tanta força que as
paredes estão chacoalhando. Enquanto meu pau some por entre
seus lábios molhados, não consigo decidir se vou gozar na sua bela
bunda, ou encher sua garganta um pouco mais.
Eu: Goza onde você quiser, eu sou sua. Faz o que você quiser
comigo, desde que não pare de me foder!
Cauthon, Jude: Minha mão está segurando sua cabeça e
estou te guiando mais rápido. A pressão está aumentando dentro de
mim, vou explodir em breve.
Moltisanti, Amber: Enrolo meus lábios mais apertado na sua
vara e giro minha língua com cada movimento da sua cabeça.
Quero que você goze forte!
Owen: Me enterro em você, me segurando lá por um instante,
depois tiro. Escorrego meu pau pelas suas nádegas e entro em
erupção na sua bunda e na sua lombar.
Cauthon, Jude: Não posso mais esperar. Vou gozar.
Moltisanti, Amber: Eu vou o mais profundo que aguento até
sua base. Goza na minha garganta!
Owen: Estou gozando tão forte que meus jatos pousam nas
suas escápulas. Seu corpo inteiro está esmaltado com a minha
porra! Caralho!
Eu: Vou gozar, aaaaaaaaah!
Moltisanti, Amber: Também vou gozaaaar!!!

Soltei o laptop e arqueei as costas na cama enorme, enquanto


era tomada por prazer sem fim, e as luzes piscavam me cegando, o
barulho do universo queimava meus ouvidos, banindo todos os
sentidos, até eu mal poder me mover.
45

Amber

O dia seguinte foi meu último na eTodo, e eu fiquei em transe.


A noite anterior tinha sido maravilhosa, toda a troca de mensagens
sexy com Jude e Owen ao mesmo tempo. Eu desmaiei, quando
acabou, sem nem mandar uma última mensagem de boa noite antes
de cair num sono profundo. Porém, no outro dia, sem as endorfinas
liberadas pelo sexo, comecei a repensar os eventos e me sentir
estranha a respeito.
Eu quero fazer sexo a três?
Foi o que fiz, afinal de contas. Eu combinei as duas cenas de
sexo individuais em um único ato. Imaginei Owen me invadindo por
trás, enquanto eu envelopava Jude com a boca até os três gozarem
ao mesmo tempo.
Foi mais gostoso do que tudo que eu imaginei na vida. E eu
não sabia como me sentia a respeito daquilo.
E, é claro, para complicar ainda mais, o italiano sorridente e
travesso estava ali perto de mim. Furio tinha ido ao escritório
comigo, para finalizar alguns detalhes da minha visita. E, enquanto
eu me despedia de Edoardo e dos outros funcionários da eTodo
depois do almoço, Furio colocou uma mão nas minhas costas e me
guiou para o carro na rua.
“Não achei que fôssemos terminar tão rápido”, eu disse,
olhando ao redor. “O que faremos o resto da tarde? Um passeio
pela cidade?”.
Furio pegou a chave do carro das mãos do seu assistente e
sorriu para mim. “Na verdade, tenho planos empolgantes para esta
tarde. Se você me permitir, obviamente”.
Planos empolgantes? “Claro, topo qualquer coisa que você
tenha em mente!”.
Para o meu choque, Furio se sentou no banco do motorista.
Seu assistente já estava caminhando pela rua e entrando em outro
carro.
“Venha”, disse Furio, tocando o banco do passageiro. “Hoje,
serei seu conducente”.
Entrei no carro e fechei a porta. “Você vai dirigir? Devo me
preocupar? Nem sei se você tem carteira de motorista”.
Ele gargalhou e respondeu: “Não gosto de dirigir na cidade,
mas adoro dirigir na natureza”.
“Natureza? Nós vamos para a zona rural?”.
“Sim e não. A zona rural é parte da jornada”.
Ele dirigiu para o nordeste, saindo da cidade, e a paisagem
mudou de montanhas para florestas. Abri o Google Maps no meu
celular e tentei adivinhar para onde estávamos indo, mas nenhuma
das grandes cidades parecia estar naquela direção. A menos que
fossemos dirigir por seis horas até Veneza.
“Vamos dirigir por quanto tempo?”, perguntei casualmente.
Furio me deu uma olhada de lado e sacudiu um dedo. “Não,
não. Surpresa. Sem tentar adivinhar. Relaxe e aproveite a viagem!”.
Coloquei meu telefone na bolsa e admirei a paisagem
campestre italiana. Furio era um bom motorista e me presenteou
com histórias sobre o país de séculos atrás. Os romanos plantavam
milheto e uma espécie de trigo vermelho, conforme explicou Furio,
naqueles campos.
Passamos por um fazendeiro caminhando pelos campos,
recolhendo pedras do chão. Imaginei alguém como ele com um traje
de camponês fazendo a mesma coisa dois mil anos antes, enquanto
colunas de soldados romanos marchavam pela estrada. Pensar
naquela época era estranho para uma americana. Minha casa tinha
sido construída nos anos oitenta e era considerada velha.
Depois de duas horas, subimos uma colina que nos deu uma
visão deslumbrante da paisagem ao redor. Furio estacionou perto de
uma oliveira, deu a volta no carro e abriu a porta para mim.
“Que dia lindo!”.
Furio pegou uma cesta de vime que estava no porta-malas do
carro e abriu uma toalha ao pé da árvore. Dentro da cesta havia
azeitonas recheadas, três tipos diferentes de queijo, pão italiano e
uma garrafa de azeite. Ele cortou o pão em fatias e nós as
mergulhamos no azeite, enquanto petiscávamos o resto da comida.
Uma garrafa de vinho tinto completou o resto do piquenique.
Ele estava certo: era um lindo dia. Eu tinha passado tanto
tempo dentro do escritório da eTodo que não me dei conta daquela
beleza toda. O sol estava quente, mas uma brisa refrescante
flutuava pelo topo da montanha, revigorando minha pele e
gentilmente sacudindo a oliveira.
“Isso é prazeroso”, disse Furio, encarando o dia. “Meus
momentos, sozinho, são raros”.
“Você não está sozinho”, pontuei. “Eu estou aqui”.
Ele se virou e me vislumbrou com seu olhar penetrante. “Não
foi o que eu quis dizer. Você é alguém de quem eu quero estar
perto. Geralmente, estou rodeado por pessoas, cuja companhia não
é tão … apaziguante”.
À antiga, eu teria feito uma piada. Pobre Furio Rossi, o
bilionário rodeado por assistentes e serviçais. Porém, depois de ter
passado tempo com ele, eu entendi o que ele quis dizer. Era
exaustivo ter as pessoas esperando por você o tempo todo, um
assistente o lembrando das suas obrigações, sem tempo para
relaxar e simplesmente viver.
“Isso é muito bonito”, eu disse, enchendo minha taça de vinho.
“Obrigada por me trazer aqui”.
Quando tentei encher a taça dele, ele cobriu a borda com a
mão. “Só uma taça para mim. Ainda temos que viajar um pouco até
a surpresa”.
Pisquei incrédula. “Não é aqui que vamos ficar?”.
Ele deu uma risadinha. “Claro que não! Esta é uma mera
parada para aproveitar o dia com um petisco. A surpresa real fica a
oitenta quilômetros daqui”.
Continuei encarando-o com surpresa. “Onde você está me
levando?”.
“Você verá!”, ele respondeu alegremente.
Depois de terminar meu vinho, empacotamos tudo e
continuamos a viagem. O sol estava começando a se pôr, quando
viramos na direção de um lugar chamado Arcevia. Era tipo uma vila
grande, ou uma cidade pequena, e ficava na encosta de uma
montanha. A rota até a cidade era entalhada na lateral de uma
falésia, com um enorme penhasco perto da estrada. Mesmo que a
vista daquela altura fosse lindíssima, me virei antes de ser abatida
pela vertigem.
Vimos alguns outros carros na estrada, enquanto dirigimos
para o centro da vila e estacionamos em uma praça. Quando Furio
abriu minha porta, e eu desci, admirei como Arcevia era sob a luz do
sol poente. Cada construção era robusta e antiga, e o ar era fresco,
com cheiro de limpeza e natureza.
“Que lugar é este?”, perguntei.
Furio me deu um braço. “Vou te mostrar”.
Caminhamos pela praça até outra rua de pedras. As ruas
estavam totalmente desertas, com a exceção de um ou outro
habitante com pressa para o trabalho. Olhei pelas vitrines das lojas
que estavam escuras e fechadas. Não pude pensar em nenhum
motivo não alarmante para tudo estar abandonado daquele jeito,
mas Furio sorriu e me guiou pelas ruas.
Finalmente, chegamos em uma igreja antiga com uma única
torre e um sino. A porta de madeira estava lisa por causa da idade,
mas não fez barulho, quando Furio a abriu gentilmente. O interior
estava iluminado por velas, dúzias, centenas, talvez milhares, em
lustres e candelabros. Estávamos no fundo da igreja que estava
quase cheia, e um homem com uma veste esvoaçante estava
parado no púlpito no altar, sua voz ecoava pelas paredes de pedra,
enquanto ele fazia seu sermão.
Furio fechou a porta em silêncio e me levou até um banco
vazio no fundo da igreja. De lá, ouvimos o sermão do padre por
alguns minutos. Furio não traduziu, mas ele nem precisou, o tom e o
timbre da voz do padre carregavam toda a emoção necessária para
mim, mesmo sem entender as palavras.
A música vinda do órgão invadiu o espaço, com o volume mais
alto e poderoso, quando a missa acabou. As centenas de cidadãos
de Arcevia que estavam na igreja se levantaram para ir embora,
sorrindo com o vigor espiritual renovado. Alguns deles nos olharam
com curiosidade, mas nenhum deles agiu como se não devêssemos
estar ali.
“Não sou muito religioso”, Furio admitiu. “Mas sempre encontrei
imenso conforto na igreja”.
Quando as últimas pessoas partiram, Furio se levantou e me
guiou para a frente da igreja. Só o padre e os coroinhas tinham
ficado lá, cuidando das velas e realizando outras tarefas pós-missa.
Furio falou com o padre em italiano, então mudou para inglês,
para eu entender. “Monsignor, esta é a mulher sobre quem
conversamos. Amber Moltisanti”.
Por que diabos ele conversou sobre mim com o padre? Me
perguntei.
“Amber Moltisanti”, o padre repetiu, enfatizando meu
sobrenome. O tufo de cabelo que ele tinha era branco, mas seu
rosto era alegre e suas bochechas coradas de alegria. “Esperei
muito para conhecê-la”.
“Gostaria de dizer o mesmo”, eu disse com uma risadinha
nervosa. “Mas não tenho certeza do porquê estou aqui”.
“Uma surpresa”, Furio explicou para ele.
“E maravilhosa surpresa!”, disse o padre. “Por favor, sigam-
me”.
Seguimos o padre até uma das alcovas laterais. Um vitral
gigantesco ocupava a parede sobre nós. Debaixo e do lado,
incontáveis blocos de pedras formavam a fundação da parede.
Parecia muito com o restante da igreja, exceto pelo fato de terem
textos esculpidos.
“Esta igreja foi construída no Século XV”, o padre explicou.
Para mim, não para Furio. “Nos seiscentos anos de existência, a
maioria das pessoas foi enterrada no cemitério do lado de fora. Nós
temos uma cripta, mas ela é reservada para líderes religiosos e
membros importantes da comunidade. Ela não é aberta a visitantes,
mas para relembrar os que ali estão sepultados, gravamos seus
nomes em alguns blocos neste transepto. Assim, podemos saber
quem foi enterrado aqui”.
Ele continuou caminhando pelo transepto e parou do lado de
um dos blocos de pedra. Ele parou e esperou a minha reação. Me
inclinei para a frente. A pedra era exatamente como as outras,
exceto pelo nome gravado nela. Havia vários títulos em italiano que
eu não entendi, mas as últimas duas palavras chamaram minha
atenção, como se tivessem sido escritas em verde neon:

Lorenzo Moltisanti

Me engasguei de surpresa.
“Lorenzo Moltisanti foi o padre desta igreja por quase cinquenta
anos”, o pároco continuou. “E eu fui abençoado por ser ensinado por
ele, quando era um garoto. Faz muito tempo. Padre Moltisanti era
um homem maravilhoso, caridoso e amoroso. Completamente
dedicado à fé. Ele era o mais jovem de nove filhos”.
O padre suspirou. “Antes do meu tempo, os fascistas
assumiram o poder, e a família do Padre Moltisanti deixou a Itália.
Sua mãe, pai e oito irmãos foram para os Estados Unidos, mas ele
permaneceu aqui, cuidando do seu rebanho. Para guiá-los durante
tempos difíceis. E foi isso o que ele fez, por mais de vinte anos, até
os camisas-negras de Mussolini serem finalmente expulsos.
“Padre Moltisanti viveu plena e pacificamente depois disso, até
morrer em 1979. Só que o único membro de sua família vivo era um
irmão. Durante sua oração fúnebre aqui nesta igreja, este irmão veio
e trouxe sua linda família. Seu nome era Leonardo Moltisanti, e ele
trouxe sua esposa e seu filho pequeno …”.
“Marco”, sussurrei. “Meu pai”.
Furio colocou uma mão nas minhas costas, para me dar
conforto, sem interromper o momento. O padre acenou e levantou
um álbum de fotografias que eu não tinha me dado conta de que ele
estava segurando. Um pedaço de fita vermelha de seda marcava
uma página. Ele abriu o álbum nela e tocou suavemente na foto.
“Marco era seu nome, de fato”, ele disse. “Só o vi uma vez,
mas me lembro dele carinhosamente”.
Meus olhos se encheram d’água, quando olhei a foto. Ela tinha
sido tirada na porta da igreja, na vertical, para capturar o sino. Um
casal de adultos estava parado na frente da porta e, entre eles, um
garotinho. Ele não tinha mais de dez ou onze anos, mas seus traços
eram inequivocadamente familiares para mim. O rosto redondo, os
cabelos escuros, a postura, o sorrisinho pateta, que ele costumava
dar para mim e Michelle, sempre que contava uma piada de tio do
pavê.
Marco Moltisanti. Meu pai.
Continuei chorando, ao me aproximar da pedra e tocá-la,
sentindo a gravação com o nome do meu tio avô. Meu pai tinha
morrido, mas aquilo era evidência da sua linhagem. Uma parte da
sua família, literalmente gravada em uma pedra. Poderia não durar
para sempre, mas duraria tempo o suficiente.
Eu tinha passado os últimos três anos fingindo que meu pai
não tinha morrido de repente e inesperadamente. Tentando bancar a
durona para minha irmã, vivendo minha vida, como se tudo
estivesse bem. Ver a foto do meu pai e de sua família do outro lado
do mundo me encheu de alegria e tristeza profundas ao mesmo
tempo.
Encostei minha cabeça na pedra e tremi com soluços
silenciosos, enquanto os anos de luto me invadiram, depois de
terem sido reprimidos tão profundamente que agora era impossível
conter. O padre colocou um braço em volta de mim e, de repente, eu
estava chorando de soluçar no seu ombro, ecoando pelo transepto
oco.
Quando finalmente sequei meus olhos, o padre me deu a foto e
disse que eu sempre seria bem-vinda ao lugar em que meu tio avô
tinha servido. Trocamos mais algumas palavras, outro abraço e,
então, Furio e eu saímos da igreja.
Meu cérebro só voltou a funcionar, quando estávamos do lado
de fora. “Você fez isso”, eu disse, quando pisamos na rua que
estava mais cheia agora que a missa tinha acabado. “Você fez isso
por mim”.
Furio deu de ombros. “Foi um projeto divertido e curto para
ocupar meu tempo. Foi difícil encontrar a história da sua família!
Eles não imigraram para a Ilha Elis, eles aterrissaram no Canadá e
entraram nos Estados Unidos por Montreal, antes de viajarem para
o oeste. Mas estou feliz em ter mergulhado até encontrar sua
história. Como eu te disse antes, é muito bonito saber de onde você
veio. Agora você sabe, Amber Moltisanti, e sempre saberá”.
Furio sorriu para mim sob um poste na rua, pela primeira vez
sem seu charme imponente normal. Seu rosto estava estranho e
hesitante, como se ele não soubesse como eu reagiria ao fato de
que ele tinha rastreado a história da minha família. Seus olhos
escuros cintilavam, enquanto ele esperava pela minha reação.
Então, eu me joguei em seus braços e o beijei.
46

Amber

Não me dei conta de que o tinha beijado, até ele começar a me


beijar de volta, enrolando seus braços em volta de mim, com as
palmas sobre minha escápula e minha lombar, como se eu tivesse
sido feita para aquele encaixe. Seu beijo era quente, apaixonado e
amoroso, cada um dos meus sentimentos estava reverberando e,
por alguns minutos, pensei que fogos de artifício fossem sair do meu
corpo e explodir no céu da pequena cidade italiana.
Mas Furio se afastou de mim e olhou para baixo preocupado.
“Não foi minha intenção trazê-la aqui para …”.
“Eu sei”.
“Quero me assegurar de que isso não é inapropriado”, ele
insistiu. “Você não trabalha diretamente para mim, mas eu sou dono
de uma porção significante da empresa na qual você trabalha”.
Não me importaria nem se você trabalhasse dentro da SE,
pensei, lembrando de Owen e Jude.
“Não é inapropriado”, respondi, empurrando meu corpo contra
o dele. “E mesmo se fosse … não me importo”.
Furio sorriu aliviado e então me beijou com o dobro de desejo
de antes. Senti os blocos contra minhas costas, quando ele me
pressionou contra a parede do prédio ao lado da igreja,
escorregando a mão pela minha blusa para tocar minhas costas
desnudas. Minhas mãos também exploraram o corpo de Furio,
musculoso e esguio, e seu nariz roçou o meu, quando nosso beijo
se intensificou.
Eu quis isso por tanto tempo, pensei. Queria não ter esperado
tanto.
Ouvi risadinhas e um assobio provocador. Dois adolescentes
estavam passando e nos olhando. Um deles disse alguma coisa em
italiano, e Furio sacudiu os dedos abaixo do queixo em um gesto
vulgar. Mas ele gargalhou enquanto fazia aquilo, e os adolescentes
também.
“Temos um longo caminho de volta para casa”, disse Furio,
segurando minha bochecha. “É melhor irmos embora”.
Eu queria dizer foda-se a viagem, eu não quero deixar essa
cidade, quero ficar com você. Porém, eu ainda estava em um
estágio frágil por causa dos eventos na igreja e sabia que demoraria
um tempo até processar direito minhas ideias.
Voltamos para o carro e deixamos a pequena cidade, enquanto
a lua despontava no céu, por trás das montanhas. Ficamos em
silêncio por um tempo, em um estado de contemplação. Olhei para
a foto que estava no meu bolso. Eu não tinha muitas fotos do meu
pai em casa, então esta significava mais para mim do que Furio
podia entender.
Meu pai não tinha partido. Sua memória ainda estava pelo
mundo, mesmo que em uma igreja distante.
Furio pegou minha mão e a apertou, com um sorriso
confortante. Eu sorri de volta, e não nos soltamos mais até o fim da
viagem.
Chegamos à sua propriedade depois das dez da noite, mas um
dos assistentes de Furio nos informou que o jantar ficaria pronto em
breve. Fui para os meus aposentos tomar um banho rápido e vestir
roupas limpas e voltei para a sala de jantar enorme. Furio estava
abrindo uma garrafa de vinho da sua adega. Algo antigo,
empoeirado e delicioso.
“Ao seu pai, Marco Moltisanti”, ele brindou. “Que seu nome viva
para sempre”.
Comemos massa ao sugo e bebemos vinho, enquanto
falávamos sobre nossas famílias. A mãe de Furio tinha morrido
quando ele era criança, e seu pai tinha acabado de morrer de
ataque cardíaco naquele mesmo ano.
“Sinto muito”, eu disse. “Sei que estas palavras não significam
nada, mas eu realmente sinto”.
Ele deu de ombros automaticamente. “Essas coisas não
podem ser evitadas. Tenho sorte pelo tempo que convivi com ele”.
Furio me contou quem era seu pai: um grande fã de futebol
que ia em todas as Copas do Mundo desde os anos sessenta,
comia anchovas todos os dias no café da manhã para o desgosto de
Furio, um homem gentil, mas não muito paternal.
“Quando eu tiver filhos”, Furio começou. “Não vou ficar tão
distante deles. Vou ser caloroso e amoroso e beijá-los todos os
dias”.
“Estou surpresa por você ainda não ter filhos”, eu disse. “Você
faz parte da realeza italiana, deveria estar produzindo herdeiros”.
“Meu pai insistia muito nisso”, Furio admitiu. “Mas eu preciso
encontrar a mulher certa”.
Minhas bochechas ficaram vermelhas. Furio colocou sua taça
de vinho de lado, inclinou-se e fez carinho na minha bochecha com
o polegar. Então me beijou, me provando suavemente. Meu peito
ficou mais leve, embora eu pensei que fosse flutuar do assento.
“Quer sobremesa?”, ele perguntou.
Sacudi a cabeça. “Não”.
Seu sorriso aumentou de tamanho.
Furio pegou a garrafa com uma mão e pegou minha mão com
a outra. Ele apressadamente me guiou pela mansão, como se não
houvesse tempo para desperdiçar. Passamos pelas tapeçarias e
incontáveis alcovas com bustos antigos e obras de arte
emolduradas em dourado e prateado. Eu admirei aquilo tudo,
enquanto bebia vinho, antigo e caro, diretamente da garrafa.
Entramos nos aposentos de Furio, abrindo a porta, como se fosse
uma barreira indesejada que foi logo batida atrás de nós, fazendo
um barulho que ecoou pelos corredores.
O quarto de Furio tinha o mesmo tamanho e o mesmo tipo de
mobília que o meu. A lareira estava acesa perto de uma cama
enorme de quatro pilares, cheia de cobertores e travesseiros.
Furio se virou para mim, e o fogo refletia nos seus olhos
escuros. Com metade do rosto iluminado e a outra metade nas
sombras, suas maçãs do rosto protuberantes e o nariz adunco, ele
parecia a ilustração perfeita da realeza italiana. Pensamentos sobre
linhagem, terras e propriedades dançavam na minha cabeça,
ritmados pela quantidade de vinho que eu tinha consumido.
“Tenho pensado em você”, ele suspirou. “Desde que a
conheci”.
“Eu também”, sussurrei. “Desde quando você chegou na SE
…”.
Porém, ele me interrompeu sacudindo a cabeça. “Não. Antes
disso. A primeira vez que te vi foi na cobertura do restaurante de
Owen March, em São Francisco. Eu estava voltando do lavabo,
quando a vi sendo carregada pelos seguranças. Você estava
gritando obscenidades …”.
Meu estômago se apertou. “Ah, não. Você viu aquilo? Foi
provavelmente a noite mais embaraçosa da minha vida!”.
Ele sorriu e acariciou meu pescoço. “Você tem muito fogo em
você, Amber Moltisanti”, a lareira crepitou alto, como se estivesse
concordando. “Mais vida do que jamais testemunhei em uma
mulher. E é claro, você estava tão bonita que meu peito dói só de
lembrar daquela noite. Mesmo enquanto eu discutia com Jude e
Owen nosso investimento na empresa, não consegui parar de
pensar em você”.
Gargalhei e fiquei corada ao mesmo tempo. “Muito gentil da
sua parte, mas eu duvido que você tenha sentido atração pela
mulher maluca lutando com os seguranças naquela noite. Eu estava
desarrumada”.
“Se você não acredita”, Furio disse suavemente, colocando a
garrafa de vinho na mesa. “Então devo provar meu ponto”.
Ele me beijou com todo o seu corpo. Flutuei no ar, sendo
guiada por seus lábios, de costas pelo quarto, até chegar na cama e
cair sentada no canto. Nosso beijo ficou mais intenso, enquanto
Furio tirava minhas roupas, e eu tirava as suas, me deliciando com
sua jaqueta cara escorregando pelos seus braços e caindo no chão.
Sua boca estava no meu ouvido, então no meu pescoço,
empurrando-me para a cama com seus beijos, enquanto me cobria
com seu corpo. Minhas mãos trabalhavam furiosamente para tirar
sua camisa, desastrosamente puxando os botões, enquanto ele
tirava minha blusa e meu sutiã. O calor do meu coração radiava pela
minha pele finalmente desnuda debaixo dele, enquanto ele removia
sua calça sem nunca tirar a boca do meu pescoço. Eu podia sentir
seu desejo enquanto ele experimentava cada centímetro do meu
corpo.
Escorreguei de costas para a cama, invadindo a montanha
macia de cobertores, e Furio mergulhou nos meus seios com muita
fome. Arqueei as costas e gemi, quando sua língua começou a
circular um dos meus mamilos duros, e o peso dele pressionava o
meio das minhas pernas tentadoramente, aquele lugar que
queimava mil vezes mais do que meu coração.
Não consegui mais esperar e agarrei um punhado do seu
cabelo preto como a meia-noite e o puxei de volta para os meus
lábios até sentir a cabeça do seu pau contra a minha coxa. Então,
agarrei-o, e ele gemeu nos meus lábios com o toque, e o gemido
virou um engasgo de intensidade, enquanto eu o guiava pelas
minhas dobras molhadas até dentro de mim.
Cada músculo do meu corpo se tensionou quando ele me
penetrou. Furio reagiu da mesma forma, gemendo quase
dolorosamente e inclinando sua cabeça para trás. Corri meus dedos
pelos seus músculos duros, braços, ombros, costas. Seu rosto era
uma máscara de prazer, linda além do que eu podia explicar,
quando ele me encarava, e nós dois víamos um ao outro de uma
maneira nova pela primeira vez.
Eu desejei que isso acontecesse durante a viagem, pensei
enquanto o olhava, mas não imaginava que de fato aconteceria.
Furio me beijou novamente, sua língua rodopiava na minha
boca, da mesma forma que tinha feito em volta do meu mamilo, e
ele fez amor comigo, como as ondas do mar batem na areia da
praia. Embriagados pelo vinho e pelo dia que passamos juntos, nos
perdemos na condução irracional dos nossos corpos, enquanto o
fogo crepitava e estalava. As mãos de Furio estavam sempre em
mim, me segurando, apertando, tocando, como um homem que
finalmente encontrou o que estava procurando e nunca mais
soltaria. Eu me sentia feliz nos seus braços. E segura. E viva. Tão
viva que me chocava, mesmo durante nossas movimentações
tórridas.
Quando seus movimentos se aceleraram, enrolei minhas
pernas ao redor dele, puxando-o mais para dentro a cada estocada.
Movendo meu quadril para receber cada centímetro dele. Eu não
me cansava, eu queria tudo e muito mais, e meu desespero deve ter
ficado óbvio para ele, porque ele acelerou seus movimentos ainda
mais. Seus lábios encontraram os meus e me invadiram, um homem
guiado pela pura luxúria, sem nenhum pensamento consciente, e eu
fiquei maravilhada com o quão incrivelmente sexy era um homem
como Furio Rossi perdendo o controle de si mesmo.
A intensidade do seu amor guiou meu próprio prazer para
novas alturas, cada estocada jorrava um êxtase cada vez mais
brilhante pelo meu corpo, até eu estar de olhos fechados gritando
sim, sim, não pare, aí, rápido, por favor, não pare, Furio, por favor!
Assim que meu clímax explodiu, Furio gemeu no meu ouvido:
“Amber”.
O som do meu nome na sua boca, com seu sotaque exótico
estrangeiro foi demais. Eu me despedacei em seus braços,
enquanto meu orgasmo tomava conta de mim, minha boceta se
fechava com força em volta de Furio, enquanto ele se enfiava em
mim com pressa, e seu próprio orgasmo veio segundos depois,
estendendo o meu e o aumentando. Sua testa pressionava a minha
e nós gememos juntos, cegos, lavados pela eletricidade que surgia
entre nós, cada músculo dos nossos corpos se tensionou
novamente até nenhum de nós poder mais respirar.
47

Amber

Furio me abraçou, me virando na cama para encarar a lareira,


enquanto enrolava meu corpo com o seu. Eu fechei seus braços
sobre meu peito e saboreei o momento, seu corpo quente, duro e
real, enquanto o fogo dançava, crepitava e se consumia na nossa
frente.
“Eu devo confessar algo a você”, ele disse depois de um
tempo.
Uma bobeira me invadiu, e eu disse: “Você contratou um ator e
forjou a igreja e a foto do meu pai? Porque se foi isso, não quero
saber. Foi perfeito demais, pode continuar fingindo”.
Senti seu corpo tremer com uma risada que eu não ouvi.
“Forjar aquilo tudo me daria muito trabalho”.
“Trabalho demais para um bilionário?”.
Ele resmungou. “Talvez não. Mas te asseguro que foi real”.
“Boa”. Eu beijei seu braço. “Então qual é sua confissão?”.
“Essa viagem”, ele disse com cuidado. “Para visitar a eTodo e
revisar todo o plano. Antes de escolher as datas, olhei o calendário
de Jude Cauthon, para me certificar de que ele estaria
especialmente ocupado e seria obrigado a dizer não”.
Demorei alguns segundos para entender o que ele queria dizer.
“Você está dizendo que agendou tudo com o intuito de eles me
mandarem?”.
“Sim, foi o que eu fiz”.
“Que vigarista!”, eu disse, fingindo estar ofendida.
“O que essa palavra significa? Vigarista?”.
“É uma gíria para alguém que não pretende fazer nada de
bom. Uma má pessoa”.
“Ah”, ele disse. “Então é o oposto de arrombado?”.
Eu caí na risada. Tinha me esquecido que Melinda não disse a
ele o real significado do termo, quando ele visitou a SE.
Furio se apoiou em um cotovelo para me olhar. “Por que isso é
tão engraçado?”.
“Longa história.”, me perguntei se deveria contar a ele a
verdade, mas decidi não o fazer. O momento era perfeito demais.
“Não acho que você é um vigarista de verdade. Só estava
brincando!”.
“Então você não está brava por eu ter planejado tudo?”.
Sacudi a cabeça. “Estou feliz por você ter feito isso. Eu tive
uma viagem maravilhosa, mesmo antes disso”.
“Assim como eu”, Furio disse, beijando meu ombro
suavemente. “Foi muito melhor do que se Jude tivesse vindo em vez
de você”.
“Nem me fale”, eu disse. “Jude não teria conseguido apagar
esse incêndio antes de pelo menos duas semanas”.
Furio rugiu enquanto gargalhava, e eu me juntei a ele. Nossas
gargalhadas viraram beijos quentes e prazerosos, como o fogo que
crepitava na lareira.
“Queria não precisar ir embora amanhã cedo”.
Furio levantou uma sobrancelha: “A beleza de ter seu próprio
jato particular é que você pode ir embora quando desejar”.
Sacudi minha cabeça antes de ser tentada pela possibilidade.
“Preciso ir embora. Temos novos funcionários começando, e
Melinda quer que eu me reúna com todos eles durante a semana
toda. Eu preciso compensar tudo o que perdi enquanto estava fora”.
“Talvez eu possa fazer você ser demitida”, Furio sugeriu.
“Então, não vai mais ter um emprego e pode ficar aqui até eu me
cansar de você”.
Fiz cócegas nele, mas ele me deteve facilmente, segurando
minha mão. Então riu, enquanto eu fiz beicinho.
“Mesmo que eu seja demitida”, respondi. “Tenho certeza de
que você é um homem muito ocupado”.
O sorriso de Furio sumiu, e ele se deitou nos travesseiros perto
de mim. “Eu tenho uma viagem para Londres amanhã, mas posso
cancelar, se você decidir ficar aqui”.
Me inclinei para beijar sua bochecha. “Agradeço a oferta, mas
não”. Fiz uma careta. “Espera um minuto, se eu vou embora no seu
jato, como você vai para Londres?”.
“Vou fretar outro avião”, ele disse simplesmente. “Não tão legal
quanto o meu, mas é um voo curto”.
“Ahh”, eu disse. “Você vai me deixar voar no seu avião,
enquanto precisa pegar outro voo aleatório”.
“É claro”, ele respondeu, confuso. “Eu não faria você voltar
para casa em um voo comercial”.
“Cuidado, você está me mimando”, eu disse. “Não estou
acostumada com este tipo de luxo”.
“Você nunca vai ficar mimada”, ele disse com confiança. “Uma
mulher como você tem um espírito insaciável”.
“Estou me sentindo bem saciada agora”, brinquei.
Mas Furio não riu. Ele me encarou intensamente, como se
estivesse vendo mais do que o que estava ali diante dele. “Isso é
algo que admiro em você, Amber. Você parece o tipo de mulher que
sempre quer mais. Você não quer se acomodar. Isso é admirável”.
“Não tenho certeza de que chamaria minha conduta de
admirável, mas obrigada”. Seu comentário me fez lembrar de uma
coisa, então eu disse: “Posso te perguntar uma coisa?”.
“Você pode me perguntar quantas coisas quiser”, ele
respondeu.
“Nada elaborado. Uma pergunta simples. Por que você decidiu
investir na SE e na eTodo?”.
“Por que não decidiria?”, ele deu de ombros.
“Bem … você é rico. Rico tipo Tio Patinhas”.
Furio deu de ombros. “Não conheço este homem, ele é
escocês?”.
“Não!!”, respondi rindo. “Bom, talvez seja. Não sei qual é a
história que a Disney criou para ele. Mas o ponto é: você tem muito
dinheiro. Mais do que vai conseguir gastar na vida. Minha irmã está
estudando finanças, e ela fala sobre como a média do mercado é
sete por cento de retorno por ano. Você poderia aplicar seu dinheiro
assim e viver como um rei pelo resto da sua vida. Então, por que
investir em uma companhia de tecnologia do outro lado do mundo?”.
Furio ficou em silêncio por um longo momento. As chamas
dançavam na escuridão dos seus olhos, enquanto ele me encarava,
perdido em seus devaneios.
“Sou um homem muito privilegiado”, ele finalmente disse.
“Obviamente, eu sei. Minha família é rica. Sempre foi rica, desde
centenas de anos. Mas quem nasce rico perde algumas coisas.
Todos os amigos com os quais eu cresci também são parte de
famílias privilegiadas, e a maioria deles não tem aspirações. Eles
viajam pelo mundo, fazendo festas em boates caras e exibindo sua
fortuna. Bebendo vinho caro e comprando o que lhes vem à
cabeça”.
Considerei apontar a garrafa de champagne que ele tinha
comprado em São Francisco que valia mais do que meu carro, mas
eu não queria arruinar a vulnerabilidade que ele estava
compartilhando.
“Estes amigos … não têm aspirações”, disse Furio. “Mesmo
desde jovens, eles nunca sonharam ou ambicionaram. Eles sabem
que não precisam trabalhar para provar nada, então nem tentam. E
isso é muito triste, porque todo mundo me tratava assim quando
criança: eu era filho da nobreza, herdaria dinheiro o suficiente para
nunca precisar trabalhar. Meus amigos eram felizes em viver assim,
porém eu rejeitei a ideia. Eu queria me provar. Trabalhar para obter
meu próprio sucesso na vida”.
Ele rapidamente levantou uma mão. “Sim, eu entendo que
minha posição não foi tão difícil quanto a de alguém que cresceu
pobre e teve que lutar para vencer na vida. Eu nunca tive que lidar
com a fome ou com dívidas, ou com o desespero de não conseguir
pagar contas. Mas eu queria trabalhar para alguma coisa na vida.
Aprender, negociar, lutar por alguma coisa usando meu próprio
conhecimento e inteligência. Eu preciso desta motivação da mesma
forma que um peixe precisa de água”.
“Entendo”, respondi. “E vou fazer uma analogia ruim. Mas é
como se fosse um videogame que você aprende a trapaça. Para de
ser divertido, se você tem recursos ilimitados. Então, acho que
entendo, quando você diz que queria encontrar seu próprio
caminho”.
“E foi por isso que gostei tanto de você”, ele reiterou,
segurando meu queixo. “Pelo fogo que você mostrou na cobertura
aquela noite. Não foi vergonhoso para mim, foi apenas uma mulher
lutando pelo que queria e acreditava que merecia”.
Ele me beijou, e eu sorri de volta, entendendo totalmente o que
ele quis dizer.
“Bem, você fez um bom trabalho até agora”, eu disse. “No
investimento na SE e a compra da eTodo. Você sabe o que está
fazendo. A sinergia entre as duas companhias vai torná-las mais
fortes do que elas seriam separadamente. É necessário ter visão
além do alcance para isso”.
“Fico muito feliz em ouvir isso de você”, ele respondeu. “Você é
uma arrombada maravilhosa, Amber Moltisanti”.
Eu gargalhei retumbantemente, e ele quis saber o porquê, mas
de repente me escalou, começou a me beijar e me fez esquecer
tudo sobre aquela palavra tola.
48

Amber

Acordei sozinha na cama enorme, ao lado do espaço onde


Furio esteve. O lençol estava frio, ele já tinha se levantado fazia
tempo.
Espero que ele ainda não tenha ido para Londres, pensei
enquanto me levantava. As cortinas estavam abertas, e o sol
iluminava o retrato de um imperador romano na parede. A lareira
estava apagada, uma pilha de cinzas ocupava o espaço onde antes
o fogo crepitava.
Meu celular me informou que eram sete e meia da manhã. Eu
também tinha uma mensagem recebida na noite anterior, que eu li e
imediatamente respondi.

Michelle: Oi! Você não me escreveu desde que aterrissou.


Como está a viagem?
Eu: Tudo fantástico! Pena que vou embora hoje.
Michelle: Quero ouvir tudo! Agora!

Fiz uma careta confusa, quando ela me respondeu


imediatamente. Então me dei conta de que ainda eram nove e meia
da noite na Califórnia.

Eu: Conto tudo, quando chegar em casa. Temos muitas coisas


para discutir.
Michelle: BUU! Me conte agora! Tomei seis margaritas, e não
tem nada de bom na TV. Comeu muitos tipos gostosos de miojo?
Eu: Sim, comi muita massa.
Michelle: E os tipos gostosos de italiano com os quais você
trabalhou? Qual é o sabor dos miojos DELES?
Michelle: (sim, eu fiz um comentário com miojo só para poder
fazer minha piada brilhante)
Eu: SHELLY!
Michelle: Só estou te provocando. Sei que você não dormiria
com um cara durante uma viagem de trabalho. Especialmente,
porque você tem dois bilionários te esperando aqui.
Eu: Hmm … falando nisso.
Michelle: O quê?
Michelle: Não pode ser.
Michelle: NÃO
Michelle: PODE
Michelle: SER
Eu: Sério, vai fazer mais sentido, se eu falar com você
pessoalmente.
Michelle: AIMEUDEUS
Michelle: AI. MEU. DEUS.
Michelle: Não acredito em você. Você está me zoando, porque
eu estou ébria de margaritas.
Eu: Juro por Deus.

Tirei uma foto do quarto, me certificando de capturar a pilha de


roupas de Furio que estava no chão.

Michelle: QUE MERDA É ESSA AMBER.


Eu: Por isso eu queria conversar pessoalmente.
Michelle: Uns meses atrás eu estava te convencendo a flertar
com um cara no meu aniversário, e agora você TEM TRÊS
PEGUETES AO MESMO TEMPO?
Eu: Não precisa usar CapsLock.
Michelle: Quem é ele? Como ele é? Ele é um artista que te
pintou na rua, e você levou para casa?
Eu: Não.
Michelle: E os outros dois? Você vai continuar saindo com três
caras?
Eu: Ainda não pensei nisso.
Michelle: Faça uma lista! Por que você ainda não fez uma
lista? Suas listas mentais estúpidas são para este tipo de situação!
Eu: Ok, chega de mensagens, te conto quando chegar em
casa. Tem a ver com a nossa família. Sério, Shelly, é maravilhoso.
Michelle: Odeio quando você me deixa curiosa!

A porta do quarto se abriu, e eu rapidamente me cobri, mas


não era um serviçal, era Furio. Ele carregava uma bandeja de prata
nas mãos.
E estava totalmente, maravilhosamente pelado.
Dei uma risadinha, quando o vi caminhar na minha direção,
com seu belo instrumento pendurado livremente. “O que você está
fazendo?”.
“Quando você é bilionário”, ele disse. “Você pode fazer o que
quiser. O que eu queria era dar folga para os empregados, para
poder andar pelado pela mansão”.
Ele colocou a bandeja na cama e se enfiou embaixo da coberta
comigo. Havia um grande prato cheio de ovos, torradas e finas fatias
de carne. Também havia um bule de café de prata e uma jarra de
vidro cheia de suco de laranja.
“Você deu folgas para todos os empregados?”.
“Todos, menos meu assistente, que vai chegar mais tarde para
te levar para o aeroporto”.
“Então você preparou isso sozinho?”.
Ele me deu um olhar de reprovação. “Eu posso ser um
bilionário privilegiado, mas eu sei como fazer torradas”.
Percebi que estava faminta depois de toda aquela diversão
física, engoli todas as provocações que eu tinha planejado. Havia
um potinho com manteiga batida para espalharmos nos pães, e o
café era rico e forte. Furio comeu comigo, dividindo o mesmo prato e
sem dar o menor sinal de que estava desconfortável com a sua
nudez. Eu admirei seu corpo esbelto e firme abertamente e deixei o
cobertor descobrir meus seios.
Em Roma … pensei, sorrindo.
“Ainda não acredito que você tem servos, primeiramente”, eu
disse. “Acontece que conheço dois bilionários em São Francisco, e
o máximo que eles têm é alguém que limpa a casa uma vez por
semana”.
“O interior dessa propriedade tem trezentos metros
quadrados”, Furio explicou. “Se eu não tivesse serviçais para
cozinhar, limpar e manter a propriedade, tudo ia ser destruído em
um mês”.
“Você já pensou que é um desperdício uma casa deste
tamanho para um só homem?”, perguntei.
Ele acenou, pensativo. “Eu pensei muito nisso, sim. A pegada
de carbono desta mansão é bem substancial. Eu ainda moro aqui
por obrigação, considerando que meu pai morreu este ano, mas eu
pretendo mudar isso em um futuro próximo”.
Coloquei uma mão no seu braço. “Eu não queria fazer você se
sentir culpado. Só estava o provocando”.
“Uma provocação com fundo verdadeiro”, ele respondeu. “É
possível ser rico sem desperdício. Ou pelo menos é como eu espero
que minha vida vá ser, logo”.
Depois do café da manhã, tomei banho no banheiro de Furio.
Ele se juntou a mim rapidamente, espalhando sabonete no meu
corpo e me esfregando com uma esponja. Ele tomou cuidado
especial com meus seios, certificando de que eles estavam
perfeitamente limpos e sorriu para mim de forma juvenil, quando
levantei uma sobrancelha.
Enrolei uma toalha em volta do corpo para voltar para os meus
aposentos do outro lado da mansão, mas na metade do caminho
Furio agarrou a toalha. Eu guinchei e gritei, mas ele correu pelo
corredor largo com a toalha nas mãos, gargalhando livremente.
Corri atrás dele, rindo da sua nudez naquela mansão enorme e
vazia.
Depois de me vestir e me arrumar, arrumei minha mala e voltei
para o hall. Por uma das janelas, vi o assistente de Furio me
esperando ao lado do carro do lado de fora.
“Você não vai até o aeroporto comigo?”, provoquei.
“Tenho uma ligação com um sócio em Berlim”, ele me explicou.
Não havia mais leveza na sua voz, ele tinha voltado a ser o
bilionário que eu tinha conhecido originalmente. “Devo me despedir
de você aqui”.
Ele me enrolou com seus braços, me abraçando apertado, sem
me deixar ir por um longo tempo. Pressionei meu rosto no seu
ombro e fechei os olhos para saborear o momento. Uma verdade
desconfortável que eu havia ignorado aquele tempo todo era que eu
não sabia quando nos veríamos novamente. Diferente de Owen ou
Jude, eu não podia simplesmente aparecer na casa de Furio, depois
do trabalho, casualmente.
“Vou encontrar desculpas para ir a São Francisco”, ele
sussurrou no meu ouvido, como se tivesse lido meus pensamentos.
“Eu adoraria que você fizesse isso”.
“Ah, e uma última coisa”, ele disse, afastando-se e me dando
um pedaço de papel. “Quase me esqueci”.
Peguei o cheque do banco italiano Intesea Sanpaolo. Ele era
nominal a mim com a quantia de vinte mil euros.
“O quê …”, quase me engasguei com a minha própria língua.
“O que é isso? Vinte mil euros?”.
Ele fez uma careta para mim. “A maioria dos bancos
americanos converte para dólares gratuitamente. Não vai ser um
problema. Mas se você prefere que eu faça uma transferência digital
…”.
“A moeda não é o motivo do meu choque. Por que você está
me dando este dinheiro?”.
Ele se virou para mim, confuso. “É o preço dos seus serviços
excelentes”.
“Meus serviços?”, gritei de volta. “Furio, não sou uma
prostituta!”.
Seus olhos se arregalaram de medo. “Não! Não, não, não!
Seus serviços na empresa. Na eTodo. Este foi o valor que
concordamos para a consultoria. Foi negociado com Owen March
antes da sua chegada. É bem prejudicial pegar a engenheira sênior
emprestada, enquanto a empresa está crescendo tão rapidamente”.
Suspirei aliviada. Com tudo o que tinha acontecido no último
dia, eu tinha me esquecido do motivo real da minha viagem. “Ainda
assim. É muito dinheiro. E depois da noite que tivemos … faz-me
sentir como uma prostituta”.
Ele acariciou minha bochecha e sorriu amorosamente. “Você
está longe de ser uma”.
Ele me beijou e nos abraçamos de novo, mais apertado desta
vez. Furio me deu outro beijo na testa e disse: “Até a próxima,
Amber Moltisanti”.
Enquanto caminhei até o carro, esperei que a próxima fosse
logo.
49

Jude

Enquanto eu encarava a tela do meu computador e revisava os


últimos códigos escritos pela minha equipe, pensei: que saudade da
Amber.
Eu sentia falta dela por motivos profissionais. Enquanto ela
estava na Itália, algumas das suas funções estavam sob meu
encargo. Era para Nancy estar lidando com a maior parte do seu
trabalho, mas ela tinha muitas perguntas para mim. Quando Amber
estava aqui, as coisas funcionavam muito mais suavemente.
Mas mais fundo do que isso, eu sentia falta emocional dela.
Toda vez que eu passava na frente da sua sala vazia, sentia um
abismo dolorido no estômago. Eu não me considerava uma pessoa
codependente, mas a ausência da sua presença estava tornando
minhas tarefas diárias difíceis. Eu não queria ir embora para o meu
apartamento vazio no fim do dia. Meus códigos não eram nítidos e
eficientes como eram normalmente. Quando eu me deitava para
dormir, contava os dias para o seu retorno.
O escritório estava mudando enquanto ela estava fora. Foram
só alguns dias, mas Melinda já tinha contratado sete pessoas novas.
O prédio estava vivo com as atividades, como uma colmeia. Eu não
reconhecia metade dos rostos que eu via, apesar de todos sorrirem
para mim.
Era bom para a empresa, eu sabia. Estávamos crescendo aos
trancos e barrancos, tentando desesperadamente dar conta, com o
tráfego crescente na nossa plataforma de criptomoeda. O gráfico
que mostrava nossos ganhos diários era um declive acentuado,
cada dia mais íngreme. Fomos até citados na primeira página da
coluna de finanças do MSNBC.
Ainda assim, eu sentia falta dos velhos tempos. De quando eu
e Amber éramos os únicos trabalhando até tarde da noite. Criando o
mapa de expansão do zero.
Owen parecia agitado também. Ele prosperava no caos de
uma empresa rapidamente em expansão, mas eu sabia que havia
aspectos de que ele não gostava. Ele era do tipo de cara que
insistia em saber tudo o que estava acontecendo em cada projeto, o
que era impossível agora que éramos tão grandes. E isso o fez
sentir que ele estava perdendo o controle.
Para combater isso, ele tinha agendado várias reuniões por
dia, para tentar se manter informado de tudo o que acontecia no
escritório, mesmo que isso significasse fazer a mesma coisa todos
os dias.
Foi depois de uma dessas reuniões no escritório de Owen,
quando Melinda e Nancy já tinham ido embora, que ele se virou
para mim e quase me causou um ataque do coração.
“Saudade da Amber, não é, meu filho?”.
Se eu tivesse acabado de tomar um gole de café, teria
provavelmente cuspido na cara dele. Ele sabe? É tão óbvio assim?
Coloquei minha xícara sobre a mesa devagar e olhei para ele
calculadamente, fazendo cara de espanto.
“Por que você está perguntando isso?”.
“Nancy é boa, mas não é Amber”, ele respondeu. “Eu vejo
Nancy te procurar para tirar dúvidas. Coisas que Amber saberia
intuitivamente”.
Tentei não mostrar meu alívio. “Ah, sim. Saudade da sua
presença no escritório. Nunca nos damos conta no quanto alguém
trabalha, até ele não estar mais aqui”.
Eu devo ter falhado em esconder o alívio, porque Owen me
analisou por um momento. “O que você achou que eu tinha
pensado? Saudade dela como … amiga? Ou mais do que isso?”.
“Claro que não”, eu disse com uma risadinha desdenhosa.
“Amber é legal e tal, mas é só profissional”.
“Certo”, ele disse, encarando o nada. “Sem mencionar que
você é seu superior direto. Isso seria muito antiético”.
“E você?”, eu disse. Eu sabia que estava projetando, mas
queria desesperadamente afastar o tópico de mim. “Você sente
saudade dela?”.
“Por que sentiria? Mal suportamos um ao outro. E você sabe”.
“Foi como começou”, pontuei. “Mas vocês dois não têm
discutido muito mais ultimamente. Pelo contrário, você parece mais
amistoso, assim como eu sou com ela”.
“Ela é um ganho enorme para a companhia. Não faz sentido
discutir com alguém que é tão boa no que faz”.
Ele deu de ombros casualmente. Casualmente até demais para
Owen. Era o fim de um longo dia, estávamos ambos exaustos.
Tínhamos trabalhado muitas horas até tarde naquela semana.
“Você deveria ir dormir”, eu disse. “Está cheio de olheiras”.
“Os fortes não descansam”, ele respondeu. “Provavelmente,
vou ficar aqui até tarde”.
Olhei para o relógio. O avião de Amber pousaria logo, e ela
passaria pelo escritório antes de ir para casa. Eu queria estar lá,
quando ela chegasse, sem Owen por perto para perceber minha
felicidade em vê-la.
“Estou preocupado com as coisas na Itália”, Owen disse
finalmente.
“Com o quê?”, perguntei.
“Não sei …”, ele respondeu. “A integração da nossa plataforma
com a eTodo … Talvez estejamos nos movendo muito rápido.
Tentando abraçar o mundo com as pernas”.
“Foi por isso que Melinda contratou todas essas pessoas”, eu
disse. “A integração vai nos expandir para toda a Europa. E nos
poupar de muito trabalho, comparado com a abertura de um
escritório lá e tentar navegar sob a jurisdição das leis da União
Europeia”.
“Não sei …”, ele repetiu, sem elaborar mais.
“Se isso o faz se sentir melhor, Amber disse que tudo está indo
muito bem”.
Owen estranhou. “Você falou com ela?”.
Congelei. Merda.
“Brevemente”, eu disse. “Ontem. Ela tem expectativas altas
para a eTodo. Ela disse que Furio foi esperto em comprar a
empresa”.
“Ela disse isso?”, Owen perguntou, com uma intensidade
repentina. “Ela elogiou a inteligência de Furio?”.
“Foi sim esperto da parte dele comprar a empresa”, eu disse.
“O que há de errado com você? Você quase parece com ciúme”.
“Eu só não quero que ele a roube de nós”, ele disse. “Esses
dias sem ela reiteraram que ela é parte integral da SE”.
Apesar da sua resposta, Owen parecia enciumado. O que era
impossível, porque ele não era do tipo de cara que ficava com
ciúme, especialmente de uma mulher pela qual ele nem estava
interessado.
Por outro lado, eu tinha pensado em Furio Rossi, desde que
ele entrou no nosso escritório e beijou Amber nas duas bochechas.
Ele era suave e sexy. Eu me esforçava para escolher que terno iria
usar e como o usaria, mas para o italiano sagaz, parecia uma
habilidade natural. Eu não poderia competir com alguém como ele.
Espero não precisar.
De repente, alguém bateu na porta. Nancy e Dave estavam
ambos parados do lado de fora, com cara de más notícias.
“O que houve?”, Owen perguntou.
Os dois entraram no escritório, mas ficaram perto da porta.
Eles também ficaram a quase um metro um do outro. Eu
normalmente não reparava naquelas coisas, mas sua linguagem
corporal indicava que alguma coisa estava errada.
“Queríamos contar à Amber, mas ela não está aqui”, Nancy
começou.
Dave acenou gravemente. “Então queríamos contar à Melinda,
mas ela saiu mais cedo, porque tinha um evento para o seu
namorado”.
“Evento para o seu namorado? Estranho”, Owen murmurou.
“Até onde eu sei, ele estava desempregado. Me pergunto o que está
acontecendo …”.
“Qual é o problema?”, perguntei a Nancy e Dave, alarmado
repentinamente. “Vocês acharam alguma falha no código? É a
blockchain paralela Tezos? Qual é o problema?”.
“Não é isso”, Nancy disse em um tom que implicava que era
ainda mais sério. “É um assunto pessoal”.
“Estamos transando!”, Dave deixou escapar. “Tipo, juntos”.
“O ‘juntos’ está implícito”, Nancy murmurou.
“Só estou deixando claro. Ambiguidade nunca é bom”.
Não havia nada de errado com o código, era algo menor. E
bom, de todos os funcionários do escritório, aqueles dois eram os
últimos que eu pensaria que teriam um relacionamento. Nancy era
precisa e ordenada, enquanto o espaço de trabalho de Dave era tão
desleixado e caótico que ele geralmente trabalhava sentado em um
pufe. Além disso, Nancy era quase trinta anos mais velha do que
ele.
Que bom para você, Nancy. Pensei, olhando para Owen.
“Nós realmente precisamos contratar um gerente de Recursos
Humanos”, Owen disse para mim, então se virou para os outros
dois: “Obrigado por nos avisarem. Mas vocês precisavam mesmo
nos contar isso exatamente agora?”.
“Sim, certamente”, Dave insistiu, mudando de posição. “Nós
vimos as notícias sobre os dois gerentes da Amazon que estavam
dormindo juntos. Eles não contaram a ninguém, alguém ficou
desconfortável e eles foram ambos demitidos. Se ao menos eles
tivessem assinado um formulário de comunicação …”.
“Queremos que isso fique registrado”, Nancy deu um passo
para o lado e segurou a mão de Dave, o que parecia lhe dar mais
confiança. “Assim, a empresa não precisa nos demitir, se alguém
descobrir de alguma outra forma”.
“É assim que funciona, certo?”, Dave continuou. “Assinamos
um formulário comunicando nosso relacionamento, e tudo bem?”.
“Está no código de conduta da empresa”, disse Nancy. “Já
falamos sobre isso, David”.
“Eu sei! Só estou me certificando de que eles estão tipo “ok”
com isso e tal. Para eles não nos dispensarem”.
“Ninguém vai dispensar vocês”, Owen garantiu. “Agradeço
vocês terem vindo nos contar, mas Melinda pode cuidar disso
amanhã cedo”.
“Preferimos não esperar”, Nancy disse curtamente. Eles
pareciam que não iam se mover até assinarem a papelada.
“Os formulários estão na gaveta de cima da Melinda”, eu disse.
Owen me olhou curioso. “Como você sabe?”.
“Ela, hm, já imprimiu alguns”, eu disse. “Por medo de isso
acontecer com o nosso crescimento. Todo mundo trabalhando por
muitas horas junto, algumas pessoas dormindo e tomando banho
aqui …”.
Tudo aquilo era verdade. Melinda tinha formulários impressos,
porque tinha medo daquilo acontecer cada vez mais
frequentemente. Mas era uma ação preventiva em resposta ao fato
de Amber e eu estarmos dormindo juntos.
“Foi o que aconteceu conosco”, disse Dave. “Estávamos aqui
em uma sexta à noite terminando o código de expansão, e Nancy
estava usando um perfume muito bom …”.
“E você estava usando sua camiseta da Gigahertz”, disse
Nancy sorrindo. “E seu cabelo estava bagunçado, porque você tinha
dormido no pufe, você fez uma piada sobre os loops, então eu
removi seu cabelo dos seus olhos …”.
“Se vocês continuarem detalhando, eu devo dispensá-los …”,
Owen disse, ficando em pé. “Me encontrem na sala de conferências.
Vou pegar os documentos para vocês assinarem”.
De repente, ocorreu-me que os formulários em branco
poderiam não ser os únicos na mesa de Melinda. Meu estômago se
revirou, quando imaginei que Owen encontraria o que eu tinha
assinado …
Me levantei como se minha cadeira estivesse pegando fogo.
“Eu pego os formulários!”.
Owen pareceu alarmado por um segundo, então, casualmente,
acenou. “Eu estava indo lá embaixo pegar uma bebida mesmo, eu
cuido disso. Você, volte aos códigos”.
“Eu nunca vi o processo antes”, eu disse. “Então vou com
vocês para assistir tudo”.
Owen não questionou minha desculpa fraca, quando saímos
do escritório e caminhamos para o andar de baixo. Por dentro, eu
estava em pânico. Minhas pernas estavam dormindo. E se meu
formulário estivesse dentro da gaveta? O pensamento de Owen
descobrindo sobre nós fez meus joelhos amolecerem.
O escritório de Melinda ficava atrás da recepção. Nossos
crachás destrancavam todas as portas do prédio, então usei o meu
para entrar. A mesa de Melinda ficava em um canto, ladeada por
arquivos. Mas os formulários em questão estavam na gaveta
superior da mesa. Tentei atravessar a sala mais rápido, mas Owen
me acompanhou, e ambos abrimos a gaveta ao mesmo tempo.
Dentro da gaveta, havia duas pilhas: formulários em branco à
esquerda e formulários preenchidos à direita. Meu nome estava no
topo do primeiro documento da pilha da direita, e eu agarrei a folha,
como se fosse um mendigo que viu uma nota de cem dólares.
Owen fez o mesmo movimento ao mesmo tempo e, por um
breve momento, nós dois seguramos os primeiros documentos da
pilha. Notei que eram dois. Então, ele puxou um deles, e ambos
voaram pela sala. Em um movimento quase sincronizado, ele
agarrou um, e eu o outro.
Escaneamos nossos documentos febrilmente. Meu nome não
estava na folha que eu segurava. Isso significava que Owen tinha
meu formulário em mãos.
Mas o que estava na minha mão … li rapidamente as primeiras
linhas e me engasguei.
“Owen March …”, murmurei em voz alta.
Ele estava fazendo a mesma coisa com a outra folha. “Jude
Cauthon e … Amber?”.
Olhei para ele, segurando o papel na minha mão. “Você está
tendo um relacionamento físico com Amber? O quê?”.
“Com licença?”. Ele agitava seu documento – meu documento
– como se fosse o próprio presidente. “E você também? E aqui diz
que vocês começaram dez dias antes!”.
“Dez dias? Então isso significa que …”, eu li os detalhes do
formulário que segurava. “Você dormiu com ela meses atrás?”.
Tudo fazia sentido. A forma estranha com que Owen estava
agindo naquela semana. Sua relutância com a eTodo. As desculpas
que ele estava inventando para ir embora mais cedo do escritório.
Amber dizendo que só podia me ver a cada dois dias. Sem
mencionar o ciúme estranho de Furio que Owen estava
demonstrando.
“Não acredito que você fez isso …”, ele disse. Ele não estava
bravo, ele parecia chocado.
“Eu?”, gritei com ele. “Amber e eu temos tudo em comum!
Trabalhamos muitas noites juntos …”.
“Ela é sua subordinada imediata”, disse Owen.
“Nós começamos o flerte antes mesmo de ela trabalhar aqui!”,
argumentei. “Mas você se envolveu com ela depois. Você pode não
estar diretamente acima dela na hierarquia, mas ainda é seu chefe”.
“Ok, ok. Vamos nos acalmar”, Owen disse. “Não é o fim do
mundo. Me diga o quanto durou essa história entre vocês”.
“Durou?”, fiz uma careta. “Ainda estamos nos vendo”.
Ele ficou chocado. “Assim como nós. Mas é só físico e …”.
Ela está saindo com os dois? Eu e ele? Pensei. Isso porque eu
deixei claro que não podia ter nada sério com ela sendo seu chefe?
De repente, houve um movimento na porta, e ambos nos
viramos e encontramos Amber parada lá com sua mala na mão. Ela
estava radiante, apesar de estar vestida com calças jeans e uma
camiseta. E o sorriso que ela deu para nós dois foi caloroso e
amoroso.
“O que vocês estão fazendo na sala da Melinda?”, ela
perguntou.
50

Amber

Passei o voo todo pensando em Furio. Revivendo a semana


maravilhosa na minha cabeça. Tinha sido incrível, e eu já estava
sentindo falta do italiano.
No entanto, eu também senti falta de Owen e Jude fortemente.
Voltar para São Francisco era como voltar para casa, e grande parte
disso eram os dois. Eu mal podia esperar para me aninhar na cama
com Jude, ou ter minhas roupas arrancadas por Owen no momento
em que estivéssemos sozinhos.
Aquilo me deixou uma estranha sensação de culpa. Com dois
homens, eu tinha evocado dissonância cognitiva o suficiente para
fingir que tudo estava totalmente bem e normal e nada estranho.
Mas agora, com três? A ilusão tinha acabado. Era loucura demais.
Eu estava intercalando três homens ao mesmo tempo. Será
que eu tinha me tornado esse tipo de garota?
Tentei racionalizar enquanto o voo aterrissava em São
Francisco. Eu não os estava usando. Eu genuinamente tinha
sentimentos pelos três, mais do que eles por mim. Owen me disse
que queria manter tudo casual, e Jude foi enfático ao dizer que não
queria nada sério enquanto eu fosse sua subalterna imediata.
Todavia, aquilo tornava tudo aceitável? O que eu faria?
Eu sabia que tinha que decidir logo. Eu não podia continuar
fazendo aquilo, especialmente porque chegaria o dia em que a
bomba explodiria na minha cara. Mas, naquele momento, eu só
queria vê-los novamente.
Era difícil escolher com quem eu queria estar antes, mas
acabei decidindo por Jude. Inventei uma desculpa para passar pelo
escritório para falar sobre aspectos vagos da integração da eTodo.
Então, despedi-me do jato luxuoso de Furio e peguei um Uber direto
para a sede da SE.
Me senti tonta, quando escaneei meu crachá na entrada e
caminhei pela porta. Só fiquei quatro dias fora, mas parecia muito
mais. Eu realmente senti falta daquele lugar, e não só dos dois
homens que eu sabia que estavam lá.
A porta do escritório de Melinda estava aberta atrás da
recepção, e vozes familiares ecoavam. Para a minha surpresa, os
dois homens que eu estava ansiosa para ver estavam dentro.
“O que vocês estão fazendo na sala da Melinda?”, perguntei
com uma gargalhada.
Assim que eles me olharam, percebi que não havia nada de
engraçado no momento. Algo estava muito errado. Então vi que
ambos seguravam documentos.
Ai, meu cérebro processou, estranhamente calmo. Ai, não.
“Owen descobriu sobre nós”, disse Jude.
“Jude descobriu sobre nós”, disse Owen. “Nós dois
descobrimos ao mesmo tempo, na verdade. Sério, Amber?”.
Eu tinha experimentado choque na vida – quando descobri que
meu pai tinha câncer –, então reconheci os sintomas. Era como se
meu cérebro se separasse da minha espinha e voasse para longe,
assistindo tudo se desenrolar, sem reagir emocionalmente.
Logicamente, eu sabia que aquele dia chegaria, e tudo explodiria na
minha cara, mas eu não senti nem o pânico nem o medo que
achava que sentiria.
“Não sei o que dizer”.
“Achei que vocês dois se odiassem”, Jude disse. Ele não
estava ferido, apenas confuso. Como se ele estivesse encarando
um quebra-cabeças em que faltava uma única peça.
“Sim … no começo”, eu disse. “Mas nossas pegadinhas
ficaram sedutoras …”.
“Podemos sair daqui para conversar?”, Owen murmurou. “Não
quero que ninguém nos ouça”.
Saímos do escritório e caminhamos para as escadas.
Enquanto fizemos isso, Nancy e Dave saíram de uma das salas de
reunião.
“Algum problema?”, Nancy perguntou.
“Não! Nenhum!”, eu disse. “Só estou atualizando os rapazes
sobre minha viagem para a Itália”.
“Ela se referia ao nosso documento”, Dave respondeu. “Vocês
mudaram de ideia? Ai meu Deus, vamos ser demitidos, não
vamos?”.
“Ninguém vai ser demitido!”, Owen disse impaciente. “Algo
urgente aconteceu. Vamos assinar amanhã!”.
Enquanto caminhamos para o meu escritório, perguntei: “O que
foi que eu perdi?”.
“Dave e Nancy estão juntos”, Owen respondeu.
“Ah, que bom para ela!”.
“Essa foi minha reação”, Jude deu uma risadinha.
“Eu sabia que eles estavam se tornando estranhamente
amigos”, refleti. “Dave estava movendo seu pufe na direção da
mesa dela cada dia mais …”.
Owen fechou a porta e se virou para nós. “Foco. Temos nossos
próprios problemas para discutir”.
Jude piscou, como se estivesse saindo de um transe. “Você
está transando com os dois? Ao mesmo tempo?”.
Me sentei na minha cadeira. Jude se sentou do outro lado da
mesa, e Owen cruzou os braços, em pé. Era uma situação
estranhamente reversa: ser interrogada pelos meus chefes no meu
próprio escritório.
“Não sei como aconteceu”, comecei. “Não planejei isso. Eu
gostei de Jude, desde o começo, assim que nos conhecemos no
aniversário da minha irmã. Quando finalmente transamos, ele me
disse que não podíamos ter nada sério. Ele é meu chefe, a empresa
está crescendo, e isso poderia ser muito ruim para a SE. Um dos
fundadores dormindo com uma funcionária? Principalmente com o
financiamento ainda pendente …”.
“Então as coisas começaram a acontecer com Owen …”, eu
sorri fracamente. “Todas as invasões e o tom de flerte. Então nós
…”.
“Me poupe dos detalhes”, Jude interrompeu. “Não quero
saber”.
“Owen deixou muito claro que queria uma coisa casual. Ele
ficou puto, quando Melinda descobriu e me fez assinar o formulário.
Então, não me senti tão mal, já que nenhum de vocês quer nada
duradouro. E, mais uma vez, eu não planejei isso. Meio que
aconteceu”.
Os dois processaram a história por um momento. Jude tirou os
óculos para limpar e os colocou de volta, com uma careta durante
todo o processo. Owen caminhava pela sala com os braços
cruzados.
Meu choque estava se dissipando, e eu me preparei para o
que aconteceria a seguir. Ambos terminariam comigo. Eles diriam
que não poderiam estar com alguém que os tinha enganado
secretamente, e que era o melhor para todos os envolvidos,
incluindo a empresa, se terminássemos as coisas naquele
momento.
E a pior parte? Eu sabia que era o certo a fazer.
Mas então Owen deu um passo para a frente, e seus olhos
estavam intensos de uma forma diferente. “Eu pensei um pouco
nisso, Amber. Não, mentira. Eu pensei muito nisso. Não pensei em
mais nada, desde que você foi para Itália. Eu não quero mais um
relacionamento casual com você”.
“Eu sei”, eu disse. “Entendo se …”.
“Eu quero um relacionamento sério”, ele disse, apagando tudo
o que eu tinha pensado em dizer. “Eu quero um relacionamento real
com você, Amber. Não só transas esporádicas”.
Jude se levantou, empurrando sua cadeira para trás. “Eu ia
dizer a mesma coisa. Eu quero ficar com você, sem medo de que
alguém descubra. Quero que você seja minha namorada, Amber.
Mesmo que isso signifique mudar de cargo, para não ser mais seu
superior imediato”.
“Espera um momento aí, Boston”, Owen disse. “Se você
reorganizar o organograma, a quem vocês vão se reportar? A
mim?”.
“É o que faz mais sentido. Sim”, ele respondeu.
Owen gesticulou com raiva. “Você ignorou o que eu acabei de
dizer? Eu quero um relacionamento real com ela também! Se ela se
reportar diretamente a mim, então o problema passa a ser meu??”.
“Então promovemos Amber”, disse Jude. “Encontramos uma
diretoria para ela. Assim ela vai estar no mesmo patamar que nós”.
“Promover uma mulher para poder transar com ela sem
culpa?”, Owen zombou. “Cara, isso não cria uma boa imagem …”.
“Estou tentando arrumar uma solução”.
“A solução é ela ser minha namorada. Não sou seu chefe
direto”, disse Owen.
“Eu a vi primeiro”, Jude disse, mas ao se dar conta de que
parecia uma criança petulante, acrescentou. “Nós nos demos bem
desde o princípio. Você veio depois!”.
Fiquei em pé e coloquei as mãos na cintura. “Vocês dois estão
discutindo, como se eu não tivesse aqui?? Acho que eu também
preciso opinar sobre o assunto!”.
Ambos olharam para mim. “Você tem uma solução?”, Jude
perguntou. “Ou uma opinião sobre quem você prefere namorar?”.
“Não”, respondi humildemente.
Então os dois se viraram um para o outro novamente e
continuaram brigando, como se eu fosse um brinquedo com o qual
ambos queriam brincar.
“Tem outra coisa …”, eu disse. Era melhor arrancar o Band-Aid
de uma vez.
Owen falou antes de mim. “É o Furio, não é?”.
Eu fiz uma careta em resposta.
“Ele foi te buscar no aeroporto e professou seu amor por você
com um buquê de rosas?”, ele perguntou.
“Não”, eu disse. “Mas a semana passou e …”.
Os dois resmungaram.
“Deixa eu ver se entendi”, Jude começou. “Eu tenho que
competir com Owen e Furio? O homem que acabou de comprar
metade da nossa empresa?”.
“Sim”, respondi. “Quer dizer, não. Eu não sei! Eu nunca fiz isso
antes. Estou tão confusa quanto vocês”.
Nancy apareceu na porta do meu escritório, olhou rapidamente
e então correu para o andar de baixo de novo.
“Eles vão pensar que as coisas não deram certo na Itália”,
disse Jude.
“E não deram”, Owen disse. “A mulher com a qual estamos
dormindo foi seduzida por um bilionário italiano!”.
“Não foi assim!”, eu disse. “Furio me levou para conhecer a
cidade onde meu tio avô foi padre. Me mostrou de onde minha
família veio antes de se mudar para os Estados Unidos”.
Jude suspirou. “Nunca vamos poder competir com ele”.
“Fale por você mesmo”, Owen olhou para mim. “Você pode
pelo menos nos dizer de qual dos três você gosta?”.
“Eu gosto de vocês três”, admiti. “Não posso escolher”.
“Isso não é como escolher uma entrada em um restaurante”,
disse Owen. “Isso é sério”.
“Você acha que não sei?”, eu gritei, com ferocidade o suficiente
para fazer ambos travarem seus maxilares. “Vocês não têm ideia do
quão dividida eu passei os últimos meses. Eu gosto de ambos
desesperadamente. E o tempo todo, os dois ficaram insistindo que
não poderíamos ter um relacionamento duradouro. Como é que eu
lido com isso? Enquanto eu revia nosso código com Jude, ou
discutia o trabalho com Owen? Tudo estava maravilhoso, de
verdade, mas eu também estava ficando maluca!”.
Minha voz ecoou na sala, seguida por um silêncio duradouro.
Ambos me encararam, e eu os encarei de volta, desafiadoramente.
Então eles se entreolharam, e eu tive a impressão de que eles
estavam se comunicando sem palavras, como velhos amigos.
“E se te dermos mais tempo?”, Owen sugeriu finalmente.
Jude acenou. “Continuemos da mesma forma, até você decidir
com quem quer ficar”.
Pisquei, surpresa. “Sério? Vocês acham que podemos fazer
isso?”.
“Nada mudou”, Owen disse. “Exceto pelo fato de que agora
nós sabemos”.
“Não vai ser … não sei. Estranho?”.
“Um pouco”, Jude disse, ajustando seus óculos. Ele olhou para
Owen e acrescentou: “Mas não tem como não ser estranho. E é
melhor do que nenhum de nós ficar com ela”.
Owen mordeu o lábio. “Sim. Acho que é um bom acordo. Mas
vou avisando, colega: eu pretendo ficar com ela”.
Jude sorriu de volta para ele: “Não esperava menos de você”.
Os dois apertaram as mãos, como se tivessem acabado de
fechar negócio. Então se viraram para mim, sorrindo calorosamente,
intensamente. Como se uma competitividade estranha tivesse
tomado conta deles.
Como diabos isso vai dar certo?
51

Amber

Ao invés de passar a noite com algum deles (como é que eu


iria decidir?), eu disse a eles que iria para casa pensar. Eu estava
esperando conversar com Michelle e ouvir sua opinião. Mas ela iria
passar a noite com Phil, então, eu fiquei sozinha em casa.
Abri Diablo e joguei por algumas horas, permitindo-me relaxar.
Aquilo me ajudou a me recuperar do choque daquela noite e,
rapidamente, comecei a pensar com mais clareza.
Quando deixamos a sala de Melinda e fomos para o outro
andar, eu esperava que eles fossem gritar, brigar e terminar comigo.
Pensei que acabaria totalmente sozinha. Porém, ao invés disso,
recebi duas propostas de namoro. E ainda havia um terceiro homem
na Europa.
Eu era a garota mais sortuda do mundo, ou o quê?
Tentei fazer uma lista na minha cabeça, mas ela se dissipava,
antes que eu pudesse me concentrar. Não era uma situação para
listas. Eu estava saindo com dois homens, chefes na minha
empresa, e ambos sabiam.
Realisticamente, eles iriam esquecer a forma como se sentiram
naquela noite. No dia seguinte, um ou os dois insistiriam que não,
eles não podiam continuar fazendo aquilo, porque era loucura.
No entanto, quando cheguei ao escritório no dia seguinte,
ambos agiram como se tudo estivesse bem.
Owen estava na recepção, falando com um dos novos
funcionários. Quando ele me viu, apresentou-me ao jovem – cujo
nome me entrou por um ouvido e saiu pelo outro – e disse a ele que
eu era o cérebro por trás da SE. Ele foi caloroso e profissional, mas
eu ainda conseguia perceber a competição presente.
Então, fui até a cozinha pegar um energético, e Jude estava lá,
fazendo café. Havia outras pessoas, logo, ele só me perguntou
como minha noite tinha sido e calmamente abordou o tópico da
reunião que teríamos no fim da manhã. Ele me deu uma piscadela
que ninguém viu e voltou para o seu escritório.
Melinda estava lá o tempo todo, então me virei para ela e
disse: “Preciso falar com você”.
“Não!”, ela disse alegremente. “Tenho zero opiniões para dar”.
Olhei em volta e abaixei a voz. “Então você já sabe?”.
“Estou surpresa por não ter acontecido antes. Mas outra vez,
sou totalmente imparcial! Os formulários já estão assinados, e é
tudo o que importa para mim”.
O resto do dia passou de forma alarmantemente normal. Eu
tive uma reunião no meio da manhã com Jude e Nancy, reuniões
individuais com os novos empregados e passei o resto da tarde
colocando meu trabalho em dia e revisando códigos.
Às seis, Jude criou um grupo no bate-papo comigo e com
Owen.

Cauthon, Jude: Instalei um plugin gerador de números


aleatórios.
March, Owen: Isso foi rápido! Como funciona?
Cauthon, Jude: !gerar 10
NUMGEN: JUDE GEROU UM (6)
March, Owen: !gerar 10
NUMGEN: OWEN GEROU UM (4)
March, Owen: Merda. Você trapaceou.
Cauthon, Jude: Juro que não.
March, Owen: Merda dupla. Você está falando a verdade,
porque acabei de revisar o código do NUMGEN e você ganhou
honestamente.
Moltisanti, Amber: Ganhou o quê? Que diabos é esse gerador
de número?
Cauthon, Jude: Não é óbvio?

Jude se desconectou e então apareceu na porta da minha sala


com a mochila no ombro. “Vou para casa”, ele disse, enfatizando a
última palavra. “Te vejo amanhã”.
E então foi embora.
Fiz uma careta. O que foi aquilo? Mandei uma mensagem para
Owen, dizendo que eu estava confusa.
Em vez de responder pelo bate-papo, ele veio até minha sala.
“Achei que era óbvio, disputamos quem fica com você esta noite”.
Eu gargalhei abruptamente: “Então vocês usam um gerador de
números aleatórios para decidir quem fica comigo? Como se
estivéssemos jogando RPG?”.
“Isso aí”, ele disse, se aproximando a cada palavra. “Vou ter
que esperar até amanhã para ver você, mas vai ser MUITO MAIS
GOSTOSO. Ele é a banda de abertura, eu sou o evento no palco
principal!”.
Quando ele terminou, seus lábios estavam quase colados nos
meus. Meu corpo se arrepiou, e eu me inclinei na direção dele,
ansiosa para sentir seu beijo, mas ele se afastou e caminhou em
direção à porta. Antes de voltar para o seu escritório, ele me lançou
um olhar maligno.
Okay, pensei, com um arrepio sexy percorrendo meu corpo.
Talvez eu goste muito disso.
Esperei dez minutos e então saí do escritório em direção à
casa de Jude. O porteiro me deu um sorrisão, quando me viu.
“Senhorita Moltisanti! Faz tempo que não te vejo!”.
“Eu estava na Itália”, respondi. “Viagem de negócios”.
Ele abriu a porta para mim e disse: “Que bom saber. A forma
como o Sr. Cauthon estava agindo essa semana me fez pensar que
vocês não estavam mais juntos. Ele é mais feliz, quando você está
por perto, se você não se importa que eu diga”.
Subi até o apartamento de Jude. Assim que ele abriu a porta,
agarrou num abraço longo e apertado.
“Você não tem ideia do quanto senti sua falta”, ele suspirou.
“Queria falar ontem, mas … você sabe”.
“Seu porteiro disse isso. Ele achou que tínhamos terminado”.
Jude deu uma risadinha, ainda me abraçando. “Não podemos
terminar, se nunca começamos oficialmente, não é?”.
Pensei naquilo enquanto ele me beijava e me guiava para o
quarto, então me esqueci de tudo e voltei minha atenção para o
corpo espetacularmente sexy em cima do meu.
Depois, nós nos acariciávamos sobre as cobertas, confortáveis
com a nossa nudez completa. Eu suspirei com alegria e disse: “Sou
eu, ou isso foi muito bom?”.
“É sempre maravilhoso com você”, ele respondeu. “Mas foi
extra especial. Acho que o tempo separados …”.
“Ou porque eu sei que você quer um relacionamento sério
comigo”, sugeri. “E saber que não é só físico, que você tem
sentimentos mais profundos por mim …”.
Ele sorriu e soprou um fio do meu cabelo para longe. “Quer
saber um segredo? Eu sempre pensei assim. Eu só tinha medo de
expressar meus sentimentos por causa do nosso relacionamento
profissional”.
“Ou talvez você tenha me dado uma canseira maior, porque
agora você sabe que está competindo com Owen”.
Era uma piada, mas ele fez uma careta e respondeu: “Talvez”.
Me virei de lado para encará-lo, segurando sua bochecha
sardenta na minha mão. “Eu me senti muito culpada por isso tudo,
sabe? Estar com vocês dois e não saber como discutir o assunto”.
“Você não precisa se justificar, Amber. Nem agora, nem
nunca”.
“Só queria pedir desculpas”, eu continuei, havia uma sensação
de vazio no meu estômago, que não iria desaparecer até eu falar
sobre o assunto. “É minha culpa”.
“Minha também”, ele disse. “Se eu tivesse sido mais honesto
sobre meus sentimentos, ao invés de insistir em não sermos
exclusivos …”. Ele chacoalhou a cabeça e sorriu amorosamente
para mim. “Culpar alguém não faz sentido. Nós dois poderíamos ter
agido de formas diferentes. Mas não podemos mudar o passado, só
aproveitar a companhia um do outro. Estar nos seus braços me faz
esquecer de Owen, Furio e do resto todo …”, ele fez uma breve
pausa e adicionou: “Não tem mais nenhum outro cara, ou tem?”.
“Não!”.
Jude sorriu pateta. “Só estou checando. Vi a forma como você
e Wil Won estavam gargalhando juntos um dia desses …”.
“Wil Won tem um namorado. Um modelo chamado Brock.
Muito mais bonito que eu”.
“Ninguém é mais bonito que você”.
Revirei os olhos com o elogio bobo, mas sorri.
Na noite seguinte, visitei o apartamento de Owen depois do
trabalho. Ele me disse para entrar, e as portas se abriram pelo
prédio até eu chegar à sua sala de estar, o que me fez me perguntar
se ele tinha instalado um novo software de reconhecimento facial,
ou meramente destrancado tudo antes que eu passasse. Uma
música suave tocava pela casa, e eu o encontrei picando cenouras
na cozinha.
“O que é isso?”, perguntei.
Ele sorriu por cima do ombro, sem parar de picar com a
velocidade e precisão de um chefe de cozinha. “Estou fazendo canja
de galinha”.
Levantei uma sobrancelha. “Canja de galinha? Você está
doente?”.
“É a minha especialidade. Acredite, você vai amar”.
“Ok, acredito”. Eu o abracei por trás, tomando cuidado com a
faca. “Falando em acreditar … você acredita em mim depois disso
tudo?”.
Ele soltou a faca e abraçou meus braços. “Acredito”.
“Tem certeza?”.
Ele assentiu. “Você não fez nada para violar minha confiança.
Fui eu quem insistiu na casualidade. Quando muito, é minha culpa”.
“Agora você falou como o Jude”.
“Ele é um cara esperto. Entendo por que você gosta dele”.
Hesitei e então perguntei o que estava na minha cabeça: “Tem
certeza de que você quer fazer isso? Me dividir com ele?”.
Ele se virou até ficar de frente para mim. “Se eu precisar
escolher entre te dividir ou não ter você, a decisão é fácil, criança.
Eu nunca estive tão certo na minha vida”.
Os lábios de Owen pressionaram os meus, e nos beijamos por
um longo tempo, rodeados pelo cheiro de especiarias, legumes e
frango.
“Chega disso”, ele disse, afastando-me. “Vá buscar uma
garrafa de vinho branco para harmonizar. Vai ficar pronto em dez
minutos”.
Escolhi uma garrafa de Pinot Grigio e servi duas taças. Bebi a
minha, enquanto coçava Tux gentilmente, depois de ele roçar sua
cabeça laranja nos meus calcanhares.
“Seu gato gosta de mim agora”, eu disse.
Owen serviu a sopa em duas tigelas e as trouxe fumegando
em duas mãos cobertas por luvas. “Já faz tempo, e ele se esqueceu
da sua invasão”, ele sorriu. “Sorte sua. Tux é bom em julgar o
caráter das pessoas, e se ele continuasse te odiando, eu te
entregaria de bandeja para Jude”.
Mostrei a língua para ele, enquanto nos sentávamos para
comer. A canja não era nada como eu esperava – ao invés de fina e
aguada, como a maioria das canjas, era cremosa e rica. Soprei
minha colher e então saboreei uma colherada.
“Caralho!”, eu disse. “Isso é bom”.
Owen sorriu para mim, enquanto mexia sua própria sopa do
outro lado da mesa. “Jude e eu nos alimentamos disso por
semanas, quando estávamos desenvolvendo a PayScale. Era o que
podíamos pagar”.
“Sério? Canja? A maioria das pessoas come miojo”.
Ele apontou para a tigela com a colher: “Isso é muito mais
saudável, e tão barato quanto. Duas cenouras, dois talos de aipo,
duas cebolas, alguns gramas de frango desossado, caldo de galinha
e creme de leite. Quando estávamos contando moedinhas, fizemos
as contas e custava oitenta centavos por tigela”.
“É muito mais saborosa do que miojo”, eu disse, soprando mais
uma colherada, mas não o suficiente para ficar fria.
Owen sorriu através da sua taça de vinho. Seus olhos verdes
pareciam beber a luz do ambiente e brilhavam mais do que o
comum. “Você deveria ter-nos visto naquela época, Amber.
Dividíamos uma kitnet minúscula aqui na cidade. Nossas camas e
escrivaninhas ocupavam todo o espaço, então nem tínhamos mesa
de cozinha. Comíamos nas escrivaninhas. Fazíamos essa sopa uma
semana sim, outra não, enquanto estávamos formando nossa
primeira empresa. Às vezes, era a única coisa na geladeira – uma
grande panela de canja. E tinha que durar até a próxima compra do
mês.
“Eu fiz isso essa noite”, ele disse, “para te mostrar que Jude e
eu temos dividido coisas, desde que nos conhecemos. Às vezes,
nós brigávamos pelas últimas colheradas da panela, mas isso nunca
prejudicou nossa amizade. Você entende o que estou tentando te
dizer?”.
“Sim”, respondi. “Você está tentando me dizer que matou Jude,
picou seu corpo e o cozinhou nesta canja”.
Owen gargalhou e me fez sorrir. Era bom vê-lo vulnerável.
“Não, sua metáfora é muito óbvia”, eu disse. “Eu sou a sopa”.
“Exatamente”, ele disse. “É uma analogia estúpida, eu sei. Mas
a canja é boa e fazia um tempo que eu não fazia. Agora termine
logo, porque temos sobremesa”.
“Ah, é? O que você tem em mente?”.
Ele sorriu com luxúria, o que me fez engolir o resto da canja.
52

Amber

Quando Owen me preparou aquela canja e me contou a


história, eu ainda estava cética sobre fazer aquilo dar certo. Dividir
uma namorada não era como dividir uma panela de comida. E a
forma como Owen me jogou na cama e me fodeu selvagemente,
faminto e possessivo, só me mostrou o quanto ele me queria para
si.
Entretanto, o tempo passou, e as coisas pareciam de fato dar
certo. Eu passava uma noite com Jude, a seguinte com Owen,
ambos fingiam que o outro não existia, exceto na empresa. Nenhum
deles parecia estar incomodado com a situação.
Perto do final daquela primeira semana de honestidade, recebi
uma ligação da minha irmã no meio do dia.
“Você recebeu uma coisa. Várias coisas”.
“Você vai ter que ser mais específica”.
“Venha para casa esta noite e veja. Estão na cozinha”.
Curiosa, eu disse a Owen e Jude que precisava passar tempo
com a minha irmã, especialmente porque eu ainda nem tinha
contado a ela sobre a igreja e a cidadezinha onde nossa família
morou na Itália. Peguei o trem para casa naquela noite e entrei em
casa. Eu não precisei perguntar a Michelle sobre o que ela estava
falando, porque ficou óbvio, no minuto em que entrei em casa.
Sobre a mesa da cozinha, havia pelo menos vinte buquês de
rosas em vasos de cerâmica. Cada vaso estava praticamente
explodindo com a quantidade de flores, mais ou menos doze por
vaso, todas vermelhas e perfeitas. Elas cobriam toda a minha
cozinha, eu nem podia ver a mesa.
Owen não estava agindo estranho, pensei, e Jude não me deu
nenhum sinal.
“Quem”, minha irmã perguntou, descendo as escadas, “… é
Furio?”.
Olhei para os vasos incrédula. “Furio mandou isso?”.
“Amber!”, ela exclamou. “Pelo amor de Deus diga que Furio é o
apelido de Owen ou Jude?!”.
Me sentei perto da mesa coberta de rosas e acenei para ela se
sentar também. “Sabe minha viagem para a Itália? Fui convidada
por Furio Rossi. Ele está trabalhando conosco …”.
Contei tudo o que tinha acontecido a minha irmã. Me referi ao
Furio como colega, em vez de explicar que ele era um bilionário que
agora era dono de quase metade da SE. Expliquei a ela nosso flerte
sexy, quando ele esteve em São Francisco. Então, contei sobre
nossos passeios em Roma. A tensão ao nos despedirmos todas as
noites. E, finalmente, a viagem para o interior, para a cidade de
Arcevia, e a visita à igreja onde nosso pai tinha estado. Então,
peguei a fotografia. Michelle começou a soluçar. Eu a abracei e
choramos juntas, renovando nosso luto e uma fagulha de memórias
felizes.
“Então é isso?”, ela perguntou, secando as lágrimas. “Uma
visita a uma igreja, e você abre as pernas?”, ela sorriu para mim.
“E todo o resto!”, protestei. “Acabei de te contar sobre toda a
tensão sexual durante a viagem. A igreja foi só a cereja do bolo!”.
“Só estou provocando”, ela assoou o nariz e olhou para as
rosas. “Você deve tê-lo impressionado”.
“Aparentemente sim”.
“Só estou feliz porque você finalmente está se comportando
como a última Coca-Cola do deserto que você é”, ela disse. “Ao
invés de ficar sentada jogando Diablo o dia todo”.
“Cala a boca!”, eu disse. “Ou vou quebrar um vaso na sua
fuça”.
Nós duas gargalhamos e então começamos a espalhar os
vasos pela casa, para abrir espaço sobre a mesa. Um dos vasos
tinha um envelope colado. Eu abri e li o conteúdo do cartão.

Digo que nada de mortal pode apaziguar


o desejo de quem vive
Nem se espere o eterno do tempo,
onde os homens se transformam
O desejo desenfreado não é o amor
mas os sentidos

Um poema de Michelangelo Di Lodovico.


Li e não consegui pensar em nada além de você.
-Furio

Eu sorri tão intensamente que minhas bochechas doeram. Eu


sentia saudade de Furio, da mesma forma que eu tinha sentido
saudade de Jude e Owen quando eu estava na Itália, e aquilo não
melhorava em nada minha situação, mas era impossível negar.
“Que merda é essa?”, Michelle gritou da cozinha de repente.
Voltei correndo. “O que foi, Shelly?”.
“Furio Rossi é bilionário”, ela disse, perplexa com o telefone em
mãos.
Fiz uma careta. “Esqueci de mencionar este fato?”.
“E ele é assim!”, ela virou a tela do celular que mostrava uma
das poucas fotografias públicas do homem, perfeitamente vestido
com um terno e sorrindo elegantemente.
“Ele é tipo um James Bond italiano!”, Michelle disse. “Você
deveria ter começado a história por aí!”.
“Não achei que era importante”, eu disse.
“Eu vou enfiar um desses vasos na sua bunda”, ela disse,
agarrando um e caminhando na minha direção. “E outro na sua
goela!”.
Eu gargalhei e corri da minha irmã, que continuava insistindo
que três bilionários era demais para uma garota.
As semanas seguintes foram um borrão de amor, atividade e
trabalho. Melinda se transformou na contratadora maluca, porque
tínhamos um funcionário novo por dia. Eu não conseguia lembrar os
nomes das pessoas que me saudavam de manhã, quando eu ia
pegar um energético na cozinha. Nunca mais consegui ficar
sozinha, eu sempre estava em uma reunião, ou conversando com
alguém sobre seu trabalho, ou revisando o código de alguém e
anotando coisas.
Quando comecei a trabalhar na SE, eu sabia que a empresa
cresceria rapidamente, porém eu nunca pensei que fosse ser tão
rápido. Era avassalador, mas, ao mesmo tempo, excitante. A
empresa estava se movendo como um trem sem freio, que
continuava acelerando. Me perguntei se eu conseguiria manter
aquele ritmo, animada por tentar.
Jude e eu criamos um novo mapa de extensão, porque o
anterior estava quase completo. Havia centenas de novos
programas e funções para planejar. Passamos uma semana inteira
com as cabeças mergulhadas naquilo, e parecia que as equipes
executavam as tarefas na mesma velocidade, ou mais rápido, que
nós as criávamos.
Quando eu ia para a cama à noite – com Owen ou Jude –, eu
pensava em como era empolgante ser parte daquilo.
Logo começamos a discutir sobre o que aconteceria, quando
entrássemos no mercado. Era uma questão de quando e não mais
de se. Artigos foram escritos sobre nós na MSNBC e na Forbes. O
Cripto-Unicórnio do Silicon Valley. Mencionei meu ceticismo para
Owen um dia, e ele disse: “Você está brincando? Amber,
provavelmente nosso valor de mercado agora é de quase três
bilhões”.
Um dia resolvi fazer as contas com as minhas ações. Eu não
estava prestando muita atenção nelas, porque ainda não tínhamos
um valor estimado. Porém, naquele momento, comecei a especular.
Era difícil pensar no valor exato, mas até os mais conservadores
estimavam dezenas de milhões de dólares. Era como se eu tivesse
vários bilhetes premiados.
Eu vou poder me aposentar antes dos trinta. Meu Deus.
Enquanto a ideia marinava na minha cabeça, comecei a me
dar conta de que não era o que eu queria. Não o dinheiro – eu
definitivamente queria aquilo. Mas aposentadoria não era para mim.
Pelo menos não naquele momento. Quando meu pai morreu, virei
uma pessoa errante. Não sabia o que queria, lamentava minha
fortuna em ArgoCoin perdida e jogava videogame o dia todo. Fiz
alguns projetos freelancers de programação, mas nada mais
chamava minha atenção. Era difícil reunir motivação depois de ver a
ArgoCoin, meu bebê, crescer e florescer sem mim.
Entretanto, trabalhar na SE estava curando a ferida. Eu não
estava entre os fundadores principais, mas eu estava trabalhando lá
há mais tempo que todo mundo, com exceção de Melinda. Parecia
que o lugar era meu, ou pelo menos parte dele. Eu acordava todas
as manhãs animada para ir trabalhar e ir o mais longe que podia.
Além do mais, eu era respeitada. Estava construindo uma
carreira. No organograma da empresa, eu tinha oito equipes que se
reportavam diretamente a mim. Cada uma delas tinha vários líderes
responsáveis. Eu sabia que era meu orgulho falando, mas ver meu
nome, acima de todos eles, no quadro era muito satisfatório. Tão
satisfatório quanto o trabalho que eu estava fazendo, o salário que
eu estava ganhando, e as ações que me deixariam confortável pelo
resto da minha vida.
Gerenciar não era um talento natural para mim, mas eu tive
que aprender com o tempo. Eu não era uma líder nata como Owen.
Eu jamais conseguiria fazer um discurso emocionado para recuperar
a moral da tropa depois de uma crítica externa. Porém, eu era boa
no trabalho cotidiano, revisar códigos e guiar outros programadores.
E, em cima disso, eu amava trabalhar para Owen e Jude. Sim,
certamente, eu estava dormindo com eles, eu sei. Mas minha
satisfação com meu trabalho era maior do que aquilo. Eles seriam
chefes incríveis, mesmo sem os benefícios adicionais. Jude era um
programador brilhante, obviamente, e eu aprendia algo novo com
ele toda semana. Owen, por sua vez, tinha uma visão perspicaz
sobre o futuro da empresa. Ele fazia ajustes estratégicos no nosso
mapa, que nem sempre faziam sentido para mim no momento, mas
que acabavam sendo a melhor decisão pelo caminho. Ele via as
coisas bem antes que Jude ou eu pudéssemos pensar.
Quando a Soluções Encriptadas fosse para o mercado, eu não
venderia minhas ações e me aposentaria. Eu continuaria
trabalhando. Talvez não para sempre, mas enquanto eu me sentisse
satisfeita.
Porque era como eu me sentia, no fundo do meu peito, pela
primeira vez desde a ArgoCoin: satisfeita. E eu estava começando a
me imaginar me sentindo daquela forma na SE por anos a fio.
De modo geral, tudo estava perfeito. Minha vida amorosa
estava melhor do que eu jamais imaginei, e os dois fundadores da
minha empresa me compartilhavam sem brigas ou complicações.
Eu tinha o trabalho dos meus sonhos, que me fazia sorrir no fim do
dia – mesmo depois de um dia particularmente difícil. E minhas
finanças estavam crescendo, e iam explodir, quando a empresa se
tornasse pública.
E, então, sem avisar, Furio nos surpreendeu com uma visita.
53

Amber

Em uma segunda de manhã, após passar a noite na casa de


Jude, nós dois paramos para tomar café antes de ir trabalhar. Ficava
a um quarteirão do escritório, era a mesma cafeteria que eu tinha
visitado, quando cheguei mais cedo para a minha entrevista na SE e
precisei passar o tempo. Um turbilhão de memórias daquele dia me
invadiu, assim que entrei pela porta. Não pude acreditar que foram
só quatro meses antes.
O tempo voa, quando você está se divertindo.
“O que é tão engraçado?”, Jude perguntou, segurando a porta.
“Só estou pensando no quanto eu sou sortuda”, eu sorri para
ele, então pisquei, surpresa. “Olha quem está aqui”.
Parado na fila, de jeans e uma camiseta cinza desbotada,
estava Owen. Ele nos viu, desviou o olhar e, então, voltou, quando
se deu conta.
“O que você está fazendo aqui?”, perguntei, entrando na fila
atrás dele. “Você não gosta do café da empresa?”.
“Ei”, Owen respondeu. “Às vezes, um cara só quer um
frappuccino afeminado com caramelo. Não julgue. Por que vocês
estão aqui?”.
“Eu queria um espresso,”, Jude respondeu. “E ultimamente a
fila da máquina de espresso tem ficado muito grande”.
“Multidões são boas”, Owen respondeu, e nós concordamos.
Ele apertou os olhos e perguntou: “Vocês dois se divertiram
ontem?”.
Me senti corar, mas foi Jude quem respondeu: “Ah, sim. Muito.
Muito mais diversão do que Amber jamais teve com você”.
Owen zombou. “Duvido”.
Ele deu uma cotovelada brincalhona em Jude, e os dois riram.
Eu os encarei, chocada. Não havia malícia ou ciúme nas suas
palavras. Até o momento, os dois fingiam que não estavam me
vendo ao mesmo tempo. Pelo menos na minha frente. Talvez eles
estivessem se provocando e fazendo piada sobre isso, quando eu
não estava perto.
“Um frapuccino com caramelo”, Owen pediu à barista. “E o que
esses dois aí quiserem”.
Pedimos nossos cafés, e Owen pagou. Os dois discutiram um
pouco sobre quem deveria pagar, mas de forma amistosa.
Fiquei maravilhada, enquanto esperávamos nossos cafés. Eles
realmente estavam contentes com a situação. Me dividindo daquele
jeito. No fundo, eu presumi que eles estavam odiando, ressentidos
um com o outro, mas claramente eu estava errada.
Nunca pensei que isso fosse possível, pensei, quando nossas
bebidas ficaram prontas. Ser dividida por dois homens. E não ser
estranho. Por que não?
Caminhamos até a SE juntos, gargalhando sobre a bebida
açucarada de Owen e comentando como ele ficaria animado para
os especiais de Natal. Quando caminhamos pela porta, Melinda
estava sentada na recepção com uma cara alarmada.
“O que houve?”, Owen perguntou a ela.
Ela olhou para mim e, por um momento, eu me perguntei se
ela estaria preocupada com o fato de nós três termos chegado
juntos. Se nossos relacionamentos eram um segredo, não
estávamos mandando muito bem em escondê-las.
Mas então Furio entrou no cômodo. Ele estava elegante como
sempre, mesmo comendo um donut de chocolate. E ele sorriu com
a boca cheia, quando me viu.
Ah não, pensei.
Ele engoliu o donut e abriu os braços. “Meus três americanos
favoritos!”. E, então, caminhou na nossa direção e nos abraçou ao
mesmo tempo. Se ele achou estranho eu chegar ao escritório
acompanhada por Jude e Owen, ele não demonstrou.
“Que bom ver você!”, Owen disse, batendo no ombro do
homem. “A que devemos o prazer da visita?”.
Furio se inclinou sobre a mesa e gesticulou, segurando a
metade que sobrava do seu donut. “Vim para um evento de caridade
na cidade. Então, decidi chegar antes e trazer guloseimas. Tem
cinco dúzias de donuts na cozinha”. Ele deu um passo à frente e
abaixou a voz. “Talvez não seja o suficiente. O número de
funcionários da SE aumentou bastante!”.
“Estamos crescendo rapidamente, desde que nosso
financiamento se consolidou”, Owen disse.
“E continuaremos a crescer”, Melinda se intrometeu. “Tenho
três novos funcionários começando hoje”.
“Excelente notícia!”, Furio disse alegremente. Então, ele se
virou para mim. “Amber, podemos conversar?”.
“Claro”, eu disse, zonza, com seu olhar penetrante. Owen e
Jude assistiram, preocupados, quando Furio colocou uma mão nas
minhas costas e me guiou para um canto onde ninguém poderia nos
ver.
Assim, ele pressionou seus lábios contra os meus, me
apertando contra a parede. Meu corpo ficou vivo com seu toque, e
então ele parou da mesma forma abrupta, com a qual tinha
começado.
“Anseio por isso, desde que você deixou a Itália”, ele sussurrou
com o nariz na minha bochecha. “Vamos almoçar juntos”.
“Acho que posso fazer isso”, eu disse. “Mas alguns dos
programadores vão querer saber por que vou me reunir com nosso
investidor”.
“Para discutir a eTodo, é claro”, ele disse, simplesmente. “Por
que mais eu quereria almoçar com você?”.
Sorri por todo o caminho de volta até minha sala. Jude,
entretanto, me encarou questionador, da sua sala.
Trabalhei a manhã toda e fui almoçar com Furio em um
restaurante externo no centro. O ar de agosto estava frio, mas o sol
deixava tudo agradavelmente quente. Comemos peixe e dividimos
uma garrafa de vinho branco, então Furio me convenceu a não
voltar.
“Certamente alguém no seu nível pode tirar a tarde de folga”,
ele disse.
“Justamente por causa do meu nível, não posso tirar folga”,
respondi, embora não estivesse convencida das minhas palavras.
“Temos três novos contratados que eu preciso conhecer”.
“Delegue o trabalho a outra pessoa”, ele disse simplesmente.
“Uma gerente precisa delegar, não precisa?”.
Não precisava de tanto para me convencer, para começar, não
com a presença charmosa de Furio. Então, mandei um e-mail
pedindo a Nancy que me cobrisse. Eu e Furio fomos para o seu
hotel, que ficava a alguns quarteirões de distância.
Ele me agarrou antes mesmo de a porta se fechar, beijando
meu pescoço e agarrando minha bunda com as duas mãos. Eu me
levantei para beijá-lo, com mais ânsia do que achava, e nós caímos
na cama.
Seus lábios viajaram pelo meu corpo, lambendo até o meio das
minhas pernas, quando eu agarrei um punhado do seu cabelo e o
trouxe de volta para cima.
“Espera. Preciso te contar uma coisa”.
Furio se inclinou em um cotovelo e acariciou minha bochecha.
“Diga-me, diga-me o que quiser”.
Eu hesitei, mas então despejei a má notícia. “Estou vendo
outra pessoa. Outras duas pessoas, na verdade”.
Ele sorriu, surpreso. “Eu esperava isso. Uma mulher tão
desejável como você obviamente tem vários pretendentes. Minha
única surpresa é serem apenas dois. Você está vendo algum deles
exclusivamente? Claramente não, se são dois”.
“Bom, acontece que”, eu disse, “… eles são Owen March e
Jude Cauthon”.
Uma oscilação de surpresa piscou nos olhos dele brevemente,
mas passou. “Amber Moltisanti, vou te dizer isso, muito
honestamente. Poderiam ser Brad Pitt e Leonardo DiCaprio, nada
me impediria de fazer isso”.
Ele mergulhou de volta em mim com uma fome revigorada, e
eu fechei meus olhos, rendendo-me ao seu amor.
Furio me invadiu como um homem que estava faminto,
fazendo-nos chegar rápida e freneticamente ao clímax. Entretanto,
ele não tinha acabado, e passou dez minutos beijando cada parte
do meu corpo até ficar duro de novo. Então fizemos amor devagar,
sem pressa, com os movimentos dos nossos corpos contínuos até
nossas peles estarem escorregadias e nossos cabelos ensopados
de suor.
Pedimos serviço de quarto, uma tábua de frios e vinho branco
gelado, que consumimos na cama, pelados, dando bocados um
para o outro.
“Estas azeitonas … são muito boas”, disse Furio surpreso.
“Não tão boas quanto as italianas, mas muito boas, posso atestar”.
“Estou feliz que você atesta”. Em vez de colocar uma azeitona
na sua boca, eu a esmaguei contra sua testa. Ele fez uma careta
confusa para mim e então, abruptamente, latiu uma risada.
“Entendi, entendi”, ele disse. “Testar, atestar …”.
“Bem-vindo aos trocadilhos idiotas da língua inglesa”. Eu enfiei
a azeitona na sua boca finalmente e peguei outra para mim.
“Suspeito que você não esteja aqui só para um evento de caridade”.
Ele se deitou nos travesseiros com um braço atrás da cabeça.
“E por que você acha isso?”.
“O evento é amanhã”, pontuei. “Você chegou hoje. E disse que
não vai embora antes do próximo fim de semana”.
Ele sorriu de forma pateta. “Talvez eu tenha outros motivos
para vir a São Francisco. E você certamente é um deles”.
“Um deles. E quais são os outros?”.
“Você vai ver com o tempo”, ele pontuou a frase com uma
piscadela.
“Me conta! Não gosto de surpresas!”.
“A surpresa não te envolve”, ele disse. “Você vai ver, quando
for a hora”.
Resmunguei. “Está bem”.
“Você gostaria de me acompanhar ao evento amanhã?”, ele
perguntou.
“Eu? Não é um evento chique?”.
“Sim, é claro”.
“Não sei. Não gosto deste tipo de eventos”.
“E como você sabe?”, ele perguntou. “A quantos bailes de
caridade você já foi?”.
“Você tem razão”, eu disse, considerando o convite.
Furio rolou sua cabeça na minha direção, seus olhos estavam
abertos e irresistíveis. “Seria a maior honra da minha vida, se você
fosse comigo a este evento”.
“A maior honra da sua vida? Agora você só está tentando me
convencer a ir”, eu disse.
“Talvez. Mas me daria um prazer enorme levar você. Só estou
na cidade por uma semana e não vou poder te ver quarta nem
quinta por causa de reuniões importantes. Por favor, vamos ao
baile?”.
Me inclinei e o beijei suavemente. Seus lábios estavam
salgados e com um sabor leve de azeite. “Ok, eu adoraria”.
Ele sorriu, como se tivesse ganhado um presente incrível.
“Ei, eu quero falar sobre o que mencionei antes”, eu disse
devagar. “Sobre meu envolvimento com Owen e Jude”.
“Sim, é claro”.
“Você realmente está bem com isso? Não o incomoda?”.
Ele me olhou, confuso. “Não sei como isso me incomodaria”.
“Eles são meus chefes. E ambos são seus sócios. Achei que
as coisas poderiam ficar estranhas”.
“Não é estranho de maneira alguma”, ele disse simplesmente.
“É perfeitamente natural, é claro. Você é uma mulher obstinada,
Amber. Deve ficar com quem desejar”.
Sua amabilidade estava me preocupando, então perguntei com
cuidado: “Você está vendo outra pessoa? Está tudo bem,
obviamente”.
Furio segurou minha bochecha, acariciando-a ternamente com
o polegar. “Neste momento, e desde que você visitou a Itália, meu
coração não pertenceu a mais ninguém. E eu não vejo isso mudar
tão cedo”.
Meu coração se encheu com sua resposta. Não teria problema
de fato, se ele estivesse vendo outras pessoas. Mas fiquei feliz por
ele não estar.
“Minha empresa está indo muito bem depois da sua
consultoria”, ele disse, mudando de assunto. “A eTodo está em uma
posição mais forte depois dos seus conselhos sábios”.
“Fico feliz”, respondi. “Vocês têm muito potencial. Mesmo sem
a integração pendente com a plataforma da SE”.
“Claro”, ele respondeu. “E é por isso que eu gostaria de
contratá-la para trabalhar conosco em tempo integral”.
Seu tom era tão relaxado que a bomba demorou alguns
minutos para explodir dentro de mim. Então, eu me levantei do
travesseiro e me sentei para encará-lo.
“Espera, o quê?”.
“Você disse: a empresa tem um potencial imenso”, ele falou,
ainda apoiado em um braço. “Eu acreditaria mais no caminho que
temos à frente, se você estivesse a administrando”.
“Você quer que eu administre a empresa?”, me engasguei.
“Isso é mais do que simplesmente me oferecer um trabalho!”.
Furio deu de ombros. “Sinto muito se não fui claro. Eu quero
que você administre a empresa. Isso é bom, não é?”.
A lisonja da oferta era brilhante, chocante, intoxicante, mas
sumiu rapidamente. “Você gostaria que eu trabalhasse
pessoalmente, na Itália, certo?”.
“Certamente”.
“Furio, eu não posso simplesmente me mudar para lá”.
Uma das suas sobrancelhas escuras se levantou suavemente.
“Por causa de Owen March e Jude Cauthon?”.
“Por causa da minha vida inteira aqui”, respondi. “Minha irmã
ainda está na faculdade. Tenho uma casa. Uma carreira … eu amo
minha carreira na SE”.
Ele inclinou a cabeça, encarando-me. “Trabalhos não duram
para sempre. Funcionários mudam de empresa com muita
frequência, dizem. Especialmente na tecnologia. Você poderia
começar uma nova carreira na eTodo”.
Eu sorri e peguei sua mão. “Estou honrada com a oferta. De
verdade. Porém, ainda não estou pronta para mudar de carreira. Eu
definitivamente consideraria trabalhar para a eTodo no futuro, mas
não agora”.
Seu desapontamento ficou óbvio, mas ele o cobriu com um
sorriso e se levantou para beijar minha bochecha. “Fico triste em
ouvir isso, mas entendo. E quem sabe? Talvez as coisas mudem na
empresa em breve e você reconsidere”.
“Você está falando sobre a possibilidade da SE entrar no
mercado?”, perguntei. “Não vai acontecer em pelo menos um ano,
segundo Owen”.
“Talvez”, ele disse, dando de ombros novamente. “Talvez algo
mais que ninguém esteja prevendo. Mas vamos discutir o baile! É
um evento formal, é claro, o que em inglês acho que significa que
você deve usar …”.
Quando ele mudou de assunto e falou sobre o evento da noite
seguinte, não pude evitar pensar que ele sabia algo sobre a SE que
não estava me contando.
54

Amber

No dia seguinte, no escritório, Owen foi amistoso, mas


estranho.
“Não, tudo bem, entendo”, ele disse, quando perguntei se ele
estava bem. “Você foi honesta sobre estar com Furio. Fiquei
surpreso em vê-lo no escritório em uma segunda aleatória, mas é só
isso”.
“Fiquei surpresa também”, eu disse com um sorrisinho.
“A única coisa que me deixou desapontado foi não a ver
ontem, já que tecnicamente era a minha noite”, ele riu e disse:
“Pareço um pai brigando pela custódia da minha filha, não é? Porra,
não foi isso o que eu quis dizer”.
Eu sorri e disse: “Não interpretei assim. Era sua noite”.
“Sem problemas, você pode compensar hoje”. Ele se inclinou
sobre minha mesa e sorriu. “E não importa o que o Furio fez, vou te
fazer esquecer tudo!”.
Fiz uma careta. “Na verdade … prometi sair com ele de novo”.
“O baile de gala”. Ele fez uma careta, mas assentiu. “Não, eu
deveria ter pensado nisso. Ouvi dizer que é um grande evento.
Talvez eu compre ingressos para o ano que vem”.
Ele começou a se mover, saindo da sala, mas eu pulei da
minha cadeira e dei a volta na mesa: “Vou te compensar, prometo”.
“Sim?”.
Olhei para a porta rapidamente, então o beijei de língua. Só
durou alguns segundos, mas eu o senti inalar profundamente e se
inclinar sobre meu corpo antes de eu me afastar.
“Prometo”.
Aquilo colocou um sorriso no rosto dele, embora eu me
sentisse mal por abandoná-lo por causa de Furio. Entretanto, o
italiano não estava na cidade com frequência.
Estou jogando um jogo perigoso, pensei, quando voltei para o
trabalho. Conciliar três homens não é tão fácil quanto dois.
Fui para casa depois do trabalho e me arrumei para o baile de
gala. Minha irmã chegou a casa, quando eu já estava vestida e
fingiu se engasgar na porta do meu quarto.
“O que você está vestindo?”.
Dei uma voltinha. Eu usava um vestido amarelo pálido de
tafetá longo, sem mangas, com um cinto preto. “Gostou?”.
Michelle gritou: “Você está tão linda que eu quero te afogar na
banheira. Você está deslumbrante, Amber! Aonde você vai e, o mais
importante, onde você comprou esse vestido?”.
“Furio comprou para mim”, eu disse, retocando a maquiagem.
“Fomos às compras ontem. Vou acompanhá-lo no evento de
caridade hoje”.
Ela grunhiu alto: “Não é justo. Você tem três namorados, e eles
ainda a levam para coisas elegantes? O lugar mais legal que Phil já
me levou foi o Outback”.
“Bom, isso diz mais sobre Phil do que sobre meus namorados”.
A campainha tocou de repente. “Você deu sorte. Vai conhecê-lo!”.
Michelle deu um gritinho de empolgação e correu para o andar
de baixo, como uma criança na manhã de Natal. Me olhei uma
última vez no espelho e a segui.
Furio estava parado no foyer, com as duas mãos nos bolsos do
terno. Ele usava uma faixa na cintura, em vez de um colete, e seu
cabelo estava repartido de lado e penteado para trás. Ele se virou
para me assistir descer as escadas, com uma expressão
maravilhada no rosto.
“Não existe visão mais linda no mundo”, ele sussurrou.
“Você sabia que parece a versão italiana do James Bond?”,
Michelle perguntou a Furio, arruinando o momento.
“Vejo que você conheceu minha irmã, Shelly”, eu disse
secamente.
“Ela é adorável”, disse Furio, sem nunca desviar os olhos de
mim. “Quando compramos o vestido, eu sabia que ficaria bom em
você. Mas eu não esperava isso. Amber, você vai ser um deleite
para os olhos de todos”.
Eu sorri e dei um beijo na sua bochecha. “Você é um doce”. Eu
me virei para Michelle e disse. “Não espere. Vamos chegar tarde”.
“Você tem irmãos?”, ela perguntou, enquanto Furio me guiava
para o lado de fora, onde uma limusine nos esperava. “Talvez um
irmão que possa me mostrar aquela igreja na Itália? Ou uma irmã?
Eu experimentei na faculdade e não sou exigente!”.
Eu dei um olhar fulminante por cima do ombro para minha irmã
antes de entrar na limusine.
“Gostei da sua irmã”, disse Furio. “Muito engraçada”.
“Ela é especial”, murmurei.
Furio abriu uma garrafa de champanhe para degustarmos,
enquanto dirigíamos pela cidade. O baile de gala seria no centro
financeiro, no Banco da Reserva Federal. O prédio neoclássico tinha
oito colunas frontais, e o interior estava resplandecendo em roxo por
causa dos candelabros, e as mesas estavam cobertas por pratos
dourados e taças de cristal.
Um fotógrafo tirou uma foto nossa na entrada e, então, Furio
me guiou para dentro do salão. Homens e mulheres de terno e
vestido enchiam a sala, se misturando em pequenos bandos,
enquanto bebiam. Cada um deles se virou para nós, enquanto nos
aproximávamos, chamando Furio e se acotovelando para apertar
sua mão. Ninguém prestou muita atenção em mim, e eu fiquei
perfeitamente feliz com o fato. Por dez minutos, me senti a
namorada de uma celebridade famosa.
Assim que terminamos de saudar os convidados, fomos para o
bar de bebidas e pedimos duas taças de vinho. “Fundação
Esperança do Futuro”, dizia a placa sobre o palco largo no fim do
salão.
“Sou membro do conselho, junto com outros investidores que
moram em São Francisco”, Furio explicou. “Nos juntamos para
encontrar instituições de caridade, nas quais valesse a pena
investir”.
“Você não preferiu fazer isso na Itália?”, perguntei.
Ele riu. “A fortuna da minha família é bem considerável, Amber.
Posso facilmente investir em ambos. E é o que faço”.
Furio parou, quando outro homem veio e o cumprimentou,
então se virou para mim. “As famílias nobres da Itália acreditavam
em fazer voltar para a comunidade, porque foi a comunidade que os
permitiu prosperar e obter suas fortunas. Durante o Renascimento,
muitos nobres visitavam suas cidades, com carroças cheias de
comida para os necessitados. Todos podiam receber uma cesta de
pães, ou queijo, ou carne, ou qualquer outro suprimento de que eles
precisassem”.
“Não acho que seja o suficiente”, ele continuou. “Comida é uma
solução temporária para um problema de longa duração. Muito mais
dinheiro poderia ser doado, na minha opinião. Aqui nos Estados
Unidos, por exemplo, um dos homens mais ricos era famosamente
caridoso. Andrew Carnegie, acho eu, gastou uma quantia enorme
da sua riqueza construindo bibliotecas pelo país todo. Ajudando a
educar pessoas. Uma solução duradoura e parte dos motivos pelos
quais os Estados Unidos são ótimos”.
“Eu ouvi a história”, respondi, encantada por ele. Na noite em
que conheci Jude, eu fiz um discurso sobre como bilionários
modernos precisavam ser mais como Carnegie e citei
especificamente as bibliotecas.
Talvez nem todos os bilionários modernos sejam péssimos.
Pelas próximas quatro horas, Furio caminhou por entre os
convidados, conversando por alguns minutos antes de se mover
para o próximo grupo. Ele me apresentava como a engenheira
sênior da SE e falava sobre minhas habilidades técnicas. Eu sorria
para mim mesma toda vez que ele dizia isso. Fazia me sentir mais
do que uma ‘namorada troféu’, mais do que alguém, cujo propósito
era apenas sorrir e ser bonita.
Muitas pessoas importantes estavam lá: o prefeito da cidade,
vários membros do congresso estadual e um dos senadores da
Califórnia. Havia até mesmo um homem alto de ombros largos que
parecia estar mais interessado em mim do que em Furio. Ele se
apresentou como Jimmy Garoppolo, um nome que me soou
vagamente familiar.
“Sou um grande fã da Soluções Encriptadas’, ele disse, com
um sorriso orgulhoso.
“Ah, sim?”, ele perguntou. “Você usa a plataforma?”.
“Na verdade, não”, ele respondeu. “Mas ouvi grandes coisas
sobre a SE e sobre você. Continue o bom trabalho!”.
Fiz uma careta confusa, quando ele se afastou. E ainda mais
confusa, quando pesquisei seu nome e me dei conta de que ele era
o quarterback dos Forty-Niners de São Francisco.
Como ele sabe sobre mim particularmente? Talvez ele seja
amigo de Owen.
Quando terminamos nossas conversas com várias
celebridades e fomos para a mesa de jantar, inclinei-me na direção
de Furio e sussurrei: “Você é amigo de Mark Dominican? O dono do
time da NBA?”.
“Ele é um amigo próximo já faz algum tempo”, ele respondeu,
como se não fosse grande coisa.
Me sentei e encarei a sala, maravilhada com a quantidade de
fortunas presentes em um único lugar.
Enquanto os seis pratos do jantar foram servidos, membros da
Fundação Esperança do Futuro subiram ao palco e fizeram
apresentações sobre o trabalho excelente realizado durante o ano.
Uma mulher do abrigo feminino fez um discurso emocionado sobre
como uma doação da Fundação a salvou de um ambiente hostil.
Uma organização pelos direitos indígenas falou sobre a luta contra o
desmatamento da Amazônia. Meia dúzia de apresentações, que
cortaram e acalmaram meu coração na mesma proporção.
Certamente, aquele era um evento de colarinho branco
designado para alimentar o ego dos membros da Fundação. Um
círculo coletivo de bilionários dizendo uns aos outros como eles
eram ótimos. Contudo, eles de fato estavam impactando
massivamente com seu trabalho. A Fundação Esperança do Futuro
era verdadeiramente maravilhosa e eu me senti ainda mais
cativada, por Furio ser parte disso.
É assim que você exerce seu poder de bilionário.
Eu pensei que a noite tinha acabado, mas uma mulher de
vestido preto subiu no palco e anunciou mais uma apresentação,
que seria conduzida pelo membro da diretoria, Furio Rossi.
O salão aplaudiu, e eu olhei Furio se levantar e subir no palco.
Ele parecia totalmente confortável atrás de um púlpito, com um nível
de confiança digno de uma estrela de cinema ou um top model.
“A Esperança do Futuro trabalhou maravilhosamente este ano,
e eu estou orgulhoso em anunciar que há uma peça final neste
quebra-cabeças. Depois de uma doação significativa de um dos
nossos membros, vamos adicionar o Centro de Pesquisa do Câncer
de Bay Area na nossa lista de beneficiários”.
Todo mundo aplaudiu novamente, e eu encarei o palco,
surpresa. Uau, caridade para pacientes com câncer! Isso é ótimo!
“E estou ainda mais honrado em anunciar”, Furio continuou,
agora me olhando diretamente, “… que a primeira doação de
cinquenta milhões de dólares será feita em honra a … Marco
Moltisanti”.
Os aplausos ficaram mais altos, com murmúrios de surpresa,
por causa do valor altíssimo para um grupo novo. Porém, eu estava
congelada na minha cadeira, com a taça na boca, em total choque
com o que tinha acabado de ouvir.
Marco Moltisanti. Meu pai.
Um membro do Centro de Pesquisa do Câncer de Bay Area
subiu no palco e apertou a mão de Furio. Não houve cheque
gigante, só algumas palavras de afeto, um abraço, e Furio voltou
para nossa mesa, enquanto o presidente do Centro começou a falar
sobre como o dinheiro seria usado.
“Amber?”, Furio me perguntou depois de se sentar. “Você está
bem?”.
“Você doou cinquenta milhões. Em nome do meu pai”.
“Cem milhões, tecnicamente”, ele respondeu. “Mas o restante
será dividido nos próximos dez anos, e espero que aumentado com
doações adicionais”.
“Essa foi a surpresa que você mencionou ontem?”.
Ele deu de ombros. “Talvez sim, talvez não”.
“Furio, isso é maravilhoso”, sussurrei, enquanto o presidente
do Centro continuava falando. “Mas isso não vai me convencer a ir
trabalhar para a eTodo”.
“Eu não esperava isso. Nem pretendia. Essa caridade tem
seus próprios méritos. E depois de ouvir a história da doença do seu
pai e de sua morte, senti-me compelido a fazer algo. Espero que
não tenha sido demais …”.
Sem me importar com as pessoas ao meu redor, joguei meus
braços ao redor de Furio e o beijei. Então, segurei sua mão e não a
soltei pelo resto da noite.
55

Amber

Assim que entramos na limusine, ataquei Furio, sem o menor


pudor. Ele mal teve tempo de apertar o botão para subir a divisória
entre o motorista e nós. Eu o escalei, o enfiei dentro de mim e o
cavalguei até nós dois estarmos gritando no banco de trás.
E quando chegamos ao quarto na cobertura do hotel de luxo
San Francisco Omni, tudo ficou ainda mais obsceno.
Não sei o que aconteceu comigo, nunca me senti tão atraída
por alguém antes. Acho que ver Furio, um bilionário de nascença
que nunca precisaria trabalhar um dia sequer na vida, doando uma
fortuna métrica para uma instituição de pesquisa sobre o câncer
realmente preenchia vários requisitos na minha lista.
Fui negligente e não trouxe uma muda de roupas comigo,
então tive que sair cedo do hotel na manhã seguinte. Furio tentou se
levantar e me acompanhar até o lobby, porque ele disse que era
cavalheirismo, mas eu o impedi com a mão no seu peito e insisti que
ele relaxasse.
“Você já fez o suficiente”, eu disse, dando um beijo nele. O
motorista do Uber me olhou longamente, provavelmente julgando
minha caminhada da vergonha, usando o vestido da noite anterior,
mas eu estava feliz demais para me importar.
Deixe-o julgar, pensei. Tenho tudo o que sempre quis na vida.
O sol estava aparecendo no horizonte, quando cheguei a casa.
Michelle estava tomando café da manhã, enquanto assistia a um
tutorial de maquiagem no celular. Ela parou, quando entrei.
“Como foi a noite passada, vossa majestade?”. Ela se levantou
e apressadamente fez uma tentativa de reverência de pijama.
“Para, Shelly”, eu disse. “Não é grande coisa”.
Ela me deu um abraço e então voltou a comer seu cereal.
“Sabe o que é uma grande coisa? Doar um bizalhão de dólares para
o Centro do Câncer no nome do nosso pai!”.
Pisquei. “Você sabia disso?”.
“Acho que passei algum tempo ontem pesquisando sobre o
seu Romeu”, ela disse, sorrindo. “A doação foi manchete no jornal”.
“Maravilhoso, não é? Cinquenta milhões doados para uma
instituição de combate ao câncer. E não uma dessas fundações de
conscientização, mas uma que realmente faz pesquisas!”.
“Você está realmente perplexa?”, ela perguntou.
“Claro que estou!”. Peguei um energético na geladeira. A porta
fez um barulho, quando abri. “Estou surpresa por você não estar tão
animada quanto eu estou”.
“Estou”, ela respondeu com cuidado. “Não pude acreditar
ontem! É maravilhoso, Amber. Realmente é”.
“Mas …?”.
“Mas, você tem certeza de que a doação foi feita pelos motivos
certos? Talvez ela não seja tão ingênua, e ele fez um grande gesto
para ganhar seu coração?”.
“Passei a noite toda com a cabeça nesse mesmo
questionamento”, admiti. “Sim, ele está tentando me conquistar. E
está funcionando. Mas quem se importa? Uma boa ação deve ser
apreciada, mesmo se não tiver sido feita totalmente
altruisticamente”.
“Eu sei e concordo”, ela disse. Parecia que ela estava
analisando um dos seus livros de finanças. “Mas é isso que você
quer? Alguém que saia por aí gastando dinheiro em grandes
gestos?”.
“Se Furio fosse só isso, um homem vazio que só se preocupa
com os gestos, eu concordaria com você”, admiti. “Mas ele é mais
do que isso. Ele é doce, amoroso, e super, híper, insanamente
gostoso. Ele tem o pacote completo”.
“Tenho certeza de que você gosta do pacote dele”.
Levantei meu energético, como se fosse jogar na cara dela. Ela
riu e sacudiu a cabeça.
“Você passou a vida cuidando de mim, irmã. Especialmente
nestes últimos anos, desde …”, ela parou. “Só estou tentando
retribuir o favor e cuidar de você”.
Eu a abracei mais uma vez. “Obrigada por cuidar de mim. E eu
sempre a ouço. Prometo que não vou tomar nenhuma decisão
baseada nos motivos errados”.
“Você vai ter que decidir, não é?”, ela perguntou. “Você não
pode continuar namorando três caras para sempre”.
“Eu sei”, respondi, mas me pareceu mentira.
Tomei banho, troquei de roupas e fui para o escritório. Apesar
de ser muito cedo, já parecia uma colmeia cheia de pessoas
trabalhando. Todo mundo me cumprimentou, enquanto eu passava
com olás amistosos e comentários educados. Era estranho ser a
chefe. Eu não estava no topo, mas eu estava bem perto disso.
Olhei para baixo e vi minha camiseta e calça jeans. Talvez eu
deva começar a me vestir para a posição que quero, não para a que
tenho. Michelle zombaria muito de mim, certamente.
O dia foi cheio de reuniões e passou rapidamente. Lambi meu
lábio sugestivamente para Jude, quando passei pela porta da sua
sala, e seu rosto sardento se iluminou, como se ele tivesse ganhado
o dia. Owen estava no seu escritório com a porta fechada por quase
toda a tarde, e eu não o vi, até ele aparecer na minha porta por volta
das quatro.
“Vou te levar para o jogo dos Warriors hoje”, ele disse, mais
como uma constatação do que como um convite. “Para falar sobre
seu futuro na empresa”, ele pontuou, dando uma piscadela.
“Absolutamente”, concordei. “Discutiremos meu futuro”.
O Chase Center, onde os Warriors jogavam, ficava em Mission
Bay, e nós fomos de Uber até lá. Havia uma fila longa de pessoas
passando pela segurança, mas o motorista nos deixou em outra
entrada, onde havia só um guarda.
“Noite, Sr. March”, o homem disse, abrindo a porta e nos
deixando entrar escaneando nossos ingressos.
“Sem detectores de metal?”, perguntei. “Como eles sabem que
eu não sou uma terrorista?”.
“Eles não sabem”, Owen respondeu. “Então eu agradeço se
você não fizer nada para chamar a atenção da segurança. Isso vai
refletir pessimamente na minha reputação”.
“Muahaha”, gargalhei malignamente. “Este é, na verdade, um
plano a longo prazo. Trabalhar na SE. Dormir com você. Plantar
uma bomba no Chase Center. Hoje termino minha jornada!”.
“Não fale alto assim!”, Owen sussurrou, quando passamos por
um segurança que nos olhou longamente de lado. Mas logo que
chegamos fora do alcance de seus olhos, caímos na risada.
As cadeiras de Owen devem ser em um bom lugar, pensei
enquanto caminhávamos para a seção da frente dos assentos.
Estamos muito perto!
Eu não tinha me dado conta do quão bons eram os lugares até
outro segurança grandão e fortão acenar para Owen e nos deixar
passar. Então não havia mais filas diante de nós e estávamos
pisando literalmente no chão de madeira lustrosa da quadra.
“Estes são seus lugares?”, perguntei quando ele se sentou em
uma cadeira sem ninguém na nossa frente.
“Primeira fila”, ele disse. “Na verdade, tenho uma tribuna de
honra lá em cima, mas quando possível peço um upgrade. Quero
ver Luka Doncic de perto esta noite. Aquele jogador dos Mavericks
logo ali”.
Eu não estava olhando para onde seu dedo apontava. Eu
estava ocupada, perplexa com a quadra diante de mim, tentando ver
tudo de uma vez. Os dois times ainda estavam aquecendo, e a
imprensa estava ao redor tirando fotos deles. Um atendente
apareceu e anotou nossos pedidos, e nossas bebidas chegaram
praticamente três segundos depois.
“Saúde”, disse Owen, tocando seu copo no meu.
“Se eu não o conhecesse, diria que você está tentando superar
Furio”, eu disse e bebi minha cerveja, observando Owen.
Ele sorriu e encarou a quadra. “Você não está errada. Mas se
Furio vai começar a aparecer em São Francisco para te cortejar, vou
precisar recorrer à artilharia pesada”.
“O baile de gala foi divertido ontem”, eu disse. “Mas não é meu
tipo de evento. Eu não gostaria de fazer isso mais de uma vez no
ano. Foi exaustivo”.
Owen olhou para mim. “Só quero ter certeza de que ele não vai
tentar te roubar de nós. O que nós temos é uma coisa boa. Você e
eu, e você e Jude”.
“Então você quer continuar fazendo isso?”, perguntei. “Pensei
que você estava tentando ganhar de Jude. Mas agora você fala
como se estivesse gostando de me compartilhar com ele”.
Ele deu de ombros. “Como eu disse, temos uma coisa boa
acontecendo. É muito mais fácil do que eu esperava. Talvez isso
continue de forma duradoura, mas talvez não. De uma coisa eu
tenho certeza: não quero que isso acabe tão cedo”.
Sorrimos um para o outro e, de repente, o que Furio disse me
veio à cabeça. “Ei, pergunta aleatória. SE se tornando pública. Isso
vai acontecer logo?”.
Ele me olhou de forma divertida. “Vai demorar pelo menos mais
um ano. Por quê?”.
“Furio mencionou algo sobre mudança de carreira. Ele sugeriu
que isso vai acontecer mais cedo do que eu pensava”.
“Não, não tão cedo. Apesar de Jude e eu já termos começado
a discutir o próximo projeto que queremos desenvolver, assim que a
SE se tornar pública”. Owen tomou um gole da sua cerveja e olhou
para os jogadores treinando. “Furio provavelmente só quer te roubar
de nós”.
“Na verdade, ele tentou”, admiti. “Mas, além disso, ele deixou
algo no ar”.
A cabeça de Owen se virou abruptamente para mim. “Ele
ofereceu-lhe um emprego?”.
“Eu neguei”, respondi, fazendo um gesto apaziguador com as
mãos. “Não quero me mudar para a Itália. E amo meu trabalho na
SE”.
O alívio se estampou no rosto de Owen. “Que bom. Porque
também amamos seu trabalho. Quando você começou, não pensei
que você fosse durar nem um mês. Mas agora? Não sei o que
faríamos sem você. Espero que você fique conosco por um longo
tempo”.
“Eu também”, inclinei-me sobre ele, enroscando-me no seu
braço, e ele me abraçou, enquanto assistia o final do treino.
“Owen March”, uma voz veio de trás de nós. “Achei que te
encontraria por aqui”.
Nós nos viramos, e Jocelyn Wagner estava entrando na
quadra. A mulher que Owen tinha encontrado na noite em que
tivemos nossa primeira rapidinha no Marcello’s. Eu tinha visto fotos
dela on-line e sabia que ela era linda, mas as fotos não faziam jus.
Ela era magra e tinha pernas longas, com cabelos loiros
esvoaçantes feito uma top model, e peitos mais redondos e
empinados do que os meus. Ela parecia uma Barbie, mas não do
tipo forçada. De uma forma natural, que me fez odiá-la
imediatamente.
“Jocelyn. O que você está fazendo aqui?”, Owen perguntou,
cumprimentando-a com um abraço. Ele parecia surpreso, mas não
chateado com a sua aparição.
Notei que a mulher o segurou o suficiente para pressionar seus
lábios cor de cereja na bochecha dele. Ela me encarou enquanto
fazia isso, e um sorriso presunçoso apareceu nos seus lábios.
“Quando você disse que estava muito ocupado para jantar
hoje, eu presumi que você estaria aqui. Um colega de trabalho me
ofereceu assentos aqui, mas eu esperava que você estivesse na
tribuna de honra”. Seus olhos finalmente me avaliaram de cima a
baixo, e ela perguntou: “Quem é sua … amiguinha?”.
“Esta é Amber Moltisanti. Uma das nossas engenheiras
seniores”, Owen respondeu.
Jocelyn acenou com a cabeça, o que parecia sugerir que ela
pensava que alguém como eu parecia mais uma colega de trabalho
do que uma mulher tendo um encontro com Owen. Fiquei furiosa.
“Uma engenheira”, ela respondeu. “Você tem exatamente
aparência de alguém que eu imagino passar horas em uma sala
escura programando. Eu nunca poderia fazer isso”.
“Certamente, não mesmo”, eu disse, tentando insultá-la. Mas
Jocelyn pareceu nem registrar o que eu disse, porque já tinha
voltado sua atenção para Owen.
“Nós realmente precisamos discutir nossa parceria”, ela disse,
sentando-se na cadeira livre perto de nós.
Eu não pude evitar falar. “Não tenho certeza se ainda
precisamos dos seus serviços. Sua empresa processa dados. Nós
temos feito isso internamente e temos dois programadores
dedicados à criação de uma solução baseada em algoritmos. Já
esbocei tudo”.
Ela sorriu de forma condescendente. “Tenho certeza de que
você pensa que vai funcionar. Mas eu não espero que uma
programadora entenda o panorama geral. É para isso que existem
os líderes, como Owen e eu”.
Eu tive que fechar minha boca para não dizer o que pensava,
mas felizmente fomos interrompidos pelos anúncios publicitários. As
luzes da arena se apagaram, e a música começou a tocar, enquanto
os jogadores eram anunciados.
Depois da abertura, enquanto os dois times corriam de um
lado para o outro na quadra, e a multidão gritava e aplaudia,
continuei olhando para a esquerda. Jocelyn estava falando no
ouvido de Owen, baixo demais para eu conseguir ouvir com o
barulho da arena. Owen sorria educadamente toda hora que ela
dizia algo, mas ele não pediu a ela que o deixasse em paz.
Eu queria beijá-lo, colocar meus braços possessivamente em
volta dele e dizer sai fora, piranha. Tire as mãos do meu homem.
Mas é claro, nosso relacionamento ainda era secreto. A rápida troca
de carícias antes do jogo era o máximo que podíamos arriscar em
público. Então, sentei-me no meu banco, pedi outra cerveja e fingi
que estava me divertindo loucamente.
No intervalo, Jocelyn se levantou e disse: “Estou indo para o
lounge VIP para encontrar alguns conhecidos. Aproveite o jogo,
Owen”, ela enfatizou, como se quisesse que só ele se divertisse,
excluindo-me do ato. Ela nem mesmo me olhou antes de caminhar
para cima. Com sua saia de couro e seu cabelo loiro sedoso, ela
chamava a atenção de todos os espectadores enquanto caminhava.
“Primeira fileira, e ela vai embora no intervalo”, Owen
sussurrou. “Depois diz que é uma fã alucinada dos Warriors”.
“Pois é”, concordei. “Parece que ela só comprou esses
ingressos para poder chegar até você”.
Ele sorriu. “Você pode culpá-la? Eu sou uma ótima
companhia”.
Ao invés de rir da piada, eu o encarei. “E você parecia estar
desfrutando muitíssimo da sua ótima companhia também”.
“Ela é meio chata, na verdade”, ele sussurrou. “Eu só queria
ver o jogo, e ela continuava falando sobre como nossas empresas
deveriam trabalhar juntas”.
“Tenho certeza de que você quer muito trabalhar junto com
ela”.
Ele me olhou. “Relaxa. Não tem nada acontecendo aqui”.
“Ela claramente quer que algo aconteça. Você viu a forma
como ela me atacou? Uma mera programadora? Você poderia ter
me defendido, sabia?”.
Owen bufou e correu uma mão pelo cabelo. “Se tem uma coisa
que aprendi sobre você, criança, é que você pode se defender
sozinha”.
Eu sabia que ele estava certo. Porém, eu queria que ele
dispensasse Jocelyn publicamente. Aquilo não era muito racional,
especialmente porque nossas duas empresas poderiam muito bem
fazer negócios no futuro, mas eu desejei internamente. Eu queria
que Owen brigasse com ela.
Quando o terceiro período do jogo começou, analisei meus
sentimentos com um pouco mais de profundidade. Eu não gostava
de pensar nem de lembrar que Owen tinha outras opções além de
mim. Não era exatamente justo, já que eu estava revezando três
homens, mas eu não conseguia evitar o sentimento. Pensar em
Owen beijando Jocelyn ou qualquer outra mulher era insustentável
para mim.
Owen sorriu para mim e continuou agindo como se não tivesse
acontecido nada de errado, mas eu continuei pensando que
precisava me certificar de dar minha situação como certa pelo resto
do jogo. Eu tinha muita sorte por estar com Owen, Jude e Furio,
refleti. Uma ameaça externa de outra mulher me ajudou a me
lembrar.
E eu também preciso lembrá-lo de como ele é sortudo por
estar comigo.
Quase no final do jogo, eu já tinha traçado um plano na cabeça
para fazer exatamente isso.
56

Owen

Amber era várias coisas. Impulsiva. Introvertida, de certa


maneira. Maliciosamente inteligente. Incrivelmente sexy.
Mas eu nunca tinha visto seu lado ciumento.
Era tão estranho nela que quase não reconheci no primeiro
momento. Pensei que Amber estava quieta, porque estava
aproveitando o jogo. Quando Jocelyn finalmente foi embora, vi
Amber encarar a mulher com raio-laser nos olhos. Finalmente me
dei conta do que era.
Passei o resto do jogo tentando animá-la, sorrindo para ela e
tentando puxar papo. Nós não saíamos juntos com muita
frequência, e quando o fazíamos, mesmo não podendo nos tocar
em público, era bom ir para algum lugar diferente. Exibir meu poder
um pouco mais e ostentar as conexões que eu tinha na cidade. Mais
do que Furio.
Ainda assim, Amber permaneceu quieta, e eu comecei a me
preocupar com o que ela estava pensando.
Quando o jogo acabou, nos levantamos e deixamos a arena,
como todos os outros. Na metade do caminho para a saída, Amber
se virou.
“Quer tomar um drinque em algum lugar?”.
“Depois da surra que os Warriors tomaram? Absolutamente”,
respondi. “Tem alguns bares aqui perto do estádio”.
“Que tal irmos para o lounge VIP da arena?”, Amber perguntou.
“Ouvi as pessoas do nosso lado dizerem que fica aberto por duas
horas depois do jogo”.
“Sim, claro”, eu disse. Internamente, fiquei surpreso de ela
querer ir para lá, já que poderíamos ver Jocelyn novamente.
Eu a guiei pela arena até o elevador privado que dava no
lounge VIP. A área estava coberta por sofás e mesas de vidro
adornados de dourado, e uma das extremidades dava na arena.
Estava cheio, mas não terrivelmente tumultuado agora que o jogo
tinha acabado. Olhei ao redor, mas não vi Jocelyn por perto.
“Siga-me”, Amber disse, segurando minha mão e me guiando.
O lounge tinha três bares diferentes com bebidas, mas presumi
que ela estivesse me guiando para o do lado direito. Porém, ela não
parou no bar e me arrastou para o corredor onde ficavam os
banheiros. Ao invés de banheiros masculinos ou femininos, havia
dez cabines unissex no espaço. Antes que eu percebesse o que
estava acontecendo, Amber me empurrou para dentro de um deles
e fechou a porta. O banheiro parecia pertencer a uma mansão e
estava absolutamente impecável, como se ninguém o tivesse usado
nunca.
“Amber”, eu disse. “O que estamos fazendo?”.
“Não estamos fazendo nada”, ela disse, ficando de joelhos.
“Você está relaxando, e eu estou fazendo isso”.
Ela abriu meu zíper, pegou meu pau e rapidamente começou a
me chupar.
Me apoiei na parede de azulejos e gemi de prazer. Amber não
perdeu tempo nenhum com preliminares ou provocações, ela
agarrou meu pau duro com o punho e me masturbou enquanto
chupava a cabeça. Olhei para baixo e vi aquela linda cena: seus
lábios em volta de mim, suas bochechas ficando côncavas enquanto
ela chupava. Amber era impulsiva às vezes, mas certamente nunca
tinha feito aquilo antes.
O choque do boquete em público me deixou mais excitado do
que eu esperava e, dentro de um minuto, as paredes do banheiro
ecoavam meus gemidos. Meu corpo inteiro ficou rígido enquanto eu
gozava, explodindo na boca de Amber, enquanto ela mantinha seus
lábios apertados em volta da minha cabeça, encarando-me através
dos seus cílios, como se o meu prazer fosse a coisa mais bonita do
mundo para ela.
De volta ao lounge VIP, eu estava em um transe pós-
ejaculatório, e Amber pediu duas bebidas no bar. Ela as trouxe,
tomou um gole e sorriu para mim.
“Não era o que eu esperava, quando te convidei”, admiti. “Mas
me faz querer te trazer a mais jogos”.
Amber deu uma risadinha e disse: “É um boquete melhor do
que Jocelyn jamais seria capaz, certo?”.
“Indubitavelmente”, eu disse, tomando um gole longo da minha
bebida. “Você não está com ciúme dela ainda, está?”.
“Nunca tive ciúme dela”, ela respondeu rápido demais.
Eu não queria discutir com a mulher que tinha acabado de
sugar minha vida pelo meu pau, então só dei de ombros.
“Ela é muito atraente”, Amber disse.
Mantive meu rosto impávido. De repente, parecia que eu
estava caminhando em um campo minado.
Quando eu não reagi, Amber disse de forma mais direta:
“Tenho certeza de que ela quer te dar”.
“Várias mulheres querem me dar”, eu disse, gargalhando.
“Assim como vários homens querem te comer. Várias cabeças se
viraram para te olhar, quando você entrou aqui”.
“Usando jeans e camiseta?”, ela bufou. “Eles provavelmente
estavam se perguntando o que essa camponesa está fazendo na
área VIP. Você e Jocelyn têm um passado”.
“Exatamente. Passado. Estou com você, Amber. E é tudo o
que me importa agora”.
Amber sorriu, mas se perdeu em pensamentos. Finalmente, ela
disse: “Cenário hipotético. Se eu escolher Jude amanhã e dispensar
você, vai correr para os braços de Jocelyn?”.
Cada instinto que eu tinha desenvolvido como um homem
gritou para eu negar sem hesitar. No entanto, ao invés disso, parei
por um momento para considerar o cenário. Imediatamente, o
pensamento de ser dispensado por Amber me encheu de dor, como
se várias facas estivessem perfurando meu estômago e meu peito.
Eu gostava muito dela. E aquilo estava crescendo. Amor, talvez.
Sim, definitivamente amor. Eu podia me ver amando aquela mulher
e passando o resto da minha vida com ela. Eu sabia que eu estava
passando a carroça na frente dos bois, especialmente porque ela
não era inteiramente minha. Mas ela tinha potencial. O potencial
para ser a mulher da minha vida.
Potencial que eu não via em Jocelyn. Ela não era o tipo de
mulher que eu queria, além dos óbvios motivos superficiais. Eu não
podia voltar para um relacionamento raso com alguém como
Jocelyn. Não depois de ter algo especial. Algo maravilhoso.
“Não”, eu respondi. “Se você me dispensar amanhã, não vou
me jogar nos braços de Jocelyn, e posso te prometer”.
Amber pareceu desacreditar quando eu respondi, mas sorriu
pelo resto da noite.
Mais tarde naquela noite, quando seu corpo nu estava curvado
no meu, e seu cabelo se espalhava pelo meu braço na cama, minha
mente se acelerou. Eu tinha escondido meus sentimentos por
Amber, tentando não sentir nada muito forte até ela tomar sua
decisão. Entretanto, eu tinha cutucado a onça com uma vara curta e
não conseguia ignorar a queimação no meu peito. Mesmo naquele
momento em que ela estava roncando suavemente no meu colo, me
doía pensar em perdê-la.
Competir com Jude era uma coisa. Apesar das nossas
diferenças, parecia que estávamos no mesmo time. Mas Furio … eu
não tinha me preparado mentalmente para competir com alguém
como ele. Um bilionário que me fazia me sentir inadequado de todas
as maneiras. Um homem que parecia ter nascido de terno. Ele só
estava na cidade por uma semana, mas eu não podia ignorá-lo
mais. Eu tinha que melhorar minha performance.
Depois de duas horas encarando o teto, eu finalmente pensei
numa forma. Era loucura e talvez nem funcionasse.
Mas eu preciso da ajuda de Jude.
57

Owen

Preparei o café da manhã de Amber na manhã seguinte:


omeletes de espinafre com queijo cheddar. Tomamos banho juntos,
nos ensaboando de uma forma erótica e sensual, sem sexo
propriamente dito.
Eu poderia me acostumar com isso, pensei enquanto nos
enxugávamos um ao outro.
Quando chegamos no trabalho, eu imediatamente mergulhei
no caos que era administrar uma empresa daquele tamanho. Eu
tinha ligações das oito da manhã até meio-dia, depois ia discutir
opções de compra com um corretor de imóveis, porque queríamos
um segundo prédio. Estávamos divididos entre Nova Iorque e
Boston – Jude teimosamente insistia no segundo – e havia outros
lugares em potencial que nos serviriam. Prédios nos quais
poderíamos expandir.
Naquela tarde, cancelei todas as minhas reuniões e disse ao
Jude que gostaria de discutir opiniões com ele. Porém, quando ele
entrou no meu escritório, fechei meu laptop.
“Cartas na mesa: não quero falar sobre propriedades
imobiliárias. Quero falar sobre Amber”.
Jude ficou tenso. “Finalmente vai acontecer, não é? Você quer
que eu tire o meu time de campo para você ficar com ela sozinho”.
“Eu quero ficar com ela”, admiti. “Mas não é sobre isso que
quero tratar. Na verdade, eu queria dizer que nosso pequeno acordo
está indo melhor do que eu esperava”.
Jude acenou cuidadosamente. “Eu também tenho pensado
nisso recentemente”.
“Só tem um problema: Furio”.
“Talvez”, ele disse. “Amber parece se ocupar muito com ele
ultimamente. Seus sentimentos por ele talvez sejam os mesmos que
ela tem por nós. Tenho medo de estes sentimentos crescerem até o
ponto de ela não precisar mais de nenhum de nós dois”.
“Exatamente”, eu disse. “Quando ele estava na Itália, pensei
que tínhamos uma vantagem. Mas ele está na cidade esta semana
para fazer negócios, e ele não me disse que tipos de negócios são
esses. Tenho medo de ele estar tentando encontrar mais motivos
para visitar a cidade frequentemente, e se ele fizer isso, não acho
que podemos competir. Vamos ter que turbinar nosso jogo”.
Jude fez uma careta. “Você tem alguma ideia?”.
“Acho que sim”.
E, então, contei a ele.

Naquela noite, levei Amber para jantar em San Mateo, perto de


sua casa. “Estou surpresa por Jude deixá-lo ficar comigo por duas
noites seguidas”, ela disse enquanto nos sentávamos.
“Ele tem que trabalhar até tarde”, respondi. “E se sentiu mal,
porque perdi minha noite com você graças à aparição repentina de
Furio”.
Ela sorriu apologeticamente. “Desculpa por isso. Sou nova
nesta situação de sair com três caras”.
“Não precisa pedir desculpa. Estou com você agora”.
“Ainda assim, foi muito legal Jude ter te dado sua noite. Vocês
dois estão ficando bons em me compartilhar”.
Você não tem ideia do quanto.
Dividimos um prato gigante de salmão do Alasca e uma garrafa
de vinho branco, enquanto falávamos sobre o quão ocupados
estávamos no trabalho. Aquela era uma coisa que tínhamos
intensamente em comum: a experiência de ver a SE crescendo de
um escritório quase vazio para um prédio com quase duzentos
funcionários.
Depois do jantar, fomos para a casa dela. Sua irmã tinha saído
com o namorado, então teríamos o lugar só para nós até meia-noite.
O que era bom, porque aquilo se encaixava direitinho nos meus
planos.
Chegamos e subimos as escadas para sua casa. Nós dois
estávamos naquele perfeito estado de embriaguez, mas eu também
estava alerta e tenso, ansioso pelo plano.
Quando chegamos à porta da frente, Amber parou assustada.
“Espera. Jude?”.
O loiro de óculos se levantou da cadeira onde estava sentado
na varanda. Ele ainda estava vestido com roupas de trabalho, uma
camisa de botões com as mangas dobradas.
“Ei”, ele nos saudou, olhando de um para o outro com
incerteza. Você tem certeza de que quer tentar isso?
Tenho. Eu o encarei de volta. E então me virei para Amber. “Eu
o convidei para vir aqui. Pensei que você talvez quisesse ficar
conosco. Juntos”.
Amber, afetada pelo álcool, riu: “Parece que você está me
oferecendo sexo a três”.
Jude congelou na varanda. Eu fiquei parado, assistindo à
reação de Amber. O sorriso sumiu devagar. A surpresa porque
nenhum de nós riu. A percepção se espalhando, o choque, a
confusão e então …
“Espera um minuto”, ela disse, olhando de um para o outro.
“Vocês estão falando sério?”.
“Depende”, eu disse. “Da sua reação”.
Reconheci o fogo no olhar dela com a ideia de fazer aquilo.
Como se ela não tivesse considerado isso antes, mas a ideia agora
crescia como um vídeo em timelapse de uma semente brotando até
virar um carvalho.
Ela quer.
“Vamos entrar e tomar um drinque”, eu disse, guiando-a para a
frente. Ela destrancou a porta e nos guiou para dentro, acendendo
as luzes, enquanto caminhávamos. Amber parecia estar em transe,
e ela foi direto para a geladeira pegar uma cerveja. Ela a abriu e
encarou o nada, perdida em devaneios. Ela nem nos ofereceu uma.
“Um centavo pelos seus pensamentos?”, Jude propôs,
enquanto pegava duas outras cervejas. Ele me entregou uma.
“Só estou surpresa. É isso”, ela disse. O fantasma de um
sorriso passou pelos seus lábios, e seus olhos me encontraram.
“Vocês dois discutiram esta ideia?”.
“Sim”, respondi.
“E vocês dois concordaram?”.
Jude acenou, e os dois me olharam. Mesmo que tivesse sido
eu a sugerir, eu parei para considerar de novo. Jude era meu sócio.
Meu melhor amigo. Começamos duas empresas maravilhosas
juntos, construindo-as e dividindo as responsabilidades. No entanto,
aquilo significa que poderíamos compartilhar uma mulher?
Sim, nós já estávamos compartilhando Amber. Mas era uma
forma bem diferente. Não na mesma cama. Ao mesmo tempo.
Eu me treinei para ser um líder a vida toda. A ser confiante,
porque era o que fazia as pessoas me seguirem. Eu já tinha pesado
as opções. Tinha escolhido o caminho. Agora precisávamos
executar o plano.
Porém, pela primeira vez na vida, eu hesitei.
Tudo poderia ir ladeira abaixo a partir daquele momento.
Amber viu a incerteza estampada na minha cara de forma
contagiosa. Ela colocou a cerveja na mesa e respirou
profundamente, preparada para dizer que não era uma boa ideia.
Mas então Jude a virou de frente para ele e a beijou, pegando
Amber desprevenida. Eu vi a tensão deixar seu corpo, enquanto ela
derretia no seu beijo. As mãos de ambos começaram a deslizar,
agarrando, apertando e segurando seus corpos.
Algo se acendeu dentro de mim enquanto eu assistia meu
melhor amigo beijar minha namorada. Era meio estranho, sim.
Como não seria? Mas também era super sexy. Era como assistir à
prévia do que eu estava prestes a fazer com ela. O início de um
filme pornô feito especialmente para mim.
Caralho, pensei. Eu realmente gosto disso?
Eu tinha começado um esquema para fazer Amber enxergar
que estava melhor conosco do que com Furio. Entretanto, eu não
esperava gostar. À medida que o beijo deles se aprofundou, a boca
de Amber se abriu enquanto Jude apertava seus peitos, e eu fiquei
duro feito pedra.
Vencido pelo desejo, não pelo ciúme, agarrei o braço de Amber
e a beijei. Sua língua estava pronta para a minha instantaneamente.
Eu segurei sua bunda com uma mão e escorreguei meus dedos
pelo meio das suas pernas com a outra. Ela se abriu, enquanto eu
descia meus dedos por dentro da sua calça jeans, sentindo o calor,
e ela gemeu na minha boca.
Ela se afastou, engasgada, nos encarando. Era nossa última
chance de desistir. Mas estávamos ambos determinados. Nenhum
dos dois daria para trás. E nem queríamos.
Jude virou o resto da cerveja, limpou os lábios e, então,
agarrou a mão de Amber e a arrastou para o andar de cima.
Isso está acontecendo. Pensei, enquanto eu os seguia. E acho
que vamos aproveitar tanto quanto Amber.
58

Amber

Vou ser totalmente honesta: não acho que concordaria se não


estivesse meio bêbada. A Amber sóbria teria rido da cara deles, dito
que era uma ideia ruim, que nenhum deles realmente queria fazer
isso. Que aquilo poderia tornar as coisas estranhas, complicar
nossos relacionamentos individuais de formas imprevisíveis. Que
tínhamos uma coisa boa, que não valia a pena arriscar.
No entanto, a Amber depois de quatro drinques estava curiosa.
Será que aqueles dois homens possessivos poderiam lidar com
aquele tipo de coisa? Eu achava que não, mas realmente queria
descobrir.
Então, de repente, Jude estava me beijando, e o desejo pulava
dentro do seu corpo de uma forma nova e diferente. E quando Owen
me tomou para si, estava mais faminto do que nunca, enfiando a
língua na minha boca sem hesitação. Sentindo o mesmo desejo. Ele
estava duro feito pedra, eu podia sentir. Como se assistir ao Jude
me beijar aumentasse seu tesão.
Não tem a menor chance de ele gostar disso, pensei enquanto
ele se esfregava em mim através das minhas calças jeans. Ou tem?
Então Jude me pegou pela mão, me guiou pelas escadas e
Owen nos seguiu. E um tremor de empolgação e ansiedade tomou
conta do meu corpo inteiro.
Jude estava me beijando antes de chegarmos até a cama, e
então caímos juntos, eu sobre ele. Suas mãos seguravam meu
rosto, beijando-me com uma ferocidade que eu geralmente não via
no reservado programador. Então, senti um par de mãos nas minhas
costas. Owen removeu minha calça, minha calcinha e eu senti o ar
invadir minha boceta molhada. Ele beijou minha nádega direita,
então a parte de trás da minha coxa, até o meu joelho. E Jude não
me soltava, me beijando loucamente.
A boca de Owen se moveu para a outra perna e subiu até a
parte de trás da coxa esquerda, sua respiração se espalhava pela
minha pele vulnerável. Fiquei tensa, quando ele se aproximou do
lugar que eu queria, sentindo sua hesitação, mas ele mergulhou em
mim com sede. Gemi na boca de Jude, enquanto o outro homem me
lambia por trás, lambuzando minha entrada ensopada, invadindo
meu clitóris, enviando jatos de prazer pela minha espinha.
Finalmente me soltei do beijo de Jude tempo o suficiente para
olhar para trás e ver Owen enfiado em mim, um tufo de cabelo atrás
da minha bunda que não queria me soltar.
Um homem na minha frente, um pensamento invadiu minha
consciência. Outro atrás. Eu não acreditava no que estava
acontecendo.
Jude tirou minha camiseta, então agarrou meu cabelo para me
virar, sem parar de me beijar. Eu vi uma mão – não sei de quem –
arrancar meu sutiã e jogá-lo sobre a cama.
Eu nem sei quem fez isso. E isso me enche de tesão.
A boca de Owen estava fazendo coisas maravilhosas comigo,
e eu odiava pensar que eu era a única aproveitando, então
rapidamente removi as calças de Jude até libertar seu pau, tão duro
quanto eu queria que estivesse. Corri meus dedos por ele enquanto
nos beijávamos, usando minha mão livre para desabotoar a camisa
de Jude. Quando ela se abriu, ele se mexeu, deixou-a cair na cama
e tirou a camiseta de baixo, dando-me uma visão ampla do seu
peito enquanto seu sócio continuava chupando minha boceta.
“O gosto dela é maravilhoso”, Owen sussurrou.
“Vai chegar minha vez”, Jude respondeu com os dedos em
volta de um mamilo. “Sou um cara paciente”.
Tentei dizer algo sexy de volta, para acrescentar à brincadeira,
mas a língua de Owen começou a apertar meu clitóris com muita
intensidade. Enrolei meus dedos em volta do pau de Jude e
comecei a masturbá-lo enquanto nos beijávamos. Mas as coisas
que estavam acontecendo atrás de mim eram muitas para eu
ignorar, e eu tive que parar de beijar Jude para descansar meu rosto
no seu peito, minha respiração se intensificando enquanto eu gemia
e continuava o masturbando, desejando que eu pudesse escorregar
mais para baixo e enfiar seu pau na boca, mas sem ousar me mover
um centímetro e interromper o que Owen estava fazendo.
Com o nariz enfiado na minha entrada, sua língua circulava
meu botão sensível sem parar, enquanto um orgasmo tremia meu
corpo. Owen abraçou minhas coxas para manter seu rosto enfiado
em mim, e Jude me segurou contra seu peito, ambos me ancorando
com seu desejo, enquanto as pulsações de prazer acabavam
comigo.
Eu mal tinha recobrado o fôlego, quando senti um pau
deslizando pela entrada da minha boceta, cada vez mais fundo, e
era exatamente o que eu queria. Eu beijei o pescoço de Jude,
enquanto Owen me preenchia por trás, com os dedos enfiados nas
minhas nádegas enquanto ele socava seu pau profundamente, e de
alguma maneira ele parecia mais duro do que eu jamais tinha visto.
“Achei que era minha vez?”, perguntou Jude bem-humorado.
“Não pude me conter”, disse Owen, com a voz rouca de prazer.
Sua pegada na minha bunda se soltou um pouco e virou uma carícia
suave, enquanto ele marinava dentro de mim. “Sua hora vai chegar”.
“Eu não me importo com a espera”, Jude respondeu, enquanto
eu continuava acariciando seu pescoço e o masturbando.
O pau de Owen parecia prolongar o prazer do meu orgasmo,
em um prazer cru e intenso. Especialmente quando ele começou a
se mover devagar e constantemente. Sincronizei seus movimentos
com a forma com a qual eu esfregava Jude, como se nós três
estivéssemos experimentando o mesmo ato sexual, traduzindo os
movimentos de Owen para o prazer de Jude.
Owen gemeu enquanto sua pele batia contra a minha, e ele
aumentava seu ritmo, guiado por um desejo animal. Arqueei minhas
costas para receber mais dele, em um ângulo mais profundo e mais
intenso, mas naquele momento eu não só aguentava como também
precisava daquilo, mais do que tudo.
Fechei meus olhos e perdi a noção do tempo que ele passou
me fodendo. Jude beijou meu pescoço e escorregou sua língua para
dentro da minha boca de novo, gemendo, enquanto eu o
masturbava mais rápido, tentando acompanhar o ritmo crescente de
Owen. Suor escorria pelas minhas têmporas, e Jude me lambeu,
depois me beijou compartilhando o gosto salgado comigo.
Eu fui sacudida por trás, quando Owen agarrou um punhado do
meu cabelo, expondo meus peitos para Jude. Como se fosse um
esforço combinado dos dois, Jude imediatamente se levantou e
colocou um mamilo na boca, mordiscando e lambendo com a
quantidade certa de pressão.
Então, como se ele não conseguisse mais aguentar, Jude se
sentou e me puxou para o lado, me colocando de costas para a
cama. Os óculos de Jude caíram na cama e ele caiu sobre mim,
enfiando seu pau perfeitamente na minha boceta com o peso do seu
corpo.
Abri as pernas e o aceitei faminta, e nós dois compartilhamos
um gemido de prazer repentino.
Assim como seu sócio, Jude não perdeu tempo. Ele apoiou um
punho perto da minha cabeça para se alavancar e começou a fazer
amor comigo com força e velocidade, como se fosse a última vez.
Era o ritmo frenético perfeito depois do que Owen tinha feito, e
pareceu uma continuação perfeita do mesmo ato, ao invés de dois
homens diferentes me fodendo.
Dois homens diferentes, pensei, empolgada com a realidade
do ato. É muito melhor do que eu pensei. Por que não fizemos isso
antes?
Owen se ajoelhou ao meu lado, seu pau ainda brilhava coberto
com meu líquido. Eu não me importava com o meu próprio gosto, só
queria satisfazê-lo, fazê-lo sentir tudo o que ele me fez sentir, então
virei minha cabeça e enfiei seu pau na minha boca, chupando-o
rapidamente, como eu tinha feito no banheiro da arena, mas por um
motivo completamente diferente.
“Como você se sente?”, Owen perguntou profundamente.
Jude deu uma risadinha e disse: “No céu”.
“Como se você nunca mais quisesse sair de dentro dela?”.
“Exatamente”, disse Jude.
“Então não saia”, Owen entrelaçou meu cabelo com seus
dedos, guiando os movimentos da minha cabeça. Jude estava me
fodendo implacavelmente, com os dois braços na cama, como se
estivesse fazendo flexões, se afastando o máximo que podia antes
de se socar dentro de mim de novo. Longas e famintas estocadas
de alguém que não parecia se cansar de mim.
O amor dos dois, combinado, era mais do que eu podia
aguentar. Meu corpo desmoronou como uma supernova, cada
átomo de cada músculo tenso e vibrando e, então, explodindo em
todas as direções, em outro orgasmo que foi dez vezes mais
poderoso do que o primeiro que eu tinha tido. Arqueei minhas
costas, como se eu estivesse sendo eletrocutada, o prazer era tão
intenso no meu corpo, aumentado pelo conhecimento fraco de que
havia dois homens na cama comigo, duas bocas me beijando, dois
paus dentro de mim ao mesmo tempo, os dois começando a se
tensionar e pulsar juntos com meu próprio corpo …
Não sei quem gozou primeiro, foi tudo tão perto que talvez
tenhamos sincronizado. Owen tirou seu pau da minha boca e mirou
mais para baixo, um jato sedoso atingiu o oco do meu pescoço
antes de o resto lambuzar meus peitos. Eu agarrei seu pau e o
ordenhei até a última gota, encarando-o, enquanto ele gemia.
Ao mesmo tempo, Jude se engasgou e explodiu dentro de
mim. Senti os tremores do seu pau, enquanto ele gritava, me
fodendo sem parar, quatro outras estocadas desesperadas antes
dele se enfiar o mais profundamente que pôde, fazendo minha
pélvis trepidar.
Cheia e coberta pelo sêmen dos dois, mantive meu clímax
contínuo até minha voz falhar e minha boca ficar seca. Então me
afundei na cama, fechei meus olhos, mais satisfeita do que palavras
podiam traduzir.
59

Amber

“Sou só eu”, Owen respondeu, a voz baixa de prazer. “Ou isso


foi maravilhoso?”.
Eu estava deitada no meio da cama, Jude ao meu lado
esquerdo e Owen ao meu lado direito, os dois corpos curvados
contra o meu como se fossem dois aquecedores em formato de
homens. Comecei a rir do comentário do Owen e não consegui mais
parar. Arqueei as costas e gargalhei com o corpo todo, e os dois me
olharam como se eu fosse doida.
“Sim”, respondi, quando finalmente consegui falar. “Isso foi
muito maravilhoso”.
“Não foi tão estranho quanto pensei, estar com Jude”, Owen
refletiu. “Provavelmente o álcool ajudou”.
“Eu posso dizer que eu aproveitaria mesmo sem ter tomado
uma única gota de álcool”, respondi.
Jude acenou com o rosto no meu peito esquerdo. “Certamente.
E eu estava inteiramente sóbrio. Exceto pela única cerveja que
tomei na cozinha. Mas minha mente estava totalmente clara, e eu
aproveitei cada segundo disso tudo”.
“Vocês não estão falando isso só para me agradar?”.
Os dois sacudiram as cabeças. “Eu gostei para caralho”, Owen
disse. “Só temos uma questão agora”.
“Qual?”.
“De quem você gostou mais?”.
Suspirei. “Nenhum dos dois foi melhor. Essa é a ideia de
fazermos juntos. Estamos juntos. Como um time. Certo?”.
“Certamente um foi mais gostoso do que o outro”, disse Jude
com cuidado, indicando com a voz que ele era mais gostoso. “Faz
parte da natureza humana. É normal”.
“Sim. Um de nós provavelmente te impressionou, enquanto o
outro só ajudou”, o tom de Owen indicava claramente que ele estava
falando de si mesmo.
“Não consigo decidir”, eu disse. “Vamos ter que fazer de novo”.
Os dois riram, beijando rapidamente minhas laterais e
retornando para nossos carinhos.
“Não que eu esteja reclamando”, eu disse. “Mas quem propôs
isso? O que fez vocês quererem fazer isso?”.
“Hm …”, Jude começou. Owen também hesitou.
“O que foi?”, perguntei. “Qual é o problema?”.
“Bem … o catalisador foi Furio”, disse Owen. “Você tem se
divertido muito com ele ultimamente”.
Revirei os olhos. “Nós saímos na segunda, e ele me levou ao
baile de gala na terça. Isso não é muito. Foram duas vezes”.
“Ainda assim”, disse Jude. “Queríamos nos certificar de que
você não se esqueceria do que tem conosco. Individualmente ou os
três juntos”.
Beijei a testa de Jude e dei um selinho em Owen. “Vocês não
precisam se preocupar. Prometo. Mesmo antes de hoje. Mas agora
é especialmente verdade”.
Minha afirmação pareceu apaziguar os dois. Eles descansaram
sobre meu corpo e suas respirações logo ficaram mais lentas, até
eu saber que eles tinham dormido. Segurei os dois, dois homens
lindos que eram meus, e me perguntei como eu podia ser tão
sortuda.
Quando eu tive certeza de que eles estavam profundamente
adormecidos, saí devagar da cama e vesti meu pijama. Então, fui
para a cozinha pegar um copo d’água. Depois de engolir o primeiro,
enchi um segundo e continuei bebericando. Parecia que eu
precisava repor os fluidos que eu tinha perdido na última hora de
diversão.
Mas antes que eu terminasse o segundo copo, a porta da
frente se abriu e Michelle entrou. Ela apertou os olhos para se
certificar, quando me viu na cozinha.
“O que você está fazendo em casa?”, ela perguntou. “Eu
achava que você estaria fora com um dos seus muitos namorados”.
“Furio tem um compromisso de trabalho hoje, algo que ele não
pôde me contar”, respondi.
“E Owen e Jude?”.
Mordi o lábio. “Aqui. No quarto”.
Ela fez uma careta. “Qual deles?”.
Eu a encarei de volta.
“OS DOIS ESTÃO AQUI?”.
“Quieta!”, sibilei. “Eles estão dormindo!”.
Michelle estava pegando uma garrafa na geladeira, mas
desistiu no caminho e pegou uma de vinho branco no lugar. Ela
abriu a tampa e tomou um gole longo direto da garrafa.
“Ok”, ela disse depois de mais dois outros goles. “Agora pode
contar como foi. Você fez sexo a três??”.
“Sim”, eu disse. “E foi maravilhoso”.
“Foi estranho?”.
“De jeito nenhum! Eu amei”.
“Eu quis dizer para eles”, ela explicou.
“Surpreendentemente não. Quer dizer, eles fizeram tudo bem
distantes um do outro, ou em extremidades diferentes, enquanto …”.
Michelle levantou uma mão. “Não. Nã-não. Não preciso de
detalhes. Eu já entendi”. Ela olhou para a garrafa de vinho,
considerando beber mais, mas a afastou.
“Tenho um problema, Shelly. São muitos caras incríveis”.
“Problema?”, ela zombou. “Eu mataria para ter um problema
desses”.
“Como vou conseguir escolher?”, insisti. “Isso vai ter que
acontecer fatalmente, certo? Vamos chegar a um ponto em que eu
não vou mais conseguir revezar, um deles vai me dar um ultimato.
Ou os três vão. Então, terei que escolher e não vou ser capaz. Logo,
vou me curvar até virar uma bola, explodir e morrer”.
“Xiu”, ela disse, esfregando meu braço para me confortar. “Não
faça tanto drama. É um bom problema. Como quando passei em
Stanford, Yale e Brown e não conseguia decidir para onde queria ir.
Não importa o que você decidir, você venceu na vida!”.
Dei uma olhada para ela. “Não é assim, e você sabe disso”.
“Você fez uma lista?”, ela perguntou.
“Não consegui! Estou muito confusa”.
Michelle piscou, surpresa. “Sério? Você sempre faz listas, é o
seu jeitinho”.
Acenei tristemente.
“Uau”, ela disse. “Você realmente está em uma sinuca
amorosa. Vamos fazer uma lista agora. Te ajudo. Um homem de
cada vez. Vamos começar por Jude Cauthon. Quais são as
vantagens de ficar com ele?”.
Respirei fundo. “Ele é fofinho. E nerd, feito eu. Ele é
superinteligente. Aprendi muito trabalhando com ele. E sei que
ainda tenho muito a aprender”.
“Ok. Agora as desvantagens”.
“Ele é meu chefe imediato”, eu disse tristemente. “Eu me
reporto a ele. É errado e vai soar muito mal, se as pessoas
descobrirem. Não existe saída, a não ser que um de nós peça
demissão”.
“É uma grande desvantagem”, Michelle admitiu. “Ok, próximo.
Owen March. Vantagens?”.
Sorri, quando pensei no homem no meu quarto. “Ele é lindo.
Poderoso. Um líder nato. Ele é confiante”.
“Quando você o conheceu, achou-o convencido”, minha irmã
pontuou.
“Simme inclinei no balcão da cozinha e suspirei. “Ele é
convencido e confiante. Ambos. Mas agora eu o conheço. De
verdade. E não é um problema. Na verdade, é sexy”.
Esperei que ela fosse rir, mas ela apenas acenou.
“Desvantagens?”.
“A mesma coisa que Jude, mas um pouco menos ruim. Ele não
é meu chefe direto, mas ainda está acima de mim no organograma
da empresa. Isso é problemático, em especial atualmente. Ele
também ficou meio enciumado por causa de Furio, apesar de não
ser errado se sentir assim. Ah, e Jocelyn …”.
“Quem é Jocelyn?”.
“Essa mulher que foi da sala dele na faculdade. Ela tem uma
empresa de tecnologia e nós a vimos no jogo de basquete outro dia.
Tenho certeza de que ela quer dormir com ele. E com aquela
aparência? Receio que fatalmente ela vá conseguir”.
“Ele demonstrou algum interesse nela? Flerte?”.
Sacudi a cabeça. “Ainda não. Ele diz que não tem interesse
nela. Mas se eu continuar saindo com os três e não puder me
comprometer com Owen … por que ele ficaria comigo, se pode tê-la
só para ele?”.
Michelle sorriu tristemente e me esperou me recompor antes
de continuar. “E, por último, mas não menos importante. Nosso
James Bond italiano. Furio Rossi”.
“Não vai ajudar se você der apelidos a eles”.
“Pare de enrolar e me diga as vantagens”.
“Ok. Ele é um príncipe encantado. Literalmente da realeza
italiana. Ele é doce, amoroso e me trata como se eu fosse o amor
da sua vida. Quando estou com ele, me sinto diferente. De uma boa
maneira, se isso faz algum sentido”.
Ela acenou e disse: “Desvantagens?”.
“Ele mora do outro lado do mundo, primeiramente”, murmurei.
“Relacionamentos à distância são uma merda. Por enquanto, é fácil
porque tenho Owen e Jude para me distrair. Mas e se eu estivesse
só com ele? Eu não conseguiria. E certamente não vou me mudar
para a Itália tão cedo. Talvez nunca”.
“Ele estaria disposto a se mudar para cá?”.
“Não sei”, respondi. “Talvez. Mas não quero que ele faça uma
coisa que não quer fazer”.
Michelle encarou o nada, perdida em seus pensamentos.
Depois de um longo momento, ela deu de ombros. “Sim. Você
estava certa. Isso é muito difícil!”.
“Eu sei que é difícil! Você deveria me ajudar a decidir!”.
“Você sempre tem a opção de me dar um deles”, ela disse.
“Aliás, como sou uma boa irmã, fico com dois por você. De nada”.
Fingi que estava me engasgando com o conteúdo do meu copo
vazio. Ela me mostrou a língua.
“Te digo uma coisa”, ela começou. “Se eu tivesse dois homens
na minha cama agora? Certamente não estaria aqui falando com a
idiota da minha irmã”.
Eu a abracei, desejei boa noite e voltei para os meus homens.
Eles ainda estavam dormindo e se mexeram, quando me deitei na
cama entre eles. Jude se virou, então enfiei meu rosto no seu
cabelo loiro e o abracei de conchinha. Então senti Owen se curvar
na minha direção, transformando-me no recheio daquele sanduíche
de bilionários.
Por que não posso fazer isso para sempre? Me perguntei antes
de pegar no sono.
60

Amber

Nós três tomamos brunch juntos na manhã seguinte em um


pequeno restaurante em San Mateo. Senti um pouco de estranheza
entre os dois homens agora que estávamos ali, à luz do dia, mas
eles aliviaram a tensão com algumas piadas suaves e comentários
sobre quem era o melhor amante. Comi minha rabanada e assisti
aos dois se alfinetarem por um tempo com um sorriso no rosto.
Entramos no escritório juntos, sem nos preocuparmos se
seríamos vistos. Caso eu chegasse com um deles, talvez fofocas
surgissem. Mas com os dois? Ninguém jamais suspeitaria do que
tinha de fato acontecido na noite anterior. Eles iriam presumir que
tomamos café da manhã juntos para tratar de negócios.
Furio já estava lá, conversando com Melinda na recepção. Ele
era a única pessoa que poderia não gostar do fato de nós três
chegarmos juntos, porque ele sabia que eu estava envolvida com
Jude e Owen. Porém, se ele sentiu alguma pontada de
preocupação, ele não demonstrou.
“Aí estão meus três californianos favoritos!”, ele disse
alegremente. “Para dois de vocês tenho uma surpresa hoje”.
Owen apertou sua mão com um sorriso maroto no rosto depois
da diversão da noite anterior. “Que tipo de surpresa?”.
“Um visitante. Um visitante especial. Não posso dizer nada até
…”.
Eles olharam para mim e me dei conta de que eles estavam
esperando eu sair. Às vezes, era fácil esquecer que eles eram os
chefes e eu era meramente uma funcionária. Me despedi e fui
buscar um energético.
Melinda estava logo atrás de mim, preparando chá. “O que
você acha que é?”, perguntei a ela.
“Não sei”, ela disse, olhando preocupada para a xícara.
“Talvez alguma dessas visitas idiotas de celebridades”, sugeri.
“Tipo quando a Amazon contratou Tom Brady para ir até a sede
fazer um discurso motivacional a todos os funcionários”.
“Talvez …”, Melinda disse, mas pelo contrário, a preocupação
na sua expressão se agravou.
Bem naquele momento, um homem entrou pela porta da frente
e cumprimentou Furio. Ele tinha cabelos brancos, apesar do rosto
jovem e sobrancelhas escuras e grossas. Ele parecia vagamente
familiar, mas eu não conseguia saber muito bem, porque estava
longe.
Nancy veio correndo até a cozinha, como se seus sapatos
estivessem pegando fogo. “Vocês estão vendo isso?”.
O homem estava apertando a mão de Owen e de Jude. Os
dois pareciam totalmente chocados.
“Eu deveria reconhecê-lo?”, perguntei.
Nancy fez um muxoxo. “Você não estudou em Stanford? Você
deveria conhecê-lo!”.
“Minha irmã estuda em Stanford”, eu disse. “Eu estudei em
Berkeley. Por quê? Ele é professor?”.
Melinda virou com seu chá em mãos e então quase derrubou a
xícara no chão. “Aquele é Larry Page. Um dos fundadores do
Google!”.
De repente, o rosto redondo entrou em foco. Eu o reconheci de
capas de revistas de tecnologia que eu cresci lendo. Ele já tinha
cabelos brancos desde sempre.
“Meu. Deus”.
“Por que ele está aqui?”, Nancy perguntou. “O que está
acontecendo?”.
Quando saímos da cozinha, os quatro homens – Furio, Owen,
Jude, e Larry Page – estavam caminhando pelo escritório em
direção a uma sala de reuniões na parede mais distante. Eles
deixaram um rastro de funcionários embasbacados, e enxames de
pessoas se reunindo para apontar, perguntar e confirmar se era ele
mesmo.
De dentro da sala de reuniões, Jude me olhou preocupado.
Então, a porta se fechou.
Como se alguém tivesse dado o play em um filme, o escritório
de repente virou uma confusão de empolgação. No caminho curto
até as escadas, fui interceptada por quase dez funcionários que
queriam saber por que Larry Page estava ali, e o que estava
acontecendo. Eu não me lembro do que respondi para nenhum
deles. Eu ainda estava em transe.
Google quer trabalhar com a SE?
Subi as escadas para a minha sala, mas eu não queria ficar
longe do que estava acontecendo, então peguei meu laptop e desci
de novo. Encontrei uma cadeira confortável no salão principal, que
me dava uma visão ampla da sala de reuniões.
Os homens pareciam estar rindo. Owen estava sorrindo
largamente. Não havia papéis ou computadores que eu pudesse
ver. Só conversas. Durante o tempo todo, Furio esteve no canto da
mesa, com as pontas dos dedos unidas e assistindo os outros
conversarem, com satisfação pintada no seu belo rosto.
Eu não era a única funcionária tentando espiar a reunião. Dave
tinha um escritório no andar de cima, mas ele tinha voltado para o
seu pufe favorito e fingiu estar trabalhando para ficar de olho na
reunião. Outros muitos funcionários também visitaram a cozinha
várias vezes, de onde eles tinham uma visão clara do que estava
acontecendo. Will Won ou estava com infecção urinária ou bexiga
solta, porque estava indo ao banheiro de dez em dez minutos. O
caminho o levava diretamente para a frente da sala de reuniões,
onde os fundadores da SE conversavam com o quinto cara mais
rico do mundo.
Eu sabia que ele era o quinto cara mais rico do mundo, porque
eu tinha pesquisado enquanto esperava, saboreando a ironia de
usar o próprio mecanismo de busca do homem para investigar sua
vida. Ele tinha fundado o Google junto com Sergey Brin, apesar de
ambos só possuírem seis por cento da empresa atualmente. Ele não
era mais o presidente executivo, só um dos membros da diretoria.
Por que ele está aqui? Me perguntei. Será que ele quer investir
na SE?
Quando a porta se abriu, e os homens saíram da sala, uma
hora tinha se passado, mas pareciam dez. Todo mundo que estava
espiando voltou para a sua posição normal, fingindo estar ocupado,
mas todos olharam de canto de olho, enquanto Larry Page foi
acompanhado até a entrada do prédio.
Olhei para Jude e Owen, enquanto eles se despediam. Eles
estavam felizes e sorridentes. Sorrisos genuínos, não do tipo falso,
só para agradar um potencial parceiro de negócios. O que quer que
tivesse acontecido, foi bom.
Logo que o bilionário saiu do prédio, me levantei da minha
cadeira e fui na direção deles. “O que aconteceu? Sobre o que
vocês estavam falando?”.
“Aquele é Larry Page, fundador …”, Owen começou.
“Eu sei quem ele é!”, eu interrompi. “O que ele estava fazendo
aqui?”.
Jude colocou uma mão perto do meu ouvido, sussurrando para
só eu poder ouvir. “Eles querem nos comprar, Amber. O Google quer
comprar a SE”.
61

Amber

Suas palavras me entorpeceram instantaneamente. Eu abri a


boca, mas não consegui falar nada. Tudo o que eu consegui fazer
foi ficar ali parada em estado de choque.
O Google quer comprar nossa empresa.
Melinda chegou, e Owen se inclinou para sussurrar no ouvido
dela. “Não entendo”, ela sussurrou de volta. “Por que Larry Page
veio? Ele não é mais o presidente”.
“Eles queriam nos intimidar com a presença dele”, Jude disse
com a voz fraca. “Mostrando as melhores armas”.
Owen se virou para ele e sorriu. “Conseguimos, Boston.
Conseguimos”.
“Conseguimos”, ele respondeu, e eles se deram tapinhas nas
costas.
“Vocês dois vão ser homens muito ricos”, disse Furio, com
alegria. “Mais do que já são, é claro”.
“Você também, camarada”, Owen respondeu. “Presumindo que
a oferta deles vai ser tão tentadora quanto pensamos”.
“Você ouviu o que ele disse”, Jude interrompeu. “Eles vão
cobrir qualquer valor antes de nos tornarmos públicos”.
Furio colocou uma mão no ombro de cada um deles. “Duas
empresas maravilhosas criadas e vendidas, e vocês nem têm trinta
anos! Vocês dois vão vestir seus paraquedas dourados e pular na
próxima empreitada, seja qual ela for, vai ser um sucesso”.
“Espera um minuto”, eu interrompi. “O que você quer dizer?
Paraquedas dourados?”.
“Larry mencionou que o Google está desenvolvendo sua
própria plataforma de criptomoeda”, Jude explicou. “A SE vai ser
incubada neste departamento. Vamos receber uma indenização e
ações da Alphabet”.
“Alphabet é a empresa controladora do Google”, disse Owen.
“E faz sentido limpar a casa depois de uma compra. Eles vão querer
colocar sua própria equipe para trabalhar. Ninguém quer os
fundadores em volta, dando opiniões. Mas pelo dinheiro que eles
vão nos pagar? Eu me mudo para a porra do Congo, se for
necessário!”.
Eu estava preocupada antes, mas naquele momento senti o
alarme crescer no meu peito feito náusea. Google compraria
Soluções Encriptadas. As coisas mudariam. Além da notável
remoção de Jude e Owen. Eu não trabalharia mais com eles.
“Então acabou?”, perguntei, com o pânico revirando meu
estômago. “Eles nos compram e acabou?”.
Owen olhou em volta e colocou uma mão no meu braço. “Não
fale alto. Isso é informação confidencial. Até eles fazerem uma
oferta oficial. Ninguém mais deve saber. Eu não deveria nem ter
contado a você e à Melinda, para ser honesto”.
As luzes do teto pareciam estar brilhantes demais, e as
paredes se mexendo de forma não natural. Coloquei uma mão na
mesa de Melinda para me estabilizar, sem nem conseguir ouvir
direito os homens ao meu redor me perguntarem se eu estava bem.
Assim que as paredes pararam de se mover, peguei meu laptop e
corri para minha sala.
Quando cheguei lá, me dei conta de que estava tendo uma
crise de pânico. Coloquei minha cabeça na mesa e fechei os olhos,
forçando-me a respirar fundo. A última vez em que eu tinha tido uma
crise foi quando meu pai morreu. Agora era uma situação totalmente
diferente de todas as maneiras, mas, estranhamente, a sensação
era a mesma.
Está acabando. Tudo vai acabar.
Se a SE fosse comprada por outra empresa, minhas ações
inflariam o valor. Eu ficaria rica, tão rica quanto se a empresa fosse
a público. Eu teria tanto dinheiro que nem saberia o que fazer.
No entanto, eu finalmente tinha estabilidade na vida. Não
financeira, mas na minha carreira, estabilidade emocional. E
felicidade. Eu acordava todas as manhãs animada para ir trabalhar
e enfrentar o dia. E agora que aquela estabilidade estava
ameaçada, eu não me importava com o valor das minhas ações. Eu
não queria o dinheiro. Eu queria isso. Trabalhar em uma empresa
que eu adorava, para dois homens com os quais eu me preocupava
e respeitava e não me cansava. Eu queria tudo o que eu tinha
naquele momento, por mais tempo. Eu não estava pronta para tudo
acabar, para mudar tudo, para coisas diferentes. Eu não queria ficar
presa em outra megacorporação.
Quando olhei para cima, os três estavam parados do lado de
fora do meu escritório. Pedi a eles que entrassem, mas Owen
fechou a porta na cara de Furio, deixando-o do lado de fora.
“Qual é o problema?”, Jude perguntou.
Lágrimas finalmente rolaram pelo meu rosto, e eu não tentei
impedir. “Está mudando. Tudo vai acabar”.
Jude se sentou na quina da mesa. “Seu emprego
provavelmente está seguro. Você não precisa se preocupar com
isso. Talvez você até seja promovida, dependendo da nova estrutura
que o Google quiser implementar. Não importa o que aconteça, será
positivo para você!”.
“Não quero positivo!”, eu disse teimosamente. Eu sabia que
soava como uma criança petulante, mas não conseguia evitar. “Eu
gosto de como as coisas estão agora. Eu amo trabalhar para vocês.
Com vocês. Eu não quero que isso mude”.
Owen acariciou minha bochecha, secando uma lágrima com o
dedão. “Nós amamos trabalhar com você também, Amber. Mas as
coisas não podem ficar assim para sempre. Sempre foi nosso
objetivo: criar, expandir a empresa, aumentar seu valor e vender,
quando chegasse a hora. Como fizemos com a PayScale”.
Ele gesticulou para o prédio. “Olha para este lugar. Temos
centenas de empregados. Outro prédio está em negociação na
costa leste. A SE não precisa mais de nós, criança. E vai prosperar
dentro do Google”.
“Pense na sinergia que eles vão poder fornecer com seu
mecanismo de busca”, Jude adicionou. “Eles vão direcionar novos
clientes de criptomoedas curiosos para nossa plataforma. Vai ser
moleza. Você deveria estar feliz! Quando a oferta oficial chegar, todo
mundo vai entrar em êxtase!”.
“Então sou como os outros funcionários?”, eu gritei de volta.
“Como as pessoas da PayScale que vocês abandonaram, assim
que venderam a empresa?”.
Jude recuou, como se tivesse sido atingido. “Claro que não”.
“Isso é chocante, eu sei”, Owen disse. “Mas tire algum tempo
para pensar, e você vai perceber o quão maravilhoso é. Para todo
mundo, incluindo você”. Ele olhou para Jude. “Precisamos discutir
as especificidades. Quero fazer simulações na nossa projeção de
preço, para descobrir se vamos aceitar a oferta do Google ou
negociar um preço mais alto”.
Jude acenou. “Vou usar o programa que usamos outro dia. Na
sua sala?”. Ele olhou para mim, como se estivesse se perguntando
se deveria me consolar, ou me deixar sozinha. Ele optou pela
segunda opção.
Owen sorriu para mim e disse: “Isso não muda nada. Não entre
nós”. E então seguiu Jude para o lado de fora.
Sim. Vão lá pensar em dinheiro. Me deixando sozinha aqui.
Quando eles saíram, Furio entrou na sala. “Amber, estou
confuso. Você não está feliz?”.
“Por que eu ficaria feliz?”, perguntei.
“É uma tremenda oportunidade para todos. Especialmente para
você. Você tem uma flexibilidade incrível. Você pode ficar aqui
depois da venda, se quiser. Ou você pode vender suas ações e
fazer o que quiser da vida. Você pode ir trabalhar na eTodo, por
exemplo. O mundo é seu! Quando eu estava intermediando isso
tudo com Larry, eu visualizei sua felicidade com o resultado. Uma
surpresa incrivelmente maravilhosa!”.
“Espera um minuto”, eu disse devagar. “Foi essa a surpresa
que você mencionou no começo da semana? E não a doação para
o centro de pesquisa?”.
“Ambas”, ele disse. “Mas essa especialmente”.
“Você é o responsável por isso acontecer? Por minha causa?
Assim eu posso ir trabalhar para você na Itália?”.
“Esse acordo é lucrativo por si só”, ele disse suavemente.
“Independentemente do número final, vai ser um pagamento enorme
para quem quer que tenha ações. Pessoalmente, eu vou ganhar
quase sete vezes mais do que investi. E depois de apenas alguns
meses!”. Ele sorriu amplamente. “Mas sim, eu também considerei o
fato de que talvez isso fosse te empurrar para a busca de algo mais.
Se você desejar, é claro. Eu me preocupo com você, Amber. E
quero que você seja feliz e bem-sucedida, seja na Itália ou aqui”.
A raiva me invadiu como uma onda e eu agarrei a borda da
mesa com tanta força que achei que ela ia quebrar. “Eu não quero
que a minha vida mude! Estou feliz fazendo o que faço agora,
trabalhando para a SE. Trabalhando com Jude e Owen. A venda
muda tudo!”.
Furio contorceu o rosto, confuso. “Mas, Amber, o dinheiro que
você vai ganhar …”.
“Eu não queria que você se intrometesse na minha vida assim”,
eu disse, mordendo cada palavra. “Virando tudo de cabeça para
baixo”.
Ele endureceu o corpo e me olhou impávido. “Este é o
movimento correto para os negócios, independentemente de você.
Eu não estou meramente interferindo na sua vida, como você
sugeriu”.
Com raiva, triste e confusa, me levantei da cadeira e saí em
disparada do meu escritório.
62

Furio

Eu estava muito confuso.


Eu sabia precisamente quantas ações da SE Amber Moltisanti
possuía. Essa informação não era pública, mas um dos maiores
investidores tinha acesso. Não só por Amber, mas eu sabia sobre
todos os funcionários da empresa.
Pelo preço estimado que o Google estava disposto a pagar
pela companhia, Amber ganharia mais ou menos oito milhões de
dólares. A maioria dos americanos nunca ganharia esta quantia nem
em uma vida toda de trabalho. E ela ganharia isso depois de menos
de um ano trabalhando em uma empresa.
Uma transação dessas era inegavelmente positiva. Isso daria a
Amber a liberdade de ir para onde quisesse, fazer o que desejasse.
Ela não seria mais presa ao seu trabalho, esperando para receber e
pagar seu financiamento estudantil, contas, outros impostos e fardos
que as pessoas comuns carregam.
Era um presente tremendo, e eu tinha criado e trabalhado nele
por um longo tempo.
E, ainda assim, ela agiu como se eu tivesse jogado um balde
de peixes podres sobre a mesa dela.
Enquanto eu a assisti sair do escritório com raiva, resisti à
urgência de segui-la. Era entendível que ela estava com medo da
mudança. Todo mundo estava, de uma certa forma. Aquilo era uma
verdade tanto na Itália quanto em São Francisco. Talvez até mais.
Ela só precisava de tempo para processar. No dia seguinte ou
no outro, ela ficaria feliz com o resultado da venda. Com o tempo,
ela entenderia e me agradeceria pelo meu ato.
Eu estava começando a amar Amber Moltisanti de uma
maneira que me afligia deliciosamente. Eu faria qualquer coisa por
aquela mulher. Mesmo se ela não viesse trabalhar para a eTodo, a
venda a faria feliz, então eu venderia sem hesitar.
Encontrei os outros dois donos da empresa na sala de Jude,
digitando freneticamente em seus laptops. Nenhum deles me olhou,
quando eu entrei.
“Temos muito trabalho antes que a oferta oficial seja enviada,
não é?”, perguntei.
“Muito trabalho”, Owen concordou. “Temos declarações
financeiras para analisar e projeções para criar. Não é fácil estimar o
valor da nossa empresa a longo prazo, e queremos nos certificar de
que a oferta do Google vai ser o suficiente”.
“Eu terei alguns números preliminares em alguns minutos”,
Jude disse, sem parar de digitar.
“Então, vocês dois estão felizes?”, perguntei.
“Estou emocionado, cara!”, disse Owen. E então ele parou e
me olhou. “Mas e se não aceitarmos a oferta?”.
“Por que vocês não fariam isso?”, perguntei.
“Uma oferta assim tão cedo significa que outras companhias
reconhecem nosso potencial”, Owen explicou. “Talvez seja melhor
esperarmos até nos tornarmos públicos. Nosso valor vai ser mais
alto com a oferta pública inicial”.
Eu o encarei, confuso. Jude estava acenando.
“Por que vocês estão hesitantes agora?”, perguntei. “Só por
causa da reação dela?”. Não precisei elucidar quem era ela.
“Eu não esperava que ela fosse ficar tão chateada”, Jude
admitiu. “Ela realmente gosta das coisas assim, com Owen e eu no
comando”.
“Não estou dizendo que não deveríamos aceitar”, disse Owen.
“Mas eu vou pesar todas as minhas opções hoje. Não quero correr
com a transação, por mais maravilhosa que a ideia pareça”.
“Talvez especialmente pelo fato de a ideia parecer
maravilhosa”, Jude corrigiu. Owen acenou uma vez concordando.
“Essa reação … que absurdo”, eu disse a eles. “Se o Google
oferecer o que Larry sugeriu, vamos ficar mais ricos do que jamais
pensamos na vida. Há potencial em ganhar mais, se nos tornarmos
públicos sozinhos, mas isso não é garantia. Essa oferta é, sim,
dinheiro garantido!”.
Owen ficou em pé e começou a andar na frente da mesa de
Jude. “Eu o escuto. Realmente. Mas estou pensando que dinheiro
não é tudo. Estamos confortáveis agora. Não precisamos vender.
Podemos continuar fazendo o que estamos fazendo, crescendo e
expandindo nossa base de clientes e continuar com o mapa original.
Se nós recusarmos a oferta do Google agora, eles podem oferecer
mais dinheiro em alguns meses”.
“Estou inclinado a vender”, Jude disse. “Obviamente. Mas se
não vendermos … não vai ser uma coisa horrível”.
Olhei de um para o outro, como se estivesse vendo aqueles
dois homens pela primeira vez. Eles certamente não eram quem eu
pensei, quando começamos a fazer negócios. Eles estavam
deixando suas emoções pessoais tomarem conta dos seus instintos
empreendedores. Eles queriam manter a SE, ou porque era seu
bebê, ou porque Amber não queria que eles vendessem.
“Infelizmente”, eu disse calmamente. “A decisão pode não
estar nas mãos de vocês. Vocês têm juntos quarenta e cinco por
cento da empresa. Eu também comprei quarenta e cinco por cento,
os outros dez por cento pertence aos acionistas que votarão com
alegria a favor da venda”.
Os olhos de Jude se arregalaram por trás dos óculos, como se
ele não tivesse pensado nisso. Owen apertou os olhos na minha
direção. Eu mal olhei de volta para eles.
“Isso é o melhor para todos”, eu disse. “Inclusive para Amber”.
“Espero que sim”, Owen disse, levantando-se e abrindo a
porta, para que eu saísse da sala. “Para o seu bem, espero que
sim”.
63

Amber

Eu estava em transe no trem para casa. Quando me levantei


da cama naquele dia, pensei que tudo na minha vida era
maravilhoso. Eu acordei com dois homens maravilhosos me fazendo
carinho. Eu estava mais feliz do que jamais tinha estado.
E, em algumas horas, tudo pareceu desabar.
O que fez aquilo especialmente doloroso era o conhecimento
de que aquilo não poderia ser uma coisa ruim. Se o Google
comprasse a SE, minhas ações valeriam uma fortuna. Eu deveria
estar celebrando com os outros. Porém, eu não conseguia parar de
pensar que algo maravilhoso estava prestes a acabar.
Jude e Owen não estarão mais aqui. Tentei me imaginar indo
trabalhar todos os dias. Quem ocuparia os dois escritórios do canto?
Duvidei que fossem pessoas das quais eu gostasse. Provavelmente,
algum gerente mediador do Google que não sabia nem o que era a
variável de uma integral.
Quando cheguei a casa, fui para o meu quarto e me sentei na
minha escrivaninha. Estar ali no meio do dia era um lembrete do que
minha vida era antes da SE. Eu ficava acordada até as primeiras
horas da manhã e dormia até meio-dia. Eu jogava videogames o dia
todo, procurava por empregos de forma preguiçosa, me
convencendo de que não queria nenhum deles, porque eu não
queria trabalhar para empresas grandes e sem alma.
Naquela época, eu estava perdida. Não me dei conta no
período, mas ficou óbvio mais tarde. A SE tinha me dado
estabilidade. Propósito. Será que ele permaneceria comigo, uma
vez que eu o tinha adquirido? Eu achava que não.
Eu estava finalmente feliz. Minha vida era perfeita, profissional
e romanticamente. O que era o dinheiro comparado àquilo?
Ok, dinheiro era muito importante. Mas não era tudo, e era um
fator evidente agora que ele estava ali.
A porta do quarto da minha irmã se abriu no corredor, e eu a
ouvi perguntar: “Olá? Tem alguém em casa?”.
“Sou eu”.
Ela veio até meu quarto com uma careta. “O que você está
fazendo em casa?”.
Contei a ela sobre a visita de Larry Page e a compra iminente.
Quando ela comemorou e me abraçou, eu contei a ela sobre o
resto. Como Owen e Jude sairiam da direção, como tudo mudaria.
Eu esperava que ela fosse rir da minha cara e me dizer que eu
estava sendo burra, mas em vez disso, ela me abraçou apertado.
“Sinto muito”, ela disse. “Como posso ajudar?”.
“Não sei”, eu disse.
Ela se sentou de pernas cruzadas no chão e pegou seu celular.
“Eu vou fazer o que é meu forte. Projeções financeiras. Diga-me
quantas ações você tem”.
Passamos algum tempo procurando informações e
adicionando tudo. Quando terminamos, Michelle encarou a
calculadora chocada.
“Algo entre cinco e dez milhões”, ela suspirou. “É isso o que
você vai ganhar, dependendo do preço de venda”.
Me encostei na cadeira e resmunguei: “Eu queria que não
fosse tanto dinheiro. Seria muito mais fácil”.
“Cinco milhões investidos em um fundo de índice”, ela disse,
mas parecia estar conversando sozinha. “Com uma taxa de retirada
de segurança de quatro por cento, são duzentos mil por ano. Sem
nunca tocar no dinheiro”.
“Eu pagaria todas as nossas dívidas”, eu disse. “Seu
financiamento estudantil e o meu”.
“Não se preocupe comigo”, ela disse, me dando um aceno
desdenhoso. “Me formo ano que vem e vou conseguir um emprego
com um salário altíssimo. Vou poder lidar com meu próprio débito”.
Eu não argumentei, mas não a deixaria fazer aquilo. Ela era
minha única família. Eu queria cuidar dela. Se eu fosse ganhar
muito dinheiro de repente, pode apostar que usaria parte disso para
me certificar de que minha irmã começaria sua vida sem débitos.
“Vamos dizer que a venda aconteça”, Michelle começou. “E
seus dois namorados deixem a empresa. Isso significa que você
pode ficar com eles sem nenhuma estranheza. Eles não vão mais
ser seus chefes. Sem discussões problemáticas sobre dinâmicas de
poder ou abuso de posições. Você pode ficar com eles de verdade,
com um só ou com os dois, sem nenhum impedimento. Isso não é
maravilhoso?”.
“Sim, eu acho”, eu disse. “Mas vai ser a mesma coisa? Agora,
nós temos essa meta para a qual estamos trabalhando. Uma missão
compartilhada de tornar a SE a melhor empresa de criptomoeda de
todas. Se você eliminar esse fator … nosso relacionamento vai
funcionar?”.
“Ok”, disse Michelle devagar, pensando em tudo. “O que Owen
e Jude vão fazer depois? Caras como eles não simplesmente se
aposentam aos trinta anos e jogam golfe pelo resto da vida”.
“Eles disseram que vão começar outra empresa. Outro
projeto”.
“Aí está!”, Michelle disse alegremente. “Você pode ir trabalhar
para eles, ou com eles, como uma igual. Não seria ótimo?”.
“Sim e não”, eu disse. Eu já tinha pensado naquilo tudo.
“Google vai fazê-los assinar uma cláusula de não concorrência. Eles
não vão poder fazer nada relacionado à indústria de criptomoedas
por dois anos. Talvez até três, dependendo dos termos do contrato”.
“Então eles vão fazer outra coisa. Eles são espertos. Há várias
áreas no mundo da tecnologia que podem ser exploradas”.
Dei de ombros, mas no fundo eu sabia que não queria aquilo.
Eu era especialista em programação de criptomoeda. Eu não era só
boa naquilo, mas apaixonada por aquilo. Eu não queria ter que, de
repente, mudar de especialização e ir trabalhar em outra coisa,
mesmo que aquilo significasse ficar perto dos meus dois
namorados.
Eu quero continuar fazendo o que estou fazendo, pensei. Só
quero que as coisas fiquem como estão. Talvez não para sempre,
mas por um bom tempo.
Meu telefone tocou, era Furio. Eu não queria ouvir sua voz
naquele momento, então deixei ir para a caixa postal. Um momento
depois, entretanto, recebi uma mensagem de texto.

Furio: Amber, por favor, não fique chateada. Nem com a


situação nem comigo. Prometo que tudo vai dar certo. Vai ser o
melhor para todos nós.
Eu: Vender para uma grande empresa soberana não é um
sonho. A não ser que você se importe apenas com dinheiro.
Furio: Me importo muito com dinheiro. Todo mundo se importa.
Fingir que não é tentar tapar o sol com a panela.

Você quis dizer sol com a peneira. Eu nem corrigi a expressão,


embora eu quisesse, porque isso reforçaria minha crença de que ele
não sabia tudo.

Eu: Talvez eu não seja como todo mundo. E se você não


consegue ver isso, então não é certo estarmos juntos.
Furio: Bem, fico triste em ler isto. Quando a venda for
consolidada, espero que você reconsidere.
Eu não sabia o que fazer. Eu estava acostumada a trabalhar
em dias de semana e era desconcertante estar em casa. Abri meu
computador de trabalho e conectei ao VPN da empresa. Eu tinha
dez e-mails de diferentes funcionários perguntando sobre a visita de
Larry Page e sobre o que ela significava. Antes que eu pudesse
responder a qualquer um deles, Will Crawley me mandou uma
mensagem perguntando o porquê de eu ter ido embora mais cedo,
se tinha a ver com os rumores que estavam correndo pela empresa.
Dave me mandou uma mensagem minutos depois perguntando se
seríamos comprados. Todo mundo queria respostas.
Me desconectei e fechei o laptop. Qual era o ponto em
responder aos outros funcionários se tudo acabaria? Eles saberiam
em breve, sem eu precisar dizer uma única palavra.
A percepção me fez me sentir inútil. Como se, mesmo que eu
saísse antes da venda, os trabalhadores internos e as operações da
empresa continuariam sem mim.
Sem mais nada para fazer, eu voltei aos velhos hábitos:
videogames. Diablo estava ali para me confortar. O jogo tinha vinte
anos e ainda era tão divertido jogar quanto era quando eu era uma
criança.
Diferente de tudo, pelo menos isso nunca mudaria.
64

Amber

Não ouvi a campainha e não ouvi os passos pela escada.


Houve uma batida na porta que eu senti mais do que ouvi e, então,
Owen e Jude estavam parados no meu quarto com expressões de
preocupação nos rostos.
Vê-los fez meu coração esquentar. Os dois homens que eram
os pilares da minha vida no momento. Logo me lembrei de que o
que tínhamos ia acabar e então voltei ao estado melancólico.
“O que foi?”, perguntei, me virando para o jogo de novo. “Estou
meio ocupada agora”.
“Podemos conversar?”, Owen perguntou. “Qual é o
problema?”.
“Minha irmã não quer que vocês vendam a empresa para o
Google”, disse Michelle. “Se vocês ainda não perceberam, são
realmente dois tapados”.
Owen foi na direção dela tão rápido que ela deu um passo para
trás. “Essa informação é confidencial. Você poderia estar em
péssimos lençóis por falar sobre uma venda que ainda não
aconteceu. Entendido?”.
Como alguém que iria obter seu diploma em economia no ano
seguinte, aquilo a atingiu. Minha irmã disse curtamente: “Vocês três
se comportem, por obséquio”, antes de sair do quarto. As
bochechas de Jude coraram, quando ele se deu conta de que ela
sabia o que tínhamos feito na noite anterior.
“Recebemos a oferta oficial”, disse Owen, fechando a porta
para Michelle não poder ouvir. “Incluindo todos os detalhes. Eles vão
nos dar mesmo uma indenização enorme para sairmos da
empresa”.
“Vocês já falaram isso”, eu disse. “Alguma outra novidade real,
ou vocês só vieram me lembrar de que tudo o que construímos vai
ser tomado de nós?”.
“Você não entendeu”, Jude disse devagar. “Quando ele disse
nós, não se referiu a somente nós dois. O acordo inclui todos os
engenheiros seniores. Você e Nancy, Dave e provavelmente
Melinda”.
“Por quê? Por que eles fariam isso?”, perguntei.
“Aparentemente, Google tem trabalhado com sua própria
plataforma interna de criptomoeda, mas não vai conseguir lançar no
mercado a tempo. Depois que eles comprarem a empresa, eles
querem trazer sua própria equipe e assumir as posições mais altas”.
Trabalhar na SE sem Owen e Jude era uma ideia terrível. Uma
que eu não tinha gostado de jeito nenhum. No entanto, descobrir
que eu não tinha nem a opção, que aquilo me seria imposto antes
de mais nada … uma sensação de vazio invadiu meu estômago. Me
senti enjoada.
Menos de um ano trabalhando lá e já estou sendo afastada.
“Você não entende”, Owen disse. “Isso é ótimo! Você vai
receber uma compensação enorme. Mais do que apenas suas
ações”.
“Que tipo de indenização?”, Michelle perguntou do outro lado
da porta. “Quais são as especificidades?”.
Owen abriu a porta e gritou com ela até ela erguer as mãos e
praticamente sair correndo pelo corredor afora. Dessa vez, ele
deixou a porta aberta para poder observar a movimentação no
corredor.
“Eu pesquisei”, respondi, cuidadosamente omitindo o fato de
que Michelle tinha feito isso por mim. “Não sei o que o Google nos
ofereceu, mas a SE provavelmente vai valer mais, se esperarmos
até irmos a público, ao invés de vender agora”.
“Potencialmente sim”, Jude concordou, pegando um banco e
vindo se sentar perto de mim. Ele colocou uma mão no meu joelho,
tentando me confortar. “Mas isso provavelmente não vai ser muito
mais do que a oferta atual. Outros dez por cento, eu estimei. Mas
esse dinheiro é todo hipotético, enquanto o do Google é garantido”.
“Então é assim que um bilionário pensa?”, perguntei com
amargor. “Espremer o investimento até obter o último centavo?
Colocar o patrimônio líquido acima de tudo na sua vida, incluindo
suas relações pessoais?”.
Jude se encolheu, e Owen ficou paralisado na porta. Eu sabia
que os tinha magoado e fiquei feliz no momento. Eles mereciam um
pouco da dor que eu estava sentindo.
“Eu entendo que você quer manter as coisas da mesma
forma”, disse Jude gentilmente. “Mudanças são assustadoras.
Quando nós vendemos a PayScale, perguntei-me por um longo
tempo se era a coisa certa a se fazer. Mas então começamos a SE,
e eu me dei conta de que vender a PayScale foi, sim, o movimento
certo. E isso vai acontecer de novo, Amber. Sempre foi parte do
nosso plano a longo prazo”.
“Dos seus planos sim”, suspirei. Minha voz mal tinha forças.
“Eu pensei que fôssemos ficar juntos por mais tempo”.
“Talvez não profissionalmente. Mas agora nós podemos ficar
juntos, sem medo de as pessoas descobrirem”, disse Owen. “Se
formos para um jogo dos Warriors juntos, podemos trocar carícias,
sem medo de alguém escrever uma matéria no The Chronicle sobre
relacionamentos inapropriados. Vou poder colocar meu braço em
volta de você, te beijar, agir como você sendo minha, ao invés de
fingir que você é só uma pessoa qualquer. Você não quer isso?”.
Eu queria sim, mas ainda estava pensando no que tinha
contado à Michelle. Sobre como nosso relacionamento poderia não
ser forte o suficiente para sobreviver sem o trabalho como pano de
fundo.
“Apenas levem em consideração”, eu disse. “Dizer não para a
venda. Então podemos continuar trabalhando juntos, fazendo o que
estamos fazendo, e tudo vai continuar perfeito até entrarmos no
mercado. Vocês podem fazer isso? Levar em consideração pelo
menos, por mim?”.
“Podemos considerar o quanto quisermos, mas não vai
importar”, Owen murmurou.
“O que você quer dizer?”.
“Mesmo que nós dois votemos contra a venda”, Jude explicou.
“Ainda seremos minoria, se Furio for a favor”.
“Não entendo. Vocês dois não têm a maioria da empresa?
Furio só comprou quarenta e cinco por cento da empresa”.
“Correto, mas você está esquecendo dos outros acionistas que
nós temos”, Jude disse. “Você recebe ações todos os meses. Assim
como Melinda, Nancy, Dave e todos os outros funcionários. Toda
vez que contratamos alguém e damos a eles ações, desvalorizamos
nossa porcentagem da empresa”.
“Quando Furio comprou uma parte, ainda tínhamos mais do
que cinquenta por cento do controle”, disse Owen. “Agora temos tipo
quarenta e cinco”.
“Quarenta e cinco juntos”, Jude clarificou. “Aproximadamente.
Nós dois temos vinte e dois ponto seis por cento”.
“Não podemos parar isso”, Owen reiterou. “Então, o que
podemos fazer é abraçar a oportunidade. Especialmente porque,
como você sabe, é uma coisa boa”.
“É o que vocês vão fazer?”, perguntei. “Simplesmente desistir?
Você não é o Owen March que eu conheci no terraço aquele dia”.
Owen gargalhou amargamente. “Nós temos tratado você de
forma branda, mas está realmente sendo muito imatura. Ao invés de
apenas aceitar a situação como uma adulta, você está agindo feio
criança, como quando invadiu meu condomínio. Bem, isso não é
brincadeira de criança, Amber. São bilhões de dólares envolvidos!
Se você quiser se sentar ao lado de Jude e passar o dia
programando só por diversão, com risadinhas e flertes, vocês
podem fazer isso em casa. Você não precisa tentar bloquear toda a
porra de uma aquisição por causa deste capricho. E você
definitivamente não pode nos ridicularizar, como se estivéssemos
fazendo alguma coisa errada!”.
Os olhos verdes de Owen pareciam os de um gavião, quando
ele ficava bravo. Ele ficou parado na porta, quase tremendo de ódio
até se virar e sair andando.
Jude esperou até seus passos se afastarem bastante, antes de
me puxar da minha cadeira e me abraçar confortavelmente. Toda a
minha raiva e meus processos derreteram no seu abraço.
“Vai ficar tudo bem”, ele disse, sem me soltar. “Pode não
parecer agora, mas o futuro é brilhante, Amber. E qualquer que seja
o plano para nós, vamos nos adaptar. Juntos”.
Ele me deu um beijo de bochecha, mas quando saiu, eu não
senti como se o futuro fosse brilhante. Eu não senti nada.
65

Amber

Parte de mim não queria ir trabalhar no dia seguinte, mas


quando verifiquei minha agenda, vi que uma reunião de funcionários
tinha sido agendada logo cedo. A pauta da reunião era vaga, mas
mencionava que a presença era obrigatória, porque algo importante
seria votado.
Se a tragédia vai acontecer, é melhor eu estar lá para ver.
Pensei, arrumando-me para o trabalho. Era dramático da minha
parte chamar o fato da venda da minha empresa de tragédia, mas
eu não podia parar de pensar que algo terrível aconteceria naquele
dia.
No trem para o trabalho, um pensamento me invadiu. Furio era
dono de quarenta e cinco por cento da empresa, assim como Jude e
Owen combinados. Os outros dez por cento pertenciam aos
funcionários. Aquele número poderia ser o fator decisivo.
Se os funcionários votarem contra, a venda não vai se
concretizar!
Entrei no escritório com uma pitada de esperança. O prédio já
estava mais cheio do que nunca. Nenhuma sala de reunião era
grande o suficiente para o número de funcionários da SE, então,
ficamos na área aberta entre a cozinha e a escada. Os quase
duzentos funcionários se espalhavam, agitados e falantes, pelo
espaço. A sacada do segundo andar estava ainda mais cheia, pois
dava uma visão ampla de tudo.
Fui até Nancy primeiro: “Você acredita nisso?”, ela perguntou.
“Passei a noite toda lendo a carta da oferta”.
“Eu sei, é terrível”, respondi. “Estou chocada com eles
quererem que nos afastemos. Não vou fazer isso”.
Nancy latiu uma risada. “Pela indenização que eles
ofereceram? Dou o que quiserem. Dave e eu podemos viajar pelo
mundo por um ano”.
Fiz uma careta e segui até Will Crawley: “O que você acha
disso? É uma oferta vergonhosa, certo?”.
Ele fez uma careta. “Não sei. Parece muito trabalho”.
“Mas eles estão nos diminuindo!”, insisti. “Ganharemos mais,
se formos a público!”.
“Nossas ações são restritas, chefa. Não podemos movimentá-
las por três anos. Porém, com esta venda, receberemos
imediatamente. É um grande acordo para mim. Eu tenho muitas
ações”, ele inclinou a cabeça para mim. “Você está aqui há mais
tempo do que eu. Não está feliz com a quantidade de dinheiro que
vai receber?”.
“Não estou feliz com as mudanças”, eu disse com a voz fraca.
“As coisas sempre vão mudar”, ele disse. “Pelo menos, é uma
mudança boa, certo?”.
Will Won tinha uma opinião parecida. Assim como Sarah e
Burton. Andy achou que eu estava fazendo uma piada, quando
sugeri votarmos contra. “Você está me zoando, senhorita Moltisanti?
Eu votaria a favor, mesmo se fosse só um décimo do valor! Vou
comprar um barco!”.
Eu estava me sentindo abatida com aquilo tudo, quando
encontrei Melinda no alto da escada. Ela estava inclinada sobre a
grade, rolando uma caneta pelos dedos.
“Você vai votar a favor também?”, perguntei francamente.
“É claro”, ela respondeu. “Eu tenho a mesma quantidade de
ações que você. Não preciso do dinheiro, mas vai ser bom insultar
meu namorado”, ela riu, desgastada.
Eu ri junto, mas não entendi a piada. A última coisa que eu
soube era que seu namorado estava desempregado. Que tipo de
pessoa esfrega essa quantidade obscena de dinheiro na cara do
companheiro sem renda?
Olhei pela sala e vi rostos felizes e animados. A votação
certamente tenderia para Furio. E eu era uma idiota por pensar que
poderia ser de alguma forma diferente.
Eles não se importam se trabalham para Owen e Jude ou para
algum executivo do Google. E, honestamente, eu não podia culpá-
los. Eu talvez me sentisse da mesma forma, se não estivesse
dormindo com os chefes.
Minha garganta se apertou, mas eu endureci o maxilar para
não chorar. Eu não ia fazer aquilo na frente de todo mundo. Tudo
estava desabando naquele dia, mas eu manteria a dignidade.
Todas as conversas e discussões paralelas se cessaram, e um
silêncio invadiu a sala, quando Furio, Jude e Owen entraram no
local. Havia um homem segurando uma pasta de couro ao lado
dele, um dos advogados da empresa.
“Bom dia!”, Owen disse, aumentando o volume da voz para
todo mundo ouvir. Ele estava vestindo camisa e gravata, em vez de
jeans e camiseta. Ele parecia um líder de verdade. “Espero que
todos tenham lido o e-mail com os detalhes desta votação”.
“E como lemos!”, alguém gritou da sacada. Outras pessoas
comemoraram junto. Owen gargalhou e ergueu os braços,
sinalizando para a multidão se calar.
“É um bom acordo”, ele disse. “O que eles estão oferecendo é
um preço justo. Cada homem e mulher nesta sala tem ações da
empresa, então, vocês têm muito a ganhar com essa compra em
potencial. O Sr. Albacor aqui vai explicar todo o resto”.
O advogado começou a falar, mas Jude o interrompeu.
“Eu só queria dizer uma coisa antes”, ele anunciou. Sua voz
não era naturalmente alta como a de Owen, mas tão apaixonada
quanto. “Não importa como a votação vai terminar, é um sucesso
massivo de cada um de vocês. Uma empresa como a Alphabet
querer nos comprar é um testemunho de todo o trabalho duro de
vocês, não importa se vocês estão aqui por seis meses ou seis dias.
Votar a favor da venda é bom para todos”.
“Mas”, ele disse, olhando para mim por um milésimo de
segundo, “… se a votação falhar, quero que vocês todos saibam que
eu e Owen vamos trabalhar duro para fazer essa empresa se tornar
a melhor versão de si mesma. Assim, se entrarmos no mercado,
quando formos a público, vamos ganhar tanto dinheiro que vocês
vão ter que comprar uma segunda casa só para guardar o lucro!”.
Deixei escapulir um uuu, e algumas outras pessoas riram.
Alguém comemorou. Mas a maioria da sala só o encarou. A
matemática era simples para quase todo mundo: um pagamento
enorme e garantido agora era melhor do que potencialmente ganhar
um pouco mais pelo caminho.
Olhei para Jude com gratidão, por ele pelo menos tentar.
O advogado, Sr. Albacor, limpou a garganta para continuar:
“Em alguns minutos, todos receberão um e-mail com um link para
votar contra a venda ou a favor dela. O e-mail também tem uma
cópia das estipulações e seus procedimentos individuais, com base
na quantidade de ações que você tem. Diferente do e-mail de
ontem, isso não é uma estimativa, é o valor exato. Vocês têm uma
hora para ler e votar”.
Todos começaram a abrir seus laptops, pegar seus celulares
dos bolsos. Todo mundo correu para abrir o e-mail, usando seus
dispositivos, incluindo eu. O número listado no meu e-mail era
próximo do que eu e minha irmã tínhamos calculado: míseros oito
milhões de dólares. E, naquele momento, apesar dos meus
sentimentos, o número fez meus joelhos tremerem. Era grande o
suficiente que eu quase parei de me preocupar com meu trabalho
na SE e com meus relacionamentos com os três caras naquela sala.
E, perto do número, um link para os termos do acordo. Ele
detalhava minha indenização que era subordinada à minha
concordância em treinar engenheiros seniores do Google e ajudá-
los a assumirem meu trabalho. Ouvir Owen e Jude falarem sobre
isso na noite anterior foi difícil, mas ver tudo escrito em um contrato
fez minha pele se arrepiar.
Eu não quero sair, pensei. Quero ficar aqui e terminar meu
trabalho. Que merda, eu só estava começando!
Havia muita informação no e-mail, incluindo a possibilidade de
trocar alguns dos rendimentos por ações ordinárias da Alphabet
com desconto, mas eu ignorei tudo e cliquei no link. Apertei o botão
NÃO com muita força. Uma mensagem apareceu na tela me
certificando de que meu voto havia sido computado.
Suspirei e guardei o celular. Todos estavam em êxtase. Alguns
deles bateram as mãos no alto. Dave e Nancy quebraram o
protocolo e se abraçaram, mas imediatamente ficaram
constrangidos com o ato.
Melinda votou e, então, suspirou infeliz. Vi alguns outros
funcionários que não pareciam contentes. Fiquei feliz em saber que
eu não era a única. Mas não importava.
Furio me encarava do outro lado da sala. Ele estava impecável,
vestindo um terno cinza, majestoso e comandante, como o bom
líder que era. No entanto, seus olhos tinham uma pitada de
desapontamento e preocupação. Ele levantou uma sobrancelha
para mim.
Meu coração pulou, ansioso para perdoá-lo. Eu queria dizer a
Furio que eu entendia, que era apenas negócios e que ele era um
empresário. Que a venda da empresa fazia total sentido.
Porém, tudo o que eu conseguia pensar era em como eu
desesperadamente não queria que aquilo acontecesse. E ele tinha
sido o responsável por iniciar a mudança.
No caminho para a minha sala, passei por Eleanor. Ela era
uma garota punk de cabelos curtos, recém-formada, que tínhamos
contratado. Ela estava inclinada na grade olhando para todos.
“Não está feliz?”, perguntei.
Ela sacudiu a cabeça. “Tudo vai mudar, não é? É o que
acontece, quando um gigante como o Google compra coisas”.
“Provavelmente”.
“Votei contra. É estúpido … mas não quero que mude”.
Eu sorri tristemente. “Somos duas”.
Fui para a minha sala e fechei a porta para evitar o barulho
celebratório do lado de fora. Saboreei o silêncio, era pacífico. Me
lembrou de como as coisas eram, quando comecei a trabalhar ali,
com apenas meia dúzia de funcionários.
Peguei o mapa original de expansão e o admirei por um
momento. Era a essência destilada de todo o meu trabalho, desde
quando comecei na SE. Tinha crescido, desde que eu e Jude o
tínhamos criado, as tarefas se expandiram e se dividiram como os
galhos de uma árvore. Uma árvore que eu tinha plantado e visto
crescer. Toquei minha tela com os dedos, admirando os projetos em
cores diferentes e as tarefas completadas pelo caminho, ao lado
daquelas que ainda estavam em curso.
O mapa de expansão era como um filho para mim. Eu queria
vê-lo completo, não queria que outra pessoa cuidasse dele e
terminasse o trajeto que eu tinha visualizado. Eu me preocupava
mais com aquilo do que com o dinheiro que eu ganharia com a
venda.
Eu era idiota de pensar assim? Havia tanta pobreza em São
Francisco, nos Estados Unidos, no mundo. Seis meses antes,
quando aceitei o trabalho, eu estava com problemas financeiros,
tinha esvaziado minha poupança e meu débito só crescia. Naquele
momento, meus olhos viam aqueles milhões de dólares e não
significava nada. Eu tinha me tornado uma pessoa mimada em um
período tão curto de tempo?
Tentei pensar em todas as coisas boas que eu poderia fazer
com a minha indenização. Eu poderia doar grande parte disso para
o Centro do Câncer, acrescentando à doação de Furio. Eu poderia
escutar o conselho de minha irmã e investir em um fundo de índice.
Eu poderia começar minha própria empresa.
Não posso fazer isso. Pensei, triste. Minha indenização tem
uma cláusula de não concorrência. Não posso fazer nada
relacionado a criptomoedas por três anos.
Agora eu entendia o significado real de algemas de ouro.
Dei zoom no mapa e, então, abri a lista de tarefas mais
recentes no projeto das blockchains paralelas. Encontrei uma
específica que ninguém tinha começado. Estalei meus dedos. Se
tudo ia acabar, era melhor eu fazer uma última coisa pela empresa.
Como terminar uma escultura de mármore em Pompeia, antes do
Vesúvio entrar em erupção.
Gargalhei ironicamente. Não vou ser morta por um vulcão. Vou
apenas ganhar uma quantia absurda de dinheiro. Eu deveria estar
feliz.
Meus dedos começaram a se mover sozinhos, quando
comecei a programar. Era uma tarefa pequena, simples o suficiente
para até o programador mais inexperiente. Demorei dez minutos
para terminar. Era bom colocar a mão na massa, então, escolhi
outra tarefa. Mais complexa.
Me perdi nas dificuldades técnicas da tarefa. Variáveis. Loops.
Etc.
As pessoas vieram bater à minha porta, mas ignorei. Não
queria ser incomodada. Eu não tinha tempo para as reuniões
regulares da minha agenda e não fazia sentido, já que eu sairia da
empresa com a venda. Eu não queria passar as últimas horas sendo
gerente. Eu queria ser útil.
Acabou o horário da votação e recebi um e-mail com o
resultado. Eu não podia olhar. O resultado só me faria ficar mais
irritada com Owen, Jude e, especialmente, Furio. Talvez se eu
ignorasse o ceifador, conseguisse postergar minha morte um pouco
mais.
O escritório de Dave era ao lado do meu e vi Nancy entrar e
fechar a porta. Os dois conversaram de forma preocupada. Agora
que a votação tinha acabado, talvez eles tivessem se dado conta de
que era de fato o fim. Como engenheiros seniores, eles também
receberiam indenizações e precisariam treinar seus substitutos.
Deveriam ter pensado nisso antes de votar a favor, pensei.
Agora vendemos nossa alma para o diabo: uma grande corporação.
Não dá para voltar atrás.
Outras pessoas vieram falar com eles, tentei ignorar, mas a
movimentação era perturbadora. Todo mundo parecia alarmado e
confuso. Nancy gesticulava com uma mão.
Outra batida na minha porta veio de alguém que eu não podia
ignorar: Melinda. Sua expressão era estranha. Pensativa. Talvez
feliz? Ela tentou abrir a porta, mas estava trancada.
Suspirando, afastei-me do código na tela e me levantei para
abrir a porta. “Já sei. Acabou. Não me importo”.
“Eu sei. Não acredito, você acredita?”.
“Sim. Acho que não”, eu disse. “Não sei quando tudo vai ser
efetivado, mas estou tentando terminar algumas tarefas pequenas,
enquanto ainda trabalho aqui. Se você quiser tomar alguns drinques
mais tarde, pretendo ficar absolutamente bêbada. Melhor gastar
meu dinheiro em algo que vale a pena, não é?”.
“O quê? Não!”, ela disse com a voz estranha.
“Como quiser. Eu bebo sozinha”.
Melinda segurou meu braço, antes que eu pudesse me afastar.
“A votação falhou, Amber. A venda não foi concretizada”.
66

Amber

Melinda sorriu para mim, mas eu só a encarei de volta.


“Você me ouviu?”, ela perguntou. “A venda falhou!”.
“Não entendo”, eu disse devagar. Eu não ousava acreditar.
Ainda não. “Todo mundo votaria a favor. Seria a maioria somada a
Furio”.
“Furio não votou a favor, Amber”, ela disse, segurando-me
pelos braços. “Ele voltou contra”.
“Mas foi ele quem começou a negociação!”.
“Eu sei, e não faz o menor sentido”, ela respondeu. “Mas o total
dos votos não mente. Ele votou contra”.
Uma pontada de esperança voltou para o meu corpo. Aquilo
estava mesmo acontecendo? A votação falhou?
Corri de volta para meu computador, para ver com meus
próprios olhos. Nove por cento votou a favor, mas noventa e um por
cento votou contra. Os votos não eram públicos, mas só havia uma
combinação possível para culminar naquele índice.
Owen, Jude e Furio votaram contra!
Quando me virei para a porta, Jude estava parado lá. Ele
parecia exatamente o cara que eu tinha conhecido naquela noite no
Marcello’s, depois da transformação que eu fiz na sua roupa:
mangas dobradas, mãos nos bolsos e um sorrisinho tímido.
“Vocês votaram não? Os três?”.
Ele acenou. “É, acho que sim”.
“Por que?”.
Ele deu de ombros. “Não posso responder por Owen ou Furio.
Mas você me convenceu com seu argumento. Temos muito a fazer
aqui ainda. Eu quero estar por perto para ver acontecer”.
Me joguei em seus braços e o beijei, sem me importar com o
fato de as pessoas poderem nos ver.
Corri para a sala principal no primeiro andar. Todos estavam
zanzando confusos, conversando baixo. Owen estava no pé da
escada, totalmente deslocado naquele terno.
“Não sou insano, ou sou?”, ele perguntou. “Votar contra um
acordo que me faria a trigésima terceira pessoa mais rica do
mundo? E sim, eu chequei a lista. Não me julgue”.
Eu o abracei, mas não o beijei, porque estávamos rodeados
por funcionários. “Isso te faz menos arrombado, e eu te amo por
isso”.
Ele se encolheu, e eu refleti sobre as palavras que tinham
acabado de sair da minha boca. Eu não tinha a intenção de dizê-las.
Mas agora que tinha dito, e Owen me encarava com seu olhar de
esmeraldas, dei-me conta de que era verdade.
“Também te amo”, ele suspirou baixo o suficiente para só eu
poder ouvir, mas com uma certeza que era mais dura que uma
pedra. “Acho que eu já sabia disso, mas ainda não tinha conseguido
dizer”.
Naquele momento, eu realmente queria beijá-lo, e metade das
pessoas ainda estava ao nosso redor, então, eu rapidamente me
afastei dele, antes de fazer alguma coisa da qual eu pudesse me
arrepender. “Vou te beijar com tanta força mais tarde”, eu sussurrei.
Ele sorriu. “Com certeza vai”.
Passei pela multidão de funcionários que ainda conversavam
confusos sobre a votação. Encontrei Furio na sala de reuniões,
andando de um lado para o outro. Quando abri a porta, notei que ele
estava em uma ligação.
“Você disse que tinha os votos!”, alguém gritou com raiva do
outro lado da linha.
“Desculpa, mas aparentemente eu estava incorreto”.
“Como ficou a distribuição?”, o homem no celular perguntou.
“Foi por pouco, não foi?”.
“Receio que isso seja informação interna”. Ele piscou para
mim, enquanto respondia.
“É por causa do dinheiro? Foi apenas a oferta inicial. Podemos
negociar, é claro”.
Furio me encarou, respondendo: “Não é pelo dinheiro”.
“Então o quê …”.
“Eu não acho que devemos continuar conversando sobre isso”,
disse Furio, finalizando a discussão. “Talvez seja melhor pararmos
por aqui e seguirmos nossos caminhos, ok?”.
O homem do outro lado da linha fez um barulho de
desaprovação. “Isso é um disparate! Um absurdo! Precisei de muito
capital político para fazer isso acontecer, e explodiu bem na nossa
cara. Você está queimando cartuchos, Furio. Espero que você tenha
conexões na Europa, porque vou me certificar de que você nunca
mais trabalhe com ninguém na Califórnia”.
A ligação terminou.
Furio se endireitou. “Aparentemente, o quinto homem mais rico
do mundo está um pouco bravo comigo”.
“Por quê?”, perguntei.
“Larry Page está irado com a votação, é claro”.
“Não”, eu disse. “Por que você votou contra?”.
“Por sua causa, Amber”, ele se aproximou, e eu pensei que iria
me afogar nos seus olhos escuros. “Durante a minha vida toda me
esforcei para seguir meu próprio caminho. Para todo mundo que me
conhece, eu sou só um garoto mimado que herdou a fortuna de sua
família sem precisar trabalhar. Sem merecer. Desde criança tenho
um desejo ardente de provar que estão errados. Mostrar meu valor.
E não simplesmente me sentar e aproveitar minha posição
privilegiada, mas de fazer isso crescer”.
“Essa venda faria meu patrimônio aumentar significativamente.
É verdade. Foi por isso que negociei, primeiramente. Todavia, meu
desejo vai além disso, me dei conta. Eu não quero simplesmente
que um número fique maior. Existem mais coisas na vida. Desejo
reconhecimento. Quero satisfação. Eu anseio pela sensação de
preenchimento de um bom investimento, e não só de vender no
momento oportuno. Você me ajudou a me dar conta disso, Amber,
quando eu estava me preparando para votar. Seu olhar foi a coisa
mais feroz que já vi na vida. Ele me guiou, e me fez querer votar
contra. E foi o que eu fiz”.
“Furio …”, eu disse. “Isso é insano. Você iria ganhar bilhões”.
Ele deu de ombros, como se não fosse importante. “Dinheiro
não é nada, comparado ao meu desejo em te fazer feliz. E em ser
feliz com você”.
O bilionário italiano me abraçou, me dobrando nos seus
braços, como se nada tivesse acontecido. Pressionei meu rosto
contra seu peito e respirei profundamente seu cheiro de homem.
Ele realmente é o homem que eu pensava que ele fosse.
Era o que eu queria. O que eu esperava desesperadamente
contra todas as probabilidades. Porém, agora que tinha acontecido,
agora que eu ouvi que tinha razão, senti a culpa me invadir.
“Furio, é muito dinheiro”, eu disse. “E se não der certo? E se
esse for um erro enorme? Você vai usar isso contra mim”.
“Eu jamais faria isso”.
“Você não pode prometer isso. Se a SE falhar, e você perder
tudo que investiu, você vai ter que me culpar”.
Ele se afastou e acariciou minha bochecha. “Acho que não.
Não posso te culpar assim como não posso culpar as flores por
florescerem. Mas só por desencargo, vamos trabalhar duro para
fazer da Soluções Encriptadas a melhor empresa que ela pode ser”.
Sorrimos um para o outro e nos beijamos, às favas com os
espectadores.
67

Amber

Nós todos – eu, Melinda, Jude, Owen e Furio – fomos para o


Marcello’s naquela noite para celebrar. Owen se ofereceu para
expulsar todos os clientes da cobertura, mas eu olhei com ódio para
ele.
“Ok. Podemos dividir a área com o resto”, ele concordou.
Eu acenei satisfeita.
Escolhemos dois sofás perto da lareira, para assistir ao sol se
pôr atrás de dois arranha-céus. Owen pediu duas garrafas de
champanhe e encheu as taças de todos.
“Um brinde”, ele disse, levantando sua taça. “Porque
acabamos de recusar bilhões de dólares”.
“Uhu!”, eu disse, tomando um gole longo.
“É possível”, disse Furio, “… que sejamos as únicas pessoas
no planeta celebrando uma coisa deste tipo”.
“A forma como eu vejo”, interveio Jude, “… é que estamos
celebrando o futuro da SE. Um futuro do qual faremos parte”.
“O fato de o Google querer nos comprar é um bom sinal”,
Melinda concordou. “Eles sabem que temos potencial”.
“Vamos vazar a informação da oferta”, Owen disse. “Quando
todo mundo souber que recusamos, vão nos olhar como uma estrela
em ascensão”.
“Ou ficarão maravilhados com a nossa estupidez”, disse Jude.
“Bom, isso também”.
Jude sorriu para mim do outro sofá. “Eu gostaria de propor um
brinde à Amber Moltisanti. A mulher que nos convenceu a recusar a
oferta e continuar trabalhando na SE”.
“Vou brindar a isso sempre”, disse Furio, colocando um braço
em volta do meu ombro.
Foi muito natural, até eu me dar conta de que Melinda estava
ali. Olhei para ela, que já estava gargalhando.
“Relaxa, eu já sabia”.
“Como?”, Owen perguntou. “Como você consegue notar todas
essas coisas?”.
“Tenho um radar natural”, ela disse. “É tipo meu superpoder. Eu
previ o que aconteceria entre Nancy e Dave duas semanas antes de
ela convidá-lo para sair”.
“Você tem … uma opinião sobre isso?”, Jude perguntou com
estranheza.
“Sobre o quê? Sobre Amber revezar vocês?”, ela gargalhou.
“Na verdade, não. É meio estranho, mas está dando certo. Para
vocês todos”. Ela se virou para Furio. “Pelo menos para eles, eu não
o conheço o suficiente para dizer”.
“Posso te garantir que está dando muito certo para mim”, Furio
respondeu, dando um beijo na minha bochecha.
“Está te inspirando?”, Owen perguntou a Melinda. “Você está
planejando seu próprio harém de programadores da SE?”.
Ela gargalhou e tomou um gole do seu champanhe. “Um
namorado já é demais para mim”.
“O namorado que não existe”, Owen disse a Furio. “Nenhum de
nós o conhece ainda”.
“Ele existe sim!”, Melinda disse. “Inclusive ele deve se juntar a
nós esta noite”.
Owen se inclinou de volta na cadeira. “Só acredito vendo. Ou
seja: nunca vou acreditar”.
Ela revirou os olhos.
“Essa situação”, disse Furio gesticulando em volta. “Entre nós
e Amber. Nós deveríamos discutir agora que estamos aqui juntos”.
Houve um silêncio constrangedor. Melinda bebeu seu
champanhe e tentou olhar para nós quatro ao mesmo tempo, por
cima da taça, fingindo não estar interessada na situação.
Furio fez uma careta. “Não entendo o porquê de tanto
desconforto. Todos sabíamos da situação, certo?”.
“Sim, certamente”, disse Owen. “Mas não acho que
deveríamos discutir isso todos juntos”.
“Sobre o que temos que discutir?”, Jude perguntou.
“Precisamos falar sobre o agora. E o futuro”, disse Furio.
Eles olharam para mim. Minha boca ficou seca de repente.
“Não sei o que dizer”, respondi. “E não sei o que fazer”.
“O caminho que temos está claro para mim”, disse Furio.
Owen cruzou as pernas, tentando parecer casual. “Claro. Você
acha que Amber deveria estar com você. Só com você”.
“É claro que não”, Furio respondeu. “Eu moro na Itália, Amber
mora aqui. E apesar dos meus melhores esforços, ela não quer
trabalhar para a eTodo. Não. A solução mais simples é
continuarmos dividindo-a”.
Fiquei chocada. “Sério?”.
“Mas é claro”, disse Furio simplesmente, como se estivesse
discutindo se deveríamos pedir um petisco. “É um acordo
esplêndido. Ela estará em boas mãos, enquanto eu estiver na Itália.
E uma mulher tão maravilhosa, tão cheia de vida e de energia, é
muito para um só homem. Sim, eu acho que deveríamos continuar
compartilhando-a. Discordam?”.
“Eu …”. Jude ajustou seus óculos, olhando para mim e então
para Furio de novo. “Não discordo. Mas devo admitir que estou
surpreso por você estar de boa com isso tudo”.
“Nós dividimos uma empresa com facilidade”, disse Furio.
“Eu não sou como uma empresa”, eu respondi.
“Não”, disse Furio, sorrindo amorosamente para mim. “Você é
muito mais”.
Me dei conta de que eu era a peça final do quebra-cabeças. O
dia tinha sido um turbilhão de mudanças em potencial, e eu tinha
evitado tudo … mas o maior aspecto era minha vida amorosa, e eu
não queria mudar. Queria continuar saindo com os três, porque era
impossível escolher um só.
Mas eles estavam ali dizendo que eu não precisava escolher.
Eu poderia continuar meus relacionamentos com Owen e Jude,
individualmente e juntos, e eu poderia ver Furio, quando ele
estivesse na cidade. Eu poderia ter tudo.
“Estamos de acordo, então?”, Furio perguntou. “É aceitável
para mim continuar meu relacionamento com Amber, assim como é
para vocês dois?”.
“Por mim tudo bem”, disse Jude.
Owen acenou vagarosamente. “Quer saber? Sim. Eu não tinha
certeza de como me sentia com um terceiro cara, mas acho que
estou me acostumando com a ideia. Especialmente, se isso faz
Amber mais feliz”. Ele apontou para Furio. “Desde que você não
decida se mudar de repente para São Francisco e tomar muito
tempo dela”.
“Não posso prometer!”, Furio disse, rindo.
Owen se inclinou e apertou sua mão, então Jude fez o mesmo.
Eu os encarei fingindo estar ofendida. Mas, ao mesmo tempo, um
pouco ofendida.
“O que eu acabei de falar? Não sou uma empresa. Isso não é
uma compra ou uma fusão!”.
“Não sei”, disse Owen astutamente. “Precisamos criar muitos
documentos para ter você”.
“Nem me fale”, Melinda sussurrou, e todos gargalharam.
Eu abracei e beijei Furio, então fiz o mesmo com Jude.
Finalmente Owen me enrolou em seus braços, beijando-me um
pouco mais longamente que os outros dois.
“Não posso prometer que não vou ser um pouco competitivo”,
ele sussurrou, com um sorriso travesso nos lábios.
Eu ajeitei seu cabelo e sorri. “Eu não esperava menos”.
Owen encheu todas as taças novamente e fez uma piada
sobre sabotar o jatinho de Furio, quando ele voltasse para a Itália.
Furio provocou os dois bilionários americanos por não terem seu
próprio jatinho e por andarem de Uber, em vez de terem um
chauffeur.
Enquanto os três continuavam as provocações, olhei para a
cena e sorri. Três homens, um para o qual eu tinha dito eu te amo
mais cedo, e os outros dois pelos quais eu sentia a mesma coisa,
mesmo sem ter dito nada ainda. Eu tinha os três … e eles estavam
felizes com isso.
O mundo é maluco, pensei.
Um homem caminhou até a nossa seção da cobertura, e
Melinda se levantou para abraçá-lo. Ele era trinta centímetros mais
alto que ela, e suas mãos enormes se espalharam pelas suas
costas, enquanto ele a beijava. Ele era vagamente familiar.
“Que bom que você veio, bebê”, ela disse, olhando para Owen
com um olhar triunfante. “Meu chefe estava começando a pensar
que você não existia”.
Owen se engasgou com seu champanhe. Furio precisou dar a
ele dois guardanapos para limpar o rosto.
“É ele?”, ele perguntou, quando conseguiu recobrar o fôlego.
“Seu namorado é Jimmy Garoppolo?!?!”.
Foi quando o reconheci. Do baile de gala. Ele me disse que era
um grande fã da SE, o que me deixou confusa. Agora tudo fazia
sentido.
“Não entendo”, eu disse. “Achei que seu namorado era um à-
toa”.
“Me chamam muito disso”, ele disse, com um sorriso brando,
“Especialmente, depois de um jogo ruim”.
Todo mundo riu, mas Melinda me deu um olhar confuso. “Por
que você acharia que ele era um à-toa?”.
“O que eu acho que ela está tentando dizer”, Jude tentou
explicar, “… é que você disse que ele era desempregado”.
Melinda deu uma risadinha. “Eu disse que ele não estava
trabalhando no momento. Aquilo foi em abril, fora da temporada. Ele
passou meses no sofá vendo TV e me esperando chegar em casa
do trabalho”.
“Não posso evitar sentir sua falta, bebê”. Ele colocou o braço
em volta da cintura dela e a beijou. “Estou ocupado agora que a
temporada já começou”.
“Aquelas mulheres estão tirando fotos”, Furio disse. “Você é
famoso?”.
“Ele é quarterback dos Niners”, expliquei. “Nosso time local de
futebol americano”.
Furio apertou sua mão e deu uma risadinha. “Desculpe-me,
mas de onde venho só existe um tipo de futebol. Jogamos com os
pés”.
“Eles deveriam chamar de ‘lançamento de bola esquisita’,
certo?”, Jimmy disse, despertando várias risadas. Então, ele
apontou para as garrafas. “O que estamos celebrando?”.
“Acabamos de recusar muito dinheiro”, Melinda explicou.
Ele pareceu confuso. “Isso é algum tipo de piada? Porque não
estou entendendo”.
“Também não tenho certeza se entendi bem”, Owen
concordou. “Mas espero que estejamos gargalhando no próximo
ano, quando a Soluções Encriptadas se tornar pública!”.
“Falando nisso”, Jude disse. “Precisamos ajustar o mapa.
Agora que o Google sabe que não vão conseguir nos comprar, vão
correr para desenvolver sua própria plataforma”.
Acenei. “Vamos acelerar nosso cronograma. Tenho certeza de
que existem algumas tarefas que podem ser feitas em paralelo para
ganhar tempo. Mas vamos precisar de mais programadores de
Phyton”.
“Já estou trabalhando nisso”, Melinda disse. “Tenho uma pilha
de candidatos mais alta do que meu namorado. Meu namorado
muito real¸ jogador da NFL”, ela olhou para Owen.
“Ok, ok. Você estava certa, e eu errado”.
“Anotem nas suas agendas, pessoal”, eu declarei. “Owen
March acabou de anunciar que estava errado”.
Owen se encostou na cadeira, sorrindo. “Isso acontece uma
vez a cada quatro anos. Como anos bissextos”.
“Vou marcar uma reunião amanhã”, disse Jude. “Para
revisarmos o mapa e o ajustarmos. Eu já consigo pensar em
algumas tarefas que podem ser divididas em outras menores e
passadas a diferentes programadores”.
Eu sorri para ele. “Mal posso esperar”.
A garçonete chegou com outra taça e duas outras garrafas.
“Mais champanhe, Sr. March? Vi que você tem mais convidados,
mas não queria presumir”.
“Timing perfeito”, ele respondeu. “Eu já ia te chamar”.
“Precisaremos de muitas outras garrafas esta noite”, disse
Furio.
A garçonete sorriu. “Vou me certificar de que vocês não fiquem
sem”.
“Maravilha!”. Furio sorriu de volta para ela. “Seu serviço é
primoroso! Você é uma verdadeira arrombada”.
Todo mundo se engasgou, e a garçonete ficou chocada. Então,
todo mundo começou a falar ao mesmo tempo, pedindo desculpa
para a pobre garota e explicando que inglês não era sua língua
nativa, e gargalhando ao mesmo tempo, enquanto Furio encarava
sua volta, confuso pelo que tinha acabado de dizer.
68

Amber

Depois que a venda da empresa falhou, crescemos mais


rápido do que todos esperavam. Muitos funcionários estavam
desapontados com o resultado da votação, mas logo todos viram do
que se tratava: um sinal de que a Soluções Encriptadas tinha um
imenso potencial. Portanto, encorajados, eles dobraram seus
esforços diariamente.
Abrimos uma segunda filial – em Nova Iorque, não em Boston,
para o desprazer de Jude. Melinda encontrou um espaço que
cumpria nossos requisitos e rapidamente o ocupamos com
funcionários, e tudo de que precisávamos para continuar
expandindo.
Jude e Owen viajavam entre as duas sedes. Eles nunca iam ao
mesmo tempo, o que tornava minha vida mais fácil. Quando Jude
estava em Nova Iorque, eu passava mais tempo com Owen e vice-
versa.
Perto do Natal, viajei com Owen. Nova Iorque é fria e linda no
inverno, e nós dois fomos patinar no gelo na praça Rockeffeler.
“Viu?”, Owen disse, enquanto patinávamos de mãos dadas.
“Sem John D. Rockeffeler, isso não seria possível. Bilionários não
são tão maus”.
“Minha opinião sobre eles mudou em um ano”, admiti.
Jude e eu passamos o Réveillon juntos em São Francisco.
Lutamos com uma multidão no cais, pulando de bar em bar, antes
que a contagem regressiva começasse. Fogos de artifício
explodiram sobre a baía, sobre a Golden Gate e sobre toda a
península. Nós nos beijamos, até ficarmos sem ar e com o rosto
vermelho.
“Acho que amo você”, disse Jude.
Levantei uma sobrancelha. “Você acha?”.
Ele ficou ereto e ajustou os óculos. “Não. Eu sei que te amo.
Eu te amo Amber Moltisanti. E se você não me ama, tudo bem,
porque …”.
“É claro que eu amo você!”, respondi, dando uma
cotoveladinha nele. “E sei disso faz meses!”.
“Sério? Por que você não disse antes?”.
“Porque eu queria que você dissesse antes!”, eu disse. “Eu
queria saber se você sentia de verdade, ao invés de apenas falar”.
Ele sorriu e me tomou em seus braços. O brilho dos fogos de
artifício refletia nas lentes de seus óculos, em vermelho, verde e
roxo. “Eu amo você. E eu amo o som desta frase. “Eu amo você”.
“E eu amo você”.
Eu o beijei de novo, e os fogos de artifício continuaram.
Depois do Ano Novo, comecei a trabalhar mais tempo no
escritório de São Francisco. Eu não era a única. Tínhamos uma
nova meta coletiva: não só o sucesso, mas o desejo de saber que
tínhamos tomado a decisão certa, votando contra a aquisição. Se
fôssemos a público, e o preço das ações fosse mais alto do que o
Google tinha oferecido, então saberíamos que tinha valido a pena. A
motivação me fazia pular da cama cedo e ficar no escritório até
tarde da noite.
Estou feliz, porque ainda estou trabalhando aqui, pensei
enquanto digitava no meu teclado. É bom para mim me jogar em
uma carreira.
Em fevereiro, meu relacionamento com Owen se tornou
público. Estávamos em um jogo dos Warriors juntos e, mais uma
vez, Jocelyn apareceu com uma roupa justa e os cabelos perfeitos.
Depois de flertar descomedidamente com Owen, eu o agarrei e o
beijei longa e sensualmente. Aquilo finalmente calou a boca de
Jocelyn.
Porém, alguns fotógrafos também viram, e nós dois fomos
página principal do TMZ no dia seguinte.
Aquilo não refletiu bem na imagem de Owen, como Diretor
Executivo. Eu era sua subalterna. Então, criamos uma nova posição
para minimizar os danos. Diretor estratégico. Era mais ou menos a
mesma coisa que a diretoria de tecnologia, mas focada em
estratégias a longo prazo. Jude assumiu a nova posição, e eu me
tornei a nova Diretora de Tecnologia.
Não era diferente na prática. O organograma mal tinha
mudado. Mantivemos as mesmas salas. Mas agora os três tinham o
mesmo nível na empresa, éramos iguais em posição e até mesmo
em titularidade. O que significava que poderíamos namorar em
público, sem criar um escândalo.
Eu fiquei maravilhada em como era bom não precisar mais
esconder. É claro que precisávamos manter a postura profissional
no escritório. Não podíamos nos agarrar na cozinha ou coisas do
tipo. Porém, eu podia ir embora com qualquer um deles, ou
aparecer de manhã com Jude ou Owen, sem ninguém julgar.
As pessoas do escritório começaram a notar que eu estava
simultaneamente saindo com os dois homens. Rumores, sussurros,
longos olhares … coisas típicas de qualquer fofoca de trabalho.
Em uma noite, eu estava tomando um energético, quando os
dois Wills entraram juntos na cozinha.
“Olá, senhora chefa!”, Will Crawley disse.
Will Won me encarou de forma estranha. Já fazia um tempo
que ele estava me tratando daquele jeito. Eu suspirei e me virei na
direção dele, com as duas mãos na cintura.
“Vamos lá, Won. Qual é seu problema?”.
Ele sorriu desconfortavelmente. “É, hm …”.
“Apenas pergunte o que você quer perguntar?”.
Ele hesitou, como se fosse uma armadilha, então
desembuchou: “Você está namorando os dois? Sr. March e Sr.
Cauthon?”.
“Sim”, respondi. “Estou”.
“Mas, tipo … como isso funciona? É meio …”, ele se
atrapalhou com as palavras.
Will Crawley deu um cutucão suave nas costas dele. “Se eu
estivesse namorando duas mulheres, você me felicitaria e me
chamaria de garanhão. Por que é tão diferente uma mulher namorar
dois caras?”.
“Eu não sei …”.
“A senhorita Moltisanti é durona. Você sabe disso. Eu sei disso.
Todo mundo sabe disso. Se ela quer ter dois namorados, não tem
nada de errado nisso”.
Olhei para Crawley com apreciação. Eu sempre achei que ele
era um cara muito tradicional, conservador. Ele era a última pessoa
que eu esperava que fosse sair em minha defesa.
Depois daquele dia, ninguém mais me perturbou sobre o
assunto. Nem Will Won, nem outro funcionário, nem ninguém mais.
69

Amber

A Fundação Esperança do Futuro promoveu um leilão de


caridade em março. Owen e Jude se associaram à Fundação com
doações significativas. Eles alegaram que era caridade, e que eles
queriam ajudar, mas eu sabia que eles estavam tentando competir
com Furio.
Eu não tinha visto Furio já fazia semanas. Ele estava ocupado,
comprando mais duas empresas na Europa: uma plataforma grega
de criptomoeda e um negócio de apoio a blockchains na Suíça.
Ambas complementariam a eTodo que crescia rapidamente e, por
sua vez, ajudariam a SE, graças à integração das plataformas que
estava próxima de acontecer.
“Toda vez que eu te vejo”, disse Furio, enquanto dançávamos
de rosto colado, “… parece a primeira vez”.
“Quando você me viu sendo arrastada do terraço no
aniversário da minha irmã?”, perguntei.
Seus olhos escuros se apertaram. “Quando a vi na SE. Você é
tão linda quanto era naquela época”.
“Espero que sim”, respondi, acenando para o meu vestido.
“Mas eu provavelmente estava usando calça jeans e camiseta. Hoje,
entrei em campo com o time titular”.
Furio sacudiu a cabeça. “Você estava bem sexy naquele dia.
Saia lápis e uma blusa bege. Você e todos no escritório estavam
vestidos elegantemente para a chegada do investidor bilionário”.
“É mesmo. Me lembro disso. Queríamos te impressionar.”
Sua mão escorregou pelas minhas costas, esfregando o topo
da minha bunda. “Você me impressionou muito, mas não da forma
que pretendia”.
Furio e eu dançamos várias músicas, então foi a vez de Owen.
Quando terminamos, encontrei Jude parado estranhamente perto do
bar, tomando um Dois Sete e assistindo o entorno. Eu o fiz colocar o
copo sobre o balcão e o arrastei até a pista para dançar comigo.
Os três me revezaram depois daquilo. Jude era um mau
dançarino, mas foi fofo ele ter tentado, olhando-me, buscando
aprovação. Owen, obviamente era um bom dançarino. Porém, não
se comparava ao requinte dos movimentos de Furio.
“Provavelmente, você aprendeu a dançar bem pequeno”, Owen
murmurou.
“Sim! Dança de salão desde os seis anos!”, Furio respondeu.
“Você não?”.
Owen revirou os olhos, mas riu. Ele e Furio tinham aprendido a
se dar bem.
Não sei se alguém notou que eu estava dançando e beijando
os três homens na pista. Eu não me importava, para ser honesta. Eu
estava acima de dar a mínima para o que as outras pessoas
pensavam. Eu estava fazendo o que me fazia feliz.
Depois de dançar, voltamos para a nossa mesa para o leilão.
Uma dúzia de itens tinham sido doados para a Fundação: viagens
para a Europa, cruzeiros, um barco de pesca. Owen tinha doado
uma noite particular no terraço do Marcello’s. Quando abri a boca
para fazer uma piada sobre ele tomar de volta de qualquer pessoa
que ganhasse, ele levantou um dedo e me disse para não falar
nada.
Jimmy Garoppolo doou vários acessórios dos Forty-Niners,
incluindo uma bola de futebol americano autografada. Quando o
item foi anunciado, ele acenou para todo mundo do seu lugar à
mesa, Melinda agarrada ao seu braço. O diamante gigantesco da
sua aliança de noivado brilhou no seu dedo anular. Era tão grande
que eu me perguntei como ela conseguia levantar a mão com todo
aquele peso.
“Vamos começar com um lance de quinhentos dólares”, o
leiloeiro começou.
Alguém cobriu o lance. Outra pessoa deu setecentos, e outra
pessoa aumentou para oitocentos.
“Oitocentos dólares pela bola de futebol americano
autografada”, o leiloeiro anunciou. “Dou-lhe uma …”.
“Não está nem perto do justo”, Owen levantou uma placa. “Mil
dólares”.
“Dois mil!”, Furio contra-atacou com alegria.
“Você nem gosta de futebol americano”, Owen sibilou.
“Não mesmo! Mas posso aprender”.
Owen apertou o maxilar teimosamente. “Três mil”.
“Quatro”, Furio respondeu instantaneamente.
Minha cabeça ia e voltava, enquanto os dois batalhavam pela
bola. Melinda limpou a garganta e disse: “Vocês sabem que eu
posso conseguir itens autografados para vocês, quando vocês
quiserem, certo? Eu meio que durmo com este cara”.
“É para a caridade”, disse Owen sorrindo para mim. “Nove mil”.
Furio me encarou e disse: “Dez!”.
Foi quando me dei conta de que era um concurso idiota entre
eles. Dois bilionários disputando território e tentando me
impressionar. Um ano atrás, aquele tipo de comportamento,
desperdiçar dinheiro daquela forma, me deixaria enojada – mesmo
por caridade. Mas agora me dava um sentimento de conforto.
Mesmo depois de estarmos juntos há quase um ano, os rapazes
ainda queriam me impressionar.
De repente, a placa de Jude se levantou. “Vinte mil”.
Alguém na mesa de trás se engasgou. O leiloeiro piscou,
descrente do aumento repentino do lance.
“Se vocês vão ficar nesta competição de pau”, Jude disse
curtamente. “Também vou colocar o meu sobre a mesa”.
Todos nós gargalhamos. Owen colocou a mão para cima,
rendendo-se, e Furio acenou educadamente para o bilionário de
óculos.
“Dou-lhe uma, dou-lhe duas … vendida para Jude Cauthon por
vinte mil dólares”.
Todo mundo aplaudiu o valor alto, e Jude corou,
envergonhado. Me inclinei para beijar sua bochecha, e Jimmy o
cumprimentou.
“O próximo item do leilão é uma camiseta do Milan,
autografada por Olivier Giroud …”.
Os olhos de Furio brilharam com empolgação. Owen sorriu
para ele e levantou sua placa.
“Mil dólares”.
“DOIS!”, Furio praticamente gritou. Então, ele olhou para Owen
e disse. “Você não gosta de futebol!”.
“Estou aprendendo a gostar”, Owen respondeu, levantando sua
placa novamente.
Observei a cena dos dois batalhando por outro item, com um
sorriso no rosto.
Epílogo

Amber

Enquanto a integração com a eTodo crescia, eu precisei viajar


várias vezes para a sede na Itália. Daquela vez, levei três
funcionários da SE comigo para dar conta do trabalho. Edoardo foi
amistoso e respeitoso comigo, ou porque eu tinha provado minha
inteligência técnica, ou porque ele estava aterrorizado com a ideia
de perder seu emprego, porque Furio o tinha visto me tratar
rudemente.
Passamos dias modificando o sistema da eTodo, para integrá-
lo propriamente à nossa plataforma. Foi exaustivo e difícil, e nós
encontramos vários empecilhos pelo caminho. No entanto, fizemos
progresso devagar.
Os funcionários da SE que eu tinha trazido ficaram em um
hotel em Roma, enquanto eu fiquei com Furio. Mas não na sua
mansão.
“Você gostou?”, ele perguntou, enquanto me mostrava seu
novo apartamento em Roma. Da sacada, eu podia ver um pedaço
do Coliseu e as torres distantes da Basílica de São Pedro.
“Gostei”, respondi, enquanto a brisa morna soprava meus
cabelos. “O que o fez comprar? Só o fato de você poder?”.
“Eu tenho trabalhado mais na cidade”, ele disse. “Em alguns
momentos, é melhor eu ficar aqui do que voltar para a mansão”.
“Um excelente apartamento de solteiro para trazer mulheres”,
eu disse.
Ele veio por trás de mim, escorregando as mãos pelo meu
quadril e beijando minha nuca. “Só há uma mulher que vai vir aqui.
Você é tudo o que eu desejo, Amber Moltisanti. Você é meu tudo,
minha vida. Minha arrombada”.
Explodi em gargalhadas. “Por mais divertido que seja, acho
que você arruinou o momento”.
“Sinto muito em ouvir isso. Porque eu estava prestes a dizer
que te amo”.
Me virei no seu abraço para encará-lo. Não havia piada no seu
tom, e seus olhos escuros estavam mortalmente sérios.
“Ti voglio bene”. Ele suspirou, acariciando minha bochecha. O
vento balançou uma mecha de cabelo pelo seu rosto perfeito, mas
ele ignorou e me encarou atentamente. “Eu amo você, Amber”.
Meu corpo se levantou, quando eu o beijei. “Eu também amo
você, Furio Rossi”.
Nos beijamos de novo, com mais intensidade, e eu me abri
para ele, como um girassol de dia.
“Não acho que sinto atração por você em um apartamento
desse”, brinquei. “Só quero dormir com você, quando estamos em
uma vistosa mansão, rodeados por serviçais”.
“Ah, que pena”, disse Furio com uma careta. “Porque eu tinha
planos interessantes para você esta noite. Mas já que você não está
mais atraída por mim …”.
“Eu posso ser convencida”.
Ele me pegou no colo e me carregou de volta para o quarto.

A integração da eTodo demorou quatro meses e três visitas.


Isso significava ver Furio a cada cinco semanas, o que ajudava a
saciar meu apetite por ele. Assim que a integração estivesse
completa, ele voltaria a visitar São Francisco.
Uma noite, na minha casa, enquanto nós nos acariciávamos na
cama, ele afastou meu cabelo e disse: “Tenho algo para te dar”.
“Você acabou de me dar algo”, ronronei, me esfregando no seu
corpo. “Duas coisas, na verdade, uma atrás da outra”.
Ele piscou, confuso. “O que foi que eu te dei agora?”.
“Nada. Eu estava fazendo uma piada sobre orgasmos. O que
você tem para mim? Um presente?”.
“Não é bem um presente”, Furio se inclinou para pegar sua
calça ao lado da cama.
Eu desdobrei e me assustei. “Isso é um número. Em euros”.
“Este é seu salário, se você vier trabalhar para a eTodo”, Furio
se inclinou sobre a cabeceira da minha cama, deixando um dos
braços musculosos atrás da própria cabeça. “Se você for nossa
Diretora”.
Eu abaixei o papel devagar. “Furio, não estou pronta para
deixar minha posição na SE”.
“Mesmo depois da primeira oferta pública na próxima
semana?”, ele perguntou.
“Mesmo depois, sim. Eu amo minha carreira lá. Não quero que
acabe. Não tão cedo”.
Me preparei para o seu desapontamento. Será que ele tinha
decidido que não queria mais me compartilhar e não queria sofrer
com um relacionamento a longa distância? Ele iria ser o primeiro a
me dar um ultimato na história?
Porém, ele apenas gargalhou e me puxou para o seu peito. “Eu
sabia que você recusaria, mas eu precisava oferecer”.
“Você não está chateado, por eu não querer mudar?”.
Ele sacudiu a cabeça. “Não quero que você faça nada que
comprometa sua felicidade. E estamos bem felizes, de fato, no
presente momento. Entretanto, não me culpe por tentar! E vou
continuar fazendo ofertas de vez em quando. E o número pode
aumentar”.
Vi o amor em seus olhos, e a aceitação da minha resposta.
Talvez ele estivesse um pouco desapontado, mas ele respeitou meu
desejo de ficar.
Eu beijei sua bochecha e encarei seus olhos. “Pode continuar
oferecendo, desde que esteja tudo bem eu continuar recusando”.
Seus dedos escorregaram pelo meu cabelo, e ele me segurou
possessivamente. “Quem sabe? Vai que você aceita?”.
“E se eu não aceitar?”.
“Então talvez eu me mude para a Califórnia”.
Furio me deu um beijo voraz, e eu me esqueci da oferta de
trabalho.

Revezar meus três namorados provou ser mais fácil do que eu


esperava. Eu tinha pensado que se tornaria difícil, à medida que o
tempo passasse, mas não foi o caso. Quando muito, ficou mais fácil.
O ciúme que incomodava Owen no ano anterior tinha se
transformado em um respeito rancoroso. Ele e Furio ainda faziam
comentários ocasionais sobre me querer exclusivamente, e Furio foi
mais longe, fazendo uma piada sobre contratar um mafioso italiano
para dar cabo dos outros dois, mas era tudo só por diversão. Logo,
Furio e Owen se tornaram bons amigos – não tão próximos quanto
Owen e Jude eram, mas quase isso.
Em uma noite, enquanto Owen estava em Nova Iorque, Furio e
eu estávamos no apartamento de Jude. Nós três estávamos
discutindo as especificidades da OPI, enquanto comíamos comida
chinesa e tomávamos uma garrafa de scotch caríssima que Furio
tinha trazido.
“Você já considerou transar … com mais de um de nós?”, Furio
perguntou aleatoriamente. “Ao mesmo tempo?”.
Eu quase cuspi minha bebida.
Jude respondeu por mim. “Já fizemos isso antes. Eu e Owen”.
“Sério?”, Furio perguntou.
Encarei o italiano de camisa de seda. Ele concordava com
vários aspectos daquele relacionamento a quatro, mas eu não sabia
como ele se sentia com aquilo. Dividir uma mulher particularmente
era bem diferente de dividi-la com os outros ao mesmo tempo.
“E você gostou?”, ele perguntou.
“Sim. Muito”, eu mordi meu lábio, esperando sua reação.
Furio pensou sobre, por alguns instantes, então assentiu: “Ok.
Então também vou fazer isso!”, e imediatamente se levantou e tirou
a camisa.
“Sério? Agora?”, perguntei.
“Não vejo motivos para não fazer”, ele disse, tirando o cinto.
“Você gostaria que eu beijasse Jude também?”.
“Não!”, Jude e eu gritamos ao mesmo tempo. E então nos
entreolhamos, e ele disse: “Nós, hm, focamos na Amber. E
mantemos uma distância respeitosa um do outro durante … o ato”.
Furio acenou, como se não importasse. “Muito bem. Vou ficar
bem distante. Vamos!”.
Ele pegou minha mão e me guiou para o quarto, então passou
a próxima hora provando que ele mais do que concordava em me
compartilhar com outro homem. Ele aproveitou o mesmo tanto que
eu.
Minha irmã se formou em Stanford no dia seguinte.
Ironicamente, o orador convidado era ninguém menos que o célebre
egresso Larry Page. Fiz uma careta e enfiei minha cabeça na
multidão, mesmo sabendo que ele provavelmente não me
reconheceria, se me visse.
Fizemos uma festa para comemorar no terraço do Marcello’s,
com os mesmos amigos que estavam presentes no aniversário um
ano antes.
“Tem certeza de que podemos ficar aqui?”, Phil perguntou. “Por
mais divertido que tenha sido, não quero um repeteco daquele
teatro”.
“Tudo bem”, Michelle respondeu. “Amber é amiga do dono
agora”.
Olhei para ela. Minha relação com Owen era pública, mas Phil
não se deu conta, porque não lia blogs de fofoca. E a última coisa
que eu queria era ele me assediando por contatos do homem com
quem eu estava saindo.
“Então”, eu disse, “… mudando de assunto. Agora que você se
formou, vai arrumar um emprego e se mudar. É o que bons pais
fariam, certo? Te expulsar de casa?”.
Minha irmã riu de nervoso.
“O que foi?”.
“Shelly já encontrou trabalho”, disse Phil. “Ela começa em duas
semanas”.
“Isso é ótimo! Onde?”.
Ela fez uma careta e disse: “Google?”.
“O quê? Mas eles são nossos concorrentes! A plataforma de
cripto deles está ganhando muito espaço no mercado!”.
“O que eu deveria fazer? Eles precisam de contadores”.
Nós duas gargalhamos e passamos o resto da noite
argumentando sobre os outros lugares para os quais ela poderia
trabalhar.

Finalmente, chegou a hora da Soluções Encriptadas se tornar


pública. Uma oferta pública inicial era a maneira de uma empresa
angariar fundos, compartilhando ações com o público. Também era
uma forma dos investidores originais – neste caso Owen, Jude e
Furio – compreenderem seus ganhos, dependendo de quantas
ações quisessem compartilhar.
Furio e eu chegamos ao escritório no outro dia às seis da
manhã. Mesmo cedo, cada um dos trezentos funcionários já estava
trabalhando, reunidos na sala aberta, onde um projetor mostrava a
MSNBC ao vivo. Mesas estavam postas com diversos tipos de
comida: donuts, bagels, geleias e uma mesa de burritos.
“É estranho estar aqui sem eles”, eu disse, pegando um
energético na cozinha.
“De fato”, Furio disse. “Mas os veremos antes de o dia acabar,
para celebrarmos juntos”.
Ou lamentarmos juntos, se não correr bem, pensei.
Melinda estava andando na sala principal, rolando uma caneta
por entre os dedos. Ela parecia não ter dormido.
“O preço de abertura é doze dólares”, ela disse. “E se for
pouco? Ou pior, se for muito?”.
“Você acha que o preço vai se manter?”, Dave perguntou.
Nancy tinha um sorrisinho no rosto. “Li um artigo no jornal que
declarava que a SE é supervalorizada. O preço deve cair para dez.
Ou até menos um pouco”.
Dave encarou sua caneca de café, como se desejasse que o
líquido se transformasse em uísque de repente.
O clima da sala era similar ao humor deles. Todos se moviam
com uma energia nervosa. Vários braços cruzados e expressões de
preocupação se espalhavam pelo ambiente.
“Vai dar tudo certo”, eu disse a eles. “E não há nada que
possamos fazer agora”.
“Esta é a parte da qual eu não gosto”, Melinda sussurrou.
“Perder o controle”.
Apesar das minhas palavras de conforto, eu também estava
preocupada. Quando o Google tentou comprar a SE, eles
ofereceram cerca de treze dólares por ação. Começar a OPI um
dólar a menos não era um grande problema, mas se o preço caísse
depois da abertura …
“Aí está!”, Will Won gritou.
O projetor na parede mostrava um palco na bolsa de valores
de Nova Iorque. A sala irrompeu em gritos, quando Owen March
subiu, usando seus jeans de marca, camiseta básica e o cabelo
bagunçado como se fosse natural. Jude o seguiu, vestido mais
formalmente, mas parecendo que não pertencia àquele ambiente.
Eram seis e vinte e nove. A bolsa estava prestes a abrir. Jude e
Owen estavam na frente de um sino de bronze montado perto do
pódio. Eles sorriram e então apertaram um botão.
O sino de abertura da bolsa de valores de Nova Iorque soou
uma, duas, três vezes. E então continuou por um tempo, BLÉM-
BLÉM-BLÉM-BLÉM, anunciando a abertura da bolsa.
Todo mundo no escritório da SE comemorou mais uma vez,
mas ficaram em silêncio, quando o marcador da SE começou a
mudar.

$12,00
$11,80
$11,80
$11,75
$11,76
$11,70
$11,65
$11,56
$11,51
$11,42

Meu coração parou com a oscilação de preço.


“Os preços podem flutuar muito nos primeiros minutos depois
da abertura”, Furio explicou para ninguém em particular. “Durante a
primeira semana também. Não é um problema. O crescimento a
longo prazo da empresa é o que mais importa”.
Mesmo a onze dólares, todos nós ganharíamos muito dinheiro
com a oferta pública inicial. Minhas ações valiam cerca de seis
milhões de dólares, e era muito difícil me sentir mal com aquilo.
Porém, a OPI não era só sobre dinheiro. Era sobre a validação de
decidir recusar a oferta do Google. Eu precisava saber que
permanecer independente tinha sido a decisão correta, e o preço
das ações era o reflexo da nossa escolha.
O preço continuou a flutuar entre onze e doze dólares. Fui para
a minha sala e tentei trabalhar um pouco, mas era impossível não
conferir o preço a cada trinta segundos. E eu não era a única me
esforçando para me concentrar naquela manhã. Duvidei que alguém
na empresa estivesse conseguindo trabalhar.
Fui até o andar de baixo para pegar um energético e beber
ociosamente de frente para a projeção. Quando Jude e Owen
entraram no escritório, Melinda começou a aplaudir, e alguns outros
se juntaram a ela, mas foi um esforço fraco.
“Ainda não acredito que vocês voltaram imediatamente depois
de tocar o sino”, eu disse, quando eles se aproximaram de mim,
exatamente iguais eles tinham aparecido na TV cinco horas antes.
“Queríamos estar aqui com quem realmente importa”, Owen
disse alto para todos poderem ouvir. “Não importa o preço das
ações, hoje é um dia que merece ser celebrado”.
“Como está o preço?”, Jude perguntou, apertando os olhos
contra a tela de projeção.
“Igual a quando você conferiu dentro do Uber”, Owen
murmurou.
“Não é tão ruim”, Furio disse, aproximando-se. Ele deu um
tapinha nos ombros dos dois, e eles se cumprimentaram, mas com
sorrisos forçados no rosto. “Sabíamos que era uma possibilidade,
não é?”.
“Sim”, Owen disse simplesmente com os olhos vidrados na
tela. “Espera um momento. Está subindo”.
O preço estava subindo alguns centavos. Melinda tinha
abandonado sua mesa e se aproximado com os braços cruzados e
os olhos arregalados de preocupação. Outras pessoas pararam o
que estavam fazendo para assistir.

$11,85
$11,91
$11,99
$12,03

“Uma recuperação finalmente?”, Jude se perguntou em voz


alta.
“Voltamos para o preço inicial!”, suspirei. “Quanto tempo até a
bolsa fechar?”.
“Sete minutos”, Owen respondeu.
Os sete minutos seguintes foram os mais estressantes da
minha vida. Mesmo que só estivéssemos assistindo a números
flutuarem, parecia a coisa mais importante do mundo. A diferença
entre sucesso e falha.
Assim que passou de doze dólares, houve um grande salto.

$12,21
$12,39
$12,43
$12,51
$12,55
$12,63

“Vamos lá!”, eu disse, praticamente pulando de um pé para o


outro. Todo mundo no escritório deixou seus cubículos e mesas, e
se reuniram em volta da sala para assistir. A sacada do segundo
andar estava lotada de pessoas tentando ver. Um burburinho de
nervoso aumentava no espaço.

$12,69
$12,74
$12,81
$12,86

“Vamos lá, merda!”, Owen sussurrou. “Você sabe o preço que


precisamos atingir. Vamos lá, caralho”.
Estiquei minha mão para pegar a dele. Furio colocou uma mão
no meu ombro. Jude me deu um sorriso esperançoso antes de
voltar a encarar a tela.
Nos últimos dez segundos antes do fechamento da bolsa, todo
mundo começou uma contagem regressiva. “Dez! Nove! Oito! Sete
…”, era como véspera de Ano Novo, mas valendo dinheiro. O
barulho aumentou, a sala tremia, o nervosismo borbulhava nos
segundos finais.
“Dois … um …”.
Segurei minha respiração, quando o indicador piscou mais uma
vez, mudando de verde para preto, e então parou.

SE: $13,04 (+8.66%)

A sala toda ficou em silêncio por um momento, então Melinda


deu um gritinho de felicidade, e os funcionários da SE rugiram
vitoriosos. Eu mal me lembro do que aconteceu a seguir; Owen me
abraçou, Furio me beijou na boca, e Jude segurou minha cabeça,
dizendo que eu estava certa o tempo todo, que eles nunca mais
duvidariam de mim.

Owen deu uma festa no seu apartamento para comemorar


naquela noite. Originalmente, só trinta ou quarenta funcionários de
alto escalão da SE tinham sido convidados. No entanto, empolgado
com o fechamento da bolsa, Owen caminhou pelo escritório,
abraçando e convidando todo mundo. Às oito da noite, seu
apartamento tinha mais de cem pessoas usando adereços festivos e
sorrindo de orelha a orelha.
A bolsa fechando acima de treze dólares era uma conquista
arbitrária. Tecnicamente, não havia muita diferença entre aquele
preço e os doze dólares e vinte e nove centavos. Porém, era uma
vitória moral, reforçando que tínhamos tomado a decisão certa.
A nerd bizarra dentro de mim se rendeu ao clima da festa.
Tomei shots com Nancy e Dave, dancei com os dois Wills …
Melinda estava bêbada em uma hora, beijando loucamente seu
noivo Jimmy e dizendo a ele que se ele queria ter tantos filhos que
eles deveriam começar imediatamente no banheiro de Owen.
Furio abaixou a música e subiu no sofá, pedindo silêncio. “Vou
deixá-los voltar a celebrar em um minuto”, ele prometeu. “Mas
antes, quero agradecer a algumas pessoas. Owen, por dar esta
festa. Jude, por desenvolver o código-fonte da plataforma, que é
nosso fator principal. Mas principalmente quero agradecer Amber
Moltisanti”.
Senti minhas bochechas ficarem vermelhas, quando todos me
olharam.
“Mais ou menos um ano atrás, negociei a venda da SE para a
Alphabet, empresa do Google. Isso nos teria tornado ricos –
incluindo eu mesmo! Mas Amber nos disse que estávamos mirando
muito baixo. Ela nos ajudou a ver nosso potencial real. Ela nos
convenceu a votar contra”.
“Sei que muitas pessoas ficaram céticas com a decisão no ano
passado, mas hoje tivemos a comprovação de que Amber estava
certa. A bolsa provou que ela estava certa. Soluções Encriptadas
vale mais do que os analistas previram e vamos continuar a crescer.
O futuro vai ser mais brilhante ainda!”.
Todos aplaudiram, e os Wills tentaram me colocar nos ombros,
mas eu dei uma olhada de reprovação.
“Discurso!”, Melinda disse, arrastando a palavra.
“Não vou fazer discurso”, eu disse. “Mas digo uma coisa: não é
o fim. É apenas o começo. Vamos continuar a chutar bundas até
dominarmos o Silicon Valley!”.
A sala irrompeu em aplausos e a música voltou a tocar,
enquanto a festa continuava. Eu caminhei até à cozinha para pegar
outra bebida, assim como Melinda. Eu queria ficar propriamente
bêbada.
Furio, Owen e Jude me seguiram. “Então, para onde vamos?”,
Jude perguntou.
“Vocês decidem”, respondi. “Vocês são os ricos!”.
“Eu sou a trigésima quarta pessoa mais rica do mundo”, Owen
disse. “E Jude é a quadragésima quinta. Podemos fazer o que
quisermos”.
“Vamos comprar uma ilha?”, Jude propôs, rindo feito um idiota.
“Acho que deveríamos comprar uma ilha!”.
“Pega leve, Goldfinger”, eu disse. “Não precisa virar um
supervilão”.
“E vocês dois precisam contratar motoristas”, disse Furio. “E
comprar um jatinho”.
“Enquanto você vem com a farinha, eu já assei o bolo, meu
caro italiano”, Owen respondeu. “Estou negociando um Gulfstream
III”.
“Eu pessoalmente vou doar vinte por cento da minha parte
para a Fundação Esperança do Futuro”, disse Furio.
Owen revirou os olhos. “Vamos fazer o mesmo. Não precisa se
gabar”.
Eu sorri para a cena. Era algo que tínhamos discutido antes,
mas era bom saber que eles pretendiam cumprir sua promessa.
“Ainda estamos no comando desta empresa, apesar de sermos
parte do quadro diretor”, Owen explicou. “Mas eu pretendo parar e
relaxar um pouco. Delegar meu trabalho, ao invés de fazer tudo
sozinho”.
“Eu também”, Jude concordou.
“Ah, é?”, perguntei. “O que vocês vão fazer? Aposentar-se e
jogar golfe o dia todo?”. Bufei para eles entenderem minha opinião
sobre aquilo.
Os dois se entreolharam e então sorriram. “Na verdade, temos
alguns projetos de programação em mente”, disse Owen.
“Queremos desenvolver outra criptomoeda”, disse Jude,
sorrindo amplamente. “Uma com taxas de transação baseadas em
nós”.
Parei de respirar. Taxas de transação baseadas em nós?
Aquele era o conceito de uma moeda que já existia. ArgoCoin. A
criptomoeda que eu ajudei a desenvolver.
Jude viu o choque no meu rosto e continuou. “É claro, vamos
atualizar com novos algoritmos. Talvez uma rede para deixar as
blockchains paralelas mais leves e rápidas”.
“Boa!”, Owen disse. “Como vamos chamar a moeda? ArgoCoin
2.0?”.
“Gosto de como isso soa”, Furio disse, sorrindo como se
estivesse envolvido desde o início. “E com as nossas conexões na
SE e na eTodo, podemos dominar a concorrência. Especialmente
com a gama de utilidades baseadas em token que poderemos
agregar à moeda”.
Me joguei nos braços deles, apertando-os ao mesmo tempo.
Meus olhos estavam cheios d’água, e eu não queria pará-las.
“É melhor vocês me deixarem ajudar com isso!”, eu disse
ferozmente.
“Está implícito, obviamente”, disse Owen.
Nos abraçamos um pouco mais, e eu pensei no quão sortuda
eu era por tê-los. Tê-los na minha vida, me apoiando e me amando
de todas as formas possíveis. Não era como eu esperava que as
coisas seriam, quando cheguei para a minha entrevista no ano
anterior. Não por um longo tempo. Mas isso tornava tudo ainda
melhor.
“Owen!”, gritou Clarence, uma programadora abaixo de Nancy.
“Mostre a Jill sua nova IA doméstica!”.
Eu imediatamente peguei meu telefone e abri um programa.
“Sim, Owen, mostre a ela quanto você pagou para uma celebridade
dublar”.
Owen sorriu para Jill. “Contratei Marina Sirtis para dublar”.
“A Conselheira Troi?”, Jill perguntou. “Cresci assistindo A
Geração Seguinte!”.
“Exatamente”, Owen limpou a garganta e então disse:
“Conselheira, quantos ovos temos na geladeira?”.
A resposta veio instantaneamente dos alto-falantes da cozinha
e de todos os outros cômodos. Mas não era a voz de Marina Sirtis.
Era a minha voz, sarcástica e zombeteira.
“Você tem seis ovos na geladeira”, minha voz ecoou.
“Que merda é essa”, Owen disse. “Conselheira? Atualização
de segurança na rede doméstica”.
Mais uma vez minha voz saiu dos alto-falantes, pingando de
sarcasmo. “Zero vulnerabilidades de segurança foram detectadas.
Tenho certeza de que tudo está protegido”.
Jude olhou para mim, cobrindo a boca para segurar a
gargalhada. Todo mundo ao redor de nós ficou confuso.
Owen se virou para mim. “O que você fez?”.
“Eu sempre quis ser dubladora!”, respondi simplesmente.
Melinda entrou no cômodo pendurada em Jimmy Garoppolo,
como se ele fosse um balanço sexual. “Eu me lembro! Você recebeu
um microfone no escritório! Eu sabia que você estava tramando
algo!”.
Me inclinei sobre a mesa de café da manhã na sala de estar e
gritei. “É isso mesmo, gente! Amber Moltisanti invadiu o sistema de
Owen March de novo! Nunca se esqueçam de quem manda aqui de
verdade!”.
Todo mundo gargalhou, incluindo meus três amantes. Jude
teve um ataque de riso, enquanto Furio me cumprimentou.
“Como?!”, Owen perguntou. “Mantive minha rede blindada!”.
“Encontrei um driver de uma câmera externa que tinha uma
vulnerabilidade de dia zero”, eu disse. “E isso me deu acesso à
transmissão e ao servidor, consequentemente”.
Da sala de estar, Nancy gritou: “Conselheira! Quantas cuecas
limpas Owen March tem?”.
“Ele tem quatro cuecas Calvin Klein limpas, e seis sujas no
cesto esperando para serem lavadas”, minha voz respondeu,
zombando.
“Ele tem sensores de radiofrequência nos tecidos das suas
roupas”, Jude explicou para Furio.
Owen olhou para Nancy, confuso. “Como …”.
“Eu dei acesso de administrador para todo mundo”, eu disse.
“Melhor você esperar que ninguém pergunte algo realmente
pessoal. E é melhor você aproveitar o trote. Foram horas gravando
minha voz para preencher o dicionário da IA”.
“Filha da puta”, Owen disse com a voz fraca. Pela primeira vez,
o bilionário convencido parecia perplexo. “Achei que tínhamos
encerrado os trotes”.
Eu aspirei. “O que o fez pensar isso?”.
“Não sei. Talvez por que nós nos amamos?”.
“Ffff”, eu disse, enrolando-o com meus braços e sorrindo.
“Como se isso fosse me parar”.
Owen proferiu uma série de palavrões na sequência, e nós
quatro, bêbados de amor um pelo outro, rugimos em gargalhadas.
Cena Bônus

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Clara

Eu odiava – do verbo odiar muito – trabalhar no restaurante da


mama.
“Clara!”, ela gritou da cozinha com seu sotaque siciliano
pesado. “O temporizador está tocando!”
“Já ouvi!”, gritei de volta, entregando o troco a um cliente. Com
a voz mais doce, disse a ele, “Sua pizza ficará pronta logo.”
Outro cliente entrava pela porta, mas me virei e apertei o botão
do forno para interromper o bipe incessante. Então peguei a pá
gigantesca para tirar a pizza do forno e abri a porta. Uma lufada de
ar quente atingiu meu rosto, enquanto eu tirava a pizza lá de dentro
e a depositava na caixa de papelão, esferas de suor se formavam
nas minhas têmporas e na minha testa.
Eu nunca quis trabalhar lá. Eu fiz isso na época do ensino
médio porque era mais fácil do que sair procurando trabalho e
porque papa precisava de ajuda. Então fui para a faculdade e passei
quatro anos maravilhosos longe de um forno de pizza. A única vez
que me aproximei de uma caixa registradora foi como cliente,
comprando alguma coisa.
Mas voltei para a casa dos meus pais depois de me formar,
mais por culpa do que por vontade. Supostamente só ficaria lá por
alguns meses para ajudar a mama com o funeral do Papa.
Um ano depois e eu ainda estava ali. E o restaurante ainda se
chamava Pizzaria do Tony, mesmo que meu pai fosse só uma
memória persistente.
“Obrigada, bom apetite”, eu disse ao cliente enquanto
entregava a caixa para ele. Virei para a mulher que entrava e disse,
“Bem-vinda à Pizzaria do Tony, como posso ajudar?”
Enquanto eu anotava o pedido dela, o telefone tocou duas
vezes. Minha mãe atendeu da cozinha, onde preparava as pizzas.
Depois de anotar o pedido da mulher, a cabeça da mama apareceu
na quina da parede.
“Entrega!”, ela disse. “A pizza sai em cinco minutos.”
Resmunguei. A única coisa pior do que trabalhar na cozinha
eram as entregas. Havia muitos caras estranhos por ali, do tipo que
oferecia uma grande gorjeta com uma piscadela. Não era à toa que
a maioria dos entregadores eram homens.
A maioria dos restaurantes já tinha adotado pedidos digitais,
mas minha mãe insistia em fazer tudo manualmente. Cada pedido
era anotado em um pedaço de papel e afixado a um varal na
cozinha. Peguei o papel e conferi o endereço. A rua estava legível,
mas o número era só um amontoado de riscos.
“South Henderson…”, meu coração acelerou. “Na esquina?”
Só tinha um lugar que eu amava ir para fazer entregas: o
quartel dos bombeiros. Os caras eram maravilhosos! E não só
porque eles eram heróis de verdade que salvavam pessoas de
incêndios. Os bombeiros de Riverville, Califórnia eram deliciosos.
Uns galãs de calças largas e camisetas brancas. Sorrisos
charmosos e músculos pulsantes.
Eu gostaria de duas fatias com molho extra, por favor,
senhores.
Mas minha mãe chacoalhou a cabeça. “Na esquina não.
Seiscentos e vinte e três”, ela limpou a testa com uma das mangas.
“Alguns quarteirões pra baixo.”
Merda, pensei. Sexta-feira era dia deles pedirem pizza, mas
nada ainda. Talvez eles estivessem tentando mudar a rotina
alimentar.
“Por que o Dan não leva?”, perguntei.
“Dan ainda está fora com as últimas entregas”, minha mãe
respondeu impacientemente.
“Porque ele sempre para pra fumar antes de voltar”, murmurei.
Ela me encarou.
“Tá bom, tá bom! Tô indo.”
Mama resmungou em italiano.
Eu ainda estava suada de trabalhar na cozinha, mas não tinha
tempo para me trocar. Coloquei duas pizzas na caixa térmica e a
carreguei para o carro.
Riverville era uma cidadezinha pitoresca da Califórnia que
ficava perto de Fresno. De um lado, subúrbios se espalhavam
misturados à centros comerciais e do outro, fazendas cobriam todo
o trajeto até as montanhas. Riverville ficava estranhamente no meio
do caminho. Não era exatamente uma zona rural, mas tampouco
super urbana.
O endereço para entrega ficava a cinco minutos. Tudo em
Riverville ficava a cinco minutos de tudo, dependendo dos sinais de
trânsito. A casa que pediu a pizza ficava a um quarteirão da avenida
principal. Não havia carros estacionados, mas as luzes estavam
ligadas.
Bati na porta e um garotinho magricelo de doze anos abriu.
“Entrega”, eu disse.
“Finalmente!”, o menininho arrogante respondeu. Atrás dele, no
corredor, vi um bando de pré-adolescentes dando risadinhas. “Não é
grátis se vocês demorarem para entregar?”
Sorri educadamente e olhei no relógio. “Demorei exatos seis
minutos e quarenta e cinco segundos pra chegar aqui. São vinte e
cinco dólares.”
O menino me entregou duas notas de vinte. Enfiei a mão no
bolso e tirei uma nota de dez e uma de cinco dólares. Ele pegou o
troco, as pizzas e começou a fechar a porta.
“Sabe, faltou a gorjeta”, eu disse.
Ele zombou. “Cala a boca, tia.”
“Tia? Eu só tenho vinte e quatro anos!”
Ele deu de ombros e bateu a porta na minha cara. Comecei
bem a noite.
Dirigi para casa de mau humor, não só por causa dos clientes
chatos. A grande merda de trabalhar em uma pizzaria era que as
noites mais cheias eram os finais de semana. Eu sempre passava
minhas noites de sexta, sábado e domingo trabalhando. Depois de
um tempo, eu já tinha me cansado.
Mama estava no telefone quando entrei no restaurante. “Outra
entrega”, ela disse.
Resmunguei. “Dan ainda não voltou?”
“Voltou, mas guardei essa pra você”, ela respondeu. Ela tentou
manter o rosto sério, mas o sorriso escapuliu por entre seus lábios.
Corri para trás do balcão para ver o endereço da entrega.
South Henderson. Quartel dos bombeiros.
Tentei não comemorar. “Quanto tempo até a pizza ficar
pronta?”
“Dois minutos”, minha mãe disse por cima do ombro.
Corri para o banheiro de funcionários e freneticamente tentei
parecer mais apresentável. Limpei o suor do pescoço, desamarrei
meu rabo de cavalo e o refiz deixando algumas mechas soltas.
Tinha um respingo de molho de tomate no meu peito que eu removi
com um papel higiênico molhado.
“Anda logo!”, minha mãe gritou da cozinha.
Corri para fora do banheiro e peguei a pizza na mesa. Eu ainda
não estava como queria para encontrar os bombeiros, mas pelo
menos estava mais decente do que antes.
“Não demore muito dessa vez!”, minha mãe advertiu.
“Não sei do que você está falando.”
Mama me deu uma piscadela e eu corri para fora do
restaurante.

Uma babá para los Bombeiros


Cassie Cole é uma escritora de Romances de Harém Reverso
que vive em Forth Worth, no Texas. Uma apaixonada piegas de
coração, acredita que romances são melhores com um enredo
picante!

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