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Cheiros

A noite sumiu com o sono, e lá perscruta o ser


a vontade de ser e acordar
Não há como negar e fingir que o dia não raiou,
é tarefa ardilosa, quase argilosa de construir o novo dia
Lá está refestelado sobre panos amarelecidos
pelo suor inconteste, suor excêntrico
Tudo inextricável é o cheiro da manhã,
que inconfundível deixa o sujeito alerta
Mesmo não vendo o sol, a claridade que cega,
o cheiro não nega que a manhã chegou
É o cheiro dos conflitos, das guerras,
o cheiro cheio de despertar horrendo
Fugir? Não dá, pois a noite de calmaria,
de sossego (mesmo que em pesadelos mórbidos) já se foi
E foi junto com o dormir, de chofre aparece a manhã,
não pediu para entrar e vai comandando, mandando nos homens
É também o cheiro da dor, pois desperto o sujeito sofre,
sofre e arde no calor sufocante
O sono que foi é como uma orquestra,
quer-se que ela siga até o fim, mas que ela jamais termine...
Pedimos no nosso âmago para que a música
continue até não podermos mais existir
E o que vem é sempre o final, e a música, assim como o sono,
se perdeu na trilha e agora é o cheiro do sangue esparramado
No caminho tudo foi se confundindo até sumir
sem nossa total percepção, e de repente é tudo vida morta
Acorda-se para viver e morrer na solidão, e dorme-se para
se alegrar no vazio
O cérebro que apaga e nos desliga está alerta para
o que possa suceder de estranho, como o cheiro invadir as narinas
E a partir desse momento é impossível continuar
recluso no medíocre catre da despedida
Ao se despertar tudo está errado,
as notas adentrando as narinas, e o cheiro os tímpanos
Quem decide o quê? São as causas alheias ao homem,
ele está recluso na estupidez do acordar
E ao acordar está em um espaço e tempo
Fugir? Não dá...

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