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Superior Tribunal de Justiça

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 199.079 - RN (2023/0281078-9)

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO


R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
SUSCITANTE : WVF
ADVOGADOS : ANA PAULA DA GRAÇA DE BRITO OLIVEIRA - CE023126
DANIEL MELO MENDES BEZERRA FILHO - CE038673
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA VARA DA INFANCIA, DA JUVENTUDE E DO
IDOSO DE PARNAMIRIM - RN
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMILIA DE FORTALEZA - CE
INTERES. : DPMJ
ADVOGADO : MAXWELL RAPHAEL DA CÂMARA SENA - RN011738
EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA


EM AÇÕES DE GUARDA. TEORIA DA DERROTABILIDADE DAS NORMAS.
EXCEÇÕES EXPLÍCITAS E IMPLÍCITAS. SUPERAÇÃO DAS REGRAS.
EXCEPCIONALIDADE. CRITÉRIO. LITERALIDADE INSUFICIENTE, SITUAÇÕES
NÃO CONSIDERADAS PELO LEGISLADOR, INADEQUAÇÃO, INEFICIÊNCIA OU
INJUSTIÇA CONCRETAMENTE CONSIDERADA. PERPETUATIO JURISDICTIONIS.
REGISTRO OU DISTRIBUIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL COMO ELEMENTOS
DEFINIDORES DA COMPETÊNCIA. SUPRESSÃO DO ÓRGÃO JUDICIÁRIO OU
ALTERAÇÃO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÕES EXPLÍCITAS. EXISTÊNCIA DE
EXCEÇÃO IMPLÍCITA. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL SOB A ÓTICA MATERIAL.
PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA ADEQUADA E FORUM NON CONVENIENS.
MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA AQUELE QUE POSSUA MELHORES
CONDIÇÕES DE JULGAR A CAUSA. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE EM EXAME.
CIRCUNSTÂNCIAS GRAVÍSSIMAS. INDÍCIOS DE INFLUÊNCIAS INDEVIDAS NO
JUÍZO EM QUE TRAMITA A CAUSA. POSSÍVEL PRÁTICA DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL CONTRA O FILHO. CIRCUNSTÂNCIAS GRAVES NÃO
CONSIDERADAS PELO PODER JUDICIÁRIO LOCAL. SUCESSIVAS
MODIFICAÇÕES DE GUARDA E DE RESIDÊNCIA. ALIJAMENTO DA MÃE DO
EXERCÍCIO DA GUARDA. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA NO JUÍZO DE
PARNAMIRIM/RN. POSSIBILIDADE. INDÍCIOS DE RESIDÊNCIA DA MÃE NA
LOCALIDADE AO TEMPO DA PROPOSITURA DA AÇÃO.
1- O propósito do presente conflito de competência é definir se cabe ao Juízo
de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de
Parnamirim/RN ou ao Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Comarca de
Fortaleza/CE processar e julgar ação de guarda, especialmente quando
presentes indícios da prática de crime do genitor contra a criança e de
condução inadequada e inconveniente do processo por um dos juízos
abstratamente competentes.
2- De acordo com a teoria da derrotabilidade das normas, as regras
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possuem exceções explícitas, previamente definidas pelo legislador, e
exceções implícitas, cuja identificação e incidência deve ser conformada
pelo julgador, a quem se atribui o poder de superá-la, excepcional e
concretamente, em determinadas hipóteses.
3- A exceção implícita, de caráter sempre excepcional, pode ser utilizada
para superar a regrar quando a literalidade dela for insuficiente para
resolver situações não consideradas pelo legislador ou quando, por razões
de inadequação, ineficiência ou injustiça, o resultado da interpretação literal
contrarie a própria finalidade da regra jurídica.
4- O art. 43 do CPC estabelece que o registro ou a distribuição da petição
inicial são os elementos que definem a competência do juízo,
pretendendo-se, com isso, colocar em salvaguarda o princípio constitucional
do juiz natural. A regra da perpetuatio jurisdictionis também contempla duas
exceções explícitas: a supressão do órgão judiciário em que tramitava o
processo e a alteração superveniente de competência absoluta daquele
órgão judiciário.
5- Modernamente, o princípio do juiz natural tem sido objeto de releitura
doutrinária, passando da fixação da regra de competência sob a ótica
formal para a necessidade de observância da competência sob a perspectiva
material, com destaque especial para o princípio da competência adequada,
do qual deriva a ideia de existir, ainda que excepcionalmente, um forum non
conveniens.
6- A partir desses desenvolvimentos teóricos e estabelecida a premissa de
que existam dois ou mais juízos abstratamente competentes, é lícito fixar,
excepcionalmente, a competência em concreto naquele juízo que reúna as
melhores condições e seja mais adequado e conveniente para processar e
julgar a causa.
7- Na hipótese em exame, a fixação da competência do Juízo de
Parnamirim/RN para as ações que envolvem a criança cuja guarda se
disputa, embora ausentes as circunstâncias explicitamente referidas no art.
43 do CPC, é medida que se impõe com fundamento na exceção implícita
contida nessa regra, apta a viabilizar a incidência do princípio da
competência adequada e a teoria do forum non conveniens.
8- Isso porque: ( i ) há indícios significativos de que o genitor estaria
exercendo influências indevidas perante o juízo em que distribuída a
primeira ação de guarda, em prejuízo da mãe e da própria criança; ( i i ) há,
contra o genitor, denúncia oferecida e recebida pela prática do crime de
estupro de vulnerável contra o filho, sem que isso tivesse exercido a
necessária influência nas decisões relacionadas à guarda ou ao regime de
visitação da criança proferidas pelo juízo de Fortaleza/CE; ( i i i ) a criança
tem sido submetida, em razão de frequentes decisões judiciais do juízo de
Fortaleza/CE, a sucessivas modificações de guarda e de residência, inclusive
por terceiros estranhos à família e alijando-se a mãe do exercício da
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guarda, o que tem lhe causado imensurável prejuízo; e (iv) nenhuma das
decisões judiciais proferidas pelo Poder Judiciário do Ceará, no âmbito cível,
considerou a possibilidade de afastar o convívio entre o genitor e o filho
diante dos seríssimos fatos que se encontram sob apuração perante o juízo
criminal nos últimos 27 meses.
9- Na hipótese em exame, anote-se que existem elementos indicativos de
que a mãe, ao tempo em que propôs a ação de guarda perante o juízo de
Parnamirim/RN, possuía residência naquela comarca e somente nela não
permaneceu em virtude de uma possível violação, pelo genitor, de medidas
protetivas anteriormente deferidas, transformando-se em uma nômade em
busca de sua própria sobrevivência e da sobrevivência de seu filho.
10- Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de
Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de
Parnamirim/RN, com determinações relacionadas à transferência imediata
dos processos em curso entre as comarcas, reavaliação de medidas
relacionadas à guarda, poder familiar e multas, tramitação do processo
durante as férias forenses e expedição de ofícios ao CNJ e CNMP.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda


Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas
constantes dos autos. Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy
Andrighi abrindo divergência para declarar competente o Juízo de Direito da Vara da
Infância, da Juventude e do Idoso de Parnamirim (RN),, por maioria, conhecer do conflito
e declarar competente o Juízo de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de
Parnamirim (RN), nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o
acórdão. Vencido o Sr. Ministro Moura Ribeiro.
Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Humberto
Martins, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e
Marco Aurélio Bellizze.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Brasília (DF), 13 de dezembro de 2023(Data do Julgamento).

MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA


Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI


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Relatora

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 199079 - RN (2023/0281078-9)

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO


SUSCITANTE : WVF
ADVOGADOS : ANA PAULA DA GRAÇA DE BRITO OLIVEIRA - CE023126
DANIEL MELO MENDES BEZERRA FILHO - CE038673
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA VARA DA INFANCIA, DA JUVENTUDE E
DO IDOSO DE PARNAMIRIM - RN
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMILIA DE FORTALEZA -
CE
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ADVOGADO : MAXWELL RAPHAEL DA CÂMARA SENA - RN011738

VOTO VENCIDO

RELATÓRIO

Trata-se de conflito de competência proposto por W V F (GENITORA),


apontando como suscitados o JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA, DA
JUVENTUDE E DO IDOSO DA COMARCA DE PARNAMIRIM/RN (JUÍZO POTIGUAR),
Processo nº 0811322-71.2021.8.20.5124, e o JUÍZO DE DIREITODA 3ª VARA DE
FAMÍLIA DA COMARCA DE FORTALEZA/CE (JUÍZO CEARENSE), Processo nº
0260309-26.2021.8.06.0001.

A GENITORA noticiou que com o término da união estável em 2018, a


guarda do filho havido da relação conjugal que manteve com D P M J (GENITOR),
passou a ser compartilhada, conforme definido em ação de guarda compartilhada com
regulamentação de visitas nº 0186277-55.2018.8.06.0013 do menor P F M (P), que
tramita perante o JUÍZO CEARENSE.

Afirmou que, em 2021, após suspeita de práticas que poderiam configurar


abuso sexual do menor pelo GENITOR, requereu medida protetiva distribuída na 12ª
VARA CRIMINAL DE FORTALEZA/CE (JUÍZO CRIMINAL CEARENSE) (Processo nº
0239788-60.2021.8.06.0001) e refugiou-se na Comarca de PARNAMIRIM/RN, onde
ajuizou pedido de guarda unilateral c.c. pedido de destituição do poder familiar do
genitor, em curso perante o JUÍZO POTIGUAR (Processo nº 0811322-
71.2021.8.20.5124).

O JUÍZO POTIGUAR deferiu a tutela de urgência e concedeu a guarda


exclusivamente à GENITORA aos 24/9/2022 (e-STJ, fl. 26). Posteriormente, declarou-
se competente para apreciação e julgamento dos processos em trâmite no JUÍZO
CEARENSE que envolvessem o interesse do infante P, fls. (e-STJ, fls. 70/77).

Apesar da medida protetiva concedida pelo JUÍZO CRIMINAL CEARENSE


aos 27/8/2021 (e-STJ, fl. 26), consistente na proibição de contato físico e comunicação
do pai com o filho, diante do possível crime de estupro de vulnerável, e da guarda
provisória deferida pelo JUÍZO POTIGUAR, o JUÍZO CEARENSE manteve a ordem de
entrega da criança para o genitor, determinada inicialmente aos 3/12/2021. Ainda, o
JUÍZO CEARENSE suspendeu o poder familiar da GENITORA aos 14/2/2022 (e-STJ,
fl. 26).

Em razão da ausência da entrega da criança para o GENITOR, foram


instaurados execução de multa por descumprimento de ordem judicial (autos nº
0260309-26.2021.8.06.0001), ação por crime de desobediência e subtração de
menor (autos nº 0200113-44.2022.8.06.0296), além de busca e apreensão (autos nº
0225396- 47.2023.8.06.0001).

O mandado de busca e apreensão expedido pelo JUÍZO CEARENSE foi


cumprido aos 6/7/2023 na cidade de JOÃO PESSOA/PB e o menor foi entregue ao seu
genitor.

Diante desse fato, o JUÍZO POTIGUAR revogou suas decisões anteriores e


declinou da competência em favor do JUÍZO CEARENSE:

[...]
A presente ação foi ajuizada perante esta vara ao fundamento de que a
criança e sua genitora residiam no Município de Parnamirim, havendo
diversas outras ações discutindo fatos correlatos em varas distintas da
comarca de Fortaleza.
[...]
O certo é que esse Juízo encontrou severas dificuldades para localizar o
infante e sua genitora no endereço por ela indicado, conforme id.
93775203, tendo a equipe técnica da vara encontrado o apartamento
indicado vazio e os vizinhos informado que não conhecem a requerente
e seu filho. Destaco que a certidão foi firmada em janeiro de 2023 e que,
nesse data, a requerente já residiria no endereço indicado há mais de 1
(um) ano.
Intimada para comprovar sua residência nessa comarca, a autora
apresentou contrato de locação de agosto de 2022 e comprovantes de
pagamento de agosto de 2022 até janeiro de 2023 (id. o id. 99671982).
Nesse ponto, destaco que foi nesse cenário de dúvidas acerca do
verdadeiro local de residência da requerente que a criança foi
encontrada no Município de João Pessoa/PB, em cumprimento a
mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo da 9ª Vara
Criminal de Fortaleza, nos autos do processo nº processo nº 0225396-
47.2023.8.06.0001, em desfavor da genitora do infante.
É preciso salientar que no endereço indicado pelo genitor consta até
mesmo a indicação da escola em que a criança estaria matriculada no
município supramencionado, o que reforçou as dúvidas acerca do local
de residência da requerente.
Diante do cumprimento do mandado de busca e apreensão, a criança
passou a residir no município de Fortaleza/CE, junto ao seu genitor.
Logo, não obstante existam dúvidas sobre a residência da genitora
nesta comarca, com a alteração da residência da criança, fato
incontroverso, se faz necessária nova análise sobre a competência para
apreciar esta demanda.
Nesse sentido, dispõe o art. 147 do Estatuto da Criança e do
Adolescente que:
Art. 147. A competência será determinada:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta
dos pais ou responsável.
A partir da leitura do dispositivo legal citado, verifica-se que a
competência dos feitos afetos à infância e juventude será determinada
pelo domicílio dos pais ou responsáveis.
Tendo em vista que no caso dos autos há significativa controvérsia
sobre a guarda do infante, aplicar-se-á o disposto no inciso II da
normativa mencionada, o qual aponta como competente a vara
responsável do local onde está a criança, isto é, o Juízo de
Fortaleza/CE.
Esclareço que o genitor do infante não está com sua guarda nesse
momento de forma ilegal, haja vista que existe decisão proferida por juiz
de direito determinando a guarda em seu favor, bem como decisão
determinando a busca e apreensão do infante.
Contudo, é notório que os fatos aqui narrados são atravessados
por diversas decisões seriamente conflitantes, proferidas por
diferentes juízes em inúmeros processos distintos, os quais foram
ajuizados pelas partes para tratar de fatos correlatos, o que gera
insegurança jurídica, verdadeiro tumulto processual e,
principalmente, prejuízo para o infante.
Pontuo que o primeiro conflito entre decisões relacionadas a esse caso
diz respeito a ação de guarda ajuizada pelo genitor na 3º Vara de
Família de Fortaleza sob o número 0186277-55.2018.8.06.0001, na qual
foi determinada a guarda unilateral do infante para o seu pai, decisão
essa que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Ceará; e o processo
nº 0239788-60.2021.8.06.0001, medida protetiva requerida pela
requerente em favor de seu filho, que tramita na vara única da comarca
de Eusébio no Ceará em desfavor do genitor da criança.
No bojo desse conflito entre decisões e sem comunicar ao Juízo
responsável pelo primeiro processo de guarda, a genitora alterou
sua residência com o infante e ajuizou nova ação requerendo a
guarda da criança, havendo a partir daí uma sequência de decisões
conflitantes nos diferentes juízos em que esses processos
tramitam.
De igual forma, o genitor se valeu de decisão de guarda proferida pela
3ª Vara de Família de Fortaleza para requerer a busca e apreensão da
criança perante o juízo da 9ª Vara Criminal daquela comarca, mesmo
com a existência decisão proferida por esta Vara da Infância
concedendo a guarda para a genitora.
Sendo assim, verifica-se que não há que se falar em ilegalidade da
busca do infante ou da atual guarda do genitor, mas sim relevante
tumulto processual que, para ser sanado, demanda a reunião dos
processos perante o juízo do local em que a criança está nesse
momento, em atenção ao disposto no art. 147 do ECA e a conexão
material entre as ações.
[...]
Por fim, não obstante este Juízo tenha se declarado competente em
atenção ao melhor interesse da criança em momento anterior,
considerando os indicadores de residência do infante neste Município,
verifica-se, nesse momento, que durante o trâmite processual ocorreu
uma alteração fática das circunstâncias, qual seja, a mudança de
residência do infante, após o cumprimento do mandado de busca e
apreensão, o que impõe o declínio de competência desse processo para
o Juízo da 3ª Vara de Família da comarca de Fortaleza/CE.
Ante o exposto, com fulcro no art. 147 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e em consonância com o parecer do Ministério Público,
reconheço a incompetência desse juízo, REVOGO as decisões de ids.
73711690 e 89583779, e, por consequência, DECLINO A
COMPETÊNCIA para a 3ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza,
por ser esse o Juízo prevento na comarca em que atualmente reside o
infante. (e-STJ, fls. 25/31 – sem destaques no original)

Após o cumprimento do mandado de busca e apreensão e da entrega do


menor ao GENITOR, o tumulto processual no JUÍZO CEARENSE foi ampliado com
decisão nos autos da execução de multa por descumprimento a decisão judicial
proposta por aquele contra a GENITORA (Processo nº 0260309-26.2021.8.06.0001),
declinando da competência para o JUÍZO POTIGUAR aos 21/7/2023:

[...]
Como se extrai do relatório acima, discute-se qual dos pais detém
melhor condição para exercer a guarda da criança. Ao tempo do
ajuizamento desta ação, a criança residia nesta cidade de Fortaleza/CE,
contudo, no curso do feito, passou a residir na cidade de
Parnamirim/RN, sendo ajuizada, pela promovida, Sra. [SIC], ação
naquela Comarca, em 24/09/2021, onde restou concedida a guarda
unilateral provisória da criança para a genitora.
O Juízo da Vara da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de
Parnamirim/RN levou em consideração que, diante dos fatos levados a
seu conhecimento, se colocada aos cuidados do genitor, a criança
estaria exposta a situação de risco, o que justifica a atuação do juízo da
Vara especializada. Assim, reconheceu a sua competência para
processar e julgar todas as demais ações de interesse da criança [SIC].
Na hipótese em análise, constando nos autos que a criança e sua
responsável legal encontram-se atualmente domiciliadas em
Parnamirim/RN e que o entendimento da Corte Superior de Justiça é no
sentido de que é possível a mitigação do princípio da perpetuatio
jurisdictionis, de modo a possibilitar e facilitar o acesso à justiça do
menor, impõe-se o reconhecimento da incompetência deste juízo.
Dessa forma, tendo sido reconhecida a competência pelo Juízo da
Vara especializada da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca
de Parnamirim/RN, bem como considerando os regramentos legais
e jurisprudenciais acima mencionados, com fundamento no art. 64,
§ 3º, do CPC, declino da competência para processar e julgar o
presente feito e determino a remessa destes autos ao Juízo da Vara
da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN.
Publique-se, Intimem-se e, empós, preclusa esta decisão, encaminhem-
se os autos ao setor de Distribuição, remetendo o processo ao Juízo
competente.
Cumpra-se de imediato.
Fortaleza/CE, 21 de julho de 2023.
Ariana Cristina de Freitas
Juíza de Direito (e-STJ, fls. 23/24 – sem destaque no original)

Em decisão liminar, foi designado o JUÍZO CEARENSE para resolver, em


caráter provisório, as medidas urgentes quanto ao infante, uma vez que, a teor da
decisão proferida pelo JUÍZO POTIGUAR, juntada aos autos nas e-STJ, fls. 25/31, não
foi demonstrado que a GENITORA residia com seu filho na Comarca, ressaltando que
eles foram localizados na cidade de João Pessoa/PB quando do cumprimento do
mandado de busca e apreensão. Ademais, quando proferida a decisão o menor estava
residindo na cidade de Fortaleza/CE (e-STJ, fls. 109/110).

As informações foram prestadas pelo JUÍZO DA 3ª VARA DE FAMÍLIA DE


FORTALEZA/CE (e-STJ, fls. 123/125). O JUÍZO DA 10ª VARA CRIMINAL DE
FORTALEZA/CE prestou informações às e-STJ, fls. 131/132. O JUÍZO DA VARA DA
INFÂNCIA, DA JUVENTUDE E DO IDOSO DE PARNAMIRIM/RN, por sua vez,
apresentou informações às e-STJ, fls. 137/140.

A GENITORA juntou aos autos denúncia apresentada pelo Ministério Público


do Estado do Ceará, aos 27/8/2023, em face do GENITOR pela prática dos delitos dos
artigos 136 c/c § 3º; art. 217-A c/c 226, II e 71 do CPB, na qual o Parquet requereu
cautelar de urgência de busca e apreensão da vítima P e aplicação de medida protetiva
de afastamento em desfavor do denunciado (e-STJ, fls. 156/159).

O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo conhecimento do


conflito, com a designação do JUÍZO POTIGUAR como competente para o feito,
considerando a prioridade absoluta do interesse do menor, e tendo por contexto a
suspeita de abuso sexual por parte do genitor (e-STJ, fls. 180/188).

Em decisão de e-STJ, fls. 190/192, em razão de matéria jornalística


publicada na Revista Piauí aos 25/10/2023, noticiando que teria havido alteração da
guarda provisória da criança, em favor da avó materna (
https://piaui.folha.uol.com.br/juiza-manda-tirar-menino-do-pai-acusado-de-agredi-lo-
sexualmente/), foram solicitadas informações ao JUÍZO CEARENSE sobre o atual
andamento processual, em especial, quanto a situação fática em que se encontra P,
intimando-se, também, a GENITORA para, querendo, apresentar manifestação sobre o
noticiado.

O JUÍZO CEARENSE informou que aos 4/10/2023 foi proferida decisão


interlocutória que apreciou manifestações das partes, determinou a revogação da
suspensão do poder familiar materno, deferiu o pedido de modificação da guarda em
favor da GENITORA, determinou a suspensão do poder familiar do GENITOR e
regulamentou a convivência paterna com a criança mediante supervisão de duas
pessoas a serem indicadas pelas partes. Contra essa decisão o GENITOR interpôs
recurso de agravo de instrumento e aos 9/10/2023 o Tribunal de Justiça do Ceará
deferiu o pedido liminar e determinou a suspensão da decisão (e-STJ, fls. 303/309).
Ainda, informou que:

[...] houve comunicação nos autos enviada pelo juízo da 12ª Vara
Criminal da Comarca de Fortaleza sobre a existência de ação de pedido
de concessão de medida protetiva e busca e apreensão de menor e
decisão emanada por aquele juízo na data de 20/10/2023 que
determinou que a criança fique sob a proteção e acolhimento da avó
materna, com restrição de visita ao genitor aos sábados de forma
alternada, a ser assistida por duas pessoas a serem indicadas pelas
partes.
Dessa forma, a ação de guarda que tramita neste juízo encontra-se
aguardando a realização do estudo psicossocial do caso, já tendo sido
nomeados os peritos que atuarão no caso. A criança, atualmente,
encontra-se sob guarda e responsabilidade da avó materna, por
decisão determinada pelo juízo da 12ª Vara Criminal da Comarca de
Fortaleza. (e-STJ, fl. 309 – sem destaque no original)

A suscitante se manifestou às e-STJ, fls. 197/302 e 313/394.

É o relatório.

VOTO VENCIDO

Com base no art. 105, I, d, da Constituição Federal, conheço do incidente


instaurado entre juízes vinculados a tribunais diversos.

A controvérsia gira em torno de se definir qual o juízo competente para


processar e julgar ação de guarda de menor que se encontra em situação de risco.

Conforme constou no relatório, a guarda compartilhada foi exercida por


ambos os genitores de 2018 a 2021, ano em que a GENITORA do menor percebeu
indícios de abuso sexual e requereu medida protetiva perante o Juízo da 12ª Vara
Criminal da Comarca de Fortaleza/CE consistente na proibição de contato físico e
comunicação do GENITOR com o filho P.

Após a concessão de medida protetiva, a GENITORA refugiou-se na


Comarca de Parnamirim/RN, onde requereu a guarda unilateral de P, que foi deferida
pelo Juízo Potiguar, que se declarou competente para julgar todas as causas
envolvendo interesses do infante.

A partir de então teve início o tumulto processual e o desencontro de


decisões nos juízos suscitados sobre a guarda de P: no Juízo Cearense aos 3/12/2021,
foi determinada a busca e apreensão da criança em prol do GENITOR, e aos 14/2/2022
o poder familiar da GENITORA sobre a criança foi suspenso.
É importante anotar que na Justiça do Ceará três juízes e quatro promotores
se declararam suspeitos para atuar no feito.

No Juízo Potiguar, por sua vez, foi deferida a guarda exclusivamente à


GENITORA aos 24/9/2022 (e-STJ, fl. 26), e declarada a competência daquele juízo
para julgar a guarda de P. Porém, com o cumprimento do mandado de busca e
apreensão e a entrega dele para o GENITOR este juízo decidiu declinar da
competência para o local em que atualmente se encontrava o menor (Fortaleza/CE).

Após o cumprimento do mandado de busca e apreensão determinado pelo


Juízo Cearense aos 6/7/2023, culminando com a entrega de P ao GENITOR acusado
de abuso sexual, com a subsequente declinação da competência pelo Juízo Potiguar e,
ainda, a declinação de competência do próprio Juízo Cearense em um dos feitos
conexos (execução de multa por descumprimento a decisão judicial), foi suscitado
conflito de competência.

Nesse quadro, verifica-se o conflito negativo de competência, uma vez que


ambos os Juízos envolvidos declinaram, com determinações de remessa dos autos, e
agora é necessário resolver qual deles deverá seguir no processamento do litígio.

Pois bem, a Constituição Federal dispõe sobre a prioridade absoluta dos


direitos das crianças e adolescentes, impondo em qualquer situação seja encontrada
alternativa que efetivamente garanta em primeiro lugar seus interesses.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O ECA, no art. 3º, garante a proteção integral do menor.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos


fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade.

O melhor interesse da criança, como explica ARNOLD WALD [...] assume


um contexto, que em sua definição o descreve como ‘basic interest’, como sendo
aqueles essenciais cuidados para viver com saúde, incluindo a física, a emocional e a
intelectual, cujos interesses, inicialmente são dos pais (Curso de Direito Civil
Brasileiro: o novo direito de família. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 244).
Ou conforme as palavras de ROSA MARIA DE ANDRADE NERY e NELSON
NERY JR.:

Conduzir-se com atenção ao melhor interesse da criança e do


adolescente é privilegiar as propostas, soluções, medidas, providências
efetivas e ordens que resolvam os problemas apresentados e que
ponham termo às agressões, às ameaças de agressões e aos riscos
que lhes tolhem o desenvolvimento integral.
É um princípio abrangente e propositivo, que encaminha pais,
educadores, organismos públicos e privados e autoridades para um
fazer compatível com a situação privilegiada que eles devem ter quando
das escolhas das decisões pertinentes aos seus interesses. No trato
das questões atinentes ao convívio familiar, o princípio opera de
maneira a encontrar a solução adequada a cada caso, de acordo com
as peculiaridades pessoais de cada membro da família e dos envolvidos
em eventual disputa judicial.
(Instituições de Direito Civil. Vol. 4. Família e Sucessões. 3ª ed. São
Paulo: RT, 2022, p. 180)

No mesmo sentido é a doutrina de MARIA BERENICE DIAS:

[...]
Crianças e adolescentes constroem sua estrutura social e emocional a
partir da identificação com pessoas que preenchem suas necessidades
de alimentação, proteção, higiene, aconchego, entre outras, sendo que
as necessidades psicológicas, quase sempre, suplantam as
necessidades de ordem material.
(DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo:
Revista dos Tribunais. 2010, 9ª ed., p.. 525)

Assim, por expressa previsão constitucional e infraconstitucional, as crianças


e os adolescentes têm o direito de ver assegurado pelo Estado e pela sociedade o
atendimento prioritário do seu melhor interesse e ter garantida sua proteção integral,
devendo tais premissas orientar o aplicador do direito.

Tendo-se isso por base, é fácil ver que a situação de beligerância extrema
entre os pais atenta violentamente contra tais preceitos, aliado com a grave denúncia
de abuso sexual supostamente praticado pelo GENITOR, pois cada vez mais afasta a
criança do convívio familiar, negando-lhe a proteção e o cuidado que são essenciais
para o desenvolvimento do ser humano. Afinal, como diz WILSON DONIZETI
LIBERATI, a família é o primeiro agente socializador do ser humano. A falta de afeto e
de amor da família gravará para sempre seu futuro (Comentários ao Estatuto da
Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 29).

No que diz respeito a competência, a regra geral do direito processual civil é


a de que, uma vez definido o juízo competente para o julgamento de uma causa, a
competência não mais se altera (art. 43 do CPC/2015).
A exceção é a incidência de regra de competência de natureza absoluta, que
impede a prorrogação e pode dar ensejo a diversas nulidades que não se convalidam
ao longo do processo.

É o caso do art. 147 do ECA, que estabelece a competência como sendo a


do domicílio dos pais ou responsável ou, na falta destes, do local em que se encontra a
criança ou adolescente:

Art. 147. A competência será determinada:


I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos
pais ou responsável.

O STJ consolidou esse entendimento, conforme o enunciado da Súmula nº


383: a competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de
menor é, em princípio, o foro do domicílio do detentor de sua guarda.

Esse entendimento, porém, não autoriza a que se conclua que o foro poderá
ser seguidamente deslocado ao sabor das conveniências dos pais ou guardiães.

Fosse assim, seria muito fácil a qualquer deles frustrar as decisões dos
Juízos, bastando que o interessado levasse o menor para outra comarca e lá
requeresse alguma medida. Na prática, então, sobraria a possibilidade manifesta de um
juiz de igual grau de jurisdição desconsiderar ou ignorar a situação em curso, dando
decisão diametralmente oposta.

Em um dos acórdãos que deu origem à Súmula nº 383 do STJ, CC nº


79.095/DF, de relatoria do Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, foi
discutido se incide a regra da perpetuatio jurisditionis, prevista no art. 43 do CPC/2015,
que corresponde ao art. 87 do CPC/1973, ou a regra do art. 147 do ECA.

Na ocasião ficou assentado que se a mudança de domicílio não é autorizada


pelo Poder Judiciário, é ilícita, ou fundada no objetivo de alienação parental, não se
desloca a competência. Por outro lado, se a mudança de domicílio é razoável, ou é
judicialmente permitida, aplica-se o art. 147 do ECA:

[...]
Então, naqueles dois casos, não houve uma intervenção do Poder
Judiciário. A mudança do estado de fato deu-se por vontade da própria
pessoa, que, como disse o Senhor Ministro Ari Pargendler, no caso do
Conflito de Competência nº 35.761/SP, ocorreu quase em estado de
fuga da mãe com relação ao cenário que estava presente naquele
momento no local onde ela anteriormente se encontrava.
Se existe essa peculiaridade, e ela existe, não há controvérsia sobre
isso nos autos, existe uma questão judicial, seja por parte da mulher,
seja por parte do marido, quer dizer, se ambos discutiram a questão da
presença da filha em Teresina considerando essa autorização do
deslocamento da mãe, a mudança de domicílio foi posta sob a égide do
Poder Judiciário.
(CC nº 79.095/DF, relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES
DIREITO, Segunda Seção, j. 23/5/2007, DJ de 11/6/2007, p. 260)

No caso presente, como já se adiantou, com o término da união estável em


2018, a guarda do filho passou a ser compartilhada, em ação que teve curso na
Comarca de Fortaleza/CE. Depois, em 2021, por alegado abuso sexual de P pelo
GENITOR, a GENITORA pediu medida protetiva, que também foi deferida por Juízo
Criminal da mesma Comarca. Logo, resta patente que perante o Juízo Cearense
estava centrada a disputa sobre a guarda de P.

Assim, embora a GENITORA não tenha se valido de subterfúgio a fim de se


afastar do Juízo natural, diante de indicativos de abuso sexual praticado pelo
GENITOR, o fato de posteriormente ter se mudado para a Comarca de Parnamirim/RN
não podia, por si, deslocar a competência para a causa, até porque o juízo desse novo
domicílio não podia ser dito exclusivo em favor de parte detentora da guarda, uma vez
que a guarda era compartilhada.

A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a competência


para dirimir as questões referentes à guarda de menor é, em princípio, do Juízo do foro
do domicílio de quem já exerce legalmente, nos termos do que dispõe o art. 147, I, do
Estatuto da Criança e do Adolescente (CC nº 126.175/PE, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, j.
11/12/2013, DJe 14/3/2014).

A boa inteligência dessa solução tem de ser no sentido de que, estabilizada


uma situação (o que não acontece no caso, porque aqui o litígio está em curso),
apenas a competência para eventuais novas demandas futuras deve seguir a regra do
art. 147 do ECA.

Não é lógico, nem racional, admitir a modificação da competência


relativamente a ações em curso, apenas para se subtrair de uma decisão já proferida
por outro Juízo. Pudesse ser assim, o litígio se tornaria praticamente perpétuo, pois
bastaria aos pais ou guardiães mudarem de endereço e no novo domicílio requererem
uma nova medida.

A par disso, pelo até aqui existente, nem é possível afirmar que o novo
domicílio da mãe estaria a atender a disposição do ECA, nem muito menos atender aos
interesses de P.

Basta ver as informações prestadas pelo Juízo Potiguar, taxativo em afirmar


que: (i) o Juízo encontrou severas dificuldades para localizar o infante e sua genitora no
endereço por ela indicado, tendo a equipe técnica da vara encontrado o apartamento
indicado vazio e os vizinhos informado que não conhecem a requerente e seu filho; (ii)
o infante, apesar de estar matriculado em escola no município de Paranamirim/RN,
nunca frequentou as aulas, o que ficou atestado por declaração emitida pela gestora
responsável pelo Centro de Ensino; (iii) a criança estaria matriculada no município de
João Pessoa/PB; (iv) a busca em apreensão do menor foi cumprida em João
Pessoa/PB (e-STJ, fls. 137/140).

O Juízo Potiguar, assim, declinou da competência por não vislumbrar


nenhum vínculo de P com a Comarca de Parnamirim/RN:

[...]
Diante do cumprimento do mandado de busca e apreensão, a criança
passou a residir no município de Fortaleza/CE, junto ao seu genitor.
Ato contínuo, diante do fato incontroverso que o infante não reside ou
possui qualquer tipo de vínculo com essa comarca de Parnamirim,
esse Juízo se declarou incompetente e remeteu os autos para a 3ª Vara
de Família de Fortaleza/CE, unidade judiciária preventa para analisar os
fatos discutidos naquela ação, haja vista que lá tramita ação similar,
ajuizada em momento anterior e que trata sobre os mesmos fatos, isto
é, sobre a guarda do infante [...].
Destaco que, mesmo diante da obscuridade relativa ao endereço da
genitora do infante, esse Juízo postergou a análise acerca de sua
competência territorial para apreciar a demanda devido à suposta
situação de risco da criança, narrada pela suscitante, tendo se
declarado incompetente somente após a alteração da residência do
próprio infante em cumprimento a mandado de busca e apreensão
expedido pela 9ª Vara Criminal de Fortaleza, fato de relevância tamanha
que tornou imperiosa decisão nesse sentido e a revogação de decisão
em sentido contrário.
Além das questões relativas a competência territorial, é importante
acrescentar que as partes integrantes do processo nº 0811322-
71.2021.8.20.5124 ajuizaram diversas demandas sobre fatos similares
em unidades judiciais distintas, o que gerou decisões seriamente
conflitantes, como por exemplo a suspensão do poder familiar da
genitora determinada pela 3ª Vara de Família de Fortaleza/CE ou o
mandado de busca e apreensão expedido em seu desfavor pela 9ª Vara
Criminal de Fortaleza/CE e a decisão dessa Vara da Infância
concedendo a guarda unilateral do infante para ela.
Diante disso, na decisão de declínio da competência, foi esclarecido
que, além das questões normativas acerca da competência territorial,
melhor atende aos interesses do infante a apreciação de todas essas
demandas, em conjunto, pelo Juiz responsável da comarca de
Fortaleza/CE, haja vista que os fatos narrados lá ocorreram e é lá que
tramitam a maioria dos processos relativos aos fatos ora sub judice.
Assim sendo, considerando a existência de dúvidas acerca de efetiva
residência da genitora nessa comarca, bem como a alteração fática das
circunstâncias, qual seja, a mudança de residência do infante após o
cumprimento do mandado de busca e apreensão, e o melhor interesse
do infante, impõe-se o declínio de competência desse processo para o
Juízo da 3ª Vara de Família de Fortaleza/CE.
Por fim, ressalto que as decisões proferidas nos autos por esse Juízo
foram revogadas em sua integralidade por ocasião da decisão de
declínio de competência, de modo que, atualmente, não existe nesse
Juízo nenhuma decisão que possa vir a conflitar com decisões
proferidas no estado do Ceará. (e-STJ, fls. 139/140 - destaque no
original)

De tal modo, se não demonstrado que P estaria integrado e desenvolvia sua


vida no Juízo Potiguar, lá frequentando escola e tendo convívio social, parece inviável
afirmar que tal Juízo atenderia ao seu melhor interesse.

Ademais, a designação do juízo competente não implica determinar se a


guarda será deferida a um ou outro genitor, estando a análise adstrita a diversos temas
que devem ser considerados pela origem.

Nada obstante, observa-se que o caso concreto se revela deveras


complexo, havendo apuração de denúncia de abuso sexual contra o infante. Tal
circunstância, aliás, pode influenciar na resolução da lide, sendo prudente assegurar ao
juízo declarado competente a possibilidade de envidar melhores esforços tendentes a
conciliar o triste conflito de família.

A denúncia por suposto abuso sexual não pode ser ignorada pelo Judiciário,
tendo em vista a hipervulnerabilidade da criança, ao menor sinal de abalo à sua
integridade física, psicológica ou financeira, a ameaça precisa ser pronta e
prioritariamente neutralizada (MADALENO, Rolf. Novos horizontes no direito de
família: o processo civil e a tutela dos vulneráveis no direito de família. Rio de
Janeiro: Forense, 2010, p. 39).

Anote-se que após suscitado o conflito e designado o Juízo de Fortaleza/CE


para dirimir as questões urgentes, foi proferida decisão interlocutória revogando a
suspensão do poder familiar materno, deferindo o pedido de modificação da guarda em
favor da GENITORA, determinando a suspensão do poder familiar do GENITOR e
regulamentando a convivência paterna com a criança mediante supervisão de duas
pessoas a serem indicadas pelas partes. A decisão, no entanto, foi suspensa pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (e-STJ, fls. 303/309).

Nesse ínterim, o Juízo da 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza


proferiu decisão aos 20/10/2023 determinando a guarda da criança sob a proteção e
acolhimento da avó materna, domiciliada em Fortaleza/CE, com restrição de visita ao
GENITOR aos sábados de forma alternada, a ser assistida por duas pessoas indicadas
pelas partes.

Em pesquisa realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará


aos 21/11/2023, verificou-se que aos 14/11/2023 foi publicada decisão do Juízo de
Fortaleza/CE, em cumprimento a decisão monocrática no agravo de instrumento
interposto pelo GENITOR, determinando que a guarda provisória seja exercida, até o
julgamento do mérito da demanda, por família ou pessoa substituta, alheios aos laços
familiares das partes, devendo cada litigante indicar ao Juízo da 3ª Vara de Família, no
prazo preclusivo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar da publicação do presente
acórdão, pessoa ou família idônea para o exercício temporário do múnus, residentes
no Município de Fortaleza CE, podendo as partes apresentarem mais de uma pessoa
ou família, até o número de 03 (três).

Aos 20/11/2023 foram nomeados os guardiões provisórios, determinando-se


que o exercício da guarda provisória seja devidamente acompanhado durante toda a
sua vigência por equipe interprofissional à disposição da Justiça (Setores de Serviço
Social e de Psicologia do Fórum), bem como pelo Conselho Tutelar, com emissão de
relatórios periódicos a cada 15 (quinze) dias.

Melhor, então, manter a competência do Juízo de Fortaleza/CE, onde


inclusive, bem ou mal, está atualmente o menor.

De resto, não tem maior relevância em sede de conflito de competência as


inferências sobre o tumulto processual, interferências, suspeições de Juízes e
Promotores da Justiça Cearenses, porque isso reclama providências de outra ordem.
Por certo, há no Estado Corregedoria Geral que pode ser acionada para correção de
eventuais distorções e se esta não se fizer suficiente há ainda a Corregedoria Nacional.

Enfim, diante das circunstâncias do caso, tenho para mim que o conflito deve
ser resolvido declarando-se competente o Juízo da 3ª Vara de Família da Comarca de
Fortaleza/CE, ficando assim mantida a liminar que designou referido Juízo para
resolver provisoriamente as medidas urgentes ali requeridas e relativas a P.

Nessas condições, CONHEÇO do conflito para declarar competente o


JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE FORTALEZA/CE.

Considerando a notícia de interferência externa nos processos em curso


perante o Juízo declarado competente, OFICIE-SE ao Conselho Nacional de Justiça
e ao Conselho Nacional do Ministério Público para que envidem esforços na
apuração de eventuais irregularidades no trâmite do feito, instruindo-se o ofício com
cópia desta decisão e da petição juntada às e-STJ, fls. 313/394, em que é descrito todo
o iter processual desde a distribuição da ação de guarda aos 13/12/2018.

É o voto.
Superior Tribunal de Justiça
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 199.079 - RN (2023/0281078-9)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
SUSCITANTE : WVF
ADVOGADOS : ANA PAULA DA GRAÇA DE BRITO OLIVEIRA - CE023126
DANIEL MELO MENDES BEZERRA FILHO - CE038673
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA VARA DA INFANCIA, DA JUVENTUDE E DO
IDOSO DE PARNAMIRIM - RN
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMILIA DE FORTALEZA - CE
INTERES. : DPMJ
ADVOGADO : MAXWELL RAPHAEL DA CÂMARA SENA - RN011738

VOTO-VISTA

Ministra NANCY ANDRIGHI

Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado por W V F,


em que se apontam, como suscitados, o Juízo de Direito da Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN e o Juízo de Direito da 3ª
Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE.
Voto do e. Relator, Min. Moura Ribeiro: conheceu do conflito
para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Comarca de
Fortaleza/CE, em síntese, ao fundamento de que: (i) haveria uma situação de
grave beligerância entre os pais que não contribuiria para a proteção integral e
prioritária dos interesses da criança; (ii) que as regras de competência se orientam
para inalterabilidade (perpetuatio jurisdictionis), de modo que, salvo nas hipóteses
legais ou quando há autorização judicial, uma vez proposta a ação, naquele juízo ela
deverá ser processada e julgada; (iii) que regras de competência não poderiam ser
deslocadas ao sabor das conveniências dos pais ou guardiães; (iv) que, na hipótese
em exame, como a questão da guarda compartilhada ainda estava em debate na
ação proposta pelo genitor perante o Juízo de Fortaleza/CE, a competência para
processar e julgar a ação proposta pela mãe, pretendendo a modificação da guarda
para unilateral perante o Juízo de Parnamirim/RN, deveria ser deslocada para o
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Juízo de Fortaleza/CE, ainda que não tenha ela se utilizado da ação como
subterfúgio para se afastar do juízo natural, mas diante dos indícios de abuso
sexual do filho; (v) que não seria possível afirmar sequer que o Juízo de
Parnamirim/RN seria competente, tampouco atenderia aos interesses da criança,
eis que existiriam indícios de que a mãe e a criança não mais residiriam naquela
comarca, mas, sim, em João Pessoa/PB; (vi) que, mais recentemente e no
intervalo de pouco mais de 45 dias, foram proferidas seguidas decisões: a)
restabelecendo o poder familiar da mãe e lhe concedendo a guarda, suspendendo
o poder familiar do genitor, mas permitindo a visitação assistida, posteriormente
suspensa pelo TJ/CE; b ) concedendo a guarda da criança à avó materna, permitida
a visitação assistida do genitor; c ) determinando que a guarda seja exercida por
família ou pessoa substituta, alheia aos familiares, a ser indicada pelos pais; e
finalmente (vii) que seria melhor manter a competência do Juízo de Fortaleza/CE
“onde inclusive, bem ou mal, está atualmente o menor” e que, para o exame da
questão, não haveria relevância das questões relacionadas a “tumulto processual,
interferências, suspeições de juízes e promotores da justiça cearenses, porque isso
reclama providências de outra ordem”, determinando o e. Relator, em razão disso,
a expedição de ofício ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do
Ministério Público, para que “envidem esforços na apuração de eventuais
irregularidades no trâmite do feito”.
Diante da gravidade e da complexidade dos fatos que envolvem o
presente conflito de competência, pedi vista para melhor exame da controvérsia
na sessão telepresencial ocorrida no último dia 22/11/2023.

1. DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL ENTRE OS


JUÍZOS SUSCITADOS À LUZ DO ART. 43 DO CPC. TEORIA DA

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DERROTABILIDADE DAS NORMAS, PRINCÍPIOS DO JUIZ NATURAL E DA
COMPETÊNCIA ADEQUADA E FORUM NON CONVENIENS.

1. Por muito tempo, entendeu-se, a partir das lições de Ronald


Dworkin e de Robert Alexy, que as regras, diferentemente dos princípios,
somente seriam aplicáveis a partir de um modelo de tudo-ou-nada.
2. A partir dessa concepção, a regra seria uma norma conclusiva que
regularia a situação jurídica de modo definitivo, devendo, pois, ser aplicada se
presente o fato por ela enunciado ou, então, para ser afastada, deveria ser
declarada como inválida ou sem nenhuma relevância para a solução da questão em
exame.
3. Mais modernamente, todavia, tem-se compreendido que a toda
regra correspondem não apenas exceções explícitas (assim compreendidas
como aquelas previamente definidas pelo legislador), mas, também, exceções
implícitas, cuja identificação e incidência deve ser conformada concretamente
pelo julgador, a quem se atribui o poder de superar a regra, excepcional e
concretamente, em determinadas hipóteses.
4. Conquanto o embrião desse pensamento tenha sido desenvolvido
na década de 40, a partir de ensaio publicado por Herbert Hart intitulado “A
atribuição de responsabilidades e direitos”, é certo que a ideia de existência
de exceções implícitas, de possibilidade de superação de regras em
determinadas hipóteses e de derrotabilidade das normas como fenômeno
jurídico vem sendo desenvolvida por juristas do quilate de Neil MacCormick,
Frederik Schauer e, no Brasil, por Humberto Ávila.
5. Surge, a partir do desenvolvimento dessas ideias, a teoria da
derrotabilidade das normas, como fruto da interpretação a ser dada pelo

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julgador em casos extremos e que tem seu campo de atuação, sempre
excepcional, adstrito às situações aparentemente não consideradas pelo legislador
ou às situações que exigem do intérprete uma solução distinta daquela que seria
obtida a partir da interpretação literal ou tradicional da regra.
6. Nesse sentido, leciona Frederick Schauer:

A chave para a ideia de revogabilidade, portanto, é o potencial de algum aplicador,


intérprete ou executor de uma regra fazer uma adaptação ad hoc ou pontual para
evitar que uma interpretação inadequada, ineficiente, injusta ou de outra forma
inaceitável seja o resultado gerado pela regra. Às vezes, o método de adaptação
pode ser uma substituição equitativa pela mesma ou outra instituição, às vezes será
o poder de inserir uma nova exceção a uma regra a fim de evitar um resultado ruim,
e às vezes será a modificação de uma regra no momento da sua aplicação. Às vezes,
e especialmente como defendido por Ronald Dworkin, evitar um resultado ruim
indicado pelas regras jurídicas mais imediatamente aplicáveis será revestido com a
linguagem de localizar a regra real subjacente ao que apenas superficialmente
parecia ser a regra aplicável. Mas qualquer que seja o método, e qualquer
que seja a linguagem em que é descrito, as consequências são claras: o
que teria sido um resultado ruim se a regra fosse fielmente seguida é
evitado tratando a regra como derrotável a serviço de valores maiores
de razoabilidade, eficiência, bom senso, justiça ou qualquer uma de
uma série de outras medidas pelas quais um determinado resultado
pode ser considerado deficiente. (SCHAUER, Frederick. Is defeasibility na
essential property of law? in The Logic Of Legal Requeriments: essays on
defeasibility (Coords.: Jordi Ferrer Beltrán e Giovanni Battista Ratti). Oxford: Oxford
University Press, 2012. p. 81).

7. Como bem sintetiza Carsten Bäcker, “a derrotabilidade das regras


se origina da limitação da capacidade humana em prever todas as circunstâncias
relevantes e, por conseguinte, da correspondente deficiência estrutural das
regras”.
8. Por isso, diz ele, “se as condições de uma regra são satisfeitas,
então a conclusão se segue, a menos que ocorra uma exceção, ou seja, se a, então
b, a menos que c”, na medida em que “não é possível prever todas as exceções,
não é possível criar uma regra sem exceções”. (BÄCKER, Carsten. Regras, princípios

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e derrotabilidade in Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 102, Belo
Horizonte, jan./jun. 2011, p. 67/68).
9. Diante desse cenário, conclui-se que pode o intérprete superar a
regra a partir da exceção implícita nela existente, nas excepcionais hipóteses em
que a literalidade da regra seja insuficiente para resolver situações não
consideradas pelo legislador ou em que, por razões de inadequação, ineficiência
ou injustiça, o resultado da interpretação literal contrarie a finalidade subjacente
da regra. Isso porque, como assevera Neil MacCormick, as regras “têm que ser
vistas como normas que estabelecem condições “ordinariamente necessárias e
presumivelmente suficientes” e não simplesmente “necessárias e suficientes”, de
forma absoluta”. (MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito: uma teoria
da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 101).
10. Justamente por se tratar de um método hermenêutico
excepcional e que deve ser reservado a situações absolutamente singulares,
isto é, aos chamados hard cases, é preciso estabelecer critérios objetivos e
controláveis para o uso racional da teoria da derrotabilidade das normas, a
fim de que a superação das regras não se torne instrumento de erosão da
segurança, da estabilidade e do próprio ordenamento jurídico.
11. Quanto ao ponto, Humberto Ávila estabelece três requisitos
materiais para que se possa superar uma regra: (i) que exista uma
incompatibilidade entre a hipótese prevista na regra e a sua finalidade subjacente;
(i i) que seja pouco provável o reaparecimento frequente de uma situação similar,
o que preservará a segurança jurídica; (iii) que a tentativa de se fazer justiça em
uma determinada hipótese mediante a superação da regra não afete a promoção
da justiça para a maior parte das hipóteses.
12. A aplicabilidade prática desses requisitos é mais bem
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compreendida a partir de exemplo citado pelo próprio autor:

Uma regra condicionava o ingresso num programa de pagamento simplificado de


tributos federais à ausência de importação de produtos estrangeiros. Os
participantes do programa não poderiam efetuar operações de importação, sob
pena de exclusão. Essa é a hipótese da regra. O caso concreto diz respeito a uma
pequena fábrica de sofás que efetuou uma importação e foi, em decorrência disso,
sumariamente excluída do programa. Ocorre, no entanto, que a importação foi de
quatro pés de sofás, para um só sofá, uma única vez. Mediante recurso, a exclusão
foi anulada com base na falta de aplicação razoável da regra. Nesse caso, o fato
previsto na hipótese da regra ocorreu, mas a consequência do seu descumprimento
não foi aplicada (exclusão do regime tributário especial) porque a falta de adoção do
comportamento por ela previsto não comprometia a promoção do fim que a
justificava (estímulo da produção nacional por pequenas empresas).
Nesse caso, a aceitação da decisão individual (permissão para importação, quando
a hipótese da regra a proíbe) não prejudica a promoção da finalidade subjacente à
regra (estímulo da produção nacional por pequenas empresas). Ao contrário,
permitir, individualmente, que a empresa permanecesse fruindo o benefício fiscal
até favoreceria a produção nacional, na medida em que a importação efetuada
seria, justamente, para melhor produzir bens no país. Mais ainda: a aceitação da
decisão individual discrepante da hipótese da regra geral não prejudicava a
promoção da segurança jurídica, sendo, ao contrário, indiferente à sua realização,
pois a circunstância particular (importação de algumas peças de um bem) não seria
facilmente reproduzível ou alegável por outros contribuintes e a demonstração da
sua anormalidade dependia de difícil comprovação. Isso significa, em outras
palavras, que a aceitação do caso individual não prejudica a implementação dos
dois valores inerentes à regra: o valor formal da segurança não é restringido,
porque a circunstância particular não seria facilmente reproduzível por outros
contribuintes; o valor substancial de estímulo à produção nacional não seria
reduzido, porque o comportamento permitido levaria à sua promoção. A tentativa
de fazer justiça para um caso mediante superação de uma regra não afetaria a
promoção da justiça para a maior parte dos casos. E o entendimento contrário, no
sentido de não superar a regra, provocaria mais prejuízo valorativo que benefício
(more harm than good). (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 115/116).

13. Ademais, Humberto Ávila também estabelece dois requisitos


de natureza procedimental para que se possa superar uma regra. Diz ele:

Em segundo lugar, a superação de uma regra deverá ter urna fundamentação


condizente: é preciso exteriorizar, de modo racional e transparente, as razões que
permitem a superação. Vale dizer, uma regra não pode ser superada sem que as
razões de sua superação sejam exteriorizadas e possam, com isso, ser controladas.
Documento: 220477162 - VOTO VISTA - Site certificado Página 6 de 19
Superior Tribunal de Justiça
A fundamentação deve ser escrita, juridicamente fundamentada e logicamente
estruturada.
Em terceiro lugar, a superação de uma regra deverá ter uma comprovação
condizente: não sendo necessárias, notórias nem presumidas, a ausência do
aumento excessivo das controvérsias, da incerteza e da arbitrariedade e a
inexistência de problemas de coordenação, altos custos de deliberação e graves
problemas de conhecimento devem ser comprovadas por meios de prova
adequados, como documentos, perícias ou estatísticas. A mera alegação não pode
ser suficiente para superar uma regra. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da
definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p.
120).

14. Fixados os critérios que conferem ao intérprete a autorização para


superar a regra, é preciso examinar se a questão de direito controvertida –
possibilidade excepcional de deslocamento da competência da ação de guarda,
após a sua propositura, à luz do art. 43 do CPC, sem que estejam presentes as
ressalvas explícitas do legislador – é daquelas em que a teoria pode e deve
ser aplicada.
15. O art. 43 do CPC estabelece que, em regra, o registro ou a
distribuição da petição inicial são os elementos que definem a competência do
juízo. O dispositivo ainda reafirma essa proposição ao destacar que as modificações
do estado de fato ou de direito posterior à distribuição ou à propositura não
influenciarão a competência.
16. A finalidade subjacente à regra é bastante clara. Pretende-se
impedir que o processo se desenvolva em uma espécie de juízo oscilante ou até
mesmo itinerante, que seguiria as partes à medida em que, no curso do processo,
sejam modificadas determinadas circunstâncias, como o domicílio, o pedido ou a
causa de pedir.
17. Em última análise, pretende-se com a imutabilidade da
competência colocar em salvaguarda o princípio constitucional do juiz
natural, como, aliás, é o intuito de todas as regras, mais rígidas e inflexíveis no civil

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law, a respeito da competência.
18. A regra da perpetuatio jurisdictionis também contempla, todavia,
duas exceções explícitas: a supressão do órgão judiciário em que tramitava o
processo e a alteração superveniente de competência absoluta daquele órgão
judiciário, ambas existentes por razões similares, a saber, o desaparecimento da
competência material do juízo pela extinção ou pela modificação.
19. Contemporaneamente, tem-se estudado com afinco institutos e
instrumentos que impõem uma releitura do princípio constitucional do juiz
natural, com destaque especial para o princípio da competência adequada,
do qual deriva a ideia de existir, ainda que excepcionalmente, um forum non
conveniens.
20. Em relação ao princípio da competência adequada, é precisa a
lição de Paula Sarno Braga:

De mais a mais, o princípio do juiz natural merece releitura.


Tradicionalmente, é definido como o direito fundamental, previsto no art. 5.º,
XXXVII e LIII, da CF/1988, de ser processado e julgado pela autoridade competente,
vedando-se os juízos ou tribunais de exceção. Não se admite a criação de órgão
jurisdicional com objetivo de julgar determinado caso, fato ou pessoa, sob pena de
comprometimento de sua imparcialidade.
Assim, em uma dimensão formal, o juiz natural é aquele pré-constituído e
individualizado – atendendo-se à exigência de determinabilidade – e com
competência previamente estabelecida em lei, com base em critérios objetivos e
abstratos, diz-se.
Nesse contexto, é vedado o poder de avocação ou evocação (art. 5.º, LIII, da
CF/1988) e, com isso, a alteração de regras pré-determinadas de competência. As
regras de competência devem ser previamente fixadas, de acordo com a
Constituição, não podendo ser alteradas ou derrogadas. Não se admitem, destarte,
interferências discricionárias do Legislativo, que não pode criar lei ordinária de
competência que contrarie a Constituição Federal; nem do Executivo, que não pode
substituir juízes discricionariamente ou interferir na atividade jurisdicional. Não se
admite, enfim, a alteração das regras predeterminadas de competência, com a
escolha de dado juízo/tribunal para julgar uma causa.
O que ora se propõe não é violação, mas, sim, uma mais profunda
concretização do juiz natural. Advoga-se a tese de que é necessário
compreender-se que não basta que o órgão (ou Estado) seja
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previamente constituído e individualizado como aquele objetiva e
abstratamente competente para a causa. Deve ser, também,
concretamente competente, i.e., o mais conveniente e apropriado para
assegurar a boa realização e administração da justiça.
A proposta é partir-se de Estados ou juízos abstrata e
concorrentemente competentes (em conjunto e simultaneidade), a
única exigência que se acresce é que, na eleição daquele que atuará em
concreto, atente-se para o que seja mais propício e que esteja em
melhores condições de dar adequado prosseguimento ao processo. Daí
falar-se na busca de algo que corresponderia a um appropriate or
natural forum (foro natural ou adequado). (BRAGA, Paula Sarno.
Competência adequada in Revista de Processo: RePro, ano 38, vol. 219, São Paulo:
Revista dos Tribunais, maio 2013, p. 27/28).

21. Quando se afirma que a competência pode ser definida


especificamente para um juízo concretamente competente em razão da
adequação deste para processar e julgar a causa em relação aos demais juízos
também abstratamente competentes, afirma-se, consequentemente, que há um
outro juízo que, conquanto competente, é inadequado ou inconveniente (fórum
non conveniens).
22. Embora não seja de nossa tradição de civil law, a fixação da
competência também com base em um juízo de melhor adequação é uma
possibilidade bastante comum nos países de common law, como observa Nelson
Nery Jr., em texto publicado há mais de 23 anos:

No direito processual civil norte-americano é possível alterar a competência


territorial do tribunal (change of venue), quando a manutenção da causa no foro
originariamente competente não for conveniente para a boa administração da
justiça.
Mais do que isso. A modificação é também admissível quando existe um foro
melhor, mais conveniente, quer para ambas as partes, quer para o interesse público
(forum conveniens). É certo que, nesse último caso, a decisão sobre a conveniência
do foro no interesse público e, em contrapartida, a inconveniência do outro foro
são dadas de maneira discricionária pelo Juiz da causa.
(...)
Interessante notar que a transferência, de acordo com a conveniência das partes ou
da ordem pública, só pode ser efetivada em se tratando de competência
concorrente. Isso quer significar que ambos os juízos - o originário, perante o qual
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foi proposta a ação, e o destinatário, para o qual se pretende remeter os autos -
devem ser igualmente competentes, vale dizer, a ação poderia ter sido proposta em
qualquer um deles (NERY JR., Nelson. Competência no processo civil
norte-americano: o instituto do forum (non) conveniens in Revista dos Tribunais:
RT, ano 89, vol. 781, São Paulo: Revista dos Tribunais, nov. 2000, p. 30/31).

23. O conceito de forum non conveniens é bem delimitado por Ravi


Peixoto:

O forum non conveniens é a possibilidade do controle da competência quando o


foro escolhido é um juízo inconveniente ou inadequado, buscando a escolha de um
foro neutro, sem que uma das partes seja excessivamente prejudicada. Trata-se,
então, de um limitador do forum shopping. A lógica é a de que, em abstrato, existe
mais de um foro competente, mas, por algum motivo, desenvolvido por cada
ordenamento jurídico, aquele escolhido não é o adequado. (PEIXOTO, Ravi. O
forum non conveniens e o processo civil brasileiro: limites e possibilidades in Revista
de Processo: RePro, ano 43, vol. 279, São Paulo: Revista dos Tribunais, maio 2018,
p. 385).

24. É evidente que a aplicação do instituto do forum non conveniens,


tipicamente de common law – em que os procedimentos são mais flexíveis e
adaptáveis – , em países de tradição romano-germânica, incluindo-se o Brasil, é
particularmente complexa diante de um sistema interno de competências
hermético e pouco flexível.
25. Entretanto, a aplicação da teoria da superação das regras (ou
da derrotabilidade das normas) é a saída correta para que se possa, sempre em
caráter excepcional e diante de um hard case, como é a hipótese em exame,
superar a imutabilidade da regra do art. 43 do CPC (que contém apenas duas
exceções explícitas) para reconhecer que, nessa regra, também há uma
exceção implícita, relacionada à inadequação e inconveniência do juízo em
que tramita a ação com o deslocamento de sua competência para outro juízo
abstratamente competente.

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26. Isso porque, como leciona Renato Resende Beneduzi, na
definição a respeito da aplicação do forum non conveniens, há inúmeros vetores
que devem ser sopesados, inclusive a injustiça da regra, e um dos pilares da
teoria da derrotabilidade das regras é, justamente, a existência de uma
injustiça não previamente prevista pelo legislador, mas que nela está
contemplada implicitamente:

Se segurança e previsibilidade são indispensáveis, não se pode negar


que, sem flexibilidade, estes valores podem converter-se em causa de
inúmeras injustiças. É preciso, com efeito, conciliá-los, sem negar a
priori a importância e a utilidade de cada um deles. Daí a proposta que
se fez neste artigo: Constituição e leis são a fonte primaria (forum
legale) dos critérios determinadores da competência, mas não os
únicos. É preciso, em certos casos, respeitar a vontade das partes (forum
prorogatum) e, em outros, dar também ao juiz o poder de corrigir injustiças
que a aplicação cega de regras abstratas e predeterminadas de quando
em quando pode vir a ocasionar (forum judiciale). (BENEDUZI, Renato
Resende. Forum non conveniens in Coleção Novo CPC: Doutrina Selecionada: Parte
Geral. Orgs. Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto e Alexandre Freire. Salvador:
JusPodivm, maio 2016, p. 816).

27. Assim, conclui-se que a regra do art. 43 do CPC pode ser superada,
sempre em caráter excepcional, quando se constatar que o juízo perante o qual
tramita a ação não é adequado ou conveniente para processá-la e julgá-la.

2. RESOLUÇÃO DA HIPÓTESE EM EXAME À LUZ DO PRINCÍPIO


DA COMPETÊNCIA ADEQUADA E DO FORUM NON CONVENIENS.

28. Na hipótese em exame, constata-se que existem duas ações de


guarda envolvendo a criança P F M, a primeira ajuizada no ano de 2018 pelo
genitor perante o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Comarca de
Fortaleza/CE e a segunda, ajuizada em 2021, pela mãe, perante o Juízo de Direito

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da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN.
29. No bojo de cumprimento provisório de decisão que havia fixado
multa por alegado descumprimento de ordem de busca e apreensão da criança, o
Juízo de Fortaleza/CE declinou da competência para o Juízo de Parnamirim/RN (fls.
18/24, e-STJ), ao passo que este, por sua vez, declinou da competência para o
Juízo de Fortaleza/CE (fls. 25/31, e-STJ).
30. Se fossem adotados apenas os critérios rígidos e inflexíveis de
fixação de competência, em especial a regra do art. 43 do CPC, a conclusão seria
de que a competência seria do Juízo de Fortaleza/CE. Entretanto, a questão
merece renovada reflexão à luz do princípio constitucional do juiz natural e,
mais especificamente, sob a ótica do princípio da competência adequada e do
forum non conveniens.
31. Nessa perspectiva, é importante considerar inicialmente que é
fato incontroverso que o genitor da criança cuja guarda se discute, que é
coronel aposentado da Polícia Militar do Ceará, possui vínculo de parentesco com
membros do Poder Judiciário daquele Estado, em 1º e 2º grau de jurisdição,
inclusive em vara de família da comarca da Capital.
32. A ação de guarda foi proposta pelo genitor em 2018 e se observa,
desde então, a existência de declarações de impedimentos e de suspeições de
juízes e de membros do Ministério Público do Ceará que nela oficiaram ou
poderiam oficiar nestes mais de 5 (cinco) anos de tramitação, inclusive com
sucessivas transferências do processo entre as varas de família daquela comarca.
33. Foi deferida, inaudita altera parte, a guarda alternada entre o
genitor e a mãe, cada qual responsável pela criança pelo período de 7 dias e foram
constatados fortes indícios de que, nos períodos sob a sua responsabilidade, o
genitor abusava sexualmente do filho. O relatório de acompanhamento
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psicológico da criança (fls. 16/17 e fls. 277/278, e-STJ) é impactante, como são
igualmente impactantes os registros fotográficos da busca e apreensão realizada
posteriormente (fls. 37/38, e-STJ) por ordem do Juízo de Direito da 3ª Vara de
Família da Comarca de Fortaleza/CE.
34. Deferida, ainda em agosto de 2021, a medida protetiva penal de
afastamento cautelar e proibição de contato do genitor em relação ao filho (fls.
84/85, e-STJ), foi a medida cassada, em junho de 2022, pela 3ª Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Ceará, ao fundamento de que havia determinação judicial
da vara de família permitindo a visitação e guarda alternada, que deveria
prevalecer sobre a medida protetiva criminal (fls. 89/102, e-STJ),
permitindo-se, pois, a retomada de contato físico direto, ainda que supervisionado,
entre a possível vítima e o seu possível ofensor.
35. É importante consignar, ainda nesse particular, que o genitor foi
recentemente denunciado pelo Ministério Público do Estado do Ceará pela
prática dos crimes de estupro de vulnerável e de maus-tratos (fls. 156/159,
e-STJ) e que a denúncia, inclusive, foi recebida em 31/08/2023 pela 12ª Vara
Criminal da Comarca de Fortaleza (fls. 260/263, e-STJ).
36. Recentemente, o Juízo da 3ª Vara de Família da Comarca de
Fortaleza encaminhou a esta Corte um extenso relato sobre os atos processuais
praticados na ação de guarda. Destaque-se, em especial, os atos processuais
ocorridos após o recebimento da denúncia em desfavor do genitor pela
prática, em tese, de crime gravíssimo:

Na sequência, na data de 04/10/2023 foi proferida decisão interlocutória que


apreciou as manifestações das partes, determinou a revogação da suspensão
do poder familiar materno, deferiu o pedido de modificação da guarda
em favor da genitora, determinou a suspensão do poder familiar do
genitor e regulamentou a convivência paterna com a criança mediante
supervisão de duas pessoas a serem indicadas pelas partes.
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O promovido interpôs recurso de agravo de instrumento em face da decisão e na
data de 09/10/2023, o e. Tribunal de Justiça do Ceará deferiu o pedido
liminar e determinou a suspensão da decisão.
Por derradeiro, houve comunicação nos autos enviada pelo juízo da 12ª Vara
Criminal da Comarca de Fortaleza sobre a existência de ação de pedido de
concessão de medida protetiva e busca e apreensão de menor e decisão
emanada por aquele juízo na data de 20/10/2023 que determinou que a
criança fique sob a proteção e acolhimento da avó materna, com
restrição de visita ao genitor aos sábados de forma alternada, a ser
assistida por duas pessoas a serem indicadas pelas partes.
Dessa forma, a ação de guarda que tramita neste juízo encontra-se aguardando a
realização do estudo psicossocial do caso, já tendo sido nomeados os peritos que
atuarão no caso. A criança, atualmente, encontra-se sob guarda e responsabilidade
da avó materna, por decisão determinada pelo juízo da 12ª Vara Criminal da
Comarca de Fortaleza.

37. Finalmente, conforme noticia o e. Relator em seu voto, foi


determinado pelo Juízo de Fortaleza/CE, ainda mais recentemente, que a guarda
provisória seja exercida “até o julgamento do mérito da demanda, por família ou
pessoa substituta, alheios aos laços familiares das partes” a serem indicados pelas
partes.
38. Causa perplexidade, todavia, que nenhuma das decisões judiciais
proferidas pelo Poder Judiciário do Ceará tenham considerado ou deliberado a
respeito da efetiva necessidade de afastamento do convívio entre o genitor e o
filho diante dos seríssimos fatos que se encontram sob apuração perante o juízo
criminal.
39. Significa dizer que, desde a concessão de medidas protetivas
lastreadas em indícios da prática do crime de estupro de vulnerável, ocorrida em
agosto de 2021, passaram-se mais de 27 meses em que o possível autor do
crime manteve livre acesso à possível vítima, uma criança de pouco mais de 6
(seis) anos de idade, com o potencial de lhe causar, ou de agravar ainda mais, os
danos físicos e psíquicos que ela pode ter experimentado, sem que o Poder
Judiciário do Ceará tivesse dado uma resposta adequada à questão.
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40. Também são absolutamente estarrecedoras as sucessivas,
confusas e contraditórias decisões judiciais, em 1º e em 2º grau de jurisdição, que,
por circunstâncias inexplicadas ou inexplicáveis, deixaram de considerar um
princípio elementar de qualquer ação judicial que envolva a temática da guarda,
sobretudo quando envolvida em um cenário de possível violência, que é o melhor
e prioritário interesse da criança.
41. Chama a atenção, ademais, a manifesta inabilidade quanto à
situação fática da criança, que, após ter sido abruptamente retirada da mãe após
uma aparente – e justificável – fuga diante de um possível abuso sexual praticado
pelo seu próprio genitor, já esteve, sucessivamente, por vezes até na mesma
semana, sob guarda da avó materna, sob a guarda de terceiro e sob a guarda do
próprio possível genitor sobre quem pende denúncia já recebida de estupro do
próprio filho.
42. São por esses motivos, com a mais respeitosa venia, que o Juízo de
Fortaleza/CE, embora abstratamente competente, revela-se, do ponto de vista
concreto, inadequado e inconveniente para continuar processando e julgando
questões atinentes à guarda da criança P F M, impondo-se a excepcional
superação da regra do art. 43 do CPC.
43. Finalmente, questiona-se também a possibilidade de
estabelecimento da competência perante o Juízo de Parnamirim/RN porque,
segundo consta, a mãe não mais residiria naquela localidade e a criança, inclusive,
teria sido objeto de apreensão na comarca de João Pessoa/PB. Sobre o tema, são
necessárias algumas ponderações.
44. Respeitosamente, não se pode negar que, diante da medida
protetiva concedida pela primeira vez no Juízo Criminal de Fortaleza/CE, a mãe e a
criança modificaram a sua residência e refugiaram-se em Parnamirim/RN, no qual
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foi proposta a ação de guarda exclusiva em 01/09/2021.
45. O próprio Juízo de Parnamirim/RN, em prestação de informações
complementares de fls. 136/141 (e-STJ), noticia que, em uma das diligências à
residência declarada pela mãe, “a proprietária do apartamento informou que ela
havia se mudado ainda em novembro de 2021 e que não sabia de sua
localização atual”.
46. Somente pode se mudar de algum lugar quem um dia ocupou
aquele lugar, de modo que aquela foi, em algum momento, a residência da mãe e
da criança. Além disso, é bastante importante o registro a respeito da data em que
teria havido a mudança, novembro de 2021.
47. É que, às fls. 144/146 (e-STJ), há elementos de prova que indicam
que também em novembro de 2021, um veículo com placas de Fortaleza/CE e
pessoas afirmando pertencerem às forças de segurança pública teriam procurado
pela criança no endereço ao lado daquele declarado pela mãe, motivando a
lavratura de boletim de ocorrência para investigação desse fato.
48. Por essas razões, torna-se absolutamente verossímil a versão de
que, no momento da propositura da ação de guarda pela mãe em setembro de
2021, ela estava devidamente estabelecida em Parnamirim/RN e que, citado o
genitor e sabendo a partir disso o endereço em que a mãe passou a residir com a
criança, teria ele empreendido medidas no sentido de violar as medidas protetivas
anteriormente deferidas, de modo que à suscitante não restou outra alternativa
senão se tornar uma espécie de nômade para a preservação de sua própria vida e
da vida de seu filho.
49. Por derradeiro, são importantes dois últimos registros para o
deslinde da triste, complexa e delicada questão em exame.
50. O primeiro é de que há parecer do Ministério Público Federal
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favorável à fixação da competência na comarca de Parnamirim/RN, fundamentado,
essencialmente, na excepcionalidade da questão concretamente examinada e na
necessidade de flexibilização das rígidas regras de competência em atenção ao
melhor interesse das crianças (fls. 180/188, e-STJ).
51. O segundo é que o princípio da competência adequada é de
tamanha relevância para as questões relacionadas à responsabilidade parental
que o Regulamento nº 2201/2003 do Conselho da União Europeia, em seu
art. 15, admite, sob o ponto de vista da jurisdição transnacional, a modificação
do local da ação, após a sua propositura, entre países distintos que pertençam à
Comunidade Europeia, se esta medida for a mais adequada ao desfecho da
controvérsia:

Artigo 15º
Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a acção
(...)
1. Excepcionalmente, os tribunais de um Estado-Membro competentes para
conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro
Estado-Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se
encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns
dos seus aspectos específicos, e se tal servir o superior interesse da
criança:
a) Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão
e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro
Estado-Membro, nos termos do n.o 4; ou
b) Pedir ao tribunal de outro Estado-Membro que se declare competente
nos termos do n .o 5.
(...)
2. O n.o 1 é aplicável:
a) A pedido de uma das partes; ou
b) Por iniciativa do tribunal; ou
c) A pedido do tribunal de outro Estado-Membro com o qual a criança
tenha uma ligação particular, nos termos do n .o 3.
Todavia, a transferência só pode ser efectuada por iniciativa do tribunal ou a pedido
do tribunal de outro Estado-Membro, se for aceite pelo menos por uma das partes.
(...)
3. Considera-se que a criança tem uma ligação particular com um
Estado-Membro, na acepção do n .o 2, s e:
a) Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n .o 1, a
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criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado-Membro;
ou
b) A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado-Membro; ou
c) A criança for nacional desse Estado-Membro; ou
d) Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência
habitual nesse Estado-Membro; ou
e) O litígio se referir às medidas de protecção da criança relacionadas
com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse
da criança, que se encontram no território desse Estado-Membro.

52. Em suma, conclui-se que o afastamento da criança da cidade de


Fortaleza/CE no contexto acima mencionado era, ao que tudo indica, uma medida
de sobrevivência. E também se conclui que o afastamento do processo que a
envolve da comarca de Fortaleza/CE é uma medida de extrema importância para
que sejam salvaguardados adequadamente os seus interesses jurídicos, físicos e
psicológicos que, respeitosamente, não estão sendo observados e respeitados a
contento.

3. DISPOSITIVO.

Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator,


CONHEÇO do conflito de competência, mas divirjo de S. Exa. para declarar
competente o Juízo de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da
Comarca de Parnamirim/RN.
A fim de conferir efetividade à tutela jurisdicional, determina-se ainda
que: (i) o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE
remeta todas as ações cíveis que dizem respeito à guarda da criança no prazo
máximo de 72 (setenta e duas) horas ao Juízo de Direito da Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN; (ii) ato contínuo, e em igual
prazo, que o juízo declarado competente reavalie as questões relacionadas à

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guarda da criança, em especial sobre a possibilidade de: a) conceder a guarda
unilateral provisoriamente à mãe, como, inclusive, havia outrora decidido e
conforme sinaliza positivamente o relatório social de fls. 41/43 (e-STJ); b)
suspender o poder familiar exercido pelo genitor e proibir a visitação, ainda que
sob supervisão ou acompanhamento, até o desfecho definitivo da controvérsia; c )
rever as multas aplicadas à suscitante em virtude do suposto descumprimento de
ordem judicial de busca e apreensão aplicadas pelo Juízo de Fortaleza/CE.
Determino ainda seja observada na tramitação deste processo
perante o Juízo de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca
de Parnamirim/RN a regra do art. 215, I, do CPC, no que se refere à tramitação no
período de férias forenses.
Expeça-se, com urgência, ofício ao Juízo de Direito da 3ª Vara de
Família da Comarca de Fortaleza/CE e ao Juízo de Direito da Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN, instruindo-os com cópia do
presente voto, independentemente da publicação do acórdão, a fim de que seja
dado imediato cumprimento à decisão.
Finalmente, determino que seja expedido ofício ao Conselho Nacional
de Justiça - CNJ - e ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP -, com
cópia integral do presente conflito de competência, a fim de subsidiar a apuração
de eventuais irregularidades relacionadas à tramitação dos processos, no âmbito
de suas respectivas competências.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 199.079 - RN (2023/0281078-9)

VOTO-VOGAL

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:


Trata-se de conflito de competência suscitado por W V F em face do d. Juízo de
Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Parnamirim/RN e do d. Juízo de Direito da
3ª Vara de Família de Fortaleza/CE nos autos de ações que discutem, em suma, o direito de guarda
e visitas do menor P F M.
Relata a suscitante, a genitora, que tramitava perante a 3ª Vara de Família de
Fortaleza a ação de guarda compartilhada com regulamentação de visitas nº
0186277-55.2018.8.06.0013 do menor.
Afirma que, após suspeita de práticas que poderiam configurar abuso sexual do
menor por seu próprio pai, requereu ao d. Juízo da 12ª Vara Criminal de Fortaleza/CE medida
protetiva (autos nº 0239788-60.2021.8.06.0001), mudando incontinenti seu domicílio para a
Comarca de Parnamirim/RN, onde ajuizou pedido de guarda unilateral do filho que levara consigo.
Aduz que, em 24/10/2021, o d. Juízo da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso
de Parnamirim/RN, foro de seu novo domicílio, deferiu a tutela de urgência e concedeu a guarda do
menor a ela, exclusivamente, declarando-se competente para conhecimento e julgamento dos
processos em trâmite na 3ª Vara de Família de Fortaleza/CE que envolvessem o interesse do
infante.
Afirma que, mesmo diante da medida protetiva e da guarda provisória deferidas pelo
d. Juízo de Parnamirim/RN, o d. Juízo da 3ª Vara de Família de Fortaleza/CE determinou a entrega
da criança para o genitor.
Desse modo, o pai manejou execução da multa por descumprimento de ordem
judicial (autos nº 0260309-26.2021.8.06.0001), ação por crime de desobediência e subtração de
menor (autos nº 0200113-44.2022.8.06.0296), além de busca e apreensão do infante (autos nº
0225396-47.2023.8.06.0001).
Esclarece que o mandado de busca e apreensão foi cumprido em 06/07/2023 na
cidade de João Pessoa/PB, quando o menor foi entregue ao seu genitor.
Diante desse fato, o d. Juízo de Parnamirim/RN revogou suas decisões anteriores e
declinou da competência em favor do d. Juízo da 3ª Vara de Família de Fortaleza/CE.
De sua decisão, extrai-se o seguinte excerto:
"Por fim, não obstante este Juízo tenha se declarado competente em
Documento: 222640729 - VOTO VOGAL - Site certificado Página 1 de 7
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atenção ao melhor interesse da criança em momento anterior,
considerando os indicadores de residência do infante neste Município,
verifica-se, nesse momento, que durante o trâmite processual ocorreu
uma alteração fática das circunstâncias, qual seja, a mudança de
residência do infante, após o cumprimento do mandado de busca e
apreensão, o que impõe o declínio de competência desse processo para o
Juízo da 3ª Vara de Família da comarca de Fortaleza/CE" (grifou-se, nas
fls. 25/31).

Por sua vez, o d. Juízo da 3ª Vara de Família de Fortaleza/CE também declinou da


competência, determinando a remessa dos autos ao Juízo de Parnamirim/RN nos seguintes moldes:
"Na hipótese em análise, constando nos autos que a criança e sua
responsável legal encontram-se atualmente domiciliadas em
Parnamirim/RN e que o entendimento da Corte Superior de Justiça é no
sentido de que é possível a mitigação do princípio da perpetuatio
jurisdictionis, de modo a possibilitar e facilitar o acesso à justiça do
menor, impõe-se o reconhecimento da incompetência deste juízo.
Dessa forma, tendo sido reconhecida a competência pelo Juízo da Vara
especializada da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de
Parnamirim/RN, bem como considerando os regramentos legais e
jurisprudenciais acima mencionados, com fundamento no art. 64, § 3º, do
CPC, declino da competência para processar e julgar o presente feito e
determino a remessa destes autos ao Juízo da Vara da Infância,
Juventude
e do Idoso da Comarca de Parnamirim/RN" (nas fls. 18/24).

O em. Relator, Ministro MOURA RIBEIRO, designou o d. Juízo da 3ª Vara de


Família de Fortaleza/CE para resolver medidas urgentes relativas ao caso (nas fls. 109/110).
Após, relatou que, "em 25/10/2023 sobreveio matéria jornalística no sentido de
que teria havido alteração da guarda provisória da criança, em favor da avó materna"
(grifou-se, na fl. 190), transcrevendo a assinalada notícia jornalística:
"Uma nova decisão da Justiça do Ceará determinou que um coronel
aposentado da Polícia Militar entregue o filho de 6 anos para a avó
materna.
Ele permaneceu com esse direito mesmo depois de ter se tornado réu sob
acusação de agredi-lo sexualmente, fato que nega. Ao longo desses mais
de três meses, não houve qualquer contato do menino com a mãe.
Trata-se de mais um passo de uma disputa familiar cheia de reviravoltas e
de um andamento que vem chamando a atenção do meio jurídico.
Depois que o caso foi revelado em reportagem da piauí em 10 de
outubro, o Conselho Nacional de Justiça abriu uma investigação para
apurar se a condução tem sido influenciada pelas boas conexões do
militar, como alega a mãe.
O militar tem um irmão que é juiz da Vara de Família do Ceará, uma
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prima desembargadora no estado e um primo juiz cível. Um tio, que já
morreu, era desembargador de prestígio no estado. Três juizes e dois
promotores se declararam impedidos de atuar na ação.
Na decisão expedida na última sexta-feira, 20 de outubro, uma juíza da
12a Vara Criminal de Fortaleza disse que é preciso garantir "a
segurança e o bem-estar do infante".
O oficial de Justiça responsável por intimar o pai informou que não
conseguiu encontrá-lo nem por meio físico, no endereço fornecido á
Justiça, nem "por meio remoto, pois o número informado no mandado
não recebe chamadas, e a foto do WhatsApp não corresponde ao
requerido".
O profissional pediu, então, autorização expressa de força policial e
ordem de arrombamento", argumentando que "em virtude da urgência da
medida e de não ter sido possível confirmar se o requerido estava de fato
no interior da residência".
O Ministério Público emitiu um parecer na última segunda-feira
indicando 'uso de força policial' para o cumprimento do mandado de
busca e apreensão do menino, 'em qualquer dos endereços constantes nos
autos ou em outro local que, porventura, venha a ser localizado'.
Na argumentação, a promotora criminal enfatiza que esta é "a segunda
vez que o requerido não é encontrado em endereço informado por sua
defesa, estando hoje em local incerto e não sabido, restando concluir que
está se furtando ao cumprimento das decisões deste juízo".
Ela diz ainda que a criança "encontra-se há mais de três meses em
poder do suposto abusador, estando exposta a novas violações de direito e
possível e provável influência psicológica, havendo perigo concreto de
que seja induzida a modificar sua versão dos fatos delituosos".
(...)
No dia 4 de outubro, a Justiça do Ceará havia devolvido o poder familiar
á mãe.
Cinco dias depois, um desembargador do estado derrubou a decisão e a
criança permaneceu com o pai.
A nova determinação, que entrega a guarda para a avó da criança, é de
caráter temporário, até que os processos contra os pais sejam concluídos'
- sem destaques no original" (nas fls. 190/191).

A suscitante juntou aos autos denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado do
Ceará, em 27/08/2023, imputando ao pai a prática dos crimes de Abandono de Incapaz e Estupro de
Vulnerável. Os autos da denúncia estão acostados nas fls. 156/159.
Nesse passo, verifica-se que a denúncia foi recebida, sendo determinada, para o que
interessa ao presente, que, "tendo em vista que vigora no âmbito da 3ª Vara de Família a
suspensão do poder familiar em face da genitora do menor, como medida de cautela e
efetividade, intime-se a genitora (através dos causídicos habilitados), para possível indicação

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de um terceiro responsável" (grifou-se, na fl. 262).
Após, o assinalado Juízo criminal decidiu que "a criança permaneça com a
proteção e acolhimento de terceira pessoa de confiança, ora indicada pela genitora, à citar,
a avó materna do infante Sra. M S V F, residente nesta urbe (Fortaleza/CE)", assentando o
direito de visita assistida ao pai do infante (na fl. 389).
Outrossim, depreende-se dos assinalados autos da denúncia, que tramita perante a
Vara Criminal de Fortaleza, que o Ministério Público do Estado do Ceará, ao denunciar o pai da
criança, destacou que: "é de se ponderar que existe circunstância bastante grave que a
autoridade policial fez constar em seu relatório, qual seja, a existência de investigação de
suposto abuso sexual do denunciado contra seus dois outros filhos, fruto de outros
relacionamentos" (grifou-se, na fl. 257).
A denúncia foi recebida em 31/08/2023 sendo determinado, para o que interessa ao
presente, que, "tendo em vista que vigora no âmbito da 3ª Vara de Família a suspensão do
poder familiar em face da genitora do menor, como medida de cautela e efetividade, intime-se
a genitora (através dos causídicos habilitados), para possível indicação de um terceiro
responsável" (grifou-se, na fl. 262).
Posteriormente, conforme relatado no voto apresentado pelo em. Relator, Ministro
MOURA RIBEIRO, na assentada do dia 22/11/2023:
"Em pesquisa realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará aos 21/11/2023, verificou-se que aos 14/11/2023 foi publicada
decisão do Juízo de Fortaleza/CE, em cumprimento a decisão
monocrática no agravo de instrumento interposto pelo GENITOR,
determinando que a guarda provisória seja exercida, até o julgamento do
mérito da demanda, por família ou pessoa substituta, alheios aos laços
familiares das partes, devendo cada litigante indicar ao Juízo da 3ª Vara
de Família, no prazo preclusivo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar
da publicação do presente acórdão, pessoa ou família idônea para o
exercício temporário do múnus, residentes no Município de Fortaleza CE,
podendo as partes apresentarem mais de uma pessoa ou família, até o
número de 03 (três).
Aos 20/11/2023 foram nomeados os guardiões provisórios,
determinando-se que o exercício da guarda provisória seja devidamente
acompanhado durante toda a sua vigência por equipe interprofissional à
disposição da Justiça (Setores de Serviço Social e de Psicologia do
Fórum), bem como pelo Conselho Tutelar, com emissão de relatórios
periódicos a cada 15 (quinze) dias" (nas fls. 14/15 do voto).

Na oportunidade, pediu vista dos autos a em. Ministra NANCY ANDRIGHI.

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O Ministério Público Federal opina pela competência do d. Juízo de Direito da Vara
da Infância, da Juventude e do Idoso de Parnamirim/RN.
O em. Relator, Ministro MOURA RIBEIRO, conhece do conflito para declarar a
competência do Juízo da 3ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE.
Cita que a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a competência
para dirimir as questões referentes à guarda de menor é, em princípio, do Juízo do foro do
domicílio de quem já exerce legalmente, nos termos do que dispõe o art. 147, I, do Estatuto da
Criança e do Adolescente (CC 126.175/PE, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, j. em 11/12/2013, DJe de
14/3/2014).
De fato, essa é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como bem
esclarecido pelo em. Relator, inclusive consolidada na Súmula 383/STJ, que preconiza que "a
competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio,
do foro do domicílio do detentor de sua guarda".
Com base nisso, sempre se tem afirmado que o norte deve ser sempre o interesse do
menor que, atrelado ao princípio do juízo imediato, insculpido no art. 147 do ECA, aponta para o juízo
que tem possibilidade de interação mais próxima com a criança e seus responsáveis como sendo o
que melhor atende aos objetivos traçados no Estatuto.
Exatamente nesse sentido, em atenção à solução clássica que comumente é aplicada
nesta Corte, já tive oportunidade de julgar:
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES CONEXAS DE
MODIFICAÇÃO DE GUARDA E DE BUSCA E APREENSÃO DE FILHO
MENOR. GUARDA JÁ EXERCIDA POR UM DOS GENITORES.
COMPETÊNCIA ABSOLUTA (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE, ART. 147, I). SÚMULA 383/STJ.
1. A competência para dirimir as questões referentes à guarda de menor
é,
em princípio, do Juízo do foro do domicílio de quem já a exerce
legalmente, nos termos do que dispõe o art. 147, I, do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
2. Nos termos do enunciado da Súmula 383/STJ, "A competência para
processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em
princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda".
3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do
JUÍZO
DE DIREITO DA 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE RECIFE
- PE. (CC 126.175/PE, Rel. Min. Raul Araújo, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de
14/03/2014)
É essa também a conclusão adotada pelo em. Ministro Relator, que, todavia, com

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bastante propriedade, destaca que "observa-se que o caso concreto se revela deveras
complexo, havendo apuração de denúncia de abuso sexual contra o infante. Tal
circunstância, aliás, pode influenciar na resolução da lide, sendo prudente assegurar ao
juízo declarado competente a possibilidade de envidar melhores esforços tendentes a
conciliar o triste conflito de família" (na fl. 14 do voto).
Também faz referência "a inferências sobre o tumulto processual,
interferências, suspeições de Juízes e Promotores da Justiça Cearenses".
Expostos esses fatos, penso que são exatamente essas peculiaridades que devem
influir na solução do caso, para se declarar a competência de foro diverso, que esteja imune a
interferências e ao curso de processos tão estigmatizantes e capazes de trazer insegurança para
criança de tão tenra idade, vítima de prática deplorável que representa renúncia à faculdade de
produzir vida nova e à responsabilidade de defender e proteger essa vida nova contra todos os
dissabores possíveis.
Pedindo máximas vênias ao em. Ministro Relator, penso que o Foro de
Parnamirim/RN é o local em que a tramitação dos assinalados feitos virá trazer ao menor mais
segurança, porque estará livre do poder de influência de homem poderoso e conhecido na Justiça
estadual; do dominó de declínios de competência; protegido de buscas violentas; livre, em tese, da
confecção de diversos relatórios sociais, que certamente serão requeridos e anulados/impugnados;
de audiências constantes e intermináveis; ou seja, livre das "interferências e das suspeições de
Juízes e Promotores da Justiça Cearenses".
Ademais, não é de se olvidar que o pai é acusado de estuprar o infante em litígio
nestes autos, bem como suspeito de abusar de outros dois filhos de outros relacionamentos. Ora,
investigações como tais são bastante estigmatizantes para o filho, vítima do ilícito, e já contando com
idade escolar. Assim, é certo que sempre será mais conveniente estudar e morar em outra cidade de
outro estado, embora vizinho, conhecendo amiguinhos que, quiçá, não irão fazer perguntas
inconvenientes a toda hora, bem como não vendo a si e a seus pais também a toda hora aparecendo
na televisão, sempre associados a coisas adversas para ele.
Na hipótese, o princípio do juízo imediato deve ceder para o princípio do melhor
interesse da criança, pois, sem este, aquele perde o sentido. O melhor interesse do menor deve
preponderar sempre.
Nessa quadra, já foi dito que "o princípio do juízo imediato, previsto no art. 147,
I e II, do ECA, desde que firmemente atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e

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do adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência do CPC". Assim, "a regra da
perpetuatio jurisdictionis, estabelecida no art. 87 do CPC, cede lugar à solução que oferece
tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a
modificação da competência no curso do processo, sempre consideradas as peculiaridades
da lide" (CC 111.130/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de
1º/2/2011).
Desse modo, se, diante das circunstâncias da causa, o princípio do juízo imediato não
se mostrar firmemente atrelado ao princípio do melhor interesse da criança, deve ser
superado e o interesse da criança, sozinho, deve determinar o foro competente.
Ora, é esse o fenômeno ocorrente no presente caso, em que tanto o princípio da
perpetuação da jurisdição quanto o princípio do Juízo imediato não oferecem a prestação jurisdicional
adequada e segura para tutelar o melhor interesse da criança.
De fato, ressalta-se que, na resolução de conflitos que versam sobre crianças e
adolescentes, o norte deve ser sempre o interesse do menor, devendo prevalecer como foro
competente aquele que melhor o atenda, oferecendo a prestação jurisdicional mais adequada, segura
e menos estigmatizante possível, mesmo que isso signifique o afastamento do Juízo imediato, do foro
do domicílio do detentor da guarda.
Em vista das peculiaridades do caso em análise, rogando as mais respeitosas vênias
ao eminente Ministro MOURA RIBEIRO e cumprimentando-o pelo ilustrado e cuidadoso voto,
acompanho a divergência inaugurada pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI firmando a
competência do foro de domicílio da genitora, de Parnamirim/RN, por ser o mais apropriado para
atender ao princípio do melhor interesse da criança.
É o voto.

Documento: 222640729 - VOTO VOGAL - Site certificado Página 7 de 7


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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2023/0281078-9 PROCESSO ELETRÔNICO CC 199.079 / RN

Números Origem: 02603092620218060001 08113227120218205124 2603092620218060001


8113227120218205124

PAUTA: 22/11/2023 JULGADO: 22/11/2023


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. SADY D´ASSUMPÇÃO TORRES FILHO
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER

AUTUAÇÃO
SUSCITANTE : W VF
ADVOGADOS : ANA PAULA DA GRAÇA DE BRITO OLIVEIRA - CE023126
DANIEL MELO MENDES BEZERRA FILHO - CE038673
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA VARA DA INFANCIA, DA JUVENTUDE E DO
IDOSO DE PARNAMIRIM - RN
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMILIA DE FORTALEZA - CE
INTERES. : DPM J
ADVOGADO : MAXWELL RAPHAEL DA CÂMARA SENA - RN011738

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Guarda

SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentou oralmente pelo suscitante o Dr. JONATAS HONORIO DA SILVA.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Relator conhecendo do conflito para declarar competente o
suscitado Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE, pediu VISTA a Sra.
Ministra Nancy Andrighi.
Aguardam os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Raul Araújo,
Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Documento: 218841335 - CERTIDÃO DE JULGAMENTO - Site certificado Página 1 de 1


Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2023/0281078-9 PROCESSO ELETRÔNICO CC 199.079 / RN

Números Origem: 02603092620218060001 08113227120218205124 2603092620218060001


8113227120218205124

PAUTA: 13/12/2023 JULGADO: 13/12/2023


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Relatora para Acórdão


Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. SADY D´ASSUMPÇÃO TORRES FILHO
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER

AUTUAÇÃO
SUSCITANTE : W VF
ADVOGADOS : ANA PAULA DA GRAÇA DE BRITO OLIVEIRA - CE023126
DANIEL MELO MENDES BEZERRA FILHO - CE038673
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA VARA DA INFANCIA, DA JUVENTUDE E DO
IDOSO DE PARNAMIRIM - RN
SUSCITADO : JUIZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMILIA DE FORTALEZA - CE
INTERES. : DPM J
ADVOGADO : MAXWELL RAPHAEL DA CÂMARA SENA - RN011738

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Guarda

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi abrindo
divergência para declarar competente o Juízo de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do
Idoso de Parnamirim (RN), a Segunda Seção, por maioria, conheceu do conflito e declarou
competente o Juízo de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Parnamirim (RN),
nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão.
Vencido o Sr. Ministro Moura Ribeiro.
Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Humberto Martins, Raul
Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Marco Aurélio
Documento: 222711165 - CERTIDÃO DE JULGAMENTO - Site certificado Página 1 de 2
Superior Tribunal de Justiça
Bellizze.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Documento: 222711165 - CERTIDÃO DE JULGAMENTO - Site certificado Página 2 de 2

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