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Álvaro del Portillo

CAMINHAR
COM JESUS
DIFUNDIR A DOUTRINA DA IGREJA SOBRE
O FIM ÚLTIMO DO HOMEM, CUIDANDO
ESPECIALMENTE DA FORMAÇÃO DA
CONSCIÊNCIA
Ao escrever-lhes, penso com alegria que a
Igreja dedica o mês de novembro aos seus
filhos que já deixaram este mundo.
Convida-nos a recorrer à intercessão
daqueles que já contemplam o Rosto de
Deus - são bem-aventurados por causa dessa
visão e dessa alegria -, e recorda-nos o dever
de oferecer sufrágios pelos que se purificam
no purgatório, antes de serem admitidos no
Céu.
Com as celebrações litúrgicas dos dois
primeiros dias deste mês, esta boa Mãe, a
Igreja, que sempre vela pelos seus, deseja
chamar a nossa atenção mais uma vez para
o sentido último da nossa existência, que
jamais devemos perder de vista: estamos
chamados a ser santos, isto é, identificar-
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nos eternamente com Deus, participando
da glória celestial. Se atingirmos esse fim,
com a graça divina, chegaremos à perfeição
suma que o Senhor estabeleceu para nós;
caso contrário, os nossos anos terrenos
perderiam todo o seu sentido: seriam um
fracasso, um enorme e definitivo fracasso.
Porque, como afirma Jesus Cristo, de que
serve ao homem ganhar o mundo inteiro se
vier a perder a sua alma? Minhas filhas e
meus filhos, todo o nosso apostolado
resume-se em fazer ressoar estas palavras
nos ouvidos dos que convivem conosco,
sem excluir ninguém. É uma missão
particularmente urgente nos nossos dias,
porque muitos, embriagados pela ânsia de

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um prazer temporal, agarram-se aos bens
daqui de baixo e esquecem que o nosso
coração deve estar firmemente dirigido para
o Céu: Afeiçoai-vos às coisas lá do alto, e não
às da terras.
Na sua recente Carta encíclica sobre
algumas questões fundamentais do
ensinamento moral católico, o Romano
Pontífice analisa profundamente a situação
atual da sociedade. Permitam-me uma
digressão, que considero iniludível. Por
meio de vários canais, confirmaram-me
como o Santo Padre, a Hierarquia, conta
esperançosamente com a luta pela santidade
dos homens e das mulheres do Opus Dei.
Parece que o Senhor nos mostra claramente

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que estamos muito obrigados a responder, a
toda hora, com plenitude de entrega. Com
essa manifestação de confiança, pede-nos
que revisemos a nossa entrega pessoal, a fim
de arrancarmos resolutamente qualquer
sintoma de tibieza ou de aburguesamento.
Assim, examinemo-nos com delicadeza.
Como terão observado, nesse documento do
seu Magistério o Papa sublinha o forte
contraste entre a aspiração à felicidade
eterna, que se encontra em todo coração
humano, e a tendência de tantas almas de
voltar-se apenas para as criaturas,
esquecendo-se do seu Criador. Não é a
minha intenção glosar aqui essa Encíclica,
que todos nós, fiéis da Prelazia, devemos
conhecer e meditar, mas valer-me do seu

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conteúdo para expor alguns pontos de
especial importância da nossa tarefa
apostólica.
Em primeiro lugar, reparem na pergunta do
jovem rico do Evangelho, que o Santo Padre
comenta longamente: Que devo fazer para
conseguir a vida eterna? O Vigário de Cristo
põe em evidência que se trata de uma
pergunta essencial e inescapável para a vida
de todo homem, pois se refere ao bem moral
que se deve praticar e à vida eterna. Essa
afirmação tem uma importância singular à
hora do apostolado, porque no coração de
qualquer homem, de qualquer mulher, por
muito afastado de Deus que esteja, está
presente - semeado ali pelo próprio Deus -

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um profundo desejo de eternidade, que não é
possível saciar aqui embaixo. Nessa
aspiração, constantemente alimentada pelos
secretos e esplêndidos impulsos da graça,
sempre encontraremos um ponto de apoio
para entusiasmar as almas, para aproximá-
las aos poucos - como que por um plano
inclinado - da amizade com o Senhor. Por
vezes, o caminho será longo, mas devemos
rejeitar as impaciências, com a certeza de
que Deus conta com a nossa colaboração -
permeada de oração, de bom exemplo, de
palavras oportunas - para atrairmos os
corações a Ele.
Por outro lado, não esqueçamos que, no
momento atual - sem pessimismo -,
assistimos a um profundo obscurecimento

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dos espíritos, e que tem uma manifestação
clara: a ignorância, não só das verdades
sobrenaturais, mas das próprias verdades
religiosas naturais, aquelas que a reta razão
humana - sempre sustentada por Deus -
poderia chegar a conhecer por si mesma.
Por isso, como é atual o apostolado da
doutrina! Como é necessário! Devemos
sentir verdadeira fome de propagar os
ensinamentos do Magistério; agora, em
concreto, esses aspectos que o Santo Padre
desenvolve na sua encíclica.
Como é tradição na Obra, em muitíssimos
lugares serão organizados cursos e palestras
que sirvam de alto-falante para a doutrina
do Romano Pontífice. É um trabalho
imprescindível; quanto mais pessoas

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participarem dessas reuniões, melhor será.
No entanto, não basta a doutrina para que
as almas mudem. Requer-se que cada um a
interiorize, de modo que se conforme com
esses critérios nos seus pensamentos, juízos
e decisões. É o que São Paulo nos lembra:
Não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso
espírito, para que possais discernir qual é a
vontade de Deus, o que é bom, o que lhe
agrada e o que é perfeito. É preciso que haja
uma transformação radical no modo
próprio espírito da criatura humana, até
que consiga da da fir completamente com o
desígnio divino que Jesus Cristo nos
manifestou: Tende entre vós os mesmos
sentimentos que teve Cristo Jesus.

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Nesta tarefa, tem um papel fundamental a
formação da Consciência, que - como lembra o
Papa - deve ser arauto de Deus e como que o
seu mensageiro no íntimo de cada um, de
modo a cumprir perfeitamente a sua missão de
ser «testemunho do próprio Deus, cuja voz e
cuio juízo penetram na intimidade do homem
até as raízes da sua alma, convidando-o à
obediência fortiter et suaviter, de modo forte e
suave. Na ausência de uma consciência reta e
verdadeira, que acolha os impulsos do Espírito
Santo sem distorções nem interpretações
subjetivas, não poderemos conseguir uma vida
interior firme nem iluminar o mundo com a luz
de Cristo. Uma pessoa com a consciência mal
formada não pode ser apóstolo de forma
alguma; mais ainda, correria o perigo

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gravíssimo de tornar-se o pseudoapóstolo
que nosso Padre descreve em Forja, com
todas as suas tristes consequências.
Minhas filhas e meus filhos, esmeremo-nos
por ter uma consciência cada dia mais reta,
tirando proveito dos meios de formação que a
Obra nos proporciona e pedindo conselho
sempre que for necessário. Ajudemos
também os nossos amigos e conhecidos. Ao
longo do dia, surgem muitas ocasiões para
que os ajudemos a formar bem a sua
consciência; basta abrir os olhos, basta
termos a alma tensa, ferida de amor a Deus,
para detectar momentos em que convém que
expliquemos um critério de ação, que
recomendemos a leitura de um bom livro,
que ofereçamos a sugestão oportuna...,
sempre com afeto, com
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paciência, sem dar a impressão de sermos os
promotores da verdade, porque essa Verdade
que nos preenche não é nossa, mas de Deus, e
o Senhor confiou-a à sua Igreja. Afinal, «é
preciso educar, dedicar a cada alma o tempo
que seja necessário, com a paciência de um
monge medieval que enche de iluminuras,
folha a folha, um códice; temos de ajudar as
pessoas a tornar-se maiores de idade, a formar
a sua consciência, de maneira que cada uma
delas sinta a sua liberdade pessoal e a sua
consequente responsabilidade.
Na Encíclica, o Santo Padre refere-se a alguns
pontos básicos do ensinamento moral da
Igreja, como a proibição, sempre e em todo
momento, de realizar ações intrinsecamente
más. Embora essas exigências sejam de senso

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comum e estejam claramente enunciadas nos
Mandamentos da Lei de Deus, são muitas as
pessoas que as desconhecem. Sem esquecer a
existência de casos em que uma deformação tão
grande da consciência encontra a sua origem
numa vontade desviada, que rejeita
positivamente as normas ditadas por Deus, na
grande maioria dos casos essa deformação nutre-
se de uma ignorância completa das verdades
morais fundamentais.
Essas pobres pessoas não encontraram ninguém
que lhes mostrasse a verdade ou, pior ainda,
assimilaram ideias erradas. Só Deus conhece os
corações. Por isso, o nosso Fundador escreveu:
No dia do juízo, serão muitas aImas que
responderão a Deus como respondeu o Paralítico
na piscina - hominem non habeo, não houve

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ninguém que me ajudasse -, ou como
responderam aquele operários sem trabalho à
pergunta do dono da vinha. Nemo nos conduxit,
não nos chamaram para trabalhar.
ainda que seus seus erros sejam culpáveis e a sua
perseverança no mal seja consciente, no fundo
dessas almas há uma ignorância profunda, que
só Deus poderá medir.
Minha filha, meu filho, você compreende a
importância do seu apostolado de amizade e
confidência? Você pode levar a luz de Cristo a
tantas pessoas, de modo que ilumine os olhos da
sua alma e os abra às realidades perenes! Como
eu lhes recordava no início, pensem que em cada
criatura humana, mesmo que esteja muito
mergulhada no erro, sempre se esconde pelo
menos o rescaldo dessas verdades naturais, que a

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graça está sempre pronta a reavivar servindo-se
do exemplo singelo de vocês, da sua palavra
oportuna, do seu sorriso amigável. Você tem
consciência de que não pode ser apóstolo se não
acudir aos diversos meios de formação da Obra
com fome de aprender? Está apenas fisicamente
presente - seria uma grande tristeza! -, ou luta
para usar intensamente todas as suas potências e
os seus sentidos? Fomenta na sua alma o desejo
constante de aprender para servir?
Para que esta grande aventura humana e
sobrenatural da reevangelização da sociedade,
em que estamos empenhados junto com tantos
outros cristãos, produza os frutos que o Santo
Padre espera, é imprescindível recorrer, cheios
de confiança, aos auxílios sobrenaturais: a
oração, o sacrifício, a devoção à Santíssima

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Virgem, a intercessão do nosso Padre. Neste mês
de novembro, recorramos também às benditas
almas do purgatório e aos santos do Céu, unidos
a nós pelos laços da mesma comunhão em Cristo
e no Espírito Santo. Deste modo, a Igreja, nos
seus três estados ou situações - triunfante,
padecente e militante -, cumprirá a missão que o
Senhor lhe confiou para a salvação de toda a
terra.

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