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A IMPORTÂNCIA DO MANUAL DA IGREJA E A REVISÃO DAS CRENÇAS

FUNDAMENTAIS
_______________________________________________________
Ribamar Diniz
Mestrando em Teologia (SALT/FADBA)

A Importância do Manual da Igreja

Embora a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) tenha sido formalmente organizada
em 1863, só publicou um Manual da Igreja em 1932. 1 Essa demora é compreensível, tendo em
vista a forte oposição a qualquer forma de organização manifestada nos inícios da obra 2. As
crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia, da mesma forma, só seriam oficialmente
votadas em 1980, 117 anos depois da organização da Igreja! 3 Apesar da demora, tanto um
consenso doutrinário como administrativo já eram admitidos há muito tempo. 4
Um dos materiais que melhorou consideravelmente o governo da Igreja em sua expansão
através dos séculos XX e XXI foi o Manual da Igreja. Sem dúvida alguma, sua publicação foi
uma das maiores conquistas da IASD na primeira metade do século XX. Desde então, seu papel
tem sido o de ajudar na organização das congregações ao redor do mundo, resolver problemas
eclesiásticos, orientar oficiais de igreja e pastores em seu trabalho e manter as normas da igreja. 5
Depois da Bíblia, dos escritos de Ellen White e das 28 crenças fundamentais, o Manual
da Igreja é um dos documentos mais importantes entre os adventistas do sétimo dia. Embora
não seja um material inspirado, baseia-se no princípio bíblico da autoridade conferida por
Cristo a Sua Igreja, segundo a qual “o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que
desligares na terra terá sido desligado nos céus.” (Mateus 16:19). Como o “poder de ligar e
desligar é concedido à igreja como um todo”6, os acordos do manual da igreja são votados em
assembleia mundial, quando estão presentes “os representantes de sua igreja de todas as partes
da terra”7. O manual também se baseia em outro princípio igualmente importante: “Na multidão
de conselheiros há segurança” (Provérbios 11:14). Esse livro de regulamentos,

descreve a operacionalidade e as funções de igrejas locais e seu relacionamento com a estrutura


denominacional na qual estão arrolados seus membros... Expressa também a compreensão da
igreja a respeito da vida cristã, do governo eclesiástico e da disciplina baseada em princípios
bíblicos e na autoridade das assembléias da Associação Geral devidamente reunidas. 8

As Escrituras Sagradas constituem “a regra de fé e prática” para os adventistas. Por essa


razão não somente as doutrinas pregadas, mas a forma de administração eclesiástica adotada,
além do estilo de vida da igreja é baseada em um “Assim diz o Senhor”.

As normas e práticas da igreja se baseiam nos princípios das Escrituras. Esses princípios,
ressaltados pelo Espírito de Profecia, estão expostos [no] Manual da Igreja. Devem ser adotados em
todas as matérias relativas à administração e ao funcionamento das igrejas locais. O Manual da
Igreja também define a relação existente entre a congregação local e a Associação ou outras
entidades da organização denominacional da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Não deve ser feita
nenhuma tentativa para estabelecer padrões de discipulado ou para criar ou tentar impor regras ou
regulamentos para o funcionamento da igreja local que sejam contrários às decisões adotadas pela
Assembléia da Associação Geral.9

Embora a Associação Geral tenha votado importantes mudanças desde a primeira


publicação, a assembléia da Associação Geral de 1946 votou que “todas as alterações ou revisões
de conteúdo a serem feitas no Manual da Igreja devem ser autorizadas pela sessão da
Associação Geral” e a Assembléia do ano 2000 “aprovou o processo para fazer as alterações.” 10
Por isso, “uma nova edição é publicada após cada Assembléia da Associação Geral e deve-se
sempre usar a edição mais recente. 11 Com base nisso, esse artigo oferece uma breve análise e
reflexões sobre as principais alterações feitas no último Congresso mundial, realizado em San
Antonio, Texas (EUA), em julho de 2015.12
A edição em português do Manual da Igreja, publicada pela Casa Publicadora Brasileira,
trouxe uma nova capa, orelhas e 3 páginas ao final para anotações. Contém 229 páginas de
texto, contra 224 na edição de 2010 13. Ambas as edições tem 14 capítulos. Houve modificações
nos capítulos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, nas notas e no Suplemento da Divisão Sul-Americana. As
principais mudanças podem ser divididas em três áreas: revisões nas crenças fundamentais,
alterações explicativas e de procedimento. Esse artigo trata apenas do assunto mais importante:
a revisão do texto nas crenças adventistas.

Revisões no texto da declaração de crenças fundamentais 14

Talvez a mudança mais significativa no Manual da Igreja de 2015 tenha sido a revisão no
texto das crenças fundamentais15. A maioria das 28 crenças sofreu algum tipo de mudança,
sendo a maioria insignificante, como a reorganização de textos bíblicos de apoio em ordem
seqüencial de Gênesis a Apocalipse. 16 Essa decisão, considerando as edições bíblicas usadas na
maior parte do mundo, facilita o estudo de uma doutrina ao longo das Escrituras. Algumas
expressões pouco usadas hoje em dia foram substituídas por outras mais atuais (por exemplo
“regozija” por “se alegram” ou “iminente” por “próxima”) 17. Outra alteração simples foi à
substituição das palavras “homem” ou “semelhantes” por “humanidade”, “humano”, ou “seres
humanos” conforme a necessidade e contexto. O uso de uma linguagem mais inclusiva para
evitar distorções que possam ser consideradas atitudes discriminatórias é necessário e louvável.
Algumas crenças, porém, tiveram acréscimos textuais significativos.

Na crença Nº 5 “O Espírito Santo” foi acrescentado a frase: “Ele é uma pessoa tanto
quanto o Pai e o Filho”. Esse acréscimo é uma resposta apropriada aos movimentos
antitrinitarianos no ceio do Adventismo e torna mais claro o posicionamento doutrinário da
Igreja sobre a personalidade do Espírito.

Na crença Nº 6 “A Criação” foi agregada a palavra “histórico” para o relato da criação e


que “Ele criou o universo; e, em uma criação recente, que durou seis dias, o Senhor fez ‘os céus
e a terra, o mar e tudo o que neles há’ e descansou no sétimo dia. ...memorial perpétuo da obra
que Ele realizou e terminou em seis dias literais que, junto com o sábado, constituem a mesma
unidade de tempo que hoje chamamos de semana.” Isso conecta a criação com o sábado mais
diretamente. Além disso, com o acirrado debate criação x evolução em andamento, a renovada
influência do evolucionismo teísta entre muitos cristãos e a adoção de idéias evolucionistas
parciais por alguns teólogos adventistas, a Igreja é contundente em relação a sua crença no
relato da criação.18

Na crença Nº 8, “O Grande Conflito”, agora é dito que o dilúvio foi “global, conforme
retratado no relato histórico de Gênesis 1 a 11”. Isso reforça nosso posicionamento sobre a
criação e a literalidade de seus relatos, confirmando nossa fé nos capítulos considerados por
muitos como expressões simbólicas ou alegóricas sobre a criação. Esses capítulos são
justamente os mais criticados pelos teólogos liberais para defender alguma forma de
evolucionismo.

Na crença Nº 9 “Vida, Morte e Ressurreição de Cristo”, a inclusão da palavra “corpórea”


combate quaisquer idéias espíritas ou místicas sobre a ressurreição do Senhor.

Na crença Nº 11 “Crescimento em Cristo” foi agregada a frase: “Também somos


chamados a seguir o exemplo de Cristo pelo ministério compassivo às necessidades físicas,
mentais, sociais, emocionais e espirituais da humanidade”, para substituir o termo genérico
missão da igreja. Isso fortalece nosso compromisso com o próximo em todas as esferas e mostra
qual é a natureza de nossa missão integral.

Na crença Nº 19 “O Dom de Profecia”, as frases agregadas “As Escrituras revelam que”,


“nós cremos que”, além de “autoridade profética”, esclarecem que essa crença é bíblica e não
meramente uma idéia adventista; é distintiva, constituindo “um dos sinais de identificação da
igreja remanescente”19 e os escritos de Ellen White tem autoridade profética, sendo normativos e
não apenas devocionais.
Na crença Nº 22 “Conduta Cristã”, a troca da frase “de acordo com os princípios do Céu”
por “em harmonia com os princípios bíblicos em todos os aspectos da vida pessoal e social”
aproxima o leitor da realidade e não deixa margem para interpretações pessoais do que
poderiam ser princípios celestiais.

Na crença Nº 23 “O Casamento e a Família” a nova ênfase de que o casamento é entre “um


homem e uma mulher” não deixa margem para interpretações que favoreçam o casamento entre
pessoas do mesmo sexo adotadas em muitos países e defendidas por algumas correntes no seio
do Cristianismo. Foi adicionado ainda que a família de Deus é “formada tanto por solteiros
quanto por casados”.

Finalmente na crença Nº 24 “O Ministério de Cristo no Santuário Celestial” foram


introduzidas as frases de que o ministério intercessório de Cristo iniciado em sua ascensão “foi
tipificado pela obra do sumo sacerdote no lugar santo do santuário terrestre” e a última fase
de seu ministério expiatório, iniciado em 1844, “foi tipificado pela obra do sumo sacerdote no
lugar santíssimo do santuário terrestre.”
Essa revisão de texto (não de conteúdo) não deve abalar a confiança em nenhuma pessoa
de que a igreja tenha alterado suas doutrinas. Apenas reflete uma necessidade já mencionada de
atualização da linguagem ou maior clareza em algumas declarações para evitar ambiguidades.
Passados 35 anos da publicação da primeira declaração oficial, se verifica que a revisão
torna os santos ensinos bíblicos mais relevantes para as gerações atuais. Além do mais, o
próprio preâmbulo da declaração esclarece que “Os Adventistas do Sétimo Dia aceitam a Bíblia
como seu único credo” e as declarações podem ser revisadas justamente quando a igreja
encontrar uma melhor linguagem para expressá-las.20

Ribamar Diniz é pastor, escritor e editor. Atualmente é membro da Sociedade Criacionista


Brasileira, Pastor Distrital na Missão Pará Amapá. Seus artigos estão disponíveis em
www.ribamardiniz.com.

Referências:
1
Sobre a história adventista ver Richard W. Schwarz e Floyd Greenleaf, Portadores de Luz: História da Igreja Adventista do
Sétimo Dia, Trad. Francisco Alves de Pontes, 1a ed., (Engenheiro Coelho, São Paulo: Unaspress, 2009) e George R. Knight, Uma igreja
mundial: breve história dos adventistas do sétimo dia (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2000). Um breve resumo sobre
a organização da Igreja com as fontes históricas mais representativas está disponível em Ribamar Diniz y Técio Alves, 150
años de Conducción Divina: Una breve historia de los 150 años de la Iglesia Adventista del Séptimo Día (1863-2013)
(Cochabamba: Centro de Estudios Elena G. de White, 2013), 42.
2
Ver Manual da Igreja, 22ª ed. (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2016), 17-18.
3
Ribamar Diniz y Alves, 150 años de Conducción Divina, 107-109.
4
Ver Manual da Igreja, 18. Diniz y Alves, 150 años de Conducción Divina, 106-107.
5
Diniz y Alves, 150 años de Conducción Divina, 77.
6
Bíblia de Estudo Andrews (Tatuí, São Paulo, Casa Publicadora Brasielira, 2015), nota sobre Mateus 16:19
7
Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, v. 9, 261.
8
Manual da igreja, 18.
9
Idem, 19.
10
Idem.
11
Idem, 20.
12
Um relatório abrangente dessa Assembléia pode ser lida em
https://www.academia.edu/14206918/RESUMO_DA_ASSEMBL%C3%89IA_DA_ASSOCIA
%C3%87%C3%83O_GERAL_DA_IGREJA_ADVENTISTA_2015
13
Ver Manual da Igreja, 21ª ed. (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2011).
14
Nas notícias divulgadas durante a Assembléia de 2015 pelo site da Revista Adventista aparecem comentários breves
sobre as mudanças nas crenças fundamentais. Ver http://www.revistaadventista.com.br/conferencia-geral-2015/.
15
O autor consultou um seminário em forma de Powerpoint intitulado “Manual da Igreja 2015, modificações”, divulgado
sem constar o seu autor.
16
Ver Manual da Igreja, 166-177.
17
Nas crenças Nº 21 “Mordomia” e 25 “A Segunda Vinda de Cristo”, Manual da Igreja, 173, 176.
18
Segundo Fernando Canale “a teologia cristã não pode harmonizar a criação bíblica à história do tempo
profundo/evolução sem alterar sua essência, doutrinas e sistema teológico”. Criação, evolução e teologia: uma introdução
aos métodos científico e teológico, trad. Matheus Cardoso (Engenheiro Coelho, São Paulo: Unaspress, 2014), 115. O capítulo
10 dessa obra é esclarecedor nessa discussão. Em uma entrevista recente, o Dr. James Gibson, diretor do Instituto de
Pesquisas em Geociências, afirmou que “Diante do perceptivo esforço intencional e coordenado visando reprimir o
criacionismo ao redor do mundo, alguns cientistas adventistas não têm suportado essa pressão e, por isso, estão se
aproximando das teorias darwinistas. Alguns passaram a acreditar que Deus usou a evolução como um processo criativo
durante longos períodos de tempo. Isso tem acontecido especialmente nos países mais desenvolvidos e secularizados da
América do Norte e da Europa, bem como na Austrália.” Revista Adventista, Março de 2016, 7.
19
Manual da igreja, 48. Veja voto batismal, item 8.
20
Idem, 166.

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