Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SEMANAL
A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.PT
ÇÃO VERDE
EDI
EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
RADAR
15 Raio X
16 A semana em 7 pontos
MARCOS BORGA
18 Holofote
19 Inbox
20 Almanaque
22 Transições
24 Próximos capítulos
26 Oceano de esperança 46 Ministro do Ambiente em discurso direto
A descarbonização vai ter a preciosa ajuda da tecnologia, acredita José
Pedro Matos Fernandes. As metas e os mitos a desfazer para atingir
FOCAR a riqueza de forma sustentável
70 Orçamento: memórias das
velhas lutas entre PS e PCP
76 Alemanha: Habeck, 28 Clima: o diagnóstico dos cientistas
o vice-chanceler verde Quatro renomeados especialistas explicam-nos o que está em causa com
as alterações climáticas e de que forma o aquecimento global vai mudar
80 O negacionismo “wellness” as nossas vidas e o nosso país
VAGAR
82 Entrevista: Gilberto Gil
38 Tudo sobre a COP26
Baixam-se as expectativas para a Conferência das Nações Unidas sobre
88 Manoel de Oliveira, fotógrafo Alterações Climáticas, na Escócia, a partir de 31 de outubro. O que está
por revelar em causa
OPINIÃO
6 Mia Couto
Online W W W.V I S A O . P T
Últimos artigos na BOLSA DE ESPECIALISTAS VISÃO
8 Mafalda Anjos
14 Pedro Marques Lopes
74 José Carlos de Vasconcelos
90 Capicua
114 Ricardo Araújo Pereira Henrique Costa Santos Manuel Delgado Manuela Niza Ribeiro
CRÓNICAS D.C. SAÚDE IGUALMENTE DESIGUAIS
E depois do adeus As novidades do novo O exemplo de
Interdita a reprodução, mesmo parcial, estatuto do SNS Aristides: heróis
de textos, fotografias ou ilustrações sob póstumos
quaisquer meios, e para quaisquer fins,
inclusive comerciais.
Todos os dias, um novo texto assinado por um dos 28 especialistas convidados
Morrer
de raça (1)
POR MIA COUTO
ILUSTRAÇÃO: SUSA MONTEIRO
M
andámos chamar o cego da aldeia para – Xavier? – e foi como se o mundo tombasse no
identificar um homem estranho que foi chão.
surpreendido a cirandar pelas vizinhan- Há uns trinta anos, Xavier tinha ido estudar para
ças. O cego Muoni enfrentou o intruso a cidade. E, agora, apresentava-se tão mudado que
como se lhe farejasse as entranhas e, ninguém antes o tinha reconhecido. Aconteceu o
depois de uma longa pausa, ordenou: que receávamos: saiu daqui muno mutema e voltou
– Quero ouvir a tua voz. murungu. Noutras palavras, quando saiu era dos
E o intruso, todo calado. O cego es- nossos, um negro congénito. Quando regressou, era
perou com a paciência de quem apenas branco. Muitíssimo branco. Tão branco que não ca-
vê para além do tempo. Fazia justiça ao bia em nenhuma palavra já existente. Chamámos-lhe
nome: Muoni quer dizer visionário. Ficámos todos “patrão”. Oficialmente era o “boss” Xavier Anaishe.
em silêncio e era como se escavássemos uma cova Na nossa língua, “Anaishe” é o nome que se dá aos
dentro de um buraco. O cego acendeu um cigarro e que estão com Deus. A arrogância do visitante era
lançou o fumo contra o rosto do estranho, que desa- tanta que parecia o inverso: Deus estava feliz por
tou a tossir. Então, o cego sacudiu os ombros como morar no nome do nosso conterrâneo.
se só assim a voz se soltasse do corpo. O meu tio chamou-nos à parte para avaliarmos o
– Este homem é oficialmente o Xavier Anaishe – mistério daquela mudança. A raça não é uma coi-
anunciou o cego. sa que venha com o parto, começou por dizer o tio.
D
1
urante cinco dias, o alpinista Aron Para o Bloco e para o PCP, a jogada é de
Ralston teve de avaliar as suas hi- alto risco – com elevada probabilidade, serão
póteses: morrer irremediavelmente penalizados pelos seus eleitorados, que nas
preso na fenda da rocha para onde autárquicas já lhes passaram sinais claros de
caiu, ou cortar o braço direito. À 127ª descontentamento. Como vão reagir os que re-
hora, conseguiu libertar-se arrancan- cebem o salário mínimo e os pensionistas, que
do a sangue-frio o membro com um seriam aumentados segundo as novas propos-
canivete. Esta história, contada no tas? E os profissionais de saúde com esperança
livro Between a Rock and a Hard Place, que na melhoria das carreiras e condições? E quem
deu um filme, 127 Horas, teve um final feliz. estava abrangido pelos novos mínimos de exis-
Ralston sobreviveu amputado e ainda enri- tência? Podem bem ficar zangados. Mas os dois A conferência
queceu à custa de direitos de autor e palestras partidos, à beira do precipício, optaram por dar COP26 deu o mote
a esta edição. Uma
sobre resiliência e estratégias de sobrevivên- o passo em frente.
capa com o logo
cia. Mas nem todas as tramas de quem fica À direita, as coisas estão a mexer, ainda
que mostra um
preso entre uma rocha e um lugar difícil têm que muito embrulhadas. A vitória de Carlos globo em aque-
desfechos tão otimistas. Sobretudo quando se Moedas agitou as águas paradas e trouxe os cimento é uma
trata de política. challengers à tona. Depois da liderança erráti- hipótese
António Costa é um alpinista preso há ca de Rui Rio, Paulo Rangel apresenta-se com
mais de 127 dias. Conseguiu escalar uma energia e clareza de ideais como há muito
montanha durante anos com habilidade, mas não se via no partido – posiciona-se já como
o cansaço acumula-se e os acidentes aconte-
cem. Está bloqueado, com duas opções difí-
candidato a primeiro-ministro, estabeleceu
metas ambiciosas (uma maioria absoluta),
2
ceis entre mãos: ceder às exigências inamoví- falou para o eleitorado da extrema-direita ao
veis da esquerda ou arriscar ir a eleições numa centro-esquerda e definiu linhas vermelhas
altura que lhe é tudo menos favorável para claras (não fazer coligações ou acordos com
conseguir uma maioria absoluta. É verdade o Chega). Mas as eleições internas são só a 4
que tem a porta da Europa – a Presidência de dezembro, e as eleições antecipadas em
do Conselho Europeu vai vagar em junho – janeiro desfavorecem-no, porque convidam
como solução para uma saída amputada. Mas menos as bases a arriscar aventuras. O Con-
tem de desertar e sair já ou passar primeiro gresso Nacional em que o novo líder tomaria
por uma derrota humilhante. posse está marcado para janeiro, para quando
Escrevo estas linhas antes de saber como o Presidente da República já disse que agen-
fechará a votação do Orçamento do Estado na dará as eleições. Pode sempre ser antecipado Ou uma capa
generalidade. Convém sempre deixar todas as pelo Conselho Nacional, mas os timings são quente, com um
sol a ferver...
hipóteses em aberto, não vá dar-se o caso de, apertados (até mesmo Cavaco Silva, na sua
por obra e graça de um milagre ou mesmo de chegada-relâmpago, foi eleito em maio de
eficaz vudu (já que os rebates de consciência 1985 e só em outubro desse ano foi a votos). O
3
são improváveis), o documento ainda passar. papel de Marcelo Rebelo de Sousa neste im-
Uma coisa é certa: a geringonça, amiga do bróglio também tem que se lhe diga: ao forçar
alpinista e que o poderia salvar, está morta e entendimento ou ameaçar com eleições, está
enterrada. Todos os órgãos entraram em fa- a precipitar ativamente uma crise política, ao
lência, já não há ligação à máquina que a salve. invés de a antever e reagir. E, depois, agendar
As eleições são para o PS, nesta altura, eleições sem ter em conta os calendários dos
um lugar difícil. A maioria absoluta, depois partidos favorece uma das partes, mas fazê-
de uma crise política, do desgaste dos últi- -lo tendo em conta as lutas internas do PSD
mos anos e dos resultados das autárquicas também. A forma como vai gerir esta crise
que trouxeram novo élan à direita, é agora, marcará para sempre o seu mandato.
em teoria, menos possível do que seria, por Para os portugueses, cansados e fartos de
exemplo, daqui a um ano, quando o dinheiro aventuras, manobras de alpinismo e lutas de
do PRR já estivesse a jorrar, a recuperação a equipas, é certo que tudo isto é muito cansati- Mas o melhor é
andar a bom ritmo e o executivo com sangue vo. A esmagadora maioria não quer uma crise algo que nos diga
novo. Com elevada probabilidade, vai-se a política – quer estar sossegada ao centro, es- mais diretamente
votos, mas para o PS fica tudo na mesma – tabilidade e, se não fosse pedir muito, algum respeito e inquiete:
dependente de ex-companheiros com quem bom senso. Mas, chegados aqui, e como tudo uma imagem da
cortou relações. E para subir esta montanha é isto escasseia, venham de lá as eleições. Baixa de Lisboa
preciso uma equipa. manjos@visao.pt
inundada surte
esse efeito
INVISTA EM SI
E NUM MUNDO
MAIS VERDE
Agora pode investir o seu dinheiro num seguro
totalmente dedicado a pensar em si e num
futuro melhor para todos. Com o Banco CTT
Investimento Sustentável vai poder investir
em ativos sustentáveis, para que possa
atingir os seus objetivos sem esquecer
o seu futuro e um mundo mais
verde, equilibrado
e sustentável.
Saiba mais em
bancoctt.pt
Johan Rockström
diretor do Instituto para a Investigação do Impacto Climático de Potsdam
Bloco central,
a única solução?
P O R P E D R O M A R Q U E S L O P E S / Colunista
A
ideia da Geringonça era boa. Trazer do PS e os três partidos não partilham valores
finalmente os representantes de quase fundamentais.
um milhão de portugueses para a esfera A esperança de que o BE se afastasse de uma
da governação fazia e faz sentido. No esquerda revolucionária e contribuísse para soluções
mesmo sentido, reformar o chamado moderadas à esquerda não passou de ilusão e o
arco da governabilidade composto por estertor do PCP matou a responsabilidade que
PS, PSD e CDS. sempre mostrou e mandou-o para as mãos dos
Sendo, no nosso quadro radicais.
constitucional, as maiorias absolutas É assim impossível terem entendimento sobre
extremamente difíceis de obter, as forças medidas de fundo ou reformas em setores como
políticas de cada um dos lados entender-se-iam para Segurança Social, Saúde ou Educação.
formar governo. Escrevo este texto antes da votação final do
Existir um bloco à esquerda e outro à direita, Orçamento do Estado. Mas uma, neste minuto,
ambos comprometidos com os valores da improvável aprovação pouco altera o cenário. Se
democracia liberal, com o projeto europeu, mas, o mais esquerdista orçamento jamais proposto
claro está, com ideias diferentes sobre como atingir pelos socialistas tem estas reações do BE e do PCP,
o melhor para a comunidade, é, no fundo, o modelo um eventual entendimento de última hora será
como as sociedades ocidentais se desenvolveram apenas uma mistificação, mais um passo nas areias
no século passado e atingiram índices de bem-estar movediças do marasmo e no atraso de reformas
jamais atingidos. essenciais para o desenvolvimento do País. António
Claro está que estes entendimentos entre as Costa não derrubou muro nenhum, como anunciou
várias forças políticas, como em qualquer acordo, há seis anos, ele continua lá e agora com arame
têm de partir do princípio de que há um solo farpado.
comum, um conjunto de princípios fundamentais É absolutamente claro que só há, neste momento,
que têm de ser partilhados. dois partidos que coincidem na necessidade de
A Geringonça era assim o anúncio de uma nova reformas nesses setores e percebem a urgência de
fase da nossa democracia. entendimentos para a boa execução do PRR: o PSD
Cavaco Silva, e bem, exigiu acordos escritos, mas (seja qual for o líder que saia das eleições internas) e
a solução nascia coxa: nem o PCP nem o BE foram o PS. Rigorosamente mais nenhum.
para o governo. Houve quem culpasse Cavaco por Com a crise dos combustíveis, os problemas na
não querer essa solução, mas a verdade era só uma: saúde pública, os problemas crónicos da Justiça e
nem um nem outro queriam ser responsabilizados a contestação social que se adivinha, o risco de os
pela governação, mesmo na fase de restituição de extremos crescerem não é pequeno – aproveito para
direitos que a crise financeira retirou. deixar claro que não comparo o radicalismo do BE
Mal acabou essa fase, a Geringonça morreu. Ou e do PCP com o do Chega: há um mundo a separar
seja, não houve início de nenhum novo ciclo no um partido racista, xenófobo, coligado com as piores
nosso quadro político-partidário. A Geringonça forças que apareceram na Europa desde o fim da
não passou de um meio para evitar que o PSD Segunda Guerra Mundial a forças políticas que
aproveitasse o ciclo de prosperidade que se mostraram sempre respeitar os princípios básicos da
avizinhava, salvou o PS do mesmo triste destino de democracia liberal. Um entendimento entre o PS e o
grande parte dos seus congéneres europeus e foi PSD seria um maná para os radicalismos.
uma tentativa de estancar a perda de relevância do
PCP nos sindicatos e nas autarquias (falhada, diga- Não há assim momento pior para um bloco
se). O BE teve de ir atrás. central no governo, mas vai ser a única solução de
Os orçamentos que a esquerda foi viabilizando, governabilidade que pode sair das eleições – sejam
depois de concluídos os acordos, não passaram de elas agora ou daqui a muito pouco tempo. É uma
processos de autorização de executivos de gestão. péssima solução, mas muito provavelmente a única.
A realidade é o que é e não o que gostávamos que Em democracia nunca há ótimas soluções, há as
fosse: BE e PCP não são da mesma família política possíveis. visao@visao.pt
M A N U E L B A R R O S M O U R A mbmoura@visao.pt
A utilização de aeronaves não tripuladas, mais vulgarmente conhecidas por drones, já acontece há
muito tempo, em vários formatos e tamanhos, especialmente pelas Forças Armadas e autoridades
de proteção civil. Mas estas têm vindo a fazer cada vez mais parte da vida quotidiana do cidadão
comum, para fins mais ou menos lúdicos. Essa realidade obriga os países a manter as suas
legislações atualizadas, desenvolvendo regulamentações sob medida para tratar de preocupações
atuais e futuras, especialmente em relação ao impacto potencial dessa tecnologia na privacidade.
Ainda assim, a gravidade das restrições existentes à operação destes aparelhos
varia consideravelmente de país para país. Na América Latina, por exemplo,
as leis sobre o uso de drones vão da proibição total, como é o caso da Nicarágua
e Cuba, a nenhuma restrição, como acontece no Panamá, na Venezuela e Argentina.
Voar à vista
A maioria dos países exige que os pilotos sejam capazes de ver
o seu drone durante todo o tempo de voo. Mas já há casos em que
é possível realizar voos além da linha de visão. É o que acontece
em 33% dos países da América do Norte, uma média superior
à que se regista no resto do mundo, que é 22%. Estes voos têm
vindo a aumentar, sobretudo devido à necessidade
de empresas tecnológicas pesquisarem formas
de utilizar os drones como parte das suas operações,
nomeadamente em infraestruturas de entregas.
REQUISITOS LEGAIS
REGISTO
É obrigatório fazer um registo junto da
REGRAS PORTUGUESAS Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC)
► Manter sempre o contacto visual mínima é 30 metros para se poder manobrar drones que pesem
mais de 250 gramas. O registo eletrónico
com o aparelho ► Proibido sobrevoar concentrações é feito numa plataforma digital gerida pela
► Como um drone de brinquedo, o drone com mais de 12 pessoas ANAC, que a mantém atualizada
não pode sobrevoar pessoas, nem a mais ► Pilotar drones com mais de 25 kg de proteção e de socorro, SEGURO
de 30 metros de altura exige autorização da Autoridade Só podem pilotar drones com mais
sem a autorização do comandante
► Voar só com boas condições Nacional da Aviação Civil (ANAC) das operações no local de 900 gramas quem tenha um seguro
meteorológicas e com visibilidade ► Proibido voar à noite, além da linha de responsabilidade civil que cubra
► Proibido voar acima das altitudes os prejuízos causados noutras
► Desviar e dar prioridade a aeronaves de visão ou acima dos 120 metros, definidas nas áreas de proteção
tripuladas sem autorização da ANAC pessoas ou em coisas atingidas
operacional dos aeroportos sem pelo drone
► Respeitar a privacidade de todas ► É interdito sobrevoar áreas restritas, autorização da ANAC
FORMAÇÃO
as pessoas proibidas, perigosas, reservadas ► Não se deve fazer fotografias ou Consoante o peso ou a função
► Manter uma distância segura ou temporariamente reservadas filmagens aéreas sem se contactar dos drones, será necessária
de pessoas e de bens. Com drones ► Proibido sobrevoar zonas de sinistro, previamente a Autoridade Aeronáutica formação específica para se
de brinquedo, a distância onde se encontrem a decorrer ações Nacional – Força Aérea (AAN) poder pilotá-los
*Possibilidade de se realizar voos experimentais sem necessidade de o operador manter o contacto visual com o seu drone
FONTE Autoridade Nacional da Aviação Civil (anac.pt), Autoridade Aeronáutica Nacional – Força Aérea (aan.pt), Surfshark, Statista INFOGRAFIA MT/VISÃO
POR
R UI TAVARES GUEDES*
FOTOS: GETTY
“SAPIENS” OU “STUPIDUS”?
Com base nos vestígios arqueológicos Passou, portanto, o tempo destinado a
que chegaram até nós, calcula-se que os alertar as pessoas para a necessidade de
primeiros Homo sapiens – uma espécie nos preocuparmos com as alterações
animal de primatas com um cérebro climáticas. Já nada mais há a fazer nesse
capaz de criar linguagem, raciocínio abs- domínio. É preciso, isso, sim, agir, tomar
trato e de resolver problemas complexos as medidas necessárias que impeçam a
– apareceram na Terra há cerca de 300 contínua subida das temperaturas, que
mil anos. De então para cá, nesse espaço nos obriguem a todos, enquanto Huma-
de tempo, que não passa de um instante nidade, a permitir que a nossa espécie
fugaz na vida de um planeta formado há continue a existir na Terra – porque o
4,5 mil milhões de anos, a nossa espécie planeta, connosco ou sem nós, continuará
conseguiu multiplicar-se e espalhar-se a girar à volta do Sol, durante mais uns
por todos os continentes, tornando-se quantos milhões de anos.
a força dominante. O seu imenso poder Nos próximos dias, numa sucessão
foi resultado de uma única característica impressionante de encontros de líderes
que a distingue dos outros animais: a sua mundiais, que inclui reuniões setoriais da
inteligência. A sabedoria a que se refere o União Europeia, das nações do Sudeste
Sapiens latino. Asiático (ASEAN), do G20 e que culmi-
Graças a essa mesma inteligência, atual- na com a grande Cimeira do Clima em
mente sabemos tudo o que precisamos de Glasgow (COP26), ficaremos a perceber se
saber sobre as nossas hipóteses de sobre- o mundo vai conseguir ou não agir para
vivência na Terra. Sabemos também quase garantir que a vida das próximas gera-
tudo sobre o impacto que tivemos nas ou- ções não se vai transformar num autên-
tras espécies existentes no planeta – e nas tico inferno na Terra. Apesar dos avisos
muitas que ajudámos a extinguir. É hoje e das muitas proclamações de datas para
absolutamente consensual que as altera- a descarbonização, têm-se multiplicado,
ções climáticas são fruto do aquecimento recentemente, as incertezas e as dúvi-
global provocado pela industrialização à das sobre o êxito da cimeira. Por uma
base de combustíveis fósseis. Temos igual- razão simples: face à crise energética e à
mente todos os cenários possíveis do que necessidade de retoma da economia no
nos pode acontecer, caso a temperatura pós-pandemia, as preocupações voltaram
média global suba mais um par de graus a ser de curto prazo, e começa-se a perder
nas próximas décadas. Já fomos informa- a inteligência de olhar para o futuro. Se
dos, em cada cenário, de quais serão as persistirmos nesse erro, ficaremos com
consequências, não só para o nosso modo o destino traçado – e em vez de Sapiens,
de vida mas também para os perigos que talvez devêssemos mudar o nome da nos-
podem existir para o nosso organismo. sa espécie para Stupidus.
*Diretor-executivo
rguedes@visao.pt
99,9%
Consenso
científico quanto
“Não quero que os meus netos digam
que o planeta se tornou um inferno e
que eu não fiz o suficiente para o evitar”
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas,
a justificar o seu empenho para que na Conferência do Clima
às alterações de Glasgow se consiga obter resultados
climáticas serem
provocadas pela
atividade humana J A PÃ O
Uma análise a mais de 88
mil estudos publicados Adeus, princesa
em revistas científicas,
entre 2012 e 2020, A família real japonesa
demonstra que é quase ficou, nesta semana,
total o consenso acerca reduzida a apenas 17
do papel dos humanos membros, dos quais só três
nas mudanças climáticas. podem ascender ao trono,
Estudo semelhante, feito devido ao casamento da
no período entre 1991 e princesa Mako, sobrinha
2012, tinha encontrado do imperador Naruhito.
97% de artigos favoráveis Segundo a lei imperial do
a esta tese. Agora, o Japão, as mulheres estão
número cresceu para impedidas de subir ao topo
muito próximo da máximo da hierarquia e,
unanimidade, de acordo ainda por cima, após o
ÁFRICA casamento, ficam obrigadas
com o estudo publicado
na revista Environmental a deixar a família real. O
Research Letters.
Regressam os golpes de Estado Japão pertence ao restrito
Dois anos depois da revolução de 2019, em que o grupo de monarquias
poder ficou dividido entre civis e militares, o Sudão foi modernas que limita a
surpreendido, nesta semana, com um novo golpe de Estado. sucessão aos homens,
NEGÓCIO à semelhança da Arábia
Os militares passaram a controlar o país para, dizem,
Saudita, Omã e Marrocos.
Multiplicar “corrigir o curso da revolução”. Contas feitas, este é o sexto
golpe militar no continente africano, em pouco mais de No entanto, mesmo que o
milhões um ano: dois no Mali, um na Guiné-Conacri, além de outro imperador quisesse mudar
essa lei, está impedido de
malsucedido no Níger, bem como uma tomada de poder
Uma ordem de compra de arbitrária, por parte dos militares, no Chade, no dia seguinte o fazer: a prerrogativa está
100 mil automóveis Tesla, à morte do Presidente Idriss Déby Itno. Na segunda metade entregue ao governo e ao
por parte da empresa do século XX, a África subsariana registou uma média de Parlamento nipónicos...
de aluguer de carros quatro golpes de Estado por ano. Depois, neste século, esse tradicionalmente
Hertz, teve um efeito número caiu para metade, mas agora voltou a subir. dominados por homens.
dominó raramente visto
nas bolsas: o anúncio
fez subir as ações da ECONOMIA
Tesla em mais de 12% e
acrescentou quase 118
mil milhões de dólares
Preparados para a estagflação?
ao valor de mercado da Nas principais economias tantas vezes brandido
empresa. O aumento das mundiais aumentaram nos debates políticos. No
ações da Tesla solidificou as buscas pela palavra momento em que o mundo
a posição de Elon Musk “estagflação” no Google. mergulha numa crise
como o homem mais rico Embora as opiniões entre os energética e de cadeias de
do planeta, engordando especialistas se dividam a abastecimento, percebe-
o seu património líquido propósito da concretização se o temor de se começar
em 36,2 mil milhões de (ou não) daquele que é a assistir ao aumento da
dólares num único dia. o maior pesadelo dos inflação num período de
A sua fortuna está agora economistas, a verdade é estagnação económica
avaliada em 288 mil que, desde a crise petrolífera – aquilo que se chama,
milhões de dólares. de 1973, o termo não era precisamente, estagflação.
OBRA MILITANTE,
Paulina Chiziane em Maputo, numa muita luta. Não
com o mais casa onde se Obra completa foi fácil começar
importante prémio
literário da Língua
falavam as línguas
nativas da região RECEBEU O PRÉMIO A sua escrita
nunca procurou
a publicar sendo
mulher e negra.
Portuguesa, no
valor de cem mil
de Gaza, Chope e
Ronga. O idioma CAMÕES 2021, A MAIS zonas de conforto: Depois de tantas
lutas, quando achei
IMPORTANTE DISTINÇÃO
Chiziane explorou a
euros, sucedendo português, esse condição feminina que já estava tudo
a Chico Buarque, aprendeu-o numa acabado, vem esse
em 2019, e a Vítor missão católica. LITERÁRIA DE LÍNGUA africana, os traumas
colonialistas, as prémio. O que
PORTUGUESA
Aguiar e Silva, em Estudante de superstições do eu posso dizer?
2020. O facto de Linguística, na Uni- seu país. Feminista É uma grande
ser igualmente a versidade Eduardo S Í LV I A S O U TO C U N H A e crítica, abordou alegria”, declarou a
primeira mulher Mondlane, nunca práticas como a da autora de 66 anos,
africana a receber concluiu o curso. poligamia, tema surpreendida com
esta distinção Tendo despertado dos celebrados o Prémio Camões
teve relevância cedo a sua cons- romances Balada que contribuirá
na decisão do júri ciência política e de Amor ao Vento para a releitura
internacional. É só social, militou na (1990) e Niketche: e reedição da
a terceira vez que o Frelimo – Frente Uma História de sua obra – cheia
prémio é atribuído de Libertação de Poligamia (2002). de experiências
a um autor Moçambique, mas As vozes de mães fortes, como esta:
moçambicano: trocaria a arena e filhas africanas es- em jovem, Paulina
José Craveirinha política pela literá- tão ainda presentes trabalhou como
recebeu-o em ria, desencantada em O Sétimo Jura- assistente da
1991 e Mia com as opções mento (2000), As Cruz Vermelha
Couto em 2013. partidárias no pós- Andorinhas (2009) em Manjacaze
Primeira mulher -independência, ou O Alegre Canto e, num campo
de Moçambique nomeadamente da Perdiz (2008), de refugiados de
a publicar um no que diz respeito com a chancela da guerra, conheceu
romance, Balada aos direitos e Caminho, em Por- uma mulher que
de Amor ao Vento liberdades das mu- tugal. Iniciou a sua a achou parecida
(1990), ela venceu lheres. A escrita carreira literária em com a filha
o Prémio José transformou- 1984: contos publi- grávida... que fora
Craveirinha de -se, desde cados na Imprensa massacrada. Aí
Literatura 2003 então, na moçambicana. nasceu Ventos
com Niketche: sua ferra- Mas o romance do Apocalipse,
Uma História de menta de marcar-lhe-ia romance em que
Poligamia (2002). interven- a obra ou, nas presta homenagem
ção. suas palavras, a Minosse e a filha
a vontade de Wusheni, usando
contar histó- os seus nomes
rias, inspirada reais.
pelas narra-
tivas ouvidas
à volta da
fogueira.
M O D É S T I A À PA R T E
Não quero
Atores buscam
atenção. Mas
dar lições
eu sou um a ninguém.
introvertido
ADRIEN BRODY
O ator norte-americano participa
Mas temos
no mais recente filme de Wes
Anderson, French Dispatch, que
vai abrir o próximo Lisbon
& Estoril Film Festival,
dentes para
a 10 de novembro
carne e,
por isso,
é natural que
a queiramos
comer
NIGELLA LAWSON
A chef britânica diz que tentou fazer uma
Parece-nos legítimo dieta vegan, mas que, ao fim de duas
semanas, “precisava de comer ovos”
proteger a fronteira
externa [da União
Europeia] de modo a
evitar entradas ilegais FRASE DA SEMANA
HORST SEEHOFER
Ministro alemão do Interior
comenta o desejo da Polónia
de construir um muro na sua
Se for preciso fazer
fronteira com a Bielorrússia reforço de vacinas
C H O Q U E F R O N TA L
a mais idades
A ditadura do e outros grupos
politicamente correto
é insuportável sociais, faremos
MÁRIO DE CARVALHO GRAÇA FREITAS
O escritor, de 77 anos, completa A diretora-geral da Saúde defende que
40 anos de carreira e lança “ainda há muito para saber e em aberto”
um novo livro, De Maneira sobre o vírus e diz que é necessário
que É Claro... estar alerta para novas variantes
Fontes: The Independent, The Guardian, Lusa, Sapo 24, Diário de Notícias, Bild
28 OUTUBRO 2021 VISÃO 19
ALMANAQUE
NÚMEROS DA SEMANA
6-1
O português José Mourinho
sofreu na quinta-feira, 21,
ao comando da AS Roma,
e perante os modestos
noruegueses do Bodo/Glimt,
a sua derrota mais pesada,
com seis golos sofridos. Em
todos os 1 009 jogos oficiais
que o Special One já leva na
carreira, esta foi também a
segunda goleada sofrida por
uma diferença de cinco golos.
A primeira aconteceu em
GETTY
novembro de 2010, quando o
seu Real Madrid saiu de Camp
Nou vergado pelos 5-0
Autonomia WLTP: 59 km em modo 100% elétrico. Consumo combinado WLTP: 1,2 a 1,5 l/100 km. Emissões de CO₂
WLTP: 29 a 35 g/km.
As condições concretas de utilização e outros fatores poderão fazer variar os valores apresentados. Para mais informações consulte peugeot.pt. Elegível para benefícios
fiscais 2021 para Híbridos Plug-In.
TRANSIÇÕES
MORTES
Diagnosticado com um
cancro terminal em 2017,
o comediante, guionista e
agente Tiago André Alves
morreu na quarta-feira,
20. Tinha apenas 32 anos.
“Sempre com um sorriso, a
fazer rir ou a ajudar quem
queria trazer gargalhadas
para os palcos, hoje ficamos
com menos um senhor
da comédia nacional”, pode
ler-se no post de Instagram
do Lisbon Comedy Club.
A mulher-pássaro
dos últimos anos, se foi
alastrando para os ossos. De
acordo com a BBC, James
Michael Tyler morreu na sua
casa, em Los Angeles. Na infância, não imaginava vir a ser pintora. Mas a menina
duriense transformou-se numa das artistas plásticas
Escultora, professora contemporâneas fundamentais do nosso tempo, deixando
de Educação Visual, uma obra densa, complexa, mas feliz
Deolinda Rodrigues
morreu, com 77 anos, Sobre o Douro, onde nasceu em 1944, se encontra representada com um
anunciou, na quinta-feira, no Peso da Régua, dizia ter aprendi- conjunto de oito obras, à semelhança
21, a Fundação Bienal de do “a olhar para dois sítios: para o rio da Fundação Calouste Gulbenkian, do
Arte de Cerveira, numa nota
e para o céu”. Da região, guardava a Museu do Oriente ou do Museu do
de pesar publicada na sua
memória dos verões na quinta da avó Chiado, em Lisboa. A artista só pintava
página oficial de Facebook.
A artista era mulher do cheia de glicínias, junto ao rio Cor- durante o dia. Partia da tela em branco
mestre José Rodrigues, go, do frio das adegas, do barulho do (colecionava telas, aliás!), sem uma ideia
falecido em 2016, um dos comboio a vapor... Armanda Passos predefinida, de onde nasciam seres,
impulsionadores da Bienal não sonhava vir a ser pintora. Acordou sobretudo mulheres fora dos cânones –
Internacional de Arte de para o desenho na Escola Superior de grandes, robustas, disformes por vezes
Cerveira e diretor artístico Belas-Artes da Universidade do Porto –, pintadas de cores fortes, com pás-
da iniciativa, em 1986. (ESBAP), já casada e com dois filhos saros e outros elementos da Natureza.
– um deles, Fabíola Valença, também Condecorada com a Ordem de Mérito
artista plástica, foi a sua curadora nos em 2012, representou Portugal em
O ex-futebolista e treinador últimos anos –, onde se licenciou em inúmeras exposições internacionais ao
escocês Walter Smith Artes Plásticas. Foi assistente de Ângelo longo de 40 anos. Em abril, “regressou”
morreu na terça-feira, de Sousa, professora de Tecnologia da às origens doando parte do seu espólio
26, aos 73 anos. Foi Serigrafia, monitora de Tecnologia da (83 obras) ao Museu do Douro, no Peso
selecionador da Escócia, Gravura na ESBAP e membro do grupo da Régua, onde irá nascer um parque
além de treinador e “Série” Artistas Impressores. Começou ribeirinho com elementos escultóri-
presidente do Glasgow a expor em 1976 e individualmente a cos em grande escala inspirados nas
Rangers, clube pelo qual partir de 1981 na Cooperativa Árvo- mulheres da artista. Armanda Passos
venceu 10 campeonatos –
re, no Porto, cidade onde vivia na sua dizia que as suas obras “faziam sorrir”
sete deles seguidos –, cinco
casa-atelier projetada pelo arquiteto quem as observava. A artista faleceu a
taças e seis Taças da Liga.
e amigo Álvaro Siza, a poucos me- 19 de outubro, aos 77 anos, no Porto, na
tros da Fundação de Serralves, onde sequência de doença. F.A.
PERISCÓPIO
Sinais de alarme
Numa altura em que o mundo avalia o impacto da
noutra, ao sol do
Caribe, em Curaçau,
num congresso da
UAEP (União Postal
de manhã, em que a
RTP explicou o que
é o Orçamento do
Estado? É que tudo
das Américas, soou bem – com
nova variante, Delta Plus, Graça Freitas admite a Espanha e Portugal). comparações entre
possibilidade de novos confinamentos no inverno Com águas tão a realidade política e
quentes, por aquelas uma gestão familiar
paragens, as orelhas –, até ao momento
Se o último ano e meio nos ensinou alguma coisa, é que, em
não devem ter em que o canal do
questões relacionadas com a pandemia, de pouco ou nada vale Estado rematou com
refrescado muito...
tentar acertar no futuro. Esta semana, numa longa entrevista a pergunta “Porque
ao Diário de Notícias, Graça Freiras voltou a apontar para AUTÁRQUICAS é que o orçamento
os próximos meses, pondo todas as hipóteses em cima Teremos sempre é importante?” A
da mesa, mesmo a de Portugal regressar a um modelo de Ayamonte! resposta mudou o
“confinamentos seletivos ou generalizados”, como, aliás, já se Luís Gomes perdeu tom e quase roçou as
começa a verificar em alguns países, na sequência de novas para o PS Vila Real palavras de António
vagas da Covid-19. A diretora-geral da Saúde recordou que de Santo António, Costa, dois dias antes:
o vírus “é novo”, ainda pode surpreender e, como tal, neste o reduto do PSD “Este orçamento quer
momento, há um plano para o inverno com três cenários no Algarve, a 26 de aumentar os apoios às
possíveis: “O primeiro cenário é o que vivemos, perfeitamente setembro. Então, famílias que passam
estável; o segundo é aquele em que a efetividade da vacina foi vê-lo, no sábado, dificuldades, criar
começa a cair, havendo necessidade de fazer reforços para na TVI, como “Luís um novo apoio para
aumentar a proteção da população – é o que estamos a fazer Gomez”, a apostar jovens em situações
agora com os maiores de 65 anos; e o terceiro, o pior, é aquele numa carreira musical de pobreza e reforçar
em que apareceria uma nova variante, em castelhano, num o SNS com mais
mais agressiva, com capacidade de dueto com um cantor profissionais.” Se Pedro
escapar ao nosso sistema imunitário de Ayamonte – a Filipe Soares deparou
localidade espanhola com dificuldades em
(...). Estas três realidades têm de estar
O PIOR [CENÁRIO] sempre presentes.” As declarações de ao lado de Vila Real,
com eleições locais em
explicar o anúncio
do chumbo pelo BE,
É (...) UMA NOVA Graça Freitas surgem numa altura
em que a subvariante da Delta, 2023. não se sabe; mas
VARIANTE designada Delta Plus, tem alertado FIGUEIRA
imagine-se quão
aborrecida terá ficado
(...) COM os especialistas – segundo o último
relatório do Instituto Ricardo Jorge,
Limpeza a fundo a pequena Gabriela,
que o comunista
CAPACIDADE foram registados nove casos em Portugal O novo executivo de
São Julião, na Figueira João Oliveira teve de
DE ESCAPAR AO associados a esta versão da doença (até
4 de outubro). Desconhecendo ainda o
da Foz, eleito pelo convencer sobre a
posição que o Comité
movimento de Santana
NOSSO SISTEMA seu impacto, o Reino Unido enfrenta Lopes, terá ficado de Central do PCP tomou
horas após o ZigZag.
IMUNITÁRIO um aumento significativo de infeções
e internamentos. Rússia, Alemanha e
queixo caído ao ver que
o presidente cessante, F.L./N.M.R.
GRAÇA FREITAS
Diretora-geral Ucrânia bateram, na última semana,
da Saúde recordes de casos e mortes. J.A.S.
Oceano de Esperança é um projeto da VISÃO em parceria com a ROLEX, no âmbito da sua iniciativa Perpetual Planet, para dar
voz a pessoas e a organizações extraordinárias que trabalham para construir um planeta e um futuro mais sustentáveis
“O fitoplâncton
é o verdadeiro
pulmão do planeta”
Filipe Lisboa estuda as alterações climáticas a partir dos satélites da Agência
Espacial Europeia, particularmente os seus efeitos nas microalgas, seres vivos
tão especiais que sem eles a vida na Terra não seria possível
BRUNO LOBO LUÍS BARRA
Quem sabe se não estaremos à conversa com o primeiro as- e quase sempre é consequência da ação direta do Homem.
tronauta português? Filipe Lisboa é um dos candidatos – um Uma das mais recorrentes são os chamados afloramentos
dos dois portugueses – na exclusiva lista da Agência Espacial tóxicos, grandes concentrações de microalgas que esgotam
Europeia (ESA). O processo de seleção ainda deve demorar oxigénio e provocam a morte de todos os seres vivos nessa
um par de anos, e, enquanto decorre, Filipe trabalha como zona. “Existem muitos afloramentos, mas estes fenóme-
Project Officer na Agência Europeia de Segurança Marítima, nos tóxicos ocorrem maioritariamente em rios e lagos ou
onde monitoriza imagens de satélite procurando reduzir o em zonas costeiras perto das bacias hidrográficas, onde se
risco de acidentes marítimos e a pesca ilegal, acompanhar os acumulam desperdícios da atividade agropecuária e ou-
fluxos migratórios ou evitar a poluição marinha. Paralelamen- tras indústrias, que funcionam como nutrientes para estes
te, está a tirar um doutoramento em alterações climáticas e organismos.” Filipe cita ainda um estudo da NASA sobre o
os efeitos da atividade humana no fitoplâncton, um conjunto derrame petrolífero na plataforma Deep Water Horizon, no
de algas marinhas microscópicas que, incrivelmente, também golfo do México. Após o acidente, os níveis de fitoplâncton
são mais bem estudadas a partir do Espaço do que na Terra. na coluna de água desceram para níveis baixíssimos, mas
“Ainda hoje fico impressionado”, admite, referindo-se hoje, passados 11 anos, já suplantaram os números anterio-
ao estudo destes seres microscópicos, que se observam tão res ao acidente. Só que as espécies já não são as mesmas “e
bem a partir do Espaço. Mas a explicação é simples. Como o ecossistema local foi alterado”.
possuem clorofila, têm uma tonalidade esverdeada que os
satélites captam muito bem, conseguindo-se até identifi- O BOM REBELDE
car as espécies precisamente pela sua cor. “O oceano não é Costuma dizer-se que um bom cientista é aquele que sabe
verdadeiramente azul, apenas parece azul”, tal como o céu cada vez mais sobre cada vez menos, mas Filipe Lisboa tem
parece azul, porque reflete melhor esse espectro. O oceano um percurso em contraciclo com esta conceção, intitulan-
tem muitas outras cores, amarelo, castanho, laranja e “maio- do-se com humor de “investigador rebelde”. A sua tese de
ritariamente verde, precisamente por causa do fitoplâncton”. doutoramento está mais relacionada com a Biologia do que
Mas o que são estas microalgas e porque o seu estudo é tão com a sua formação-base, que é a Física, Astronomia e As-
importante? O nome engloba “milhares de espécies, muitas trofísica, mas, curiosamente, é essa multidisciplinaridade
delas ainda não estão sequer identificadas”, mas a sua impor- que o torna um candidato tão interessante para a ESA – e
tância é vital, pois “estão na base de toda a cadeia alimentar aquilo que o atrai também para o projeto. “Sempre tive uma
nos oceanos, absorvem tanto dióxido de carbono como todas paixão enorme pelo Espaço, na mesma medida que tenho
as outras plantas e florestas da Terra juntas e são o verda- pelos oceanos e é engraçado como o meu trabalho acaba por
deiro pulmão do planeta”, explica-nos o cientista climático. estar tão ligado a ambos”.
São responsáveis por produzir 50% a 80% do oxigénio que “A maioria dos candidatos a astronauta quer ir à Lua, viver
respiramos. Aliás, foram estes seres unicelulares que, há 2,5 no Espaço e se calhar ir até à Estação Espacial Internacional.
mil milhões de anos, começaram a produzir o oxigénio que Estamos a entrar numa fase da exploração muito preocupada
transformou a Terra no planeta habitável que hoje conhe- com a forma como replicamos as condições de vida que te-
cemos. Temos, então, uma enorme dívida de gratidão, mas mos na Terra” – e o fitoplâncton desempenha naturalmente
será que estamos a pagar-lhes na mesma moeda? um papel fundamental neste processo. “Estamos a aprender
A questão é complexa, diz, pois “existem diferentes es- a criar no Espaço as mesmas condições que já existem – de
pécies de algas e estas reagem todas de forma diferente forma natural – na Terra. E, em simultâneo, aprendemos
às alterações climáticas e à atividade humana”. Estamos a muito sobre o que podemos fazer para preservar a vida
assistir a uma transformação na atividade do fitoplâncton, aqui.” visao@visao.pt
LUÍS BARRA
A
período de tempo, tomando-se um todo
e sendo a sua individualidade esquecida.
*Climatologista, professor da Faculdade de Ciências
A caracterização do clima e da sua evo-
da Universidade de Lisboa
lução requer, portanto, conhecimentos
avançados de Física, de Estatística e de
sistemas dinâmicos. Acresce que o pró-
A semana dos Nobel vem sempre acom- com o físico teórico Giorgio Parisi. prio conceito é difícil de apreender pelo
panhada por discussões animadas acer- O comité do Nobel já havia selecio- cidadão comum, na medida em que o
ca de quem serão os laureados nas nado o clima em 2007, quando o Painel clima não se vê, podendo apenas apre-
diversas áreas e, este ano, o nome da Intergovernamental para as Alterações ciar-se indiretamente os seus efeitos,
ativista do clima Greta Thunberg vol- Climáticas (IPCC) partilhou o prémio seja nas características da vegetação na-
tou a ser badalado como favorito para da Paz com o vice-presidente dos EUA, tural, seja no tipo de habitação rural, seja
o Prémio Nobel da Paz. O clima acabou Al Gore, e, neste ano, uma repetição na traça das cidades antigas. O facto de,
por ser um dos temas escolhidos pelo do prémio com Greta Thunberg teria com frequência, se ouvir dizer que de-
comité Nobel, mas a distinção deu-se tido, muito provavelmente, maior re- terminado espetáculo foi interrompido
no campo da Física pura e dura, tendo percussão ao nível mediático. No en- devido às “condições climatéricas” é um
os climatologistas, Syukuro Manabe e tanto, a atribuição do Nobel da Física, indicador claro da confusão que ainda
Klaus Hasselmann partilhado o prémio inegavelmente por motivos científicos, existe entre clima (coletividade) e estado
do tempo (membro da coletividade). elástica, a resposta climática seria pro- em determinados eventos climáticos
São a Física e a Matemática que porcional ao forçamento e a supressão extremos e desastres a eles associados.
permitem explicar por que razão, não da causa forçadora levaria ao retorno Por exemplo, quando se contabilizam
sendo o estado do tempo previsível ao estado anterior ao forçamento. Os as secas, com duração da ordem de um
para além de uma semana a dez dias, cenários de clima futuro, produto de ano, que assolaram a Península Ibéri-
se pode, ainda assim, construir cená- simulações efetuadas por modelos físi- ca no período 1901-2016, observa-se
rios confiáveis do clima a 30, 50 ou 100 co-matemáticos altamente sofisticados que os cinco episódios mais intensos
anos. São a Física e a Matemática que que correm nos mais poderosos super- tiveram lugar no século XXI, em 2005,
permitem reconstituir o clima desde computadores existentes, são, assim, 2012, 2009, 2015 e 2016. E, quando se
há meio milhão de anos, com base em difíceis de assimilar pelo cidadão não compara, para Portugal, o total anual
informação precisa da temperatura, especializado, avesso a tudo o que se de área queimada em incêndios rurais,
dióxido de carbono, metano e poeiras, afaste do senso comum, e as medidas de verifica-se que a média para o período
obtida a partir da análise das camadas mitigação dos impactos das alterações 1980-2000 é de 91 mil hectares, en-
de gelo. São a Física e a Matemática que climáticas, que implicam sacrifícios de quanto para o período 2001-2019 é de
permitem discernir entre a variabilida- toda a ordem, acabam por sofrer re- 139 mil hectares, o que representa um
de interna natural do clima, como o El jeições pelas comunidades, no todo ou aumento de 52%, tendo-se em conta
Niño ou a Oscilação do Atlântico Norte em parte. Cite-se, a título de exemplo, ainda que os três anos com maior área
(NAO), e as mudanças climáticas decor- a dificuldade em explicar a necessida- ardida, 2017, 2003 e 2005, se situam no
rentes de forçamentos externos, sejam de presente de se limitar o aumento da período mais recente.
estes naturais, como o vulcanismo e a temperatura média global em 1,5 ºC aci- O aumento de área queimada não
atividade solar, sejam antropogénicos, ma dos níveis pré-industriais, em vez de se deve, contudo, apenas a uma maior
como os decorrentes da emissão de se manter a meta de 2 ºC estabelecida, frequência de extremos meteorológi-
gases com efeito de estufa. São a Física em 2015, no Acordo de Paris. A razão cos, sejam ondas de calor sejam ventos
e a Matemática que permitem atribuir está no comportamento não linear dos intensos, não podendo ignorar-se fato-
causa humana a um determinado even- extremos climáticos, cujo aumento não res ligados à atividade humana, como
to meteorológico extremo e simular as é proporcional a uma pequena variação as mudanças drásticas da paisagem,
não linearidades do clima, responsáveis de meio grau na temperatura, tendo com mais terrenos abandonados, mais
por “efeitos borboleta” e por feedbacks ainda em conta que os grandes desas- área de mato e mais zonas florestadas,
que podem retardar ou acelerar a res- tres meteorológicos se ficam a dever, na ou à diminuição e envelhecimento da
posta a um dado forçamento. sua esmagadora maioria, à ocorrência população rural. Com efeito, os fato-
de fenómenos extremos, tais como os res antropogénicos do forçamento do
AUMENTO DE 52% DA ÁREA ARDIDA episódios de seca, as ondas de calor, as clima são de tal forma cruciais que se
Devido à sua natureza complexa, o tempestades e as cheias. acrescentou a antroposfera às cinco
clima apresenta, pois, um compor- O comportamento não linear do “esferas” com que tradicionalmente
tamento que se afasta de raciocínios clima explica também o pronunciado se estruturavam o sistema climático: a
simplificados baseados em modelos aumento em frequência que, nos úl- atmosfera, a hidrosfera, a criosfera, a
lineares em que, tal como numa mola timos anos, tem vindo a observar-se litosfera e a biosfera.
A
irão demorar muitas dezenas de anos a *Investigador em alterações climáticas e presidente do Conselho
ter efeitos palpáveis, entrando, assim, em Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
conflito com a mentalidade dominante
que visa o lucro imediato e que tem como
horizonte temporal a duração de uma
legislatura. Em terceiro lugar, porque o
esforço económico requerido é de difícil As alterações climáticas antropogéni- chuvas muito intensas em períodos
aceitação, quer pelos países mais ricos, cas não são uma previsão para o futu- curtos, causadoras de inundações,
que não estão dispostos a sacrificar o ro, mas uma realidade atual que está enxurradas e deslizamentos de ter-
nível de vida que têm, quer pelos mais a agravar-se e que assim continuará ras. Caracterizam-se também por
pobres, que se sentem no direito de vir a até se conseguir atingir a neutralidade causarem mudanças nos regimes de
ter o que os outros já alcançaram. carbónica global. Aliás, as alterações precipitação regional e a subida do
Mostram a Física e a Matemática que climáticas só começarão a retroceder nível médio global do mar.
as alterações climáticas que já vivencia- várias décadas após a neutralidade Por várias razões que não é possí-
mos não são mais do que a resposta do carbónica global. Estamos perante vel detalhar aqui, a Região do Medi-
sistema climático com vista a alcançar o um problema cuja base científica se terrâneo é especialmente vulnerável,
equilíbrio dinâmico que garante a con- conhece desde os artigos de Joseph ou seja, é um hotspot das alterações
tinuidade do seu funcionamento em Fourier (1827), John Tyndall (1863), climáticas, principalmente porque
harmonia com os forçamentos impostos Svante Arrehnius (1896) e Gilbert Plass está a sofrer uma diminuição acen-
pela atividade humana. Ao invés do que (1956). A Humanidade tem atrasado a tuada da precipitação média anual. A
muitos pensam, não se trata de uma “vin- sua resolução, porque a principal cau- partir dos finais da década de 1960,
gança da Natureza”, mas tão-somente de sa resulta das emissões de dióxido de começou a chover menos em Portugal
uma resposta natural do sistema aos no- carbono provenientes da combustão Continental, sobretudo nos meses de
vos condicionalismos externos, tal como dos combustíveis fósseis, que assegu- janeiro, fevereiro e março, muito im-
o corpo humano aumenta o batimento ram cerca de 80% das fontes primárias portantes para a agricultura, florestas
cardíaco após um esforço ou transpira globais de energia. Vamos ter de nos e biodiversidade. Este processo irá
quando a temperatura ambiente se eleva. adaptar às mudanças climáticas du- continuar durante muitas décadas.
Só a Ciência e a técnica são capazes rante muito mais de um século. Esta nova tendência reforça o con-
de produzir cenários credíveis de clima Interessa, pois, conhecer quais são traste entre um Norte húmido, mas
futuro, estabelecer metas de comporta- os principais impactos no mundo e agora menos húmido, e um Sul seco,
mento da Humanidade que permitam especialmente em Portugal. As al- mas agora mais árido. Em Portugal,
mitigar, dentro do possível, os impactos terações climáticas caracterizam-se a área em que a precipitação anual é
das alterações climáticas e delinear estra- por um aumento da temperatura inferior a 400 milímetros por ano tem
tégias de adaptação que possam limitar média global da atmosfera à super- aumentado e inclui já grande parte do
os danos. Não me parece que haja muito fície (aquecimento global) e por uma Alentejo. O clima na Península Ibérica
espaço de manobra nem lugar para mui- maior frequência e intensidade de tornou-se mais quente e mais seco, o
tas ilusões. Se não formos nós a cuidar do eventos meteorológicos extremos, que, em especial nas regiões do Sul,
clima, será o clima que cuidará de nós. tais como ondas de calor, secas e afeta a disponibilidade de recursos
LUCÍLIA MONTEIRO
VIANA DO CASTELO
O
anos em tantas partes do mundo. Esta
*Investigador principal no Instituto D. Luiz, da Faculdade incidência de extremos de temperatura
de Ciências da Universidade de Lisboa acarretará um acréscimo impressionante
de mortalidade e morbilidade por gol-
pes de calor, doenças cardiovasculares
e respiratórias, alergias, etc.
O último relatório do IPCC, divulgado resultaram em crescentes emissões Se falarmos de água, a fração de
em agosto e baseado em 14 mil artigos de gases de estufa e em modifica- população global exposta a escassez de
científicos, retrata com uma solidez ções do uso do solo; 2) o clima está a água para o limiar de 1,5º C será 50%
ímpar a evolução do sistema climáti- mudar a um ritmo sem precedentes menos do que para o limiar de 2º C, o
co passado e as projeções futuras, de cifrando-se o aquecimento global em que se traduzirá em menos 184 a 270
acordo com diferentes cenários so- 1,1º C relativamente ao período pré- milhões de pessoas. Esta escassez de
cioeconómicos (e as correspondentes -industrial; 3) as novas metodologias água é cumulativamente resultado do
concentrações de CO2). Esta robustez de atribuição e o acelerar da mudança aumento da temperatura e do aumento
alimenta-se numa quantidade sem climática mostram que as atividades da frequência de secas, e não diz respeito
precedentes de observações da Terra, humanas contribuem diretamente só ao mundo rural, de todo. Projeta-se
em modelos físico-matemáticos de para o aumento da frequência e in- que, nas zonas urbanas, mais 61 milhões
nova geração do sistema terra e em tensidade dos extremos, tais como de pessoas estarão sujeitas a seca severa
novas metodologias de atribuição e ondas de calor, precipitação extrema quando se compara os dois níveis de
compreensão dos fenómenos climá- e secas agrícolas e ecológicas; 4) nos aquecimento para o fim do século. Em
ticos, e em particular dos extremos. cinco cenários de emissões avaliados, resultado de um sistema climático mais
O relatório é claríssimo na carac- o limite de 1,5º C será atingido e mes- energético, a frequência e intensidade
terização dos diferentes futuros para mo excedido nos próximos 20 anos. de incêndios e de extremos de preci-
o clima, em resposta às diferentes No cenário mais gravoso, esse limiar pitação também se estenderá a muito
trajetórias de emissões, e na absoluta poderá ser já ultrapassado na presente mais regiões do mundo, no caso do
urgência de mitigação das mesmas. década. No entanto, no cenário com limiar de 2º C.
De uma forma sintética, podem sa- forte mitigação de gases de efeito
lientar-se as seguintes mensagens- estufa, a temperatura global prova- OS POBRES SÃO QUEM MAIS SOFRE
-chave: 1) as alterações climáticas velmente cairá no final do século e O aquecimento global diz também
são indubitavelmente da responsa- estabilizará abaixo de 1,5º C; e, 5) uma respeito aos oceanos, o que provocará
bilidade das atividades humanas, que forte e pronta redução de emissões é uma elevação da acidez e diminuição do
VIVER A CRÉDITO
Por quanto mais tempo a insustenta-
Este ano, temos visto pequenas amostras do que aí bilidade em que vivemos é suportável
vem. E falta-nos tempo até que a Ciência chegue pela Terra? Neste ano, a 29 de julho,
à tecnologia necessária para a transição energética atingimos o Earth Overshoot Day (dia
da sobrecarga da Terra). Todos os anos,
este dia ocorre mais cedo. Daí até ao fi-
POR CARLOS A. CUPETO nal do ano, durante cinco longos meses,
vamos viver com o que não temos. Isto
é possível durante mais quantos anos?
Se atendermos que o primeiro semes-
tre de 2021 foi, comparativamente, um
tempo de pouca atividade económica,
este facto é assustador.
E em Portugal? Absurdamente, por
cá este dia atingiu-se dois meses e meio
mais cedo: a 13 de maio, esgotámos os
H
nossos recursos. Dizem-nos que Lisboa
* G eólogo, professor na Universidade de Évora e membro é Capital Verde da Europa, que somos
do Conselho Coordenador da SEDES de Évora “o professor da transição energética na
Europa” (ministro Matos Fernandes),
mas, na verdade, somos pobres e não
suficientes, um País com uma densi-
Há quase uma década, Stephen Em- aumentou 500% e ainda assim a fome é dade populacional cada vez mais baixa,
mott, no seu livro Dez Mil Milhões – um flagelo. Tudo se pode resumir numa e como resultado desta triste equação
Enfrentando o Nosso Futuro, escreveu só palavra: consumo. Consumir cada vez gastamos aquilo a que temos direito
preto no branco sobre a causa de todas mais, com uma enorme intensidade, é em pouco mais de cinco meses. Vamos
as coisas: “Somos muitos.” Ou seja, a um desígnio do nosso modo de vida, estar sete meses a viver do que não te-
explosão demográfica tudo explica. O incapaz de suportar o conceito de “sus- mos e que pertence a outros; gastamos
aumento da população é o único sentido tentabilidade”. A receita, conhecida por e não produzimos. Como é possível
da História da Humanidade e é o que transição energética, que nos soa bem e tal absurdo? Diga-se que, no geral, o
provoca o efeito “alteração climática”. é incontornável, é uma mudança radical desempenho da Europa é miserável.
Afinal, com esta realidade, a sustenta- e abrupta com consequências imprevi- Apesar de tudo, a China atinge o Earth
bilidade, de que há décadas todos fala- síveis; a vida como não a conhecemos. Overshoot Day (7 de junho) bem mais
mos, é insustentável. A agonia da Terra, Há décadas que as consequências são tarde do que a generalidade dos países
devido ao esgotamento de recursos e conhecidas e estão previstas. Os 14 mil europeus; quem diria? O próprio Brasil,
aos significativos impactos irreversí- artigos científicos que sustentam o mais tão questionado pela Amazónia, um
veis nos seus ciclos naturais, é grande recente relatório do IPCC não deixam verdadeiro produtor alimentar do pla-
e real. Como se isto não bastasse, a dúvidas: o difícil é encontrar um só ar- neta, atinge a sobrecarga a 27 de julho.
verdade não é assumida; pelo contrário, tigo que aponte um caminho, um con- Mesmo os mais otimistas, ou dis-
é rodeada por “soluções” que não con- junto de soluções que evite o acidente traídos, deram-se conta de que, nos
duzem a qualquer mudança; fica tudo e que nos situe na tal transição. A China últimos meses, um pouco por todo lado,
na mesma, porque é o essencial para o retirou centenas de milhões de pessoas ocorreram algumas pequenas amostras
modelo vigente. É assim que chegamos da pobreza, essencialmente através do que acontecerá: contingências na-
à Glasgow Climate, a 26ª conferência. de centrais de carvão a baixo custo. É turais nunca antes vistas, de Natureza
É óbvio que Glasgow não vai ser sig- esta tecnologia que anda a exportar imprevisível (o quê? quando? e onde?),
nificativamente diferente, não pode ser pelo mundo, nas zonas mais pobres de cada vez mais frequentes e com efeito
diferente. Alguns cientistas começam a África e da Ásia. Entre 2000 e 2018, a mais significativo. Isto é, ocorrências a
admitir que uma mudança significativa China triplicou a quantidade de carvão roçar o inimaginável. Como sabemos,
do nosso modo de vida não é possível e consumido. Na verdade, apesar de tudo Portugal tem uma localização, geo-
teria consequências ainda mais catastró- o que se propagandeia, os combustíveis gráfica, de grande exposição atlântica
ficas. Assim, o enorme desafio que te- fósseis fornecem cerca de dois terços da e tectónica particularmente sensível.
mos em mãos não tem solução única ou eletricidade mundial, contra os 7% das Estamos numa encruzilhada civi-
simples e exige, no mínimo, a verdade. renováveis. Dizem-nos que mudanças lizacional e temos de responder com
Sabemos que a Terra é finita e que to- de políticas, designadamente através de seriedade: como atingir a neutralidade
dos temos direito a recursos e a alimen- taxas verdes mais consistentes e fortes, carbónica garantindo energia fiável
tos. Em 50 anos, a produção de carne nos conduzirão à transição energética; disponível a toda a hora? visao@visao.pt
MOTO GP | PORTIMÃO
1 O QUE SIGNIFICA COP26?
COP é a sigla inglesa para Con-
ference of Parties – Conferência das
Partes. A designação oficial é Confe-
rência das Nações Unidas sobre Al-
terações Climáticas. Esta é a 26ª vez
que os Estados-membros se reúnem
numa COP. A primeira conferên-
cia realizou-se em 1995, em Berlim,
mas foi semeada em 1992, durante a
Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro,
quando se criou a Convenção-Quadro
das Nações Unidas para as Altera-
ções Climáticas, no âmbito da qual se
reúnem as “partes”, em conferências
(quase sempre) anuais.
DO QUE
Ambition (Juventude pelo Clima: Fo-
TUDO RESOLVIDO? mentando a Ambição), evento com a
BEM-SUCEDIDAS
Pelo contrário. Os EUA tinham aca- participação de jovens delegados que
bado de eleger o Presidente George serviu de preparação para a COP26.
7 ENTÃO, É UMA
CONFERÊNCIA FECHADA,
SÓ PARA POLÍTICOS?
Não. As COP, sobretudo as mais de-
cisivas (como esta), contam sempre
com milhares de participantes de
organizações não governamentais,
empresas e grupos de cidadãos que
organizam exposições e palestras no
recinto da iniciativa. A ideia é dar a
conhecer problemas relacionados com
as alterações climáticas e/ou apresen-
tar soluções, tentando pressionar os
delegados e influenciando a opinião
pública, através dos (muitos) jornalistas
presentes. Por exemplo, é natural que
haja “banquinhas” de um país como
Vanuatu, a mostrar a quem passa por
ali os problemas com que o pequeno
Estado insular se está a debater face
ao aumento do nível médio do mar.
8 PORTANTO, POSSO
ASSISTIR OU PARTICIPAR?
Depende. As negociações propria-
6 QUEM VAI À COP?
As Conferências das Partes são
mente ditas são à porta fechada. Só
os delegados e representantes das
constituídas por longas reuniões (fe- “partes” (governos e blocos, como a
chadas ao público) entre representan- UE) têm acesso. O público em geral,
tes dos vários países. Para esta COP, por seu lado, não tem sequer a pos-
estão registados mais de 20 mil dele- sibilidade de inscrição que dá acesso
gados que vão negociar uma miríade ao interior do recinto, mas muitas
de pormenores relacionada com a organizações não-governamentais e
mitigação e a adaptação às alterações intergovernamentais, com estatuto
climáticas. A maior parte dos países de entidades observadoras, podem
far-se-á representar também, nos A GRANDE INCÓGNITA inscrever mandatários. A lista tem
primeiros dias, pelos respetivos chefes Xi Jinping deu a entender que
cerca de 2 500 instituições. De Por-
de Estado ou primeiros-ministros (e não vai a Glasgow – um péssimo tugal, só constam duas: a Euronatura
nos últimos dias pelos ministros do sinal para o sucesso da cimeira, e a Faculdade Nova da Universida-
Ambiente), o que poderá dar um fôle- mas, se à última hora decidir ir, de de Lisboa. Os jornalistas podem
go extra às ambições da COP. É quase será um balão de oxigénio para igualmente pedir acreditações, mas os
certo que Joe Biden estará presente. as negociações. O Presidente novos pedidos fecharam no dia 8, por
Xi Jinping, no entanto, ainda não deu chinês não sai do país há quase ter sido atingido o limite de espaço.
qualquer indicação nesse sentido, dois anos, devido sobretudo à
apesar de a China se mostrar arrojada
nas suas metas climáticas – anunciou,
Covid-19 (a China tem restrições
muito apertadas para os seus
9 NESSE CASO, SEM PASSE
PARA O SEC CENTRE, NÃO
por exemplo, a neutralidade carbónica cidadãos), pelo que a sua VALE A PENA IR A GLASGOW?
para 2060 (dez anos depois da União participação colocaria a COP26 Vale, sim. Passa-se muita coisa no
Europeia), o que, a verificar-se, seria ainda mais no centro da política exterior. Aliás, é cá fora que vai estar
notável num país com um PIB per ca- mundial. Os olhos estão todos a maior animação: são esperados mi-
pita que é ainda menos de metade do voltados para Pequim. lhares de ativistas que deverão organi-
DE CAIR 45%
um máximo de 2 ºC, com o objetivo Os olhos vão estar (quase) todos vol-
ótimo de 1,5 ºC. Mas o documento é tados para a China, de longe o maior
XV BIENAL
que não iria a Glasgow, mas a meio de
outubro cedeu à pressão e anunciou
a sua presença. Finalmente, a Índia
continua a ser uma incógnita: o ter-
ceiro maior emissor mundial parecia,
em 2019, preparado para anunciar uma INTERNACIONAL
data para a neutralidade carbónica,
quando a pandemia se abateu e levou CERÂMICA ARTÍSTICA
ao adiamento da promessa. AVEIRO
16 E OS EUA?
Agora, estão aparentemente
comprometidos com a descarboniza-
ção: Joe Biden tem dado sinais muito
sérios nesse sentido, sendo que o mais
relevante é a promessa de cortar para
metade as emissões do país até ao fim
desta década. Mas os americanos já nos
habituaram a dar dois passos à frente e
um passo e meio para trás, nestes as-
suntos do clima, o que acaba por levar AVEIRO MUSEUMS
ao fracasso dos acordos internacionais.
Em 2001, George W. Bush retirou o
país do Protocolo de Quioto (o primei-
ro grande acordo global de combate
às alterações climáticas), que havia
sido assinado pelo seu antecessor, Bill
Clinton. Em 2016, foi a vez de Donald 30.10.2021 > 30.01.2022
Trump rasgar o Acordo de Paris.
Há um
futuro para
abastecer
Um futuro mais verde. Mais sustentável. Um futuro movido a inovação
com energias limpas e recursos que aceleram a transição energética,
como o hidrogénio. É esse futuro que estamos a construir na Galp.
Descubra o caminho que estamos a fazer em galp.com
João Pedro Matos Fernandes
É a investir na
sustentabilidade
que vamos fazer
a economia
crescer
O ministro do Ambiente acredita que a
atual crise energética deve ser um aviso
para se avançar mais na descarbonização
e, com isso, até se criar um novo modelo
de desenvolvimento económico, capaz de
gerar mais riqueza e empregos. Quanto às
alterações climáticas, avisa que Portugal é
um dos países mais ameaçados na Europa.
“Perdemos 13 quilómetros quadrados de
praias nos últimos 30 anos”, lembra
R U I TAVA R E S G U E D E S E L U Í S R I B E I R O MARCOS BORGA
C
Com o clima a aquecer, vamos continuar
a ter fogos. “O que não podemos é ter
grandes incêndios, e para isso temos de
transformar a paisagem”, diz João Pedro
Matos Fernandes, 54 anos, ministro
do Ambiente e da Ação Climática, em
vésperas de partir para Glasgow, onde vai
participar na COP26, a Cimeira do Clima
em que se vai tentar alcançar um acordo
num plano para se reduzir as emissões de
gases com efeito de estufa.
Em vésperas da cimeira de Glasgow,
o mundo está mergulhado numa
crise energética que dá o retrato
exato do quanto somos dependentes
dos combustíveis fósseis. Será
que na COP26, mais uma vez,
os líderes mundiais vão adiar as
grandes decisões para o futuro, por
estarem apenas preocupados com os
problemas do presente?
Não, porque aquilo que está a criar esta
crise energética é a dependência que
o mundo ainda tem dos combustíveis
fósseis. No caso de países como Portugal,
isso é ainda mais evidente, porque não
só não temos nem queremos ter nem
explorar qualquer combustível fóssil,
até porque temos água, sol e vento para
podermos produzir 100% da eletricidade
que consumimos. Já produzimos 60%,
e é também por isso que temos hoje o
terceiro preço mais baixo da eletricidade
no mercado grossista da Europa. Eu sei
que o preço é alto, mas é sempre só isso
que é noticiado. Não é noticiado que
Portugal, precisamente por já ter esta
penetração de renováveis, tem amortecido
o preço da eletricidade.
Não acredita, então, que os altos
preços da energia no mercado
internacional sejam um entrave a uma
COP bem-sucedida?
Antes pelo contrário. Quanto maior for
a percentagem de eletricidade produzida
a partir de fontes renováveis, mais baixo
será o preço da eletricidade. Tiradas as
amortizações, qual é o preço da produção
de eletricidade a partir do solar ou do
vento? Zero! Não tem custo algum.
Mas estamos a ver alguns países a
voltar ao carvão em força. A China
anunciou-o...
Mas isso é devido ao preço do gás. Não
tem nada que ver com a descarbonização.
E o preço do carvão já está igualmente a
bater recordes. Também é mentira, como
já nos tentaram vender, que isto [o preço
da energia] cresceu muito por causa da
taxa de carbono. É falso: a taxa de carbono
representa 10% a 15% do aumento. É
ter coração. Mas, sim, temos mesmo respeitar os locais onde existem
de fazer recuar algumas das casas, cheias. Infelizmente, o risco de
não há volta a dar. cheias é cada vez maior. O facto de
Há planos para avançar com essas chover menos em Portugal não reduz
decisões que serão, naturalmente, em nada o risco de existência de Portugal é um
impopulares? cheias, porque a água, quando vem,
Relativamente ao Litoral, o vem toda de uma vez. país de clima
Ministério do Ambiente tem mais Há alguma situação dessas, de mediterrânico
responsabilidades. Os programas catástrofe iminente, que lhe tire
de ordenamento da orla costeira o sono?
que vai ter sempre
são executados por nós e têm, de Não. Aquilo que fizemos vai fogos. O que não
facto, a previsão de recuo de um ajudando. Todo o sistema de
conjunto de casas que não pode alerta, que não existia, ajuda-nos a
podemos é ter
estar aí. Estamos a falar de uma perceber muito melhor, com horas grandes incêndios,
pequena parcela de Aver-o-Mar, de antecedência, uma eventual
na Póvoa do Varzim, de Pedrinhas, ocorrência de cheias. Além disso, a
e para isso temos
de Cedovém, em Esposende, em articulação com Espanha nos rios de transformar a
Paranhos, em Espinho... Alguns principais é hoje feita ao segundo.
desses aglomerados têm de ser Outro problema desta transição,
paisagem. É o que
deslocalizados. O plano está face às alterações climáticas, é estamos a fazer
aprovado. Quanto às margens das que vamos reformular indústrias
ribeiras, isso é diferente: aí já cabe e criar disrupções no tecido
com os planos de
muito às autarquias, que têm de económico. Isso nem sempre paisagem em curso
28 OUTUBRO 2021 VISÃO 51
A Europa lidera o
mundo na transição
digital? Não.
Perdemos para os
primas baratas. Manifestamente, a sociedade cada vez mais exigente.
americanos e para descarbonização é essencial para se Como podemos avançar na
os chineses. Mas é criar emprego qualificado, riqueza e contabilidade carbónica das
bem-estar. Aqueles que acham que empresas – exatamente com o
o continente mais o ambiente e a economia estão de mesmo rigor com que olhamos
comprometido costas voltadas não têm razão. É a para os seus relatórios de contas?
investir na sustentabilidade que nós Tenho muito boa opinião sobre o
com o combate às vamos fazer a economia crescer, e caminho que a indústria portuguesa
alterações climáticas cumprindo com as nossas metas está e vai fazer. A indústria está
ambientais. Eu sei que às vezes consciente de que, se não reduzir
A descarbonização pede-se ao ministro do Ambiente dramaticamente as suas emissões, vai
é essencial para para não falar disto, que lhe fica ficar fora do mercado. Isso é muito
bem ser agnóstico relativamente claro. Gosto muito das conversas que
se criar emprego ao crescimento da economia. Eu tenho com os industriais, mesmo
qualificado, riqueza não sou. Eu sou pelo crescimento os daqueles setores mais pesados.
da economia. E é investindo na Aliás, as verbas para o próximo
e bem-estar. Aqueles sustentabilidade, em materiais ciclo comunitário, incluindo o PRR,
que acham que que possam durar mais tempo, destinadas à indústria são para a
noutras formas de consumir e de descarbonização e para o aumento
o ambiente e a produzir, na eletricidade a partir da economia circular. É para aí que o
economia estão de de fontes renováveis, em novas dinheiro está canalizado, e também
formas de mobilidade sustentáveis para a transição justa. É essencial
costas voltadas não que a economia vai crescer e gerar criarmos aqui condições para, como
têm razão empregos mais qualificados, numa aconteceu em Leça da Palmeira e
em Sines, apoiar do ponto de vista
social quem está nesses territórios.
Noutros sítios, na indústria com
muitas emissões mas que ainda está
pujante, temos de ser capazes de
apoiar essa mesma transformação
para, por exemplo, deixar de ter um
forno a fuelóleo e passar a ter um
elétrico.
É nessa transição que podem
nascer as crises...
Mas quem andar mais depressa é
quem vai ter vantagem. A Europa
lidera o mundo na transição digital?
Não. Perdemos para os americanos e
para os chineses. Mas é o continente
mais comprometido com o
combate às alterações climáticas,
num compromisso com o cidadão,
num compromisso político e num
compromisso legislativo. E este vai
ser mesmo o segundo driving force
de transformação da economia no
mundo.
O PNEC prevê, até 2030, uma
capacidade instalada de 7 GW
de fotovoltaico centralizado
(parques solares) e de 2 GW
descentralizado (em edifícios
e espaços urbanos). Mas já
começámos a ver casos em que os
parques chocam com os valores
naturais, florestais ou agrícolas.
Não faria sentido uma aposta
maior no descentralizado do que
no centralizado?
Aquilo que vamos ocupar se
fossem os 9 GW seria 0,15% do
território. Conseguir 2 GW nos
Variação da temperatura em °C
FONTE Sexto Relatório de Avaliação – IPCC 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 INFOGRAFIA IPCC/(AR) VISÃO
1,4 oC
e 2060, antes de começar a descer (chegando afetados por inundações costeiras frequentes.
a 1,4 oC, no fim do século). Este aumento já E o mar não ficaria por aqui: mesmo com as
acarreta uma maior frequência de extremos emissões a descer, o nível das águas continuaria
climáticos, mas evita mudanças potencialmente a subir, pelo menos durante mais dois séculos,
catastróficas. ultrapassando os três metros em 2300.
2,7 oC
o planeta está a tomar.
concentração do dobro do CO2, em relação
à era pré-industrial. Os modelos antigos
tinham um intervalo muito grande: de 1,5 a
Emissões de dióxido de carbono 4,5 oC. Os resultados neste relatório foram
Gigatoneladas de CO₂ por ano afinados para 2,5 oC a 4 oC (não pondo,
porém, de parte um aumento de 5 oC). É
140 CENÁRIOS de realçar que o limite mínimo subiu 1
grau e que o máximo apenas desceu meio
120 SSP5-8.5 grau. Ou seja: quanto mais sabemos sobre
o clima, quanto melhor é a Ciência, mais
100
pessimista é o resultado.
80 SSP3-7.0 E em que ponto vamos? Antes de
começarmos a queimar combustíveis
60 fósseis em massa, a concentração de
CO2 era de 280 ppm (partes por milhão).
40
Segundo a NOAA (Administração Oceânica
20 e Atmosférica dos EUA), em 2020 foi batido
o recorde: uma média anual de 412,5 ppm.
0 SSP2-4.5
Apesar dos confinamentos, a subida de
SSP1-2.6 2,6 ppm face a 2019 foi a quinta mais alta
-20 SSP1-1.9 desde que a NOAA tem registos. Só nos
2015 2020 2030 2040 2050 2075 2100 últimos 20 anos, a concentração subiu 12%.
FONTE Sexto Relatório de Avaliação – IPCC INFOGRAFIA IPCC/(AR) VISÃO
3,6 oC
Com estes pressupostos, em 2050 já a
concentração de dióxido de carbono na
É aqui que as coisas começam a descarrilar a sério. O atmosfera é duas vezes maior do que a de
cenário SSP3-7.0 prevê que o crescimento do nacionalismo hoje. A consequência é uma subida média da
dinamitará a cooperação internacional. Os tratados do clima temperatura de 4,4 oC, face à segunda metade
vão perdendo força, face aos interesses egoístas dos Estados, do século XIX (subida média, repita-se: na pior
mais preocupados com a própria competitividade imediata do que com o futuro do das hipóteses, pode chegar aos 5,7 oC, o que
planeta e o bem-estar da Humanidade. Os conflitos avolumam-se, as economias seria dantesco).
crescem lentamente, as desigualdades mantêm-se ou aumentam, o investimento O resultado é um planeta literalmente inabitável
em educação e tecnologia cai a pique. Pouco ou nenhum esforço é direcionado para em várias regiões, junto ao equador, onde o calor,
a mitigação do aquecimento global. O único investimento em alterações climáticas no verão, é tanto que o corpo humano não o
é aplicado na adaptação. A população mundial continua a crescer, atingindo os 12,6 consegue suportar. Ondas de calor que se faziam
mil milhões de pessoas em 2100. O investigador Zeke Hausfather, um dos autores sentir duas vezes por século passam a acontecer
do relatório do IPCC, referiu-se a este futuro como um “mundo à Trump”. praticamente todos os anos. Avolumam-se as
As consequências são devastadoras. A concentração de gases com efeito de mortes provocadas pelos fenómenos extremos.
estufa na atmosfera é o dobro da atual, causando um aumento da temperatura O mar continua a subir, imparavelmente, a
média de 3,6 oC (ultrapassando os 2 oC nas próximas duas décadas). Ondas caminho dos sete metros,
de calor extremas, que aconteciam uma vez por década, passam a ocorrer em 2300. Seria um mundo
quase todos os anos. O nível médio do mar sobe entre 46 e 74 centímetros. Os substancialmente diferente
4,4 oC
refugiados climáticos multiplicam-se, o que, por sua vez, torna os países ainda daquele que temos hoje. Um
mais nacionalistas e protecionistas. mundo à beira do colapso.
Este cenário não é, de todo, o mais provável, mas o IPCC não o põe de parte. lribeiro@visao.pt
A Sustentabilidade
é uma prioridade na Savills
NUNO FIDELES
S E N I O R A R C H I T E C T , B R E E A M A P & S U S TA I N A B I L I T Y
C O N S U LTA N T D A S A V I L L S P O R T U G A L
C
metropolitanas.
oncentramo-nos nos resultados e em melhorias de São uma oportunidade única de transformação com menor
sustentabilidade visíveis, com uma equipa altamente impacto no ambiente e na biodiversidade do que construir de
qualificada de arquitetos, consultores e parceiros, novo, num espaço virgem em termos ambientais.
garantindo uma diversidade de serviços de Con-
sultoria em Sustentabilidade de excelência. PROMOVENDO EDIFÍCIOS SUSTENTÁVEIS
Como acreditamos nas políticas que adotamos, apostámos Na União Europeia, os edifícios são responsáveis por 40%
na mudança de instalações para um edifício por nós projetado das emissões de dióxido de carbono, 35% do consumo de
e reabilitado, com critérios de sustentabilidade e políticas ESG matérias-primas e 50% dos resíduos sólidos que provêm do
que nos vai permitir chegar ao objetivo proposto pela Savills setor da construção.
EMS, que são as EMISSÕES NET ZERO em 2030. Em resposta a esta realidade, os Estados-membros com-
prometeram-se a reduzir, até 2030, as suas emissões em 40%,
TRABALHAR PARA UM FUTURO MAIS SUSTENTÁVEL aumentar a eficiência energética em 32,5% e assegurar 32%
E EFICIENTE de energias renováveis no consumo de energia.
Como membro integrante da BCSD (Empresas pela Sus- O custo acrescido de idealizar e construir um edifício
tentabilidade), a Savills, juntamente com mais 81 empresas sustentável com certificação ao invés de um edifício edifica-
portuguesas, assinou um manifesto no qual se traçam obje- do com as práticas correntes ronda os 4%, segundo estudos
tivos determinantes para a estratégia eficiente de combate ao efetuados na comunidade europeia.
aquecimento global, tendo também como base as orientações
definidas na 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre Al- A AUTARQUIAS PODEM E DEVEM INCENTIVAR A FIGURA
terações Climáticas. DOS EDIFÍCIOS SUSTENTÁVEIS QUE MELHORAM ESTA
Estas premissas, transversais a todas as áreas, devem ter um PERFORMANCE, APOIANDO AÇÕES COMO:
foco na neutralidade carbónica, na mitigação e adaptação às • A redução de emissões de gases com efeito de estufa por
alterações climáticas, procurando a conservação e valorização Edifícios, através da majoração dos incentivos fiscais, como
dos recursos naturais. redução de IVA, em edifícios novos e reabilitados perante o
seu grau de sustentabilidade;
MAS O QUE PODE FAZER O SETOR IMOBILIÁRIO? • A fiscalização e implementação de ações de mitigação na
Desde sempre construímos estruturas para nos proteger gestão de resíduos sólidos de obras;
da natureza e de outras forças, passando mais de 90% das • A implementação da Lei NZEB de modo eficaz;
nossas vidas dentro de edifícios. Claramente, a qualidade • A prioridade aos licenciamentos para edifícios sustentáveis.
destes edifícios tem um impacto social e ambiental crítico Assim conseguiremos reabilitar não só
nas nossas vidas. edifícios, mas também as cidades e de um
Em compromisso com os objetivos de Desenvolvimento modo... sustentável!
Solara4, Alcoutim
A central fotovoltaica,
inaugurada no mês passado,
é a maior do País, com mais
de 660 mil painéis. A potência
instalada é de 219 MW – 4,8
vezes mais do que a famosa
central da Amareleja, que
chegou a ser a maior do
mundo, quando abriu, em 2008
LUÍS BARRA
nho passaria sempre por uma redução
do consumo, pelo fim do capitalismo
como o conhecemos.
Realisticamente, o mundo não está
MARTA BARATA
preparado para uma mudança tão onde funcionavam cinco plásticos da sua vida,
fábricas de roupa matou comprar um saco para
“A chave é
radical. Mas algo substancial terá de
1 134 pessoas, pondo reter as microfibras nas
ser feito, atendendo aos impactos do
a nu as atrocidades da lavagens e organizar
consumir menos”
aquecimento que se sentem hoje e que feiras de trocas. “Como
indústria têxtil – no dia
serão muito mais vincados no futuro. anterior ao desastre, foi gradual, criou raízes,
“A alternativa já está a acontecer”, avisa haviam sido descobertas em mim e em casa dos
Tiago Domingos, professor de Ambien- rachas no edifício, mas meus pais.”
Do seu saco de pano
te e Energia no Instituto Superior Téc- os trabalhadores foram Agora, a atual estudante
retira um novelo feito
nico. “Certamente não vamos conseguir com restos de fios de obrigados a ir trabalhar. de mestrado, a viver em
limitar o aquecimento a 1,5 ºC, e mes- outras manualidades. Esse acontecimento Lisboa, prefere tratar
mo os 2 ºC não são prováveis. Agora, a Puxa de um páreo que mudou a sua forma de bem das peças de roupa
sociedade tem de começar a ponderar estende na relva e desata pensar. Marta aderiu que compra, em primeira
que tipo de transição quer, para que o a tricotar o cachecol que ao movimento Fashion ou segunda mão – não as
debate não seja hipócrita, para que não irá oferecer a uma amiga. Revolution e deixou lava muito, transforma-
continuemos a ter compromissos dos Enquanto isso, explica imediatamente de as, tapando-lhes as
governos que não vão ser cumpridos.” que “nada se deita fora”, comprar roupa. manchas, cosendo
Seja qual for o grau de mudança que consciência – ainda que Esteve dois anos a invadir buracos ou mudando
estamos dispostos a aceitar, a transição inconsciente – que lhe foi os armários da família botões. “As minhas
para uma sociedade mais sustentável transmitida pela mãe. para encontrar peças decisões podem não
implicará sempre sacrifícios. “Mudar Marta, 25 anos, acabou que ninguém queria, fazer muita diferença,
sem dor já não é possível”, diz Ricardo por se formar em Design personalizando-as e porque essas têm de vir
Morgado, cofundador da Loop, uma de Moda, sonhando ir fazendo com que elas das grandes empresas
parar a um gigante da durassem mais. Hoje está poluidoras, mas talvez
empresa especializada em economia
fast fashion. Durante o menos radical, mas, ao consiga levar mais
circular. “Mesmo com a melhor tran-
curso, em abril de 2013, mesmo tempo, habituou- gente a mudar os seus
sição, uma mudança na forma como a se a outras coisas, como comportamentos. A
economia usa os recursos tem custos, deu-se a tragédia de Rana
Plaza, em Daca, capital comer menos carne, ir chave não é consumir
e são muitas vezes os mais desfavore- aos mercados abastecer- diferente, mas consumir
do Bangladesh, quando
cidos que vão pagar esses custos.” se, dizer não a outros menos.”
o colapso de um prédio
Essa transição será – e tem sido
– acompanhada de contestação. Os
combustíveis são o melhor exemplo
de como a maior parte das pessoas não
assim tanto”
na vida das pessoas.” Através da GoParity,
um ansioso climático. por ano, procura meios
já foram apoiados mais de 120 projetos,
Hoje, já consegue viver alternativos ao avião,
num total superior a 8,5 milhões de
melhor com a realidade como o comboio ou
que o rodeia – para isso o autocarro. Quando
euros. Boa parte destes investimentos
Quando estas linhas consiste em projetos de microgeração
forem impressas em também contribuíram as não consegue, tenta
medidas que tomou no compensar as emissões de eletricidade, como a instalação de
papel, Tiago há de estar
sentido de uma vida mais de CO2. “Todos os meses, painéis fotovoltaicos nas instalações de
algures entre São Pedro
sustentável. dou uma contribuição supermercados, fábricas e armazéns. O
do Estoril, na linha de
Cascais, e Glasgow, em Desde logo, largou os para organizações que retorno é feito através da poupança que
Inglaterra, para onde pratos de carne e peixe me ajudam a compensar a empresa consegue por não ter de com-
partiu, procurando a e passou a ter todo o algum comportamento prar (tanta) eletricidade à rede.
forma mais sustentável cuidado com o que veste, mais nocivo para o Neste caso, o mercado funciona por si
de lá chegar, mesmo a optando quase sempre ambiente.” Respondendo mesmo (sobretudo agora, ao preço que
tempo da COP26. Com ele, por peças em segunda a um questionário está a energia). Para que as mudanças
seguiram mais 11 jovens mão. E até poupa no acerca dos hábitos aconteçam, no entanto, são fundamen-
com o mesmo objetivo. papel higiénico (são de alimentação, de tais incentivos induzidos por políticas
Apesar de ter apenas precisos 140 litros de transporte, consumo e públicas. Por exemplo, no sentido de re-
25 anos, antes de água para produzir um energia, chega-se a uma duzir as emissões da aviação, o governo
entrar neste desafio, só rolo). Mas, para ele, o mensalidade que varia de França pretende banir as viagens de
Tiago Marques, facto de, no seu trabalho, consoante o resultado. avião domésticas, enquanto o da Suécia
atualmente a trabalhar guiar associações e Objetivo número um: ser aposta em viagens noturnas de comboio
como consultor numa empresas no percurso de carbon positive. Ou seja,
para substituir os voos. Na alimentação,
empresa de economia transição para um modo ter um estilo de vida que
estuda-se a implementação de taxas so-
circular em Barcelona, de estar mais ecológico é cause uma absorção de
o que marca a diferença. CO2 superior ao que é
bre a pegada carbónica dos produtos, de
palmilhou muita estrada modo a provocar alterações maciças de
nesta batalha contra “Através do exemplo, dá emitido.
comportamento. Porque as pessoas até
são sensíveis às dores da Terra – mas
precisam de um empurrão na direção
certa. lribeiro@visao.pt
Volvo e o objetivo
neutralidade
A Volvo Cars quer ser uma empresa neutra para o clima até 2040. Para atingir este
objetivo quer em pôr em prática um conjunto de medidas. Entre elas, produzir 100%
de automóveis elétricos até 2030, reutilizar peças e eliminar do couro nos automóveis.
Assume, por isso, o compromisso de reduzir em 40% as emissões, ao longo do ciclo
de vida de cada veículo, até 2025
N
ão há tempo a perder quando se trata de de mi- ciclo de vida de cada veículo, até 2025. Para isso, vai aprovi-
nimizar os impactos das alterações climáticas no sionar e produzir energia com impacto neutro no clima, além
planeta em constante mudança. Consciente dessa de melhorar a eficiência energética das fábricas. Lidar com as
necessidade, a Volvo Cars aposta num novo para- emissões ao longo da cadeia de valor é, assim, uma meta a atin-
digma: ser uma empresa neutra para o clima até 2040. Para gir, nomeadamente através do recurso de energia mais neutra
atingir este objetivo, a Volvo Cars delineou uma conjunto de em termos climáticos, seja nas operações ou nos fornecedores,
estratégias, como reduzir em 40% as emissões, ao longo do além de fazer um melhor uso dos materiais e dos componentes.
Maximizar o recurso a peças recondicionadas que utilizam
cerca de 85% menos matérias-primas e menos 80% de
energia é outra das estratégias. Só em 2020 a Volvo poupou
quase 3000 toneladas de CO2 com o recondicionamento de
40 mil peças. Também nesse mesmo ano, reciclou 95% dos
resíduos de produção, o que significa que, além de evitar a
criação de emissões de carbono adicionais, manteve materiais
valiosos em circulação, reduzindo a quantidade de material
virgem para os produzir. Em 2020 reciclou mais de 176 mil
toneladas de aço, por exemplo, evitando, assim, a produção
de quase 640 mil toneladas de CO2. Este contributo foi uma
mais-valia para o planeta.
Outro ponto forte da Volvo é a utilização de cobalto de ori-
gem responsável. Este é um elemento vital na produção de
baterias para automóveis elétricos. A marca optou por uti-
lizar a tecnologia blockchain para aumentar a transparência
e rastreabilidade da cadeia de abastecimento, para assegurar
que as informações sobre a origem dos materiais não são
alteradas. Vai ainda banir o couro nos automóveis elétricos,
sendo este substituído por materiais de alta qualidade, sus-
tentáveis e de base reciclada.
PS e PCP
A longa história
“Os pactos sem
a espada são
apenas palavras
e não têm força
de um conflito
para vincular
ninguém”
Thomas Hobbes
Filósofo político inglês
(1588-1679)
F
histórica que caucionou o golpe dos Capitães de
Abril. Nesse preciso momento, começava uma
guerra surda, que, pouco depois, se tornaria ruidosa
Ao menos,
bom senso...
P O R J O S É C A R L O S D E VA S C O N C E L O S
E
screvo antes da votação do próximas legislativas, a esquerda, no
Orçamento do Estado (OE), seu conjunto, sairá enfraquecida em
para só ser lido depois dela. relação às anteriores; e que,
E, face ao seu anunciado Quarto, serão o BE e o PCP que
chumbo por BE e PCP, uma mais perderão, correndo o risco de
coisa me ocorre, do domí- ficarem mesmo bastante reduzidos
impôs acordos de surpresa, apenas para nio quase do humor negro: a – não compreendendo como não
garantir o poder é, senão injusta, pelo única forma de o atual Go- aprenderam certas lições (p.ex., o
menos, desatenta. Na própria noite elei- verno do PS se manter seria os par- BE, o resultado de Marisa Matias nas
toral, Jerónimo de Sousa declarava que o tidos à sua direita apresentarem… presidenciais);
PS só não seria governo se não quisesse. uma “moção de censura”! Porque, Quinto, dessa sua menorização po-
As peças uniam-se. António Costa era o se PSD e/ou CDS a apresentas- derá resultar um “voto útil” em favor
único dirigente do PS com capacidade sem, apesar de tudo BE e PCP não do PS, por a única possibilidade de um
para construir uma relação de confiança: votariam a seu favor – e a moção governo de esquerda ser o PS obter
filho de um militante comunista, ele es- não passaria. Só que, sendo o OE uma maioria absoluta – o que, aliás,
teve nos bastidores da coligação PS/PCP, chumbado pelos partidos à direita neste momento se afigura dificílimo,
em Lisboa, em 1989 e sempre execrara o do PS, por ser muito de esquerda, se não impossível;
BE, o que o resguardava dos ciúmes co- chumbando-o também os partidos Sexto, e dado que não serão BE e
munistas face à necessidade de integrar à esquerda do PS fa- PCP a formar governo,
os bloquistas na solução. Neste 24 de zem o mesmo, e com nunca, após eleições,
novembro, um Presidente Cavaco Silva idênticas consequên-
Perece que eles conseguirão o que
contrafeito e com cara de enterro “indica” cias, que fariam se vo- a única forma agora não conseguem.
– evitando o verbo “indigitar”... – António tassem a favor duma de o atual Pelo contrário;
Costa para formar governo, impondo que moção de rejeição... Sétimo, se o PS tiver
os acordos celebrados à esquerda tenham Se m e n t ra r e m
governo do maioria absoluta, quan-
versões escritas. O que se revelará um eventuais anterio- PS se manter do muito manterá o que
seguro de vida para a primeira legislatura res responsabilidades teria sido os neste OE concedeu, em
da Geringonça... Costa era, assim, convi- também do PS, e na partidos à relação à sua proposta
dado na véspera da efeméride do 25 de justeza e viabilidade inicial; se a maioria for
Novembro, que, há precisamente 40 anos, das propostas de BE sua direita de direita, irá à vida
afastara do poder o PCP e os partidos que e PCP não consagra- apresentarem… muito do que o PS ago-
dariam origem ao BE. Não era apenas um das no OE, face à rea- uma “moção ra propõe de melho-
marco histórico: era uma ironia. lidade atual considero rias para trabalhadores
um erro histórico, uma de censura” e mais desprotegidos,
27/10/2021 O DIVÓRCIO enorme falta de visão bem assim o maior in-
À hora a que fechavamos esta edição, só política e até de bom senso, o chum- vestimento no setor público.
um milagre de última hora podia salvar bo do OE por esses partidos. Porque: Será que é isto que BE e PCP dese-
um Orçamento condenado pela rejeição Primeiro, e mais importante, o jam? Claro que não. Mas então não se
do Bloco e, no final, do PCP. Ainda que interesse nacional, incluindo o dos percebe como é possível acontecer o
alguma das posições se tivesse alterado, é mais pobres e desprotegidos, impõe que já poderá ter acontecido quando
manifesto que a Geringonça “implodira” evitar agora uma crise política, após estas linhas estiverem a ser lidas: BE e
e que PS e PCP terão recuado para detrás a terrível crise pandémica, que ainda PCP chumbarem, e logo na votação na
das velhas barricadas. Para o PCP, seria não terminou, e outras redobradas generalidade, o OE. Chumbarem-no,
sempre doloroso libertar-se do abraço dificuldades; inclusive por não verem consagradas
de urso de Costa, ao qual atribui suces- Segundo, poderá ser posta em cau- propostas em matérias que dele não
sivos desaires eleitorais, em europeias, sa a conquista democrática de derrube constam, antes são tratadas em legis-
presidenciais e, sobretudo, autárquicas. do muro do então chamado “arco da lação específica.
Mesmo com o Orçamento aprovado, o governação”, que mantinha numa Ou será que tudo isto foi um pe-
Governo passava a ser um zombie políti- espécie de gueto PCP e BE; sadelo e, à última hora, deixando a
co, alvo da predação dos seus ex-parcei- Terceiro, uma análise objetiva e irracionalidade e a tentação suicida,
ros. No fundo, o interregno de seis anos inteligente de todos os elementos BE e PCP, com a indispensável frieza,
na longa história de desencontros entre disponíveis – entre os quais os re- lucidez e sensatez, se abstiveram e
PS e PCP nunca terá sido um projeto: a sultados das eleições presidenciais e viabilizaram, na generalidade, o OE?
realidade demonstra que apenas foi o seu autárquicas – impõe concluir que, em jcvasconcelos@jornaldeletras.pt
4º encontro tácito. fluis@visao.pt
A qualidade à
frente de tudo
– até do seu
tempo
A Miele está a lançar uma campanha, a
nível global, para mostrar que os produtos
que disponibiliza são “Quality Ahead
of its Time” (em português, “Qualidade
à Frente do seu Tempo”). Para reforçar
o seu posicionamento no mercado com
os trunfos de inovação, arte, desempenho
e sustentabilidade
M
ostrar aos consumidores que a marca alemã Miele
oferece “Quality Ahead of its Time” é o grande
propósito da campanha que a líder em eletrodo-
mésticos premium, está a lançar em 49 países de
todo o mundo, incluindo Portugal. A marca pretende, assim,
reforçar as mais-valias que tanto a distinguem e posicionam no
mercado com os mais inovadores produtos. Entre elas estão a
sustentabilidade com aposta na eficiência energética, o inovador
e moderno design, assim como a qualidade, desempenho/per-
formance e durabilidade dos equipamentos que disponibiliza.
Todas estas vantagens fazem parte integrante desta campanha.
“Com Quality Ahead of its Time, estamos a passar do produto
ao marketing da marca, dando vida aos nossos valores funda-
mentais”, sublinha Barbara Castegnaro, vice-presidente sénior
de marca e experiência do consumidor. Mais, nota: “os produtos
da Miele sempre foram conhecidos pela sua qualidade imbatí-
vel, mas isso não acontece por acaso. Compre menos, compre
melhor. É por isso que os nossos produtos são simplesmente
uma expressão dos nossos valores fundamentais como orga-
nização”. Axel Kniehl, diretor executivo de marketing e vendas
do grupo Miele, acrescenta, por seu lado, que “à medida que as
pessoas redescobriam a importância das suas casas, tomaram
decisões de compra conscientes com base nos valores pelos
quais a Miele é conhecida.” Mais importante ainda, reforça, assente, no âmbito de uma exigente estratégia de disponibilizar
“exigiram uma qualidade que está verdadeiramente à frente do equipamentos amigos do ambiente, eficazes, inovadores e tec-
seu tempo”. O que vai ao encontro do mote da campanha que nológicos. “A pandemia global mudou o foco das pessoas, fez
realça, assim, todos esses trunfos da marca que fazem dela o recordar aos consumidores o que é realmente importante - e é
que hoje é, fazendo jus ao lema “Immer Besser” (Sempre Me- por isso que a sustentabilidade é cada vez mais uma prioridade”,
lhor) que foi instituído desde a fundação da Miele, em 1899, e nota, por sua vez, Stefan Breit, diretor executivo da Tecnologia.
que ainda agora se mantém. Esta campanha decorre em vários Confiança e credibilidade são também palavras-chave. Segun-
canais, como pontos de venda, display digital e redes sociais. do Axel Kniehl, diretor executivo de marketing e vendas do grupo
Miele, “o último ano, com a sua enorme volatilidade e incerteza,
ESTRATÉGIA PELO PLANETA tem sido duro para todos. No entanto, os consumidores sabem
A Miele conta com uma longa história de vida em Portugal, onde que podem confiar e depender de uma mar-
já está presente desde 1970. Mas é uma marca premium com 122 ca como a Miele” e com um forte contributo
anos de história cimentados na sustentabilidade como ponto para o meio-ambiente e um planeta saudável.
O (vice)
chanceler
verde
Robert Habeck, o
copresidente dos
ecologistas alemães,
ganha protagonismo nas
negociações do novo
governo e prepara-se para
GETTY IMAGES
ocupar uma pasta decisiva
A
FILIPE FIALHO
primeira metade (Gundrem- Se a energia atómica representa 12% e -Holstein – o Land (estado) mais a norte
mingen, Grohnde, Brokdorf) a eólica o dobro, a nova estratégia passa da Alemanha e no qual vive com a mulher
vai fechar já em dezembro. A por investir como nunca nas renováveis, (a escritora Andrea Paluch) e os quatro fi-
outra metade (Isar, Emsland para que estas atinjam 50% quanto antes lhos. Integrando elencos governamentais
e Neckarwestheim) terá o (44,9% atualmente). E um dos responsá- que incluíam conservadores, sociais-de-
mesmo destino ao longo de veis por esse objetivo é Robert Habeck, o mocratas e a minoria frísia, Habeck con-
2022. As centrais nucleares copresidente dos Verdes, cargo que par- venceu toda a gente de que era urgente
alemãs têm os dias contados, tilha desde 2018 com Annalena Baerbock, aproveitar os ventos do mar do Norte e
e nem a vertiginosa subida aquela que foi cabeça de lista do partido instalar turbinas eólicas na região. A reali-
dos preços da energia altera e candidata a chanceler nas legislativas de dade demonstrou que tinha razão, e entre
os planos das autoridades. Depois do de- 26 de setembro. 2012 e 2018 o peso desta energia renovável
sastre de Fukushima, no Japão, em 2011, Este ecologista de 52 anos, que se de- duplicou. A experiência governamental do
a chanceler Angela Merkel decidiu que o dicou à política quando estava prestes a ativista, escritor e tradutor, doutorado em
país tinha de reduzir a dependência do tornar-se quarentão, parece ter o currí- Filosofia, permite-lhe ser agora um ator
átomo, e a promessa está a ser cumprida à culo indicado para tal desafio, se se tiver principal nas negociações em curso para
risca. Desde o início do ano que as famílias em conta o seu desempenho enquanto que a GroKo (a grande coligação liderada
alemãs sentem o aumento dos valores da ministro do Ambiente, da Agricultura e por Merkel) acabe na primeira semana de
eletricidade e do gás natural, mas nenhum da Transição Energética, em Schleswig- dezembro e o novo executivo tripartido
partido se atreve a alterar o calendário de tome posse.
€15 000
encerramento dos reatores germânicos.
“Nenhum político eleito o faria e muito ARTISTA DO COMPROMISSO
menos um governo que inclua os Verdes. Robert Habeck e Annalena Baerbock são
Seria como trair a causa. Poucos temas po- tidos como a dupla realista que se impôs
líticos reunem um consenso tão alargado”, aos fundi, os verdes fundamentalistas que
diz Lion Hirth, especialista em questões ainda defendem a linha original do parti-
energéticas e professor na Hertie School do pacifista e antinuclear dos anos 80 do
de Berlim, à Deutsche Welle. século passado. No entanto, apesar dos
O próximo executivo federal, a designa- 14,8% dos votos recolhidos nas legislativas
da “coligação semáforo” – devido às cores VALOR DA REFORMA DE MERKEL de há cinco semanas, o melhor resultado
dos sociais-democratas (SPD), ecologistas A chanceler deverá manter-se em funções de sempre do movimento que também
(Aliança90/Os Verdes) e liberais (FDP) até 6 de dezembro, data em que pode se reclama ecofeminista, a prestação de
–, vai até acelerar a desnuclearização. tomar posse a “coligação semáforo” Baerbock acabou por desiludir. Este verão,
A
FIAT está a fazer história com a estreia mundial Um carro que cuida da família
do Novo (500)RED, o primeiro automóvel (RED) do Além de os compradores fazerem parte desta mudança, há
mundo a associar-se à associação de Bono, vocalista outras palavras-chave como um futuro melhor ou cuidado
do U2, e de Bobby Shriver, que combate a SIDA que entram logo no ouvido. Ainda que não seja um carro
e a Covid-19. Há uma mensagem subjacente neste (500)RED familiar, este cuida da família, fazendo jus às expressões da
elétrico com o objetivo de “proteger o planeta e a sua gente” campanha: “Feito para o planeta. Feito para as suas pessoas”.
de olhos postos na sustentabilidade ambiental. Com o Uma série especial está, assim, disponível em toda a Fa-
slogan “Made for the Planet, Made for its People”, a mília 500: o Novo (500)RED, (500X)RED e Novo (500e)
RED RED
campanha publicitária do Novo (500) incen- . O vermelha é a característica primordial
tiva potenciais clientes a tornarem-se parte no exterior, desde a carroçaria e logótipos
desta mudança: a proteção do meio ambiente até às tampas dos espelhos e elementos de
e o combate à pandemia. Até porque, cada design nas jantes de liga leve. Esta tonali-
compra de um RED ativa uma doação ao dade também dá cor ao interior: painel de
fundo global para apoiar a prevenção, tra- instrumentos, detalhes de design nos ta-
tamento, aconselhamento, testes, educação petes, e assentos exclusivos feitos com fio
e serviços de atendimento às comunida- Seaqual®, derivados de plásticos recupe-
des mais necessitadas. FIAT, Jeep e RAM rados dos oceanos, com a assinatura FIAT
estabeleceram, assim, uma parceria com a e o logótipo (500)RED no encosto. A paleta de
RED, comprometendo-se com um mínimo de cores da carroçaria abraça outras tonalidades
quatro milhões de dólares, entre 2021 e 2023, específicas para cada modelo.
para apoiar o combate às pandemias, incluindo a Ainda com o propósito da sustentabilidade am-
SIDA e a Covid-19. biental, todos os modelos estão equipados com
Na realidade, “o objetivo não é apenas comer- um filtro de ar tratado com uma substância
cializar automóveis: a nossa nova viagem
tem também a ver com o cuidado e a
A Casa 500 biocida altamente eficaz (>99,9%) contra
vírus e bactérias. Também o volante, os
atenção ao clima, à comunidade e à e La Pista bancos e o interior do porta-bagagens
cultura”, notou Olivier François, CEO A Casa 500 é um novo espaço foram submetidos a um tratamento
da FIAT e CMO da Stellantis, durante de exposição, que faz parte do complexo antimicrobiano eficaz contra vírus e
o evento de apresentação, em Turim. museológico da Pinacoteca Agnelli, com bactérias em prol da segurança.
Mais, sublinhou: “Bono e eu fazemos a pista de Lingotto como pano de fundo. Ao comprar um automóvel da Famí-
também a estreia mundial do Novo Dedicado ao ícone da Fiat, que fez história na lia (500)RED leva para casa um Kit de
(500)RED. A missão deste automóvel indústria automóvel, é também uma viagem Boas-vindas, com um doseador de
é proteger tanto o planeta como as que projeta as raízes da FIAT para o futuro. higienização de mãos e uma capa
pessoas: é elétrico para respeitar o Outro grande trunfo da marca é o La Pista 500, específica de chave para um toque
ambiente e dar um contributo para com mais de 40 mil plantas, sendo final de personalização. Recebe ainda
um futuro mais sustentável”. E rei- o maior jardim suspenso da Europa, uma carta de boas-vindas, assinada
terou ainda que essa missão vai ago- situado na cobertura de uma fábrica por Olivier François e Bono.
ra ainda mais longe em conjunto com do início do século XX. Um pulmão Entre outros trunfos estão o logótipo 500
a RED. “Juntos, queremos combater as dentro da cidade em prol na frente e o logótipo FIAT na porta tra-
pandemias e esta é a dupla mensagem que do planeta. seira, agora em vermelho pela primeira vez
pretendemos transmitir ao mundo”. como uma homenagem à RED. Além do emblema
Há uma década na FIAT, Olivier François realçou que específico na base da janela traseira e o logótipo 500 co-
esta é “atualmente a marca líder da Stellantis em termos de locado ao meio do volante premium com estofos Soft Touch.
volume de vendas, com um milhão de veículos vendidos até A Família (500)RED oferece ainda uma opção extra como
ao momento, em 2021”, anunciando que “a partir de 2023, a contributo para a pegada ambiental:
FIAT revelará pelo menos um novo modelo todos os anos e a scooter elétrica “500 Iride” que é dobrável
cada um deles terá, também, uma versão totalmente elétrica”. e pesa 15 kg.
SAÚDE
N
CLARA SOARES
COM JEJUM E
as mensagens desacreditadas apostados em manipular cidadãos. Quan-
pela Ciência que circulam nas do veio à tona que havia financiadores a
redes sociais, nem todas per-
tencem aos negacionistas de SUPLEMENTOS. pagar a influenciadores na área da saúde
e do bem-estar para dizerem mal da va-
extrema-direita ou aos adeptos das teorias
da conspiração. Algumas fake news são
FOI DESACREDITADA cina contra a Covid-19, surgiu a inevitável
pergunta: o mundo do bem-estar e o ceti-
propagadas entre o movimento “wellness”
e os seus influenciadores têm “culpas no
POR AUTORIDADES cismo vacinal caminham juntos?
Confrontados com a polémica, os gi-
cartório”. Vejam-se estes exemplos sem MÉDICAS gantes tecnológicos apertaram as regras
E N T R E V I S TA
Gilberto Gil
“Criar é resistir.
Resistir é criar”
Stéphane Hessel
Diplomata e escritor
(1917-2013)
2 8 O U T U B R O 2 0 2 1 FOTO:
VISÃ BOB 83
O WOLFENSON
E
E N T R E V I S TA
REVELA O MÚSICO
em 2019, de um ex-militar conhecido por maioria clara sobre Fernando Haddad
declarações a favor da ditadura militar (do Partido dos Trabalhadores), Gilberto
chamado Jair Bolsonaro e uma pandemia Gil está ansioso pelas eleições de 2022, e
pelo meio, que se tornou especialmente como olha para elas. Resposta, em ritmo
sensível e polémica no Brasil. Na faixa pausado: “Julgo que a sensação geral da
que dava título ao disco de Gilberto Gil sociedade brasileira passa pelo reco-
Ok Ok Ok, lançado em 2018 (o seu mais nhecimento de um certo fracasso desse
recente de originais), os primeiros ver- governo, sobretudo na sua conceção e
sos pareciam dar a adivinhar o interesse execução de políticas públicas, na sua
por ouvir as declarações do artista sobre capacidade para gerir o investimento
questões sensíveis: “Ok Ok Ok Ok Ok Ok... do Estado. E há uma questão pessoal:
Já sei que querem a minha opinião/ Um
papo reto sobre o que eu pensei/ Como
interpreto a tal, a vil situação...” E a verdade
PUBLICIDADE
é que queremos mesmo. Gilberto não se
furta a nenhumas questões, mas é cau-
teloso, e sereno, na escolha das palavras.
Afinal, além de ser um dos artistas mais
respeitados da história da MPB, ele pode
ser visto também como ex-político, já que,
entre 2003 e 2008 foi ministro da Cultura
durante a presidência de Lula da Silva.
A ‘VIL SITUAÇÃO’
E como viu, então, a “vil situação” da
pandemia a partir do Brasil? “Senti mais
pesar do que medo pessoal, temor de
ser afetado pela doença”, diz-nos. “Tive
uma sensação mais pesarosa, pelas mor-
tes, pelo sofrimento geral e uma grande
aflição tomando conta da Europa, dos
EUA, de várias partes da América e do
mundo... A cobertura jornalística foi
muito intensa e estávamos em contacto
permanente com as grandes questões
da pandemia nas vidas das pessoas, nas
cidades e os seus isolamentos... Foi mui-
to intenso.” Gilberto Gil passou a maior
parte do tempo fechado na sua casa de
Copacabana, Rio de Janeiro, com umas
fugas cautelosas a “uma pequena pro-
priedade na região da serra lá do Rio”
E N T R E V I S TA
E
S Í LV I A S O U TO C U N H A
stão lá os enquadramentos
medidos com regra e esqua-
dro, personagens fortes, os
rostos expressivos, a experi-
mentação formal, a obsessão
estética. E ainda o preto e
branco sem asperezas, as proezas de luz
e de sombras, as gentes do Douro e do
Porto, o ponto de vista que insuflou a sua
cinematografia premiada... mas tudo em
versão estática. Manoel de Oliveira (1908-
2015), o realizador incansável de filmes
como Vale Abraão (1993) ou Party (1996),
tinha este trunfo escondido no arquivo
pessoal: aí foram encontradas 120 foto-
grafias, captadas entre os finais de 1930 e
o início dos anos 50 – uma interrupção
prolífica, vivida entre o pousio prolongado
a que se sujeitou entre Aniki-Bóbó (1942)
e o seu regresso à cadeira de realizador
com a película O Pintor e a Cidade (1956).
Na sua maioria inéditas, estas fotogra-
fias mostram-se na exposição Manoel de
Oliveira Fotógrafo, patente na Fundação
Calouste Gulbenkian a partir desta sexta-
-feira, 29. Tiradas com a sua fiel Leica, ex-
ploram géneros que, por exemplo, também
Cartier-Bresson (1908-2004) registou: as
paisagens, as naturezas-mortas, os efeitos
óticos, os retratos, os marginalizados, as
invenções da vida moderna como a avia-
ção e a velocidade – a “doença alegre do
século XX” dos jovens de então, aponta a
crítica Maria do Carmo Serén no belíssimo
catálogo bilingue. A fotografia foi também
um laboratório para Manoel de Oliveira.
Escreve o curador António Preto: “O rea-
parecimento destas imagens vem instruir
uma tensão de fundo entre duas formas e
duas linguagens; melhor dito, entre o que
viriam a ser algumas das polaridades fun-
damentais do cinema de Oliveira: tempo e
espaço, estatismo e movimento, narração
e mostração, documento e representação.”
O que mais importa? “Interrogar o modo Paisagem com barcos
como esta convivência entre dois modos
A exposição Manoel de Oliveira Fotógrafo sublinha a influência
de ver e de pensar se corporiza na obra do do amigo e fotógrafo amador António Mendes, que colaborou nos
realizador.” scunha@visao.pt primeiros filmes do mestre, como Douro, Faina Fluvial (1931).
O
convite veio do Miguel Fragata. Tinha em mãos o
objetivo de pôr em cena O Pranto de Maria Parda,
de Gil Vicente, 500 anos depois. Disse-me que tinha
o coração cheio de dúvidas, porque se, por um lado,
nunca tivera simpatia pelo autor, por outro parecia-
lhe importante enquadrar aquele texto nos dias de
hoje. Até porque fazia todo o sentido.
P O R C A P I C U A / Rapper O Pranto de Maria Parda nasceu em 1521, no
rescaldo de um ano de seca, fome e miséria. Maria Parda, mulher,
andrajosa e alcoólica, vagueia pelas ruas de Lisboa em busca de vinho,
incapaz de reconhecer a cidade, desfigurada pela desgraça. Quinhentos