19 de abril a 2 de maio de 2023 JORNALDELETRAS.

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TEMA 7 ↗

CINEMA PORTUGUÊS
Dois filmes de ficção portugueses estreiam-se nas salas amanhã, quinta-feira, 20. E a 27 inicia-se mais uma edição,
a vigésima, do IndieLisboa. O cinema nacional está, pois, em grande destaque. A propósito de Sombras Brancas, uma
adaptação muito livre do livro De Profundis – Valsa Lenta, de José Cardoso Pires, entrevistamos o realizador, Fernandro
Vendrell,e o coargumentista, Rui Cardoso Martins – e sobre o filme e o romancista escreve Lídia Jorge. Nação Valente é a outra
estreia, uma película sobre os fantasmas da guerra colonial, do realizador Carlos Conceição, que também entrevistamos.
Finalmente, percorremos a programação do IndieLisboa, com a ajuda do seu diretor e fundador Miguel Valverde

Fernando Vendrell e Rui Cardoso Martins

José Cardoso Pires
e o lobo da memória
MANUEL HALPERN

E
Em 1997, depois de ter sofrido
um AVC que o deixou às portas da
morte, afetando a sua memória, José
Cardoso Pires publicou De Profundis
- Valsa Lenta, um pequeno livro que
hoje em dia se enquadraria no terri-
tório da autoficção, em que descreve
toda esta experiência. Fernando
Vendrell, que havia levado ao cinema
anteriormente Aparição, de Vergílio
Ferreira, além da série televisiva Três
Mulheres, adapta agora Cardoso Pires.
Mas, na verdade, Sombras Brancas é
mais do que uma adaptação do texto.
Com a ajuda de Rui Cardoso Martins
na escrita do argumento, o filme
parte do episódio hospitalar para
fazer um retrato da vida e da obra do
escritor.
Produtor e realizador, Fernando
Vendrell tem um percurso no cinema
de mais de 30 anos, tendo criado a
produtora David e Golias. Entre ou-
tros, realizou Fintar o Destino (1998),
O Gotejar da Luz (2002) e as séries
Bocage (2006) e O Dia do Regicídio
(2008). Rui Cardoso Martins é um
premiado escritor e argumentista,
autor de livros como E se eu gostasse
muito de morrer (2006), Deixem pas-
sar o homem invisível (2009), Se fosse
fácil era para os outros (2012) e O osso
da borboleta (2014). Prepara-se para
lançar o livro de contos Passagem
Sombras Brancas, de Fernandi Vendrell Rui Morrison, no papel de José Cardoso Pires
pelo Vazio, pela editora alentejana
Filigrana.
JL: Depois de Aparição, de Vergílio
Ferreira, De Profundis, Valsa Lenta,
de Cardoso Pires. Porquê?
Fernando Vendrell: A intenção de
fazer a adaptação do De Profundis,
Valsa Lenta é anterior a Aparição.
Quis trazer para dramaturgia uma
história transcendente, maior do que
a própria vida. Questionei através
desta opção a ideia de espetaculari-
dade do cinema. Não é um filme onde
caiam 20 aviões, com explosões ató-
micas, mas faz por trazer algo superi-
or à escala humana para o cinema.
Fala de um escritor que é afetado por
um AVC e perde a sua capacidade
de comunicar. A ligação com a sua
memória é muito forte, mas bastante
abstrata para trazer para um contexto
de dramaturgia cinematográfica. Foi
um objeto difícil. Comecei a desen-
volver a ideia em 2011 e, com a ajuda
do Rui, a partir de 2015.
Na verdade não é propriamente
uma adaptação do livro, é mais um
pretexto para falar da vida e da obra
do escritor…
Rui Cardoso Martins: É o centro da
coisa.
FV: Muita gente relocaliza isso.
Quando há um momento de quase
morte consegue-se ver desfilar a vida
inteira numa fração de segundo. Em
termos de dramatização houve a di-
latação do processo. Pegando na ideia
do João Lobo Antunes de que o lobo da
memória foi afetado e o da criativida-
de não. E pela forma como o escritor
guardava a memória conseguiu repor a
sua personalidade. Isso levou-nos para
a ideia de que o filme poderia conden-
sar o espaço de memória criativa que
existe na mente do escritor. E trazer
uma mistura de pessoas conhecidas,
figura retratadas, personagens, para
o contexto da situação que estava a
viver. Não é uma adaptação, mas foca
todo o processo que levou à escrita
daquele livro de uma forma real.
RCM: Algumas questões que apare-
cem do filme são memórias famili-
ares, da maneira como encarava o
trabalho, de como eram os fins-de-
-semana, o seu feitio na intimidade.
Mas a nossa pesquisa foi bastante ex-
tensa. Passou por uma leitura da sua
formação como escritor, das histórias
de amor, das crónicas da Almirante
Reis, as histórias que soube através de
amigos escritores e a memória pesso-
al. Falamos disto de forma concreta e,
Saber quem é a ao mesmo tempo, através de brumas.
Alexandra Alpha não é De onde vem o título?
determinante para fruir FV: Há uma áurea de cinefilia, que
propaguei um pouco no filme, que aju-
o filme. A maior surpresa dou a compor o seu universo. Sombras
é a história de amor Brancas é um filme do Nicholas Ray
que vi nos anos 80 no Roxy, tem o títu-
entre o Zé e a Esquilo lo original Savage Insense.
Fernando Vendrell RCM: É uma expressão que ele utili-