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O CASAMENTO E A FAMÍLIA A LUZ DA TEOLOGIA DE EFÉSIOS: Uma análise


de Efésios 5.21 - 6.9

Maria Hortencia Costa Ferreira1


Fernando de Jesus Silva Mendes2
Francisco de Assis Frazão da Cruz 3
Orientador: Profº Antônio Augusto L. Ferro4

Resumo: Na Carta aos Efésios, o casamento e a família são abordados como


modelos para falar do relacionamento entre Jesus e a sua Igreja. A passagem de Ef
5.21 - 6.9 vem mostrar que, na sociedade, existe uma hierarquia nas funções do
homem e da mulher, do esposo e da esposa, dos pais e dos filhos, e dos servos e dos
senhores. Nessa organização social, era possível introduzir uma nova base,
reformada pela ordem estabelecida na Igreja: o amor de Jesus pela Igreja e a
submissão da Igreja a Ele. O artigo tem como objetivo discutir este assunto através
de uma abordagem literária, teológica e pastoral.

Palavras-chave: efésios; casamento; família; jesus; igreja.

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que, o apóstolo Paulo escreveu a Carta aos Efésios enquanto passava
por uma de suas prisões (Ef 3.1; 4.1), portanto, além da teologia aprofundada, esta
carta possui uma importante peculiaridade: a experiência da fé nas dificuldades da
vida. Apesar de a Carta ter sido endereçada aos Efésios, há grandes indícios de que
ao ser escrita, o objetivo era que fosse lida em várias comunidades cristãs da Ásia
menor, como: Laodicéia, Hierápolis e a própria Éfeso.
Quanto a autoria paulina de Efésios e os argumentos que tem mais força para
sustentá-la, os comentaristas neotestamentários, Carson, Moo & Morris afirmam que:
A carta diz ter sido escrita por Paulo, não somente na introdução (1.1), mas
também no corpo da carta (3.1). Afirma-se que deve se considerar que
qualquer carta da antiguidade foi escrita pelo autor que ela menciona, a
menos que haja fortes indícios em contrário. Existem muitas notas pessoais:
por exemplo, o autor ouviu acerca da fé e amor dos leitores (1.15) e agradece
e ora por eles (1.6); ele chama a si mesmo de “o prisioneiro de Cristo” (6.19-
20). Esse tipo de coisa não é prova cabal, mas indica que o homem que

1
Graduando em Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakam.
2
Graduando em Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakam.
3
Graduando em Bacharel em Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakam.
4
Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano de Anápolis – GO (SPRBC); Bacharel em
Ciências Contábeis pela UFMA – MA e Licenciado em História pela UEMA – MA. Professor de
Teologia pelo Centro de Estudos Bet-Hakan.
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afirma ser Paulo era conhecido dos leitores e estava seguro de que essa
afirmação não seria repudiada. (CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 336).

Como notamos, então, pelo comentário dos autores acima, há fortes indícios
que Efésios foi escrita pelo apóstolo Paulo quando este ficou em prisão domiciliar em
Roma, possivelmente, durante o reinado do imperador romano Nero (60-62 d.C), e as
evidências interna da Carta aos Efésios nos mostram a sua autoria paulina, sendo ela,
uma das chamadas “cartas da prisão”, juntamente com Colossenses, Filipenses e
Filemom.
O erudito Blomberg (2019) comentando, também, sobre a autoria paulina de
Efésios e o seu caráter circular nos diz que “por fim, uma sugestão frenquente tem
sido que Paulo compôs essa carta como uma encíclica ou carta circular, de modo bem
parecido com Apocalipse (veja Ap 2-3) dirigida tanto a Éfeso quanto as igrejas
próximas”.
Vemos também que Efésios possui várias semelhanças com a Carta aos
Colossenses, como nos quesitos de vocabulário e de temática. Marshall (2007)
comentando sobre isso, postula que “o formato geral de Efésios, com sua clara
divisão, entre doutrina e comportamento cristão, é o mesmo de Colossenses e
Romanos”. Porém, possui uma evidente diferença: enquanto Colossenses tem como
ideia central a identidade e a missão de Jesus Cristo, Efésios centraliza sua ideia na
identidade e a missão da Igreja. Quanto a isso, Blomberg elenca que:
(...) Em segundo lugar, Efésios e Colossenses se mostram bem mais
parecidas no conteúdo, na estrutura e, às vezes, até mesmo em fraseologia
exatamente igual do que qualquer outro par de cartas atribuídas a Paulo. Por
exemplo, ambas contêm regras da casa parecidas (E f 5.22— 6.9; Cl 3.18—
4.1) e pares de frases em que no texto grego até 32 palavras consecutivas
são idênticas (Ef 6.21,22; Cl 4.7,8; cf.tb. Cl 1.14 com E f 1.7). Mais de um
terço das palavras de Efésios reaparece em Colossenses Nota-se que a
estrutura da carta se divide da seguinte maneira: um endereçamento (1.1-2);
dois blocos principais: doutrinação (1.3-3.21) e exortação (4.1-6.20); e
considerações finais (6.21-24). (BLOMBERG, 2019, p.405).

Como observamos de acordo com o pensamento acima, as teologias de


Efésios e Colossenses são fortemente similares, suas ênfases cristologicas se
repetem, com a supremacia e proeminência de Cristo na criação e redenção, bem
como, vários temas éticos-espirituais que aparecem em ambas, como a nova vida
regenerada e as implicações éticas daqueles que estão unidos misticamente em
Cristo, daí o porquê, em ambas as cartas repete-se a expressão “em Cristo”.
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Quanto a estrutura literária da Carta aos Efésios, no primeiro bloco (Ef 1.1-
3.21), é destacado o mistério da salvação, que foi preparado, anunciado e consumado
em Jesus Cristo. Vemos, portanto, nesse bloco que Paulo louva a Deus por ter
predestinado os crentes e pela obra de Cristo Jesus que os redimiu através da sua
obra expiatória na cruz, assim como, o papel do Espirito Santo em selar os eleitos. O
erudito bíblico neotestamentário, refletindo sobre os aspecto soteriologicos da
abertuda da Cartas ao Efésios que perpassa por todo primeiro bloco, pontua
brilhantemente que:
A berak é uma declaração de louvor a Deus, identificando como o Pai de
Cristo (conforme 2 Co 1.3; 1 Pe 1.3; Rm 15.6; Cl 1.13), e os vários feitos de
Deus são todos relacionados com Cristo, como o seu agente. Ao término da
declaração, temos também uma referência ao Espírito, cuja a presença nos
crentes é como um selo que confirma serem eles propriedade de Deus.
(MARSHALL, 2007, p. 330).

No segundo bloco, vemos que no bloco literário (Ef 4.1-6.20), Paulo expõe
sobre as responsabilidades espirituais da Igreja e de forma veemente todos os fiéis
para que vivam com dignidade a vocação recebida como discípulos de Jesus, que é
o esposo e cabeça da Igreja, que é seu Corpo. Assim, comentando sobre a ideia
central desse segundo bloco literário de Efésios, Marshall postula que:
O versículo de abertura de Efésios 4 indica o tema geral da segunda parte da
carta, em que se ensinará a conduta adequada ao evangelho apresentado na
primeira parte (cf. Colossenses). A questão proposta em seguida resulta
diretamente do que veio antes; a necessidade de preservar a unidade da
igreja, uma vez que a igreja é única, com um só Deus e possui esperança
para o futuro. (MARSHALL, 2007, p. 335).

Nesse bloco também, os leitores são chamados atenção aos ensinamentos


sobre o casamento e a vida em família, fundamentados no relacionamento entre Cristo
e a Igreja. Refletindo, então, sobre a divisão literária de Efésios, o erudito
neotestamentário Boring elenca que:
A carta está estruturada de acordo com a estrutura dialética bipartida, que se
tornou tradicional na escola paulina (§§10.2.3,15.1.4). A carta se divide
claramente em duas partes, 1-3 e 4-6. A parte um, caps. 1-3, termina com
uma doxologia/bênção e amém. A parte dois, caps. 4-6, começa com um ouv
(oun, portanto), correspondendo a Rm 12,1 e Cl 3,1. (BORING, 2016, p. 590).

Portanto, comentanto sobre a temática central desse bloco literário de Efésios


(Ef 4-6) que compõe a parte ético-espiritual dos crentes, no qual, está inserida a
perícope Ef 5.21 – 6.29, o erudito Blomberg também argumenta que:
Analogamente à análise em Colosscnses 3.5-17, em seguida Paulo enuncia
as depravações fundamentais a serem evitadas e as virtudes a serem
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abraçadas à medida que os efésios continuam no processo em que o antigo


‘eu’ é transformado no novo ‘eu’. (BLOMBERG, 2019, p. 421)

Sobre o assunto que trataremos neste artigo, levantaremos alguns


questionamentos importantes: em Efésios, o casamento e a família serviram de
exemplos para se falar do relacionamento entre Cristo e a Igreja, ou foi o contrário?
Era necessário combater os desvios de doutrina acerca de Jesus e a Igreja, ou
suportar divisões nas famílias, por causa da conversão de alguns de seus membros?
Ainda assim, não há como negar que a passagem de Ef 5.21-6.9 conferiu ao
casamento e à família uma condição especial.

2 A ABORDAGEM LITERÁRIA DE EFÉSIOS 5.21-6.9: UM BREVE COMENTÁRIO


TEOLÓGICO

A perícope de Ef 5.21-6.9 traz exortações baseadas na motivação de Cristo


como o padrão de conduta humana individual e de relação familiar, por isso, é
conhecida como “conjunto de deveres familiares”. O público alvo são as pessoas que
viviam de acordo com o modelo familiar do início do cristianismo.
Portanto, o erudito Marshall, seguindo essa mesmo fluxo de pensamento
quanto aos ensinamentos sobre o principio de sujeição no ambiente da igreja e da
família que Paulo expõe no segundo bloco literário de Efésios, elenca que:
Os crentes devem sujeitar uns aos outros. Não se trata de uma submissão
unilateral, como se deveria esperar da subordinação de esposas, filhos e
escravos nos versisulos seguintes. Os paralelos com Gálatas 5.13 e
Filipenses 2.3 indicam que um genuíno elemento de mão dupla é indicado
por “uns aos outros”. (MARSHALL, 2007, p. 336).

Logo, foca-se em três grupos de pessoas, conforme uma ordem estabelecida


por uma relação de dependência ou de subordinação: esposas e esposos (Ef 5.22-
33), filhos e pais (Ef 6.1-4), servos e senhores (Ef 6.5-9). As motivações das
exortações de conduta moral são de caráter cristocêntrico e eclesiológico, nas quais
o amor ágape supera tanto a ética judaica como a greco-romana da época.
O texto inicia e termina fazendo alusão a Cristo, mencionando sua autoridade:
“Senhor” (6.9). No decorrer do texto, também são usados os termos “Cristo” e
“Senhor”, em detrimento do nome “Jesus”, afim de gerar uma aproximação com os
leitores, tanto para os cristãos originados do judaísmo como do paganismo. O termo
“Igreja” é usado seis vezes e a palavra “corpo” três vezes.
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Por outro lado, a palavra “esposa” aparece nove vezes, já a palavra “esposo”
aparece seis vezes, ambas só no primeiro bloco. Argumentando sobre isso, o erudito
neotestamentário Brown elenca que:
Ef 5,21-6,9 especifica modo de vida cristão em um código doméstico para
esposas/mulheres,filhos/pa\s, servos!senhores. O padrão geral de sujeição/
obediência da primeira parte e a obrigação da segunda parte (a quem se deve
a submissão) de demonstrar os traços distintivos de Cristo são os mesmos
do código doméstico de Cl 3,18-4,1; código de Efésios, porém, é um terço
mais longo do que de Colossenses, e existem diferenças interessantes. Ef
5,21 contém uma instrução à mútua sujeição por reverência a Cristo; isso, é
claro, diz respeito aos esposos em relação às esposas, bem como às
esposas em relação aos maridos.

Vemos então, conforme o pensamento do autor supracitado, que o


comportamento requerido do esposo com relação à esposa, e dos filhos para com os
pais, recebem uma referência em Cristo e um embasamento do Antigo Testamento,
em Gn 2.24 para o esposo e em Dt 5.16 para os filhos.
Assim sendo, o comportamento requerido às esposas está apoiado na sua
comparação com a Igreja, que é esposa e corpo de Cristo. Os servos, por sua vez,
não podem ter a Igreja como referência na relação com seus senhores, pois, neste
texto, a Igreja assume uma posição de esposa e não de serva. Brown, discutindo
sobre isso, brilhantemente nos postula que:
A instrução aos filhos/pais é também fortalecida com um motivo
veterotestamentário. A mudança do relacionamento servo/senhor em Efésios
encontra-se principalmente na seção do senhor: senhor deve não somente
se imparcial no trato com os servos, como em Colossenses, mas também
evitar ameaças — lembrado de que Cristo é senhor dos senhores. 0 ímpeto
radical do evangelho é pressionar aqueles que detêm autoridade e poder.
(BROWN, 2017, p. 818).

A comparação utilizada sobre Cristo e a Igreja, possibilita a criação de uma


nova ordem para a família e para a sociedade, considerando o papel e a dignidade do
ser humano na condição de esposo, esposa, filhos, pais, servos e senhores. Sabendo
que todos são cristãos, a ordem na Igreja é transferida também para a ordem social,
dando, portanto, destaque à família. Comentando sobre isso, o erudito Boring
intrigantemente elenca que:
Dentro das estruturas sociais dadas, a família cristã deve ser modelada na
relação de Cristo para com a igreja. O autor adota a imagem da igreja como
noiva de Cristo, a qual é adaptada da imagística bíblica no qual Israel é a
noiva de Deus (Os 1-3; Ez 16,8-14). Alternar entre essa imagem cristológica
e a vida familiar na terra tem o efeito de erguer o relacionamento conjugal a
um nível sagrado (no mundo helenístico este era um contrato se cular sem
associações religiosas). Embora para Paulo o presente seja o tempo do
engajamento com as bodas a ser celebradas no futuro escatológico, o autor
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de Efésios caracteristicamente lança sua ênfase para o presente: a igreja já


é a noiva de Cristo, e o casamento cristão deve refletir isto. A imagem
permanece androcêntrica, refletindo a cultura masculina dominante daqueles
tempos. (BORING, 2016, p. 604).

3 A RELAÇÃO “CRISTO-IGREJA” COMO FUNDAMENTO PARA AS RELAÇÕES


FAMILIARES

No contexto da Carta aos Efésios, o casamento e a família expõem a maneira


real de existir união e prosperidade no lar, gerando bem-estar a todos os membros da
família e da sociedade. A ordem familiar refletia-se tanto na sociedade civil como na
Igreja. Entretanto, por que foi adotada a instituição familiar para exemplificar a relação
entre Cristo e a Igreja?
Comentando sobre isso, Brown elenca que:
A linguagem lírica de Ef 5,25-27 (considerada, às vezes, proveniente de um
hino batismal) coloca Cristo e a Igreja em um relacionamento de marido e
mulher, de modo que a mútua sujeição e amor recebem um distintivo
específicamente cristão. A obrigação do esposo de amar é mais
extensamente tratada do que a obrigação da mulher de sujeitar-se, e ambos
estão enraizados no plano inicial de Deus para a união no matrimônio (Ef 5,31
= Gn2 ,2 4 ). (BROWN, 2007, p. 818).

Também seguindo esse mesmo fluxo de argumentação, o erudito


neotestamentário Patzia comenta que:
Parece que a primordial intenção do autor é enfatizar a qualidade do
relacionamento que deve existir entre marido e mulher. Para fazer isto de
modo adequado e assim salientar as implicações mais profundas do
casamento, Paulo se vale de uma analogia de Cristo e da Igreja. Que analogia
magnífica! Assim como Cristo é o cabeça da Igreja, o marido é o cabeça de
sua esposa (5:23); assim como a Igreja se sujeita a Cristo, as esposas devem
sujeitar-se a seus maridos (5:24); os maridos devem amar suas esposas com
o mesmo amor sacrificial de Cristo, que alimenta a Igreja e dela cuida, pois é
seu corpo (5:25, 29). O senhorio de Cristo e seu relacionamento com a Igreja
resume a união ideal entre marido e mulher. (PATZIA, 1984, p. 257).

Assim sendo, aos casais, Paulo indicou um novo padrão e modelo a ser
seguido: “Submetei-vos uns aos outros com o temor de Cristo” (Ef 5.21). Concedeu-
se uma nova cosmovisão que ultrapassa a relação humana: o amor de Cristo pela
Igreja e da Igreja por Cristo.
Esse amor, portanto, direciona o modo de compreender e de seguir as
exigências e funções dadas aos membros da família. Desse modo, tornava-se
possível redefinir as relações entre esposas e esposos, filhos e pais, servos e
senhores e, consequentemente, entre todos os cristãos membros da Igreja.
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Às esposas foi exigido submissão na relação com seus esposos, deixando


subentendido a “submissão” que todo cristão é desafiado a ter em relação ao próximo
por amor a Cristo (Ef 5.21), pois se afirma: “como ao Senhor”. A ideia de submissão
exigida às esposas não a prejudicava e nem retirava sua dignidade, pois, com base
cristológica, o esposo passa a ter a missão de ser, para a esposa, o que Cristo é para
a Igreja: salvador.
Comentando sobre o significado da “submissão” das mulheres aos seus
esposos tendo como parâmetro a relação hierárquica entre Cristo e a Igreja, o
comentarista Patzia postula intrigantemente que:
(..) o motivo para a sujeição é colocado dentro do contexto do relacionamento
da mulher com o Senhor — vós, mulheres, submetei-vos a vossos maridos,
como ao Senhor. As que se submetem, devem fazê-lo como se estivessem
se submetendo a Cristo. (...) A submissão é regulamentada pelo padrão
divino do relacionamento de Cristo com a Igreja. Aqueles a quem se presta a
submissão, da mesma maneira deverão encontrar o padrão de sua
obediência e conduta em Cristo. Daí decorrem as exortações recíprocas:
esposas, sujeitai-vos a vossos maridos como ao Senhor... “como também
Cristo amou a Igreja” (5:25). (PATZIA, 1984, p. 259).

Argumentando também sobre isso, Boring elenca que:


Nesse paradigma, a prioridade é cristológica, e não sociocultural. O autor não
argumenta "assim como o marido é a cabeça da esposa, assim também
Cristo é a cabeça da igreja", mas a partir de uma realidade cristológica para
a vida na comunidade cristã: assim como Cristo ama a igreja e a sustenta,
assim também os maridos devem amar suas esposas. (BORING, 2016, p.
604).

Isto faz recair sobre o esposo a obrigação de como “cabeça”, isto é, condutor
da família, oferecer sua vida pela esposa. Uma vez que, na época, não era possível
inverter as relações, não era o esposo que dependia da esposa, mas o contrário.
Assim, como a Igreja depende de Cristo, e Cristo é a cabeça da Igreja e o seu
salvador, do mesmo modo, o esposo é a cabeça da esposa e o seu salvador.
Argumentando sobre isso, o comentarista neotestamentário Bryan Chapell
comenta que:
Vamos começar estabelecendo o que a liderança como cabeça não é.
“Cabeça” (kefalh) pode significar nada. Quando Paulo diz que Cristo não é o
“cabeça” da igreja (Ef 5.23), sabemos que o termo é importante é não nada.
Uma vez que Cristo é o cabeça da igreja, sua noiva, ele age como seu
Salvador (Ef 5.23).4 Jesus se entregou por amor, para tornar a igreja santa,
gloriosa e sem mácula (Ef 5.25-27). Portanto, em certo aspecto, a função de
cabeça transmite o sentido de alguém assumir responsabilidade pelo que
Deus confia aos seus cuidados. (CHAPELL, 2018, p. 318).
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Vemos então que a expressão “cabeça” que denota a relação conjugal entre o
marido e sua esposa, tendo como paradigma a relação de Cristo e sua igreja como “o
cabeça” dela, vemos que tal expressão denota o sentido de liderança, que agora,
tendo como alicerce a liderança de Cristo sobre sua Igreja, está baseada no amor
“ágape”.
Acerca desse pensamento, Hendriksen elenca que:
A comparação com Cristo como cabeça da igreja (cf. 1.22;4.15; Cl 1.18)
revela em que sentido o esposo é a cabeça da esposa. Ele é sua cabeça no
sentido de estar vitalmente interessado no bem-estar dela. E o protetor dela.
Seu padrão é Cristo que, como cabeça da igreja, é seu Salvador!
(HENDRIKSE, 2004, p. 295).

Portanto, Paulo deixa muito claro que a liderança que o marido cristão exercerá
sobre sua mulher será uma liderança sacrificial e não mais fundamentada na
imposição sociocultural, que marcava a cultura patriarcal grego-romana, que colocava
a liderança do marido sobre a mulher de forma impositiva e opressiva.
Refletindo sobre isso, Chapell elenca que:
A liderança como cabeça não indica superioridade espiritual ou pessoal do
marido no sentido de lhe conferir o direito de governar de modo arbitrário,
egoísta, arrogante ou caprichoso. Esse fato fica claro na maneira como o
apóstolo se expressa: “Maridos, amai vossa mulher” (Ef 5.25). Em parte
alguma a Bíblia define amor como aproveitar-se de outros para benefício
próprio – como fica evidente nas palavras subsequentes do mesmo versículo:
“amai [...] como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por
ela”. Essas palavras devem trazer à nossa mente o ministério sacrificial de
Jesus, que abriu mão da glória celeste, viveu em pobreza, lavou os pés de
outros e sofreu numa cruz. A liderança como cabeça não significa exercer
domínio ou poder em benefício próprio. (CHAPELL, 2018, p. 320).

Por esta razão, recai sobre o esposo uma grande exigência, colocando-o em
uma posição longe de privilégios se comparado à esposa. A recomendação dada aos
esposos é mais ampla que a dada às esposas, uma vez que a responsabilidade é
maior: “amai as vossas esposas, como também Cristo amou a Igreja e se entregou
por ela”.
Refletindo sobre o amor sacrificial do marido cristão pela sua esposa tendo
como parâmetro o amor soteriologico de Cristo pela sua Igreja, Patzia elenca que:
Só Cristo pode ser considerado o salvador do corpo, por causa de sua obra
em prol do corpo e seu relacionamento de amor para com ele. Entretanto, “a
preocupação sacrificial do Senhor quanto à salvação da Igreja deve ter um
paralelo, ainda que num nível muito inferior, na preocupação amorosa e
sacrificial do marido pelo bem-estar de sua esposa”. (PATZIA, 1984, p. 259).
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Comentando sobre a responsabilidade do marido cristão amar suas mulheres


como Cristo amou a Igreja, Hendriksen entende que:
O amor requerido deve ser bem cimentado, íntegro, inteligente e
determinado, um amor no qual a personalidade toda - não apenas as
emoções, mas também a mente e a vontade – se expressem.155 A principal
característica deste amor, todavia, é que ele é espontâneo e abnegado, pois
ele se compara ao amor de Cristo por meio do qual a si mesmo se deu pela
igreja. Amor mais excelente que este é inconcebível (Jo 10.11-15; 15.13; 1Jo
3.16). (HENDRIKSEN, 2004, p. 297).

Em outras palavras, os esposos devem dar continuidade ao que Deus fez por
Israel e ao que Cristo fez pela Igreja, em uma demonstração do amor incondicional de
Cristo pela Igreja. Essa atitude provém do verbo agapao, que significa um amor de
total entrega, sem restrições.
No contexto da Carta, um homem cumpria bem o seu papel de esposo,
garantindo uma boa imagem na sociedade, quando respeitava, cuidava, alimentava e
não deixava faltar nada de material e, principalmente, não difamava ou traía sua
esposa.
Além de tudo isso, o esposo cristão é exortado na Carta aos Efésios a se doar
de forma sacrificial, motivado não apenas no bem-estar físico e emocional da sua
esposa, mas também, no que tange ao dom integral da sua vida por ela.
Comentando sobre isso, Hendriksen elenca que:
Quando um esposo crente ama sua esposa dessa forma, a obediência por
parte da esposa crente será fácil. Pode-se apresentar uma ilustração tirada
da vida: “Meu esposo me ama de forma tão profunda e é tão bom para comigo
que à primeira oportunidade me apresso em obedecer-lhe.” Que lindo
relacionamento é este! (HENDRIKSEN, 2004, p. 297).

Em outras palavras, o esposo cristão é desafiado a amar como Cristo e adquirir


os frutos dessa entrega: “para santificá-la, purificando-a pelo banho da água com a
palavra, para apresentá-la a si mesmo esplendorosa, sem mancha, sem ruga, ou algo
semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5.26-27). Expondo sobre esses versículos,
Hendrikse elenca pontos interessantes como:
Não significa que devem amar suas próprias esposas assim como amam a
seus próprios corpos, mas devem amar suas próprias esposas como sendo
seus próprios corpos. O esposo é a cabeça da esposa, como Cristo é a
cabeça da igreja. Portanto, assim como a igreja é o corpo de Cristo, também
a esposa, em certo sentido, é o corpo do esposo. De tal forma íntima é a
união de ambos. Consequentemente, os esposos devem amar suas esposas
O pensamento do versículo 25 é repetido aqui e aqui fortalecido. À luz do
contexto imediatamente precedente (vs. 26,27), o pensamento expresso
agora é que não só os esposos devem amar suas esposas com um amor que
atinja o próprio sacrifício, tal como o amor de Cristo para com a igreja, mas
também, ao assim proceder, eles devem auxiliar suas esposas a progredirem
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em santificação. Sem dúvida, é uma grande responsabilidade! Os esposos


devem amar suas esposas pelo que elas são, e também devem amá-las a
ponto de torná-las aquilo que devem ser. (HENDRIKSEN, 2004, p. 302).

A perícope de Efésios segue mostrando ainda que o que os esposos fizerem


por suas esposas estarão fazendo por si mesmos, como ao próprio corpo, pois o
homem e a mulher são um só corpo através do casamento. Portanto, a analogia feita
com o corpo envolve ligações que acontecem no tempo e no espaço, isto é, são
históricas.
Refletindo sobre isso, Patzia comenta que:
Parece que o marido, com base no princípio de que no casamento os dois se
tomam um (5:31), deve considerar sua esposa como se fosse seu próprio
corpo. Portanto, ele há de amar a sua mulher da mesma forma como ama a
seu próprio corpo. A união e a intimidade deste tipo parecem concordar com
as palavras quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Assim, é verdade
que marido e mulher são “partes complementares de uma personalidade”.
(PATZIA, 1984, p. 262).

Atualmente, então, num contexto filosófico/religioso em que o corpo é


depreciado, exaltado ou banalizado, a menção aos cuidados redireciona a forma de
lidar com o próprio corpo e corrige qualquer desprezo pelo casamento e seus efeitos.
No final do primeiro bloco, a última exortação foi direcionada para a esposa, o
que faz Ef 5.22-33 ter, respectivamente, no seu início e no seu final uma configuração
inversa: esposa em relação ao esposo; esposo em relação à esposa. É sinalizado,
então, que a esposa compreendeu a sua função na relação: respeitar o esposo. Isto
aponta seguramente para a metáfora: “como a Igreja respeita o seu esposo”. O amor
da esposa pelo esposo está expressado na submissão e no respeito.
Comentando sobre isso, o comentarista Hendriksen afirma que:
Aqui, pois, através de seu servo, o apóstolo Paulo, o Senhor determina à
esposa o dever de obedecer a seu esposo. Tal obediência deve ser uma
submissão voluntária de sua parte, e isso somente a seu próprio esposo, e
não a qualquer homem. O que tornará esta obediência mais fácil, por outro
lado, é que se lhe pede que o faça “como ao Senhor”, ou seja, como parte de
sua obediência a ele, o mesmo que morreu por ela. (HENDRIKSEN, 2004, p.
294).

Semelhantemente, o esposo não precisa dominar sobre a esposa, porque o


fundamento da relação não é o domínio, mas o amor sacrificial (ágape). Considerando
que havia uma hierarquia das funções do homem e da mulher na sociedade da época,
o texto de Efésios apresentou um novo padrão para a ordem do casamento, baseado
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na organização estabelecida para a Igreja: o amor de Cristo pela Igreja e a submissão


da Igreja a Cristo.
Refletindo sobre isso, Patzia postula que:
Desses princípios toma-se óbvio que a autoridade do marido é regulada pelo
exemplo de Cristo e o princípio do amor. O autoritarismo, a autoafirmação e
o egoísmo não têm lugar num casamento baseado nos princípios cristãos.
Sujeição não é “obediência”, visto que a palavra “obedecer” (hypakouo) só é
empregada a respeito de crianças e escravos (6:1, 5). Quando um marido se
relaciona com sua mulher em amor (agape), não haverá problemas com
respeito a submissão e obediência. (PATZIA, 1984, p. 259).

Assim, compreendemos que o amor dos esposos e a submissão das esposas


não pretendem ser normas impositivas, dadas por uma obrigação, mas inteiramente
voluntárias por meio da graça gerada no batismo e através da unção do Espírito Santo.
Depois de apresentada a exortação aos homens e mulheres cristãos, a palavra
é dirigida aos filhos e pais no segundo bloco. É requerido obediência dos filhos aos
pais em consequência da fé em Jesus Cristo, baseado no que nos orienta Dt 5.16, o
quarto mandamento, o qual garante uma promessa.
Comentando a obediência dos filhos aos pais, tendo como alusão o texto
deuteronômico, Hendriksen postula pontos interessante como:
A citação é de Êxodo 20.12 e Deuteronômio 5.16, sendo a primeira parte
literalmente de acordo com a Septuaginta, honrar pai e mãe significa mais
que obedecê-los, especialmente se esta obediência for interpretada no
sentido meramente externo. É a atitude interna do filho para com seus pais o
que se busca no requerimento de honrá-los. Toda obediência egoísta, ou
relutante, ou sob terror deve ser terminante mente descartada. Honrar implica
amar, acatar de forma muito elevada, mostrar um espírito de respeito e
consideração. Esta honra deve ser demonstrada para com ambos os pais,
porquanto no que respeita ao filho, ambos são iguais em autoridade.
(HENDRIKSEN, 2004, p. 308).

Por outro lado, vemos que Paulo exorta os pais a corrigirem seus filhos com
amor compassivo e firmeza doutrinária, já que ele usa a expressão “no Senhor”,
referindo-se a disciplina dos filhos por intermédio da própria Palavra de Deus.
Portanto, é requerido dos pais, mais especificamente do homem (Ef 6.4), o uso da
autoridade corretiva com sabedoria. Logo, os filhos devem obedecer aos pais “no
Senhor”, e os pais devem educar “na disciplina e doutrina do Senhor”.
Refletindo sobre isso, Chapell comenta que:
Os pais honram a Deus quando, por meio do abraço compassivo ou da
disciplina controlada, cultivam ou corrigem o desenvolvimento espiritual dos
filhos. Servir na função de pais não é uma questão de ceder aos caprichos
do filho, mas de usar a nossa autoridade e os nossos recursos para seu bem-
estar. Lideramos ao usar autoridade para buscar o bem de outros.
12

4 A TEOLOGIA PASTORAL APLICADA NA FAMÍLIA CONFORME EFÉSIOS 5.21 -


6.9

A passagem sobre a qual estamos abordando, confronta muitos cristãos a


mudarem certas atitudes como, por exemplo, a resistência em receber e aplicar o
ensino das Escrituras em suas vidas. Tal como quando a esposa pensa que a
instrução bíblica está impondo lhe um princípio opressor. É necessário saber
interpretar o texto, levando em conta os reais elementos do modelo familiar, que serão
aplicados no contexto atual.
Tais ensinamentos ainda são válidos, embora o contexto seja outro, como
norteadores para o discipulado de casais. Da mesma forma que naquela época o
esposo e a esposa eram os protagonistas da manutenção do casamento, hoje isso
não é diferente.
Os cônjuges devem olhar o relacionamento de Cristo pela Igreja como modelo
e o seguir todos os dias. Pois, o amor de Cristo pela Igreja é suficiente para superar
as dificuldades, fracassos e limitações causados pela vontade humana; e ainda
conseguir conservá-la e restaurá-la. Assim deve ser o casamento.
Refletindo sobre a relação conjugal baseada no amor ágape tendo como
modelo o amor ágape de Cristo pela sua Igreja e como podemos aplicar essa teologia
pastoral no contexto dos casamentos contemporâneos, o erudito Bryan Chapell
comenta brilhantemente que:
Mesmo que a violência não faça parte do nosso lar (embora esteja presente
em muitos lares cristãos), precisamos ouvir com atenção para aprender como
os cônjuges tentam conseguir o que querem, até mesmo em casamentos
cristãos. Com intimidação ou intransigência – atitudes que são expressões
de poder – os homens com frequência exercem o controle. As mulheres o
fazem por meio de um olhar, de um comentário mordaz, de uma acusação ou
de uma lembrança embaraçosa que possa humilhar o marido para fazê-lo
sentir-se menos seguro de si e, portanto, torná-lo mais controlável. (...) O
amor não permite essa luta pelo controle no âmbito do casamento. O marido
cristão não recebeu a prerrogativa de intimidar nem de ignorar sua esposa; a
esposa cristã não tem o direito de depreciar nem de humilhar o marido.
(CHAPELL, 2018, p. 351).

Por vezes, a submissão da Igreja a Cristo não se mostra apenas nas suas
ações e palavras, mas no processo de submissão de cada cristão a Cristo, seja ele
clérigo ou leigo. Na base do processo de submissão da Igreja a Cristo, está a completa
submissão do Filho ao Pai.
Assim sendo, seria negar a realidade se afirmarmos que não há influências, em
nome da obediência a Cristo, que levam a Igreja e, nela, os fiéis, a se comportarem
13

de maneira que revelam uma falsa submissão. A razão para isso é que o ser humano
pode cegar-se e fazer escolhas não condizentes com a Palavra de Deus.
É necessário falar da magnitude do mistério da encarnação do amor, uma vez
que, o amor de Cristo pela Igreja é, concomitantemente, divino e humano. Esse amor
é eterno e constante, e deve ser a motivação primordial para os fiéis exercerem o
amor uns pelos outros sem desmotivar, sobretudo na vida familiar. Logo, a finalidade
do comportamento do esposo em amar sua esposa se manifesta na grandeza do amor
de Cristo pela igreja, justificando o peso dessa exigência.
O comentarista neotestamentário Fulkes, elenca pontos interessantes sobre o
amor ágape que Paulo usa para demonstrar a qualidade do amor de Cristo pela sua
Igreja e qual deve ser agora a qualidade do amor do marido cristão pela sua esposa,
assim ele afirma:
Havia a palavra erao que expressava a profunda paixão sexual do homem
pela mulher, e também a palavra phileo que era empregada para referir-se à
afeição existente no seio da família. Mas nenhuma destas duas palavras foi
usada; pelo contrário, Paulo escolhe a palavra tipicamente cristã agapao,
amor que não guarda qualquer resquício de egoísmo, que não procura a
satisfação própria, nem mesmo afeição como resposta à afeição, irias que
luta pelo mais alto bem da pessoa amada. Este amor tem por padrão e
modelo o amor de Cristo para com Sua Igreja. Já se ensinou ser dever de
cada cristão manifestar tal amor em todas as suas relações. (4:2,15; 5:2).
Agora é empregado para lembrar os maridos que não devem pensar no que
esperam lhes seja devido pelas esposas, mas no que eles devem fazer em
sacrifício e devoção. (FULKES, 2011, p. 130)

Assim como a esposa não tem dificuldade de compreender o sentido da sua


submissão quando experimenta esse amor por meio do seu esposo, em seu
relacionamento matrimonial. Ela entende que o sentido da sua submissão não é
humilhante, mas lhe proporciona exaltação, pois pelo amor, um pertence ao outro.
Comentando brilhantemente sobre isso, o erudito neotestamentário Jonh Stott
afirma que:
O cabeça da igreja é o noivo da igreja. Ele não oprime a igreja. Pelo contrário,
sacrificou-se a fim de servi-la, para que ela se torne tudo quanto ele anseia
que ela seja, ou seja: ela mesma na plenitude da sua glória. Assim também
o marido nunca deve usar da sua liderança para esmagar ou sufocar a
esposa, ou para frustrá-la de ser ela mesma. Seu amor por ela o levará pelo
caminho exatamente oposto. Dar-se-á por ela, a fim de que ela desenvolva
seu pleno potencial debaixo de Deus e assim fique sendo mais
completamente ela mesma. (STOTT, 2001, p. 171).

Vemos, então, qie o amor do esposo pela esposa deve ser incondicional assim
como é o amor de Cristo pela Igreja e vice-versa. Desse modo, o esposo que ama a
sua esposa como Cristo ama a Igreja, está amando a si mesmo e realizando o mistério
14

contido em Gn 2.24, de fato. O ápice da comunhão à qual podem chegar os casados


é ser “uma só carne” com o cônjuge. Pois, como Cristo constitui um só corpo com a
Igreja, o esposo constitui um só corpo com a esposa.
O erudito John Stott comentando sobre isso, elenca pontos interessantes como:
Esta exortação ao marido no sentido de alimentar e cuidar da sua própria
esposa como faz com o seu próprio corpo é mais do que um guia útil para o
comportamento diário, no entanto, também tem um aspecto intimamente
apropriado, visto que ele e sua esposa se tornaram uma só carne. Deus,
porém, pretende que as relações sexuais não somente sejam uma união de
corpos, como também uma união de personalidades. É quando o marido e a
esposa ficam assim profundamente unidos entre si que, verdadeiramente,
quem ama a sua esposa, a si mesmo se ama. (STOTT, 2001, p. 172).

Refletindo também sobre isso, Chapell postula que:


Essa é a liderança de humildade e de servo – exercer o papel de marido por
meio do sacrifício. Para essa função Deus chama homens dispostos a ser
cabeça de suas famílias. O marido cristão exerce liderança ao servir. Conduz
sua família por meio do amor abnegado. Sua responsabilidade bíblica
principal no lar é servir de modelo espiritual por meio do seu sacrifício a fim
de evidenciar a graça de Deus. (CHAPELL, 2018, p. 331).

Assim dizendo, o esposo pertence à esposa, como Cristo pertence à Igreja; e


a esposa pertence ao esposo, como a Igreja pertence a Cristo. No dom do amor, essa
atribuição se realiza como comunhão de vida e não como domínio. Nessa comunhão
de vida, baseada na aceitação à vida, abre-se à chegada dos filhos na vida do casal,
que irão trazer maior alegria e novos desafios.
Observa-se que, atualmente, para muitos casais, os filhos são vistos como
futuros gastos e causadores de restrições ou de impedimento para a realização dos
planos pessoais. Ao contrário disso, no passado, os filhos eram tidos em grande
número para aumentar a perspectiva de crescimento material. Hoje, porém, muitos
casais sentem medo por não se considerarem preparados, ou porque temem falir
como pais.
No entanto, é preciso desenvolver o sentimento de esperança, lembrando que
Cristo passou por diversas aflições e formas de sofrimento, em razão do seu amor. O
amor incondicional de Cristo lhe deu motivação para superar os impasses do desamor
do ser humano, o qual é a causa das relações baseadas no poder. Os filhos se tornam
um verdadeiro laboratório do amor aos pais, pois seus filhos não serão propriedades
suas. Assim, os cônjuges devem aprender a cultivar o amor entre si e estendê-lo aos
filhos, generosamente.
15

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo que foi explanado, observamos as implicações que a leitura


deste trecho da Carta os Efésios podem gerar nos membros da família que compõem
a comunidade cristã. Primeiro, ao homem e à mulher casados, é imprescindível
acolher o matrimônio como uma vocação.
O objetivo do ensinamento contido em Efésios às esposas e aos esposos não
é apenas oferecer um simples aprendizado sobre a essência do casamento, mas
também, apresentar aos cônjuges cristãos como deve ser o relacionamento entre
eles. A exigência da relação matrimonial, intrinsecamente, é demonstrar uma forma
prática de se exercer a vocação batismal.
Exatemente, por isso, precisamos regastar a teologia da família a luz de Efésios
5.21-6.9, que tem como principio norteador o amor ágape de Cristo pela sua Igreja e
como Ele a honrou por meio da sua autoentrega voluntária.
Nesse sentido, diante duma sociedade que tem banalizado o modelo familiar
cristão, naturalizando divórcios, além de promover desestruturação na relação pais-
filhos, pelo alto índices de divórcios e alienação parental na atualidade, devemos olhar
e resgatar para o modelo familiar cristão, exposto por Paulo na perícope de Efésios
5.21-6.9, que busca aplicar na vida dos integrantes do lar uma relação íntima com o
Senhor Jesus que os levarão a experimentar o que de fato significa Cristo amar sua
Igreja e se entregar por ela.
Assim sendo, uma vez que os maridos, esposas e filhos cristãos,
compreenderão e experimentarão o que significa o amor ágape de Cristo por eles,
consequentemente, as ideologias contemporâneas nefastas que tem banalizado a
familiar cristã contemporânea não terão influencia sobre elas. Portanto, por meio do
amor ágape Cristo-Igreja, maridos amarão suas esposas a ponto de se sacrificarem
por ela em todos os aspectos e como retribuição elas os respeitarão e o honrarão com
a demonstração de submissão voluntária e amorosa.
Em segundo lugar, orienta-se aos filhos que obedeçam seus pais, no Senhor,
visto que é o correto a ser feito. O texto traz à memória dos filhos que honrar e
obedecer os pais garantirá, nas suas vidas, o cumprimento da promessa que
acompanha este mandamento .
Por sua vez, os pais devem ensinar aos filhos aquilo que aprenderam da fé e
da sua prática, com a finalidade de imprimir neles a semelhança do seu exemplo.
16

Consequentemente, experimentarão a alegria de serem honrados, e ainda, não terão


nenhum motivo que os possa envergonhar, pois aplicando a justa medida na correção,
não levarão os filhos a se fecharem para Deus.
Sendo assim, entendemos que na relação pais-filhos, estes honrarão seus pais,
como honram ao própria Senhor Jesus que os amou e os pais, amarão seus filhos a
ponto de cuidarem deles como ternura e brandura, corrigindo-os como a firmeza da
Palavara de Deus, sem irritá-lo, compreendedo-os e amando-os.
Por fim, cada cristão foi inserido na Igreja de Deus através do batismo, recebeu
o amor de Deus manifestado através de Jesus e se tornou um comunicador dessa
obra como partícipe do Corpo de Cristo. Logo, a submissão amorosa a Cristo que nos
fala em Ef 5.21: “Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo”, é capaz de
transformar não só os membros que vivem desse amor, mas também o mundo,
através da sua divulgação às futuras gerações.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2007.

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Teologia. Vol.1. Santo André: Paulus & Academia Cristã, 2016.

BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2012.

BROWN, Raymond E.; FIZTMYER, Joseph A.; MURPHY, Roland E. Novo


Comentário Bíblico São Jeronimo: Novo Testamento e Artigos Sistemáticos.
São Paulo: Paulus & Academia Cristã, 2011.

CARSON, D.A; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento.
São Paulo: Vida Nova, 1997.

CHAPELL, Bryan. Estudos expositivos em Efésios: a gloria de Cristo na Igreja.


São Paulo: Cultura Cristã, 2018.

FALKES, Francis. Efésios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova. 2011.

HENDRIKSEN, Willian. Efésios e Filipenses. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

JEREMIAS, Joachim. Estudos no Novo Testamento. São Paulo: Academia Cristã,


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KEENER, Craig. Comentário Histórico-cultural do Novo Testamento. São Paulo:


Vida Nova, 2017.

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PATZIA, Arthur. Novo comentário bíblico contemporâneo: Efésiso, Colossenses


e Filemom. São Paulo: Editora Vida, 1984.

STOTT, Jonh. A mensagem de Efésios: a nova sociedade de Deus. São Paulo:


ABU, 2001.

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