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O patrocínio e o apoio de órgãos públicos a eventos esportivos

Durante a segunda aula da segunda unidade (tema Licitações) deste módulo


de estudo, a professora Marinês Restelatto Dotti destacou a inexistência de
necessidade de licitação para concessão de patrocínio, devido à ausência desse
termo no texto do inciso XXI, artigo 37 da Constituição Federal, conforme
entendimento da jurisprudência do STF trazida em aula 1.
Sabe-se que é comum, no Brasil, a prática de eventos esportivos apoiados ou
patrocinados por entes públicos. Ocorre que tal tema é de controversa discussão,
haja vista as indagações se tal apoio ou patrocínio de entes públicos teria interesse
público. Dessa forma, esse estudo visa problematizar e aprofundar a discussão
sobre a concessão de patrocínios e apoios de órgãos públicos a eventos esportivos
particulares.
Inicialmente, é importante destacar a disciplina da Constituição Federal (CF)
sobre o tema do desporto:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-


formais, como direito de cada um, observados:
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do
desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de
alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-
profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação
nacional.
[...]
§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
(grifos nossos)

Dessa forma, observa-se que é dever do Estado o fomento de práticas


desportivas, incluindo a destinação de recursos públicos para a promoção do
desporto educacional e de alto rendimento. Além disso, o poder público também
deve incentivar o lazer. Portanto, observa-se que a Carta Magna determina que o
poder público deve fomentar o esporte, porém, sempre com um viés público, isto é,
objetivando atender, no lazer e no esporte, os cidadãos em geral2.

1
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 574.636, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de
14.10.2011.
2
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Parecer CT Coletivo nº 9/2018,
fl. 43. Disponível em:
<http://portal.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/noticias_internet/Decisoes/parecer92018.pdf>. Acesso
em: 6 mar. 2020.
2

Porém, o apoio a eventos, quando entendido apenas sob o aspecto


comercial, só é permitido a segmentos em que o Estado explora atividade
econômica, o que não é o caso, evidentemente, da administração direta dos entes.
De qualquer forma, o apoio da administração pública direta é válido, mesmo não se
detendo a um aspecto comercial, haja vista que é finalidade do Estado o fomento a
práticas esportivas3.
Ademais, importante destacar que a mera divulgação de ente público em
eventos estranhos à sua finalidade é ilegal, haja vista que a administração pública
direta não objetiva atrair clientes, vender produtos e muito menos vencer
concorrentes que prestem o mesmo serviço. Portanto, não há qualquer sentido no
patrocínio, por um órgão da administração pública direta, de causas estranhas à sua
finalidade4, que, com relação ao esporte, é a “promoção prioritária do desporto
educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento”, entre
outras determinadas pelo art. 217 da CF.
Entretanto, mesmo nos casos permitidos, devem ser seguidos cuidados e
limites nas ações de divulgação da Administração que envolvam o uso de recursos
públicos.
Inicialmente, é importante destacar a diferença entre patrocínio e apoio dos
entes públicos. No âmbito estadual, o “patrocínio” é conceituado pelo Decreto
Estadual nº 48.188/11 (de observância recomendada aos municípios se não editada
norma própria, conforme Parecer CT coletivo nº 9/2018 do TCE-RS5) como:

[...] apoio financeiro concedido a projetos de iniciativa de terceiros, com o


objetivo de divulgar atuação, fortalecer conceito, agregar valor à marca,
incrementar vendas, gerar reconhecimento ou ampliar relacionamento do
patrocinador com seu público de interesse6.

3
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Parecer CT Coletivo nº 9/2018,
fl. 43. Disponível em:
<http://portal.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/noticias_internet/Decisoes/parecer92018.pdf>. Acesso
em: 6 mar. 2020.
4
Ibidem.
5
Ibidem, fl. 50.
6
RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 48.188, de 22 de julho de 2011. Disciplina as ações de
patrocínio dos órgãos e entidades integrantes do Poder Executivo Estadual, e dá outras providências.
Artigo 2º, inciso I. Disponível em:
<http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/DEC%2048.188.pdf>. Acesso em: 6 mar.
2020.
3

Já o apoio é caracterizado no mesmo documento como “troca de materiais,


produtos ou serviços por divulgação de conceito e/ou exposição de marca 7”.
Além disso, o Parecer CT Coletivo nº 09/2018 do TCE-RS destaca que para a
concessão de patrocínio ou apoio é necessária a análise da adequação ao interesse
público, isto é, se o apoio concretiza o interesse público, se o mesmo é compatível e
eficaz ante a finalidade pública que o motivou e se a relação custo benefício é
compatível com o atendimento ao interesse público 8.
Ademais, um eventual serviço cedido deve ser utilizado exclusivamente na
finalidade pública a qual motivou o apoio do evento pela administração, isto é, se a
Administração decide apoiar o evento hipotético “corrida pela saúde” com a
contratação de um serviço de ambulância, a utilização do serviço deve ser somente
naquele evento específico, sem desvios para satisfazer interesses privados ou
interesses públicos diversos daquele que motivou o apoio 9.
Além disso, por se tratar de serviço contratado com dinheiro público, a mera
transferência do serviço a um evento particular não perde a natureza pública dos
recursos investidos na contratação daquele serviço, logo, o patrocinado fica
obrigado a prestar contas da utilização do serviço cedido 10.
Finalmente, o Parecer CT coletivo nº 9/2018 destaca que esse apoio ou
patrocínio deve ser um dos itens a compor o custo da iniciativa particular, não se
cogitando que a administração repasse ao particular recursos ou serviços ou bens
que igualem ou superem os custos do evento11.
Dessa forma, observa-se que o apoio e patrocínio que atende ao art. 217 da
CF, isto é, o fomento ao esporte que gera melhora de qualidade de vida da
população, é permitido pela lei.

7
Ibidem. Artigo 3º, inciso II.
8
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Parecer CT Coletivo nº 9/2018,
fl. 43. Disponível em:
<http://portal.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/noticias_internet/Decisoes/parecer92018.pdf>. Acesso
em: 6 mar. 2020.
9
Ibidem, fl. 45.
10
Ibidem.
11
Ibidem, fl. 42.

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