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O Estado, os serviços públicos e a atividade econômica

As decisões relacionadas à operacionalização do serviço público no Brasil, no


passar das décadas, têm sido, infelizmente, muito influenciadas pela guerra de
ideologias presente não apenas em nosso país, mas em todo o mundo, desde o fim
da segunda guerra mundial. Afinal, deve o Estado ser um grande provedor dos
direitos do cidadão ou deve apenas regular o mercado para que ele atenda,
naturalmente, a essas necessidades da população?
Nesse módulo de estudo, verificamos as diversas visões e influências que
as ideias dos governantes causaram nessas decisões, porém, creio que as
discussões ideológicas não devem ser levadas em consideração nas definições com
relação à operacionalização dos serviços públicos no Brasil.
Tais decisões devem ser tomadas de forma técnica, mediante estudo de
cada situação, da relevância do serviço ao cidadão e da possibilidade de o mercado
assumir os investimentos e riscos do negócio sem que isso prejudique,
especialmente com relação aos preços cobrados, o cidadão.
É importante que se avalie, em primeiro lugar, se o serviço em questão é de
relevância à população em geral e de amplo interesse social, isto é, para que o
Estado tenha possibilidade de gerir tal área, deve-se estar avaliando um serviço que
influencia diretamente na aplicação de direitos sociais dos brasileiros contidos no
artigo 6º da Constituição Federal:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados1.

Porém, a mera essencialidade do serviço não demonstra, nos tempos


atuais, que tal prestação deve ser realizada diretamente pelo Estado ou sob
contratualização da administração. É essencial também que tal serviço não se
adéque facilmente às leis de mercado e concorrência, tendo em vista que a
Constituição determinou a atuação do Estado na atividade econômica apenas como
exceção. Dessa forma, não se pode permitir que o Estado preste serviços em um
ramo econômico no qual a livre concorrência e preços módicos estejam bem

1
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: <15 out. 2020>.
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estabelecidos ao público em geral, sob pena de interferência desnecessária do


Estado na atividade econômica.
É importante lembrar que o Estado brasileiro tem como base de sua
economia o capitalismo, o que pressupõe a necessidade de permitir aos cidadãos
em geral a participação na atividade econômica nacional sem fiscalizações
desnecessárias e regulamentações exageradas, o que ocasionaria afastamento da
segurança jurídica e do interesse daqueles que investem na economia nacional.
Porém, tal predicado não significa que o Estado deve afastar-se
completamente da gestão de serviços. Quando os mesmos forem de relevante
interesse público e a ausência de contratualização ou gestão pelo Estado gere a
prática de preços abusivos e/ou ausência desses serviços em determinadas regiões
menos atrativas economicamente, a experiência histórica tem demonstrado que a
única solução é a prestação do serviço diretamente pelo estado ou, o mais
aconselhado, a contratualização da prestação deste serviço público por meio de
concessões, precedidas de licitações na modalidade concorrência, conforme
determina a Lei Federal 8.987, de 13 de fevereiro de 19952.
Tal contratualização permite que o Estado determine mais claramente quais
as obrigações da concessionária e, dessa forma, possa exigir, durante a execução
contratual, o cumprimento dessas responsabilidades. Para isso, é essencial que o
poder executivo, ao produzir o edital e a minuta contratual, tenha extremo cuidado
na definição dos requisitos e atribuições a serem desempenhadas pela
concessionária.
Além disso, não se deve, de forma alguma, reduzir o Estado de tal monta, “a
ponto de renunciar à posição de árbitro entre as forças em conflito na sociedade e
de suprimir do rol das finalidades que persegue a realização da Justiça material, de
que a justiça social é a parte mais relevante.3” Portanto, o Estado deve, mesmo nos
serviços em que não for detentor da titularidade, estar atento às condições do
mercado, devidamente regulando, regulamentando e fiscalizando tais atividades

2
BRASIL. Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm>. Acesso
em: <15 out. 2020>.
3
SILVA, Almiro do Couto e. OS INDIVÍDUOS E O ESTADO NA REALIZAÇÃO DE TAREFAS
PÚBLICAS. Revista de Direito Administrativo. Texto disponibilizado pelo professor na Unidade 1 do
presente módulo.
3

econômicas, com vistas a evitar as clássicas falhas de mercado e permitir o


equilíbrio entre as forças competitivas.

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