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ISSN: 2525-8761
RESUMO
Os álcoois, em especial o etanol, são antissépticos utilizados no combate a disseminações
de doenças. Com o surgimento da pandemia do Covid-19 foram lançadas novas
legislações e definidos critérios para fabricação e venda de produtos para higienização,
permitindo sua manipulação em farmácias magistrais. Esta pesquisa teve como objetivo
avaliar a qualidade físico-química e microbiológica de amostras do álcool etílico 70%
líquido e em gel durante 30 dias de utilização em uma Farmácia Escola. Para isso foram
realizados ensaios organolépticos, físico-químicos e microbiológicos, a cada semana,
durante 30 dias. O álcool líquido e em gel a 70% foram manipulados na Farmácia Escola
e disponibilizados para uso na área de dispensação. Em relação às características
organolépticas do álcool líquido, todas as amostras mostraram-se homogêneas,
transparentes e límpidas, com odor característico de álcool. O álcool em gel apresentou-
se homogêneo, viscoso, translúcido, e com odor característico em todas as amostras. O
pH das amostras de álcool líquido variaram de 6,06 a 6,73, e do álcool em gel, de 6,73 a
6,78. As densidades das amostras líquidas não sofreram alterações, permanecendo
próximas a 0,86 g/cm³, e nas amostras em gel, variaram de 0,88 a 0,86 g/cm³. As
viscosidades dos álcoois em gel variaram de 3490 a 1928 cP. Todas as amostras foram
aprovadas no teste de atividade antimicrobiana. E finalmente, tanto a amostra líquida
quanto em gel se manteve na faixa da graduação alcoólica preconizada (70% a 75% p/p)
durante todo o período de utilização de 30 dias, assegurando sua qualidade e efetividade
num ambiente importante de atendimento primário à saúde, como é a farmácia.
ABSTRACT
Alcohols, especially ethanol, are antiseptics used to combat disease spread. With the
emergence of the Covid-19 pandemic, new legislation was launched and criteria were
defined for cleaning products manufacture and sale, allowing their production in
manipulation pharmacies. This research aimed to evaluate physicochemical and
microbiological quality of samples of 70% liquid and gel ethyl alcohol during 30 days of
use in a University Pharmacy. For this, organoleptic, physicochemical and
microbiological tests were carried out every week for 30 days. The 70% liquid and gel
alcohol were manipulated at the University Pharmacy and made available for use in the
dispensing área. Regarding liquid alcohol organoleptic characteristics, all samples were
homogeneous, transparent and limpid, with a characteristic alcohol odor. All samples of
alcohol gel were homogeneous, viscous, translucent, and with a characteristic odor. The
pH of the liquid alcohol samples ranged from 6.06 to 6.73, and for gel alcohol, from 6.73
to 6.78. The densities of the liquid samples did not change, remaining close to 0.86 g/cm³
and in the gel samples ranged from 0.88 to 0.86 g/cm³. The gel alcohols viscosities ranged
from 3490 to 1928 cP. All samples passed the antimicrobial activity test. Finally, both
liquid and gel samples remained within the recommended alcoholic strength range (70%
to 75% w/w) throughout 30-day period of use, ensuring its quality and effectiveness in
an important environment of health primary care, as the pharmacy.
1 INTRODUÇÃO
Os álcoois etílico e isopropílico têm sido amplamente utilizados em instituições
de saúde como antisséptico na pele de pacientes, na higienização das mãos de
profissionais e como desinfetante de artigos e superfícies (ANDRADE et al, 2007;
BRASIL, 2009; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b). Os antissépticos eliminam ou inibem
o crescimento de microrganismos quando aplicados sobre a pele ou mucosas. Podem ser
classificados como agentes bactericidas devido à capacidade de destruir as bactérias nas
formas vegetativas, e como agentes bacteriostáticos pois são capazes de inibir o
crescimento do microrganismo sem destruí-lo (REIS et al., 2011). Os desinfetantes
possuem largo espectro de atividade antimicrobiana, devido às suas propriedades
bactericidas, viricidas e fungicidas que causam a inativação de microrganismos na forma
vegetativa (não esporulada) em superfícies inanimadas (SOUZA et al., 2005).
Os álcoois, em especial o etanol, se apresentam como agentes de ação biológica
de largo espectro, podendo agir sobre bactérias, fungos e vírus. Quando surtos de doenças
contagiosas, oriundas de micro-organismos começam a se propagar, as técnicas de
higienização pessoal e de superfícies passam a atuar como grandes protagonistas no
combate às suas disseminações (LIMA et al., 2020). Por exemplo, em 2009, por
consequência da epidemia de H1N1 (MILANESI et al., 2011), e, principalmente, com o
surgimento da pandemia do Covid-19 (do inglês coronavirus disease 19) na China em
2019 (ZHU et al., 2020) os hábitos de saúde da população modificaram-se. Como essas
doenças são rapidamente dissemináveis através do contato das mãos e objetos
contaminados, o uso de antissépticos difundiu-se, sendo encorajado pelo Ministério da
Saúde, tanto em locais domésticos quanto comerciais. Sem dúvida, os agentes
antissépticos mais popularmente utilizados para fazer a higienização das mãos são as
preparações hidroalcóolicas (BENY, 2021). O álcool etílico age apenas em vírus
envelopados, como o SARS-CoV-2 (sigla em inglês que significa Síndrome Respiratória
Aguda Grave - Coronavírus 2), o causador da pandemia. Esse vírus possui uma membrana
fosfolipídica, onde o produto age em um processo chamado de desnaturação proteica
(LIMA et al., 2020).
No Brasil, os produtos de higiene pessoal com a finalidade antisséptica, que
contenham álcool etílico em sua composição, até março de 2020, deveriam atender as
resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), como a Resolução
da Diretoria Colegiada (RDC) nº 46/2002 (BRASIL, 2002a); RDC nº 219/2002
(BRASIL, 2020b); RDC nº 322/2002 (BRASIL, 2002c) e RDC nº 14/2007 (BRASIL,
2007).
No entanto, com o surgimento do novo corona vírus em 2019, aumentou a
demanda da produção de álcool gel e líquido a 70% nas empresas fabricantes, além de
outros setores que anteriormente não faziam esta produção, como por exemplo as
instituições de ensino superior (RODRIGUES & VIEIRA, 2021). Foram então criadas
legislações em caráter temporário, como a Nota Técnica nº 03/2020 (BRASIL, 2020a), a
RDC 350/2020 (BRASIL, 2020b); a RDC 347/2020 (BRASIL, 2020c), onde são
definidos critérios e procedimentos para fabricação e venda de produtos para higienização
sem autorização prévia da ANVISA. As regras se aplicam a preparações antissépticas e
sanitizantes oficinais, como por exemplo o álcool gel e o álcool etílico 70% (p/p), sendo
que o prazo de validade dos produtos não poderá ser superior a 180 dias.
Segundo o Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira (FNFB) (BRASIL,
2012), o álcool para desinfecção deve conter no mínimo 70% (p/p) e no máximo 75%
(p/p), de álcool etílico a 15 oC, e, após preparado deve ser armazenado em recipiente
adequado, de plástico, bem fechado, protegido da luz e a temperatura inferior a 25 ºC.
Como antisséptico, recomenda ainda o prazo de validade do álcool a 77 ºGL (70% p/p)
por 7 dias; 79 ºGL por 15 dias e 81 ºGL (75% p/p) por 30 dias.
Durante sua utilização, seja por parte do usuário, quanto pelo armazenamento,
podem ocorrer alterações no álcool líquido ou no álcool gel disponibilizado, levando à
sua instabilidade e/ou ineficácia. Na farmácia escola da UNIOESTE, no Campus de
Cascavel – PR, são fabricados o álcool líquido e em gel a 70%, e utilizados pelos
funcionários e pacientes atendidos. Esta pesquisa teve como objetivo avaliar a qualidade
físico-química e microbiológica de amostras do álcool etílico 70% líquido e em gel
durante 30 dias de utilização destes produtos na farmácia escola da UNIOESTE.
2 METODOLOGIA
As análises foram realizadas nos laboratórios da Farmácia Escola e Laboratório
de Controle Microbiológico de Água, Alimentos, Medicamentos e Cosméticos da
UNIOESTE, Campus Cascavel – Pr.
Y= (P x B) Fórmula 1
A
O álcool gel a 70% (p/p) foi preparado com hidroxietilcelulose (HEC), de acordo
com técnica desenvolvida Barzotto e colaboradores (2020). As descrições quantitativas
e qualitativas dos componentes da formulação estão na Tabela 1.
Tabela 1. Descrição qualitativa e quantitativa dos componentes para preparo de 1000 mL do gel
hidroalcóolico de HEC.
COMPONENTES QUANTIDADES
FASE A
Hidroxietilcelulose 0,8%
Água destilada (1000 – x) mL
FASE B
Metilparabeno 0,015%
Álcool etílico calculado x mL
Fonte: Autores (2021).
então, a quantidade de água destilada necessária para o volume final. Em becker, foi
adicionado 0,8% de hidroxietilceluse 4400 (Êxodo científica) e a quantidade calculada de
água destilada, formando a Fase A. Esta fase foi aquecida em chapa aquecedora até a
gelificação (50 - 60 °C). A fase B, foi formada pelo álcool etílico calculado e o
metilparabeno P.A. (Êxodo científica) a 0,015%, usado como conservante. Após o
resfriamento da fase A abaixo de 40 °C, para evitar a evaporação do álcool, foi adicionada
a fase B por meio de constante agitação em agitador mecânico.
Para realização desta pesquisa foram preparados 1500 mL de álcool líquido, que
foram divididos em 3 almotolias de 500 mL cada, e disponibilizados na área de
dispensação e de serviços farmacêuticos. Também foram preparados 3000 mL de álcool
gel, os quais foram divididos em 3 frascos transparentes de 1000 mL, com válvula tipo
“pump”, e disponibilizados na área de atendimento da Farmácia Escola.
O álcool líquido e em gel das amostras foram utilizados pelos atendentes e
profissionais da farmácia escola, assim como pelos clientes ali atendidos durante 30 dias,
quando foram coletadas amostras em triplicata. Cada período de coleta compreendeu os
tempos: 0, 7, 14, 21, 30 dias após a fabricação. Foram registradas as temperaturas do
ambiente na hora das coletas.
d= m Fórmula 3
V
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 PARÂMETROS ORGANOLÉPTICOS E FÍSICO-QUÍMICOS
Na tabela abaixo (tabela 2) estão os parâmetros organolépticos dos produtos
avaliados desde o momento em que foi preparado (dia 0) até o 30º dia, onde percebeu-se
que o os produtos não sofreram alterações.
Tabela 2. Caracteres organolépticos das amostras de álcool líquido e álcool gel a 70% ao longo do tempo
de estudo.
ÁLCOOL LÍQUIDO 70%
DIA COR ODOR ASPECTO FÍSICO
0 Incolor Característico Homogêneo, transparente e límpido
7 Incolor Característico Homogêneo, transparente e límpido
14 Incolor Característico Homogêneo, transparente e límpido
21 Incolor Característico Homogêneo, transparente e límpido
30 Incolor Característico Homogêneo, transparente e límpido
ÁLCOOL GEL 70%
DIA COR ODOR ASPECTO FÍSICO
0 Incolor Característico Homogêneo, viscoso e translúcido
7 Incolor Característico Homogêneo, viscoso e translúcido
14 Incolor Característico Homogêneo, viscoso e translúcido
21 Incolor Característico Homogêneo, viscoso e translúcido
30 Incolor Característico Homogêneo, viscoso e translúcido
Fonte: Própria autoria
gel a 70% com viscosidade intermediária são mais eficazes quanto à atividade bacteriana
e fungicida.
Tabela 2. Teor alcoólico do álcool líquido e do álcool gel durante os 30 dias de uso.
Tempo (dias) 0 7 14 21 30
Álcool gel -
refratometria (% 70,00±0,00 70,00±0,00 70,00±0,00 70,00±0,00 70,00±0,00
p/p)
Álcool líquido -
método densidade 71,43±0,65 72,38±2,00 72,20±2,11 71,81±1,33 72,20±1,86
(% p/p)
Álcool líquido -
alcoômetro (% 72,1±0,52 72,6±0,00 71,6±0,00 70,1±0,00 70,0±0,00
p/p)
OBS.: Os resultados foram expressos em média ±coeficiente de variação (n=3).
Fonte: Própria autoria
Para que o álcool etílico tenha ação desinfetante, preconiza-se o título ponderal no
mínimo 70% p/p e no máximo 75% p/p. Na medida de densidade, a mistura alcoólica
deve estar entre 0,85854 e 0,87234 g/cm³ a 15 °C, para corresponder a essa porcentagem
(BRASIL, 2012; BRASIL, 2005). Ao avaliar a densidade, deve-se estar atento a
temperatura, pois qualquer variação desta pode-se afetar a medida de densidade, que
decresce cerca de 0,03% por ºC de aumento de temperatura (REIS, 2006).
Tanto o produto na forma farmacêutica líquida quanto em gel se manteve na faixa
da graduação alcoólica preconizada, durante todo o período de ensaio (tabela 2). Apesar
de as temperaturas apresentarem-se relativamente altas durante o período, variando entre
21 e 28 °C, a volatilização do álcool não foi significativa.
Os valores obtidos nas análises foram agrupados na figura 1, onde podemos
observar que a concentração (% p/p) do álcool durante os períodos de análise variou
dentro dos limites aceitáveis (entre 70 e 75% p/p). A variação foi devida à baixa
sensibilidade do método, em virtude das aproximações dos valores de densidade com os
da Tabela de Alcoometria do FNFB (BRASIL, 2012).
Figura 1. Teor alcoólico médio encontrado nas amostras de álcool líquido e de álcool gel analisadas ao
longo do estudo pelo método da densidade e da alcoometria.
73,0 72,6
72,1
71,6 71,6
72,0 71,6
Grau alcoólico
71,0
69,0
68,0
0 7 14 21 30
Tempo (dias)
4 CONCLUSÃO
Considerando o cenário atual da pandemia causada pela Covid-19, e o grande
aumento na utilização pela população do álcool etílico a 70% como agente antisséptico,
seja veiculado em gel ou em forma líquida, é relevante que a utilização contínua deste
produto, por profissionais e clientes em um estabelecimento farmacêutico, não cause
alteração nos parâmetros físico-químicos e microbiológicos, garantindo assim a
efetividade do produto e, consequentemente, a segurança aos usuários.
REFERÊNCIAS
BRASIL. RDC nº 219, de2002. Dispõe sobre Regulamento Técnico para álcool etílico
hidratado, em todas as graduações, e álcool etílico anidro comercializados por atacadistas
e varejistas. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA, 2002b.
BRASIL. RDC nº 322, de 2002. Dispõe sobre Regulamento Técnico para álcool etílico
hidratado, em todas as graduações, e álcool etílico anidro comercializados por atacadistas
e varejistas. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA, 2002c.
BRASIL. RDC no. 07, de 11 de fevereiro de 2015Dispõe sobre os requisitos técnicos para
a regularização de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes e dá outras
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BENY MG. Higiene das Mãos. Cosmetics & Toiletries (Brasil), 2021; 33(1): 16-21.
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