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DOI:10.34117/bjdv6n6-104
RESUMO
A hemorragia é um quadro clínico de extravasamento sanguíneo que não cessa
espontaneamente, podendo ser considerado um quadro de urgência, com ocorrência por
trauma, processos patológicos ou na prática clínica odontológica de rotina. Visando contribuir
para melhoria da assistência odontológica em urgência, esse trabalho tratou-se de uma revisão
integrativa da literatura com o propósito de investigar e reunir informações acerca dos
principais métodos e agentes hemostáticos utilizados e recomendados na prática odontológica
no controle de hemorragias. Foram utilizados para a pesquisa as bases de dados MEDLINE,
LILACS e Scielo, aplicando os descritores “Odontologia”, “Assistência Odontológica”,
“Atendimento de Emergência”, “Homeostase”, “Hemorragia”, “Sangramento”, “Assistência
Ambulatorial” e “Anti-hemorrágicos”. Hoje a tecnologia em cuidados odontológicos especiais
dispõe de vários recursos hemostáticos, sejam eles reparos locais, fármacos ou métodos
mecânicos, os quais podem ser usados individualmente ou em combinação em função da
resolução da hemorragia. Os agentes encontrados disponíveis foram a compressão local, ácido
tranexâmico, sutura, cauterização, esponjas, selantes de fibrina, esfera de quitosana e outros.
Conclui-se que não há um padrão ouro quanto aos métodos e agentes hemostáticos no
atendimento odontológico de urgência e que suas escolhas dependem das competências,
habilidades e experiências profissionais, como também de acordo com as particularidades de
cada caso apresentado.
1 INTRODUÇÃO
As estruturas orais têm vascularização caracterizada por ser sensível e complexa,1 e
mediante tais características, quadros hemorrágicos podem estar presentes na rotina dos
serviços de urgência odontológicas.2 Esse fenômeno pode ser descrito genericamente como
um quadro clínico em que o sangue extravasa do lúmen dos vasos sanguíneos para fora, e que
não cessa espontaneamente.2,3
No serviço odontológico de rotina, tal quadro ocorre quando há a ruptura de um vaso
durante alguma intervenção clínica, e é denominada hemorragia peri-operatória induzida por
trauma, ou seja, que decorre do ato clínico de manipulação.2 O risco dessa intercorrência
depende sobretudo do tipo de procedimento e do local a ser manipulado,4 tendo os
procedimentos reconhecidos como os de maior potencial de ocasionar hemorragias sendo as
extrações dentárias, as implantodontias e as cirurgias periodontais.2
Todavia, quadros de sangramento podem chegar ao cirurgião-dentista também como um
caso clínico de urgência odontológica, relacionada a quadros de trauma ou processos
patológicos.5 Deste modo, é imprescindível para o controle das hemorragias o conhecimento
do cirurgião-dentista acerca do processo fisiológico que ocorre imediatamente após a lesão de
um vaso.6
2 METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão integrativa de literatura, a partir das bases de dados eletrônicas
Medline via Pubmed, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Literatura Científica e
Técnica da América Latina e Caribe (LILACS), visando a investigar sobre os principais
agentes e métodos hemostáticos na prática odontológica no serviço de urgência. O
questionamento que impulsionou essa pesquisa foi: há na literatura a descrição de protocolos
validados e de agentes hemostáticos considerados padrão ouro para o atendimento
odontológico de urgência de hemorragias?
Os critérios da seleção das publicações selecionadas para a realização desta revisão
foram sumarizados no Quadro 1. Foi pesquisada literatura nacional e internacional, publicada
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n.6, p.34290-34304 jun. 2020. ISSN 2525-8761
34294
Brazilian Journal of Development
entre janeiro de 2000 a março de 2020, com a finalidade de acessar evidências mais recentes
a respeito do assunto, nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa. Os descritores (DeCs, BVS)
e MeSH (Pubmed) foram, então, combinados através dos operadores boleanos AND, OR e
AND NOT.
Quadro 1 – Descritores utilizados no levantamento bibliográfico.
Descritores utilizados para Critérios de
Termos relacionados a busca
busca exclusão
Textos indisponíveis
Tipos de agentes hemostáticos Odontologia. Assistência na íntegra.
disponíveis para uso Odontológica. Atendimento de Estudos com pouca
odontológico. Emergência. Homeostase. fidedignidade
Protocolos de atendimento de Hemorragia. Sangramento. científica, aulas,
urgência odontológica em Assistência Ambulatorial. Anti- editoriais, resumos,
casos de hemorragias. hemorrágicos. opiniões pessoais e
cartas.
Os artigos foram selecionados por dois avaliadores (J. A. C.; L. M. M. S.), pelos títulos,
havendo exclusão daqueles que não estavam relacionados a questão central da pesquisa. Foram
identificados, inicialmente, 736 artigos com descritores correspondentes ao assunto central da
pesquisa (Quadro 1).
Destes, 112 artigos foram eleitos, por relacionar diretamente os descritores “Assistência
odontológica” e “Hemorragia”. Após a exclusão de 19 repetidos, restaram 93 para análise dos
resumos. Nessa etapa, os artigos selecionados para a revisão deveriam estar em consonância
com os seguintes eixos:
Após a leitura dos resumos, pelos mesmos revisores, houve a exclusão daqueles que
não poderiam ser colocados em nenhum dos eixos e por fugirem ao escopo da pesquisa e, por
fim, após restaram 24 artigos incluídos na pesquisa (Figura 1).
Resultado da Busca
Eletrônica: 736
Títulos selecionados
inicialmente: 112
Títulos excluídos por
duplicidade: 19
Abstracts analisados:
93
Abstracts excluídos:
44
Abstracts
selecionados: 49
Textos completos
excluídos: 25
Textos completos
incluídos: 24
3 REVISÃO DA LITERATURA
Existem alguns princípios fundamentais para gerenciar hemorragia no serviço
odontológico, e o primeiro deles é parar a fonte de sangramento sempre que possível.11
Entretanto, para o controle de um evento hemorrágico é essencial que o cirurgião-dentista
entenda o processo natural de hemostasia e do mecanismo de cada método aplicado.12 Hoje a
tecnologia em cuidados odontológicos especiais dispõe de vários recursos hemostáticos, sejam
eles reparos locais, fármacos ou métodos mecânicos, os quais podem ser usados
individualmente ou em combinação em função da resolução da hemorragia.2
3.1.3 Cauterização
A cauterização é um método consagrado, amplamente utilizado para retardar o
sangramento em procedimentos cirúrgicos21. Esse método é de fácil manuseio e baixo custo,
e logo passou a ser aplicado em episódios de hemorragia.21,22 Existem dois métodos de
cauterização a saber, por laser, que consiste em um semicondutor de energia elétrica em
energia luminosa, e o eletrocautério que utiliza a energia térmica para selar os tecidos.23
A hemostasia é obtida quando o instrumento cauterizador é aproximado do foco
seccionado provocando uma coagulação imediata.24 Isso acontece porque a energia
empregada, térmica ou elétrica, provoca queimaduras em vários níveis ao tecido, atingindo
um tecido cicatricial.25
Alguns autores recomendam a cauterização através de laser em casos de sangramentos
mais intensos.25 Todavia, evidências de ensaios clínicos randomizados demonstram diferença
insignificante na obtenção da hemostasia através dos tipos de laser ou eletrocautério.23 Os
pacientes apresentam sangramento autolimitante ou nulo, o que indica que ambas as técnicas
são capazes de obter hemostasia satisfatória.26
4 DISCUSSÃO
Sabe-se que o serviço de urgência odontológica tem o objetivo de tratar quadros e
patologias que precisam de cuidado imediato para a reestabelecer a saúde e minimizar o
sofrimento do paciente.35 Segundo a literatura, eventos de sangramento estão entre os
principais quadros clínicos que motivam o paciente a procurar o serviço de urgência.36
Também merece destaque a hemorragia intraoperatória, que constitui o quadro mais crítico na
urgência odontológica, o qual requer uma intervenção imediata para o controle de
intercorrências, pois a perda acentuada do volume sanguíneo pode contribuir para o
agravamento do quadro.37
No atendimento eletivo, o cirurgião-dentista pode prevenir possíveis acidentes
hemorrágicos através de uma anamnese detalhada e análise de exames laboratoriais,
possibilitando a identificação de distúrbios hematológicos e estabelecer um regime de
controle.38 Isso pode não ser viável no atendimento de urgência odontológica, no qual o
profissional não dispõe de exames laboratoriais complementares, há redução do tempo de
preparação para evitar a hemorragia, e o cirurgião-dentista deve proceder com a reparação do
quadro.4
Para Roberts, Scully e Shotts36 (2001), Kurt-Gabel11 (2011) e Isla Granados et al.36
(2012), a conduta imediata genérica aplicada pelos cirurgiões-dentistas é sempre a retirada do
coágulo e execução de compressão local com gaze estéril, mas destacam que nem sempre essa
conduta é capaz de limitar o sangramento. Neste cenário, o profissional deve definir uma
conduta rapidamente, e como não existem protocolos padrões de gerenciamento da
hemorragia, as evidências científicas atuais corroboram com o uso combinado de vários
agentes hemostáticos.37,39 A exemplo disso, está a recomendação de uso de ácido tranexâmico
embebido na gaze,14,15,31 e a cobertura da superfície lesionada com aplicação de esponjas
hemostáticas.16
Seguindo as observações sobre esponjas hemostáticas, os estudos de Israels et al.27
(2006), Kamoh e Swantek28 (2012) e El Batawi22 (2013), reconhecem a eficácia desses agentes
para lesões superficiais, ao formar um suporte estrutural para formação do coágulo
naturalmente. Entretanto, Johnson e Leary12 (1988) e Peisker, Raschke e Schultze-Mosgau16
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe uma vasta quantidade de opções para a contenção e controle de hemorragias,
não havendo ainda um padrão ouro quanto aos métodos e agentes hemostáticos no atendimento
odontológico de urgência, a partir da literatura elencada neste estudo. Ademais, cabe ao
cirurgião-dentista escolher qual a melhor forma de condução do quadro mediante suas
competências, habilidades e experiências profissionais, como também de acordo com as
particularidades de cada caso apresentado.
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