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VOL. 2
ORDENS MILITARES • 8
COLEÇÃO
COLEÇÃO
ORDENS MILITARES • 8
VOL. 2
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
Coordenação
Isabel Cristina Ferreira Fernandes
VOL. 2
FICHA TÉCNICA
Título: Entre Deus e o Rei. O Mundo das Ordens Militares
Coordenação: Isabel Cristina Ferreira Fernandes
Edição: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago / Município de Palmela
Largo do Município
2951-505 Palmela
+351 212 336 640 | patrimonio.cultural@cm-palmela.pt
Grafismo da Capa: João Luís Portel e Jorge Ferreira
Imagem da Capa: medalhão da Igreja de Santiago de Tavira | Foto Celso Candeias |
Museu Municipal de Tavira
Revisão: Isabel C. F. Fernandes | J. F. Duarte Silva
Composição: Hugo Rios e José Luís Santos
Impressão e Acabamento: ARTIPOL – Artes Tiporáficas, Lda. | www.artipol.net
Código de Edição: CMP – 527/2018
Depósitos Legais: Vol. 1 – 447614/18; Vol. 2 – 447632/18
ISBN: 978-972-8497-75-0
Tiragem: 800 exemplares
Todos os direitos reservados para a língua portuguesa por Câmara Municipal de Palmela
4. EM PORTUGAL COMO LÁ FORA:
A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
A HERANÇA TEMPLÁRIA
EM PORTUGAL:
MEMÓRIA DOCUMENTAL
E PATRIMONIAL
PAULA PINTO COSTA
FLUP / CEPESE
JOANA LENCART1
FLUP / CEPESE
O estudo da herança templária em Portugal, por via da sua memória documental e pa-
trimonial, constitui o objetivo central deste texto. A transição de bens patrimoniais entre a
Ordem do Templo e a de Cristo não foi ainda sistematicamente analisada, pelo que consti-
tuirá o indicador principal da nossa análise, conciliando diplomas pontifícios e documenta-
ção diversa existente em Portugal. Do ponto de vista cronológico, em Portugal o problema
manifesta-se sobretudo entre 1307 e 1317, altura que em que decorre um período de notória
interferência régia, seguido da fase de instituição (1319) e organização funcional da Ordem
de Cristo, que culminaria na promulgação das Ordenações de 1326. A sintonia destes textos
normativos com outros congéneres da Ordem de Avis (1327)2 e de Santiago (1327)3 revela,
também, a manipulação que a coroa exercia sobre todas elas, circunstância determinante
em todo o processo. Numa outra vertente, os diplomas pontifícios arquivados no Vaticano,
relacionados com o destino e o processo de gestão da generalidade dos bens dos Templários
após a supressão da Ordem, são muito abundantes e foram já elencados por Sousa Costa4.
1 Este trabalho foi desenvolvido durante o período em que fui doutoranda na FLUP, ao abrigo de uma bolsa de
doutoramento concedida pela FCT (ref. SFRH/BD/94440/2013).
2 OLIVEIRA, Luís Filipe, “As Definições da Ordem de Avis de 1327”, em Isabel Cristina FERNANDES (coord.), As
Ordens Militares – Freires, Guerreiros, Cavaleiros, Palmela, GEsOS/Município de Palmela, 2012, p. 371-388.
3 BARBOSA, Isabel Lago, “A Ordem de Santiago em Portugal nos finais da Idade Média”, em Luís Adão da FON-
SECA (ed.), As Ordens de Cristo e de Santiago no início da Época Moderna: A Normativa, Militarium Ordinum
Analecta, 2, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 1998, p. 234.
4 COSTA, António Domingues de Sousa, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. 2, Porto/Braga, Editorial Fran-
5 OLIVEIRA, Luís Filipe; FONSECA, Luís Adão; PIMENTA, Maria Cristina; COSTA, Paula Pinto, “Military Orders in the
fifteenth century”, em José MATTOSO, Maria de Lurdes ROSA, Bernardo Vasconcelos e SOUSA e Maria João BRANCO
(ed.), The Historiography of Medieval Portugal, c. 1950-c.2010: a collective book and a collaborative project, Lis-
boa: Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 425-457 (em especial, p. 432).
6 TRINDADE, Maria José Lagos, “A propriedade das ordens militares nas inquirições gerais de 1220”, Do Tempo
e da História, IV, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Instituto de Alta Cultura (1971), p. 125-138 e em Actas
del Congreso Internacional Hispano-Portugues (Las Ordenes Militares en la Peninsula durante la Edad Media),
Madrid-Barcelona, C.S.I.C., 1981, p. 81-93.
7 Chancelaria D. Afonso III, livro I, ed. por Leontina VENTURA e António Resende de OLIVEIRA, vol. 1, Coimbra,
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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
evidenciados pelas inquirições régias de 1220 e de 1258, estas últimas feitas sob a sua
égide, nem a assinatura do tratado de Badajoz, em 1267, fixando a fronteira e o estatuto
do Algarve, domínios em que, sobretudo, a Ordem de Santiago tinha tido um grande pro-
tagonismo. Do reinado afonsino guardam-se outras memórias, igualmente, sintomáticas
da atitude régia contrária aos interesses dos Templários. Com efeito, a 9 de setembro de
12728, D. Afonso III proferiu uma sentença contra a Ordem, pela qual foram adjudicadas
ao rei as vilas de Mogadouro e de Penas Róias, com todos os direitos e pertenças que
os freires reivindicavam, com base num escambo que envolvia também Idanha-a-Velha.
Neste seguimento, e como forma de manifestação da autoridade régia, em 27 de dezembro
desse mesmo ano, D. Afonso III concedeu foral aos habitantes de Mogadouro e aos de
Penas Róias, referindo que o território pertencera aos freires do Templo9, situação de novo
reiterada em 18 de novembro de 127310.
Em simultâneo, a intervenção régia sobre os bens patrimoniais dos Templários tam-
bém se fazia sentir sobre o núcleo central que a Ordem possuía a Sul de Coimbra. Decor-
ria, pois, um processo de contencioso, que deu origem a uma sentença, datada de 18 de
dezembro de 1274, aduzida em 3 de março de 1276, no momento em que D. Afonso III
ordenou a demarcação dos termos de Montemor-o-Velho, de Soure e de Ega11. A situação
arrastar-se-ia e, em 15 de janeiro de 1278, o monarca promulgou uma carta de sentença
sobre os termos de Montemor-o-Velho12.
Estas medidas estratégicas de cerceamento dos direitos dos Templários tiveram con-
tinuidade no reinado de D. Dinis. Em 19 de dezembro de 1283, este rei proferiu nova
sentença contra a Ordem do Templo, a propósito de certos direitos exercidos em Tomar13,
atingindo, deste modo, uma outra área territorial de importância crucial para a instituição
(i.e., o território a Norte do Tejo). Com este episódio completa-se a intervenção régia so-
bre os três núcleos chave do território em que os freires estavam implantados: a fronteira
transmontana em torno de Mogadouro e de Penas Róias, a zona centro do reino em torno
de Montemor-o-Velho, de Soure e de Ega e, por fim, a área mais a Sul com centro em To-
mar, prolongando-se por toda a Beira. A partir desta observação, podemos afirmar que a
ação régia mostra-se já estrategicamente bem definida e orientada, numa altura em que
maio de 1273, o rei envia carta aos pretores de Mogadouro e Penas Róias dando-lhes conhecimento da referida
sentença (publ. em Chancelaria de D. Afonso III, livro I, vol. 2, n.º 563, p. 147-148).
9 Portugaliae Monumenta Historica (PMH), Leges, vol. 1, fasc. V, Lisboa, Tipografia Academia das Ciências,
1866, p. 725.
10 PMH, Leges, vol. 1, fasc. V, p. 731-732 (relativo a Mogadouro); PMH, Leges, vol. 1, fasc. V, p. 732-733 (re-
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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
ainda não se colocava a questão da supressão da Ordem do Templo. Como se verá, a coroa
mostrar-se-ia a principal interessada no processo da transição dos bens patrimoniais do
Templo, o que, de algum modo, estava em sintonia com a sua opção anterior de controlo dos
territórios em que esta Ordem estava implantada. Esta atitude de intromissão estava longe,
porém, de se restringir aos Templários, sendo possível falar numa política concertada em
relação a todas as Ordens Militares existentes em Portugal14.
Este ambiente de pressão atingiria também os próprios freires, como sugere um docu-
mento de 22 de agosto de 1279, inserto num outro de 1291, pelo qual D. Dinis, a pedido
do mestre da Ordem do Templo, ordenou que ninguém maltratasse os freires e cavaleiros
Templários, nem roubasse os seus bens, deixando transparecer a preocupação em salva-
guardar a integridade dos freires15.
Tendo em conta o contexto do Oriente Latino entre os finais da década de 80 do séc.
XIII e os primórdios da década seguinte, talvez se consigam identificar as motivações
para uma tomada de posição régia favorável aos Templários, manifestada por alguma da
documentação existente em Portugal. De facto, estes anos, marcados pela perda de Tripoli,
em 1289, e pela derrota das forças ocidentais na batalha de S. João de Acre (18 de maio
de 1291), podem ter levado D. Dinis a protagonizar uma atitude de alguma proteção aos
freires portugueses. Acresce que em 1289 foi assinada a Concordata entre a Santa Sé e
a Coroa16 e que estavam em curso as negociações que desembocariam na assinatura do
tratado de Alcanices em 1297. Ou seja, quando a questão da fronteira constituía o centro
da discussão política, não seria prudente hostilizar uma instituição que ocupava posições
fronteiriças muito relevantes entre Portugal e Castela17. Na sequência dos factos aponta-
dos, em 14 de dezembro de 1302, D. Dinis proibiu D. João Martins de Soalhães, bispo de
Lisboa, de impor tributos indevidos ao mestre e aos freires da Ordem do Templo18. Apesar
de a discussão que envolvia as autoridades episcopais e as Ordens Militares para definição
de jurisdições e respetivo pagamento de tributos remontar às origens destas Ordens, o que
14 PIZARRO, José Augusto de Sottomayor, D. Dinis (1261-1325), Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p. 164-166;
LOMAX, Derek W., “El Rey D. Diniz de Portugal y la Orden de Santiago”, em Hidalguía, 30 (1982), p. 477-487;
CUNHA, Mário, “A quebra da unidade santiaguista e o mestrado de D. João Osório”, em Isabel Cristina FERNANDES
(ed.), As Ordens Militares em Portugal e no Sul da Europa, Lisboa, ed. Colibri/C.M. Palmela, 1997, p. 393-405;
AYALA MARTÍNEZ, Carlos, “La Escisión de los Santiaguistas Portugueses: Algunas Notas sobre Los Estableci-
mientos de 1327”, em Historia. Instituciones. Documentos, Sevilha, Universidad de Sevilla, Departamento de
Historia Medieval y Ciencias y Técnicas Historiográficas, 24 (1997), p. 53-69; CUNHA, Maria Cristina, “A eleição
do mestre de Avis nos séc. XIII-XV”, em Isabel Cristina FERNANDES (ed.), As Ordens Militares em Portugal e no
Sul da Europa, Lisboa, ed. Colibri/C.M. Palmela, 1997, p. 373-392; COSTA, Paula Pinto, “D. Dinis e a Ordem do
Hospital: dois poderes em confronto”, em Actas da II Semana de Estudios Alfonsíes, Puerto de Santa Maria, 2001.
15 TT, Gaveta 7, mç. 10, n.º 12; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 102r-102v.
16 PIZARRO, D. Dinis…, p. 102-104.
17 COSTA, Paula Pinto, “Ordens Militares e fronteira: um desempenho militar, jurisdicional e político em tempos
medievais”, Revista da Faculdade de Letras do Porto – História, Porto, III série, vol. 7 (2006), p. 79-91.
18 TT, Gaveta 7, mç. 9, nº 16; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 129r-129v.
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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
importa salientar no documento de 1302 é a atitude régia de proteção aos freires do Tem-
plo, tanto mais que nesse reinado tiveram lugar sérios conflitos com o clero19.
Traçado este contexto subjacente à hipótese de trabalho que formulamos, importa
sistematizar a propriedade que a Ordem do Templo possuía em Portugal. Como dissemos,
por razões óbvias não é possível fazer uma análise de pormenor dos bens registados nas in-
quirições régias do séc. XIII. De uma maneira geral, o conjunto destes bens imóveis estava
organizado em comendas ou adstrito à mesa mestral, por motivos de gestão de rendimentos,
núcleos que acolhiam concelhos, a que, não raras vezes, eram concedidos forais, e onde
também eram edificados castelos. Neste sentido, elencamos este tipo de propriedades,
tendo em conta apenas as categorias selecionadas para a análise.20,21,22,23,24,25,26,27,
Documento de 1271.03.15 (antes de),TT, Leitura Nova, Beira, liv. 3, fl. 80.
26 Documento de 1306.05.08 (TT, OC/CT, nº 234, 2ª parte, fl. 148v; BNP, Fundo Geral, nº 736, fls. 285r-285v).
27 Foral de 1174.06, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 403-404. Há, porém, um foral de 1156.06 outorgado por D.
Gualdim Pais à localidade de Ferreira sem se explicitar se se trata de Ferreira de Aves ou de Ferreira do Zêzere
(publ. PMH. Leges, vol. I, p. 385-386), cujo pergaminho foi cosido a um outro relativo à doação feita por D.
Teresa do foral de Ferreira, em 1126.
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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
28 Documento de [1126-1128], pelo qual D. Teresa doa à Ordem do Templo a vila de Fonte Arcada, perto de
Penafiel, com todos seus termos e benefícios, embora não use ainda o termo comenda. Publ. Documentos Me-
dievais Portugueses. Documentos Régios, volume I, nº 77, p. 99-100.
29 Documento de 1169.09 (publ., por todos, Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, volume I,
nº 295, p. 384-385).
30 Foral de 1174.06, TT, Feitos da Coroa, Núcleo Antigo 362. Ver o estudo diplomático sobre este foral em GOMES, Saúl,
“Observações em torno da Chancelaria da Ordem do Templo em Portugal”, em Isabel Cristina FERNANDES (ed.), As
Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente, Palmela, Câmara Municipal de Palmela/GEsOS,
2009, p. 131-134. Foral de 1176.04, publ. PMH. Leges, vol. 1, p. 398-399 e p. 404-405. Ver o estudo diplomático sobre
este foral em GOMES, “Observações em torno da Chancelaria da Ordem do Templo em Portugal”, p. 134-135.
31 Foral de 1218.04, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 577-579.
32 Foral de [1159].06, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 386.
33 Foral de 1162.11, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 388-389. Foral viciado pelos moradores de Tomar, de 1174.06,
certas igrejas que os doadores tinham nas herdades entre o rio Ariorde e a Guarda e que o concelho deu à Ordem,
na condição desta edificar um castelo em Touro para proteger os habitantes. Publ. COSTA, Frei Bernardo da, História
da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, Coimbra, Officina de Pedro Ginioux, 1771, nº 42, p. 251-252.
36 Foral de 1253.05.19, TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 1, nº 36 (inserto em documento de 1307.10.04).
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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
Para Castelo Branco, Ceras, Ega, Pombal, Proença-a-Velha e Tomar, territórios cen-
trais do domínio templário são conhecidos documentos que atestam as três variáveis que
selecionamos. De resto, a associação entre castelo e comenda é frequente, o que é com-
preensível, na medida em que estas estruturas fortificadas constituíram focos de povoamen-
to, de gestão de domínios senhoriais e de expressão de diversos sistemas jurisdicionais37.
Contextualizar estes dados na conjuntura internacional que se desenvolvia em torno
da Ordem do Templo proporciona elementos de reflexão bastante interessantes. Como é
sabido, a partir de 1307 criou-se todo o ambiente que conduziu ao Concílio de Vienne,
realizado entre outubro de 1311 e maio de 1312, que teve como um dos objetivos primor-
diais definir o destino da Ordem do Templo38. De facto, o processo em que esteve envolta
a queda da Ordem do Templo conheceu uma primeira etapa, de cunho civil e com origem
em França, e só num segundo momento adquiriu contornos eclesiásticos. Os delegados de
Portugal a esse concílio foram o arcebispo de Braga e os bispos de Lisboa, do Porto e de
Coimbra39. Os reflexos deste concílio fizeram sentir-se em toda a Europa40 e também em
Portugal, onde teve grande impacto a decisão de suprimir a Ordem pela bula Vox in excel-
so41. No contexto gerado pelo Concílio de Vienne, o papa Clemente V determinou que os
bens do Templo fossem transferidos para o Hospital, com exceção dos de Castela, Aragão,
Maiorca e Portugal42. Assim, em 23 de agosto de 1312, pela bula Dum fili carissime, os
diferentes reis peninsulares viam-se obrigados a justificar a exceção que o concílio tinha
admitido em relação aos bens do Templo existentes nos seus respetivos reinos43.
As tão referidas perseguições aos Templários, ocorridas sobretudo em França44, na
sequência de já em 13 de outubro de 1307, Filipe, o Belo, ter dado ordem de detenção dos
Templários45, foram consolidadas pelas bulas Pastoralis praeminentiae, de 22 de novembro
de 1307, e Ad omnium fere notitiam credimus pervenisse, de 12 de agosto de 130846. No
37 BARROCA, “Os castelos das Ordens Militares ...”, p. 535-548 e COSTA, Paula Pinto, “As estruturas militares de
Belver, do Crato, da Amieira e da Sertã: entre o domínio territorial e a afirmação senhorial”, em Isabel Cristina
FERNANDES (coord.), Castelos das Ordens Militares (Actas de Encontro Internacional), Lisboa, Direção-Geral do
Património Cultural, 2013, vol. II, p. 313-330.
38 A 22 de março de 1312, o papa Clemente V, pela bula “Vox in excelso”, suprime a Ordem do Templo <http://
www.documentacatholicaomnia.eu/03d/1311-1312,_Concilium_Viennense,_Documenta_Omnia,_LT.pdf>
[consulta: 2015.09.28]).
39 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana..., vol. II, p. XXIII.
40 DEMURGER, Alain, A grande aventura dos Templários. Da origem ao fim, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006,
p. 483-491.
41 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 483-485.
42 A 2 de maio de 1312, o papa Clemente V, pelas letras “Ad providam”, manda transferir os bens dos Tem-
plários para a Ordem do Hospital, com exceção dos bens existentes nos reinos de Castela, Aragão, Maiorca e
Portugal. Publ. em Magnum Bullarium Romanum, tomus IX, p. 148-150.
43 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XXXVI.
44 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 492-497.
45 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 449.
46 Estas e outras bulas podem ser consultadas em texto integral em Documenta Catholica Omnia (disponível
âmbito deste estudo, é de salientar que um dos principais efeitos se manifestou na cons-
tituição de um repositório documental da Ordem do Templo de valor jurídico-probatório
com a finalidade de atestar uma parte do seu espólio patrimonial em Portugal. Com efeito,
desta altura conhecem-se tanto inquirições régias ao património dos Templários, como o
traslado de documentos pertencentes aos freires e relacionados com os seus bens imóveis.
A criação da Ordem de Cristo em março de 1319 foi o corolário de toda esta situação e
traduz claramente a política dionisina47, sendo necessário perceber o que precedeu este
último momento, tanto quanto a documentação o proporciona.
O ambiente em que todos estes episódios tiveram lugar deveria ser de grande tensão, pois
estava em causa um assunto que, para além de envolver uma instituição e as pessoas a ela as-
sociadas, ultrapassava as fronteiras do reino, envolvia a Santa Sé e os maiores interesses régios.
Deste período, conservam-se nos arquivos portugueses, pelo menos, três inquirições
especificamente aplicadas aos bens da Ordem do Templo, datadas dos anos de 1312, 1314
e 1317. A estas poderão acrescentar-se outras, embora feitas com objetivos muito preci-
sos. Nesta última categoria podemos incluir, por exemplo, uma inquirição referida numa
sentença de 19 de janeiro de 1310, feita por Gonçalo Dinis de Celorico e Lourenço Eanes
da Covilhã, que atuavam em nome do rei, por Domingos Domingues de Salvaterra, em re-
presentação dos interesses do mestre, e por Nicolau Domingues, tabelião de Idanha48. Por
sua vez, em 11 de dezembro de 1312, foi feita uma inquirição, por mandado de D. Dinis,
pela qual se prova que a quintã do Pinheiro de Ázere era pertença da Ordem do Templo49.
Muito mais abrangente foi o inquérito que o monarca mandou fazer em 131450. A au-
dição dos interrogados ficou inicialmente a cargo de João Pais de Soure e foi continuada
por um outro homem de Castelo Branco. Ambos teriam que apurar informações que dessem
resposta a 25 artigos sobre os usos, costumes e jurisdições dos Templários. O conteúdo deste
texto é bastante curioso e esclarecedor do ambiente em torno da questão em estudo. De facto,
em 1314, a primeira testemunha inquirida faz remontar ao tempo do Conde D. Henrique a
presença dos Templários em Portugal e associa à coroa a posse da raiz dos bens, de que os
freires exploravam apenas o respetivo usufruto, afirmando, por conseguinte, que “el rey fazya
delles o que lhy prazia”. Esta linguagem é consonante com a atitude régia manifestada em
outras situações, como a que ficou registada em relação à Ordem de Avis, que o rei classifica
como “cousa minha”51. As declarações do referido homem interrogado em 1314 são extensas
Revista da Faculdade de Letras – História. 2ª série, vol. XII, Porto, 1995, 113-123.
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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
e abordam aspetos cruciais. Assim, diz que os rendimentos proporcionados por estas pro-
priedades seriam para aplicar em Portugal e, como tal, se os freires quisessem entregar uma
parte ao grão mestre da Ordem careciam de autorização do rei. O rei também teria o direito de
cativar frutos e rendas do Templo sempre que quisesse e receberia todo o tesouro que acumu-
lassem em Portugal. Neste sentido, afirma que havia um clérigo do rei que ía ao capítulo para
receber as responsões. O raciocínio do homem inquirido é apresentado de forma bastante
assertiva e, deste modo, é acrescentado que os mestres do Templo em Portugal só exerciam
essa dignidade por vontade do rei. Alegando este princípio, compreende-se que diga que a
saída do reino por parte do mestre carecia de licença régia, sendo o seu substituto aprovado
pelo próprio monarca. Neste quadro de alegações, afirma que os Templários faziam menagem
e juramento aos reis de Portugal. Vai mais longe, ainda, ao referir que em Portugal só se
faziam freires em respeito pela vontade do rei e essa escolha recaía apenas sobre homens de
origem portuguesa, naturalmente para que devessem obediência ao monarca. O inquirido diz
também saber que os próprios capítulos da Ordem eram feitos quando e onde o rei quisesse
e que só se fazia capítulo para atribuição das bailias e das tenças por mandado do rei, sendo
os freires obrigados a acatar a sua vontade também neste domínio, e que o soberano mandava
um ou dois homens bons de sua casa à reunião capitular dos Templários para ver como era
feita a distribuição e atribuição dos bens e para verificar que não havia lutas entre os frei-
res. No que toca a questões judiciais e guerreiras, as declarações prestadas pelo inquirido
são, igualmente, reveladoras. Assim, a justiça cível e crime sobre pessoas e bens da Ordem
pertenciam ao monarca. As apelações dos juízes das vilas da Ordem eram enviadas para a
instância régia. A participação na guerra, sob a forma de hoste, de fossado e de anúduva era
feita sob a bandeira régia, dado que os concelhos serviam o rei e não os Templários. Inclusi-
vamente, aponta que no castelo de Soure, os freires passavam a noite fechados às ordens de
Fernando Mendes, homem do rei que trazia o castelo e a vila. Quando o rei e os seus filhos
chegavam aos castelos e aos lugares dos Templários, os freires eram afastados, já que os “dei-
tavam fora e ficava el rey nos castelos e logares e fazia em eles come de seu”. D. Afonso III e
D. Dinis apropriaram-se de castelos e vilas que os Templários tinham em Portugal, dizendo
que eram seus, nomeando os seus próprios alcaides e porteiros. Quanto ao resultado obtido
a partir deste interrogatório, já na parte final do documento, é dito que se provaram todos os
artigos, exceto dois deles: em primeiro lugar, aquele em que se dizia que o mestre não poderia
receber freire que não fosse de Portugal; e, em segundo lugar, aquele em que se dizia que o
mestre não podia fazer nenhum freire seu ovençal nem administrador sem licença prévia. Em
relação à restante matéria é sugerida uma forte unanimidade de opinião, exceto na memória
que faz remontar a presença dos Templários em Portugal ao tempo do Conde D. Henrique 52.
Esta inquirição de 1314 é, de facto, muito significativa. Na verdade, este conjunto
de declarações lesa totalmente os interesses da Ordem e dilui a sua identidade, enquanto
52 Publ. em GOMES, “A Extinção da Ordem do Templo em Portugal...”, p. 100-116.
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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
organização religiosa com um governo e modus vivendi próprio. Como vimos, em todas as
respostas está subjacente um raciocínio estratégico de afirmação da autoridade régia e da
sua tutela integral sobre a Ordem, em sintonia com a conjuntura dominante nesse momento.
Por fim, tanto quanto é possível saber, a última inquirição aos bens do Templo antes da
criação da Ordem de Cristo foi feita no final do mês de dezembro de 1317 e incidiu sobre
Tomar, de modo a que D. Dinis pudesse apurar quem fundou e povoou a referida localidade
que acolhia a casa conventual53.
Neste sentido, no ano de 1318, em Portugal, assistiu-se a grande atividade relaciona-
da com a supressão da Ordem do Templo. Depois de no mês de agosto terem sido nomeados
os procuradores de D. Dinis à Santa Sé54, em 30 de setembro de 131855, Lourenço Eanes,
tabelião público em Lisboa, perante D. Estêvão, bispo de Lisboa, e Vasco Fernandes, que
fora mestre da Ordem do Templo, dão a conhecer um conjunto de cartas régias e pontifícias
dirigidas à Ordem. Com efeito, foi arrolada diversa documentação que elucida a questão
em causa. A importância do assunto justificou a presença de D. Estêvão bispo de Lisboa,
D. Geraldo bispo de Évora, D. Martinho bispo de Viseu, de Vasco Fernandes outrora mes-
tre do Templo em Portugal, de Gonçalo Fernandes seu freire, de Lourenço Esteves freire
do Templo e de Estêvão Aires clérigo do rei. Os treze documentos arrolados dizem respeito
a propriedades dispersas, a padroados, a prerrogativas jurisdicionais e a privilégios, e cro-
nologicamente estendem-se entre 1128 e 1299.
Por um outro documento, datado também de 30 de setembro de 131856, feito por Domin-
gos Martins, tabelião público em Lisboa, perante as mesmas personalidades, foi dado a conhe-
cer o teor de vinte cartas que envolvem a Ordem do Templo. A relevância do assunto justifica
a menção a uma extensa lista de testemunhas no final do documento. Estes diplomas régios
situam-se entre 1128 e 1245 e incidem sobretudo sobre propriedades fulcrais do domínio
Templário e parecem ter sido alvo de uma análise rigorosa, na medida em que em alguns casos
é feito um trabalho minucioso de comparação entre diferentes versões do mesmo diploma.
Com o objetivo de aferir a transição dos bens da Ordem do Templo para a Ordem de
Cristo é necessário avaliar também alguns documentos que estão associados à criação e à
organização inicial da Ordem de Cristo. Trata-se, desde logo, da bula de fundação de 1319
e das Ordenações de 1321, de 1323 e de 1326.
Pela bula Ad ea ex quibus de 14 de março de 1319, o papa João XXII instituiu a Ordem
da Cavalaria de Jesus Cristo, a pedido do rei D. Dinis, aplicando à nova instituição o patrimó-
nio e determinados rendimentos, jurisdições e regalias dos Templários57. Porém, esta bula é
53 Publ. em GOMES, Saúl, “D. Gualdim Pais (c. 1118/20-1195)”, Revista População e Sociedade, Porto, CEPESE,
23 (2015), p. 18-20.
54 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XLIII.
55 TT, Gaveta 7, mç. 16, n.º 2; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 23r-28v.
56 TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 51v-77v.
57 Por todos, Monumenta Henricina, Coimbra, Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D.
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EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
Henrique, vol. I, doc. 61, p. 97-110 e doc. 62, p. 110-119 (versão em português).
58 Monumenta Henricina, vol. I, doc. 62, p. 114.
59 SILVA, Isabel Morgado, “A Ordem de Cristo sob o Mestrado de D. Lopo Dias de Sousa”, em Luís Adão da FON-
SECA (coord.), As Ordens Militares no Reinado de D. João I, Militarium Ordinum Analecta (1), Porto, Fundação
Eng.º António de Almeida, 1997, p. 25.
60 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 492-497.
61 Publ. em Monumenta Henricina, vol. I, doc. 68, p. 129-131.
62 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. LII-LIV.
63 TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 2, n.º 1 (inserto em documento de 1317.05.23 que está inserto em
documento de 1320.02.04).
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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
64 TT, OC/CT, n.º 234, 2.ª parte, fl. 52v. DIAS, João José Alves, Paio de Pele: a vila e a região do século XII ao
XVI, Vila Nova da Barquinha, Editora Junta Distrital de Santarém, 1989, p. 28 e DIAS, João José Alves, “As
comendas de Almourol e Cardiga, das Ordens do Templo e de Cristo, na Idade Média”, em As Ordens Militares
em Portugal, Palmela, Câmara Municipal de Palmela, 1991, p. 105 (p. 101-113).
65 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. LIV-LVI.
66 Por todos, Monumenta Henricina, vol. I, doc. 73, p. 142-150. SILVA, “A Ordem de Cristo...”, p. 26-27.
67 TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 2, n.º 5 (Publ. LENCART, Joana, “As ordenações inéditas da Ordem de Cristo de
1319 e 1323 – estudo comparativo com as de 1321 e de 1326”, População e Sociedade (26), 2016, p. 111-112. Disponível
em http://www.cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/populacao-e-sociedade-n-o-26. [Consultado em 13.09.2018]).
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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
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68Por todos, Monumenta Henricina, vol. I, doc. 74, p. 150-160. SILVA, “A Ordem de Cristo...”, p. 28.
69Na sequência da identificação de uma outra Ordenação datada de 1319, depois de concluída a investigação para o
presente texto, esta tabela foi ampliada e encontra-se publicada em LENCART “As ordenações inéditas...”, p. 127-132”.
659
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
76
Segundo as Ordenações de 1323, os bens de Fonte Longa estavam confiados ao comendador de Longroiva.
77
Segundo as Ordenações de 1323, os bens da Lardosa estavam confiados ao comendador de Castelo Novo.
78
Segundo as Ordenações de 1323, os bens em causa situavam-se em Torre do Arrisado e estavam confiados ao
comendador de Proença. Também nas Ordenações de 1326, este topónimo é referenciado como Torre do Arrisado.
79
Segundo as Ordenações de 1323, Idanha-a-Nova e Idanha-a-Velha passam a ser apenas uma comenda.
80
Segundo as Ordenações de 1326, a igreja de Rosmaninhal foi associada à comenda de Bemposta, enquanto
o temporal de Rosmaninhal foi associado à comenda de Segura.
81
Segundo as Ordenações de 1323, os bens do Rosmaninhal estavam confiados ao comendador de Segura.
82
Segundo as Ordenações de 1323, os bens temporais da Redinha estavam confiados ao comendador de Pombal.
83
As Ordenações de 1321 e de 1323 apontam apenas um comendador que gere Rio Frio, Fonte Arcada e Couto de Braga.
84
Segundo as Ordenações de 1321, no temporal de Tomar deveria haver seis comendadores, sendo que um
deles deveria estar na vila e os outros cinco no termo: Beselga, Paúl, Prado, Lousã e Pias.
85
ROMÃO, João Maia, No encalço do passo do Homem medieval: as vias de comunicação do antigo termo e atual
concelho de Tomar, Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Nova de Lisboa, 2012 (no mapa 19
cartografa o termo de Tomar).
661
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
Como afirmamos no início deste estudo, a transição de bens patrimoniais entre a Or-
dem do Templo e a de Cristo não foi ainda sistematicamente analisada. Para dar resposta a
este objetivo, apresentamos até agora a propriedade identificada como pertencente a cada
uma destas instituições, chamando agora a atenção para a sua leitura integrada.
Tanto quanto a documentação deixa perceber, o momento chave deste problema mani-
festa-se sobretudo entre 1307 e 1317, altura de que são conhecidos diversos documentos
elucidativos deste processo. Na verdade, estava em curso um período de notória interfe-
rência régia sobre os bens da Ordem do Templo. Esta constatação pode causar alguma
perplexidade, dado que, à partida e de um ponto de vista geral, a Santa Sé decidiu, em
1312, que os bens do Templo fossem confiados à Ordem do Hospital. A similitude organi-
zacional e territorial entre ambas terá sido determinante para esta decisão. No entanto, o
papa, mostrando-se sensível aos argumentos que lhe foram apresentados, autorizou que em
Portugal, assim como em Valência, os bens da Ordem do Templo constituíssem a base de
novas instituições – a Ordem de Cristo e a Ordem de Montesa –, respetivamente86.1
Para completar esta análise, importa sistematisar as instituições envolvidas na disputa
e gestão da base patrimonial do Templo em Portugal. O grande protagonista é o rei, seguido
a larga distância da Ordem do Hospital. Bispos, mosteiros e algumas figuras particulares
estiveram, muito provavelmente, atentos a este processo relacionado com a propriedade da
Ordem do Templo. A situação era complexa e pela bula Deus ultionum Dominus, de 12 de
agosto de 1308, o arcebispo de Braga e o bispo do Porto foram nomeados administradores
dos bens do Templo em Portugal87.2.3.4.5
O primeiro diploma que envolve o rei nesta fase crucial do processo é de 18 de agosto de
1307. Com efeito, D. Martinho de Oliveira, arcebispo de Braga, D. João Martins de Soalhães,
bispo de Lisboa, Fr. Estêvão, frade Franciscano, confessor do rei e bispo do Porto (1310-
1313) e depois de Lisboa (1313-132288), mestre João das Leis e Rui Nunes sentenciaram a
favor de D. Dinis, na questão das vilas e castelos Templários de Idanha-a-Velha, Salvaterra,
Soure, Pombal, Ega e Redinha89. Logo no ano seguinte, em concreto a 23 de junho de 1308, o
monarca tomou posse das vilas e castelos de Ega, Redinha e Soure, ato publicitado a 29 e 30
de junho nas diferentes localidades90. Assunto de perfil semelhante foi objeto de nova senten-
ça favorável a D. Dinis e contra a Ordem do Templo, em 19 de janeiro de 1310, que dirimia
em LOPES, “Das Atividades Políticas e Religiosas de D. Frei Estevão, bispo que foi do Porto e de Lisboa”, Lusitania
Sacra, Universidade Católica Portuguesa-Centro de Estudo de História Eclesiástica, 1ª série, tomo VI, 1962-1963,
p. 80-83 (a totalidade do texto é: p. 25-90), segundo COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XXV.
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EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
665
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
97 Publ. em BRANDÃO, Frei António, Monarchia Lusytana que contem as historias dos ultimos 23 annos d’el rey
D. Dinis, Sexta Parte, Lisboa, Officina de Joam da Costa,1672, p. 291-292.
98 TT, OC/CT, mç. 1, n.º 16 (inserto em documento de 1781.06.16).
99 Publ. em Monumenta Henricina, vol. I, doc. 68, p. 129-131.
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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
sido sugerida a hipótese de os Hospitalários terem tentado anexar bens dos Templários. No
entanto, esta hipótese, apesar de válida, carece de confirmação. A evidência documental é
muito escassa quanto ao envolvimento da Ordem do Hospital neste processo. Há, porém,
notícia de diversos conflitos prévios entre estas duas Ordens. Por exemplo, em 10 de no-
vembro de 1284, D. Dinis ordenou que se fizesse uma inquirição na freguesia de Rio Frio
para apurar os direitos do rei. Tinha ainda como objetivo saber quais os direitos da Ordem
do Templo em Quintães, Lágea, Madrinhas, Vila Nova, Vila Nova de Suzão, entre outros
lugares; bem como os direitos dos Hospitalários em Camunãos, Rebordões de Suzão, Talho,
entre outros100. O exemplo de Rio Frio101 mostra que as querelas entre estas duas Ordens
são antigas e antecedem a supressão do Templo. Estes dados adquirem maior expressão
no contexto da frequente conflitualidade existente entre os Templários e os Hospitalários,
a qual foi alvo de um acordo firmado em 3 de janeiro de 1231 a propósito de Vila Chã da
Braciosa (Miranda do Douro), perto de Mogadouro e de Penas Róias102. Em maio desse
mesmo ano, nova composição é assinada entre estas duas Ordens a propósito de dois casais
no termo de Castelo Rompar (Sertã)103. A supressão da Ordem do Templo e a criação da de
Cristo, sua herdeira patrimonial, potenciou rivalidades e a tentativa de afirmação do poder
dos Hospitalários na zona centro do reino, onde proliferavam os territórios dos Templá-
rios. Os negócios patrimoniais que envolviam estas duas instituições seriam frequentes,
embora não se conheça nenhum coincidente com o período subsequente à supressão do
Templo. Um único caso, porém, pode ser evocado e oferecer alguma pista sobre o assunto
em estudo. Referimo-nos a uma bula de 17 de dezembro de 1323, pela qual tomamos
conhecimento de que a apresentação do clérigo da igreja paroquial de S. João de Cinfães
(diocese de Lamego), outrora partilhada entre os Templários e os Hospitalários, foi nessa
altura assumida parcialmente por D. Dinis em substituição do papel dos Templários, o que
revela a atenção do rei em relação aos bens do Templo e a consequente dificuldade de os
Hospitalários assumirem algumas posições dos seus antigos congéneres104.15.16,17,18.19
Outros potenciais interessados nos bens dos Templários poderiam ter sido os bispos,
embora não haja notícia de tentativas de usurpação de propriedades do Templo protagoni-
zadas pelas autoridades episcopais na sequência da supressão da Ordem. Por outro lado,
100 TT, Gaveta 7, mç. 17, n.º 1; TT, Gaveta 6, mç. 1, n.º 210; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 117r-120v.
101 Valdevez Medieval. Documentos. I. 950-1299, Amélia Aguiar ANDRADE e Luís KRUS (coord.); Filomena MELO
e João Luís FONTES (transcr.). Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, 2000, p. 117-119.
102 TT, Gaveta 7, mç. 6, n.º 14 e mç. 14, n.º 11; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 39r-41r. Publ. em Cartulaire
Générale de l’Ordre des Hospitaliers de Saint-Jean de Jérusalem (1100-1310), documentos publicados por Jean Dela-
ville le Roulx, Paris, 1894-1906, vol. II, doc. 1972, p. 413-414. Ref. em As Gavetas da Torre do Tombo, vol. II, p. 446.
103 TT, Gaveta 7, mç. 12, n.º 8; TT, Gaveta 6, mç. 1, n.º 211. Ref. em FIGUEIREDO, José Anastácio, Nova História
da Militar Ordem de Malta e dos senhores grão-priores della em Portugal, Lisboa, 1800, vol. I, p. 428 e p.
509-511; BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, 2.ª
edição dirigida por Torquato de Sousa SOARES, vol. 1, Lisboa, Sá da Costa, 1945, p. 377.
104 Referida por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. LIV.
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O MUNDO DAS ORDENS MILITARES
105 TT, Cónegos Regulares de Santo Agostinho, Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, liv. 101 (Livro de D. João
Teutónio), fls. 14r-14v. Publ. em GOMES, Saúl, “As Ordens Militares e Coimbra Medieval: tópicos e documentos
para um estudo”, em Isabel Cristina FERNANDES, Ordens Militares: Guerra, Religião Poder e Cultura, Lisboa,
Ed. Colibri e Câmara Municipal de Palmela, 1999, p. 60.
106 TT, Gaveta 7, mç. 7, n.º 1; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 100r-100v.
107 Publ. em Monumenta Henricina, vol. I, doc 68, p. 129-131.
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EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)
108DEMURGER, Alain, “Éléments pour une prosopographie du “peuple templier”. La comparation des Templiers
devant la commission pontificale de Paris (Février-Mai 1310)”, Em Philippe JOSSERAND; Luís Filipe OLIVEIRA;
Damien CARRAZ (Études réunies par), Élites et Ordres Militaires au Moyen Âge. Rencontre autour d’Alain De-
murger, Madrid, Casa de Velázquez, 2015, p. 17-36 (especialmente, p. 21-25).
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