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O mundo das Ordens Militares

ENTRE DEUS E O REI


ENTRE DEUS E O REI
O mundo das Ordens Militares
Esta obra coletiva, com vasta participação internacional, cumpre
os desígnios principais do Gabinete de Estudos sobre a Ordem de COORDENAÇÃO
Santiago, do Município de Palmela, proporcionando a divulgação
ISABEL CRISTINA F. FERNANDES
de um conjunto de estudos sobre a história das Ordens Militares,
reveladores dos profícuos debates de ideias, em torno desta temática,
que regularmente têm lugar em Palmela.
Estrutura-se em sete capítulos: «Arquivos e Memória», «A Formação
e a Prática da Guerra», «As Ordens Militares e o Serviço à Coroa», «Em
Portugal como lá Fora: a Ordem do Templo em Tempos de Mudança
(1274-1314)», «As Ordens Militares e o Mar», «Arte, Arquitectura e
Arqueologia das Ordens Militares» e «Varia».
É dada particular atenção ao conhecimento de fundos arquivísticos,
aos processos de construção da memória, à vertente militar, tanto no
âmbito ibérico como do Oriente latino, à vida e à intervenção dos
Templários nos seus derradeiros tempos, à centralidade do mar em
várias das estratégias políticas destes institutos. O capítulo dedicado
ao serviço à Coroa evidencia a estreita e crescente influência régia nos
destinos das Ordens e a cultura material é tratada nas perspetivas
artística, arquitetónica e arqueológica. As questões da espiritualidade
militar e da vida religiosa, sem se autonomizarem em apartado
próprio, são transversais a muitas das abordagens.

VOL. 2
ORDENS MILITARES • 8
COLEÇÃO

COLEÇÃO
ORDENS MILITARES • 8
VOL. 2
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

Coordenação
Isabel Cristina Ferreira Fernandes

ENTRE DIOS Y EL REY


El mundo de las Órdenes Militares

ENTRE DIEU ET LE ROI


Le monde des Ordres Militaires

BETWEEN GOD AND THE KING


The world of the Military Orders

VOL. 2

COLEÇÃO ORDENS MILITARES 8


MUNICÍPIO DE PALMELA - GEsOS
PALMELA, 2018
CONSULTORIA CIENTÍFICA

Carlos de Ayala Martínez (Universidad Autónoma de Madrid)


Fernanda Olival (Universidade de Évora)
Helen Nicholson (Cardiff University)
Isabel Cristina Fernandes (GEsOS – Município de Palmela)
José Mattoso (Universidade Nova de Lisboa)
Kristjan Toomaspoeg (Università del Salento)
Luís Adão da Fonseca (Universidade do Porto e CEPESE)
Luís Filipe Oliveira (Universidade do Algarve)
Maria Cristina Pimenta (CEPESE-Universidade do Porto)
Nikolas Jaspert (Universität Heidelberg)
Philippe Josserand (Université de Nantes)
Vítor Serrão (Universidade de Lisboa)

FICHA TÉCNICA
Título: Entre Deus e o Rei. O Mundo das Ordens Militares
Coordenação: Isabel Cristina Ferreira Fernandes
Edição: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago / Município de Palmela
Largo do Município
2951-505 Palmela
+351 212 336 640 | patrimonio.cultural@cm-palmela.pt
Grafismo da Capa: João Luís Portel e Jorge Ferreira
Imagem da Capa: medalhão da Igreja de Santiago de Tavira | Foto Celso Candeias |
Museu Municipal de Tavira
Revisão: Isabel C. F. Fernandes | J. F. Duarte Silva
Composição: Hugo Rios e José Luís Santos
Impressão e Acabamento: ARTIPOL – Artes Tiporáficas, Lda. | www.artipol.net
Código de Edição: CMP – 527/2018
Depósitos Legais: Vol. 1 – 447614/18; Vol. 2 – 447632/18
ISBN: 978-972-8497-75-0
Tiragem: 800 exemplares

Todos os direitos reservados para a língua portuguesa por Câmara Municipal de Palmela
4. EM PORTUGAL COMO LÁ FORA:
A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

EN PORTUGAL COMO EN EL EXTERIOR:


EL TEMPLO
EN TIEMPOS DE CAMBIO (1274-1314)

AU PORTUGAL COMME EN DEHORS :


L’ORDRE DU TEMPLE
À UNE ÉPOQUE DE MUTATIONS (1274-1314)

IN PORTUGAL AS OUT THERE:


THE TEMPLARS IN
A TIME OF CHANGES (1274-1314)
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

A HERANÇA TEMPLÁRIA
EM PORTUGAL:
MEMÓRIA DOCUMENTAL
E PATRIMONIAL
PAULA PINTO COSTA
FLUP / CEPESE
JOANA LENCART1
FLUP / CEPESE

O estudo da herança templária em Portugal, por via da sua memória documental e pa-
trimonial, constitui o objetivo central deste texto. A transição de bens patrimoniais entre a
Ordem do Templo e a de Cristo não foi ainda sistematicamente analisada, pelo que consti-
tuirá o indicador principal da nossa análise, conciliando diplomas pontifícios e documenta-
ção diversa existente em Portugal. Do ponto de vista cronológico, em Portugal o problema
manifesta-se sobretudo entre 1307 e 1317, altura que em que decorre um período de notória
interferência régia, seguido da fase de instituição (1319) e organização funcional da Ordem
de Cristo, que culminaria na promulgação das Ordenações de 1326. A sintonia destes textos
normativos com outros congéneres da Ordem de Avis (1327)2 e de Santiago (1327)3 revela,
também, a manipulação que a coroa exercia sobre todas elas, circunstância determinante
em todo o processo. Numa outra vertente, os diplomas pontifícios arquivados no Vaticano,
relacionados com o destino e o processo de gestão da generalidade dos bens dos Templários
após a supressão da Ordem, são muito abundantes e foram já elencados por Sousa Costa4.

1 Este trabalho foi desenvolvido durante o período em que fui doutoranda na FLUP, ao abrigo de uma bolsa de
doutoramento concedida pela FCT (ref. SFRH/BD/94440/2013).
2 OLIVEIRA, Luís Filipe, “As Definições da Ordem de Avis de 1327”, em Isabel Cristina FERNANDES (coord.), As

Ordens Militares – Freires, Guerreiros, Cavaleiros, Palmela, GEsOS/Município de Palmela, 2012, p. 371-388.
3 BARBOSA, Isabel Lago, “A Ordem de Santiago em Portugal nos finais da Idade Média”, em Luís Adão da FON-

SECA (ed.), As Ordens de Cristo e de Santiago no início da Época Moderna: A Normativa, Militarium Ordinum
Analecta, 2, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 1998, p. 234.
4 COSTA, António Domingues de Sousa, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. 2, Porto/Braga, Editorial Fran-

ciscana, 1970, p. VII-LVI.


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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

Em Portugal, a Ordem do Templo tem sido abordada sobretudo na perspetiva da arqui-


tetura militar, do património e respetivas jurisdições, bem como da produção escrita5. Como
também aconteceu com o estudo de outras Ordens Militares, a propriedade é sempre um dos
aspetos mais abordados pela frequência e pelo modo como é tratada nas fontes documentais.
Do ponto de vista metodológico, individualizamos alguns indicadores – forais, caste-
los e comendas – que nos permitem reconstituir a grande maioria da base patrimonial da
Ordem do Templo. Uma análise da propriedade a um nível mais detalhado – por exemplo,
por via das inquirições régias – proporcionaria elementos mais particularizados, embora
seja um propósito impossível de alcançar num trabalho desta dimensão. Maria José Lagos
Trindade já o fez para as inquirições de 1220 e os resultados a que chegou são sintomá-
ticos do volume de bens em causa6. Em sentido complementar, e para responder ao obje-
tivo enunciado, identificamos a propriedade pertencente à Ordem de Cristo, organizada
segundo os três vetores indicados, utilizando como cruciais os documentos preparatórios
da criação da Ordem e da sua respetiva dotação, bem como as Ordenações de 1321, de
1323 e de 1326. A análise do acervo da Ordem do Templo e da Ordem de Cristo põe em
evidência um conjunto documental abundante que dá a conhecer contendas e questões
jurisdicionais, que incidem, por exemplo, sobre rendas e direitos episcopais, em torno da
propriedade dos Templários e que só serão tidos em conta no contexto dos objetivos que
definimos se se reportarem ao período de supressão do Templo.
A propriedade dos Templários em Portugal localizava-se sobretudo em Trás-os-Mon-
tes, a sul de Coimbra e na Beira Interior, onde o rio Tejo funcionou como um eixo estrutu-
rante da mesma. Em todos os casos, a fronteira assumia uma forte expressão, tanto na sua
dimensão leonesa e castelhana (Trás-os-Montes e Beira), como na sua dimensão muçulma-
na (em torno do vale do Tejo). A conclusão da formação territorial do reino português, a par
de episódios que tinham lugar no Mediterrâneo oriental, onde a presença latina atravessa-
va circunstâncias cruciais (perda da batalha de S. João de Acre em 1291), exerceram forte
influência em Portugal e, em concreto, no tratamento que a monarquia dispensou à Ordem
do Templo, sobretudo a partir dos finais do séc. XIII.
Terminada a reconquista, D. Afonso III deu os primeiros sinais de que o poder das
Ordens Militares viria a ser matéria de controlo atento. A cobrança do montádigo e da
portagem, em 1261, são exemplo disto7. A estas restrições não serão alheios os resultados

5 OLIVEIRA, Luís Filipe; FONSECA, Luís Adão; PIMENTA, Maria Cristina; COSTA, Paula Pinto, “Military Orders in the

fifteenth century”, em José MATTOSO, Maria de Lurdes ROSA, Bernardo Vasconcelos e SOUSA e Maria João BRANCO
(ed.), The Historiography of Medieval Portugal, c. 1950-c.2010: a collective book and a collaborative project, Lis-
boa: Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 425-457 (em especial, p. 432).
6 TRINDADE, Maria José Lagos, “A propriedade das ordens militares nas inquirições gerais de 1220”, Do Tempo

e da História, IV, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Instituto de Alta Cultura (1971), p. 125-138 e em Actas
del Congreso Internacional Hispano-Portugues (Las Ordenes Militares en la Peninsula durante la Edad Media),
Madrid-Barcelona, C.S.I.C., 1981, p. 81-93.
7 Chancelaria D. Afonso III, livro I, ed. por Leontina VENTURA e António Resende de OLIVEIRA, vol. 1, Coimbra,

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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

evidenciados pelas inquirições régias de 1220 e de 1258, estas últimas feitas sob a sua
égide, nem a assinatura do tratado de Badajoz, em 1267, fixando a fronteira e o estatuto
do Algarve, domínios em que, sobretudo, a Ordem de Santiago tinha tido um grande pro-
tagonismo. Do reinado afonsino guardam-se outras memórias, igualmente, sintomáticas
da atitude régia contrária aos interesses dos Templários. Com efeito, a 9 de setembro de
12728, D. Afonso III proferiu uma sentença contra a Ordem, pela qual foram adjudicadas
ao rei as vilas de Mogadouro e de Penas Róias, com todos os direitos e pertenças que
os freires reivindicavam, com base num escambo que envolvia também Idanha-a-Velha.
Neste seguimento, e como forma de manifestação da autoridade régia, em 27 de dezembro
desse mesmo ano, D. Afonso III concedeu foral aos habitantes de Mogadouro e aos de
Penas Róias, referindo que o território pertencera aos freires do Templo9, situação de novo
reiterada em 18 de novembro de 127310.
Em simultâneo, a intervenção régia sobre os bens patrimoniais dos Templários tam-
bém se fazia sentir sobre o núcleo central que a Ordem possuía a Sul de Coimbra. Decor-
ria, pois, um processo de contencioso, que deu origem a uma sentença, datada de 18 de
dezembro de 1274, aduzida em 3 de março de 1276, no momento em que D. Afonso III
ordenou a demarcação dos termos de Montemor-o-Velho, de Soure e de Ega11. A situação
arrastar-se-ia e, em 15 de janeiro de 1278, o monarca promulgou uma carta de sentença
sobre os termos de Montemor-o-Velho12.
Estas medidas estratégicas de cerceamento dos direitos dos Templários tiveram con-
tinuidade no reinado de D. Dinis. Em 19 de dezembro de 1283, este rei proferiu nova
sentença contra a Ordem do Templo, a propósito de certos direitos exercidos em Tomar13,
atingindo, deste modo, uma outra área territorial de importância crucial para a instituição
(i.e., o território a Norte do Tejo). Com este episódio completa-se a intervenção régia so-
bre os três núcleos chave do território em que os freires estavam implantados: a fronteira
transmontana em torno de Mogadouro e de Penas Róias, a zona centro do reino em torno
de Montemor-o-Velho, de Soure e de Ega e, por fim, a área mais a Sul com centro em To-
mar, prolongando-se por toda a Beira. A partir desta observação, podemos afirmar que a
ação régia mostra-se já estrategicamente bem definida e orientada, numa altura em que

Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, doc. 237, p. 262-263.


8 Publ. em Chancelaria de D. Afonso III, livro I, vol. 2, n.º 526, p. 115-116. Neste mesmo contexto, em 12 de

maio de 1273, o rei envia carta aos pretores de Mogadouro e Penas Róias dando-lhes conhecimento da referida
sentença (publ. em Chancelaria de D. Afonso III, livro I, vol. 2, n.º 563, p. 147-148).
9 Portugaliae Monumenta Historica (PMH), Leges, vol. 1, fasc. V, Lisboa, Tipografia Academia das Ciências,

1866, p. 725.
10 PMH, Leges, vol. 1, fasc. V, p. 731-732 (relativo a Mogadouro); PMH, Leges, vol. 1, fasc. V, p. 732-733 (re-

lativo a Penas Róias).


11 Publ. em Chancelaria de D. Afonso III, livro I, vol. 2, n.º 640, p. 218-220.
12 Publ. em Chancelaria de D. Afonso III, livro I, vol. 2, n.º 687, p. 254-255.
13 TT, Gaveta 3, mç. 8, n.º 9; TT, Leitura Nova, Estremadura, liv. 11, fl. 288.

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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

ainda não se colocava a questão da supressão da Ordem do Templo. Como se verá, a coroa
mostrar-se-ia a principal interessada no processo da transição dos bens patrimoniais do
Templo, o que, de algum modo, estava em sintonia com a sua opção anterior de controlo dos
territórios em que esta Ordem estava implantada. Esta atitude de intromissão estava longe,
porém, de se restringir aos Templários, sendo possível falar numa política concertada em
relação a todas as Ordens Militares existentes em Portugal14.
Este ambiente de pressão atingiria também os próprios freires, como sugere um docu-
mento de 22 de agosto de 1279, inserto num outro de 1291, pelo qual D. Dinis, a pedido
do mestre da Ordem do Templo, ordenou que ninguém maltratasse os freires e cavaleiros
Templários, nem roubasse os seus bens, deixando transparecer a preocupação em salva-
guardar a integridade dos freires15.
Tendo em conta o contexto do Oriente Latino entre os finais da década de 80 do séc.
XIII e os primórdios da década seguinte, talvez se consigam identificar as motivações
para uma tomada de posição régia favorável aos Templários, manifestada por alguma da
documentação existente em Portugal. De facto, estes anos, marcados pela perda de Tripoli,
em 1289, e pela derrota das forças ocidentais na batalha de S. João de Acre (18 de maio
de 1291), podem ter levado D. Dinis a protagonizar uma atitude de alguma proteção aos
freires portugueses. Acresce que em 1289 foi assinada a Concordata entre a Santa Sé e
a Coroa16 e que estavam em curso as negociações que desembocariam na assinatura do
tratado de Alcanices em 1297. Ou seja, quando a questão da fronteira constituía o centro
da discussão política, não seria prudente hostilizar uma instituição que ocupava posições
fronteiriças muito relevantes entre Portugal e Castela17. Na sequência dos factos aponta-
dos, em 14 de dezembro de 1302, D. Dinis proibiu D. João Martins de Soalhães, bispo de
Lisboa, de impor tributos indevidos ao mestre e aos freires da Ordem do Templo18. Apesar
de a discussão que envolvia as autoridades episcopais e as Ordens Militares para definição
de jurisdições e respetivo pagamento de tributos remontar às origens destas Ordens, o que

14 PIZARRO, José Augusto de Sottomayor, D. Dinis (1261-1325), Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p. 164-166;
LOMAX, Derek W., “El Rey D. Diniz de Portugal y la Orden de Santiago”, em Hidalguía, 30 (1982), p. 477-487;
CUNHA, Mário, “A quebra da unidade santiaguista e o mestrado de D. João Osório”, em Isabel Cristina FERNANDES
(ed.), As Ordens Militares em Portugal e no Sul da Europa, Lisboa, ed. Colibri/C.M. Palmela, 1997, p. 393-405;
AYALA MARTÍNEZ, Carlos, “La Escisión de los Santiaguistas Portugueses: Algunas Notas sobre Los Estableci-
mientos de 1327”, em Historia. Instituciones. Documentos, Sevilha, Universidad de Sevilla, Departamento de
Historia Medieval y Ciencias y Técnicas Historiográficas, 24 (1997), p. 53-69; CUNHA, Maria Cristina, “A eleição
do mestre de Avis nos séc. XIII-XV”, em Isabel Cristina FERNANDES (ed.), As Ordens Militares em Portugal e no
Sul da Europa, Lisboa, ed. Colibri/C.M. Palmela, 1997, p. 373-392; COSTA, Paula Pinto, “D. Dinis e a Ordem do
Hospital: dois poderes em confronto”, em Actas da II Semana de Estudios Alfonsíes, Puerto de Santa Maria, 2001.
15 TT, Gaveta 7, mç. 10, n.º 12; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 102r-102v.
16 PIZARRO, D. Dinis…, p. 102-104.
17 COSTA, Paula Pinto, “Ordens Militares e fronteira: um desempenho militar, jurisdicional e político em tempos

medievais”, Revista da Faculdade de Letras do Porto – História, Porto, III série, vol. 7 (2006), p. 79-91.
18 TT, Gaveta 7, mç. 9, nº 16; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 129r-129v.

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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

importa salientar no documento de 1302 é a atitude régia de proteção aos freires do Tem-
plo, tanto mais que nesse reinado tiveram lugar sérios conflitos com o clero19.
Traçado este contexto subjacente à hipótese de trabalho que formulamos, importa
sistematizar a propriedade que a Ordem do Templo possuía em Portugal. Como dissemos,
por razões óbvias não é possível fazer uma análise de pormenor dos bens registados nas in-
quirições régias do séc. XIII. De uma maneira geral, o conjunto destes bens imóveis estava
organizado em comendas ou adstrito à mesa mestral, por motivos de gestão de rendimentos,
núcleos que acolhiam concelhos, a que, não raras vezes, eram concedidos forais, e onde
também eram edificados castelos. Neste sentido, elencamos este tipo de propriedades,
tendo em conta apenas as categorias selecionadas para a análise.20,21,22,23,24,25,26,27,

Tabela 1 – Indicadores de propriedades dos Templários


(forais, castelos, comendas)
Terras Foral Castelo20 Comenda21
Açafa / Ródão x x
Almourol x x
Braga (couto de) x
Cardiga x x
Castelo Branco x22 x x
Ceras x23
x
Ega x24
x x
Elvas [x]25
Ferreira de Aves x26
Ferreira do Zêzere x27 x
Fonte Arcada x28

19 PIZARRO, D. Dinis…, p. 86-87 e p. 176-178.


20 Com base em BARROCA, Mário, “Os castelos das Ordens Militares em Portugal (séc. XII a XIV)”, em Isabel Cristina
Ferreira FERNANDES (coord.), Mil Anos de Fortificações na Península Ibérica e no Magreb (500-1500), Actas do Simpósio
Internacional sobre Castelo (2000), Edições Colibri/Câmara Municipal de Palmela, 2001, p. 535-548 (p. 541).
21 FERNANDES, Maria Cristina Ribeiro de Sousa, A Ordem do Templo em Portugal (das origens à extinção), Porto,

Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009, p. 115-117;


155-160.
22 Foral de 1213.10, publ. PMH. Leges, vol. 1, p. 566-567.
23 Foral de 1208.04, TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 77v-78r.
24 Foral de 1231.09.01, publ. PMH. Leges, vol. 1, p. 621-622.
25 O concelho de Elvas declara que os seus foros, usos e costumes foram outorgados pela Ordem do Templo.

Documento de 1271.03.15 (antes de),TT, Leitura Nova, Beira, liv. 3, fl. 80.
26 Documento de 1306.05.08 (TT, OC/CT, nº 234, 2ª parte, fl. 148v; BNP, Fundo Geral, nº 736, fls. 285r-285v).
27 Foral de 1174.06, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 403-404. Há, porém, um foral de 1156.06 outorgado por D.

Gualdim Pais à localidade de Ferreira sem se explicitar se se trata de Ferreira de Aves ou de Ferreira do Zêzere
(publ. PMH. Leges, vol. I, p. 385-386), cujo pergaminho foi cosido a um outro relativo à doação feita por D.
Teresa do foral de Ferreira, em 1126.
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ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

Terras Foral Castelo20 Comenda21


Idanha-a-Nova x x
Idanha-a-Velha x x
Leiria x
Lisboa x
Longroiva x x
Mendo Marques (Évora) x29
Mogadouro x x
Monsanto x
Nisa x x
Pena Garcia x
Penas Róias x x
Pombal x30
x x
Proença-a-Velha x31 x
Pussos x
Redinha x32
x
Rio Frio x
Santarém x
Soure x x
Tomar x33 x x
Touro / Cabeça de Touro x34
[x]
35
x
Vila Franca (entre Longroiva e Numão) x36
, , , , , , , ,
28 29 30 31 32 33 34 35 36

28 Documento de [1126-1128], pelo qual D. Teresa doa à Ordem do Templo a vila de Fonte Arcada, perto de
Penafiel, com todos seus termos e benefícios, embora não use ainda o termo comenda. Publ. Documentos Me-
dievais Portugueses. Documentos Régios, volume I, nº 77, p. 99-100.
29 Documento de 1169.09 (publ., por todos, Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, volume I,

nº 295, p. 384-385).
30 Foral de 1174.06, TT, Feitos da Coroa, Núcleo Antigo 362. Ver o estudo diplomático sobre este foral em GOMES, Saúl,

“Observações em torno da Chancelaria da Ordem do Templo em Portugal”, em Isabel Cristina FERNANDES (ed.), As
Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente, Palmela, Câmara Municipal de Palmela/GEsOS,
2009, p. 131-134. Foral de 1176.04, publ. PMH. Leges, vol. 1, p. 398-399 e p. 404-405. Ver o estudo diplomático sobre
este foral em GOMES, “Observações em torno da Chancelaria da Ordem do Templo em Portugal”, p. 134-135.
31 Foral de 1218.04, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 577-579.
32 Foral de [1159].06, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 386.
33 Foral de 1162.11, publ. PMH. Leges, vol. I, p. 388-389. Foral viciado pelos moradores de Tomar, de 1174.06,

publ. PMH, Leges, vol. I, p. 399-401.


34 Foral de 1220.12.01, publ.PMH. Leges, vol. I, p. 586-589.
35 O concelho da Guarda doa a D. Pedro Alvito, mestre da Ordem do Templo e seus freires, o padroado e dízimo de

certas igrejas que os doadores tinham nas herdades entre o rio Ariorde e a Guarda e que o concelho deu à Ordem,
na condição desta edificar um castelo em Touro para proteger os habitantes. Publ. COSTA, Frei Bernardo da, História
da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, Coimbra, Officina de Pedro Ginioux, 1771, nº 42, p. 251-252.
36 Foral de 1253.05.19, TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 1, nº 36 (inserto em documento de 1307.10.04).

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EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

Para Castelo Branco, Ceras, Ega, Pombal, Proença-a-Velha e Tomar, territórios cen-
trais do domínio templário são conhecidos documentos que atestam as três variáveis que
selecionamos. De resto, a associação entre castelo e comenda é frequente, o que é com-
preensível, na medida em que estas estruturas fortificadas constituíram focos de povoamen-
to, de gestão de domínios senhoriais e de expressão de diversos sistemas jurisdicionais37.
Contextualizar estes dados na conjuntura internacional que se desenvolvia em torno
da Ordem do Templo proporciona elementos de reflexão bastante interessantes. Como é
sabido, a partir de 1307 criou-se todo o ambiente que conduziu ao Concílio de Vienne,
realizado entre outubro de 1311 e maio de 1312, que teve como um dos objetivos primor-
diais definir o destino da Ordem do Templo38. De facto, o processo em que esteve envolta
a queda da Ordem do Templo conheceu uma primeira etapa, de cunho civil e com origem
em França, e só num segundo momento adquiriu contornos eclesiásticos. Os delegados de
Portugal a esse concílio foram o arcebispo de Braga e os bispos de Lisboa, do Porto e de
Coimbra39. Os reflexos deste concílio fizeram sentir-se em toda a Europa40 e também em
Portugal, onde teve grande impacto a decisão de suprimir a Ordem pela bula Vox in excel-
so41. No contexto gerado pelo Concílio de Vienne, o papa Clemente V determinou que os
bens do Templo fossem transferidos para o Hospital, com exceção dos de Castela, Aragão,
Maiorca e Portugal42. Assim, em 23 de agosto de 1312, pela bula Dum fili carissime, os
diferentes reis peninsulares viam-se obrigados a justificar a exceção que o concílio tinha
admitido em relação aos bens do Templo existentes nos seus respetivos reinos43.
As tão referidas perseguições aos Templários, ocorridas sobretudo em França44, na
sequência de já em 13 de outubro de 1307, Filipe, o Belo, ter dado ordem de detenção dos
Templários45, foram consolidadas pelas bulas Pastoralis praeminentiae, de 22 de novembro
de 1307, e Ad omnium fere notitiam credimus pervenisse, de 12 de agosto de 130846. No

37 BARROCA, “Os castelos das Ordens Militares ...”, p. 535-548 e COSTA, Paula Pinto, “As estruturas militares de
Belver, do Crato, da Amieira e da Sertã: entre o domínio territorial e a afirmação senhorial”, em Isabel Cristina
FERNANDES (coord.), Castelos das Ordens Militares (Actas de Encontro Internacional), Lisboa, Direção-Geral do
Património Cultural, 2013, vol. II, p. 313-330.
38 A 22 de março de 1312, o papa Clemente V, pela bula “Vox in excelso”, suprime a Ordem do Templo <http://

www.documentacatholicaomnia.eu/03d/1311-1312,_Concilium_Viennense,_Documenta_Omnia,_LT.pdf>
[consulta: 2015.09.28]).
39 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana..., vol. II, p. XXIII.
40 DEMURGER, Alain, A grande aventura dos Templários. Da origem ao fim, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006,
p. 483-491.
41 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 483-485.
42 A 2 de maio de 1312, o papa Clemente V, pelas letras “Ad providam”, manda transferir os bens dos Tem-

plários para a Ordem do Hospital, com exceção dos bens existentes nos reinos de Castela, Aragão, Maiorca e
Portugal. Publ. em Magnum Bullarium Romanum, tomus IX, p. 148-150.
43 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XXXVI.
44 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 492-497.
45 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 449.
46 Estas e outras bulas podem ser consultadas em texto integral em Documenta Catholica Omnia (disponível

em: <www.documentacatholicaomnia.eu> [consulta: 2015.09.28]).


653
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

âmbito deste estudo, é de salientar que um dos principais efeitos se manifestou na cons-
tituição de um repositório documental da Ordem do Templo de valor jurídico-probatório
com a finalidade de atestar uma parte do seu espólio patrimonial em Portugal. Com efeito,
desta altura conhecem-se tanto inquirições régias ao património dos Templários, como o
traslado de documentos pertencentes aos freires e relacionados com os seus bens imóveis.
A criação da Ordem de Cristo em março de 1319 foi o corolário de toda esta situação e
traduz claramente a política dionisina47, sendo necessário perceber o que precedeu este
último momento, tanto quanto a documentação o proporciona.
O ambiente em que todos estes episódios tiveram lugar deveria ser de grande tensão, pois
estava em causa um assunto que, para além de envolver uma instituição e as pessoas a ela as-
sociadas, ultrapassava as fronteiras do reino, envolvia a Santa Sé e os maiores interesses régios.
Deste período, conservam-se nos arquivos portugueses, pelo menos, três inquirições
especificamente aplicadas aos bens da Ordem do Templo, datadas dos anos de 1312, 1314
e 1317. A estas poderão acrescentar-se outras, embora feitas com objetivos muito preci-
sos. Nesta última categoria podemos incluir, por exemplo, uma inquirição referida numa
sentença de 19 de janeiro de 1310, feita por Gonçalo Dinis de Celorico e Lourenço Eanes
da Covilhã, que atuavam em nome do rei, por Domingos Domingues de Salvaterra, em re-
presentação dos interesses do mestre, e por Nicolau Domingues, tabelião de Idanha48. Por
sua vez, em 11 de dezembro de 1312, foi feita uma inquirição, por mandado de D. Dinis,
pela qual se prova que a quintã do Pinheiro de Ázere era pertença da Ordem do Templo49.
Muito mais abrangente foi o inquérito que o monarca mandou fazer em 131450. A au-
dição dos interrogados ficou inicialmente a cargo de João Pais de Soure e foi continuada
por um outro homem de Castelo Branco. Ambos teriam que apurar informações que dessem
resposta a 25 artigos sobre os usos, costumes e jurisdições dos Templários. O conteúdo deste
texto é bastante curioso e esclarecedor do ambiente em torno da questão em estudo. De facto,
em 1314, a primeira testemunha inquirida faz remontar ao tempo do Conde D. Henrique a
presença dos Templários em Portugal e associa à coroa a posse da raiz dos bens, de que os
freires exploravam apenas o respetivo usufruto, afirmando, por conseguinte, que “el rey fazya
delles o que lhy prazia”. Esta linguagem é consonante com a atitude régia manifestada em
outras situações, como a que ficou registada em relação à Ordem de Avis, que o rei classifica
como “cousa minha”51. As declarações do referido homem interrogado em 1314 são extensas

47 PIZARRO, D. Dinis…, p. 165-166.


48 TT, Gaveta 13, mç. 4, nº 7. Publ. em Livro das Lezírias d’el rei Dom Dinis, Bernardo de Sá NOGUEIRA (coord.),
Lisboa, Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2003, p. 240-245, entre outros.
49 TT, Gaveta 7, mç. 4, nº 8; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 84r-85r.
50 Publ. em GOMES, Saúl, “A Extinção da Ordem do Templo em Portugal”, Revista de História da Sociedade e

da Cultura, Coimbra, Universidade de Coimbra, 11 (2011), p. 100-116.


51 CUNHA, Maria Cristina, “A monarquia Portuguesa e a Ordem de Avis até ao final do reinado de D. Dinis”,

Revista da Faculdade de Letras – História. 2ª série, vol. XII, Porto, 1995, 113-123.
654
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

e abordam aspetos cruciais. Assim, diz que os rendimentos proporcionados por estas pro-
priedades seriam para aplicar em Portugal e, como tal, se os freires quisessem entregar uma
parte ao grão mestre da Ordem careciam de autorização do rei. O rei também teria o direito de
cativar frutos e rendas do Templo sempre que quisesse e receberia todo o tesouro que acumu-
lassem em Portugal. Neste sentido, afirma que havia um clérigo do rei que ía ao capítulo para
receber as responsões. O raciocínio do homem inquirido é apresentado de forma bastante
assertiva e, deste modo, é acrescentado que os mestres do Templo em Portugal só exerciam
essa dignidade por vontade do rei. Alegando este princípio, compreende-se que diga que a
saída do reino por parte do mestre carecia de licença régia, sendo o seu substituto aprovado
pelo próprio monarca. Neste quadro de alegações, afirma que os Templários faziam menagem
e juramento aos reis de Portugal. Vai mais longe, ainda, ao referir que em Portugal só se
faziam freires em respeito pela vontade do rei e essa escolha recaía apenas sobre homens de
origem portuguesa, naturalmente para que devessem obediência ao monarca. O inquirido diz
também saber que os próprios capítulos da Ordem eram feitos quando e onde o rei quisesse
e que só se fazia capítulo para atribuição das bailias e das tenças por mandado do rei, sendo
os freires obrigados a acatar a sua vontade também neste domínio, e que o soberano mandava
um ou dois homens bons de sua casa à reunião capitular dos Templários para ver como era
feita a distribuição e atribuição dos bens e para verificar que não havia lutas entre os frei-
res. No que toca a questões judiciais e guerreiras, as declarações prestadas pelo inquirido
são, igualmente, reveladoras. Assim, a justiça cível e crime sobre pessoas e bens da Ordem
pertenciam ao monarca. As apelações dos juízes das vilas da Ordem eram enviadas para a
instância régia. A participação na guerra, sob a forma de hoste, de fossado e de anúduva era
feita sob a bandeira régia, dado que os concelhos serviam o rei e não os Templários. Inclusi-
vamente, aponta que no castelo de Soure, os freires passavam a noite fechados às ordens de
Fernando Mendes, homem do rei que trazia o castelo e a vila. Quando o rei e os seus filhos
chegavam aos castelos e aos lugares dos Templários, os freires eram afastados, já que os “dei-
tavam fora e ficava el rey nos castelos e logares e fazia em eles come de seu”. D. Afonso III e
D. Dinis apropriaram-se de castelos e vilas que os Templários tinham em Portugal, dizendo
que eram seus, nomeando os seus próprios alcaides e porteiros. Quanto ao resultado obtido
a partir deste interrogatório, já na parte final do documento, é dito que se provaram todos os
artigos, exceto dois deles: em primeiro lugar, aquele em que se dizia que o mestre não poderia
receber freire que não fosse de Portugal; e, em segundo lugar, aquele em que se dizia que o
mestre não podia fazer nenhum freire seu ovençal nem administrador sem licença prévia. Em
relação à restante matéria é sugerida uma forte unanimidade de opinião, exceto na memória
que faz remontar a presença dos Templários em Portugal ao tempo do Conde D. Henrique 52.
Esta inquirição de 1314 é, de facto, muito significativa. Na verdade, este conjunto
de declarações lesa totalmente os interesses da Ordem e dilui a sua identidade, enquanto
52 Publ. em GOMES, “A Extinção da Ordem do Templo em Portugal...”, p. 100-116.
655
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

organização religiosa com um governo e modus vivendi próprio. Como vimos, em todas as
respostas está subjacente um raciocínio estratégico de afirmação da autoridade régia e da
sua tutela integral sobre a Ordem, em sintonia com a conjuntura dominante nesse momento.
Por fim, tanto quanto é possível saber, a última inquirição aos bens do Templo antes da
criação da Ordem de Cristo foi feita no final do mês de dezembro de 1317 e incidiu sobre
Tomar, de modo a que D. Dinis pudesse apurar quem fundou e povoou a referida localidade
que acolhia a casa conventual53.
Neste sentido, no ano de 1318, em Portugal, assistiu-se a grande atividade relaciona-
da com a supressão da Ordem do Templo. Depois de no mês de agosto terem sido nomeados
os procuradores de D. Dinis à Santa Sé54, em 30 de setembro de 131855, Lourenço Eanes,
tabelião público em Lisboa, perante D. Estêvão, bispo de Lisboa, e Vasco Fernandes, que
fora mestre da Ordem do Templo, dão a conhecer um conjunto de cartas régias e pontifícias
dirigidas à Ordem. Com efeito, foi arrolada diversa documentação que elucida a questão
em causa. A importância do assunto justificou a presença de D. Estêvão bispo de Lisboa,
D. Geraldo bispo de Évora, D. Martinho bispo de Viseu, de Vasco Fernandes outrora mes-
tre do Templo em Portugal, de Gonçalo Fernandes seu freire, de Lourenço Esteves freire
do Templo e de Estêvão Aires clérigo do rei. Os treze documentos arrolados dizem respeito
a propriedades dispersas, a padroados, a prerrogativas jurisdicionais e a privilégios, e cro-
nologicamente estendem-se entre 1128 e 1299.
Por um outro documento, datado também de 30 de setembro de 131856, feito por Domin-
gos Martins, tabelião público em Lisboa, perante as mesmas personalidades, foi dado a conhe-
cer o teor de vinte cartas que envolvem a Ordem do Templo. A relevância do assunto justifica
a menção a uma extensa lista de testemunhas no final do documento. Estes diplomas régios
situam-se entre 1128 e 1245 e incidem sobretudo sobre propriedades fulcrais do domínio
Templário e parecem ter sido alvo de uma análise rigorosa, na medida em que em alguns casos
é feito um trabalho minucioso de comparação entre diferentes versões do mesmo diploma.
Com o objetivo de aferir a transição dos bens da Ordem do Templo para a Ordem de
Cristo é necessário avaliar também alguns documentos que estão associados à criação e à
organização inicial da Ordem de Cristo. Trata-se, desde logo, da bula de fundação de 1319
e das Ordenações de 1321, de 1323 e de 1326.
Pela bula Ad ea ex quibus de 14 de março de 1319, o papa João XXII instituiu a Ordem
da Cavalaria de Jesus Cristo, a pedido do rei D. Dinis, aplicando à nova instituição o patrimó-
nio e determinados rendimentos, jurisdições e regalias dos Templários57. Porém, esta bula é

53 Publ. em GOMES, Saúl, “D. Gualdim Pais (c. 1118/20-1195)”, Revista População e Sociedade, Porto, CEPESE,

23 (2015), p. 18-20.
54 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XLIII.
55 TT, Gaveta 7, mç. 16, n.º 2; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 23r-28v.
56 TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 51v-77v.
57 Por todos, Monumenta Henricina, Coimbra, Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D.

656
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

muito escassa em elementos territoriais e refere apenas as propriedades de Castelo Branco,


Longroiva, Tomar e Almourol, reservando uma expressão muito vaga para todas as restantes:
“e todolos outros castelos, fortalezas e todolos outros beens, mouijs e de rraiz, todos e cada huu
delles, quaesquer e en quaesquer cousas que seiam, assi spirituaaes como temporaaes, devi-
das e demandas, dereytos, jurisdições, mero mixto imperio, honrras, homees e todolos vassalos
con egreias, capelas, oratorios quaesquer e todos seus dereytos, termhos e todalas perteenças
que a orden do Temple en outro tempo tijnha, auya e deuia aaver nos dictos rreynos de Por-
tugal e do Algarue e quaesquer cousas e en que quer que seiam e so qualquer nome e per
qualquer razon ou maneyra deuiam ou poderiam perteecer aa dicta orden do Temple”58. Uma
menção especial cabe a Castro Marim, uma vez que a referida bula estabelece como condição
a impossibilidade de revogação da doação régia desta vila algarvia. Esta exigência prende-se
com o facto de uma das intenções subjacentes à criação da nova instituição ter sido a intencio-
nalidade de prossecução da cruzada em territórios situados para além da fronteira. Com este
objetivo em mente, o rei fixa a principal casa da Ordem de Cristo em Castro Marim, ou seja,
o local mais adequado ao controlo atento do estreito de Gibraltar e do que ele representava59.
Na sequência desta bula de criação da Ordem de Cristo, inaugurou-se um período de
organização interna de que as fontes escritas não dão informações claras. Ao que tudo in-
dica, pessoas e bens devem ter sido alvo de algumas pressões. No entanto, as tão referidas
perseguições aos Templários, ocorridas sobretudo em França60, não devem ter tido lugar em
Portugal. Na carta de quitação dos bens Templários de 20 de novembro de 1319, D. Gil Mar-
tins, mestre da Ordem de Cristo, referindo-se ao papel de D. Dinis, evoca a “manteença que
deu, per mandado do dicto papa, ao que foy meestre da dicta orden e aos freyres que senpre
manteve ata agora”61. Inclusivamente, em 23 de agosto de 1321, o papa João XXII, pela bula
Habet de more clementie, dirigida ao mestre da Ordem de Cristo, anexa os bens do Templo à
Ordem de Cristo e manda-o receber nessa organização Vasco Fernandes, último mestre da
Ordem do Templo, e dar-lhe uma comenda, encarregando os bispos da Guarda e de Viseu,
bem como Vicente Rodrigues, cónego de Coimbra, da execução desta decisão62. O processo
de transição foi bastante lento. Por exemplo, com data de maio de 1317, há um documento
em que D. Vasco Fernandes afirma estar reunido em capítulo em Castelo Branco63, o que re-
vela a perdurabilidade do Templo, aparentemente de forma pacífica. Sem nenhum elemento

Henrique, vol. I, doc. 61, p. 97-110 e doc. 62, p. 110-119 (versão em português).
58 Monumenta Henricina, vol. I, doc. 62, p. 114.
59 SILVA, Isabel Morgado, “A Ordem de Cristo sob o Mestrado de D. Lopo Dias de Sousa”, em Luís Adão da FON-

SECA (coord.), As Ordens Militares no Reinado de D. João I, Militarium Ordinum Analecta (1), Porto, Fundação
Eng.º António de Almeida, 1997, p. 25.
60 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 492-497.
61 Publ. em Monumenta Henricina, vol. I, doc. 68, p. 129-131.
62 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. LII-LIV.
63 TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 2, n.º 1 (inserto em documento de 1317.05.23 que está inserto em

documento de 1320.02.04).
657
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

que o contradiga, podemos colocar a hipótese de, à semelhança do já referido acolhimento


dado ao mestre Vasco Fernandes, poder ter sido reservado o mesmo tratamento para outros
freires. Uma anotação sintomática pode ser feita em relação a um antigo freire Templário,
Lourenço Fernandes, que em 1323 fez a doação de uma propriedade à comenda da Cardiga64.
As informações que coligimos relacionadas com os freires Templários propriamente
ditos após a supressão oficial da Ordem não são abundantes. Segundo as três Ordenações
da década de 20 do séc. XIV, o número de freires da Ordem de Cristo apresentou variações,
à custa da alteração do núcleo dos cavaleiros. As de 1321 previam 84 freires (69 cavalei-
ros, 9 clérigos e 6 serventes), enquanto as de 1323 previam 80 (66 cavaleiros, 8 clérigos
e 6 serventes) e as de 1326 apontavam para 86 (71 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes). À
partida, nem todos seriam ex-Templários. De resto, em 1 de agosto de 1324, o papa obrigou
os freires Templários de Portugal, bem como os de Castela e Aragão, a ingressarem em al-
guma ordem religiosa65, o que é também um indicador da aceitação destes homens, mesmo
depois do que se tinha passado na sequência do Concílio de Vienne.
Dois anos e meio após a criação da Ordem de Cristo foram promulgadas as Ordenações
de 11 de junho de 132166. De acordo com estas Ordenações, a Ordem possuía um extenso
conjunto de bens, sistematizados na tabela 2, independentemente do estatuto dos mesmos.
Estas Ordenações começam por definir os bens ligados à Mesa Mestral, num segundo
momento os que proporcionavam rendimentos ao convento e, por fim, os que estavam en-
tregues a comendadores, se bem que alguns deles tivessem encargos para com o mestre, o
convento e, ainda, para com outros comendadores. Neste último domínio, cite-se o exem-
plo do comendador de Rio Frio, Fonte Arcada e couto de Braga, que além de pagar rendas
ao mestre, teria de pagar rendas aos comendadores de Salvaterra, de Segura, do Rosma-
ninhal, de Idanha-a-Nova e de Idanha-a-Velha. Por sua vez, esta obrigação mantém-se no
texto de 1323, embora o Rosmaninhal apareça anexo à comenda de Segura. Estes casos são
sintomáticos da evolução constante a que estava sujeita esta rede de propriedades.
Por sua vez, as Ordenações aprovadas a 1 de fevereiro de 132367 encontram-se inéditas. De
acordo com o que acabamos de mencionar a propósito da permanente evolução da base patri-
monial da Ordem de Cristo, estas Ordenações de 1323 são claras ao afirmarem que havia “co-
mendas que foram novamente partidas e ordinhadas pelo meestre Dom Gil Martinz nosso tyo”.
Por fim, as terceiras Ordenações da Ordem de Cristo, feitas no espaço de cinco anos,

64 TT, OC/CT, n.º 234, 2.ª parte, fl. 52v. DIAS, João José Alves, Paio de Pele: a vila e a região do século XII ao
XVI, Vila Nova da Barquinha, Editora Junta Distrital de Santarém, 1989, p. 28 e DIAS, João José Alves, “As
comendas de Almourol e Cardiga, das Ordens do Templo e de Cristo, na Idade Média”, em As Ordens Militares
em Portugal, Palmela, Câmara Municipal de Palmela, 1991, p. 105 (p. 101-113).
65 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. LIV-LVI.
66 Por todos, Monumenta Henricina, vol. I, doc. 73, p. 142-150. SILVA, “A Ordem de Cristo...”, p. 26-27.
67 TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 2, n.º 5 (Publ. LENCART, Joana, “As ordenações inéditas da Ordem de Cristo de

1319 e 1323 – estudo comparativo com as de 1321 e de 1326”, População e Sociedade (26), 2016, p. 111-112. Disponível
em http://www.cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/populacao-e-sociedade-n-o-26. [Consultado em 13.09.2018]).
658
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

foram tornadas públicas a 16 de agosto de 132668. A lista de topónimos é semelhante à que


se encontra nos documentos congéneres de 1321 e de 1323. Há, porém, três notas a registar e
que resultam muito evidentes na observação dos dados que constam na tabela 2. Em primeiro
lugar, há localidades cujo estatuto vai oscilando entre bens da Mesa Mestral, do convento ou
de uma determinada comenda. Em segundo lugar, há localidades que apresentam alguma
forma de dependência em relação a outras, como é o caso, por exemplo, de certas comendas
que ficam transitoriamente associadas a uma outra. Em terceiro lugar, a sequência por que
são referidas estas localidades também é bastante diferente conforme as Ordenações. As ra-
zões subjacentes a esta última alteração, isto é, à hierarquia de nomeação das diversas terras
do senhorio da Ordem de Cristo, podem prender-se com o rendimento de cada uma das pro-
priedades e / ou com a importância social dos comendadores responsáveis pela sua gestão.
Na tabela 2 colocamos em evidência duas variáveis. Assim, estabelecemos a com-
paração entre o estatuto das diversas localidades (comenda, mesa mestral ou convento)
referidas nas três Ordenações do séc. XIV e a sequência por que são nomeadas nesses três
documentos, assinalando as entidades a que tinham que pagar rendas e colocando entre
parêntesis retos o respetivo número de sequência de referência, sempre que esse topónimo
aparece associado a um outro69.
Comparando a base patrimonial da Ordem de Cristo com os topónimos para os quais está
documentada a outorga de um foral, a menção a um castelo ou a uma comenda Templária,
verifica-se que há lugares que só aparecem associados à Ordem de Cristo, embora situados
em quatro áreas já de implantação do Templo, a saber, Tomar, Vila Nova de Foz Côa, Cas-
telo Branco e Vila Franca de Xira. O único lugar novo sem relação alguma com a Ordem do
Templo é Castro Marim, por razões invocadas na bula de fundação da Ordem de Cristo. As-
sim, isto significa um alargamento do território, através de um processo de dilatação da área
previamente ocupada, bem como um maior detalhe na identificação e indicação do mesmo
nas fontes escritas com a intenção de garantir a sua posse de uma forma mais consolidada.
A evolução da organização dos bens da Ordem de Cristo prolongou-se ao longo da década
de 20 do séc. XIV e fica atestada nas próprias ordenações escritas nesta cronologia. Assim, por
um lado, há uma diminuição clara dos núcleos que constituem essa propriedade (66 em 1321,
59 em 1323 e 47 em 1326), o que significa que houve bens reagrupados; e, por outro lado, há
propriedades que, num primeiro momento, estavam confiadas à Mesa Mestral e, posteriormente,
são entregues a comendadores. Este processo de transferência de propriedade da tutela direta do
mestre para os comendadores foi acompanhado pela desvinculação de certos bens do conven-
to em favor, também, da gestão comendatária. Este processo de envolvimento de comendadores
constituiu uma das bases de recrutamento e de reconhecimento de fidelidades à Coroa e à Ordem.

68Por todos, Monumenta Henricina, vol. I, doc. 74, p. 150-160. SILVA, “A Ordem de Cristo...”, p. 28.
69Na sequência da identificação de uma outra Ordenação datada de 1319, depois de concluída a investigação para o
presente texto, esta tabela foi ampliada e encontra-se publicada em LENCART “As ordenações inéditas...”, p. 127-132”.
659
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

Tabela 2 – Enquadramento dos bens da Ordem de Cristo


de acordo com as Ordenações de 1321, 1323 e 1326
[Comenda (C) / Mesa Mestral (MM) / Convento (CV)]
Ordenações de 1321 Ordenações de 1323 Ordenações de 1326
Topónimo Sequência Sequência
C/ MM/ Sequência de
de refª na C/ MM/ CV C/ MM/ CV de refª na
CV refª na fonte
fonte fonte
Lisboa e termo MM 1 MM 2 MM 1
Alenquer e termo MM 2 MM 3 MM 2
Santarém e termo MM 3 MM 4 MM 3
Castelo Branco (morada MM 4 C / CV 39 MM 4
do Mestre70) e termo
Nisa MM 5 MM 5 MM 5
Ródão/Açafa MM 6 C 37 MM 6
Alpalhão71 MM 7 MM 7 C 28
Montalvão MM 8 MM 6 MM 7
“Ares” MM 9 MM 8
MM (rendas das
Mogadouro MM 10 9 C 12
igrejas)
MM (rendas das
Penas Róias MM 11 10 C 13
igrejas)
Castro Marim CV 12 CV 11 CV (rendas) 11
C / CV C / MM (rendas
Soure 13 12 C 16
(rendas) das igrejas) / CV
Casével C 14 C 19
Pinheiro72 C 15 C 13 C 18
Ferreira C 16 C 14 [28]
Vila de Rei73 C [16] C [14] C 24
C / CV
Almourol 17 C / CV 15 C 22
(rendas)
C / CV
Cardiga74 18 C / CV [15] C 23
(rendas)
Dornes C 19 C 16 C 25
Pussos C 20 C 17 C 26
Leiria75 C 21 CV [12]
C / MM
Ega 22 C / CV 18
(renda)
Touro C 23 C 19 C 41
Marmeleiro C 24 C 20 C 40
Longroiva C 25 C 21 C 34
Muxagata C 26 C 22 C 36
Meda C 27 C 23 C 37
Fonte Longa76 C 28 [21] C 35
Ferreira de Aves C 29 C 24 C 38
70
Expressamente referido apenas nas Ordenações de 1321 e 1326.
71
Segundo as Ordenações de 1326, o comendador de Alpalhão teria também tudo o que a Ordem possuía em
Portalegre e a igreja de Ferreira.
72
Nas Ordenações de 1321, nas de 1323 e nas de 1326, a menção a Pinheiro é feita no contexto de Santarém
e termo, no sentido de excetuar esta localidade, onde se encontrava um comendador.
73
Nos documentos de 1321 e de 1323 é afirmado que havia apenas um comendador responsável pelas comendas
de Ferreira e de Vila de Rei.
74
Nas Ordenações de 1323, Almourol e Cardiga constituem uma só comenda.
75
Nas Ordenações de 1321, a comenda de Leiria surge no contexto das obrigações do comendador de Ega, o
qual teria que entregar 200 libras ao seu homólogo de Leiria. Por sua vez, nas Ordenações de 1323, os bens de
Leiria estão anexados à comenda de Soure.
660
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

Ordenações de 1321 Ordenações de 1323 Ordenações de 1326


Topónimo Sequência Sequência
C/ MM/ Sequência de
de refª na C/ MM/ CV C/ MM/ CV de refª na
CV refª na fonte
fonte fonte
Pinheiro de Ázere C 30 C 25 C 39
Castelo Novo C 31 C 26 C 17
Lardosa77 C 32 [26] C 47
Arrisado78 C 33 [27] C 27
Évora (incluindo Mendo C 34 C 28
Marques)
Elvas (incluindo Cornagã) C 35 C 29 C 32
Proença C 36 C 27 C 43
Idanha-a-Nova C 37 C 30 C 45
Idanha-a-Velha79 C 38 C [30] C 44
Bemposta C 39 C 31 C 42
Rosmaninhal80 C 40 [32] [42]
Segura81 C 41 C 32 C 46
Salvaterra C 42 C 33
C / CV C / MM (rendas
Pombal 43 34 C 15
(rendas) das igrejas) / CV
C / CV
Redinha82 44 CV (espiritual) [34] C 14
(rendas)
Cabo Monte C 45 C 35 C 33
Portalegre C 46 C 36 [28]
C / MM
Rio Frio 47 C / MM (rendas) 40 MM (rendas) 8
(renda)
C / MM
Fonte Arcada [47] C / MM (rendas) [40] MM (rendas) 9
(renda)
C / MM
Couto de Braga73 [47] C / MM (rendas) [40] MM (rendas) 10
(renda)
MM (temporal
C / CV C / CV (ren-
Tomar84 48 + castelo) / CV 1 20
(rendas) das)
(espiritual)
Beselga (termo de Tomar)85 C 49 C 30
Paúl (termo de Tomar) C 50 C 31
Prado (termo de Tomar) C 51 C 29
Lousã (termo de Tomar) C 52
Pias (termo de Tomar) C 53 C 21
Alcains C 38

76
Segundo as Ordenações de 1323, os bens de Fonte Longa estavam confiados ao comendador de Longroiva.
77
Segundo as Ordenações de 1323, os bens da Lardosa estavam confiados ao comendador de Castelo Novo.
78
Segundo as Ordenações de 1323, os bens em causa situavam-se em Torre do Arrisado e estavam confiados ao
comendador de Proença. Também nas Ordenações de 1326, este topónimo é referenciado como Torre do Arrisado.
79
Segundo as Ordenações de 1323, Idanha-a-Nova e Idanha-a-Velha passam a ser apenas uma comenda.
80
Segundo as Ordenações de 1326, a igreja de Rosmaninhal foi associada à comenda de Bemposta, enquanto
o temporal de Rosmaninhal foi associado à comenda de Segura.
81
Segundo as Ordenações de 1323, os bens do Rosmaninhal estavam confiados ao comendador de Segura.
82
Segundo as Ordenações de 1323, os bens temporais da Redinha estavam confiados ao comendador de Pombal.
83
As Ordenações de 1321 e de 1323 apontam apenas um comendador que gere Rio Frio, Fonte Arcada e Couto de Braga.
84
Segundo as Ordenações de 1321, no temporal de Tomar deveria haver seis comendadores, sendo que um
deles deveria estar na vila e os outros cinco no termo: Beselga, Paúl, Prado, Lousã e Pias.
85
ROMÃO, João Maia, No encalço do passo do Homem medieval: as vias de comunicação do antigo termo e atual
concelho de Tomar, Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Nova de Lisboa, 2012 (no mapa 19
cartografa o termo de Tomar).

661
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

Mapa 1 – Base patrimonial da Ordem do Templo (1128-1312) e


da Ordem de Cristo em Portugal (1319-1326)
662
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

Mapa 2 – Representatividade documental do património da


Ordem do Templo e da Ordem de Cristo em Portugal (1128-1326)
663
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

Como afirmamos no início deste estudo, a transição de bens patrimoniais entre a Or-
dem do Templo e a de Cristo não foi ainda sistematicamente analisada. Para dar resposta a
este objetivo, apresentamos até agora a propriedade identificada como pertencente a cada
uma destas instituições, chamando agora a atenção para a sua leitura integrada.
Tanto quanto a documentação deixa perceber, o momento chave deste problema mani-
festa-se sobretudo entre 1307 e 1317, altura de que são conhecidos diversos documentos
elucidativos deste processo. Na verdade, estava em curso um período de notória interfe-
rência régia sobre os bens da Ordem do Templo. Esta constatação pode causar alguma
perplexidade, dado que, à partida e de um ponto de vista geral, a Santa Sé decidiu, em
1312, que os bens do Templo fossem confiados à Ordem do Hospital. A similitude organi-
zacional e territorial entre ambas terá sido determinante para esta decisão. No entanto, o
papa, mostrando-se sensível aos argumentos que lhe foram apresentados, autorizou que em
Portugal, assim como em Valência, os bens da Ordem do Templo constituíssem a base de
novas instituições – a Ordem de Cristo e a Ordem de Montesa –, respetivamente86.1
Para completar esta análise, importa sistematisar as instituições envolvidas na disputa
e gestão da base patrimonial do Templo em Portugal. O grande protagonista é o rei, seguido
a larga distância da Ordem do Hospital. Bispos, mosteiros e algumas figuras particulares
estiveram, muito provavelmente, atentos a este processo relacionado com a propriedade da
Ordem do Templo. A situação era complexa e pela bula Deus ultionum Dominus, de 12 de
agosto de 1308, o arcebispo de Braga e o bispo do Porto foram nomeados administradores
dos bens do Templo em Portugal87.2.3.4.5
O primeiro diploma que envolve o rei nesta fase crucial do processo é de 18 de agosto de
1307. Com efeito, D. Martinho de Oliveira, arcebispo de Braga, D. João Martins de Soalhães,
bispo de Lisboa, Fr. Estêvão, frade Franciscano, confessor do rei e bispo do Porto (1310-
1313) e depois de Lisboa (1313-132288), mestre João das Leis e Rui Nunes sentenciaram a
favor de D. Dinis, na questão das vilas e castelos Templários de Idanha-a-Velha, Salvaterra,
Soure, Pombal, Ega e Redinha89. Logo no ano seguinte, em concreto a 23 de junho de 1308, o
monarca tomou posse das vilas e castelos de Ega, Redinha e Soure, ato publicitado a 29 e 30
de junho nas diferentes localidades90. Assunto de perfil semelhante foi objeto de nova senten-
ça favorável a D. Dinis e contra a Ordem do Templo, em 19 de janeiro de 1310, que dirimia

86 DEMURGER, A grande aventura dos Templários..., p. 486-491.


87 Referido por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XX.
88 PIZARRO, D. Dinis…, p. 283.
89 TT, Gaveta 12, mç 1, n.º 7. Publ. em Livro das Lezírias d’el rey Dom Dinis, p. 235-236, entre outros.
90 TT, Gaveta 12, mç. 7, n.º 19 (inserto em documento de 1308.06.29/30); TT, Leitura Nova, Reis, liv 2, fl 19. Publ.

em LOPES, “Das Atividades Políticas e Religiosas de D. Frei Estevão, bispo que foi do Porto e de Lisboa”, Lusitania
Sacra, Universidade Católica Portuguesa-Centro de Estudo de História Eclesiástica, 1ª série, tomo VI, 1962-1963,
p. 80-83 (a totalidade do texto é: p. 25-90), segundo COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XXV.
664
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

uma questão em torno das vilas de Idanha-a-Velha, Salvaterra, Rosmaninhal e Segura91.6


Nos primeiros anos do séc. XIV, a supressão da Ordem do Templo constituía um tema
de interesse internacional e com especial eco na Península Ibérica, considerando a exce-
cionalidade conferida pelo papa aos bens situados neste território. Assim, em 21 de janeiro
de 1310, Fernando IV de Castela enviou uma carta a D. Dinis acerca do acordo feito entre
ambos, impedindo que o papa dispusesse dos bens da Ordem do Templo nos reinos penin-
sulares92. Neste seguimento, no dia 14 de abril do mesmo ano, o rei português escreveu a
D. Fernando de Castela no sentido de ambos se comprometerem a salvaguardar e a prote-
ger os bens dos Templários em Portugal, perante a decisão do papa Clemente V de querer
dispor dos mesmos93. Esta tomada de posição conheceu contrariedades, compreensíveis
face ao estatuto dos bens em causa e à definição da instituição que os passaria a tutelar.
Com efeito, tratavam-se dos bens do Templo, que, como tal, estavam sob a alçada da Igreja,
e que estavam a ser alvo de um processo de atração por parte das autoridades civis, como
era o caso protagonizado pelas referidas coroas ibéricas.7.8
Neste contexto, no dia 15 de julho de 1317, o papa João XXII endereçou as letras apos-
tólicas Dudum felicis recordationis a D. Bertrando, cardeal de Santa Maria de Aquiro (Roma),
concedendo-lhe a igreja de Tomar, alegando estarem os bens da Ordem do Templo em Portu-
gal dependentes da Santa Sé94. A chegada deste documento a Portugal provocou uma reação
negativa. De facto, em 21 de dezembro de 1317, Gomes Lourenço, procurador do infante D.
Afonso, filho de D. Dinis, interpos uma apelação à referida doação da vila de Tomar, como
sendo uma injustiça feita aos reis de Portugal95. Dois dias após, o papa, pelas letras Cum sicut
ad nostri, ordenou aos seus núncios em Portugal que exigissem a entrega dos rendimentos
da igreja de Tomar96. Este diferendo entre a Santa Sé e a coroa portuguesa ilustra bem a im-
portância da discussão e do estatuto destes bens, no âmbito do prestígio e da legitimidade da
monarquia para interferir sobre o espólio patrimonial de uma ordem religiosa e militar.9.10.11
Como explicamos, os documentos citados e datados de entre 1307 e 1317 atestam a
forte intervenção régia sobre a propriedade do Templo e antecedem a criação da Ordem de
Cristo, facto que viria a ter lugar em março de 1319. Acresce que em 30 de setembro de
1318 foram concluídas duas compilações documentais por ordem régia relativas ao histó-
rico de algumas das propriedades dos Templários, como já foi explicitado anteriormente.
Uma vez encontrado o novo enquadramento para os bens dos Templários, em 24 de
junho de 1319, D. Dinis restituiu à Ordem de Cristo as vilas, castelos e lugares de Redi-
91 TT, Gaveta 13, mç. 4, n.º 7. Publ. em Livro das Lezírias d’el rey Dom Dinis, p. 240-246, entre outros.
92 Publ. em As Gavetas da Torre do Tombo, vol. XII, 1977, p. 461-462.
93 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XXXIII.
94 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XXXIX.
95 TT, Gaveta 7, mç. 11, n.º 1; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 137v-138r. Publ. em COSTA, Monumen-

ta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. VIII-XVIII.


96 Publ. em COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. XL.

665
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

nha, Soure, Pombal, Ega, do bispado de Coimbra, e de Idanha-a-Nova e Idanha-a-Velha,


Salvaterra, Segura, Proença e Rosmaninhal, do bispado da Guarda97. Como se pode ver, a
indicação dos bens obedece a uma lógica eclesiástica e enquadra-se em duas dioceses –
Coimbra e Guarda. Em 28 de outubro do mesmo ano, a questão volta a ser abordada e D.
Dinis manda restituir a D. Gil Martins, mestre de Cristo, todos os bens que tinham sido do
Templo. Desta feita, o monarca dirige-se a certas autoridades civis: “almoxarifes e escrivaes
e a todolos outros que ouvestes de veer e de procurar e recadar os beens da Ordem que foi do
Temple”. Dado que, segundo as palavras do rei, D. Gil Martins “non sabe tambem hu esses
beens son”, ordena que o informem sobre a identificação dos mesmos, incluindo as “couzas
alheadas, ou sonegadas”, sobre a sua localização, rendimentos que proporcionavam e dí-
vidas associadas, chegando ao ponto de dizer “que se lhe non possa encobrir nada” 98.12 .13
De facto, destas palavras pode inferir-se que havia um desconhecimento, incluindo
por parte do mestre da recém criada Ordem de Cristo, em relação à localização de, pelo
menos, alguns dos bens Templários, que haveria alguns que se encontravam alheados e ou-
tros que teriam sido subtraídos ou desviados, colocando-se ainda a necessidade de acaute-
lar que toda a informação fosse comunicada. Neste mesmo sentido apontam as Ordenações
de 1321, 1323 e 1326, na medida em que vão conferindo estatutos diversos às proprieda-
des da Ordem e as referem por uma sequência também ela diferente.
Neste seguimento, em 20 de novembro de 1319, D. Gil Martins, mestre de Cristo, deu
carta de quitação a D. Dinis, relativa a todos os bens móveis e imóveis que recebera do rei,
dos quais o papa fizera doação à Ordem99. O mestre alude às grandes despesas feitas pelo rei
na cobrança e manutenção dos bens da Ordem do Templo e dos respetivos mestre e freires, e
especifica a propriedade em causa e que o rei “tragia a ssa mãao e a ssa posse”, mencionando
Soure, Pombal, Redinha e Ega, na Estremadura, e Idanha-a-Velha, Idanha-a-Nova, Segura,
Salvaterra, Proença e Rosmaninhal, na Beira. Como se pode confirmar, a lista de proprie-
dades do documento de junho e do de novembro é coincidente; a única alteração é que em
junho são agrupadas em dois bispados, exprimindo um enquadramento eclesiástico, e em
novembro em duas comarcas, denotando uma linguagem administrativa e civil. A menciona-
da carta de quitação aflora um outro espólio – o de natureza móvel – que muito dificilmente é
dado a conhecer pelos documentos. Até este momento não se conhecem inventários de bens
móveis relativos a esta fase de transição, o que impede a sua identificação em particular.14
Pelo conteúdo da mencionada decisão papal em relação à incorporação dos bens do
Templo na Ordem do Hospital, e em virtude da semelhança da estrutura organizativa de
ambas e da sua sobreponível dimensão e implantação territorial, por diversas vezes, tem

97 Publ. em BRANDÃO, Frei António, Monarchia Lusytana que contem as historias dos ultimos 23 annos d’el rey
D. Dinis, Sexta Parte, Lisboa, Officina de Joam da Costa,1672, p. 291-292.
98 TT, OC/CT, mç. 1, n.º 16 (inserto em documento de 1781.06.16).
99 Publ. em Monumenta Henricina, vol. I, doc. 68, p. 129-131.

666
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

sido sugerida a hipótese de os Hospitalários terem tentado anexar bens dos Templários. No
entanto, esta hipótese, apesar de válida, carece de confirmação. A evidência documental é
muito escassa quanto ao envolvimento da Ordem do Hospital neste processo. Há, porém,
notícia de diversos conflitos prévios entre estas duas Ordens. Por exemplo, em 10 de no-
vembro de 1284, D. Dinis ordenou que se fizesse uma inquirição na freguesia de Rio Frio
para apurar os direitos do rei. Tinha ainda como objetivo saber quais os direitos da Ordem
do Templo em Quintães, Lágea, Madrinhas, Vila Nova, Vila Nova de Suzão, entre outros
lugares; bem como os direitos dos Hospitalários em Camunãos, Rebordões de Suzão, Talho,
entre outros100. O exemplo de Rio Frio101 mostra que as querelas entre estas duas Ordens
são antigas e antecedem a supressão do Templo. Estes dados adquirem maior expressão
no contexto da frequente conflitualidade existente entre os Templários e os Hospitalários,
a qual foi alvo de um acordo firmado em 3 de janeiro de 1231 a propósito de Vila Chã da
Braciosa (Miranda do Douro), perto de Mogadouro e de Penas Róias102. Em maio desse
mesmo ano, nova composição é assinada entre estas duas Ordens a propósito de dois casais
no termo de Castelo Rompar (Sertã)103. A supressão da Ordem do Templo e a criação da de
Cristo, sua herdeira patrimonial, potenciou rivalidades e a tentativa de afirmação do poder
dos Hospitalários na zona centro do reino, onde proliferavam os territórios dos Templá-
rios. Os negócios patrimoniais que envolviam estas duas instituições seriam frequentes,
embora não se conheça nenhum coincidente com o período subsequente à supressão do
Templo. Um único caso, porém, pode ser evocado e oferecer alguma pista sobre o assunto
em estudo. Referimo-nos a uma bula de 17 de dezembro de 1323, pela qual tomamos
conhecimento de que a apresentação do clérigo da igreja paroquial de S. João de Cinfães
(diocese de Lamego), outrora partilhada entre os Templários e os Hospitalários, foi nessa
altura assumida parcialmente por D. Dinis em substituição do papel dos Templários, o que
revela a atenção do rei em relação aos bens do Templo e a consequente dificuldade de os
Hospitalários assumirem algumas posições dos seus antigos congéneres104.15.16,17,18.19
Outros potenciais interessados nos bens dos Templários poderiam ter sido os bispos,
embora não haja notícia de tentativas de usurpação de propriedades do Templo protagoni-
zadas pelas autoridades episcopais na sequência da supressão da Ordem. Por outro lado,

100 TT, Gaveta 7, mç. 17, n.º 1; TT, Gaveta 6, mç. 1, n.º 210; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 117r-120v.
101 Valdevez Medieval. Documentos. I. 950-1299, Amélia Aguiar ANDRADE e Luís KRUS (coord.); Filomena MELO
e João Luís FONTES (transcr.). Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, 2000, p. 117-119.
102 TT, Gaveta 7, mç. 6, n.º 14 e mç. 14, n.º 11; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 39r-41r. Publ. em Cartulaire

Générale de l’Ordre des Hospitaliers de Saint-Jean de Jérusalem (1100-1310), documentos publicados por Jean Dela-
ville le Roulx, Paris, 1894-1906, vol. II, doc. 1972, p. 413-414. Ref. em As Gavetas da Torre do Tombo, vol. II, p. 446.
103 TT, Gaveta 7, mç. 12, n.º 8; TT, Gaveta 6, mç. 1, n.º 211. Ref. em FIGUEIREDO, José Anastácio, Nova História

da Militar Ordem de Malta e dos senhores grão-priores della em Portugal, Lisboa, 1800, vol. I, p. 428 e p.
509-511; BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, 2.ª
edição dirigida por Torquato de Sousa SOARES, vol. 1, Lisboa, Sá da Costa, 1945, p. 377.
104 Referida por COSTA, Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. II, p. LIV.

667
ENTRE DEUS E O REI
O MUNDO DAS ORDENS MILITARES

a documentação medieval dá conta de diversos processos de contencioso em torno da de-


finição dos direitos episcopais que contribuem para definir a complexa rede jurisdicional.
Os mosteiros também estariam atentos a este processo, embora a documentação seja
parca em informações a este respeito. O único caso que pode suportar esta hipótese foi
protagonizado pelo mosteiro de Santa Cruz de Coimbra que, pelos inícios do séc. XIII,
terá esgrimido algumas divergências com a Ordem do Templo acerca das propriedades dos
Crúzios em Soure e de certas casas que os freires tinham junto a Santa Cruz105. A posse de
certas propriedades nas vizinhanças das do Templo pode ter favorecido alguma tentativa
de apropriação, uma vez extinta a Ordem. 20
A cobiça sobre os bens do Templo pode, também, ter sido encabeçada por figuras parti-
culares. D. Dinis, em 2 de junho de 1288, proferiu uma sentença sobre a contenda que pendia
entre D. Lopo Rodrigues, comendador de Tomar, e D. Margarida, procuradora do seu marido,
D. Aparício, acerca de uns moinhos na ribeira de Ceras, entre Pias e Gontigeira, no termo
de Tomar. Por esta sentença, a Ordem recebeu metade do que rendiam os moinhos, exceto o
quarto que pertencia ao moleiro106. Uma vez suprimida a Ordem, os seus bens explorados por
determinados caseiros poderiam, eventualmente, ter sido alvo de apropriação abusiva. 21
Em suma, os casos citados sugerem a grande atração provocada pelos bens dos Templá-
rios. As razões que moviam o rei a gerir os bens do Templo são identificáveis. Tratava-se de
um espólio patrimonial muito avultado, na sua grande maioria com raiz em doações régias e
ao qual estava associada uma dimensão simbólica de grande peso. A já mencionada carta de
quitação de 20 de novembro de 1319, em que D. Gil Martins, mestre de Cristo, reconhece
que D. Dinis lhe havia entregue os bens móveis e imóveis implicados na dotação da nova
Ordem, faz referência explícita a Soure, Pombal, Redinha, Ega, Idanha-a-Velha, Idanha-
-a-Nova, Segura, Salvaterra, Proença e Rosmaninhal107, ou seja, bens que constituíam o
núcleo central da herança dos Templários. Dado que haveria outras terras envolvidas neste
processo, impõe-se a distinção entre um núcleo duro de propriedades e um segundo con-
junto de bens, talvez mais periférico, e que ficaria mais vulnerável a diversas cobiças. No
entanto, o processo de gestão dos bens Templários em Portugal após a supressão da Ordem
não pode ser analisado de forma isolada. Na verdade, foi bastante influenciado pela estra-
tégia que a monarquia desenvolveu em relação às outras Ordens Militares presentes em
Portugal. Em rigor, desde D. Afonso III identifica-se uma linha de atuação consubstanciada
no controlo destas instituições, fortemente consolidada no reinado de D. Dinis. 22

105 TT, Cónegos Regulares de Santo Agostinho, Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, liv. 101 (Livro de D. João
Teutónio), fls. 14r-14v. Publ. em GOMES, Saúl, “As Ordens Militares e Coimbra Medieval: tópicos e documentos
para um estudo”, em Isabel Cristina FERNANDES, Ordens Militares: Guerra, Religião Poder e Cultura, Lisboa,
Ed. Colibri e Câmara Municipal de Palmela, 1999, p. 60.
106 TT, Gaveta 7, mç. 7, n.º 1; TT, Leitura Nova, Livro dos Mestrados, fls. 100r-100v.
107 Publ. em Monumenta Henricina, vol. I, doc 68, p. 129-131.

668
EM PORTUGAL COMO LÁ FORA: A ORDEM DO TEMPLO
EM TEMPOS DE MUDANÇA (1274-1314)

Para completarmos a análise da herança Templária e percebermos o seu impacto no


Portugal dos primórdios do séc. XIV, seria, também, muito útil reconstituir alguns traços
da reação dos Templários portugueses à “usurpação” dos seus bens, à semelhança do exer-
cício feito por A. Demurger, em que aborda a questão do recenseamento dos Templários
que se apresentaram em defesa da Ordem face à comissão pontífícia de Paris, em 1310108.
O facto de dispormos sobretudo de documentos emanados do círculo régio constituiu uma
séria limitação, na medida em que nos transmitem uma perspetiva condicionada sobre esta
complexa questão e não sustentam uma reflexão sobre esta vertente. 23

108DEMURGER, Alain, “Éléments pour une prosopographie du “peuple templier”. La comparation des Templiers
devant la commission pontificale de Paris (Février-Mai 1310)”, Em Philippe JOSSERAND; Luís Filipe OLIVEIRA;
Damien CARRAZ (Études réunies par), Élites et Ordres Militaires au Moyen Âge. Rencontre autour d’Alain De-
murger, Madrid, Casa de Velázquez, 2015, p. 17-36 (especialmente, p. 21-25).
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