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1. As vanguardas europeias
1Expressão utilizada por Haroldo de Campos para referir-se aos “parangolés” de Hélio Oiticica (de
Campos, 1996)
2. Construtivismo à brasileira
Ruptura dá nome à mostra inaugurada no MAM de São Paulo em 1952 e que reúne
artistas de origem imigrante estabelecidos na cidade, como Anatol Wladyslaw,
Leopoldo Haar, Lothar Charoux e Féjer, e os brasileiros Geraldo de Barros, Luiz
Sacilotto e Waldemar Cordeiro. Influenciados em grande parte pela produção e
pensamento do artista suíço Max Bill e pela abstração geométrica exibida no ano
anterior na I Bienal de São Paulo - especialmente pela produção construtivista argentina
que remonta a meados dos anos 1940 (Amaral, 1977) -, o grupo postula a criação de
uma arte a partir de pesquisa de base racional/matemática, “crítica do ilusionismo
pictórico, recusa do tonalismo cromático e da utilização dos recursos ópticos para a
criação do movimento virtual. Lançam mão também do uso de materiais como esmalte,
Reunidos em torno da figura de Ivan Serpa e formado por seus alunos e ex-alunos de
pintura, entre eles Lygia Clark e Lygia Pape, o grupo Frente surge no Rio de Janeiro em
1954, ano em que apresenta sua primeira exposição. Embora influenciados pelos
conceitos da abstração e arte concreta, com obras que predominantemente exploram a
abstração geométrica, o grupo não se define por uma postura estilística uniforme;
apresentam um programa estético mais diverso, com maior liberdade em relação às
teorias concretas e o que une seus membros é a recusa à abordagem figurativa e
nacionalista da pintura modernista brasileira. Para o grupo, “a linguagem geométrica é,
antes de qualquer coisa, um campo aberto à experiência e à indagação” (Grupo Frente,
2024)
Tal liberdade fica ainda mais patente na segunda exposição do grupo em 1955 no MAM
do Rio de Janeiro, da qual passam a participar artistas recém integrados ao Frente, entre
eles Hélio Oiticica, Abraham Palatinik e Elisa Martins da Silveira – esta uma pintora
naïf, que retrata cenas do universo religioso e de festas populares.
“Os seus membros são todos jovens. E as adesões com que tem crescido têm sido
invariavelmente de personalidades ainda jovens. Isso quer dizer que o grupo está
aberto... para o futuro, para as gerações em formação. Mais promissor ainda é o fato do
grupo não ser uma panelinha fechada, nem muito menos uma academia onde se ensinam
e se aprendem regrinhas e receitas para fazer abstracionismo, concretismo,
expressionismo (...) e outros ismos” (Pedrosa, 1955), escreve o crítico Mário Pedrosa no
texto de abertura do catálogo da mostra.
“A rigor, esses artistas não podem ser chamados de concretos em sentido estrito, pois de
início ignoram a noção de objeto artístico como exercício de concreção racional de uma
ideia, cuja execução deve ser previamente guiada por leis claras e inteligíveis, de
preferência cálculos matemáticos. No entanto, é essa autonomia e certa dose de
experimentação presente no Grupo Frente que garante o desenvolvimento singular que
as poéticas construtivas vão conhecer nos trabalhos de alguns de seus integrantes ainda
na segunda metade da década de 1950.” (Grupo Frente, 2024)
3. Neoconcretismo
A partir dos embates dos grupos de São Paulo e Rio de Janeiro, surge em 1959 o Grupo
Neoconcreto, que lança no mesmo ano um manifesto e apresenta uma exposição no
MAM/RJ. Oriundos do Grupo Frente, Franz Weissman, Hélio Oiticica, Lygia Clark e
Lygia Pape juntam-se a artistas como Aluísio Carvão, Wyllis e Amílcar de Castro, além
do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar; juntos eles irão se contrapor a “uma perigosa
exacerbação racionalista” (Gullar, 1959), à ortodoxia construtiva e certo dogmatismo
geométrico. “Os neoconcretos defendem a liberdade de experimentação, o retorno às
intenções expressivas e o resgate da subjetividade. A recuperação das possibilidades
criadoras do artista - não mais considerado um inventor de protótipos industriais - e a
incorporação efetiva do observador - que ao tocar e manipular as obras torna-se parte
delas - apresentam-se como tentativas de eliminar certo acento técnico-científico
presente no concretismo.” (Neoconcretismo, 2024)
Além disso, a cor e o movimento, elementos refutados por parte dos concretistas de São
Paulo, passam a ter enorme centralidade na produção de alguns neoconcretos. A partir
de então, os artistas passam a privilegiar não apenas a experiência racional construtiva,
mas principalmente a experiência sensível do espectador face à obra.
Nesse sentido, a obra de Hélio Oiticica ilustra essa trajetória. Ligado inicialmente ao
concretismo, ao longo do tempo o artista passa a dialogar mais estreitamente com a
realidade brasileira, incorporando elementos de manifestações culturais populares –
como o samba, o carnaval, as religiões de matriz africana – e respondendo a um cenário
político que se transforma a partir de meados dos anos 60 com a ditadura civil-militar.
Nascido no Rio de Janeiro em 1937, Hélio Oiticica é filho do fotógrafo José Oiticica
Filho, importante nome da fotografia moderna brasileira, cuja produção apresenta forte
ligação com o construtivismo. Hélio começa a pintar desde muito cedo – aos 17 anos
começa a exibir suas primeiras obras – e, também por influência de seu pai, os conceitos
construtivistas serão formadores para a sua produção inicial.
Em 1954, Hélio junta-se ao grupo de pintura de Ivan Serpa e no ano seguinte participa
da segunda exposição do Grupo Frente no MAM/RJ, na qual apresenta obras marcadas
pela composição geométrica abstrata, embora algumas pinturas já apresentem um uso
mais tonal das cores e não apenas matizes primários – o que, de início, já o afasta dos
conceitos mais puristas da arte concreta e do construtivismo –, como podemos ver nas
imagens abaixo:
No entanto, a partir da sua filiação ao grupo neoconcreto no final dos anos 1950,
podemos perceber a influência de novos elementos em sua composição pictórica que o
afastarão definitivamente do concretismo tradicional e, de certa forma, o libertarão para
explorar temas que serão fundamentais em toda sua obra, como a dimensão do
movimento, a participação do público e o caráter imersivo de seus trabalhos.
Entre 1957 e 1958, Oiticica começa a produzir a série Metaesquemas, pinturas abstratas
compostas por figuras geométricas monocromáticas sobre fundo claro. Diferentemente
da fase anterior, o artista opta por utilizar cores sólidas em tons primários como o azul,
o vermelho e o preto, embora também apareçam derivações cromáticas como o roxo e o
laranja. Entretanto, essas imagens parecem debater-se com a natureza bidimensional da
pintura, trazem uma certa ilusão de movimento e perspectiva das figuras apresentadas e
parecem saltar da superfície da tela. Podemos ver abaixo alguns exemplos de tais
composições em que as figuras aparentam – ou provocam no espectador – um
movimento potencial:
Hélio Oiticica, Grande Núcleo (esq) e Penetrável PN1 (dir), 1960. Fotos: autores deconhecidos.
Hélio Oiticica, Invenção da Cor, Penetrável Magic Square #5, 1977. Foto: autor desconhecido
2O termo parangolé assume sentidos diversos. De origem iorubá, a palavra significa “sacudir” ou
“agitar”. Todavia, no Rio de Janeiro do anos de 1960, como nos informa Wally Salomão em seu livro Qual
é o Parangolé?, a palavra era usada para designar as moradias rudimentares da favela (barraco) ou
confusão.
Hélio Oiticica, Parangolé P4 Capa 1, 1964. Foto: acervo MAM Rio de Janeiro
O artista rejeita a ideia de performance por acreditar que nesta o conceito de ator versus
espectador ainda se mantém. A ideia do Parangolé como dispositivo corrobora uma
concepção de realização artística unicamente através do envolvimento individual.
6. Conclusão
Nos últimos dez anos, o Brasil tem passado por um intenso processo de revisão da sua
História. A ampliação do acesso à internet, a inserção de pessoas negras e indígenas nas
universidades por meio de cotas raciais e, consequentemente, a maior inserção desses
AMARAL Aracy Abreu (org). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950-62, Rio de
Janeiro: Museu de Arte Moderna / São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977, p. 11.
de CAMPOS, Haroldo. “Arte Construtiva no Brasil” in Revista USP, São Paulo: Edusp,
junho/agosto, 1996, p. 255.
GRUPO Frente. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível
em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo222289/grupo-frente. Acesso em: 03 de
janeiro de 2024. Verbete da Enciclopédia.
GRUPO Ruptura. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível
em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo538325/grupo-ruptura.
Acesso em: 03 de janeiro de 2024. Verbete da Enciclopédia.
HÉLIO Oiticica. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível
em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa48/helio-oiticica. Acesso em: 19 de
janeiro de 2024. Verbete da Enciclopédia.
LYGIA Clark. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível
em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1694/lygia-clark. Acesso em: 19 de
janeiro de 2024. Verbete da Enciclopédia.
LYGIA Pape. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível
OITICICA, Hélio. Aspiro ao Grande Labirinto. Luciano Figueiredo; Lygia Pape; Waly
Salomão (orgs.), Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 52.
SALOMÃO, Wally. Hélio Oiticica: Qual é o Parangolé? São Paulo: Companhia das
Letras, 2015. p. 28.