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Asa-Delta Para o Êxtase:

Hélio Oiticica e o concretismo brasileiro

Rafael Moretti Leopoldo

Estudos Avançados de História da Arte I (Semestre 2023/2024)


Professor: Fernando Rosa Dias
Mestrado Crítica, Curadoria e Teorias da Arte
Faculdade de Belas-Artes
Universidade de Lisboa

Asa-Delta Para o Êxtase: Hélio Oiticica e o concretismo brasileiro


Asa-Delta Para o Êxtase1:
Hélio Oiticica e o concretismo brasileiro

O presente texto pretende resgatar as influências europeias do construtivismo e da arte


concreta em certa produção brasileira de meados do século XX, bem como analisar de
que modo a obra de Hélio Oiticica filia-se inicialmente a essas correntes estéticas e
como, a partir da influência de outras manifestações culturais brasileiras, o artista passa
a distanciar-se de tais preceitos. Nesse sentido, os seus parangolés servirão como
símbolo do percurso do artista.

1. As vanguardas europeias

A partir da expansão industrial na segunda metade do século XIX, ideias ligadas à


padronização, seriação, precisão técnica, racionalidade e aceleração ganharam espaço
nos países do norte do globo. De maneiras diversas, os artistas das primeiras vanguardas
europeias do século XX responderam à essa presença crescente da máquina no cotidiano
urbano e a esse novo modo de produção.

Surgido na Rússia em 1915 e potencializado pela Revolução Russa, o construtivismo


emerge como proposta de criação artística inserida na lógica de produção industrial,
com ênfase no uso de materiais industrializados, na abstração geométrica e na
composição técnica e potencialmente reprodutível – afastando-se da ideia de obra de
arte única, expressão de uma subjetividade individual e restrita à fruição da elite
burguesa. Para o construtivismo, a pintura e a escultura não são pensadas como
representação, mas como construções, aproximando-se da arquitetura em termos
formais, de materiais, procedimentos e objetivos. Nesse contexto, surge também na
Rússia o suprematismo, movimento que se afirma pela abstração radical, pela rejeição
total da expressão subjetiva, pelo emprego de formas geométricas básicas e uso
simplificado da cor.
A partir de 1917, em consonância com os preceitos lançados pelo construtivismo, surge
na Holanda o movimento De Stijl, que irá formular as bases da arte concreta de modo a

1Expressão utilizada por Haroldo de Campos para referir-se aos “parangolés” de Hélio Oiticica (de
Campos, 1996)

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reforçar o caráter técnico da obra, apagar o gesto e expressão do artista, prezando pela
simplicidade e universalidade da arte. Capitaneado por Piet Mondrian e Theo van
Doesburg, o De Stijl irá influenciar largamente os artistas ligados à Bauhaus e,
posteriormente, à Escola Superior da Forma em Ulm, Alemanha.

2. Construtivismo à brasileira

Como consequência da decadência da produção cafeeira nos anos 1920 e da Segunda


Guerra Mundial, o Brasil passa por um processo de industrialização entre as décadas de
1930 e 1950, no qual desenvolvem-se as indústrias siderúrgica e automobilística, a
exploração petrolífera e mineira, a estrutura logística portuária e ferroviária; as cidades
do Sudeste brasileiro passam por um processo intenso de urbanização e o projeto de
construção de uma nova capital no interior do país finalmente sai do papel; no âmbito
cultural, o rádio passa por sua era de ouro, o país esboça a criação de uma indústria
cinematográfica e a primeira emissora de TV é fundada em 1951; nas artes, são criados
o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro e de São Paulo e a Bienal de São
Paulo. É sintomático que nesse contexto o construtivismo e a arte concreta, estéticas que
refletem o modo de produção industrial, ganhem tração no Brasil.

Embora possamos encontrar vestígios anteriores da influência dos preceitos da arte


concreta e do construtivismo no Brasil, especialmente na arquitetura (Amaral, 1977),
tais movimentos solidificaram-se nas artes plásticas brasileiras no início dos anos 1950,
principalmente através da emergência de dois grupos – Ruptura, baseado em São Paulo,
e Frente, sediado no Rio de Janeiro.

Ruptura dá nome à mostra inaugurada no MAM de São Paulo em 1952 e que reúne
artistas de origem imigrante estabelecidos na cidade, como Anatol Wladyslaw,
Leopoldo Haar, Lothar Charoux e Féjer, e os brasileiros Geraldo de Barros, Luiz
Sacilotto e Waldemar Cordeiro. Influenciados em grande parte pela produção e
pensamento do artista suíço Max Bill e pela abstração geométrica exibida no ano
anterior na I Bienal de São Paulo - especialmente pela produção construtivista argentina
que remonta a meados dos anos 1940 (Amaral, 1977) -, o grupo postula a criação de
uma arte a partir de pesquisa de base racional/matemática, “crítica do ilusionismo
pictórico, recusa do tonalismo cromático e da utilização dos recursos ópticos para a
criação do movimento virtual. Lançam mão também do uso de materiais como esmalte,

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tinta industrial, acrílico e aglomerado de madeira, destacando a atenção do grupo ao
desenvolvimento de materiais industriais.” (Grupo Ruptura, 2024)

Reunidos em torno da figura de Ivan Serpa e formado por seus alunos e ex-alunos de
pintura, entre eles Lygia Clark e Lygia Pape, o grupo Frente surge no Rio de Janeiro em
1954, ano em que apresenta sua primeira exposição. Embora influenciados pelos
conceitos da abstração e arte concreta, com obras que predominantemente exploram a
abstração geométrica, o grupo não se define por uma postura estilística uniforme;
apresentam um programa estético mais diverso, com maior liberdade em relação às
teorias concretas e o que une seus membros é a recusa à abordagem figurativa e
nacionalista da pintura modernista brasileira. Para o grupo, “a linguagem geométrica é,
antes de qualquer coisa, um campo aberto à experiência e à indagação” (Grupo Frente,
2024)

Tal liberdade fica ainda mais patente na segunda exposição do grupo em 1955 no MAM
do Rio de Janeiro, da qual passam a participar artistas recém integrados ao Frente, entre
eles Hélio Oiticica, Abraham Palatinik e Elisa Martins da Silveira – esta uma pintora
naïf, que retrata cenas do universo religioso e de festas populares.

“Os seus membros são todos jovens. E as adesões com que tem crescido têm sido
invariavelmente de personalidades ainda jovens. Isso quer dizer que o grupo está
aberto... para o futuro, para as gerações em formação. Mais promissor ainda é o fato do
grupo não ser uma panelinha fechada, nem muito menos uma academia onde se ensinam
e se aprendem regrinhas e receitas para fazer abstracionismo, concretismo,
expressionismo (...) e outros ismos” (Pedrosa, 1955), escreve o crítico Mário Pedrosa no
texto de abertura do catálogo da mostra.

“A rigor, esses artistas não podem ser chamados de concretos em sentido estrito, pois de
início ignoram a noção de objeto artístico como exercício de concreção racional de uma
ideia, cuja execução deve ser previamente guiada por leis claras e inteligíveis, de
preferência cálculos matemáticos. No entanto, é essa autonomia e certa dose de
experimentação presente no Grupo Frente que garante o desenvolvimento singular que
as poéticas construtivas vão conhecer nos trabalhos de alguns de seus integrantes ainda
na segunda metade da década de 1950.” (Grupo Frente, 2024)

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Apesar do concretismo no Brasil compartilhar uma agenda geral, os artistas paulistas
concentram-se na pureza visual da forma, enquanto o grupo carioca defende uma
integração mais forte entre arte e vida, afastando-se da consideração da obra como uma
"máquina" ou "objeto" e enfatizando a intuição como um requisito fundamental para a
produção artística. (Neoconcretismo, 2024)

Embora os grupos de São Paulo e Rio de Janeiro cheguem a participar conjuntamente


da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta em 1956 – da qual participam também os
poetas concretos, que trabalham a poesia não apenas em termos textuais e sonoros, mas
também em sua dimensão gráfica e visual –, são crescentes os embates entre as duas
correntes e as contestações estéticas para com o Grupo Frente, fazendo com que este se
dissolva em 1957.

3. Neoconcretismo

A partir dos embates dos grupos de São Paulo e Rio de Janeiro, surge em 1959 o Grupo
Neoconcreto, que lança no mesmo ano um manifesto e apresenta uma exposição no
MAM/RJ. Oriundos do Grupo Frente, Franz Weissman, Hélio Oiticica, Lygia Clark e
Lygia Pape juntam-se a artistas como Aluísio Carvão, Wyllis e Amílcar de Castro, além
do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar; juntos eles irão se contrapor a “uma perigosa
exacerbação racionalista” (Gullar, 1959), à ortodoxia construtiva e certo dogmatismo
geométrico. “Os neoconcretos defendem a liberdade de experimentação, o retorno às
intenções expressivas e o resgate da subjetividade. A recuperação das possibilidades
criadoras do artista - não mais considerado um inventor de protótipos industriais - e a
incorporação efetiva do observador - que ao tocar e manipular as obras torna-se parte
delas - apresentam-se como tentativas de eliminar certo acento técnico-científico
presente no concretismo.” (Neoconcretismo, 2024)

Além disso, a cor e o movimento, elementos refutados por parte dos concretistas de São
Paulo, passam a ter enorme centralidade na produção de alguns neoconcretos. A partir
de então, os artistas passam a privilegiar não apenas a experiência racional construtiva,
mas principalmente a experiência sensível do espectador face à obra.

O movimento vai lançar as bases conceituais para a incorporação de uma gama de


novos elementos que serão fundamentais para a produção dos artistas que o integram,

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que colocam em xeque uma visão industrialista em um país na periferia do capitalismo,
atualizando, de certo modo, o projeto modernista brasileiro de (re)criação artística a
partir da realidade local e não apenas como incorporação acrítica de correntes europeias.

Nesse sentido, a obra de Hélio Oiticica ilustra essa trajetória. Ligado inicialmente ao
concretismo, ao longo do tempo o artista passa a dialogar mais estreitamente com a
realidade brasileira, incorporando elementos de manifestações culturais populares –
como o samba, o carnaval, as religiões de matriz africana – e respondendo a um cenário
político que se transforma a partir de meados dos anos 60 com a ditadura civil-militar.

4. A quebra da bidimensionalidade e a explosão da cor em Hélio Oiticica

Nascido no Rio de Janeiro em 1937, Hélio Oiticica é filho do fotógrafo José Oiticica
Filho, importante nome da fotografia moderna brasileira, cuja produção apresenta forte
ligação com o construtivismo. Hélio começa a pintar desde muito cedo – aos 17 anos
começa a exibir suas primeiras obras – e, também por influência de seu pai, os conceitos
construtivistas serão formadores para a sua produção inicial.

Em 1954, Hélio junta-se ao grupo de pintura de Ivan Serpa e no ano seguinte participa
da segunda exposição do Grupo Frente no MAM/RJ, na qual apresenta obras marcadas
pela composição geométrica abstrata, embora algumas pinturas já apresentem um uso
mais tonal das cores e não apenas matizes primários – o que, de início, já o afasta dos
conceitos mais puristas da arte concreta e do construtivismo –, como podemos ver nas
imagens abaixo:

Hélio Oiticica, Grupo Frente, 1955. Foto: autor desconhecido

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Hélio Oiticica, Grupo Frente, 1955. Foto: Luigi Stavale

No entanto, a partir da sua filiação ao grupo neoconcreto no final dos anos 1950,
podemos perceber a influência de novos elementos em sua composição pictórica que o
afastarão definitivamente do concretismo tradicional e, de certa forma, o libertarão para
explorar temas que serão fundamentais em toda sua obra, como a dimensão do
movimento, a participação do público e o caráter imersivo de seus trabalhos.

Entre 1957 e 1958, Oiticica começa a produzir a série Metaesquemas, pinturas abstratas
compostas por figuras geométricas monocromáticas sobre fundo claro. Diferentemente
da fase anterior, o artista opta por utilizar cores sólidas em tons primários como o azul,
o vermelho e o preto, embora também apareçam derivações cromáticas como o roxo e o
laranja. Entretanto, essas imagens parecem debater-se com a natureza bidimensional da
pintura, trazem uma certa ilusão de movimento e perspectiva das figuras apresentadas e
parecem saltar da superfície da tela. Podemos ver abaixo alguns exemplos de tais
composições em que as figuras aparentam – ou provocam no espectador – um
movimento potencial:

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Hélio Oiticica, Metaesquema, 1957. Foto: Antonio Caetano

Hélio Oiticica, Metaesquema, 1957. Foto: autor desconhecido

Hélio Oiticica, Metaesquema, 1958. Foto: autor desconhecido

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Se observarmos a produção dos colegas de Oiticica que também integram o Grupo
Frente e o Grupo Neoconcreto, vemos que a incorporação de elementos ligados à
movimentação parece perpassar as obras de muitos desses artistas. Lygia Clark, por
exemplo, cria a partir de 1958 a série Bichos, em que articula figuras geométricas em
metal que podem ser manipuladas pelo público e assumir formas diversas. No mesmo
ano, Lygia Pape concebe o primeiro Balé Neoconcreto (que teria ainda uma segunda
edição em 1959), peça cênica que incorpora dança, literatura e instalação. Mas talvez
seja em Abraham Palatnik que o tema do movimento encontre uma pesquisa mais
aprofundada e uma utilização mais meticulosa, sendo considerado mais tarde um dos
nomes centrais da chamada arte cinética; nos anos 1950, Palatnik começa a
experimentar com caixas de luzes coloridas que se movimentam e projetam cor sobre
uma superfície opaca em uma série denominada Aparelhos Cinecromáticos.

Abraham Palatnik, Aparelhos Cinecromático, 1958. Fotos: Romulo Fialdini.

De fato, a partir de 1959, Oiticica rompe a superfície da tela e passa a tridimensionalizar


suas formas geométricas. Nas séries Bilaterais e Relevos Espaciais, o artista apresenta
peças monocromáticas em madeira montadas como móbiles em composições que,
muitas vezes, lembram as telas de Metaesquema, mas que podem ser exploradas pelo
espectador – tanto em suas formas, como na experiência de relação com a cor – por
ângulos e posições diversas. Desse modo, a construção da obra não apenas aproxima-se

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da edificação arquitetônica, mas também convida à movimentação do público e sugere
um percurso para o corpo.

Essa é a primeira vez na trajetória do artista que a presença e interação do público


começa a ganhar relevo e intensificar-se-á a partir de então. Oiticica passa a criar não
apenas peças para a observação distanciada do público, mas ambientes imersivos que
propiciam uma experiência sensorial múltipla. É o caso dos Núcleos ou Penetráveis,
estruturas formadas por blocos monocromáticos e que encenam um gesto radical de
abstração ao propor ao espectador uma experiência imersiva da cor. “No Penetrável,
decididamente, a relação entre o espectador e a estrutura-cor se dá numa integração
completa, pois que virtualmente é colocado no centro da mesma.” (Oiticica, 1986).

Hélio Oiticica, Grande Núcleo (esq) e Penetrável PN1 (dir), 1960. Fotos: autores deconhecidos.

Hélio Oiticica, Invenção da Cor, Penetrável Magic Square #5, 1977. Foto: autor desconhecido

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5. Parangolé e a influência popular

Acompanhando um certo movimento da década de 1960, no qual a elite cultural do Rio


de Janeiro passa a interessar-se pela produção artística dos morros e subúrbios da cidade
– o maior exemplo talvez seja o interesse da bossa nova pelos sambas compostos nas
favelas –, Oiticica passa a frequentar as comunidades da cidade, interagir com seus
personagens, colaborar em suas atividades culturais e incorporar elementos estéticos
desses grupos em seus trabalhos artísticos. Um exemplo desse interesse é a participação
que o artista passa a ter na Estação Primeira de Mangueira, tradicional escola de samba
do carnaval do Rio de Janeiro, localizada no Morro da Mangueira.

Oiticica torna-se passista da escola, participa e colabora nos desfiles de carnaval e a


estética dessa festa popular passa a ter enorme influência na sua produção. A
possibilidade de trabalhar com poucos recursos, materiais baratos e, ainda assim, criar
efeitos espetaculares irá influenciar enormemente sua produção artística.

Aprofundando sua proposta de participação do espectador na realização e na fruição da


obra, em 1964 Oiticica realiza as suas primeiras experiências com os Parangolés 2.
Inicialmente assumindo a forma de tendas, estandartes ou bandeiras, a peça ganhou
maior projeção no formato de capas vestíveis compostas de diversas camadas de tecidos
de texturas e cores diversas.

Assim como nos Penetráveis, a proposta é que o espectador esteja completamente


imerso na experiência da cor e que através do seu movimento - ao caminhar, correr ou
dançar – possa ter a experiência da mescla das cores e fusão das formas. Nesse sentido,
os Parangolés funcionam mais como dispositivos a serem acionados, pois será apenas
através da participação do público que poderá ter-se contato com a obra. Interessa-lhe
menos o tipo de movimento, a coreografia criada pelo espectador e o gestual, assim
como o objeto em si não contem totalmente a obra; a real experiência artística está na
movimentação das cores e das formas que só poderá ser absorvida através de sua
agitação.

2O termo parangolé assume sentidos diversos. De origem iorubá, a palavra significa “sacudir” ou
“agitar”. Todavia, no Rio de Janeiro do anos de 1960, como nos informa Wally Salomão em seu livro Qual
é o Parangolé?, a palavra era usada para designar as moradias rudimentares da favela (barraco) ou
confusão.

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“O meu interesse pela dança, pelo ritmo, no meu caso particular pelo samba, me veio de
uma necessidade vital de desintelectualização, de desinibição intelectual, da necessidade
de uma livre expressão, já que me sentia ameaçado na minha expressão por uma
excessiva intelectualização [...] A derrubada de preconceitos sociais, das barreiras de
grupos, classes, etc., seria inevitável e essencial na realização dessa experiência vital”
(Oiticica apud Salomão, 2015)

Hélio Oiticica, Parangolé P4 Capa 1, 1964. Foto: acervo MAM Rio de Janeiro

O artista rejeita a ideia de performance por acreditar que nesta o conceito de ator versus
espectador ainda se mantém. A ideia do Parangolé como dispositivo corrobora uma
concepção de realização artística unicamente através do envolvimento individual.

“A relação do artista-propositor com o participante que veste o Parangolé não é a


relação frontal do espectador e do espetáculo, mas como que uma cumplicidade, uma
relação oblíqua e clandestina, de peixes do mesmo cardume.” (Salomão, 2015)

6. Conclusão

Nos últimos dez anos, o Brasil tem passado por um intenso processo de revisão da sua
História. A ampliação do acesso à internet, a inserção de pessoas negras e indígenas nas
universidades por meio de cotas raciais e, consequentemente, a maior inserção desses

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grupos no mercado de trabalho qualificado fazem com que o país tenha de rever o lugar
que negros e índios ocuparam historicamente.

Na cultura e na arte, além de haver uma enorme estimulação da produção


contemporânea, há também um novo olhar para as chamadas artes populares – o
artesanato, a produção dita naïf, as manifestações culturais no âmbito das religiões de
matriz africana, etc. Tem-se problematizado a categoria de “arte menor” que essa
produção historicamente recebeu, revisando-a à luz do espaço social a que essas
comunidades foram relegadas e resgatando artistas que não tiveram o devido destaque
em seu tempo.

Hélio Oiticica parece ser um precursor desse movimento ao voltar-se para as


comunidades marginalizadas, identificar valor estético nas suas manifestações e
incorporá-lo em seu trabalho – a arquitetura paupérrima dos barracos das favelas ecoam
nas instalações de Tropicália, a amoralidade dos bandidos do morro está glorificada em
sua bandeira Seja Marginal, Seja Herói, o espetáculo das escolas de samba no carnaval
do Rio de Janeiro é a gênese dos Parangolés.

De certo modo, Oiticica atualiza os preceitos do primeiro Modernismo brasileiro, que


postula que as influências europeias não deveriam ser aplicadas acriticamente, mas
trabalhadas à luz da realidade do país e amalgamadas com as influências locais. O
artista nos dá a medida da força do encontro entre a arte mais tradicionalmente
acadêmica e a produção dita popular, nos provoca a olhar para cantos da manifestação
cultural onde não costumamos reconhecer potência e alarga o espectro do que a arte
pode ser e onde ela pode estar.

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Referências bibliográficas

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