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Aedos - ISSN 1984- 5634

http://www.seer.ufrgs/aedos Num. 4, vol. 2, Novembro 2009

O Mundo do Trabalho Rural


no Rio Grande do Sul no Estado Novo (1937-1945):
um Questionamento da “Harmonia Social”

Juliano Luis Palm1


Diorge Alceno Konrad2

Resumo: Neste artigo, apresentamos pesquisas e discussões frente à legislação trabalhista para o campo,
no Estado Novo no Rio Grande do Sul. A maioria do patronato entendia ser desnecessária a regulamentação
trabalhista devido à “harmonia social” que reinaria no meio rural. Entretanto, frente às transformações sociais
experienciadas pelos trabalhadores rurais, são sintomáticos (essencialmente na região sul do estado) os roubos
de gado, recorrentemente noticiados, que podem ter sido uma ação de reivindicação ao direito a sobrevivência
por ex-peões, como relatos literários do período colocam. Por outro lado, cartas com pedidos de auxílio aos
poderes públicos também podem ser entendidas como uma forma de ação dos trabalhadores do campo. Se estes
atos não podem ser percebidos como ações que visavam à transformação estrutural da sociedade, também não se
pode negar que contestavam a ordem social vigente.

Palavras-chave: Trabalhadores rurais. Mundo do trabalho rural. Trabalho no campo.

“Não me basta sonhar ser pássaro,


e acordar assoviando misérias”
“Estavam como que de luto,
mas nunca calados”
(Dante Ramón Ledesma)

Normalmente consideram-se as relações de trabalho na campanha (região extremo


oeste do Rio Grande do Sul) enquanto gravitando em torno do binômio patrão – peão.
Todavia, consideramos imprescindível problematizar tal trabalhador, o peão, visto dividirem-
se em diversas categorias, variando conforme a atividade desempenhada, o que os
diferenciaria frente a sua relação com o patrão.

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Dessa forma, trabalhariam os peões campeiros, com salário fixo, normalmente


vivendo nos galpões das estâncias, mantendo certa independência frente ao patrão. Os
mesmos tinham mobilidade e facilmente mudavam de emprego, por divergências, querendo
acompanhar a tropeada..., “embora submetidos ao comando dos estancieiros que os
recrutavam para as batalhas em conflitos civis ou guerras externas”.3 Sua moradia em galpões
é retratada por Ivan Pedro Martins em Fronteira Agreste, quando nos coloca que:

O galpão do fogo não é tão silencioso. Ali dormem os peões, aproveitando o


calor da roda. É um rancho de torrão com paredes de uns dois metros de
altura, coberto de santa-fé em quincha de escada. (...) O vento entra por
todos os lados (...) fazendo tinir os arames e latas encontrados no caminho.
Aquilo é a casa dos peões, se se pode chamar de casa um rancho sem portas
onde moram o fogo, a fumaça, o vento e a poeira.4

Este autor também nos legou um interessante registro das diversas funções a que se
dedicavam os ‘diferentes’ peões, assim como a trilogia ‘gaúcho a pé’ de Cyro Martins.
Os peões caseiros realizavam os pequenos afazeres cotidianos da estância. Esta
atividade encontrava-se entre as de menor status social. Também encontramos peões que se
dedicavam à roça. Os peões roceiros, comumente atrelados ao estancieiro, eram bastante
pobres. Além de fornecedores de alimentos, estes trabalhadores tinham sua importância
enquanto exército de reserva para alguma eventual intriga em que o estancieiro se envolvesse.
Nas estâncias maiores, encontramos os peões posteiros, que ficavam em pontos
(postos) estratégicos para vigiar o gado. Normalmente, seria alguém de confiança do
estancieiro; com pequenas roças, alguns animais domésticos, podendo beneficiar-se com
algumas sobras da criação, como o leite das vacas, que não interessavam ao estancieiro.
Normalmente, este trabalhador também produzia alguns de seus utensílios do cotidiano. Estes
trabalhadores recebiam em salário, ou (mais comumente) sua remuneração vinha do trabalho
em uma pequena lavoura, concedida nas terras do patrão, recebendo por alguns serviços
esporádicos que o mesmo ou seus filhos prestassem. Para o Correio do Povo, uma “moradia
tipica da campanha”, nos indica a casa de um peão posteiro: 5

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Exemplifica o peão posteiro, João Guedes, personagem de Cyro Martins em Porteira


fechada, o qual nos parece ser bastante emblemático.
Peões ainda conseguiam emprego com tropeiros, com carreteiros... Também outros
trabalhadores vinham buscar trabalho nas zonas rurais, como os trabalhadores das
charqueadas. Também as charqueadas e os frigoríficos se valiam de parte da mão de obra
excedente do campo. Entretanto, grande parte daqueles que não encontravam mais ocupação
no campo também não encontravam espaço nestes locais.6
Para a classe dominante do campo sul-rio-grandense, as relações entre trabalhadores e
patrões neste meio eram de apaziguamento, de harmonia social. Para estes, no campo gaúcho,
o peão era livre e a paz social reinava. Em julho de 1937, no X Congresso Rural da Federação
da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (FARSUL), discutiu-se a necessidade de
7
assistir o “proletariado rural” para manter a “paz nos campos”, através de uma legislação
protetora, criando-se uma caixa de assistência (mas esta idéia não fora retomada).
Quando questionada frente às leis trabalhistas que vinham sendo pensadas, a FARSUL
reafirmava sua opinião. Um exemplo disso foi quando o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio elaborou um anteprojeto objetivando regular a duração do trabalho rural, o qual
seria exposto “ao meio rural” para saber se o mesmo seria praticável (Correio do Povo, em 24
de fevereiro de 1934). Em resposta enviada ao inspetor e ao Ministério do Trabalho, a
FARSUL colocou a impossibilidade de enquadramento do trabalhador rural a uma legislação
social. Expressou-se ainda, que tal regulamentação seria desnecessária, pela “harmonia

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existente entre os empregadores e empregados em nosso meio rural, onde não apareceu ainda,
nem de leve sequer, a luta entre o capital e o trabalho”.8
Em 1938, a FARSUL solicitou para que federadas mandassem parecer quanto a
fixação de um salário mínimo para os trabalhadores rurais.9 Em 1939, o Ministro da
Agricultura entrou em contato com Ministro do Trabalho para que se pensasse a
sindicalização nos meios rurais, enquanto o Diretor do Ministério lembrava que a Sociedade
Nacional da Agricultura já realizou um projeto neste sentido, o qual poderia auxiliar.10 Frente
ao assunto, a FARSUL convocou seu Conselho, visto ter-se criado uma comissão para debater
a sindicalização do campo havia meses, a qual apresentaria relatório.11
Voltou-se ao assunto em 1941, quando o governo decidiu criar uma comissão para
pensar e sugerir meios para a organização sindical do meio rural. À frente de tal Comissão
encontrar-se-ia Arthur Torres Filho, presidente da Sociedade Nacional de Agricultura,
contando ainda entre seus membros os representantes do governo e da grande propriedade
fundiária. Este projeto foi enviado a FARSUL, a qual o repassou às suas federadas que, após
estudarem o projeto, posicionaram-se contrarias ao mesmo.12
O assunto continuaria sendo debatido. No Congresso da FARSUL, em meados de
1941, alguns ruralistas posicionam-se a favor e outros contra. Os que eram contra,
argumentaram através das varias dificuldades de toda ordem existentes na campanha,
“principalmente no que se refere a estabilidade dos empregos nas fazendas de criação ou
granjas e lavouras agrícolas.”13 No Congresso, foi retirado um grupo para estudar o assunto.
Quatro meses depois, outro artigo do Correio do Povo relata que: “Conforme noticiamos (..)
elementos ligados ao ruralismo gaúcho estão estudando um projeto de sindicalização da
classe, enquadrando-a nos dispositivos da legislação trabalhista do país. (...) os retoques finais
serão dados em menos tempo do que o esperado.”14 Já no primeiro mês de 1943, noticia-se
que estaria consolidado o anteprojeto de lei sobre proteção do trabalho, excluindo “os
trabalhadores da agricultura e pecuária”.15
Posteriormente, o projeto que fora criado pela Comissão de 1941, analisado no
Ministério do Trabalho, fora transformado em Decreto-lei n° 7.038, em 10 de novembro de
1944. O mesmo previa uma representação sindical para o meio rural bastante semelhante à
vigente no meio urbano. Entretanto, efetivamente, nada irá mudar no campo. Ou seja, tal
Decreto-lei não terá prática.
Paralelamente a esta Comissão, a Sociedade Nacional de Agricultura irá enviar seu
próprio esboço de projeto em maio de 1943, o qual originaria o Decreto-lei n° 7.449, de 9 de
abril de 1945. Porém, este Decreto também sofrerá criticas por parte dos grandes

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proprietários, principalmente quanto à possibilidade de perda de autonomia das associações


locais. Assim, nova Comissão será constituída. Nesta, Oscar Daudt Filho irá representar a
Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul. A partir dos trabalhos desta
Comissão, surgirá o projeto que se tornará o Decreto-lei n° 8.127, de 24 de outubro de 1945.
Entretanto, o principal ponto criticado manter-se-á, a perda de autonomia das associações
locais.
Segundo Flávio Heinz, “em relação ao projeto de Lei n° 7.038 de 1944, os dois
decretos de 1945 apresentavam profundas modificações: os trabalhadores agrícolas eram
excluídos do sistema de representação sindical (...) e a sindicalização do mundo rural” será
submetida ao ”Ministério da Agricultura. Como resultado desse processo” criar-se-á
uma ‘exceção rural’ no seio do aparelho sindical do país. Contrariamente ao
que ocorria nas cidades (...) no espaço rural anunciava-se (...) uma forma
hibrida de representação. Pressionados pela ameaça de extensão pura e
simples das leis sindicais urbanas às áreas rurais e de seus possíveis efeitos
em termos de mobilização social dos trabalhadores rurais, os fazendeiros
delineiam um sistema de representação sindical a meio caminho entre o
sindicato e a associação civil, com a notável ausência de pequenos
agricultores e trabalhadores rurais. A fórmula encontrada irá ignorar a idéia
de uma representação ‘de classe’, defendendo uma hipotética unidade do
corpo social rural. Por ela, os fazendeiros atribuem a suas ‘associações
rurais’ o papel ‘sindical’ de interlocutor do Estado nas questões
relacionadas à ‘profissão agrícola’ e assumem esta nova função de maneira
exclusiva, sem abdicar de seu poder tradicional sobre as áreas rurais, poder
reforçado pela impossibilidade legal de constituição de sindicatos de
trabalhadores rurais.16

A versão de apaziguamento no campo parece ter sido, em parte, deixada nos relatos
até agora pesquisados sobre este período. Historiadores têm buscado percebê-la pela
desmobilização dos ‘de baixo’, mas para estes, os trabalhadores rurais da pecuária (peões),
não parecem ter realizado qualquer movimentação quanto à legislação social, por viverem em
“extrema dependência econômica, social e política dos estancieiros, desinformados, sem canal
17
de expressão e trabalhando mediante relações não capitalistas de produção” , seria fácil
compreender sua ausência de participação e organização. Com a implementação do Estado
Novo, isto seria aprofundado.
Todavia, para Glaucia Konrad, a “realidade social do pampa, idealizada e apregoada
(...) estava muito longe de ser pacifica e cordial”.18 Neste sentido, parecem-nos sintomáticas
as cartas enviadas aos poderes públicos por aqueles que vinham passando por dificuldades nos
campos sul rio-grandenses e reclamações frente aos roubos de gado (abigeato) na campanha.

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Frente as transformações sociais ocorridas no período, com a crescente concentração


19
fundiária, percebe-se que os que encontravam cada vez mais dificuldades para sobreviver
neste contexto social passavam a reivindicar seu direito à sobrevivência, como no envio de
cartas aos poderes públicos constituídos. Uma reivindicação que se apóia em concepções que
os poderes públicos constituídos de então propalavam enquanto sendo suas responsabilidades,
em grande parte visando conter a contestação social, mas que eram, muitas vezes, levadas
para a prática por estas reivindicações vindas ‘de baixo’.
Se não podemos tomar estas reivindicações como formas diretamente contestatórias do
contexto histórico experienciado, ao menos deve-se reconhecer que são afirmações de que
varias ações realizadas pelos poderes públicos constituídos, visando a contenção de
reivindicações sociais, eram reelaboradas e exigidas serem postas em prática por aqueles a
quem estas ações apenas queriam calar.
Ao alvorecer do Estado Novo, o governo do Rio Grande do Sul reformulava a
orientação do projeto de colonização do Estado, objetivando “ampla assistência aos
agricultores pobres e aos operários” que desejassem “se dedicar à agricultura”.20 Tal
colonização não atacaria os latifúndios, iniciando pelas terras que o estado possuía,
principalmente entre Santa Rosa e o rio Uruguai.
Com o Decreto-Lei Federal n° 311/1938, o governo federal pretendia realizar um
recenseamento do espaço geográfico, buscando uma reclassificação em municípios e distritos.
Isso levou municípios a disputarem territórios, ocasionando a expulsão de muitos posseiros e
pequenos proprietários rurais dos espaços que vinham ocupando.
Ainda em 1937, posseiros, trabalhadores rurais e pequenos agricultores enviavam
denúncias contra os abusos praticados pelas empresas colonizadoras e os grandes fazendeiros,
com queixas das más condições de trabalho vivenciadas pelos mesmos. Os grandes
fazendeiros e as empresas, por sua vez, pediam policiamento para garantir a segurança e o
direito à propriedade, pedido este atendido e mantido em defesa da manutenção da “repressão
a ‘invasores’ e ‘saqueadores’ de propriedade”.21
Em 16 de junho de 1939, Nestor Nunes Martins pediu respostas de Cordeiro de Farias,
Interventor Estadual, frente ao seu pedido de auxílio, pois o mesmo encontrava-se enfermo,
22
necessitando de sua mensuração judicial para garantir “umas braças de terras” que eram
suas.
As cartas enviadas só viriam aumentar com o Decreto-lei n° 3200, de 19 de abril de
1941, em que o Estado disporia um abono às famílias que não conseguiriam manter-se.
Solicitando que fossem contemplados por tal Decreto, “um abaixo-assinado com cento e vinte

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e sete assinaturas (de agricultores e operários), encabeçado por Ernesto Lazzarotto e Pedro
23
Taffarel”, residentes em Alfredo Chaves, foi enviado à Getúlio Vargas. Da mesma forma
agiriam “Antonio Migliavaca e sua esposa, agricultores brasileiros residentes de Serafina
Correa”, 24 entre muitos outros.
Em 1941, um agricultor de Santa Cruz pediu isenção de impostos ao Interventor,
devido aos prejuízos com fortes chuvas.25 Já em 1944, é a seca (de 1943) que leva outro
agricultor a solicitar auxílio financeiro para recuperar sua propriedade. 26
De mesma forma, o direito a sobrevivência passa a ser reivindicado através de práticas
consideradas fora da lei na organização social vigente. Sintomáticas, neste sentido, são as
noticias, como a de 17 de dezembro de 1937, intitulada “Ainda os roubos de gado. Medidas
repressivas que se impõem – A necessidade da polícia rural”. Era uma carta vinda de “um
adiantado criador no Município de S. Sepé”, a qual

diz bem, mais uma vez, da necessidade dos poderes públicos tomarem
enérgicas providencias, afim de ser resolvido definitivamente os sérios
problemas do roubo de gado na campanha rio-grandense27

No quinto distrito de São Sepé, seis homens (de um grupo que havia começado com
três) estavam roubando ovelhas e arame, causando graves prejuízos aos criadores, além de
ameaçarem, inclusive, a polícia. Esta seria uma realidade que predominava “por todo
município”, por “toda campanha”, em todo o período estudado, como podemos observar, a
partir de uma listagem de notícias frente a temática. 28
A criação de uma polícia rural também se tornava temática recorrente, nas quais os pecuaristas
reafirmavam o dever do Estado em defender a propriedade privada. 29
Parece-nos que, por vezes, o abigeato foi um meio em que os alijados de qualquer
outra forma de sobrevivência encontraram para sua manutenção. Entretanto, devemos
relativizar estas práticas, pois muitas vezes as mesmas eram resultados de desavenças entre
grandes criadores. De qualquer forma, conscientes ou não, os que praticavam tal ato
acabavam por pôr em xeque a questão fundamental da sociedade, a propriedade privada. A
opção pelo abigeato parece ser viável quando outros meios de sobrevivência já haviam sido
negados, quando o peão já não encontrava mais trabalho em estâncias, quando o peão posteiro
perdia seu posto e não encontrava outro meio de subsistência.
Poderíamos inclusive considerar, que quando o pacto paternalista parecia ter sido
rompido pelo patrão, alguns peões entendiam que aquela realidade poderia ser contestada.
Pois, como podemos observar pelos próprios relatos deixados pela classe dominante, os

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mesmos consideravam desnecessária qualquer regulamentação do trabalho no meio rural,


visto que, além de outras justificativas, os mesmos colocam o fato de o peão poder
permanecer no espaço que fora a ele concedido na estância até o final de sua vida.
Neste sentido, parece-nos que quando o patrão rompia com tal pacto, retirando tais
meios de sobrevivência do peão, o mesmo teria que buscar outra forma de sustento, indo
engrossar as fileiras de miseráveis nas cidades, e alguns irrompendo a ordem neste meio
(através do abigeato).
Emblemático, neste sentido, parece-nos a trajetória de João Guedes, em Porteira
Fechada de Cyro Martins. 30 Após ser expulso, e não conseguir outro meio para manter a sua
família, Guedes vê no ato do abigeato uma maneira de pagar suas contas e sobreviver.
Poderíamos dizer que estes atos são ‘pouco mais’ que

um endêmico protesto camponês contra a opressão e a pobreza: um grito de


vingança contra os ricos e opressores, um vago sonho de conseguir impor-
lhes alguma forma de controle, uma reparação de injustiças individuais.
Suas ambições são modestas: um mundo tradicional no qual homens e
mulheres são tratados com justiça31

E embora estas atitudes não possam ser descritas como “‘política’ em nenhum sentido
mais avançado, tampouco” podem ser descritas “como apolíticas, pois supunha(m) noções
definidas (...) do bem-estar social comum – noções que na realidade encontravam algum
apoio na tradição paternalista das autoridades”.32

1
Autor: Acadêmico do Curso de História – Licenciatura e Bacharelado da UFSM, Bolsista do projeto
“Campesino, gaúcho de nascimento”: experiências camponesas sul rio-grandenses entre as décadas de 1940 e
1950, financiado pelo FIPE (enxoval)-UFSM; julianoluispalm@gmail.com.
2
Orientador: Professor Adjunto do Departamento de História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho
pela UNICAMP, Campinas – SP. gdkonrad@uol.com.br.
3
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Gaúcho 1850-1920. Ijuí: Ed UNIIJUÍ, 1997, p. 168.
4
MARTINS, Ivan Pedro. Fronteira agreste. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1944. Segundo o Correio do
Povo, “esta ‘nova geração’ de literários expressa a realidade de regiões do Estado”. Ver Técnica comunista... In:
Correio do Povo, 18/08/1944, p. 4.
5
Correio do Povo, 18/09/1942, p. 6.
6
Como nos coloca um artigo de 1944, após ter que abandonar o campo (devido a expansão dos domínios dos
grandes fazendeiros) “o gaúcho se vê forçosamente a mudar de querência ou, na generalidade dos casos,
seduzido pelo ambiente social das cidadezinhas próximas. (...) Resistem ainda, no começo, algumas ligações,
(...) com a vida campeira. De quando em vez se emprega como peão de tropa, ou vai auxiliar no trabalho nas
estâncias, durante a marcação, a tosa do rebanho, o banho do gado, ou o aparte das rezes vendidas ao ‘saladeiro.
Mas essa atividade vae rareando. Todo o serviço na fazenda é feito com quatro ou cinco peães e um capataz”;
Correio do Povo, 14/04/1944, p. 4.
7
PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: a economia & o poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980, p.
173.

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8
Anais do VIII Congresso Rural. FARSUL. Porto Alegre, Globo, 1934. p. 43-45, apud: PESAVENTO, 1980,
op. cit., p. 135.
9
Correio do Povo, 28/10/1938, p. 6.
10
Correio do Povo, 28/07/1939, p. 14.
11
Correio do Povo, 06/10/1939, p. 5.
12
Correio do Povo, 14/11/1941, p. 6.
13
Correio do Povo, 17/04/1942, p. 5
14
Correio do Povo, 28/08/1942, p. 5.
15
Correio do Povo, 08/01/1943, p. 8.
16
HEINZ, Flávio M.. Elites rurais entre representação e política: exercício prosopográfico. In: HEINZ, Flávio
M. (org). Por uma outra história das elites. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 126.
17
Idem, p. 136.
18
KONRAD, Glaucia Vieira Ramos. Entrando no campo do Estado Novo no Rio Grande do Sul. In:
QUEVEDO, Julio & IOKOI, Zilda Márcia Grícoli (org.). Movimentos sociais na América Latina: desafios
históricos em tempos de globalização. Santa Maria: MILA, CCSH, Universidade Federal de Santa Maria, 2007,
p. 125.
19
E que estava a aumentar no período estudado, como nos coloca artigo do Correio do Povo de 1944, ao afirmar
que “na atualidade se vê uma ‘neo-latifundização’, com senhores comprando grandes extensões de terras. (...)
adquirem eles braças ou quadras de campo, pertencentes a pequenos e humildes criadores da região”. Ver
Correio do Povo, 14/04/1944, p. 4. Em novembro do mesmo ano, Décio Freitas no prefácio de Porteira Fechada
nos expõe que “Hoje (...) No tocante a apropriação do solo (...) está acontecendo (...) um assalto voraz à pequena
estância, causador em grande parte da crise profunda que a nossa campanha está atravessando, crise traduzida
num êxodo sem precedentes para as pequenas cidades do interior e para a capital, em índices de miséria, de
mortalidade infantil de subnutrição simplesmente apavorantes”. Cf. MARTINS, Cyro. Porteira fechada. 11 ed.
Porto Alegre: Movimento, 2001, p. 10-11.
20
KONRAD, 2007, op. cit., p. 121.
21
KONRAD, 2007, op. cit., p. 124.
22
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Maço Governantes, Pasta de Diversos, 1939.
23
KONRAD, 2007, op. cit., p. 130.
24
Idem, p. 131.
25
Correio do Povo, 01/08/1941, p. 6.
26
Correio do Povo, 11/02/1943, p. 3.
27
Correio do Povo, 17/12/1937, p. 10.
28
Ver “Roubo de gado”. In: Correio do Povo, 18/03/1938, p. 9. A matéria afirmava que “Juvelino Moura,
presidente da Associação Rural de D. Pedrito, agora prefeito da cidade recebeu um telegrama sobre este
assunto”: pedindo que o mesmo interceda junto a FARSUL e poderes competentes por uma solução frente a este
problema, enfatizando a gravidade deste assunto que se “estende a todos os municípios pastoris”, Juvelino
dirigiu-se a FARSUL de onde seguiu ao palácio do governo com o presidente desta entidade para que enérgicas
atitudes sejam tomadas frente a isto, com o êxito Juvelino passou telegrama a D. Pedrito. Cf. “Interventor
comprometeu-se em reaver gado roubado e punir culpados”. In: Correio do Povo, 09/09/1938, p. 12. Criador de
Pinheiro Machado e Herval, reclama dos constantes roubos que assolam ambos os municípios, só nos últimos
dias este e seus vizinhos tiveram mais de 600 ovelhas roubadas, o mesmo pede ajuda da FARSUL e dos poderes
públicos frente a isto, no mesmo artigo, Brossard coloca que como sabido este fato assola toda a região pastoril,
e questiona o por que de não se consegue chegar aos culpados sendo que os ladrões são quase apontados na rua,
no período dos partidos isto teria lógica, mas e no momento vivenciado?; Correio do Povo, 20/01/1939, p. 10.
“Abigeato –policiamento rural”. In: Correio do Povo, 09/06/1939, p. 9. Com o título, Roubos de gado, coloca-se
que há dias houve um entendimento entre o presidente da Federação Rural e Chefia de Policia para combater
este mal, do qual se queixam vários criadores do Estado, frente a proposta de os fazendeiros arcarem com
policiamento apenas os de Alegrete aceitaram tal fato.Ver Correio do Povo, 14/07/1939, p. 10. Ver também.
“Roubo de gados”. In: Correio do Povo, 23/02/1940, p. 7. Roubos de ovelhas, pecuaristas de Pelotas e Canguçu
reclamam, os mesmos vem debatendo o grande aumento de abigeato, neste sentido enviam carta a FARSUL. In:
Correio do Povo, 06/12/1940, p. 6. Em São Gabriel ladrões de gado são surpreendidos pela policia e trocam tiros
com a mesma, relatando os policiais que ladrões possuíam armas de guerra. No mesmo artigo coloca-se que os
roubos de gado vêm sendo tratados pelos poderes públicos e nos meios ruralistas com muita atenção. In: Correio
do Povo, 27/12/1940, p. 9. Frente aos avultados roubos de gado, relatados em cartas de criadores á FARSUL, o
presidente da entidade pede apoio neste assunto, coloca que está estudando o assunto e aguarda proposta frente
ao mesmo na Assembléia Geral das federadas que ocorrera em 1 de março, onde se discutira o policiamento rural
também;. In: Correio do Povo, 07/02/1941, p. 2. Após a reunião dos presidentes das federadas fora encaminhado
um memorial ao Interventor, o qual coloca que poderes públicos já têm projeto a ser apresentado e ao qual a
classe rural deve colocar seus complementos, o projeto criaria o policiamento inicialmente em sete municípios,

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guardas serão pagos pelas Associações Rurais por intermédio das delegacias de policia, integrantes desta polícia
serão nomeados pelo delegado de policia mediante indicação das Associações Rurais, elementos presos serão
encaminhados as delegacias com documento escrito explicando a causa da prisão. Após apurado estudo entrara
em funcionamento em abril. In: Correio do Povo, 07/03/1941, p. 2. Ver também. “Abigeato”. In: Correio do
Povo, 07/02/1942, p. 2. Abigeato na fronteira, sob este título, coloca-se que autoridades de Livramento
preparam-se para combatê-lo, autoridades policiais juntamente com Associação Rural pretendem combater
abigeatários que estão agindo intensamente, ainda mais com a fuga de vários abigeatários de Rosário a
Livramento; em reunião decidiu-se pela criação de um policiamento rural pago pela Prefeitura e fazendeiros. In:
Correio do Povo, 05/05/1942, p. 5. Roubo de animais; sob este titulo coloca-se que delegado de Santo Ângelo
comunica Diretoria de Investigações e Serviços Preventivos, que deteve vários ladrões de animais que chegaram
de Julio de Castilhos onde também haviam roubado outros animais, e que, quando os mesmos chegavam, o
delegado e um grupo de policiais tentaram interceptá-los, quando ocorreu tiroteio. Ver Correio do Povo,
30/10/1942, p. 3.
29
Ver “Policiamento rural”. In: Correio do Povo, 27/05/1938, p. 10. No X Congresso Rural, de julho de 1938,
os ruralistas colocaram o apelo de extrema necessidade da criação de um policiamento rural.. Ver tb. Correio do
Povo, 03/06/1938, p. 9. Os poderes públicos passam a colocar, com o tempo, como sendo necessária a criação do
policiamento rural e que os fazendeiros arcassem com os custeios do mesmo, ao que muitas associações se
contrapunham. Cf. Correio do Povo, 10/03/1939, p. 4. A FARSUL vem recebendo numerosa correspondência
sobre o policiamento rural, sendo que o presidente daquela esta encaminhando para a comissão encarregada do
assunto. Ver Correio do Povo, 24/03/1939, p. 6. Cf. “Este gasto ser dever publico”. In: Correio do Povo,
24/03/1939, p. 11. Sob o título de Policiamento na Campanha:, um artigo coloca que de várias regiões pastoris
vêm a denúncia de roubos de gado desenfreadas. Assim, para a FARSUL e o Governo do Estado se necessita de
alguma ação, pois o policiamento rural estaria parado devido a errônea proposta de que o mesmo deveria ser
pago pelos criadores. Ver Correio do Povo, 26/05/1939, p. 10. Cf. tb. “Policiamento rural em São Borja”. In:
Correio do Povo, 22/09/1939, p. 4 e Correio do Povo, 15/12/1939, p. 7. Frente a este problema, criadores de
Bagé decidiram custear a mesma, em reunião entre a Associação Rural, o prefeito, o delegado de policia e os
sub-prefeitos. Ver Correio do Povo, 12/05/1944, p. 2.
30
MARTINS, 1989, op. cit. Sobre o livro de Cyro Martins, o Correio do Povo colocou: “se há livro em que
reflitam, com fidelidade, certos aspectos da vida da campanha do Rio Grande do Sul e das cidades que lhe
convizinham, sem dúvida, Porteira fechada é este livro”. Cf. Correio do Povo, 14/04/1944, p. 4.
31
HOBSBAWM, E. J.. Rebeldes primitivos: Estudos sobre formas Arcaicas de movimentos sociais nos séculos
XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 15.
32
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 152.

Referências:
HEINZ, Flávio M. Elites rurais entre representação e política: exercício prosopográfico. In:
HEINZ, Flávio M. (org). Por uma outra história das elites. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2006.
HOBSBAWM, E. J. Rebeldes primitivos: estudos sobre formas arcaicas de movimentos
sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MARTINS, Cyro. Porteira fechada. 11 ed. Porto Alegre: Movimento, 2001.
MARTINS, Ivan Pedro. Fronteira agreste. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1944.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: a economia & o poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1980.
KONRAD, Glaucia Vieira Ramos. Entrando no campo do Estado Novo no Rio Grande do
Sul. In: QUEVEDO, Julio & IOKOI, Zilda Márcia Grícoli (org.). Movimentos sociais na
América Latina: desafios históricos em tempos de globalização. Santa Maria: MILA, CCSH,
Universidade Federal de Santa Maria, 2007.

295
Aedos - ISSN 1984- 5634
http://www.seer.ufrgs/aedos Num. 4, vol. 2, Novembro 2009

THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Gaúcho 1850-1920. Ijuí: Ed UNIIJUÍ,
1997.

296

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