Você está na página 1de 68

REVISTA

PANTANEIRA

ISSN 1677-0609
REVISTA PANTANEIRA AQUIDAUANA, MS V. 3 N. 1 P. 1-68 JAN./JUN. 2001

1
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do CPAQ

Revista Pantaneira / Centro Universitário de


Aquidauana. -- n. 1 (2000) - . -- Aquidauana,
MS: CEUA, - .
v. 3; 29 cm.

Semestral

ISSN 1677-0609

I. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.


Campus de Aquidauana.

2
Apresentação
Melhoramentos importantes vêm sendo trazidos
a cada nova edição da Revista Pantaneira,
denunciando a boa acolhida por parte dos
pesquisadores interessados em divulgar
sua produção científica.
Nela são trabalhados artigos que enfatizam relações
sócio-educacionais e ambientais.
Na temática deste número predominam artigos voltados
à dinâmica das organizações espaciais, coincidindo
com a implantação do curso de Mestrado em Geografia
na UFMS funcionando no Campus de Aquidauana.

Prof. Valter Guimarães


Coordenador

3
REVISTA
PANTANEIRA
CAMPUS DE AQUIDAUANA

Comissão Editorial
Paulo Roberto Jóia
Alice Maria Derbócio
Kelcilene Grácia da Silva
Gilson Rodolfo Martins
Mário Baldo
André Luiz Pinto

Coordenação e seleção de artigos


Valter Guimarães

Revisão
Valter Guimarães

Foto da Capa
Imagem Orbital de Aquidauana-Anastácio (MS)

Editoração, Impressão
e Acabamento
Editora UFMS

Distribuição
UFMS - Câmpus de Aquidauana
Praça N. S. da Imaculada Conceição n.º 163 - Centro
CEP 79.200-000 - Aquidauana - MS
Fone: (067) 241-4424 Ramal 25

Apoio
Editora UFMS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

4
Sumário
A Questão da Terra e a Reforma Agrária ......................................... 7
Luiz Carlos Batista

Territorialização e Impacto Ambiental:


Um Estudo da Zona Ribeirinha de Aquidauana - MS .................... 17
Jaime Ferreira da Silva, Paulo Roberto Joia

A Contribuição do Patrimônio Histórico/Cultural


para o Entendimento da Cultura Material Enquanto
elemento de Construção da Identidade ........................................ 31
Sandra Nara da Silva Novais

Base Conceitual: Morfoestrutura e


Morfotectônica (Principais feições Associadas:
Relevo e Drenagem) .................................................................... 35
Edna Maria Facincani

Políticas Públicas e o Desenvolvimento da Educação


Escolar Indígena Terena do Mato Grosso do Sul ............................ 41
Rosely Fialho de Carvalho

Uma Reflexão do Espaço Urbano da Cidade de


Campo Grande – MS na Perspectiva Climática ............................. 55
João Lima Sant’Anna Neto, Vicentina Socorro da Anunciação

A Importância do Turismo e do Turista .......................................... 67


Daniela Sottili

5
6
A Questão da Terra e a
Reforma Agrária
Luiz Carlos Batista*

O nosso planeta possui 13,5 bilhões pação nos estabelecimentos agrícola


de hectares. Até a década de 60 o es- norte americanos e ocupavam 7% das
paço agrário era reduzido a 3,6 bilhões terras agrícolas do país, dois terços des-
e sua utilização para a agricultura, dis- sas empresas funcionavam com o tra-
tribuía-se em 64% na Europa, 30% na balho familiar.
África, 30% na Ásia, 20% na América No caso brasileiro a propriedade da
e 6% na Austrália e Nova Zelândia. terra serviu historicamente aos interes-
A Europa por exemplo tratou a Re- ses externos. O primeiro regime de pro-
forma Agrária como uma forma de priedade de terras no Brasil foi criado
ampliar o mercado interno, produzindo em 1735 pelo rei de Portugal D.
as condições prévias para o desenvol- Fernando. Durou até 1822 com o obje-
vimento do capitalismo. A Questão da tivo de povoar o território português,
Terra foi resolvida como uma alternati- instalaram as Sesmarias, em 1850 foi
va para distribuir renda e por isso que instituída a lei de terras determinando
64% do seu solo agrícola foi utilizado. que as propriedades fundiárias seriam
A produção agrícola nos países ca- objetos de compra e venda.
pitalistas mais avançados é A primeira constituição republicana
conduzida por estabelecimentos ba- de 1891 colocou as terras devolutas nas
seado no trabalho familiar. Tanto nos mãos das oligarquias regionais. Cada
Estados Unidos como na Europa, o Estado desenvolveria sua política de
*
Prof. Adjunto do Departamento trabalho assalariado responde com concessão das terras, dando início às
de Geociências/CEUA/UFMS,
Doutor em Geografia Humana pela
menos de um quinto da força de tra- transferências de propriedades
USP, e-mail: balho empregada no setor agrícola.1 fundiárias para grandes fazendeiros e
luizcb56@terra.com.br Segundo Nakano, os Estados Uni- grandes empresas de colonização inte-
1
Yoshiaki Nakano, Progresso dos viabilizou o seu desenvolvimento ressadas na especulação de terras.
Técnico, Grau de Monopólio e a implantando as condições para a pro- A Reforma Agrária como um ins-
Destruição da Taxa de Lucro e da
dução familiar no campo, o número de trumento de distribuição da renda tem
Renda da Terra na Agricultura,
Boletim da Associação Brasileira trabalhadores rurais assalariados foi sido historicamente uma medida neces-
de Reforma Agrária número 4 e 5, muito pequeno, mesmo nas empresas sária para a transformação do panora-
1990, p. 93. rurais que respondia por 1% da partici- ma agrário nacional. Vivemos em um

7
país que tornou-se independente com a livres, o trabalho tinha que ser cati-
maioria dos trabalhadores cativo, num vo: num regime de trabalho livre, a
primeiro momento do senhor depois da terra tinha que ser cativa5
terra. A independência ocorreu em 1822 No cenário da questão agrária bra-
e a libertação dos escravos em 1888, e sileira o predomínio da oligarquia rural
nesse intervalo surgiu a lei de terras e até 1930 marcou a pulverização
uma das razões era evitar o acesso li- antieconômica da terra, sem ocorrer a
vre dos trabalhadores às terras. distribuição de renda, de poder e de di-
O século XIX foi marcado pelo reitos. A renda territorial capitaliza-
nascimento e consolidação do Esta- da não é essencialmente uma trans-
do nacional (1822 a 1840), o nasci- figurada herança feudal, mas é a
mento do mercado de terras (Lei de propriedade do escravo que se trans-
1850), o nascimento do trabalho ca- figura em propriedade da terra como
pitalista (1850 a 1870) e o nascimen- meio de estorquir trabalho e não
to do regime liberal-republicano para estorquir renda. Ela é engen-
(1899). Isto é, todas as instituições drada no bojo da crise do trabalho
da ordem burguesa que irão desen- escravo, como meio para garantir a
volver-se no decurso do século XX 2 sujeição do trabalho ao capital,
José de Souza Martins analisou que como substituto de expropriação
substituir o escravo pelo trabalho livre territorial do trabalhador e substitu-
implicava no debate entre duas tendên- to da acumulação primitiva na pro-
cias: Para alguns, a questão impor- dução da força de trabalho6
tante era de criar condições para que A Reforma Agrária do debate aca-
a propriedade fundiária substituísse dêmico nos setores de esquerda da dé-
o escravo com base no crédito hipo- cada de 60, com demonstrou Caio Pra-
tecário, como fonte do capital de do Jr., partia de uma estratégia da Re-
custeio3 volução Burguesa para contrapor-se a
Os que defendiam essa tese parti- possível existência dos resquícios feu-
ram da possibilidade de uma fragmen- dais no campo, em oposição a uma oli-
tação da propriedade permitindo a cri- garquia agrária exportadora aliada aos
ação de uma agricultura de pequenos interesses estrangeiros.
proprietários, colonos imigrados da Eu- A idéia era de uma Reforma Agrá-
ropa e a demanda por terra provocari- ria para o capitalismo desenvolvido, vi-
am um aumento do preço valorizando o sando a construção de uma sociedade
capital imobilizado nos imóveis rurais. urbana industrial que exigia a moderni-
Reagiram os grandes fazendeiros, zação da agricultura combinada com o
sem descartar a possibilidade dos imi- acelerado desenvolvimento da industri-
grantes se tornarem proprietários de alização. O acelerado desenvolvimen-
2
Ruy Moreira, Formação do pequenas glebas. Entendiam que o to industrial que se dá e specialmente
Espaço Agrário Brasileiro, Editora acesso direto à propriedade não de- a partir da década de 50 a despeito
Brasiliense, São Paulo,1990, p.26
3
veria consumar-se cm a pretendida de uma estrutura da propriedade
José de Souza Martins, O
facilidade pois houve no Parlamen- fundiária intocada e em continuada
Cativeiro da Terra, Livraria Editora
Ciências Humanas, São Paulo, to quem advogasse até a entrega gra- concentração, deitou por terra as
1979, p. 31 tuita pura e simples das terras aos suposições sobre a necessidade da
4
Ibidem, p.32 possíveis colonos.4 reforma agrária para o capitalismo7
5
José de Souza Martins, op. cit., No caso do Estado de São Paulo Mesmo considerando todo o proces-
p. 32 foram trabalhando no cafezal que al- so de luta pela terra e a legislação cria-
6
Ibidem, p.32 guns trabalhadores imigrantes tornaram- da em 1964 com o Estatuto da Terra, o
7
Vinicius Caldeira Brant, A se proprietários. Sobre este aspecto uso do solo no Brasil representava 14%
Questão Agrária e o Momento Martins percebeu em sua análise que: com agricultura, 48% com a criação do
Atual: Diferenças de Concepção ou A renda capitalizada no escravo gado e 38% de terras ociosas. Se 20%
de Estratégia?, boletim da
Associação Brasileira de Reforma transformava-se em renda territorial das terras ociosas fossem usadas para
Agrária, número 4 e 5, 1980, p. 116 capitalizada: num regime de terras o cultivo de produtos voltados às condi-

8
ções de vida das regiões poderiam ser institucionalmente as reivindicações e
criados 4 milhões de empregos. os surtos de inquietação camponesa. A
O latifúndio representava em 1980, Reforma Agrária passa a ser localiza-
20% dos imóveis rurais, mas controla- da e restrita às terras de tensão social
va 80% das terras. E ainda hoje a gran- grave, ao mesmo tempo que descarta a
de propriedade mantém-se sobre o con- possibilidade de um programa de revi-
trole de 35.083 latifundiários represen- são da estrutura ao nível nacional.
tando 1% do total de propriedade, pos- Em 1970 extinguiram o IBRA e o
suindo 153 milhões de hectares, 50% INDA e criaram o INCRA para a co-
do total das terras do país, significando lonização com a política de integração
a soma dos territórios da França, Ale- nacional. Esse processo acentuou a
manha, Espanha, Suíça e Áustria. concentração das terras no sul do Bra-
O Estatuto da Terra abriu o cami- sil aumentando o predomínio da produ-
nho para a sindicalização dos trabalha- ção para a exportação, basicamente o
dores rurais, possibilitando administrar gado e a soja.

Uso da Propriedade da Terra no Brasil em 1970

Fonte: IBGE

Até a década de 70, a produtivida- 2,0% da batata, 4,7% da soja, 11,7%


de do pequeno agricultor foi respon- do arroz, 7,9% do trigo e 28,8% do
sável pela metade de toda a produ- açúcar.
ção brasileira do amendoim, da man- Com a política adotada pelos planos
dioca e do feijão e atingiu os regionais de desenvolvimento estrutu-
percentuais de 48,5% do milho, 37,8% rado a partir do I e II Plano Nacional
da batata inglesa, 35,9% da soja, de Desenvolvimento dos anos 70 a con-
28,4% do arroz, 16,3% do trigo e 8,4% centração da população brasileira so-
do açúcar. Enquanto o latifúndio re- fre uma inversão. Até 1960, mais da
presentava no Brasil apenas 1% da metade dos habitantes moravam nas
produção do amendoim, 1,2% da man- zonas rurais, modificando sensivelmen-
dioca, 2,0% do feijão, 4,2% do milho, te nos anos seguintes:

Porcentagem da População Urbana nas últimas décadas

Fonte censos do IBGE

9
Esse crescente movimento de urba- ção desses ativos financeiros reco-
nização decorrente do processo de co- nhecido nas hipotecas garantidas pelo
lonização conhecida como a política Estado.
agrária dos anos 70, constitui um dos O capital que antes era pago aos
fortes argumentos para não justificar a traficantes de escravos passou a
Reforma Agrária na década de 90. Mas ser pago às companhias imobiliá-
mesmo assim os que ainda moram no rias e aos grileiros. A principal fon-
campo representam um povoamento te de lucro do fazendeiro passou a
maior que a população brasileira da dé- ser a renda diferencial produzida
cada de 30, são 34 milhões de habitan- pela maior fertilidade das terras
tes na zona rural. novas. 9
Nos anos 80 o país possuía 11 mi- A forma que assumiu o desenvolvi-
lhões de trabalhadores rurais, sendo que mento do capitalismo no Brasil, produ-
2 milhões destes eram sem terras, com ziu ao longo dos anos essa situação que
o aumento gradativo dessa população expõe no momento atual a forte pre-
sem terra surgiu nos anos 80 o Movi- sença do Movimento dos Trabalhado-
mento dos Trabalhadores Rurais Sem res Rurais Sem Terra, buscando reali-
Terra. zar a Reforma Agrária, ocupando, re-
Com isso ao contrário do que acon- sistindo e produzindo.
teceu nos países desenvolvidos onde a A ocupação de novas terras é
Reforma Agrária foi entendida como a uma prática comum do capital na
solução para uma das contradições do evolução e formação espacial agrá-
capitalismo de como incorporar a ren- ria brasileira. Todavia essa
da pré-capitalista a partir da renda vinculação com a ação estatalmen-
fundiária no processo de desenvolvi- te organizada de produção-captura
mento e uma necessidade conjuntural da renda inicia-se nos anos 40. Des-
para atender a questão social originada de então o avanço territorial do ca-
na concentração das terras proporcio- pital passa a ser um movimento de
nando pelo menos a distribuição desta geração sucessiva de conflitos
renda. fundiários, num processo cíclico em
No Brasil a concentração continua que o centro da gravidade territorial
sendo o grande entrave para a ques- ora se encontra numa região para
tão agrária e atualmente as questões logo a seguir deslocar-se para ou-
do modo capitalista de produção como tra, numa sucessão polarizada que
um todo não estão mais em tempo para expulsa o campesinato de um pólo
questão da agricultura em particular, para outro e vai produzindo uma
então essencialmente esses problemas geografia de conflitos de terra em
assumem proporções que nos levam a franco espraiamento nacional 10
refletir sobre a superação dessa soci- Ao longo de vários anos trava-
edade. ram-se muitos conflitos na luta pela
O esvaziamento do capitalismo terra e pela realização da Reforma
agrário inclui-se entre os principais Agrária. Para situar no nível regio-
fatores da neutralização da revolu- nal, o Mato Grosso do Sul situa-se
ção burguesa e do impasse da revo- como um dos marcos estratégicos
8
Florestan Fernandes, Anotações lução nacional nos países de capi- da concentração da terra e do po-
sobre o capitalismo agrário e a talismo dependentes.8 der. Com a criação do Estado em
mudança social no Brasil. IN: Vida Com o desenvolvimento do modo 1977 o território sul mato-grossense
Rural e Mundaça Social, Org. capitalista de produção na sociedade passou a ser de 35.054.800 hecta-
Tamás Szmrecsányi e Oriowaldo
brasileira, as transformações no cam- res, destes 4,579.807 hectares na
Queda, Companhia Editora
Nacional. São Paulo, 1976, p. 110 po têm permitido modificações radi- região do Pantanal estavam sob o
9
José de Souza Martins, op cit., cais no processo produtivo além de domínio de 6 proprietários vincula-
p. 33, significar o avanço de grandes negó- dos na sua maioria às empresas de
10
Ruy Moreira, op cit., p. 71 cios com as terras fruto da especula- capital estrangeiro.

10
A partir de 1990 constatava-se ain- 6.200.000 há. Por outro lado a políti-
da no Pantanal 179 imóveis de 1 a 4 ca oficial de Reforma Agrária no Es-
hectares ocupando ao todo uma área tado representou índices mínimos de
de 450 há. E, 455 imóveis entre 5.000 cumprimento das metas prevista em
a 99.000 há. Atingindo no total lei.

A Reforma Agrária no Mato Grosso do Sul


Colônia Agrícola de Dourados 1943/46

No ano de 2001 até o mês de julho talação do governo popular no Estado a


foram desapropriados no Mato Grosso Reforma Agrária é acelerada como
do Sul 13.085 hectares para assentar, podemos verificar no quadro de desa-
471 famílias, percebe-se que com a ins- propriações a seguir:

11
Quadro das desapropriações no Estado de Mato Grosso do Sul

12
13
Fonte: INCRA Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário

No biênio 95 e 96 o governo de O potencial agrícola brasileiro é


Fernando Henrique Cardoso estabele- muito grande e pode aumentar com
ceu como meta assentar 100.000 famí- política agrícola e mais apoio mas é
lias em todo o país, assentou 55.692 fa- preciso redistribuir renda. De outra
mílias nos projetos implantados nesses forma continuará a existir pobreza
dois anos. em áreas altamente cultivadas o que
Segundo Luiz Carlos Guedes Pinto, falta é renda e não produção. Se o
presidente da ABRA: O ideal é as- Brasil é o país com maior desigual-
sentar de 1 a 2 milhões de famílias dade no mundo, a raiz está na estru-
em um período o entre 5 e 10 anos. tura agrária.11

Quadro demonstrativo de Assentamentos no Mato Grosso do Sul


Projeto de Colonização criado pelo INCRA

Projetos de Reforma Agrária Criados pelo INCRA

11
Luis Carlos Guedes Pinto, O
Brasil é o país com maior
desigualdade social, Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra,
ano XVI, número 171, São Paulo,
1997, p. 4

14
Projetos Criados pelo Estado de Mato Grosso do Sul – TERRASUL

Fonte: ministério Extraordinário de Política Fundiária, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

Assentamentos no Mato Grosso do Sul entre 1986 e 1999

Fonte: INCRA

Com a presença no Mato Grosso do imóveis rurais. O Mato Grosso do Sul


Sul de uma população heterogênea, mis- estrategicamente criado como um es-
turando-se os gaúchos, nordestinos, tado da federação que serviria de mo-
mineiros, paranaenses, catarinenses, delo para o desenvolvimento da agri-
paulistas, índios, paraguaios, bolivianos cultura de exportação adotado na dé-
e os camponeses que foi gradativamente cada de 70.
expropriado das terras no norte e no sul Em pouco tempo o colono passou
do país constatamos que: dez mil tra- pelo sul de Mato Grosso e preparou as
balhadores são utilizados como for- terras para o desenvolvimento do modo
ça de trabalho escravizada princi- capitalista adotado para dominar o ter-
palmente nas carvoarias, são oito mil ritório brasileiro. Um domínio que atra-
adultos e duas mil crianças. As des- vessou os limites do território nacional,
tilarias empregam doze mil trabalha- ocupando e controlando a economia
dores, sessenta por cento são ín- agrícola paraguaia da fronteira através
dios. 12 da participação dos brasiguaios, que em
Depois de todo tipo de especulação dez anos fizeram as terras do leste
com as terras no Mato Grosso que no paraguaio aumentarem de preços incor-
processo de colonização serviu como porando o mesmo processo de expro-
experiência para amenizar as tensões priação e expulsão dos camponeses no
de terras no país e incorporar novas estado do Paraná, São Paulo e Mato
áreas ao comércio e a especulação de Grosso.

12
Luiz Carlos Batista, Processo de Preços das Terras de Primeira em São Paulo e no Paraguai
organização do Espaço Agrário do
Mato Grosso do Sul, Editora da
Universidade, UFMS, Campo
Grande, 1995, p. 40 Fonte: Batista, Luiz Carlos, 1990-Dissertação de Mestrado-USP

15
Portanto a Reforma Agrária foi no econômica e o controle do poder po-
momento oportuno um avanço estru- lítico por uma oligarquia rural con-
tural para o capitalismo e o seu de- servadora até 1930 e nos anos 90
senvolvimento. No caso brasileiro uma aliança das elites que sustentam
transformou-se numa questão da ter- sob o domínio dos grandes proprie-
ra utilizada com forma de segurança tários de terras e do capital mono-
nacional, permitindo a concentração polista.

BIBILIOGRAFIA
BATISTA, Luiz Carlos, Processo de organização do Espaço Agrário do Mato Grosso do Sul,
Editora da Universidade, UFMS, Campo Grande, 1995, p. 40
BRANT, Vinicius Caldeira, A Questão Agrária e o Momento Atual: Diferenças de Concepção ou de
Estratégia?, boletim da Associação Brasileira de Reforma Agrária, número 4 e 5, 1980, p. 116
FERNANDES, Florestan, Anotações sobre o capitalismo agrário e a mudança social no Brasil. IN:
Vida Rural e Mundaça Social, Org. Tamás Szmrecsányi e Oriowaldo Queda, Companhia Editora
Nacional. São Paulo, 1976, p. 110
MOREIRA, Ruy, Formação do Espaço Agrário Brasileiro, Editora Brasiliense, São Paulo,1990,
p.26
MARTINS, José de Souza, O Cativeiro da Terra, Livraria Editora Ciências Humanas, São Paulo,
1979, p. 31
NAKANO, Yoshiaki, Progresso Técnico, Grau de Monopólio e a Destruição da Taxa de Lucro e da
Renda da Terra na Agricultura, Boletim da Associação Brasileira de Reforma Agrária número 4 e 5,
1990, p. 93
PINTO, Luis Carlos Guedes, O Brasil é o país com maior desigualdade social, Jornal dos Trabalha-
dores Rurais Sem Terra, ano XVI, número 171, São Paulo, 1997, p. 4

16
Territorialização e
Impacto Ambiental:
Um Estudo da
Zona Ribeirinha
de Aquidauana - MS
Jaime Ferreira da Silva*
Paulo Roberto Joia**

1 - INTRODUÇÃO
A estrutura urbana da cidade de Aquidauana tem a forma de “tabuleiro de
xadrez”1 . O traçado da cidade obedece um sistema ortogonal com ruas retas,
implantadas em terreno de relevo suave, o que favorece os projetos de
parcelamento do solo.
O traçado urbano em sistema de xadrez é comum à maioria das cidades bra-
sileiras. Segundo FERRARI (1984), os primeiros embriões das cidades surgiram
nos aldeamentos indígenas, feitos pelos jesuítas franciscanos, dominicanos e
salesianos. Eram do estilo “tabuleiro de xadrez”, ocupando a igreja uma posição
de destaque em uma praça (o largo da matriz).
Com a promulgação da Lei de Parcelamento do Solo, já no final da década de
1970, trazendo em seu bojo várias vantagens quanto aos projetos de loteamento e
desmembramento urbano, extensas áreas urbanas foram parceladas, o que veio a
facilitar de forma efetiva a degradação ambiental urbana, ocupando para fins de
habitação áreas de grande valor para conservação ambiental.
*
Professor do Departamento de É certo que a forma de se urbanizar por meio de loteamentos, em Aquidauana,
Geociências do Campus de
Aquidauana da UFMS e aluno do
já era intensamente explorada nos anos de 1950 e 1960, mormente os executa-
Curso de Mestrado em Geografia dos em quadras únicas onde era obedecido o arruamento existente. E, dessa
da UFMS. maneira, a cidade expandiu-se nos sentidos norte, leste e oeste e, em conseqü-
**
Professor Adjunto do ência disto, cresceu a oferta de lotes, ocasionando baixo preço até os dias de
Departamento de Geociências do hoje.
Campus de Aquidauana da UFMS.
Este crescimento de forma rápida e desordenada acarretou mudanças pro-
1
O “tabuleiro de xadrez” é um fundas em ambientes naturais, devido à falta de planejamento prévio que procu-
traçado urbano mais antigo que se
conhece, segundo FERRARI rasse de forma racional selecionar as áreas próprias para conservação ambiental
(1984), um dos primeiros e definir também espaços destinados às praças e áreas de lazer e beleza cênica
urbanistas conhecidos, Hipódamos da cidade.
de Mileto, século V, A.C., realizou É muito preocupante o grau de abandono da cidade em termos ambientais e
inúmeros projetos urbanístico e
urbanísticos, isso ocorre tanto por parte do poder público como por parte dos
até pouco tempo, era conhecido
como o pai do “sistema de munícipes, pois acreditamos que ambos têm suas parcelas na contribuição para o
Xadrez”. melhoramento da cidade.

17
A população tem o dever de conhe- deiros e pessoas residentes na villa de
cer a realidade de sua cidade e, por meio Miranda. Essa reunião tinha por fim a
das lideranças de bairros, apontar as escolha do local e do nome da nova
falhas urbanísticas, colaborar com os povoação, e a constituição de uma co-
técnicos da administração municipal missão que proveria a todas necessi-
para o planejamento de uma cidade mais dades reclamadas pelo elevantado ob-
saudável, procurando, dessa maneira, jetivo em vista. Sob copado arvoredo,
contribuir para a construção de um à margem direita do rio, no ponto em
ambiente que possibilite uma boa quali- que está hoje situada a igreja da pa-
dade de vida. droeira local, reuniram-se cerca de 40
Pensemos na Educação Ambiental, cidadões sendo escolhidos para a co-
que é atribuição de todos os cidadãos, missão directora os senhores Major
incluindo desde os mais humildes até os Theodoro Rondon, Coronel João
planejadores e administradores. Sendo D’Almeida Castro, Augusto Mascare-
assim, todos deverão estar unidos em nhas, Estevão Alves Corrêa e Manoel
torno desse objetivo comum, que é da Antonio Paes de Barros. Nessa reu-
fiscalização ostensiva e da verificação nião foi adoctado o nome de Aqui-
da degradação física e espacial, prin- dauana para o novo centro de popula-
cipalmente no processo de ocupação do ção, sob a invocação de Nossa Senhora
solo, no controle de boçoroca2, nos des- da Conceição. A acta foi lavrada so-
montes de elevações, no sistema de bre uma manta de couro, no chão, pois
desflorestamentos, na contaminação das alli só havia solidão e exhuberante ve-
águas superficiais e subterrâneas, na getação. A comissão elegeu Presidente
poluição do ar e em outros processos e Thesoureiro, accumulando as fun-
impactantes no ambiente urbano. ções de fiscal, aos dois primeiros dos
Este trabalho tem por objetivo anali- seus membros citados, e organizou seus
sar o processo de formação do espaço estatutos. Retiram-se então todos, vol-
urbano de Aquidauana, a partir da aber- tando ao anno seguinte dois dos pri-
tura de novos loteamentos no início do meiros fundadores. Em seu regresso,
processo de expansão urbana. Também ahi estabeleceram os primórdios da
é proposto analisar as implicações povoação os sertanistas Major
ambientais no processo de expansão da Theodoro Paes da Silva Rondon e Co-
cidade, tomando como exemplo o ronel João D’Almeida Castro que com
loteamento “Zona Ribeirinha”. Assim, outros construíram os primeiros ran-
procurar-se-á mostrar a face política do chos de palha na matta frondosa”.
processo de produção do espaço urba- Segundo ROBBA (1992), a área
no em seu comprometimento com o destinada ao povoamento foi adquirida
ordenamento urbano e conservação de João Dias Cordeiro, uma área de
ambiental. terras que, na época, tinha a denomi-
nação de fazenda Boa Vista ou Ribei-
2. AS ORIGENS DA CIDADE rão, situada à margem direita do rio
DE AQUIDAUANA Aquidauana. Sua escritura foi regis-
No Álbum Graphico do Estado de trada na intendência de Miranda em
Matto-Grosso, (apud ROBBA, 1992) 21 de janeiro de 1894, cuja denomina-
é mencionado que “A 15 de agosto ção era Alto Aquidauana.
de 1892, a convite do prestimoso cida- Aquidauana foi elevada a categoria
dão Major Theodoro Paes da Silva de município em 20 de fevereiro de 1906
Rondon, dirigiram-se para a margem e pertencia à comarca de Miranda.
do rio Aquidauana, ao ponto em que Em termos de Educação Am-
hoje se acha a Villa, e alli fizeram reu- biental, é curioso citar que os adminis-
nião dos subscriptores para a compra tradores no início da cidade já se apre-
2
Boçoroca é o mesmo que do terreno destinado ao patrimônio da sentavam preocupados com essa ques-
voçoroca. projectada povoação, diversos fazen- tão. No primeiro decreto municipal,

18
datado de maio de l907, explicitava as “28°) Fazer derrubadas de mattas
normas de bom viver. Por exemplo, no em terrenos municipais do
Artigo 16º, “Os moradores são obri- patrimônio, multa de duzentos mil
gados a terem a frente de suas ca- réis”.
sas e terrenos limpos até o meio da ROBBA (1992) revela a boa dose
rua e, quando esta der para algu- de realismo dos primeiros legisladores
ma praça, a limpeza não passará de que, evidentemente, respeitavam as dis-
dez metros de largura”. tâncias mato-grossenses.
Em seu Artigo 19º, diz o seguinte: Pode-se notar, nesse primeiro código
“Os possuidores de lotes ficarão aquidauanense, o espírito de organiza-
obrigados a roça-los duas vezes por ção e planejamento pormenorizado que
ano nos mezes de junho e dezembro caracterizou a atuação dos fundadores.
e os que não fizerem incorrerão na Várias benfeitorias foram realizadas
multa de dez mil réis cada ano”. no povoado. A Agência dos Correios
Por meio do Artigo 46º, o decreto foi instalada em Aquidauana no ano de
estabelece uma série de medidas 1896, e o serviço de telégrafo em 1903
proibitivas, que são puras lições de ci- e, em 1911, a mando do marechal
dadania e educação ambiental: Rondon, foi criado o 2° Distrito Tele-
“1°) Cortar madeira e arrancar gráfico, tendo como sede a cidade de
pedra em terreno municipal, sem Aquidauana, abrangendo uma extensão
licença do intendente, o infractor de 1396 quilômetros.
pagará a multa de vinte mil réis”. Em termos de infra estrutura,
“3°) Criar e conservar porcos ou Aquidauana precocemente dispunha de
cabra no recinto da Villa”. vários serviços. A energia elétrica é
“5°) Conservar nos quintais datada de 1928, tendo com fonte gera-
ciscos, imundícies, animais mortos, dora uma usina a vapor, sendo gerenciada
águas estagnadas ou lamaçães”. pela Companhia Matogrossense de Ele-
“6°) Lançar nos caminhos, ria- tricidade. O abastecimento de água da
chos e cacimbas, animais mortos cidade deve-se a construção de uma re-
ou matéria que, por sua decom- presa no córrego João Dias pelo prefei-
posição, possam corromper ou to Manuel Bonifácio Nunes da Cunha.
viciar a pureza d’água”. A captação da água foi implantada pre-
“7°) Ter preso ou solto animais cisamente no final da rua Joaquim
cavallares ou muares affectados da Nabuco, isso em 1935. Suas águas eram
peste conhecida por ‘cadeira’”. bombeadas para um reservatório eleva-
“8°) Conservar nos quintais for- do existente, até hoje, na rua Pandiá
migueiros de qualquer espécie”. Calógeras, esquina com a rua Cassimiro
“11°) Depositar cisco, lixo, vi- Bruno e, por meio deste, era distribuída
dros, garrafas, ossos, imundícies para toda a cidade.
ou animais mortos nas ruas e pra-
ças desta Villa”. 3 - O SÍTIO URBANO DE
“13°) Borrar, rabiscar, escrever de AQUIDAUANA
qualquer forma nas paredes dos Executada a extremação da área ur-
edifícios públicos ou particulares”. bana, com o auxílio de aparelhos ele-
“20°) Depositar nas ruas matéri- trônicos de precisão (do tipo GPS –
as para obras difficultando o Posicionamento Global por Satélite),
transito público”. constatou-se que suas coordenadas ge-
“22°) Tapar, estreitar,mudar ou ográficas encontram-se nos seguintes
por qualquer forma impedir o pontos, identificados no Mapa 1: ponto
trânsito público”. 1, no Sul, barra do córrego Guanandy
“23°) Mudar o leito do ribeirão, com o rio Aquidauana, 20°29’21”S e
desviando o curso das águas ou 55°47’01”W; ponto 2, no extremo Les-
fazendo represa, multa vinte réis”. te, Jardim São Francisco, 20°28’12”S e

19
Mapa 1 - Planta Cadastral da Cidade de Aquidauana - MS.

55° 44’49”W; ponto 3, situado no Colônia XV de Agosto; e, a Oeste, com


quadrante Nordeste, trivisa zona urba- o rio Aquidauana.
na, nascente do córrego Guanandy e Sua altitude é de l47,663 metros (RN
zona de expansão urbana, 20°28’34”S n° 259 K) em relação ao nível médio do
e 55°45’28”W; ponto 4, localizado ao mar. Esta posição encontra-se grafada
Norte, trivisa zona urbana, córrego João no pedestal do obelisco, em frente à
Dias e zona de expansão urbana, Igreja Matriz .
20°26’23”S e 55°45’57”W; ponto 5, si- A cidade é cortada por uma rodo-
tuado no extremo Oeste, trivisa zona via federal, a BR 419, que demanda
rural, nascente do córrego Mangueirão no sentido sul, para a cidade de Bela
e loteamento Nova Aquidauana, Vista e no sentido norte, para a cidade
20°27’23”S e 55°48’26”W; ponto 6, lo- de Rio Negro, e por duas rodovias es-
calizado no Oeste, barra do córrego taduais, a MS 345, que se dirige para o
João Dias com o rio Aquidauana distrito de Cipolândia, e a MS 450, que
20°28’33”S e 55°48’31”W e ponto 7, liga a sede ao distrito de Camisão e
localizado na cabeceira da ponte Ve- Piraputanga.
lha, ponte Roldão Carlos de Oliveira, à A ferrovia Novo Oeste, antiga
margem direita do rio, 20°29’18”S e RFFSA - Rede Ferroviária Federal So-
55°48’07”W. ciedade Anônima, corta a cidade no sen-
O perímetro urbano de Aquidauana tido leste-oeste, ligando para leste com
possui 2165,16 ha ou 21,65 km² e situa- a capital do Estado, Campo Grande, e
se no extremo sul do município, à mar- para oeste com a cidade de Corumbá.
gem direita do rio Aquidauana. Geogra- O sistema de abastecimento de água
ficamente, limita-se ao Norte com ter- potável está a cargo da Sanesul, uma
ras da antiga fazenda Burití e córrego empresa estatal que explora as águas
João Dias; ao Sul, com o córrego dos rios Aquidauana e Taquaruçu, pos-
Guanandy e terras da chácara suindo duas estações de tratamento de
Guanandy; a Leste, com as terras da água (ETA), uma em cada rio, que abas-

20
tecem as cidades de Aquidauana e tinha, como tem até hoje, largura de
Anastácio, respectivamente. vinte metros, com as respectivas qua-
Quanto ao clima, prevalece o do tipo dras com a configuração geométrica
quente e semi úmido, onde existem duas de um quadrado, com os lados de cen-
estações bem definidas, a da seca e das to e vinte e cinco metros, perfazendo
águas. O verão muito chuvoso chega a uma superfície de 15.625,00 m². Esse
ter uma precipitação em torno de 1200 primeiro loteamento possuía um total
a 1500 milímetros. A temperatura mé- de 132 quadras, que foram subdividi-
dia anual gira em torno de 28° a 32°C. das cada uma em dez lotes com for-
ma retangular, com exceção das qua-
4 - A DINÂMICA DA dras onde hoje localiza o cinema, a Igre-
EXPANSÃO URBANA ja Batista e o Banco Bradesco, que
Ao ser concebida, a cidade de possuíam os seus lotes convergentes
Aquidauana teve seu plano inicial as- para o centro da quadra (conforme
sumindo a forma de um polígono que exemplificado na Figura 1). Posteri-
se estendia do rio Aquidauana até a ormente, muitos daqueles dez lotes que
rua João Dias e entre os córregos João formavam as quadras iniciais foram
Dias e Guanandy. O traçado das ruas subdivididos em lotes menores.

Figura 1 - Plano Urbano de Aquidauana 1939 - Loteamento das quadras centrais

Fonte: Mapa do Plano Urbano 1939 - Prefeitura Municipal de Aquidauana - Organização e Desenho: Ferreira da Silva, J. (2001)

As terras próximas ao rio Aqui- por 125,00 m. Cria-se um novo lotea-


dauana, denominadas de “Zona Ribei- mento denominado “Zona Ribeirinha”,
rinha”, não foram loteadas inicialmen- o qual será objeto deste trabalho.
te. As ruas próximas ao rio estavam A partir dos anos 1950, novas ruas
planejadas em sentido radial, onde des- foram abertas ou prolongadas, incorpo-
tacavam-se grandes círculos, como se rando-se ao sistema viário da cidade.
fosse um teatro de arena (Mapa 2). A urbanização avança no sentido nor-
Esse projeto perdurou até a segunda te, chegando o arruamento até a rua 40
metade da década de 50, quando fo- Norte, localizada atrás do Morrinho,
ram iniciadas as aberturas das ruas povoado denominado São José do
como prolongamento das ruas já exis- Morrinho, hoje considerado zona de ex-
tentes. Conseqüentemente, as quadras pansão urbana. Os outros limites do
também seguem o mesmo padrão arruamento continuaram sendo os mes-
existente, ou seja, quadras de 125,00 m mos do início do povoamento.

21
Mapa 2 - Planta da Zona Ribeirinha - Plano de Urbanização de 1939 - Ruas Radiais

Fonte: Planta Cadastral da Cidade - 1939 - Prefeitura Municipal de Aquidauana - Organização e desenho: Ferreira da Silva. J. (2001)

No projeto de loteamento da cida- nordeste. Assim, a cidade de Aquidauana


de, as quadras onde hoje se encontram ”foge” da margem do rio Aquidauana,
o CEJAR, o Hospital da Cidade, a área evitando, com isso, a ocupação inade-
do Forum / INSS, a ENERSUL e o ce- quada desta área sujeita à inundação e
mitério estavam reservadas para a avança em direção ao pantanal.
construção de praças públicas. As décadas de 1970 e 1980 foram
No período de 1950 a 1960, decisivas para a cidade de Aquidauana,
Aquidauana, com uma população de em termos de expansão urbana. A po-
16.682 habitantes, se desenvolve de pulação já atingia 23.537 habitantes, em
forma rápida em direção ao nordeste. 1980, e como havia uma grande dispo-
As quadras únicas são divididas em nibilidade de lotes com preços mais
forma de loteamento ou de desmem- acessíveis à população de baixa renda,
bramento, também são loteadas peque- a ocupação do solo urbano torna-se
nas glebas localizadas nas margens do bastante esparsa. O Quadro 01 ilustra
córrego João Dias, como é o caso da que nessas décadas a expansão demo-
Vila Paraíso, Vila Rosaura e Vila Edemir. gráfica da cidade atingiu suas mais ele-
Todos estes loteamentos seguiram uma vadas taxas.
expansão longitudinal a partir do rio Com a promulgação da Lei Federal
Aquidauana. n° 6.766, em 1979, que regulamenta o
JOIA (2000) argumenta que a partir parcelamento do solo, os municípios
do núcleo original, a ocupação do espa- com menos de 50.000 habitantes foram
ço urbano se estendeu pelo interflúvio beneficiados com incentivos explicitado
dos córregos João Dias e Guanandy, ul- na própria Lei, já que a mesma discri-
trapassando os trilhos da estrada de fer- minava duas formas de parcelar o solo:
ro, que corta a cidade no sentido sudes- o loteamento, quando se projetam no-
te-noroeste, até atingir a Lagoa Compri- vas vias, e o desmembramento, quando
da e o Parque da Exposição, no sentido se utilizam as vias já existentes.

Quadra 01 - População Urbana de Aquidauana e Taxa de Crescimento no Período

Fonte: IBGE

22
Em razão disto, o processo para Ribeirinha, pelo fato de ser uma área
lotear e vender os lotes se tornou mais que desde a fundação da cidade vem so-
fácil tanto para os pequenos como para frendo impacto tanto de ordem natural
os grandes proprietários fundiários ur- como por parte da ação predatória do
banos. Nessa época, são implantados homem, considerando a ocupação atra-
os loteamentos de médio e de grande vés de loteamento planejado pela admi-
portes como Nova Aquidauana, Vila nistração pública e a permissão para ins-
Prado e Jardim São Francisco. A ex- talações de uma série de estabelecimen-
pansão urbana de Aquidauana ultrapas- tos pesqueiros, construções residenciais
sa os limites naturais dos córregos João e comerciais no local.
Dias, com os dois primeiros loteamen- Segundo TUCCI (1995), as cida-
tos citados, e Guanandy, com o Jardim des, no passado, localizavam-se próxi-
São Francisco. mas aos rios de médio e grande portes
para uso do transporte fluvial. A parce-
5 - AS ÁREAS NATURAIS la do leito maior do rio ocupada pela
Várias são as áreas que deveriam população sempre dependeu da fre-
ser destinadas à conservação ambiental qüência como as enchentes ocorriam.
na área urbana de Aquidauana, algu- Uma seqüência de anos sem inunda-
mas já se apresentam em avançado pro- ção é motivo para que a sociedade pres-
cesso de degradação, por meio de de- sione para que haja ocupação do leito
pósito de lixo, efluente de esgoto e ou- maior do rio.
tros processos impactantes. As enchentes urbanas causam im-
Por meio de levantamento de cam- portantes impactos sobre a sociedade.
po foram cadastradas várias dessas áre- Esses impactos podem ocorrer devido
as, cujas denominações seguem: lagoa à urbanização ou à inundação natural
Comprida, lagoa dos Bôbo, área do da várzea ribeirinha.
Pirizal, manancial e mata galeria do Em Aquidauana, este problema já
córrego Guanandy, córrego João Dias, faz parte da memória da população. Os
reserva de cerrado do Aeroporto Gal. habitantes da Zona Ribeirinha eram
Canrobert, nascente do córrego Man- castigos pelas enchentes que normal-
gueirão e a planície de inundação do mente ocorriam nos finais de ano, ten-
rio Aquidauana. do a prefeitura e outros órgãos que ar-
Cada área acima mencionada tem car com o transporte, a habitação e ou-
uma particularidade que merece ser tras necessidades básicas da população
destacada, tanto em relação a sua fauna desabrigada.
e flora, como a outros atributos como ROBBA (l992) argumenta que todos
os acidentes geográficos e paisagens os anos, nos meses de dezembro a mar-
cênicas. ço, período das grandes chuvas, a parte
Neste trabalho, será dada maior ribeirinha da cidade ficava inundada, de-
atenção à planície de inundação do rio salojando centenas de famílias.
Aquidauana, na qual está incluída a área Em 1979, o então prefeito, Dr. Pedro
do Pirizal. Especificamente sobre esta Ubirajara de Oliveira, desapropriou a
área é que foi implantado o loteamento área ribeirinha e evacuou toda a popu-
denominado “Zona Ribeirinha”. lação dessa área, promovendo o as-
sentamento da mesma em um terreno
5.1 - PLANÍCIE DE destinado ao hipódromo da cidade, lo-
INUNDAÇÃO DO RIO calizado na Vila Santa Terezinha. Nes-
AQUIDAUANA sa área, os lotes foram doados e a pre-
Como o número de áreas naturais feitura alocou recursos para os
dentro da zona urbana de Aquidauana é desabrigados para a construção das
até expressivo, foi escolhida a planície moradias.
de inundação do Rio Aquidauana para Esta foi a primeira tentativa de des-
análise (Mapa 4), denominada de Zona locar a população ribeirinha para o in-

23
terior da cidade, especialmente aque- do de forma drástica todo o ecos-
la que estava alojada em estado pre- sistema existente.
cário, em habitações do tipo barraco e SANTOS (1993), diz que o sanea-
palhoças. mento básico, compreendendo os ser-
viços de abastecimento de água, esgo-
6 - IMPACTO NO MEIO to sanitário, limpeza pública e coleta
NATURAL de lixo, desempenha importante papel
O plano urbanístico do loteamento na conservação ambiental, bem como
da cidade foi concebido de forma no bem-estar social, posto que estes
impactante. O seu traçado em forma serviços têm por objetivo principal pro-
de tabuleiro de xadrez, com vias per- mover condições ambientais necessá-
pendiculares ao rio, de uma certa for- rias à qualidade de vida e à proteção a
ma, facilitou o prolongamento das ruas saúde.
até a barranqueira do rio, concorrendo O Pirizal, uma área de preservação
para a ocupação e degradação da sua permanente localizada no centro do
margem. loteamento, com uma área 15,6 ha, vi-
Conforme o plano de loteamento da rou depósito de lixo da cidade. A área
margem do rio, datado de janeiro de abrangida pelo lixão se estendia da rua
1956 (Mapa 3), o então prefeito de Pandia Calógeras até a rua Augusto
Aquidauana , Sr. Fernando Luiz Alves Mascarenhas, ocupando o leito da rua
Ribeiro, por meio da Secretaria de Vi- Cândido Mariano e se estendendo para
ação e Obras Públicas, elaborou um o interior da área. Portanto, a área
plano para o loteamento de toda a mar- “feia” da cidade, caracterizada pela pre-
gem do rio, com a denominação de sença de brejos (Pirizal), escolhida para
“Zona Ribeirinha” ser o depósito de lixo e o habitat das
Segundo informação da época, tra- pessoas mais pobres, localizada bem na
tava-se de um plano arrojado de sa- entrada da cidade, que deveria ser seu
neamento, considerado por muitos portal de entrada, deveria ser saneada.
como a parte ruim da cidade. O pla- Esta era a idéia dominante dos admi-
no tinha o objetivo principal de ater- nistradores públicos para reverter este
rar as lagoas, acabar com os brejos e quadro, mesmo que fosse necessário so-
urbanizar esse recanto da cidade. brepujar os limites da natureza.
Acontece que houve uma urbaniza- As lagoas marginais3, que eram ha-
ção danosa à margem do rio, alteran- bitadas por várias espécies de peixes

Mapa 3 - Zona Ribeirinha: Área Loteada

3
Essas lagoas situavam-se no final
da rua Duque de Caxias, no final da
rua Francisco de Castro e várias no
interior do Pirizal. Fonte: Planta da Zona Ribeirinha - 1956 - Prefeitura Municipal de Aquidauana - Organização e desenho: Ferreira da Silva. J. (2001)

24
oriundos das enchentes, foram aterra- perficiais também se altera, muitas ve-
das por lixos ou por entulhos das cons- zes provocando o aparecimento de
truções e reformas de casas. Dessa voçorocamento. Pois, para TUCCI
maneira, destruiu-se o ambiente natu- (1995), a filosofia errônea se reflete na
ral onde diversas espécies de peixes idéia preconcebida dos engenheiros de
anuais se procriavam. que a boa drenagem é aquela que per-
O projeto da Zona Ribeirinha tinha mite escoar rapidamente a água preci-
por objetivo incrementar aquela parte pitada da área em estudo.
“feia” da cidade. Iniciava-se na praça Com o terreno limpo e nu, sujeito às
Nossa Senhora da Conceição e seguia intempéries do tempo, logo surgirão as
pela rua João de Almeida Castro, no primeiras plantas ruderais4 e alguns lo-
sentido montante, até a rua Quintino cais serão eleitos como depósitos de lixo.
Bocaiúva , já bem dentro do Bairro Quando ocorrerem as ocupações
Guanandy; daí, seguia pela rua Quintino dos lotes pelas primeiras edificações
Bocaiúva no sentido norte, até a rua tanto comerciais como residenciais, um
Candido Mariano; daí, seguia pela rua sistema de coleta do esgoto doméstico
Cândido Mariano, no sentido montante, deveria ser implantado para que o mes-
até atingir o córrego Guannady; deste, mo não fosse lançado nas ruas a céu
seguia pelo córrego até o rio; e daí, se- aberto ou nos canais naturais de drena-
guia, no sentido jusante, até atingir o ali- gem. Este sistema foi parcialmente
nhamento da praça, N. S. I. Concei- construído, sendo o destino dos dejetos
ção, o ponto de partida. o Pirizal e o rio Aquidauana, nas proxi-
O loteamento possuía uma superfí- midades do loteamento, cujas águas
cie de 582.515,70 m² ou 58,25 ha., sen- estão sendo contaminadas pelos dejetos.
do que 72,95% destinados a lotes
residenciais e 27,05% destinados aos 6.1 - IMPACTO NA
arruamentos. COBERTURA VEGETAL
O plano de parcelamento constava de A expansão urbana implicou na eli-
dezesseis quadras com um total de du- minação da vegetação natural. Poucas
zentos e trinta e quatro lotes, todos com espécies têm resistido e outras sucum-
área acima de trezentos metros quadra- biram aos impactos gerados pelo movi-
dos e todos para fins residenciais. mento de máquinas, pelas construções,
Os plano de arruamento seguiu o já pela iluminação, pelo aparecimento de
existente na parte adjacente , com rua ambientes de sombra, pela canalização
de largura de vinte metros e quadras dos ventos e pelo lançamento de resí-
com testadas de cento e vinte e cinco duos domésticos nos canais de drena-
metros. gens e cursos de águas.
A partir do momento em que uma Em contra partida, as plantas
obra de engenharia se inicia, para a ruderais têm se proliferado por quase
implantação de um loteamento, come- todos os cantos da cidade. Na verdade,
ça o processo de aberturas de vias, de essas plantas ruderais são as chama-
implantação de quadras e de demarca- das pioneiras dos ambientes citadinos,
ção de lotes, tem-se dessa maneira o por todas as partes elas existirão, se não
princípio do processo de impacto forem combatidas, penetrando nas trin-
ambiental. É nessa fase que acontece cas das calçadas, brechas de paredes,
as retiradas de toda a vegetação natu- povoando os terrenos baldios e as ruas
ral e de remoção do solo e a fauna é mal cuidadas.
expulsa de seu habitat. A cobertura vegetal nas cidades tem
Nesse processo de loteamento, grande influência na qualidade de vida,
mexe-se muito com o perfil do solo. Há contribuindo também para o aspecto
4
Plantas que nascem sobre uma alteração substancial no ciclo de paisagístico e para a estética, assim
escombro, trincas de calçadas drenagem e, em conseqüência disso, o como sendo um indicador de qualidade
terrenos baldios e outros. processo de escoamento das águas su- ambiental.

25
Generalizando, as áreas urbanas são lochia esperanzae), crista-de-galo
constituídas de floras homogêneas com (Heliotropium indicum) marcela de
muitas espécies não exóticas, isso se campo (Plagiocheilus tanacetoides),
deve por razão cultural ou econômica. lucera (Plachea sagittalis), assapeixe
A vegetação que mais predomina (Vernonia scabra), malva (Craton co-
nas baixadas são plantas típicas do cer- rumbensis), canela-de-seriema (Crotn
rado e nas matas galerias são de porte glandulosus), tucum (Bactris glau-
arbóreo, arbustivas e as plantas rastei- cescens), rosca (Helicteres guazu-
ras, muitas espécies são exóticas, como maefolia), cipó-de-arara (Cissus
é o caso das árvores frutíferas. epinosa), novateiro (Triplaris ameri-
BRAZÃO, SANTOS, SILVA cana), essa última, a Triplaris, é hos-
(1973) nos ensinam que a flora de uma pedeira de uma espécie de formiga ver-
área, isto é, o conjunto de todas as es- melha do gênero Crematogaster, sen-
pécies aí encontradas, constitui um re- do o terror dos machadeiros, quando na
curso em sentido amplo. Isto significa derrubada de exemplar, a primeira bati-
que cada planta tem uma importância da do machado, cai uma chuva dessa
fundamental na biocenose, participan- formiga, cuja ferroada é muito dolorida,
do com maior ou menor intensidade de se for muita, causa até febre; mas ela
diferentes cadeias tróficas. Todavia, tra- tem sua parte benéfica, pois serve de
dicionalmente, o termo recurso, atribu- alimento para o mico-prego, do gênero
ído aos vegetais, lhe é dado em razão Cebus que retira as formigas, quebran-
de seu valor econômico ou utilitário. do os brotos do novateiro.
Entende-se também que o termo
florístico, além de significar a composi- 6.2 - IMPACTO
ção em termos de espécie, tem o senti- NA VIDA SILVESTRE
do de cobertura vegetal, de unidades de As espécies lembradas, quando
vegetação, tão importante na função de se trata de cidade, são de pequenos
formadores e protetores do solo, de re- animais como ratos, baratas e outros
guladores hidrológicos, de formadores seres que tem a disposição diversos
de paisagem e controladores micro e abrigos e uma proliferação muito in-
mesoclimáticos. tensa.
No levantamento realizado na planí- Segundo MULLER (apud CAVA-
cie de inundação do rio Aquidauana, LHEIRO, 1977), as tendências que se
zona urbana da cidade, baseado nas verificam em relação aos animais na ci-
identificações de EINTEN (1993), PIN- dade são: redução abrupta da diversi-
TO (1993), POTT e POTT (1994) e dade específica de algumas ordens; di-
RIZZINI (1973), encontrou-se uma po- minuição de diversidade; e preferência
pulação muito grande de plantas das de alguns animais pela cidade.
quais se destacam: embaúva (Cecropia Em visão não muito positiva, deve-
pachystachya), erva-de-santa-luzia se identificar essas espécies como
(Cammelina nudiflora), picão (Bidens importante para a decomposição de
gardneri), voadeira (Conyza bana- resíduos, como para a desobstrução
riensis), melancia-de–pacú (Cayapo- de várias canalizações urbanas. Po-
nia podantha), fedegoso (Senna occi- rém, devido ao seu poder de prolife-
dentalis), orelha-de gato (Cissampelus ração, causam grandes danos aos
pareira), bocaiúva (Acrocomia homens e são significativos vetores
aculeata), joá (Solanum viarum), ur- de doença.
tiga-de–pacú (Urera aurantiaca), lei- AVELINE, COSTA (1993) argu-
teira (Sapium haematospermum), mentam a importância da conservação
angico-branco ( Anademanlhera pe- da natureza com base nas leis da Eco-
regrina), ingá-macaco (Ingá sessilis), logia, que a traduz no fato de se eviden-
tarumã (Vitex cymosa), caruru-do-brejo ciar a maneira racional de como proce-
(Amaranthus lívidas), bota (Aristo- der na utilização dos recursos naturais

26
sem causar prejuízo ao ambiente natu- que vem ocorrendo, não só nesse local
ral. Entre os recursos naturais encon- de baixada mas em toda a cidade, são
tra-se a fauna, representada pelo con- as pombas trocal (Columba speciosa).
junto de animais que ocupam um deter- O seu aparecimento deve-se a escas-
minado espaço geográfico, num dado sez de alimento no campo, em conse-
momento, que interage entre si e com qüência disso, elas estão invadindo os
os demais componentes ambientais. galinheiros e locais onde possam encon-
Com referência aos animais encon- trar alimentos na cidade. Além dessas
trados ao longo da planície de inunda- espécies citadas, existem outras espé-
ção na zona urbana de Aquidauana, cies que povoam a área.
foi possível cadastrar algumas espéci- Na planície de inundação, na sua
es tais como: as capivaras (Hidro- totalidade, encontram-se muitas plan-
chaeris hidrochaeris ), moradoras do tas frutíferas, principalmente as espé-
Pirizal, trata-se de um bando de mais cies exóticas. Dessa maneira, há uma
ou menos vinte exemplares; os preás boa produção de frutos, contribuindo
do gênero Cavea, um pequeno roedor para a fixação das aves que por aí
que normalmente anda em número de nidificam e criam seus filhotes. Esse
três a quatros elementos e tem como fato ocorre por que as matas no entor-
habitat as áreas dominadas pelos no da cidade estão escassas, provo-
capinzais e os lírios que ocorrem pró- cando uma corrida de animais silves-
ximos às lagoas; algumas espécies de tres a procura de proteção em locais
ratos campestres, como os do gênero onde possam ser encontrados alimen-
Oryzomys, e até o rato doméstico vi- tos em abundância e abrigos.
vendo no mato. Além dos animais anteriormente ci-
Em números bem maiores, as aves tados, há também a ocorrência de ja-
povoam todo os setores da área estu- carés (Caymam crocodilus yacaré),
dada. Com base nas identificações de principalmente nas partes brejosas do
SANTOS (1979) e SILK (1988) cons- Pirizal, pequenos lagartos e cobras,
tatou-se a existência de uma variedade sem contar a grande quantidade de es-
de espécies desde palustres até os pécies de peixes. Dos seres vivos res-
pequeninos beija-flores, o tesourão tritos a esse domínio, as populações de
(Eupetomena macroura) e o beija-flor- animais são as que mais sofrem pelo
de-garganta-azul (Amazalia fimbriata). impacto ambiental, primeiro pelo isola-
Nas lagoas do interior do Pirizal, encon- mento da área por se encontrar dentro
tram-se as aves palustres como peque- da cidade e, segundo, pela péssima qua-
nos grupos de pé-vermelho (Amazo- lidade da água, principalmente aquelas
netta brasiliensis ), galinha d’água que são lançadas ao Pirizal.
(Laterallus melanophaius), garças A iluminação elétrica também é um
brancas (Cosmerodius albus), fator que gera impacto no comporta-
anhumas (Chauna torquata), socó-boi mento dos animais, alterando seu me-
(Tigrisoma lineatum marmaratum), tabolismo. Nos vegetais, os impactos
socozinho (Butorides striatus) e peque- são mais visíveis, alterando seu cresci-
nas aves como sabiás-laranjeira (Turdus mento e contribuindo para a prolifera-
rufiventris), sanhaços-de-encontro- ção das algas nos ambientes aquáticos.
azul e o do coqueiro (Thraupis
cyanoptera e Thraupis palmarus), 7 - QUALIDADE DA ÁGUA E
anu-brancos (Guira guira), anu-pre- ENCHENTES DO RIO
tos (Crotaplaga ani), bem-te-vi AQUIDAUANA
(Pitangus sulpharatus), curruiras A qualidade da água da Zona Ribei-
(Troglodytes aedon musculus), joão- rinha é prejudicada pela procedência de
pintos (Lcterus icterus jamacaii) e trin- corpos de água oriundos do esgotamento
ca-ferro-verdadeiro (Saltator similis). doméstico, como aquele procedente da
Um grupo de aves muito interessante descarga lançada no final da rua Este-

27
vão Alves Correa, do lançamento de 2 - Em situação normal: Permite
água servida pelo canal da rua Leônidas definir um melhor direcionamento
de Matos e do lançamento de resíduos para a ocupação do espaço urbano
de três postos de gasolina. Também, do município, diminuindo assim o pre-
afeta a qualidade da água da área, as juízo com novas enchentes. Subsi-
enchentes provocadas pelo rio dia a ação do planejamento. Possi-
Aquidauana, que causam modificações bilita avaliar o risco de inundação dos
no ambiente, trazendo poluentes de áre- diferentes espaços urbanos para re-
as a montante. comendar a ocupação adequada.
OLIVEIRA (1993) acrescenta que Para medição das cheias utiliza-se
a qualidade da água dos rios e reserva- uma régua graduada cujo zero está
tórios é degradada pelos poluentes ne- referenciado ao nível do mar. Para
les lançados. Estes poluentes podem Aquidauana, a medição é feita toman-
provir de fontes pontuais, como o lan- do-se como ponto de partida o marco
çamento de esgotos domésticos e 259K do IBGE, chumbado no pé do cru-
efluentes industriais, ou de fontes dis- zeiro da Igreja Matriz de Aquidauana,
persas, decorrentes do transporte de com altitude igual a 147,6630 m, que
contaminantes pela água da chuva que serve como referência de nível. Todos
escoa pela superfície do solo. os níveis de enchentes estão amarra-
Sobre a questão da enchente do rio dos à régua do DNAEE/CPRM, situa-
Aquidauana, o Instituto de Pesquisa da junto à ponte em frente à Praça
Hidráulica, da Universidade Federal do Nossa Senhora da Conceição.
Rio Grande do Sul, faz um alerta no sen- O período de retorno é o tempo que
tido de minimizar as perdas devido às em média leva para acontecer a cheia
cheias. “Existem três linhas de ação da magnitude considerada. É calculada
principais para minimizar as perdas de- em função dos dados do passado.
vido às enchentes. As duas primeiras, A partir de dados obtidos no marco
ditas do tipo não estrutural, consistem do rio Aquidauana, pelo IPH (Instituto
no sistema de alerta à defesa civil, com de Pesquisas Hidráulicas, 1996), elabo-
a finalidade de previsão de cheias para rou-se o mapa das cheias do rio, defi-
as localidades afetadas, e no nindo as áreas sujeitas ao risco anual
zoneamento de áreas inundáveis, com de inundação e período de retorno das
a finalidade de induzir um melhor cheias (Mapa 4).
direcionamento para a ocupação do es- O zoneamento da área urbana
paço urbano do município. O inundável é a definição de regras para
zoneamento é definido a partir das in- a ocupação das regiões de maior risco
formações levantadas pelas cartas de de inundação. A finalidade destes pro-
enchentes. A terceira linha de ação, dita cedimentos é o de minimizar as perdas
do tipo estrutural, é relativa às obras com novas inundações a partir da ori-
hidráulicas de contenção de cheias tais entação para o crescimento da cidade
como barragens, dique e canalizações em direção às regiões menos afetadas
entre outras”. pelo problema. Também devem ser es-
A partir dos dados do nível da água timulados, dentro do possível, as
do rio é possível elaborar a carta de relocações dos espaços ocupados para
enchente, que é um mapa que tem fins compatíveis com os riscos assumi-
principalmente duas funções: dos. A ocupação do solo em função do
1 - Em época de enchente: Permite risco de ocorrência de enchentes pode
estimar as áreas alagadas da cidade ainda variar para os diferentes bairros
para diferentes níveis de inundações. da cidade e zona central, conforme a
Subsidia a ação da defesa civil do vocação de uso dos terrenos e suas va-
município porque identifica as áreas lorizações, oferecendo maior flexibilida-
a serem atingidas durante a calami- de para a aceitação de uma política des-
dade. ta natureza.

28
Mapa 4 - Planta da Planície de Inundação Rio Aquidauana - Zona Urbana de Aquidauana

Fonte: Planta da Área de Inundação - IPH/UFRGS e Mapa Cadastral da Cidade


Organização e desenho: Ferreira da Silva. J. (2001)

Como recomendações ao zonea- te ocorrida ou pela enchente de perío-


mento pode se mencionar que a seção do de retorno de 100 anos, adotando-
do escoamento do rio pode ser dividida se a maior das duas. Os demais limi-
em três partes principais: tes podem ser definidos em função das
- ZONA PARA PASSAGEM DE características regionais de cada loca-
ENCHENTE: Esta parte da seção lidade.
trabalha hidraulicamente e permite
o escoamento de enchente. Qual- 8 - CONCLUSÃO
quer construção nesta área diminui- A área, objeto do trabalho, compre-
rá a seção de escoamento elevando endida pela planície de inundação do rio
os níveis nas proximidades. Deve- Aquidauana, trata-se de uma parte da
se procurar manter esta zona cidade onde se localiza o loteamento
desobstruída. “Zona Ribeirinha”. Por ser uma área
- ZONA COM RESTRIÇÕES: É a baixa, à margem do rio, onde todas as
área restante da superfície inundável, águas da cidade tanto as pluviais, as flu-
cujo uso deve ser regulamentado. viais quanto os esgotos domésticos se
Esta zona fica inundada, mas devi- convergem, a “Zona Ribeirinha” deve
do às pequenas profundidades e bai- ser vista pelo poder público e pela pró-
xas velocidades não contribuem sig- pria população como um setor especial,
nificativamente para a drenagem das merecendo toda a atenção quanto ao
enchentes. planejamento e aplicação de práticas e
- ZONA DE BAIXO RISCO: Esta manejo de conservação ambiental, vi-
zona possui pequena probabilidade sando minimizar a ação de impacto
de ocorrência de inundação, sendo ambiental.
atingida em anos excepcionais por A ocupação urbana é a primeira a
pequenas laminas d’água e baixa ser considerada como uma ação
velocidade. antrópica a contribuir para a degrada-
Este trabalho inicial não oferece ain- ção do ambiente ribeirinho, consideran-
da um detalhamento completo para o do a forma como tem sido ocupada por
zoneamento da cidade, mas permite ori- um tipo de “loteamento” sem que hou-
entar desde já sobre as áreas de risco. vesse um prévio planejamento, visando
A zona de baixo risco pode ser limita- o levantamento e cadastramento das
da superiormente pela maior enchen- áreas sujeitas a riscos, das paisagens

29
cênicas e do planejamento para trata- por meio de órgãos competentes, re-
mento do esgoto, antes de ser lançado alize projetos para a recuperação das
ao rio. Este impacto pode ser constata- matas ciliares, de planejamento de tri-
do a partir de levantamento de campo lhas em toda sua área e de tratamen-
realizado à margem do rio, onde foram to das águas superficiais que correm
identificados um número muito grande para o rio.
de pontos de esgotos domésticos que Finalmente, devemos ser conscien-
são despejados diretamente no rio, che- tizados que, nos dias de hoje, para exe-
gando a ser alarmante pelo efeito de cutar manejos e preservações de áreas
impacto direto. localizadas em planícies de inundações
Muitos lotes da Zona Ribeirinha não é tarefa fácil, principalmente quan-
ainda encontram-se ocupados por do essa área se localiza em zona urba-
pesqueiros e algumas casas, mas na onde os impactos negativos são mui-
acreditamos que é um momento ideal tos e a aplicação de uma política
para que a administração municipal, ambiental tem pouco alcance positivo.

9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSOCIAÇÂO INTERNACIONAL DE ADMINISTRADORES MUNIICPAIS, Planejamento
urbano. Tradução de M. de L. L. MODIANO, Rio de janeiro: FGV, l965. 518 p.
AVELINE, L. C., COSTA, C. C. C. Fauna silvestre. In: IBGE. Recursos naturais e meio ambiente:
uma visão do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1993. p.69-88.
BRAZÃO, J. E. M, SANTOS, M..M, SILVA, Z. L. Vegetação e recursos florísticos. In: IBGE.
Recursos naturais e meio ambiente: uma visão do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1993. p 59-68.
EITEN, G. Vegetação do Cerrado. In: PINTO, M . N. Cerrado: Caracterização, ocupação e
perspectiva. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1.993. V.I. Cap. I, p. 17- 73.
FERRARI, C. Curso de planejamento municipal integrado. 4°ed. São Paulo: Pioneira, 1984. 631 p.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Recursos Naturais e meio
ambiente: uma visão do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1993.
JOIA, P. R. Bairros das cidades de Anastácio e Aquidauana: Uma proposta de divisão do espaço
urbano. Revista Pantaneira, Aquidauana, v.2, n°1, 1999. p.27-32.
LORENZI, H. Árvores brasileiras. 2° ed. Nova Odessa: Ed. Plantarum, 1998.
INSTITUTO DE PERSQUISAS HIDRÁULICAS. Mapa de áreas inundáveis –Aquidauana. Esca-
la 1:10 000, 1996.
OLIVEIRA, P. T. T. M. Recurso hídrico. In: IBGE. Recursos naturais e meio ambiente: uma visão
do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1993. p.89-94.
PINTO, M. N. Paisagens do Cerrado no Distrito Federal. In PINTO, M. P. Cerrado, caracteriza-
ção, ocupação e perspectiva. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, v.I, Cap. 17. p. 511-541.
POTT, A., POTT. V.J. Planta do pantanal. Corumbá: EMBRAPA-SPI, 1994. 320 p.
RIZZINI, C. T. Tratado de Fitogeografia do Brasil. Vol. 2. São Paulo: Ed. USP. 1.973. 374 p.
ROBBA, Cláudio. Aquidauana : Ontem e Hoje. Campo Grande: Imprensa do Tribunal, 1992.
SANTOS, E. Pássaros do Brasil. 4° Ed. Belo Horizonte, Ed. Limitada, v.5, 1979.
SILK, H. Ornitologia brasileira. 3°ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília. 2 vol. 1988.
TUCCI, C. E. M. Inundações urbanas. In: TUCCI, C. E. M, PORTO, R. L. L., BARROS, M. T.
de. Drenagem urbana. Porto Alegre: ABRH/ Ed. da UFRGS, 1995. p.15-36.
CAVALHEIRO, F. Urbanização e alterações ambientais. In: TAUK, S. M. (org.) Análise ambiental:
uma visão multidiciplinar. São Paulo: Ed. FUNDUNESP, 1991. p.88-99.

30
A Contribuição do Patrimônio
Histórico/Cultural para o
Entendimento da Cultura Material
Enquanto elemento de Construção da
Identidade
Sandra Nara da Silva Novais*

Para que seja possível entender o nantes. No entanto, essa nova dimen-
patrimônio histórico/cultural como uma são adquirida pelo conceito
possibilidade que permita compreen- “patrimônio”, geralmente, represen-
der a cultura material como sendo um tou a via concreta para que o patrimônio
dos elementos de construção da identi- viesse a ser transformado em monu-
dade, faz-se necessário explicar o que mento, o qual passou a ser um media-
vem a ser “patrimônio” e quais as pro- dor entre passado e o presente e tam-
blemáticas e dimensões que este con- bém um referencial capaz de permitir a
ceito adquiriu ao longo do tempo. sua identificação com uma nação e até
Anteriormente ao século XIX, en- de um determinado estado.
tendia-se por patrimônio o conjunto de “Assim como a identidade de um
bens pertencentes a uma pessoa, a uma indivíduo ou de uma família pode ser
entidade, ou mesmo a um território. No definida pela posse de objetos que
que diz respeito à questão espacial, o foram herdados e que permanecem
patrimônio era o conjunto de bens que na família por várias gerações, tam-
estavam contidos nos limites fronteiri- bém a identidade de uma nação pode
ços sob a competência de uma deter- ser definida pelos seus monumentos
minada unidade administrativa – aquele conjunto de bens culturais
geopolítica, podendo ainda, o associados ao passado nacional. Es-
patrimônio, abranger a natureza. O ses bens constituem um tipo especial
patrimônio natural é composto pelos de propriedade, a eles se atribui a
bens encontrados na superficie e no capacidade de evocar o passado e,
subsolo (florestas, fauna, rios, jazidas desse modo, estabelecer uma ligação
minerais, sítios paleontológicos, etc). entre passado presente e futuro. Em
Com o decorrer do tempo, na pri- outras palavras, eles garantem a con-
meira metade do século XIX, o tinuidade da nação no tempo. (Gon-
*
patrimônio histórico/cultural tornou-se çalves 1988, p. 267).
Licenciada em História pela
UFMS/CEUA e professora no sinônimo de propriedades de luxo e de Posteriormente, foram sendo incor-
ensino fundamental e médio, obras monumentais, às quais estavam, porados ao conceito de patrimônio his-
em Aquidauana. sobretudo, associadas às classes domi- tórico/cultural os monumentos

31
arquitetônicos e as obras de arte tais cumentos de primeira ordem.” ( LE
como, a pintura a escultura e também GOFF: 1993, p. 28 )
as manifestações culturais imateriais, A Nova História se consolidou de-
entre elas a dança, a literatura, o tea- pois da Segunda Guerra Mundial, muito
tro, a música, o folclore, etc. embora tenha surgido em 1929, com a
No presente, percebendo-se que o fundação da revista dos ANNALES,
ser humano não produz apenas obras sendo seus precursores: FERNAND
de arte, produz também ciência, co- BRAUDEL, LUCIEN FEBVRE e
nhecimento, história, máquinas, moda, MARC BLOC. Esta se propõe a anali-
comportamento, hábitos, usos e costu- sar as estruturas sociais, a história eco-
mes, vigora um concenso, de que, a nômica, as instituições, as mentalidades,
noção de patrimônio histórico/cultural o imaginário, a cultura material, a vida
é muito mais ampla e se estende a todo pública e privada etc.
o fazer humano, não representando so- Com a mudança no conceito de his-
mente a cultura da classe dominante, tória, passamos da chamada “história
do vencedor. Representa também a oficial”, aquela que conta os grandes
cultura dos vencidos, os quais, por lon- feitos e as batalhas, para a “história so-
go tempo, foram silenciados e torna- cial”, que, além de simplesmente nar-
dos invisíveis pelas classes dominan- rar os grandes feitos, explica também o
tes. O patrimônio cultural tem uma re- cotidiano de todas as pessoas, ou seja,
lação intrínseca com a cultura materi- inclusive a história das minorias, abrin-
al de uma determinada sociedade, ou do-se assim uma nova perspectiva de
seja, são as soluções que a humanida- análise que inclui desde as relações eco-
de propõe ao responder questões for- nômicas e sociais até a vida doméstica,
muladas pelo plano físico de sua exis- enfim, as condições de trabalho, o lazer,
tência. a arte , a religião, a educação...
A mudança no conceito de cultura e Frente a esses novos paradigmas, o
consequentemente no de patrimônio his- patrimônio histórico/cultural passou a ser
tórico/ cultural acompanha, em sua tra- entendido como sendo o conjunto de
jetória temporal, uma outra mudança a todos os utensílios, hábitos, usos, costu-
qual é extremamente significativa, isto mes, crenças e forma de vida cotidiana
é a mudança no conceito do que é im- de todos os segmentos que compõem
portante na história, pois durante os uma determinada sociedade. Assim, até
últimos séculos, esta registrava somen- mesmo o termo “patrimônio histórico/
te os grandes feitos políticos, as gran- cultural” pode vir a ser substituído por
des guerras ou a vida dos “grandes ho- “LEGADO CULTURAL”, o qual sin-
mens”. A Nova História nasceu, em toniza melhor com o modo de produzir
grande parte, de uma revolta contra a conhecimento da Nova História.
História Positvista, vigente no século Pelo que foi visto anteriormente,
XIX. Sua maior contribuição para o definir o que é cultura material parece
mundo contemporâneo é o fato de ter ser mais fácil do que tentar definir o
ampliado o campo do documento, ou que vem a ser patrimônio histórico/cul-
seja, substituiu a antiga tradição históri- tural. Os historiadores e os arqueólo-
ca, fundamentada essencialmente nos gos a definem como sendo a
textos e no documentos escritos, por materialidade dos objetos sociais cujos
uma história baseada numa significados são atributos de um deter-
multiplicidade de documentos: “(...) es- minado sistema cultural, ou seja a etno-
critos de todos os tipos, documentos tecnologia.
figurados, produtos de escavações Para Jean Marie Pesez, “(...) a cul-
arqueológicas, documentos orais, tura material faz parte das infra-es-
uma estatística, uma curva de preços, truturas, mas não as recobre, ela só
um filme, uma ferramenta, um ex- se exprime no concreto, nos e pelos
voto, são para a Nova História do- objetos. É a relação entre o homem e

32
os objetos (sendo aliás o próprio mudanças repentinas que o mundo atu-
homem , em seu corpo físico, um ob- al oferece.
jeto material), pois o homem não O grande paradoxo vivido, hoje, pela
pode estar ausente quando se trata humanidade, em tempos de globalização,
de cultura.” ( PESEZ: 1990, p. 180). quando se assiste à uma padronização
A cultura material pode ser enten- dirigida de gostos, preferências, atitu-
dida então como sendo as manifesta- des e expressões é o fato de as cultu-
ções do concreto na produção huma- ras ainda destacarem-se pelo seu po-
na, a qual se apresenta por meio dos der simbólico etnicamente estabeleci-
objetos e das técnicas, desenvolvidos do, evidenciando assim a sobrevivência
estes com uma finalidade consciente de aspectos marcadores de identidades
e de caráter utilitário, que venha a fa- locais e regionais, garantindo dessa for-
vorecer aspectos do cotidiano dos gru- ma a diversidade enquanto um fator de
pos humanos. resistência aos processos massificantes
Entender o patrimônio histórico/cul- do comportamento. Sendo assim, as co-
tural, em sentido mais amplo, significa munidades, culturalmente definidas, re-
reconhecer, na memória de um deter- forçam sua identidade recorrendo à
minado povo, a permanência de vín- pautas patrimoniais, mesmo vivendo
culos duráveis com itens da cultura ma- num mundo onde as inovações
terial que sobreviveram, no tempo his- tecnológicas, o uso cotidiano da
tórico, como vestígios marcadores de informática e dos meios de comunica-
uma identidade étnica e aglutinadores ção globalizados provocam uma circu-
de uma comunidade em torno de sím- lação rápida e intensa de informações.
bolos que sejam comuns aos seus Para concluir é importante destacar
membros. que é somente a partir do patrimônio
“A memória é um elemento essen- histórico/cultural, da cultura material e
cial do que se costuma chamar iden- das especificidades locais e regionais –
tidade, individual ou coletiva, cuja ambas se relacionando e se comple-
busca é uma das atividades funda- mentando – que será possível perce-
mentais dos indivíduos e das socie- ber novas dimensões e possibilidades de
dades de hoje , na febre e na angús- relações humanas e do indivíduo com
tia .” ( LE GOFF: 1990, p. 476). o coletivo, em oposição ao proposto pelo
O conceito de identidade está vin- modelo global. Para MILANESI (.1999,
culado ao sentimento de pertencer a p.356 ).
um determinado grupo, (religioso, po- “ Não é o conhecimento dos bens
lítico, econômico, social ) existente na culturais de outros povos que elimi-
sociedade, na qual os indivíduos parti- na a especificidade da cultura local.
lham referências comuns, tais como Ao contrário, conhecer a Balada em
uma mesma história e uma mesma tra- Sol-menor, de CHOPIN, poderá con-
dição. É importante perceber, no en- tribuir para o cotidiano da aldeia;
tanto, que a identidade é uma constru- olhar Guernica, de PICASSO, aju-
ção social e que sofre mudanças. Para dará a compreender a violência, as
o homem contemporâneo manter al- injustiças, os desequilíbrios do meio
gum tipo de identidade étnica, local ou onde se vive, ler Dom Quixote, de
regional é essencial para que não se CERVANTES, poderá sugerir que é
perca no turbilhão de informações e preciso sonhar...”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GONÇALVES, J.R. Autenticidade, Memória e Ideologias Nacionais: O problema dos patrimônios
culturais, estudos históricos. São Paulo, 1988.
LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

33
MILANESI, Luís. Cultura Local: um Paradoxo na Globalização. In: O Município No Século XXI:
Cenários e Perspectivas. São Paulo: CEPAM & CORREIOS, 1999.
BARRETO, Margarita. Turismo e Legado Cultural: As Possibilidades do Planejamento. Campinas,
SP: Papirus, 2000. – (Coleção Turismo).
DOWBOR, Ladislau. O Poder Local diante dos Novos Desafios Sociais. In: O Município No Século
XXI: Cenários e Perspectivas. São Paulo; CEPAM & CORREIOS,1999.
PESEZ, Jean-Marie. A História da Cultura Material. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. São
Paulo: Martins Fontes, 1993.

34
Base Conceitual:
Morfoestrutura e Morfotectônica
Principais feições Associadas:
relevo e drenagem
Edna Maria Facincani*

1- INTRODUÇÃO boração da paisagem submetida exclu-


Os termos “morfoestrutura” e sivamente ao agente erosivo.
“morfotectônica” apresentam-se com O termo morfotectônica consiste no
conceitos muito próximos, provocando estudo de processos geradores de for-
ambigüidades. mas, relacionados a qualquer tipo de
GERASIMOV & MECHERIKOV atividade tectônica.
(1969) conceituam morfoestruturas EMBLETON (1987, apud SANTOS
como unidades de relevo geradas por 1999) considerou quatro principais fren-
uma combinação de atividade tectônica tes de estudos morfotectônicos: 1- reco-
e clima, obedecendo a um arranjo hie- nhecimento e estudo das formas de re-
rárquico abrangendo desde levo indicativas de movimento tectônico
megamorfoestruturas como, por exem- contemporâneo ou recente; 2- estudo da
plo, uma cadeia mesoceânica, até deformação de superfícies aplanamento,
micromorfoestruturas, como um vale 3- estudo dos efeitos morfológicos (dire-
controlado por falha. tos e indiretos) de terremotos recentes
Várias morfoestruturas são o produ- ou contemporâneos; 4- utilização de evi-
to de períodos alternantes de dência geomorfológica para prever ter-
soerguimento (acarretando dissecação) remotos (3 e 4 bordas de placas). Ape-
e estabilização (resultando superfícies de nas as duas primeiras são aqui conside-
aplanamento regionais). Os terraços, as radas, abordáveis em ambiente
superfícies de aplanamento e os depósi- intraplaca, em função do posicionamento
tos correlativos são fontes de dados es- do território brasileiro.
senciais para a análise morfoestrutural.
SAADI (1991, apud SANTOS 2. CARACTERÍSTICAS
1999) considerou morfoestrutura como MORFOLÓGICAS DE FALHAS
uma unidade morfológica cujas princi- TRANSCORRENTES,
*
Professora Adjunta do Depto. pais caracteríticas indicam um nítido NORMAIS E INVERSAS.
de Geociências CEUA/UFMS, controle exercido passivamente pelo
Doutora em Geociências pela 2.1 - A Geomorfologia Tectônica
arcabouço litoestrutural, ficando a ela- engloba movimentos tectônicos verticais
UNESP - R. Claro.

35
e horizontais, na origem e evolução condições morfoclimáticas da região em
das formas de relevo (direta ou indi- que o processo está ocorrendo
reta), que influenciam nos processos (STEWART & HANCOCK 1994).
deposicionais, erosivos, transporte e KELLER & PINTER (1996) escla-
intemperismo (BULL & WALLACE receram, em princípio, que a cada tipo
1985). de falhamento corresponde uma
As descontinuidades estruturais as- morfologia específica, ainda que exis-
sociadas aos regimes tectônicos têm tam superposição de processos e geo-
relevante função na origem e evolução metria, como é o caso das bacias mis-
das formas de relevo, visto que deter- tas que envolvem movimentos oblíquos
minam as vias de percolação de água e em falhas transcorrentes, que tendem
aceleram os processos intempéricos a produzir feições associadas tanto ao
(morfogênese e pedogênese) e a sedi- sistema transcorrente quanto ao normal
mentação. e inverso.
Para a ocorrência do movimento de Os movimentos tectônicos expres-
percolação de água - via fraturas - é sam-se na paisagem por uma série de
necessário que as descontinuidades es- feições e formas. A identificação des-
tejam abertas. As aberturas destas fa- sas formas e feições pode ser direta ou
lhas, fraturas e juntas que se observam indireta, nas mais variadas escalas e
em campo, relacionam-se com o regi- nem sempre facilmente reconhecidas
me de tensão atual. STEWART & (JAIN, 1980; COOKE 1990).
HANCOCK (apud SALAMUNI 1999) Na paisagem as feições geomor-
ressaltaram que a determinação da ori- fológicas mais facilmente observadas
entação dos eixos de tensão é baseada são aquelas associadas a falhas do tipo
na análise das falhas neotectônicas. normal, que apresentam mergulhos em
Quanto à movimentação dos blocos, torno de 60º. Quando as falhas normais
segundo HASUI & MIOTO (1992), as têm deslocamentos oblíquos, as aco-
falhas são variadas e se apresentam modações das componentes direcionais
como segue: ou inversas permitem o desenvolvimen-
• transcorrente, podendo ser de to de feições geomorfológicas comple-
caráter tanto dextral como sinistral, xas.
tendo mergulho vertical e movimen- Os deslocamentos ao longo dessas
tação de blocos na horizontal; falhas produzem desníveis topográficos
• inversa, com mergulhos em geral e o desenvolvimento de feições como
da ordem de 30º e movimentos que escarpa de falha, horste e gráben, blo-
envolvem subida da capa; cos basculados, lagos, e em escala re-
• normal, mergulhos em geral da gional pode-se mencionar os rift
ordem de 60º e movimentos que en- valleys. Nesta zona de escarpa predo-
volvem abatimento de blocos onde mina a ação de processos erosivos, prin-
a capa desce e a lapa sobe. cipalmente aqueles relacionados com o
entalhamento da drenagem. Conse-
qüentemente, o relevo passa por vários
2.2 - FEIÇÕES
estágios, favorecendo a formação de
GEOMORFOLÓGICAS facetas trapezoidais e triangulares.
ASSOCIADAS A FEIÇÕES A geometria do sistema trans-
TECTÔNICAS ATIVAS (RELEVO corrente pode envolver uma complexi-
E DRENAGEM). dade de estruturas tanto de encurtamen-
to (transpressão) como de estiramento
2.2.1 - RELEVO (transtensão), caracterizada numa de-
A expressão do plano de falha no formação não-coaxial.
relevo depende do tipo de falha que está O traçado de uma zona de desloca-
se desenvolvendo, das características mento transcorrente principal apresen-
do material afetado na superfície e das ta trechos planares e curviplanares. Os

36
trechos encurvados são chamados de Pressure ridge - elevação ao lon-
arcos (bends) e podem ser dos tipos go de uma falha transcorrente gera-
convergente (restraining) ou divergen- da através de soerguimento em
te (releasing). Nos arcos, os desloca- dúplexes compressivos ( restraining
mentos transcorrentes impõem encur- bends) ou entre dois planos distin-
tamento no tipo convergente e abertu- tos da falha (KELLER & PINTTER
ra no tipo divergente, isto é, transtensão 1996 );
e transpressão, com predomínio de um Shutter Ridges- são formadas onde
ou outro (HASUI & MIOTO 1992). uma falha desloca a topografia, mo-
Dessa forma, as bacias sedimentares vendo lateralmente uma seqüência
em regime transcorrente originam-se de cristas de um lado da falha con-
em domínios de transtensão devido a tra vertentes do outro lado (SUM-
componentes da divergência que ocor- MERFIELD 1986,1987, 1988, 1999);
re na região de arco. Essas zonas ca- Sag Ponds - desenvolvem-se ao lon-
racterizam-se por bacias sedimentares go de zonas de falha, sendo relacio-
de tamanho pequeno, forma alongada, nadas a abatimentos entre as duas
profunda, do tipo romboédrica e bacias bordas da zona de falha (KELLER
de afastamento (pull-apart, strike-slip & PINTER 1996, apud SANTOS
e transtension basins), com altas ta- 1999).
xas de subsidência. As feições geomorfológicas mais
Nas bacias transtensivas podem apre- destacadas relacionadas a falhas inver-
sentar-se fácies sedimentares marinhas, sas são aquelas que envolvem colisões
transicionais e continentais. As variações ou convergências de placas: cavalga-
faciológicas laterais são abruptas em de- mentos produzidos por subducção, pro-
corrência da geometria da bacia e da sua vocam soerguimentos. As falhas nor-
variação com a deformação progressi- mais apresentam geometria planar ou
va durante a sedimentação (SYLVES- lístrica. As feições morfoestruturais
TER 1988; READING 1980; HASUI mais comuns associadas às falhas nor-
& MIOTO 1992). mais são os rift-valleys (grábens e
READING (1980) e HASUI & horstes), marcadas por escalonamentos
MIOTO (1992) ressaltaram que essas de blocos. As facetas triangulares ou
bacias podem ter comprimento de até chevrons, são as feições mais marcan-
algumas centenas de quilômetros, lar- tes de erosão de uma escarpa de falha
gura de várias dezenas de quilometros ativa. Em áreas ativas tectonicamente,
e espessuras de sedimentos chegando os processos erosivos, na frente da
a 10.000 metros. escarpa, são rigorosos dando origem a
O ambiente deposicional mais carac- vales estreitos e paralelos.
terístico desta bacia é o lacustre, com Além das facetas como indicadoras
leques aluviais marginais, e pode ter de manifestação de falhamentos ativos,
magmatismo associado. Também po- outra feição pode ser identificada em
dem se instalar mares interiores como superfície através da ocorrência de zo-
o da Placa Árabe, com deslocamento nas de brechas percursoras. Nas zonas
sinistral de 110 km, que abriga os ma- de brechas, quando o plano de falha
res Morto e de Galiléia. aflora, deforma a superfície e tende a
Essas deformações podem condi- aparecer novos planos associados, fa-
cionar processos de dissecação diferen- vorecendo a formação de depósitos
ciados e capazes de gerar vales e pa- coluvionares do tipo fluxo de detritos no
drões de relevo assimétricos como na sopé da escarpa.
região de Sulphur Creek, California
(NIELSEN & MCLAUGHLIN, 1985). 2.2.2 - DRENAGEM
As principais formas de relevo as- A análise do padrão da rede de dre-
sociadas a atividade morfotectônica de nagem, é uma das feições geomorfo-
falhas transcorrentes são: lógicas mais sensíveis à movimentação

37
tectônica, retratando-se, principalmen- d - migrações rápidas de trechos do
te, como resposta a movimentos rio principal.
neotectônicos, fornece informações São considerados como feições anô-
essenciais sobre estrutura geológica e malas de drenagens os longos segmen-
das variações do estilo estrutural. tos retilíneos; o desenvolvimento de
As propriedades mais relevantes do meandros, padrão braided, alargamen-
estudo da rede de drenagem referem- to e/ou estreitamento do canal, depres-
se a densidade de textura, sinuosidade, sões fechadas (pântanos e lagoas) e
angulosidade, tropia, assimetria e for- curvas anômalas. Os terraços fluviais
mas anômalas. Através do padrão da também são afetados pelo tectonismo,
rede de drenagem pode-se obter infor- destacando-se os escalonamentos cor-
mações fundamentais de estruturação tados por falhas, arqueamentos e
de uma determinada área tanto em su- basculamentos, principalmente, aqueles
perfície como em subsuperfície. formados no período do Pleistoceno até
No estudo neotectônico é importan- os dias atuais. HOWARD (1967), JAIN
te a compreensão das feições anôma- (1980) e SCHUMM (1986) esclarece-
las, isto é, das formas que diferem do ram que as anomalias de drenagens for-
arranjo geral dos elementos. Destacou- necem fortes indícios da influência das
se para isso as seguintes feições estruturas tectônicas na sua geometria,
geomorfológicas: meandros abandona- provocando desvios locais. Para esses
dos, retilinidade do canal, arcos em co- autores essas feições podem ser inter-
tovelo, facetas triangulares e pretadas como possíveis evidências de
trapezoidais, terraços escalonados, cap- neotectonismo. Estes movimentos cau-
turas de drenagem, arqueamentos e sam modificações no perfil longitudinal
escarpa de falha, entre outras. O movi- que influencia na declividade do canal,
mento neotectônico exerce um papel bem como, no seu padrão e morfologia,
relevante na evolução da paisagem tais com destaque à descarga e ao tama-
como movimentos ascencionais e nho dos sedimentos.
subsidência que influencia principal- OUCHI (1985 apud SILVA 1997)
mente nas anomalias da rede de drena- ressaltou que no caso de soerguimento
gem. O movimento neotectônico atu- em rios meandrantes, tanto para car-
ante no Brasil, conforme proposto por gas mistas como em suspensão, há um
HASUI (1990) e FACINCANI (1999), aumento da sinuosidade a jusante da
favorece o desenvolvimento de estru- área soerguida. A montante, canais
turas transcorrentes dextrais e a retilíneos são formados, apresentando
reativação de outras preexistentes possivelmente padrão reticulado. Após
(tectônica ressurgente), em um ambi- o padrão inicial ser superado pelo
ente intraplaca, tendo iniciado por volta meandramento na zona rebaixada, a
do Mioceno. degradação terá início e evoluirá a
Uma das respostas mais evidentes jusante. Um padrão braided sinuoso
das movimentações tectônicas refere- será desenvolvido para rios com carga
se aos basculamentos de blocos (SO- em suspensão.
ARES et al.1981, SENA COSTA et al. JAIN (1980, apud PIRES NETO
1992), que, por sua vez, proporcionam 1991) ressaltou que os componentes do
modificações na sedimentação e na relevo, com destaque para a atuação
geomorfologia, com destaque para os dos movimentos neotectônicos, são
seguintes aspectos: aqueles relacionados principalmente
a - migração progressiva do eixo do com as anomalias da rede de drenagem,
rio; fácies dos depósitos sedimentares do
b - formação de minigrábens dentro tipo eluvionares e coluvionais (consti-
da estrutura principal; tuição, extensão e espessura), os terra-
c -migração lateral gradativa do rio ços fluviais com ênfase na sua
principal; composicão e disposição, entalhamento

38
dos vales fluviais relacionados aos pro- variáveis hidrológicas e litoes-
cessos de soerguimento e subsidência, truturais, e movimentos neotec-
e as antigas superfícies de aplana- tônicos, que, por sua vez, influenci-
mento. am no nível de base e no rearranjo
JAIN (op. cit) salientou que o per- da morfologia do perfil longitudinal.
fil longitudinal dos vales depende de TABELA 1.

Tabela 1 - Feições morfológicas do perfil longitudinal e suas implicações tectônicas


(PIRES NETO 1991).

Indicam a diminuição da granulometria do material de


Segmentos Côncavos fundo, da competência do canal ou áreas com movi-
mentos neotectônicos de subsidência,
Indicam o aumento da granulometria do material de fun-
do devido ao aporte de sedimentos dos tributários que
atravessam litologias mais resistentes, ou presença de
rochas mais resistentes no leito do canal que formam
Segmentos Convexos corredeiras e cachoeiras, ou ainda movimentos
neotectônicos ascencionais associados a arquea-
mentos e movimentos diferenciais de blocos tectônicos.
Nestas situações associam-se a convexidade do perfil
longitudinal a vales estreitos e profundos com vertentes
convexas,
Indicam o aumento da granulometria dos sedimentos
Segmentos Retilíneos
do canal ou áreas de comportamento neotectônico es-
ou Pouco Convexos
tável,

Indicam a presença de fraturas ativas ou mudanças de


tipo e composição de rocha, ou ainda, mudança de con-
Perfis Escalonados
sumo de água em relação à desembocadura de afluen-
tes,

Representam rupturas de declives positivas, indicam


presença de saltos, corredeiras e cataratas. As rupturas
Knick Point
de declive negativas caracterizam-se pela diminuição
do gradiente e por áreas de deposição.

As capturas de drenagens (river processes e soerguimento) e erosivos


capture, piracy ou stream piracy) (resistência litológica) são os principais
acontecem quando uma drenagem fatores que influem na captura de ca-
erode mais agressivamente que o outra beceiras e na linha de drenagem. As
adjacente, capturando-a por evidências geomorfológicas que indicam
interceptação. Os processos tectônicos capturas são: cotovelos (elbow of cap-
(falhamento offsets), arqueamento, ture) e vales secos (wind gaps), den-
basculamento (diversion-top down tre outras.

3 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BULL, W. B., WALLACE, R E. Tectonic Geomorphology. Geology, n. 13, p.216, 1985
COOKE, R. U. Geomorphology in environmental management: an introduction. New York: Ed
Oxford. Clarendon Press, 1990, p.410.
EMBLETON, C. Neotectonic and morphotectonic research. Zeitschrift für Geomorphologie, Suppl.
Band, 63:1-7. 1987.
FACINCANI, E. M. et al. Tectonic controls on morphogenesis around São Carlos , Rio Claro and
Piracicaba, São Paulo, State (Brazil). REGIONAL CONFERENCE ON GEOMORPHOLOGY:
The Internacional Association of Geomorphologists (I.A.G). Rio de Janeiro.1999.p.35
GERASIMOV, I., MESCERJAKOV, J.A. Morphostruture. In: FAIRBRIDGE, R.W., (ed.). The
Encyclopedia of Geomorphology.New York: Reinhold Bood, 1969. p. 731-732.

39
HASUI, Y. Neotectônica aspectos fundamentais da tectônica ressurgente no Brasil, In: WORKSHOP
SOBRE TECTÕNICA E SEDIMENTAÇÃO CENOZÓICA CONTINENTAL NO SUDESTE
BRASILEIRO, l. 1990, Belo Horizonte. Anais...Belo Horizonte: SBG-MG, 1990. P.1-31 (Boletim
11).
HASUI, Y., MIOTO, J.A. Geologia Estrutural Aplicada. São Paulo: ABGE, 1992. p.261
HOWARD, A. D. Drainage analysis in geologic intrepretation: A Summation:Am. Assoc. Petrol.
Geol. Bull., v. 51, p 2246-59, 1967.
JAIN, V. E. Geotectônica General. Moscou: MIR, 1980, p.357.
KELLER, E., PINTER, N. Active tectonics: earthquake, uplift and landscape. New Jersey: Prentice
Hall, 1996. 338p
MESCHERIKOV, Y. A. Neotectonics. In: FAIRBRIDGE, R. W. (Ed.) Enciclopédia of
Geomorphology. New York: Reinhold, 1968.p.768-73.
NIELSEN, T. H., MCLAUGHLIN, R.J. Comparison of tectonic framework and depositional patterns
of the hornelen strike-slip basin of Norway and the ridge andlittle sulphur creek strike- slip basin of
California. In: STRIKE-SLIP deformation, basin formation, and sedimentation. Basead on a
Symposium Sponsored by the Society of Economic Paleontologists and Mineralogists. Tulsa:
Society Economic Paleontologists and Mineralogy, 1985. p. 78-103 (Special Publication, 37).
OUCHI, S. Response of alluvial rivers to slow active tectonic movement. Geological Society of
American Bulletin. v.96 p.504-515, 1985.
PIRES NETO, A. G. As abordagens sintético-histórica e analítico-dinâmica, uma proposição
metodológica para a geomorfologia. São Paulo: 1991.p.302. Tese (Doutorado) Departamento de
Geografia-Universidade de São Paulo.
READING, H. G. Caracteristics and recognition of strike-slip fault system. In: BALLANCE, P. F.,
READING, H. G. Sedimentation in oblique-slip mobile zone. Oxford: Backwell Scientific, 1980.
p.7-26.
SAADI, A. Ensaio sobre a morfotectônica de Minas Gerais. Belo Horizonte: 1991. Tese (Professor
Titular) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais.
SAADI, A. Neotectônica da plataforma brasileira: esboço e interpretação preliminares. Revista de
Geociências-Geonomos, v.1, p. 1-15, 1993.
SALAMUNI, E. Tectônica da Bacia Sedimentar de Curitiba (PR). Rio Claro: 1999. Tese de (Douto-
rado). Instituto de Geociências e Ciências Exatas-Universidade Estadual Paulista.
SANTOS, M. Serra da Mantiqueira e o Planalto do Alto Rio Grande: a bacia terciária de Aiuruoca e
evolução morfotectônica. Rio Claro: 1999.134p. Tese (Doutorado). Instituto de Geociências e Ciên-
cias Exatas-Universidade Estadual Paulista.v.2
SCHUMM, S. A. Alluvial river responde to active tectonics. Active Tectonic. Studies in geophysics.
National Academy Press, 1986. p.80-94.
SENA COSTA, J. B.; HASUI, Y; PINHEIRO, R.V. L. Bacias Sedimentares: Aspectos gerais da
geometria, desenvolvimento, preenchimento e inversão. Editora Universitária da Universidade Fede-
ral do Para. Belém. PA. 1992. p116.
SILVA, C.L. Aspectos Neotectônicos do Médio Vale do Rio Mogi-Guaçu: Região de Piraçununga.
Rio Claro: 1997.169p. Dissertação (Mestrado) Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Univer-
sidade Estadual Paulista.
SOARES, P. C. et al. Análise morfoestrutural regional com imagens de radar e landsat na Bacia do
Paraná. In: SIMPÓSIO REGIONAL DE GEOLOGIA 3, Curitiba, Atas... Curitiba, S.B.G, 1981. v.
1, p 201-216.
STEWART, I. S., HANCOCK, P.L. Neotectonics. In: HANCOCK, P.L. (Ed.) Continental
deformation. Pergamon Press, New York. 1994. p 370-409.
SUMMERFIELD, M. A. Global geomorphology: in introduction to the study of landforms. New
York: Logman Scientific & technical. 1991. p.537.
SUMMERFIELD, M. A. Global tectonics and landform development. Progress in Physical
Geography, 12:388-404. 1988.
SUMMERFIELD, M. A. Neoctectonics and landform genesis. Progress in Physical Geology 11:384-
397.1987.
SUMMERFIELD, M. A. Tectonic geomorphology macroscale perspectives. Progress in Physical
Geography, 10: 227-238.1986.
SYLVESTER, A. G. Strike-Slip Faults.Geol. Soc. Am. Bull.,v. 100, p.1666-1.703, 1988.
APOIO FINANCEIRO- FAPESP- PROC.-95/4417-3.

40
Políticas Públicas e o
Desenvolvimento da
Educação Escolar
Indígena Terena do
*

Mato Grosso do Sul


Rosely Fialho de Carvalho**

INTRODUÇÃO Aldeia Bananal. Posteriormente será


Para ter uma compreensão dos pro- feito o histórico da educação escolar
blemas pelos quais vem passando os indígena Terena e as considerações fi-
educadores, educandos e todos os de- nais.
mais segmentos da sociedade que es-
tão envolvidos direta ou indiretamente DESENVOLVIMENTO
com a educação escolar indígena Os Terenas antes de chegarem ao
Terena no Mato Grosso do Sul, especi- Brasil, por volta de fins do século XVIII
almente os da aldeia Bananal, farei a viviam em territórios Chaco Paraguaios
seguir um histórico da situação escolar e segundo Silva: 1949, em uma área de
indígena terena enfatizando o Núcleo 29º de Lat. Sul situado entre a margem
Escolar “General Rondon” da aldeia direita do Rio Paraguai e nos limites do
Bananal. Esta escola encontra-se loca- noroeste do Chaco. Esta, era uma pla-
lizada no distrito de Taunay, município nície com algumas elevações de clima
de Aquidauana, sudoeste de Mato Gros- ameno no verão e no período de junho
so do Sul. a agosto que corresponde ao período
A metodologia utilizada para a reali- do inverno a temperatura caia chegan-
zação da pesquisa foi a etnografia, ten- do inclusive a congelar as chuvas. A
do em vista que existe uma proximida- mata era abundante permitindo aos ín-
de entre o assunto pesquisado, minha dios viverem da caça e da pesca e por
vivência pessoal e experiência como ser uma região próximo de rios e lago-
*
Artigo apoiado na Dissertação de pesquisadora. A etnografia permitiu a as eram bons pescadores.
Mestrado em Educação Brasileira, visão dos problemas educacionais que No início do século XVIII, os índios
apresentada pela autora ao Curso afetas o aspecto cultural do grupo e vice já haviam penetrado em território Bra-
de Mestrado em Educação versa, já que ambos estão associados. sileiro que corresponde ao atual Mato
Brasileira do Centro de Educação
da Universidade Federal de
Farei no primeiro momento um bre- Grosso do Sul. Não se sabe ao certo se
Santa Maria – RS ve comentário da etno-história do povo isso ocorreu devido as pressões de ou-
**
Professora Substituta do Terena para que possamos verificar os tras tribos do Chaco ou pelas vantagens
Departamento de Letras e principais fatores que influenciaram na do comércio intercolonial. Essa mudan-
Educação da UFMS mudança cultural dos índios Terenas da ça territorial dos Terenas ocorreu até o

41
final do século XIX. Segundo Carvalho que estavam estabelecendo entre as
(1992, p 472): comunidades.
... Em 1841, o último grupo Terena Nesse período os índios começaram
no Paraguai (o dos caciques lu- a necessitar de alguns produtos como:
sitanos, purutué e ticu), que vivia remédios, tecidos e alguns outros pro-
no fértil e cobiçado Vale de dutos necessários para suprir as suas
Narãnjati, havia sido obrigado a necessidades. Diante disso, muitos de-
migrar para o Brasil (como vi- les acabavam vendendo além dos pro-
nham fazendo, desde o século dutos agrícolas excedentes os produtos
XVIII, os outros grupos guaná),... de seu próprio consumo. Dessa forma,
Em território Brasileiro a maioria da começam a trabalhar nas fazendas pró-
população indígena instalaram-se nas ximo das reservas como peões. O re-
proximidades do rio Miranda, onde atu- sultado desse contato somado a outros
almente existe três aldeias que são: fatores contribuíram para acelerar a
Lalima, Cachoeirinha. Segundo Taunay descaracterização sociocultural das tri-
(1993, p.19): bos.
O distrito de Miranda ao tempo A maioria dos índios por uma ques-
de invasão paraguaia mais de dez tão de sobrevivência assimilaram os
aldeamentos de índios havia. For- valores culturais da sociedade não ín-
mavam os terenas, a maior parte dia e começaram a sentir vergonha de
da população, autochtone; As sua própria raça devido as discrimina-
suas aldeias estavam situadas no ções sofridas na cidade vizinha.
naxedade, a seis léguas da Villa Atualmente a habitação Terena, não
de Miranda; no Ipegue, a sete e possui quase nenhuma semelhança com
meia; Na Cachoeirinha, e em ou- os padrões arquitetônicos do período em
tro lugar a três léguas, constitu- que viviam no Chaco. Em Bananal a
indo um aldeamento chamado maioria das habitações seguem o pa-
grande, além de outros pequenos drão arquitetônico das cidades
centros. Três a quatro mil indiví- circunvizinhas. São feitas de tijolos e
duos viviam nesses diversos pon- cobertas por telhado comum. Contudo
tos. no interior da reserva ainda são encon-
Na segunda metade do século XIX, tradas algumas habitação com paredes
ocorreu a guerra do Brasil e Paraguai, de pau a pique ou alvenaria sem reboco
que fez com que acelerasse a mudan- e cobertos de sapé. Segundo os índios
ça na estrutura social dos Terenas di- essas coberturas tornam o ambiente
ante dos contatos interétnicos estabe- mais fresco no verão e mais quente no
lecidos entre essa população e a socie- inverno.
dade não índia. Hoje quase todos os costumes trazi-
Durante as lutas na qual houve a dos dos Chaco desapareceram e deram
participação da população indígena jun- lugar a valores da cultura ocidental.
to as tropas brasileiras houve a destrui- Atualmente esses índios além de
ção de muitas aldeias provocando a agricultores servem de mão de obra das
miséria de muitos índios além do fato usinas que fazem contrato nas aldeias
de que muitos deles tiveram que viver com os chefes de posto. Quando não
como prisioneiros em algumas fazen- estão trabalhando como empregados,
das da região de Mato Grosso do Sul. permanecem nas reservas trabalhando
Após o término da guerra do na agricultura de subsistência.
Paraguai, houve o aumento de criado- No século XX, em 1910 houve a cri-
res de gado próximo das reservas indí- ação do S.P.I (Serviço de Proteção ao
genas que provocou uma maior proxi- Índio), apesar dos problemas adminis-
midade entre a comunidade não índia e trativos, creio que para os Terenas, que
a indígena. Essa aproximação ocorreu encontravam-se desestruturados cul-
devido as novas relações de trabalho turalmente em conseqüência dos con-

42
flitos inter-étnicos com a sociedade re- cidades com o objetivo de dar continui-
gional, nesse momento, a política dade aos estudos. Este é um dos refle-
assistêncialista da instituição favoreceu xos da presença da escola na aldeia,
o grupo tribal. Quanto a estrada de fer- que através do corpo docente e lide-
ro Noroeste do Brasil, apesar de ter ranças indígenas incentivam a conti-
forçado ainda mais os contatos com a nuidade dos estudos.
sociedade regional, foi, sem dúvida, uma No que refere-se a mudança na po-
alternativa de trabalho, que já nesse lítica interna da aldeia, segundo Modes-
momento, muitos índios encontravam- to1 (1991,p. 37), atualmente a escolha
se em estado de miséria conforme os dos caciques é feita através de eleição,
escritos de Altenfelder (1949). portanto perdeu-se o costume antigo de
Ainda em 1910 as missões religio- se escolher a pessoa mais antiga da al-
sas protestantes começaram a chegar deia e que merecia a confiança dos
nas aldeias. Com isso dá-se o início de moradores da comunidade. Percebe-se
uma nítida divisão entre a comunidade, que a população Terena está a cada dia
dessa vez não de divisão de classes que passa assimilando e adaptando-se
como ocorria no Chaco, mas uma divi- mais facilmente aos costumes e impo-
são religiosa entre os grupos católicos sições culturais externas. Apesar de
e protestantes. alguns valores tradicionais ainda esta-
A prática do comércio excedente, rem fazendo parte de seu dia-a-dia, a
está incorporado na vida cotidiana da maioria desta população encontra-se
população Terena e da sociedade regi- desestruturada culturalmente e com
onal, que resultou na garantia de alguns bastante dificuldade para lutar pela ga-
pontos comerciais nas ruas ou praças rantia de sua sobrevivência.
das cidades de Aquidauana e Campo Ainda em relação ao índio que sai
Grande, para que possam desenvolver da aldeia, atualmente, eles podem ser
neles as suas atividades. encontrados entre as populações vizi-
Além do comércio de produtos agrí- nhas das aldeias morando com suas fa-
colas, eventualmente em Aquidauana, mílias, ou quando vão estudar, morando
aparecem índios Terena, vindos das al- com irmão, parentes, ou em casas de
deias localizadas próximo a cidade de estudantes mantidas pelo governo es-
Miranda – MS, para realizarem as ven- tadual ou pelas próprias famílias.
das de cerâmica e cestarias, por causa Segundo Marcio Justino Marcos –
da dificuldade em conseguir a matéria índio Terena – somente na capital de
prima, e pela falta de pessoas para en- Mato Grosso do Sul existe cerca de dois
sinar o artesanato. É comum entre os mil índios desaldeados. Este número
índios de Aquidauana a confecção de expressivo, possibilitou a organização e
abanicos, anéis de coco e colares. fundação da Associação de Índios
Muito raramente, entre os Terenas, Desaldeados de Campo Grande.
encontram-se índios criadores, ou me- Nos depoimentos de alguns índios
lhor, que possuem um número múltiplo desaldeados, verificou-se que o princi-
de cabeças gado. Creio que a maioria pal motivo que os levam a sair de suas
dos índios aldeados não possuem a aldeias está relacionado principalmente
ambição material que a sociedade não ao fator econômico e ao objetivo de
índia possui. Não existe entre eles, apa- “melhorar de vida”. Para a melhor
rentemente, um preocupação em me- compreensão desse fato, precisa-se
lhorar ostensivamente o seu padrão de considerar o aspecto fundiário da re-
vida material. O que vem acontecendo gião. A maioria dos aldeamentos encon-
nos últimos anos é o interesse dos jo- tram-se com um número bastante ele-
vens, apoiados pelos pais, em dar con- vado de habitantes, isto devido ao alto
1
tinuidade aos estudos em escolas que índice de natalidade, as terras a cada
Índio Terena residente na Aldeia
Bananal e ex-vereador da cidade de estão localizadas nas cidades. Nesse dia que passa estão mais estreitas devi-
Aquidauana. caso muitos jovens mudam-se para as do ao crescimento populacional, não

43
havendo mais espaço para a expansão. comum engravidarem muito cedo nas
Além disso, não há uma política agríco- cidades ou mesmo nas aldeias e encer-
la para que ocorra um melhor aprovei- ram as suas atividades estudantis nes-
tamento territorial para a produção agrí- se momento.
cola.
Apesar deste trabalho tratar espe- 3º GRUPO:
cificamente da educação indígena, clas- Esse grupo é constituído de famílias
sifiquei os moradores indígenas que formadas, neste caso, com filhos, e de
saem das aldeias temporariamente ou famílias recém formadas como no caso
definitivamente na busca da concre- de mulheres ou homens que se casam
tização de seus sonhos ou da garantia com moradores de outras aldeias ou
de sua cidadania, em quatro grupos dis- mesmo de outros grupos indígenas ou
tintos. Estas informações serão úteis das cidades. Algumas mudam definiti-
para melhor entender os conflitos por vamente, principalmente quando conse-
que passam a população indígena guem um espaço no mercado de traba-
Terena em relação a educação escolar lho. Caso contrário acabam voltando
indígena. para trabalharem na própria aldeia ou
para viverem com parentes. Existem
1º GRUPO: vários casos de famílias de índios que
É constituído por parte da população atualmente estão vivendo nas cidades
masculina que saem contratados pelas circunvizinhas, tendo para isso garanti-
destilarias de álcool. O contrato normal- do um espaço no mercado de trabalho
mente é feito na aldeia com o chefe de ou na vida pública do Estado, neste caso,
posto e com a autorização do cacique. exercendo a função de vereador, algum
Estes trabalhadores acabam sempre cargo político, auxiliar de pedreiro, em-
voltando quando termina o período de pregadas domésticas ou lavadeiras –
corte da cana-de-açúcar, função esta de- profissão bastante comum entre as
sempenhada basicamente pelos índios. mulheres, funcionários da RFFSA ou
Quanto ao dinheiro ganho na maioria das FUNAI, ou professores primários e me-
vezes não é bem aproveitado pelas fa- rendeiras.
mílias, pois os homens acabam gastando
grande parte no consumo de bebidas al- 4 GRUPO:
coólicas no distrito de Taunay, no muni- Neste, estão reunidos apenas estu-
cípio de Aquidauana. Neste grupo en- dantes que nos últimos dois anos têm
contram-se muitos jovens que abando- freqüentemente saído das aldeias para
nam a escola para irem trabalhar. De dar continuidade aos estudos, seja a ní-
vivência coletiva os índios têm enorme vel secundário, ou ainda, em alguns ca-
dificuldade de suportar a solidão e a sos para freqüentarem universidades.
impessoalidade dos locais de trabalho. O que normalmente acontece nestes
casos é que muitas famílias não conse-
2º GRUPO: guem cobrir os gastos dos filhos nas ci-
Constituído por uma parte da popu- dades e que, por essa razão, estes aca-
lação feminina mais jovens das aldeias. bam voltando para as aldeias. Há ainda
As mais velhas normalmente trabalham estudantes que passam no vestibular e
na plantação de produtos agrícolas de não conseguem acompanhar o desen-
subsistência e de excedentes para pos- volvimento do curso.
teriormente vendê-los nas cidades Estes grupos quando voltam para as
circunvizinhas. Essas mulheres mais suas aldeias, em alguns casos, acabam
jovens, entretanto, saem das aldeias levando consigo hábitos e atitudes que
contratadas como empregadas domés- não contribuem para a melhoria da qua-
ticas, e, acabam, na maioria das vezes, lidade da vida tribal.
voltando para casar-se com os própri- O processo de urbanização dessa
os índios ou para criarem filhos, pois é população resulta em conseqüências

44
favoráveis e desfavoráveis para a cul- pos, seguido de nenhuma vitória. Este
tura tribal. No primeiro caso, pode-se fato foi registrado na eleição que ocor-
destacar a atuação de alguns índios com reu no ano de 1992 em Aquidauana.
uma consciência mais crítica em rela- Penso que este comentário, sobre o
ção ao seu grupo, atuando em prol da processo histórico da nação Terena po-
causa indígena. No segundo caso, en- derá contribuir para verificar o grau de
contra-se uma parcela maior da popu- acultuação desses índios na atualidade,
lação desaldeada que assimilaram os e desvelar os principais fatores que in-
valores da sociedade envolvente e de- fluenciaram para que este fato ocorres-
fendem a ideologia dominante como se, e que determinam os modelos edu-
sendo a sua. Neste caso, o resultado é, cacionais em vigor.
principalmente entre os índios jovens, o Em relação a educação escolar in-
desinteresse e a não valorização das dígenas, no Mato Grosso do Sul, os mis-
tradições culturais, passando, então, a sionários Capuchinhos foram os primei-
sentir vergonha de sua raça. Entre es- ros a chegarem ao Brasil no ano de 1840
ses grupos normalmente ocorre a e começaram a ter parte do controle da
cooptação política por parte do poder catequese dos índios. A sua atuação se
público municipal. Quando acontece a deu mais intensamente no território de
cooptação, os resultados são desastro- Mato Grosso, área que atualmente
sos para a política interna do grupo abrange Mato Grosso e Mato Grosso
Terena. Esta por estar muito próxima do Sul.
das cidades, adotou como referência de O primeiro missionário que trabalhou
política, o modelo municipal vigente, in- em Mato Grosso foi o Frei Antônio
clusive para fazer a escolha de caci- Molinetto, que chegou em Miranda no
ques das aldeias. As escolhas internas dia 28 de outubro de 1849. Todavia, não
do grupo, em muitos casos, estão dire- obteve sucesso devido a oposição do
tamente relacionadas com algum acor- Diretor do índios e Diretor dos Aldea-
do político pré-estabelecido entre lide- mentos no que se refere ao desenvolvi-
ranças indígenas e políticos não índios. mento de seus trabalhos. Diante disso,
Outro aspecto a considerar é com a sua permanência em Miranda2 foi de
relação a participação da população apenas dois anos.
Terena na vida política municipal. Em Após a saída do Frei Antônio de
alguns municípios sul mato-grossenses, Molinetto, como já foi mencionado an-
o voto dos índios define a eleição para teriormente, chega em Mato Grosso do
prefeito. Normalmente, quando iniciam- Sul o Frei Mariano de Bagnaia, que,
se as formações de alianças e escolhas segundo Sganzerla (1992, p.287), tinha
de candidatos a vereadores municipais como único objetivo a conversão dos
muitos índios Terena são convidados a índios ao cristianismo. Para isso “apre-
candidatarem-se por determinados par- ende a língua, estuda os costumes e
tidos que possuem como objetivos im- evangeliza aqueles pagãos, que aos
plícitos aumentar o número de votos poucos os transforma em cristãos
para o coeficiente eleitoral do partido. praticantes”.
Ao final da eleição, quando alguns des- Frei Mariano de Bagnaia chegou em
ses índios conseguem ser eleitos, não Miranda em 1859 e permaneceu até
cumprem seus compromissos com a 1864. Nesse período, a legislação vigen-
sua comunidade e lutam apenas para o te para a atuação dos missionários, ins-
bem estar social e econômico seus e tituída pelo governo Imperial, era o De-
de seus familiares. Há ainda casos em creto nº 426 de 1845.
que, devido a influência dos políticos Entre outros itens, o Decreto tinha
locais, ocorreu o lançamento de um ve- como finalidade dar “instrução primá-
2
Nesse período a cidade de reador por aldeia, todos pertencentes a ria” aos índios, porém até aqui não ha-
Miranda abrangia todo o território
que atualmente está localizada a um único posto indígena. O resultado via nenhuma preocupação em oferecer
cidade de Aquidauana. foi a divisão e desarticulação dos gru- uma educação diferenciada para essa

45
população. Era apenas a continuação particular e vinculada a igreja Uniedas.
do trabalho desenvolvido pelos jesuítas O processo educacional indígena
que consistia em ensinar a ler e a es- começa a dar os primeiros passos de
crever, e, o que mudava nesse momen- mudança quando por ocasião da elabo-
to, era a necessidade maior em prepa- ração do Estatuto do Índio (Lei 6001,
rar mão-de-obra, sobretudo, para a eco- 1973), que tornou obrigatório o ensino
nomia que se baseava na agricultura. bilíngüe. Porém, na prática, essa
Paralelo a atuação dos missionários obrigatoriedade tornou-se inviável, isto
Capuchinhos no Sul de Mato Grosso que devido, principalmente à inexistência de
além da catequização, desenvolveram recursos humanos habilitados para tra-
trabalhos de forma informal no ensino balhar com o bilinguísmo, que era uma
primário, houve a presença dos missio- das metas básicas à serem atingidas.
nários protestantes que também traba- Além disso, verifica-se explicitamente
lharam informalmente na parte educa- no artigo 50 do Estatuto do Índio que o
cional. Ainda hoje o Summer3 perma- principal objetivo da FUNAI era a
nece desenvolvendo seus trabalhos na “...integração a comunidade nacio-
comunidade Terena. nal...” Diante disso, fica evidente o
Existe ainda o Conselho Indígena porque do pouco desenvolvimento ocor-
Missionário - CIMI, que atua junto a rido na educação diferenciada, e de
população Terena de Cachoeirinha. O qualidade.
CIMI é uma entidade não governamen- Somente nos dois últimos anos, é que
tal ligada a pastoral da Igreja Católica. o Estado é obrigado a preocupar-se com
O trabalho desenvolvido na área edu- essa problemática, isto em decorrência
cacional incorpora as discussões mais da publicação da Portaria Interministral
recentes sobre a educação escolar in- de 16 de abril de 1991, na qual definiu-
dígena. se as diretrizes básicas a serem segui-
O trabalho mais recente, entre os das pelos programas educacionais nas
Terena está sendo feito pela Associa- comunidades indígenas. O objetivo da
ção de Educadores Católicos e tem portaria foi de:
como objetivo formar e habilitar o pro- ...garantir que as ações educaci-
fessor índio Terena e Kadiwéu para atu- onais destinadas às populações
arem nas escolas de 1ª a 4ª séries do 1º indígenas fundamentem-se de
grau que estão localizadas nas aldeias suas organizações sociais, costu-
indígenas. O trabalho iniciou através do mes, línguas, crenças, tradições e
estabelecimento de contatos realizados nos seus processos próprios de
por algumas lideranças indígenas transmissão do saber...
desaldeadas com a presidente da refe- Posteriormente, como desdobra-
rida associação. O curso de magistério mento da Portaria Interministerial nº559/
iniciou em 1994 e tem o término previs- 91, saíram as Portarias nºs 60/92 e 490/
to para 1995. Está sendo realizado com 93 instituindo no Ministério da Educa-
a prestação de serviços de professores ção e do Desporto o Comitê de Educa-
da rede estadual de ensino e com re- ção escolar Indígena e a Assessoria de
cursos financeiros vindos do exterior. Educação Escolar Indígena, com o ob-
Porém por ser o primeiro trabalho de- jetivo de “subsidiar as ações e pro-
senvolvido por esta equipe, na área de porcionar apoio técnico-científico às
educação escolar indígena Terena, ain- decisões que envolvem a adoção de
da é muito cedo para fazer uma avalia- normas e procedimentos relaciona-
ção a respeito. dos com o programa de Educação
Além dessas instituições, hoje o dis- Escolar Indígena”, ficou decidido que
trito de Taunay possui a Escola Evan- para a composição do comitê deveriam
3
Entidade religiosa que trabalha gélica que atende a clientela do distrito ser feitas consultas às associações ci-
com a tradução da bíblia e
elaboração de cartilhas sobre a e algumas crianças índias das aldeias entíficas, às secretarias estaduais que
língua Terena. que compõe o PI Taunay. A escola é trabalham nessa área.

46
Passados oito meses após a criação as escolar, elaboração, publicações e
do Comitê, o Ministério da Educação e aquisição de materiais didáticos. Enfim,
do Desporto, através da portaria nº 490 o documento assegura a organização de
de 18/03/93 designou seus membros ti- uma escola que atenda os interesses
tulares e os suplentes. Este ficou com- plenos dos índios em geral.
posto por representantes do Ministério No caso da educação indígena em
de Educação e do Desporto, Fundação Mato Grosso do Sul, acrescentou-se, por
Nacional do Índio, universidades, Con- iniciativa do Governo Estadual as “Di-
selho dos Secretários de Educação, retrizes Gerais das Educação Escolar
Associação Brasileira de Antropologia, Indígena”, como documento norteador.
Associação Brasileira de Lingüística e Sabe-se que a proximidade entre a
organizações não governamentais. A comunidade indígena e a sociedade
composição do comitê reuniu 07 repre- envolvente tem-se intensificado a cada
sentantes não índios e 03 representan- ano que passa, e a presença das esco-
tes índios das regiões norte, centro-oes- lar tornou-se indispensável. Porém, para
te e sul. que esta escola contribua para que ocor-
A assessoria quando foi criada, ti- ra uma mudança quantitativa nas aldei-
nha o objetivo de encaminhar as reco- as é necessário que ela passe por algu-
mendações do Comitê e acompanhar e mas mudanças em toda a sua estrutu-
avaliar as ações educacionais indígenas ra, envolvendo principalmente o currí-
do Estado. Na sua composição ficaram culo escolar e a qualificação do corpo
excluídas as organizações não gover- docente.
namentais e representantes indígenas. A partir da aprovação do Estatuto
Outro avanço significativo referen- do Índio – 1973, a FUNAI passou a de-
te ao aspecto legal, ocorreu no ano de senvolver os trabalhos através de con-
1993, quando foi elaborada as Diretri- vênios estabelecidos com SIL –
zes para a Política Nacional de Educa- SUMMER Institute of Linguístics, e
ção Escolar Indígena pelo Comitê de outras missões, conferindo-lhes total li-
Educação Escolar Indígena. Este tra- berdade de atuação junto a população
balho contou com a colaboração de re- indígena nos campos da “Educação,
presentantes de entidades governamen- saúde e assistência comunitária”.
tais e indígenas. Segundo as Diretrizes Dessa forma o SUMMER Institute
(1993, p.09); of Linguístics, iniciou uma pesquisa so-
... este documento será instrumento bre a língua Terena, com o objetivo de
essencial na implantação de uma elaborar cartilhas para a implantação de
política que garanta, ao mesmo “programas de educação bilingüe”,
tempo, o respeito à especificidade realizados pelo Departamento Geral de
dos povos indígenas (frente aos Planejamento Comunitário/Divisão de
não-índios) e a sua diversidade Educação, de acordo com a portaria nº
interna (linguística, cultural, his- 75/n de 06 de julho de 1972. O resulta-
tórica). do da pesquisa foi a publicação de
Com essa publicação será possível cartilhas em quatro volumes, em 1976,
encontrar um respaldo legal no que re- pelo Summer de Brasília – DF. Em seu
fere-se a construir uma escola indíge- conteúdo constam frases escritas em
na que acima de tudo seja, segundo as Terena, com notas de rodapé traduzin-
Diretrizes para a Política Nacional de do as frases para o português.
Educação Escolar Indígena (1993) Em 1980, surgiu a União das Na-
“...específica e diferenciada inter- ções Indígenas do Centro Oeste. Se-
cultural e bilíngüe”, assegurando a gundo Domingos Veríssimo4 foi a partir
formação de recursos humanos indíge- daqui que aprofundaram-se as discus-
nas, igualdade para a carreira do ma- sões sobre a questão indígena no Mato
4
Índio Terena, presidente da UNI gistério em relação aos demais docen- Grosso do Sul. O principal objetivo da
do Centro Oeste. tes não índios, recursos financeiros para UNI/Centro Oeste é dar assistência

47
para as comunidades indígenas, no que estadual, para discutir a educação indí-
refere aos aspectos fundiários, saúde, gena. O evento denominado ‘I Encon-
educação e qualquer outro problemas tro Estadual Indígenista”, foi promo-
das comunidades indígenas. vido pela Secretaria Estadual de Edu-
Em 1987, o Centro de Estudos cação de Mato Grosso do Sul, e teve
Indigenistas – CTI, apresentou a Se- como objetivo conhecer e refletir sobre
cretaria Estadual de Educação um pro- a situação e perspectivas da educação
jeto educacional que tinha como princi- indígena regional para, posteriormente,
pal preocupação a elaboração de ma- elaborar propostas alternativas que ser-
terial pedagógico condizentes com a re- vissem para a definição de uma política
alidade tribal Terena. A experiência educacional para as populações indíge-
realizou-se na aldeia Cachoeirinha, lo- nas estaduais. Participaram do evento
calizada nas proximidades da cidade de 70 professores que lecionavam no en-
Miranda, Mato Grosso do Sul, com alu- sino de 1ª a 8ª séries, nas escolas loca-
nos de 1º a 4º séries. Como resultado lizadas em aldeias indígenas da tribo
do trabalho surgiu um novo modelo de Terena do Mato Grosso do Sul. Além
“cartilha Terena” para ser trabalhada desses professores o evento contou com
com os alunos das séries iniciais. Este a participação e colaboração das lide-
trabalho contou com a colaboração e ranças indígenas, lingüistas, antropólo-
participação de professores terena da gos, representantes de entidades gover-
aldeia Cachoeirinha e antropólogos. namentais e não-governamentais. Nos
A cartilha foi dividida em três par- grupos de trabalho do encontro, foram
tes, como podemos ver a seguir: abordados e discutidos questões refe-
1º parte: Valorização da criança rentes a metodologia de ensino da edu-
Terena; cação indígena, língua materna, materi-
2º parte: É tratado o passado do povo al didático, currículos das escolas indí-
Terena, no período em que havia genas, formação de recursos humanos,
abundância de caça, fartura de pro- alfabetização e ensino bilíngüe, meca-
dutos vegetais, integridade da reli- nismos de ação coordenada à educa-
gião tribal, e a medicina era natural, ção indígena e infra-estrutura das es-
além de mostrar também as mudan- colas. Além disso deveria ser garantida
ças ocorridas no comportamento cul- uma política educacional e o acompa-
tural da tribo. nhamento e avaliação da proposta.
3º parte: Aborda a identidade cultu- Em fevereiro de 1991, realizou-se
ral atual, os mecanismos de sobre- em Campo Grande um Encontro de
vivência adotados pelo grupo, as Educação Escolar Indígena, com o ob-
questões relacionadas à terra e os jetivo de “Traçar linhas e diretrizes
problemas atuais do cotidiano. para as escolas indígenas do Esta-
Para acompanhar a cartilha, foi ela- do”.
borado um caderno de exercícios com Concomitante a tramitação legal a
a finalidade de auxiliar o professor no nível nacional, no Mato Grosso do Sul,
desenvolvimento das atividades esco- as discussões a respeito da educação
lares. Nesse material foram usados fo- escolar indígena intensificaram-se e
tografias retratando algumas atividades houve em Aquidauana um encontro de
culturais comuns para o dia-a-dia da lideranças indígenas que foi denomina-
criança Terena. Entre as fotos publi- do “I Encontro Interistitucional de
cadas aparecem a dança-do-bate-pau- Educação Indígena”.
curadores, e retratos do povo Terena. No “Encontro Interistitucional de
O objetivo foi fazer uma ilustração de Educação Indígena”, também foi dis-
acordo com a realidade tribal5. cutida e adequada a proposta de edu-
5
A publicação desse material foi Nos dias 22/24 de setembro de 1990, cação indígena que havia sido apresen-
feita pela Secretaria de Educação do
Estado de Mato Grosso do Sul, em em Campo Grande – Mato Grosso do tada inicialmente ao coordenador da
julho de 1989. Sul, foi realizado um encontro, a nível Pró-Reitoria, de acordo com a portaria

48
559, de 16 de abril de 1991, que contou cursos de capacitações dos professo-
com o aval e a colaboração de repre- res das comunidades Terena. A partir
sentantes de 19 aldeias da tribo Terena daí o Setor de Educação Indígena da
do Centro-Oeste de Mato Grosso do Sul. SEE/MS, passa ser assessorado pela
A discussão desta proposta foi um dos professora Aldema Menine Trindade.
principais pontos da pauta e serviu de Sob a coordenação da mesma pro-
subsídio, juntamente com os relatórios fessora, realizou-se em Campo Grande
finais dos encontros ocorridos no MS e – MS, no dia 25 de março de 1992, o
todos os Decretos e portarias, para a próximo encontro que analisou e discu-
elaboração das “Diretrizes da Educa- tiu as diretrizes da educação escolar
ção Indígena no Mato Grosso do indígena do MS, promovido pela Secre-
Sul”, produção da Secretaria de Esta- taria do Estado de Educação. Neste
do da Educação do MS. reuniram-se representantes das Agên-
Neste encontro foi possível reunir cias de Educação das cidades de Três
lideranças indígenas, representantes de Lagoas, Dourados, Jardim, Ponta Porã,
órgãos Federais, Estaduais e Municipais, Naviraí, Aquidauana, Corumbá, repre-
para discutir a educação indígena, além sentantes das Secretarias Municipais de
de ter possibilitado que as lideranças Educação de Dourados, Nioaque e
educacionais do Estado tomassem co- Eldorado, dos professores Guarani-
nhecimento do que vinha sendo discuti- Kaiowá de Dourados, Terena da comu-
do a nível de educação para o índio. nidade de Dourados, UNI, liderança
A partir do Encontro realizado em Terena, FUNAI / Campo Grande e
Aquidauana, a Pró-Reitoria de Exten- Conselho Indigenísta Missionário de
são e Assuntos Estudantis da UFMS Campo Grande e Dourados.
em parceria com a SEE/MS/MS, a pe- Nesta reunião, como resultado das
dido da comunidade Terena, começou discussões realizadas em fóruns e de-
a desenvolver o “Programa de Educa- bates no Estado de Mato Grosso do Sul
ção Indígena Terena” com o apoio da foram elaboradas as “Diretrizes da
FUNAI, UNI Centro-Oeste MS., Se- Educação Escolar Indígena de Mato
cretaria Estadual Educacional de Grosso do Sul” (1993, p.13), que tem
Aquidauana e Agência Regional de como principal preocupação:
Educação ARE II. ...criar condições necessárias que
Como parte dos projetos, foram re- assegurem às comunidades indí-
alizados, durante o ano de 1991, dois genas a elaboração, operacio-
cursos foram divididos em cinco eta- nalização e avaliação de propos-
pas. O objetivo era atender os profes- tas curriculares que preservem e
sores de 1ª a 4ª séries que trabalhavam fortaleçam seus costumes, sua
na alfabetização de crianças e cultura, seus processos próprios
monitores dos cursos de alfabetização de aprendizagem e, ao mesmo tem-
para jovens e adultos. Os cursos foram po, proporcionem o domínio dos
ministrados pela professora Aldema códigos nacionais como elemen-
Manine Trindade da UFMS, que desen- to de interação com a sociedade
volveu seu trabalho na área da envolvente.
metodologia do ensino. Após este encontro a Secretaria
No final de 1991 a SEE/MS nomeia Estadual de Educação de Mato Grosso
um técnico educacional professora do Sul, organizou vários encontros en-
Marina Vinha, para trabalhar na área tre os técnicos das Secretarias Munici-
da educação escolar indígena. pais de Educação para discutir a edu-
Na continuidade, em 1992 foi criado cação indígena. Além destes encontros,
o setor de Educação Escolar Indígena foram oferecidos cursos de capaci-
6
a SEE/MS. Nesse período a UFMS tação6 para os professores que traba-
Curso de etno-matemática,
etno-geografia e metodologia encerra a sua participação no projeto, lham nas áreas indígenas terena do Es-
do ensino. ficando a SEE/MS responsável pelos tado de Mato Grosso do Sul com o ob-

49
jetivo de melhorar a qualidade de ensi- Em relação a educação escolar in-
no oferecidos nas escolar das aldeias. dígena no município de Aquidauana,
Em seguida dos dias 24 a 25 de hoje a SECE – tem sob a sua responsa-
agosto de 1993 a SEE/MS organiza o bilidade escolas em oito aldeias. Só no
“I Encontro SED e técnicos e Secre- Distrito de Taunay a 30 Km., aproxi-
tários Municipais de Educação / Edu- madamente, de Aquidauana existem
cação Indígena, com o objetivo de “Re- cinco aldeias com escolas e que rece-
fletir sobre as questões afetas as popu- bem as seguintes denominações: Aldeia
lações indígenas e a alfabetização das Bananal – Núcleo Escolar “General
crianças índias”. Rondon”, Aldeias Água Branca – Nú-
Os principais problemas detectados cleo Escolar “José de Alencar”, - Al-
e discutidos pelos participantes foram: deia Morrinho – Núcleo Escolar
reprovação, evasão e formação de re- “Paulino Moraes Fonseca”, Aldeia
cursos humanos. Imbirussú – Núcleo Escolar “Imbi-
Nos dias 22 a 23 de agosto de 1994, russú”. Além dessas, na outra extremi-
a SEE/MS promoveu outro evento, des- dade existem a Aldeia Limão Verde –
ta vez para apresentar o livro-texto Núcleo Escolar Limão Verde, e Córrego
“Itatane Vapeyea”(Pedaços de Vi- Seco – Núcleo Escolar Córrego Seco.
da)7. Este foi o resultado de todos os Todos esses núcleos são extensão
encontros realizados entre os técnicos, da Escola Municipal Pré-escolar de 1º
especialistas e professores terena. grau “Visconde de Taunay”, que encon-
No livro são encontrados textos es- tra-se localizada no Distrito de Taunay.
critos na língua portuguesa e outros na Essa escolar foi criada pela Lei Muni-
língua Terena. Estes podem ser utiliza- cipal nº 388 de 11/09/63.
do tanto pelos professores que traba- Na Aldeia Bananal as atividades
lham com o ensino de primeira a quarta escolares iniciaram-se desde a década
série, quanto pelos que lecionam o en- de 20 por iniciativa do SPI, nas instala-
sino de quinta a oitava série. Nele es- ções do prédio do Posto. Nesse perío-
tão reunidas histórias referentes a len- do as aulas eram ministradas por pro-
das, tradições, dia-a-dia, trabalho, en- fessores, que saiam de Campo Grande
fim, Informações sobre a cultura e his- com essa finalidade. Porém, segundo
tória de algumas aldeias do povo Altenfelder (1949), e alguns antigos
Terena. O material foi publicado em moradores da aldeia, não havia regula-
1994, pela Secretaria Estadual de Edu- ridade nessas aulas e por isso possuíam
cação do MS com o apoio da Prefeitu- pouca clientela.
ra Municipal de Aquidauana através da No ano de 1936, foi construído o atu-
Secretaria Municipal de Educação, Cul- al prédio do Núcleo Escolar “General
tura e Esporte. Rondon”. Depois disso, apesar de não
O último encontro oferecido pela termos encontrado registros escritos
Secretaria de Educação do Estado, sobre essa escola, verifiquei que estas
no ano de 1994, realizou-se em Aqui- escolas continuaram funcionando, po-
dauana, e contou com a participação rém sem ter regularidade.
da lingüística Raquel Teixeira da Segundo registros da SECE, no ano
7
O livro-texto denominado Universidade Federal de Goiânia. O de 1983 este colégio estava funcionan-
“Itatane Vapeyea”(Pedaços de objetivo do encontro foi esclarecer do como uma escola isolada. Porém a
Vida), foi elaborado por onze as lideranças indígenas sobre as mu- sua regularização ocorreu no momento
professores terenas, sob a
assessoria da professora Aldema
danças que estão acontecendo a ní- em que tornou-se extensão da Escola
Menine Trindade, durante o vel estadual no âmbito da educação Municipal pré-escolar de 1º grau “Vis-
encontro realizado na cidade de a ser oferecida aos índios, e sobre o conde de Taunay”, por volta do ano de
Miranda – MS, no mês de agosto amparo legal que contempla essa 1984 e 1985, através da Lei 1018/82.
de 1993. Todos os professores que questão. No mesmo encontro foi ofe- No ano de 1973, foi criada a Escola
participaram da elaboração do livro
foram indicados por sua recido um curso sobre a metodologia Pública “Marcolino Lili”, através da Lei
comunidade de origem. de ensino. nº662/73.

50
A partir dos anos de 1984 a 1985 Assim Marta relatou: ...acho que
assim como o “General Rondon”, a fiquei uns três anos na 1ª série, na
“José de Alencar”, e “Marcolino Lili”, segunda comecei a entender um pou-
tornaram-se Núcleos Escolares da Es- co, mas não tanto, mas escrever já
colar Municipal Pré-Escolar de 1º Grau escrevo um pouco né. Aí, quando
“Visconde de Taunay”, através da Lei entrei na 5ª série, também foi em
nº1018/82. Taunay, aí me obrigaram a falar em
Em 1990 o Núcleo Escolar “Gene- português, aí como não sabia muito
ral Rondon”, está sob a responsabilida- falar em português tinha que falar a
de da SECE e voltado para o ensino de língua mesmo. Em Taunay obrigavam
primeira a oitava série. Contudo o re- a gente a conversar em português no
conhecimento do ensino da primeira a meio dos colegas e era proibido fa-
quarta série e a autorização para o fun- lar em Terena.
cionamento do ensino de quinta a oita- Nas aldeias Água Branca, Imbirussú,
va série só ocorreu no dia 06/09/90 con- Morrinho e Lagoinha, encontram-se
forme parecer da DEL.CEE sob o nº uma situação mais heterogênea, pois
2591. Quanto ao ensino de quinta a oi- existem algumas crianças que são bi-
tava só ocorreu recentemente, através língües. Segundo informações de alguns
da autorização da DEL. CEE. Sob o nº pais da Aldeia Lagoinha, a criança re-
3973 de 04/08/94. cebe os ensinamentos das duas línguas
O Núcleo Escolar “Marcolino Lili” desde pequeno, para que ela não en-
atualmente está funcionando com o en- contre muita dificuldade quando for para
sino de 1ª a 6ª séries do 1º grau. a escola passam por grandes problemas
Os núcleos Escolares “Paulino na aprendizagem inicial, em função das
Moraes Fonseca” e “Imbirussú” funci- disciplinas serem ministradas na língua
onam em regime multiseriado, em fun- portuguesa e o conteúdo ser dissociado
ção do número reduzido de alunos. do contexto social em que se encon-
Quanto ao número de alunos, no tram.
ano de 1994 eram os seguintes: Nú- Quanto a situação lingüística dos
cleo Escolar “General Rondon”- 287, professores, desde 1981 a prefeitura
Núcleo Escolar “Marcolino Lili”- 151, vinha desenvolvendo uma política de
Núcleo Escolar “Imbirussú”- 21, Nú- contratar somente professores indíge-
cleo Escolar “José de Alencar”- 116, nas para o ensino de primeira a quarta
Núcleo Escolar “Paulino Moraes Fon- série. Contudo esse quadro sofreu uma
seca”- 23. brusca mudança, a partir de 1994, quan-
Entre os problemas atuais por qual do a SECE, mediante a realização de
passa as escolas do PI Taunay, inclui- concurso público não específico para as
se a situação lingüística. Há uma áreas indígenas, substitui todos os pro-
disparidade muito grande entre as al- fessores índios bilíngües, por professo-
deias que compõe o PI Taunay. Entre res não índios, monolínguísticos e que
todas, dessa localidade, o Bananal é a no início do trabalho desconheciam os
que utiliza mais acentuadamente a lín- aspectos culturais, históricos e
gua no seu dia-a-dia. As crianças des- lingüísticos dos grupos tribais. Perma-
sa aldeia aprendem a língua portugue- neceram no quadro de funcionários so-
8
Marta estudou o primário até a 5ª sa em sala de aula. Segundo Marta8 mente dois professores índios que con-
série na Escola Missionária (1995) que foi alfabetizada em portu- seguiram ser aprovados no concurso
Lourenço Boukman que encontra-
se localizada no Distrito de Taunay
guês:... não entendia nada, aquilo lá realizado, e mais três professores fa-
e concluiu o ginásio no Núcleo era um estranho pra mim, era um es- lantes da língua Terena que fazem par-
Escolar “General Rondon”- Aldeia trangeiro que estava na minha fren- te do quadro funcional da FUNAI, e
Bananal. Atualmente está cursando te, não era uma professora... que são cedidos para a prefeitura de
o magistério indígena oferecido pela A conseqüência desse ensino, foram Aquidauana.
Associação de Educadores
Católicos do Estado de Mato três anos de reprovação na primeira Verifica-se nesse momento, que
Grosso do Sul. série. mesmo com a publicação das Diretri-

51
zes Gerais da Educação Escolar Indí- dantes das comunidades Terena alguns
gena Estadual que assegura no item 2.1 materiais que podem ser utilizados. En-
a utilização da língua materna, e com a tre estes os mais recentes são: a cartilha
publicação da Diretrizes para a Política elaborada pelos professores terena da
Nacional de Educação Escolar Indíge- aldeia Cachoeirinha com a colaboração
na, que garante no item 3.4 o uso da do CTI, bem como o livro-texto Itatane
língua materna e bilinguísmo, as insti- Vapeyea – Pedaços da Vida, elaborada
tuições de ensino responsáveis pelas pelos professores das aldeias Terena do
áreas indígenas, especialmente a de MS, como parte do programa desen-
Aquidauana, não preocupou-se ainda volvido pela SEE/MS. Além desses,
em respeitar esses princípios. existe o livro Breve Painel Etno-históri-
Sobre o quadro de professores da co do Mato Grosso do Sul, escrito pelo
SECE, atualmente, como já foi escrito professor Gilson Rodolfo Martins como
acima, são todos concursados, gradua- parte das metas do “Projeto de Apoio
dos. Existem dois ou três casos de pro- à Educação Indígena do Estado”,
fessores contratados que não fizeram realizado pela Pró-Reitoria de Exten-
o concurso público. A maioria são não são e Assuntos Estudantis, UFMS. Este,
índios e moradores da cidade de traz em seus conteúdos de forma bas-
Aquidauana. tante simples e didática um histórico
O transporte diário dos professores de todos os grupos indígenas que vivem
de Aquidauana para as aldeias que pos- no MS. É um material que pode ser uti-
suem escolas estão sob a responsabili- lizado pelos professores que trabalham
dade da Secretaria de Transporte da com o ensino de história nas áreas indí-
Prefeitura Municipal de Aquidauana. A genas, urbanas e rurais.
viagem dura uma média de 01 hora de- Quanto ao material geral para pes-
pendendo das condições da estrada. quisas, o Núcleo Escolar “General
Apesar de ser um trajeto difícil que ao Rondon”, dispõe de uma sala de leitura
longo do ano torna-se cansativo, a via- para atender os alunos. Porém, é muito
gem permite um maior entrosamento difícil tentar desenvolver um trabalho de
dos professores o que pode ser consi- pesquisa, com os alunos de 5ª a 8ª sé-
derado gratificante, pois, nesse momen- rie, pois esta sala de leitura se encontra
to é possível trocar informações sobre bastante carente de material. Outra al-
o dia-a-dia nas salas de aula. ternativa é utilizar a biblioteca do Dis-
Os materiais escolares utilizados trito de Taunay que possui um pouco
pelos professores são distribuídos pela mais de recurso didático do que as sa-
SECE. Os professores recebem o ma- las de leitura do núcleos escolares da
terial necessário para a elaboração das Aldeia Bananal e Lagoinha.
provas, como o estêncil e papel sulfite. Em relação a merenda escolar, to-
O material escolar das crianças tam- dos alunos de todas as aldeias de
bém é feito pela SECE, no transcorrer Aquidauana são beneficiados com a
do ano letivo. Para isso, a FUNAI co- mesma merenda que é distribuída pela
labora com uma cota de material esco- FAE às escolas públicas. Porém não é
lar destinado a atender as escolas loca- feito nenhum balanceamento em rela-
lizadas nas aldeias. ção a alimentação das crianças das al-
Quanto aos materiais didático-peda- deias. Ocorre algumas vezes dessas
gógicos, os livros utilizados pelos pro- crianças rejeitarem determinados ali-
fessores são os mesmos adotados nas mentos que são oferecidos no recreio,
escolas públicas urbanas ou rurais da como é o caso do leite com sabor de
cidade de Aquidauana. morango ou macarrão com almôndegas.
Atualmente começa a ocorrer uma Para Silvia Miguel (ex-aluna do Nú-
mudança através da política educacio- cleo Escolar General Rondon), a me-
nal desenvolvida pela SEE/MS que co- renda era diferente do que ela estava
locou ao dispor dos professores e estu- acostumada a comer em casa, mas ela

52
comia de tudo porque queria experimen- texto social em que estão inseridos, im-
tar coisas diferentes. “...na escola, a pedem um maior interesse em adquirir
merenda é mais reforçada do que em um conhecimento escolar e consequen-
casa”. temente dar continuidade nos estudos.
O conteúdo que compõe a grade 4º) A frustração do aluno diante dos
curricular segue o programa da rede sucessivos anos de repetência quando
pública de ensino, sem nenhuma adap- iniciam os seus estudos. Este fato é
tação. Porém os professores possuem resultado do modelo educacional ado-
autonomia para fazer as adaptações ne- tado nas escolas das aldeias, incluindo-
cessárias nos conteúdos programáticos se aqui o aspecto lingüístico que é
de acordo com o desenvolvimento edu- dissociado da realidade.
cacional do aluno. Contudo, na prática, 5º) A necessidade econômica os
na maioria das vezes não é feita ne- obrigam a sair da escola para o traba-
nhuma adaptação dos conteúdos em lho em busca de uma complementação
função da falta de apoio recebido pelas nos orçamentos familiares.
secretarias de educação em relação a Sobre o segundo item acima Célia
oferecimento de cursos específicos so- Massi (ex-aluna do Núcleo Escolar
bre essa questão. “General Rondon”) confirma a afirma-
Uma outra questão a ser lembrada ção dizendo: Eu estudo por que eu
é com relação aos depoimentos feitos quero. Se eu quiser faço tarefa se não
por alguns professores não índios que quiser eu não faço...
trabalham nessas comunidades, que atri- Os entraves colocados pelas instân-
buem o desinteresse dos alunos ao não cias superiores municipais, vão do défi-
incentivo dos pais por não se importa- cit financeiro aos problemas ideológi-
rem em adquirir a educação institucio- cos.
nalizada ou por serem analfabetos. Durante o período que trabalhei na
A meu ver esta questão pode estar SECE – Aquidauana, tive a oportuni-
ligada ao aspecto sociocultural e eco- dade de presenciar em uma reunião
nômico que o grupo indígena está inse- pedagógica uma professora dizendo
rido. Entre eles pode ser destacado al- das dificuldades encontradas em sala
guns como, por exemplo: de aula com as crianças índias, na sua
1º) A educação, como já foi verifi- fala ela disse: ‘...as crianças apren-
cado acima, chegou na comunidade dem, elas não são burras... Diante
Terena há pouco mais de um século, o disso verifica-se quanto nós professo-
que pode ser considerado pouco tempo res que estamos atuando nessas áreas
em se tratando de ocorrer uma mudan- estamos despreparados para trabalhar
ça subjetiva de um povo. Até pouco com uma nova realidade. Contudo,
tempo atrás essa comunidade não pos- devemos lembrar que esse despreparo
suía o hábito de sentar-se em um ban- é reflexo do sistema educacional bra-
co escolar durante um período inteiro e sileiro, onde ignoram a existência de
ter que obedecer a regras impostas pela variedades lingüísticas brasileiras e
administração escolar e ouvir conteú- regionais.
dos totalmente desconhecidos do seu Atualmente a educação escolar in-
grupo. Como conseqüência desse pro- dígena do município de Aquidauana ado-
cesso, ocorre o desinteresse do aluno tou um novo modelo educacional e está
pela escola. se adequando as propostas da legisla-
2º) Faz parte do costume da maioria ção atual.
das famílias indígenas educar seus fi- Foi realizado um concurso específi-
lhos mais livremente, o que possibilita a co para o ensino fundamental e hoje, os
criança decidir o que deseja fazer sem professores que ocupam as vagas de 1ª
sofrer repressão dos pais. a 4ª série está composto por índios fa-
3º) A falta de expectativa profissio- lantes da língua materna, capacitados e
nal por parte dos alunos diante do con- qualificados.

53
CONSIDERAÇÕES FINAIS da educação para as comunidades indí-
Pela descrição dos aspectos históri- genas, podemos considerar que houve um
cos e sociocultural da nação Terena foi grande avanço e muitos ganhos para a
possível constatar algumas mudanças educação oferecida as comunidades in-
na cultura desses índios, e que são de- dígenas Terenas de Aquidauana, já que a
correntes dos estreitos contatos com a secretaria vem desenvolvendo um proje-
sociedade envolvente. to de educação diferenciada e de quali-
Avaliando os aspectos positivos re- dade, respeitando as particularidades cul-
sultante desses contatos interétnicos turais do grupo, já que o corpo docente do
podemos verificar que essas mudanças ensino fundamental está composto em sua
culturais contribuíram para que houves- maioria por índios da própria comunidade
se uma reorganização do grupo, no sen- que concluíram o magistério ou que estão
tido de lutar pelo resgate da identidade se qualificando no curso de pedagogia de
cultural da tribo. férias, oferecido pela Universidade Fe-
Para atingir tal finalidade, iniciaram deral de Mato Grosso do Sul.
várias discussões em encontros e Penso que a garantia da cidadania
fóruns reivindicando uma educação di- do grupo, juntamente com o resgate
ferenciada e de qualidade para o gru- cultural da tribo já é um fato quase con-
po, tendo em vista que existe um res- sumado.
paldo legal que ampara e incentiva tal Alguns problemas oriundos no pró-
iniciativa. prio processo de mudanças deverá aos
O resultado de tudo isso passado 10 poucos ser resolvido já que hoje pode-
anos contados a partir da publicação da mos considerá-los auto-suficientes para
portaria interministerial de 16 de abril de proporem as mudanças mais conveni-
1991, onde definia as diretrizes básicas entes para o grupo.

54
Uma Reflexão do Espaço
Urbano da Cidade de
Campo Grande – MS
na Perspectiva Climática *

João Lima Sant’Anna Neto**


Vicentina Socorro da Anunciação***

INTRODUÇÃO gravíssimos e a natureza reage em de-


A cidade representa a mais profun- fesa para continuar sua sobrevivência.
da transformação do espaço geográfi- Um dos aspectos que expressa a
co realizada pela humanidade. É o tipo relação entre humanidade X organiza-
de organização espacial que mais faci- ção econômica e social de um espaço
lita a difusão das inovações, as trocas urbano é o clima, pois este configura-
de bens, serviços e informações. Isso é se numa das dimensões do espaço cita-
o que vem reavivar a atratividade po- dino, sendo derivado da alteração da
tencial. paisagem natural e sua substituição por
Os espaços urbanos assumem a res- um ambiente construído.
ponsabilidades das ações impactantes Considerando que a cidade é objeto
humanas sobre a organização da super- de um processo incessante de transfor-
fície terrestre e na deterioração do mações que atingem aquelas áreas ne-
ambiente. Assim a natureza está cada cessárias à realização das atividades
vez mais oculta na produção do espaço “modernas” de produção e de circula-
urbano dando lugar às formas concre- ção, e referindo-se ao estudo do clima
tas de “desenvolvimento”, como afir- de um meio ambiente construído, no
mado por Christofoletti (1997:133) caso mais específico, da cidade de Cam-
“O impacto direto e imediato no meio po Grande-M.S., sua dimensão urbana
consiste na mudança paisagística, subs- alcançada na atualidade reflete a res-
tituindo o cenário expressivo da cober- ponsabilidade dos impactos máximos da
tura vegetal pelo do casario e ruas, com atuação humana na organização do es-
a aglutinação de um contingente paço.
*
Artigo extraído da Dissertação de populacional.” A cidade de Campo Grande outrora
Mestrado: O clima urbano de
Campo Grande-MS. Presidente Nas interações que a sociedade pequena e pacata, um arraial, hoje tem
Prudente: UNESP/FCT, 2001. estabelece com o espaço, mantém uma 102 anos com uma população de mais
**
Professor Dr. Departamento de relação “dialética” com ele para asse- de 600.000 (seiscentos mil) habitantes,
Geografia – UNESP/FCT. gurar a sua sobrevivência. Isso provo- expandindo-se por todos os lados e vi-
***
Professora Msc. Departamento ca impactos que dependendo da pro- vido grandes transformações ao longo
de Geociências – UFMS/CEUA. fundidade da intervenção podem ser dos anos, está situada na porção cen-

55
tral de Mato Grosso do Sul, na Serra de A VARIABILIDADE CLIMÁTICA
Maracaju e sua altitude média é de 540m LOCAL DE
acima do nível do mar, seu relevo é le- CAMPO GRANDE
vemente ondulado de forma tabular. Uma análise dos dados coletados
Localizada entre as bacias dos rios durante 39 anos (1961-1999), pela
Paraná e Paraguai, nasceu sob os do- estação meteorológica localizada na
mínios do Cerrado. Base Aérea de Campo Grande-MS
A história da cidade iniciou-se no revela o comportamento dos princi-
século XIX, com a instalação de fazen- pais elementos climáticos em Campo
das formadas por mineiros, atraídos pela Grande, através dos dados médios
zona de pasto nativo descrita pelos des- anuais bem como as medidas de ten-
bravadores. Sua ocupação urbana teve dência central e de dispersão da Tem-
início na confluência dos córregos Pro- peratura do ar, Umidade Relativa,
sa e Segredo. Atualmente Campo Gran- Pressão Atmosférica, Vento e dos to-
de é uma cidade de grande porte, a mais tais de Precipitação.
populosa do Estado, congregando 92,2% Perceber as variações destes ele-
da população na região urbana, tendo mentos a partir de uma longa série
como componente básico de sua eco- temporal, auxiliam a entender o com-
nomia a pecuária e o setor terciário, portamento do clima e se torna útil
possuindo um território de 33.404 ha. para a compreensão da dimensão tem-
Tal ocupação urbana alterou a paisa- poral destes parâmetros climáticos e
gem primordial da região e revela pro- estabelecer relações com as
blemas ambientais próprios dos gran- condicionantes climáticas do referido
des centros urbanos na atualidade. espaço urbano.

Figura 1 - Variabilidade da temperatura média anual

Analisando a série histórica de 39 cipalmente a partir do final da década


anos sobre a variação da Temperatu- de 70 e na década de 90, quando fo-
ra Média Anual (figura acima), per- ram registradas as médias anuais mais
cebe-se que a média histórica foi de elevadas, como nos anos de 94, 95, 97,
23,5ºC. Os anos menos quente foram 98 e 99. Este fato pode estar vincula-
os de 62, 64, 68, 76, demonstrando cla- do à grande expansão territorial urba-
ramente uma tendência de aumento na de Campo Grande, que se deu a
das temperaturas médias anuais, prin- partir da década de 70.

56
Figura 2 - Variabilidade média anual da precipitação

Examinando os totais xo, mas não caracteriza-se como anos


pluviométricos no segmento temporal secos.
de 1961 a 1999, percebe-se uma va- A década de 1980 apresenta-se
riação entre 800mm a 2000mm, com bastante chuvosa, oscilando entre
média anual de 1396mm. No ano de 1964mm e 941,6mm. Apenas os anos
1990, ocorreu o maior registro de 1985 (1041,1mm) e 1988
(2036,6mm), ao passo que no ano de (941,6mm) estiveram abaixo da mé-
1992, o menor registro (822,6mm) dia.
conforme figura acima. A precipitação nos anos 90 apre-
Nos anos de 1960 a 1970, os to- senta-se baixa. Foram bastante chu-
tais pluviométricos apresentaram va- vosos os anos de 1990 (2036,6mm) e
riações que oscilaram entre 1211mm 1991 (1667,9mm), os demais estive-
a 1672mm. Isso traduz duas décadas ram abaixo da média, sendo 1992,
com pluviosidade média, ora estando 1993, 1996 e 1999 os mais secos, não
acima da média, ora um pouco abai- ultrapassando 980,5mm.

Figura 3 - Variabilidade média anual da umidade relativa

57
Em Campo Grande a umidade re- relativa apresentou comportamento
lativa média não é muito elevada. sem muitas variações, com valor mí-
Apresenta valor médio anual de nimo de 64%. A década de 90 apre-
71,1%, variando entre 64,7% a 79% senta-se irregular, com temperatura
ao longo do ano. Nota-se, analisando elevada, baixa precipitação e umida-
a figura 3 o efeito da continentalidade. de relativa entre 67,8% e 76,4%.
As décadas de 1960 e 1970 apresen- Cabe, ressaltar que no período de
taram umidade relativa estável. Na 1973 a 1977 não há registro da umida-
década de 80, bastante chuvosa e de relativa do ar na estação
com altas temperaturas, a umidade meteorológica da Base aérea.

Figura 4 - Variabilidade média anual da pressão atmosférica

O valor médio anual da pressão 947,7mb. Este elemento do clima não


atmosférica foi de 949,1mb, sendo o apresenta variabilidade muito signifi-
maior deles registrado em 1986, com cativa, em torno de 2,5mb, como mos-
950,2mb e o menor em 1965, com tra figura acima.

Figura 5 - Direção predominante do vento médio anual

58
A direção predominante do vento pação do solo, mas contém hipso-
anual evidencia o quadrante de mai- metria diferenciada. Além disso, a
or freqüência. A direção predominan- função urbana de Campo Grande é
te é do quadrante (E), seguida da di- relativamente homogênea. A ativida-
reção (N) e o quadrante (NE). As de comercial é o esteio da economia
direções (SE, S, NW) apresentam pre- e concentra-se, em sua maioria, no
domínio semelhantes, ao passo que os centro da cidade juntamente com in-
quadrantes (SW e W) tem menor par- tensa circulação de veículos e pes-
ticipação. Portanto, advém em toda soas.
área várias direções da circulação do As localidades definidas foram os
vento que envolve completamente a seguintes bairros: Moreninha, Ita-
malha urbana. nhangá Park, Parque dos Poderes,
Essa caracterização geral do com- Estrela do sul, Centro, Indubrasil, es-
portamento dos elementos do clima tação meteorológica da Base Aérea
local de Campo Grande, permiti veri- e Jardim Monumento.
ficar suas oscilações, amplitudes e A localização dos miniabrigos, in-
identificar um padrão de comporta- seridos na malha urbana de Campo
mento da variabilidade climática lo- Grande buscou identificar e compre-
cal o que auxilia no dimencionamento ender as relações dos fatos termo-
da análise climática a partir das me- dinâmicos dentro da cidade com os
dições intra-urbanas. fatos específicos da própria condição
urbana, além da influência da topo-
AS CONDICIONANTES grafia combinada à urbanização e
CLIMÁTICAS DO ESPAÇO evolução da morfologia urbana.
URBANO DE CAMPO GRANDE Alguns pontos de coleta apresen-
Com base no aspecto cartográfico taram os mesmos tipos de ocupação
setorizou-se a cidade em ambientes do solo, mas possuem algumas carac-
geográficos com o intuito de definir as terísticas particulares com relação ao
características do sítio e chegar-se às uso do solo e estrutura física,
especificidades climáticas locais. rugosidade urbana entre outros. Mas
Os setores de área para a instala- a distribuição dos mesmos, foi desen-
ção de miniabrigos meteorológicos volvida da maneira que melhor ex-
com intuito de fazer o levantamento pressasse o caráter peculiar da cida-
dos dados climáticos na malha urba- de e representasse, de fato, a vida
na, foram determinados a partir de urbana.
alguns critérios como: a caracteriza- Procurou-se manter um miniabrigo
ção geográfica, análise da carta em cada ponto estratégico na cidade,
geotécnica e da planta da cidade com levando em consideração o caráter da
cotas altimétricas, de trabalho a cam- vida da cidade, sendo que a combina-
po e nas informações sobre a confi- ção das características de cada um
guração urbana junto ao Instituto Mu- veio revelar as peculiaridades climá-
nicipal de Planejamento Urbano e ticas, expressas nas variações da tem-
Meio Ambiente (PLANURB), além peratura e da umidade relativa.
de consultorias realizadas com Na cidade de Campo Grande, no
geógrafo, arquiteto e urbanista. geral o verão se caracteriza por tem-
Os locais determinados, foram os peraturas altas, precipitação e umi-
mais representativos da essência da dade relativa elevadas. A circulação
vida da cidade e seu entorno, haven- dos ventos advém dos quadrantes
do heterogeneidade de uso e ocupa- Norte e Leste envolvendo completa-
ção do solo e composição paisagística mente a malha urbana.
entre os mesmos. No verão, a temperatura média é
Alguns locais escolhidos possuem de 25,2ºC e as temperaturas máximas
as mesmas características de ocu- absolutas oscilam entre 35,8ºC e 37ºC,

59
ao passo que as temperaturas míni- nas a elevadas repentinamente. Essa
mas absolutas variam entre 9,8ºC e instabilidade foi causada por variados
12,8ºC. A precipitação apresenta sistemas atmosféricos e direções de
valores elevados, em média ventos. Entretanto, as massas Conti-
552,9mm. Já os registros de umidade nentais (tropical e equatorial) como
relativa do ar e pressão atmosférica era de se supor, são muito freqüen-
apresentam pouca variabilidade e tes nesta época do ano.
sempre registros altos. Os ventos no O inverno na cidade de Campo
mês de janeiro são predominantemen- Grande, apresenta basicamente ca-
te do quadrante Norte, ao passo que racterísticas de temperaturas bran-
nos meses de fevereiro e março pas- das a baixas, os índices de precipita-
sam a ter direção Este. Os sistemas ção também são baixos, comportan-
atmosféricos predominantes são as do-se no mesmo ritmo a umidade re-
massas tropicais, tanto a Continental lativa e a pressão atmosférica do ar.
quanto a Atlântica e equatorial Con- A direção do vento é predominante
tinental. do quadrante Leste.
Referindo-se especificamente ao A temperatura média de inverno
verão 2000, no mês de janeiro, a tem- oscila entre 20,3ºC e 22,2ºC, a tem-
peratura apresentou oscilação entre peratura máxima absoluta varia en-
19ºC a 35ºC, sendo a amplitude tér- tre 34,8ºC e 39ºC ao passo que a tem-
mica no mês de 16ºC. A umidade re- peratura mínima absoluta entre -1ºC
lativa entre 41% e 100%, a precipita- e 3ºC. A precipitação apresenta va-
ção totalizou 7,2mm os ventos predo- lores médios registrados de 108,7mm.
minantes neste mês foram dos A variabilidade dos registros de umi-
quadrantes Norte e Noroeste e o sis- dade relativa está entre 58,5% e
tema atmosférico predominante foi 70,9%. O vento predominante é da
Tropical Continental. direção Leste, sendo que os
O mês de fevereiro, apresentou quadrantes Norte, Nordeste, Sul e
temperaturas oscilando entre 23ºC e Sudeste também apresentam partici-
35ºC, sendo a amplitude térmica no pação.
mês de 12ºC. A umidade relativa do Com relação ao inverno 2000, o
ar apresentou variabilidade entre 54% mês de junho apresentou variabilida-
e 100% a precipitação totalizou de na temperatura entre 16ºC e 32ºC,
0,4mm e os ventos predominantes fo- sendo a amplitude térmica no mês de
ram dos quadrantes Nordeste e Este. 16ºC e a umidade relativa entre 37%
O referido mês, esteve sob predomí- e 100%. Houve precipitação de
nio do sistema atmosférico tropical 0,2mm. Os ventos predominantes nes-
Atlântico. te mês tiveram direção Nordeste e
A oscilação da temperatura para Leste e o sistema atmosférico predo-
o mês de março, esteve entre 22ºC e minante foi a massa tropical Atlânti-
34ºC, apresentando amplitude de ca.
12ºC. A umidade relativa variou en- No mês de julho, a amplitude tér-
tre 48% e 100% e a precipitação, mica foi de 21,2ºC, pois a oscilação
totalizou 72mm, a circulação dos ven- da temperatura esteve entre 2,0ºC e
tos foi predominantemente dos 23,8ºC, a umidade relativa apresen-
quadrantes Nordeste e Este e os sis- tou variabilidade entre 22% e 100%.
temas atmosféricos atuantes foram Os ventos predominantes foram do
tropical Atlântico e equatorial Conti- quadrante Leste e Sudeste e a massa
nental. polar Atlântica foi o sistema atmos-
O verão 2000 foi caracterizado por férico mais atuante no referido mês.
mudanças bruscas nos tipos de tem- As características climáticas no
pos, oscilação de temperatura, pres- mês de agosto, foi predominante da
são e umidade relativa do ar, de ame- massa tropical Atlântica, ocasionan-

60
do o seguinte comportamento atmos- ram medidos nos pontos de altitude
férico, a amplitude térmica foi de mais elevada e vegetação densa.
22ºC, pois a temperatura apresentou As diferenças de aquecimento en-
variabilidade entre 12ºC e 34ºC, a tre os pontos com altitude semelhante
oscilação da umidade relativa foi en- no verão, são atribuídas a densidade
tre 27% e 100%. Os ventos predomi- de construções e arborização. Nes-
nantes foram dos quadrantes Nordes- te caso, nota-se o papel do uso e
te e Leste. ocupação do solo, já que nesta esta-
Nesse inverno, as penetrações do ção as temperaturas são mais cons-
sistema polar Atlântico foram mais in- tantes, não havendo tantas oscila-
tensas sobre a cidade, antecedida de ções, no mesmo horário, como no
passagens de frente polar, sendo que inverno.
a posição latidudinal do espaço É importante enfatizar que a os-
enfocado faz com que o sistema po- cilação de maior ou menor aqueci-
lar sofra tropicalização acentuada. A mento entre os pontos, principalmen-
circulação atmosférica sofre também, te nos horários entre 7h e 9h, depen-
interferência dos anticiclones tropi- deu da direção do vento que ora
cais, com destaque para o sistema tro- apresentava as características mais
pical Atlântico. locais do ponto, ora trazia as carac-
A análise higrotérmica dos dados terísticas do entorno relativamente
meteorológicos, medidos em 8 pon- próximo. Os fundos de vale, com
tos para a cidade inteira, previamen- baixa densidade de construção, tive-
te estabelecidos e embasados ram temperaturas mais baixas e mai-
cartograficamente nas característi- ores umidade relativas. O oposto foi
cas do sítio, do fato urbano em sua observado nas áreas densamente
dinâmica, realizado em diferentes si- construídas.
tuações diárias (7:30h, 9h, 12h, 15h, Nos horários entre as 12h e 15h, a
18h, 21h), sazonais (verão: janeiro, amplitude térmica e a umidade relati-
fevereiro, março e inverno: junho, ju- va intra- urbana foram elevadas e as
lho, agosto de 2000) e diferentes ti- temperaturas altas e as menores umi-
pos de tempo no ambiente urbano pos- dades relativas foram registradas nos
sibilitaram a identificação dos princi- pontos com baixa densidade de
pais fatores locais e urbanos na for- arborização, tanto nos pontos com
mação do clima da cidade de Campo maior ou menor densidade de cons-
Grande. truções, podendo ser observado nas
A compreensão das anomalias da localidades Moreninha e Jardim Mo-
temperatura e umidade relativa en- numento. Os menores aquecimentos
contradas foram associadas ao tipo e as maiores umidades relativas fo-
de ocupação do solo, densidade de ram verificados nas áreas com vege-
arborização, exposição de vertente e tação e com menor densidade de
altitude . edificações e também em pontos den-
No verão os pontos localizados em samente construídos, mas com vege-
fundo de vales, seguido pelos com tação arbórea. Esta característica
vertentes voltadas para o quadrante são verificadas nos pontos Parque dos
Oeste e vertentes voltadas para o Poderes e Base Aérea
quadrante Leste mais os pontos com O período em que houve diminui-
altitude baixas, principalmente nos de ção da amplitude térmica intra-urba-
alta densidade de construção e prati- na foi entre as 18h e 21h. Os pontos
camente sem arborização nas ruas e que estavam com temperatura mais
fundos de quintais, foram os locais elevada (densamente construídos e
mais quentes e com menor umidade baixa densidade de arborização e/ou
relativa. Os registros de temperatura ausência dela) continuaram quentes
brandas e maior umidade relativa fo- e com menor umidade relativa.

61
As características higrotérmicas tipo de ocupação do solo. O maior
no verão apresentaram-se com tem- registro de temperatura e o menor de
peraturas elevadas e baixas umida- umidade relativa estiveram nas áreas
des em praticamente todos os horári- com baixa altitude baixa densidade de
os, atingindo o máximo, na maioria dos construção e com a vegetação es-
dias, entre às 12h e 15h, principalmen- cassa. Nesse horário ocorre maior in-
te nos horários de maior insolação e cidência dos raios solares. Os locais
de maior aquecimento diurno. Os prin- densamente construídos e de eleva-
cipais fatores responsáveis pelos pon- da altitude estiveram entre os pontos
tos mais quentes foram áreas densa- de menor temperatura, situação re-
mente construídas e com pequena fletida no ponto Itanhangá Park.
quantidade de vegetação arbórea. Por Os horários entre 12h e 15h, são
outro lado, as áreas arborizadas e, em os de maior aquecimento dentro do
alguns casos, com alta densidade de ritmo diário da temperatura, pois a ra-
construções, ou áreas com baixa den- diação solar é bastante intensa e a
sidade de construções e mesmo com superfície emite densamente ondas
arborização esparsa foram responsá- longas, o calor recebido em horários
veis pelas temperaturas mais baixas anteriores, sendo às 15h o horário
e pelas maiores umidades relativas. pico. Nestes horários as maiores tem-
Verifica-se um nítido aquecimento de peraturas e menores umidades relati-
Oeste para Leste na cidade, acom- vas foram observadas nos pontos mais
panhado de menor a maior umidade densamente construídos, sendo ainda
relativa. maiores nos pontos com baixa densi-
No inverno, os pontos em que a dade de vegetação. Os pontos com
exposição das vertentes estão volta- menores densidades de construções
das para sul as temperaturas apresen- ou com densidades significativas de
taram-se mais baixas, enquanto de vegetação arbórea e gramado foram
norte foram as mais aquecidas. Fi- os que apresentaram as menores tem-
cam evidentes as características de peraturas (Parque dos Poderes).
ocupação do solo nesse fato, pois no Nota-se que ocorreu um acentuado
inverno a vertente sul recebe menor aumento na amplitude térmica intra-
incidência direta dos raios solares no urbana.
início da manhã, o que faz com que Essa situação deixa explícita a
fique entre os pontos com menor tem- capacidade que os diferentes tipos de
peratura e maior umidade relativa. No ocupação do solo têm em armazenar
verão, porém, a vertente sul, por re- quantidade maior ou menor de calor.
ceber intensa radiação associa-se a Sendo o tipo de uso e ocupação do
outros pontos de temperaturas mais solo o fator responsável pelo maior
elevadas, com grande densidade de ou menor aquecimento nesse horário,
construções. quanto mais edificações em um es-
Às 7h, a temperatura mais eleva- paço, maior a absorção e a emissão
da e os menores registros de umida- de calor, sendo que a vegetação
de relativa foram encontrados nas arbórea tem o papel importante de in-
áreas densamente construídas e fun- tensificar ou amenizar as temperatu-
dos de vale com construções densas ras elevadas.
e fluxo de veículos intensos. Porém Entre às 18h e 21h, os pontos lo-
os fundos de vale, com baixa densi- calizados em fundos de vale e os pon-
dade de construção, apresentaram tos de baixa altitude, principalmente
baixas temperaturas e altos registros os que têm baixa densidade de cons-
de umidade relativa. trução apresentaram as temperaturas
A espacialização da temperatura mais baixas e as maiores umidades
e umidade relativa às 9h, reverteu- relativas. Situação em que aconteceu
se, situação que está relacionada ao contrária aos pontos com altitudes ele-

62
vadas. Altas temperaturas e meno- portamento registrado é de forte
res umidades relativas se diferencia- aquecimento. O maior aquecimento
ram também de acordo com o tipo de se deu no ponto Indubrasil.
ocupação do solo. Verifica-se que o Sob predomínio do ar polar
espaço com baixa densidade de cons- tropicalizado no verão, ocorre acen-
trução libera calor com maior facili- tuada queda na temperatura e aumen-
dade para a atmosfera do que o es- to da umidade relativa, comparados
paço densamente construído, que ar- aos episódios anteriores, sob condi-
mazena o calor por mais tempo. ções deste sistema atmosférico, as-
Sob predomínio do sistema atmos- sociado as características urbanas, a
férico tropical Continental, ocorre um temperatura apresentou-se mais ho-
aquecimento generalizado da cidade mogênea.
com altos valores de temperatura e O padrão de distribuição da tem-
umidade relativa, características pró- peratura na atuação dos referidos sis-
prias desta massa de ar (quente e temas atmosféricos no verão, apre-
seca). A direção predominante do sentou valores elevados freqüen-
aquecimento urbano se deu de Oeste temente em fundos de vales, o aque-
para Leste, de acordo com a pene- cimento foi intenso de Oeste para
tração da massa atuante. Leste, o que está aliado a exposição
O padrão da espacialização da das vertentes e ocupação do solo.
temperatura e umidade relativa, em Estes locais conseqüentemente apre-
atuação da massa de ar tropical sentaram os menores registros de
Atlântica, revela que o aquecimento umidades relativas.
urbano é menor, comparado ao epi- Em atuação da massa de ar polar
sódio do sistema tropical Continen- atlântica no inverno ocorre um forte
tal, pois este sistema atuante é ca- resfriamento da temperatura e umi-
racterizado como quente e úmido, que dade relativa elevada. São acentua-
associado as condições geoeco- das as características de massa fria
lógicas urbanas, apresenta valores de e úmida. O resfriamento da malha ur-
temperaturas altos, mais que relacio- bana ocorreu predominantemente de
nado em condições da tropical Conti- Sul para Norte, de acordo com a pe-
nental, podem ser considerados bran- netração da massa polar. Os locais
dos e a umidade relativa é mais ele- com grande representatividade de
vada. vegetação e também áreas que não
O local mais aquecido é o são densamente construídas apresen-
Indubrasil, e ilhas de frescor foram taram valores de temperatura mais
observadas nas localidades: Parque baixos, como Parque dos Poderes e
dos Poderes, vegetação densa; Estre- Jardim Monumento.
la do Sul, com grande parte do solo A espacialização da temperatura
permeável; e no centro, que apesar e umidade relativa em predomínio
do solo ser impermeabilizado, possui da massa tropical atlântica (inverno)
grande quantidade de vegetação apresentou valores de temperaturas
arbórea nas ruas e sendo estas lar- altas e baixa umidade relativa. Essa
gas, conseqüentemente com intensa característica higrotérmica observou-
circulação de ar. Essas condições fo- se as 15h.
ram observadas nos horários das No inverno as temperaturas ele-
7:30h e 21h. No primeiro ainda não vadas e baixas umidades relativas
está ocorrendo intensas atividades da ocorreram nos pontos localizados com
vida citadina, o que vem refletir o vertentes voltadas para o Norte, pois
resfriamento noturno armazenado a a incidência dos raios solares foram
partir do segundo horário. mais diretas nesses locais
Em predomínio do sistema atmos- A análise dos resultados conse-
férico equatorial Continental o com- guidos durante a investigação em

63
campo, forneceu as diferentes res- de hogenização da temperatura e
postas locais dos indicadores que umidade.
refletem a influencia dos comparti- A massa polar atlântica no inver-
mentos morfológicos onde cada um no homogeniza e provoca um forte
se insere. resfriamento da temperatura. Os lo-
Os fatores explicativos para se cais de vegetação densa e vertentes
compreender as anomalias climáticas voltadas para o sul como Parque dos
urbanas de Campo Grande, estão re- Poderes e Jardim Monumento apre-
lacionadas ao tipo de uso do solo, sentaram as menores temperaturas e
densidade de vegetação, altitude e a umidade relativa elevada.
exposição de vertentes, sendo que os A dimensão alcançada pela área
tipos de tempo intensificaram e/ou urbana de Campo Grande na atuali-
amenizaram a situação enfocada. dade, testemunha uma forte influên-
Contudo, os resultados obtidos, foram cia da urbanização local nas caracte-
suficientes para apontar indícios de rísticas climáticas.
clima urbano na cidade de Campo A formação de condições climáti-
Grande. cas particulares no contexto da cida-
de atribuídas à urbanização local, são
CONSIDERAÇÕES FINAIS decorrentes dos tipos de uso e ocu-
As distintas formas de ocupação pação do solo e estreita relação com
do solo da cidade de Campo Grande elementos do sítio, sendo notadamen-
explicadas pelo processo de urbani- te mais expressivos a topografia e
zação, demonstrou diferentes padrões exposição de vertentes.
de uso, estes padrões refletiram-se no As diferenças de temperatura e da
comportamento do clima intra-urba- umidade relativa entre os diversos ti-
no, gerando ilha de calor e de fres- pos de ocupação do solo mostram que
cor, que podem ser associadas aos Campo Grande já possui especifici-
sistemas atmosféricos atuantes nas dades do ponto de vista climático, que
duas situações estudadas verão e in- devem ser consideradas no momento
verno. de crescimento e expansão da malha
Variações espaciais da temperatu- urbana, para que se tenha um ambi-
ra e umidade relativa e seu ritmo diá- ente de qualidade.
rio e estacional nas áreas fortemente A formação de ilhas de calor e
ocupadas, com elevada densidade de ilhas de frescor de considerável mag-
construções e pequena arborização, nitude foram observadas tanto na es-
apresentaram as maiores temperatu- tação de verão quanto na estação de
ras e menores umidade relativa, como inverno da cidade como um todo.
os pontos Indubrasil e Estrela do Sul, Esse fato dependeu do sistema atmos-
que se configuram por ser tratar de férico atuante, sendo que suas varia-
bairros de classe média baixa e con- ções espaciais foram associadas ao
junto habitacionais populares. tipo de ocupação do solo, exposição
Foram relevantes as ilhas de fres- de vertentes, presença de vegetação,
cor em áreas com vegetação densa, altitude e intensidade de radiação.
edificação esparsa, edificação densa Os elementos responsáveis pelo
e grande quantidade de vegetação comportamento da temperatura e umi-
arbórea como os pontos Parque dos dade relativa intra-urbana no verão e
Poderes e Base Aérea. no inverno estão relacionadas a densi-
No verão os sistemas atmosféri- dade de construções e densidade de
cos tropical continental e equatorial arborização, às características do sí-
continental são os que produzem mai- tio, exposição de vertentes e altitude.
ores amplitude térmicas e higro- Os resultados higrotérmicos
térmicas. Com a entrada do sistema espacializados na malha urbana re-
frontal e a polar, há uma tendência velaram um perfil de cidade em que

64
o processo de urbanização ocorreu Os resultados analisados conver-
sem levar em consideração, como a giram para a importância da arbo-
grande maioria das cidades brasilei- rização de ruas e fundos de quin-
ras, o seu contexto climático. tais na melhoria do microclima, prin-
É relevante para contribuir com o cipalmente no verão. Assim, é fun-
planejamento da cidade, caracterizar damental que nos loteamentos no-
as diferenças existentes no interior da vos, a prefeitura assegure, através
própria cidade e seu entorno, sendo de legislações, um espaço para as
fundamental observar o relevo, o uso áreas verdes e não se retire a ve-
e a ocupação do solo, os condicionan- getação original para a implanta-
tes geoambientais e urbanos com o ção da estrutura urbana, deixando-
intuito de diagnosticar as alterações a como um elemento secundário na
presentes na atmosfera urbana. paisagem, como vem ocorrendo.
A efetivação de sugestões para o Além disso, obrigatoriedade de re-
planejamento urbano, numa perspec- servar parte do terreno para essa
tiva climática, deve suceder a uma dis- finalidade permeável.
cussão no âmbito de uma equipe Outro fator que historicamente tem
multidisciplinar e institucional de pla- ocorrido na cidade, até através de rei-
nejamento para que se estabeleçam vindicação popular, é a canalização
a extensão e particularidades das dos córregos. Isso em favor da valo-
mesmas. rização de alguns setores ou sua uti-
Como o clima é um elemento fun- lização para escoamento de esgoto “
damental do planejamento urbano e in natura”, enquanto deveriam ser
regional, tanto como insumo de ener- transformados em espelhos d’ água,
gia no sistema como regulador dos acompanhados de parques públicos,
processos a eles inerentes, pensando o que melhoraria as condições de
o espaço urbano de Campo Grande umidade relativa e, conseqüentemen-
sob a ótica climática sugere-se o de- te, o conforto térmico.
senvolvimento de uma arquitetura Uma outra medida importante, tam-
paisagística, na cidade, que valorize bém a ser tomada, é o fomento ao
o emprego do verde, tanto criação de transporte coletivo de qualidade em
novas áreas como ampliação das atu- detrimento do particular.
ais. Esta, otimiza o ambiente criando Essas, entre outras iniciativas,
maior conforto termo-higrométrico, poderão contribuir para atenuar as
retirada de poluentes da atmosfera, anomalias termo-higrométricas e me-
aumento da umidade relativa, diminui- lhorar a qualidade ambiental urbana,
ção de resíduos, redução de poeira, levando a humanidade perceber a
redução de impacto pluvial, além des- importância das suas múltiplas rela-
sas áreas poderem ser destinadas ao ções de dependência com o espaço
lazer da população. circundante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANUNCIAÇÃO, V. S. da O clima urbano de Campo Grande – MS. Dissertação (Mestrado)
– UNESP, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, 2001.
CAMPO GRANDE Instituto Municipal de Planejamento Urbano – PLANURB. Setorização
das Regiões Urbanas. Campo Grande, 1997.
CAMPO GRANDE – 100 anos de construção. Campo Grande: Matriz Editora, 1999.
CHRISTOFOLETTI, A Impactos no Meio ambiente Ocasionados pela Urbanização Tropi-
cal. In: Natureza e sociedade de Hoje: Uma Leitura Geográfica. São Paulo: HUCITEC, 1997,
p. 127-138.
CONTI, J. B. A Climatologia e a Defesa da Natureza In: Boletim climatológico (Faculdade de
Ciências e Tecnologia UNESP) Presidente Prudente, SP – Brasil, 996 p.5-10.

65
LOMBARDO, M. A. Ilha de calor nas metrópoles: o exemplo de São Paulo. São Paulo:
HUCITEC, 1985.
MACHADO, P. C. A rua velha. Campo Grande: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul,
1989.
MONTEIRO, C. A F. Notas para o estudo do Centro-Oeste. In: Revista Brasileira de geogra-
fia. Rio de Janeiro: IBGE, 13 (1), p. 3-46, 1951.
––––––––. Teoria e Clima Urbano. USP/Instituto de Geografia, São Paulo, 1976. (Série Teses
e Monografias, 25).
––––––––. A questão ambiental no Brasil – 1960/1980. São Paulo, Instituto de Geografia da
USP, 1981, 133p.
––––––––. A interação homem natureza no futuro da cidade. In: Geografia e Meio ambiente.
São Paulo HUCITEC, 1995: 371-395.
OLIVEIRA NETO, A F. de Nas ruas da cidade: um estudo geográfico sobre as ruas e as
calçadas de Campo Grande, MS. Campo Grande: UFMS, 1999.
SANT’ANNA NETO, J. L. Clima e organização do Espaço. In: Boletim de Geografia da UEM
nº2, 1999 p.119-131.
SANTOS, M. Metamorfose do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1991.
ZAVATINI, J. A A dinâmica atmosférica e a distribuição das chuvas no Mato Grosso do Sul.
Tese (doutorado) – USP/FFLCH São Paulo, 1990.

66
A Importância do
Turismo e do Turista
Daniela Sottili*

TURISMO: Turismo na sua amplitu- existe nas férias ou seja só consideram o


de é assumido como ciência, a arte e a turismo de férias como tipo de turismo.
atividade de atrair, transportar e alojar O homem é o verdadeiro centro do turis-
visitantes, afim de cortesmente satisfa- mo sendo classificado como o sujeito do
zer suas necessidades e seus desejos. turismo.
(MCINTOSH, apud Beni, 1998). Ao organizar o roteiro, o viajante faz
O turismo tem sido uma das formas algumas perguntas que decidem os des-
mais completas de lazer e de ocupação tinos de sua viagem:
do tempo livre das pessoas, aquela visão • O que há para fazer na cidade?
que se tinha até bem pouco tempo atrás • Que tipo de atrações existem à noite?
de que somente determinadas classes • Por quanto tempo o local é capaz de
sociais praticavam a atividade do turis- me manter ocupado?
mo, hoje percebe-se que praticamente • Qual é a relação custo – benefício?
todas as camadas sociais tem a possibili- (OLIVEIRA, 2000)
dade de desfrutar das maravilhas que o Atualmente, as distâncias entre os lo-
turismo proporciona. cais de residência e os de visitação do
Mas o turismo não envolve somente turistas não impedem a decisão de viajar
lazer, férias também incluem negócios, es- para determinado local, isso se deve ao
tudos e até mesmo saúde, este último de- aliado fortíssimo que o transporte aéreo
vido a necessidade em que as pessoas tem tem sido nos últimos anos para o turis-
de fugir da corriqueira rotina, daquele dia- mo, este, cada vez mais tem se destaca-
a-dia corrido e extressante. O turismo tem do em termos de tecnologias e o turismo
recebido vários estudos na área da sua clas- é o que mais tem se beneficiado com este
sificação, nos seus diversos tipos, moda- avanço tecnológico, pois o turista sai de
lidades e formas, devido a isso é que mui- sua casa e em poucas horas esta no seu
tas vezes as pessoas praticam o turismo local de destino com poucos aborreci-
sem nem mesmo perceberem, envolvidas mentos. A discordância aqui seria a falta
*
com suas tarefas diárias, viajam a negóci- de infra-estrutura dos aeroportos que não
Bacharel em Turismo,
Professora substituta do curso de
os e muitas vezes nem percebem que comportam o aumento significativo de
Turismo – DGC/CEUA -UFMS. estão na condição de turista, pois, ainda turistas que a rapidez e o conforto dos
e-mail: berselli@terra.com.br possuem aquela visão de que turismo só vôos tem levado até os aeroportos. Em

67
contrapartida tal fato não é observado um sonho de vários anos que só agora
quando o turista utiliza o transporte ro- está podendo ser realizado, e acabam se
doviário, pois as rodovias nem sempre esquecendo que a liberdade e o prazer de
apresentam as condições esperadas com- um são o fardo e o trabalho do outro.
patíveis com este mesmo avanço É imprescindível que o turista tenha
tecnológico. Outro ponto importante a se a consciência de que o mesmo tem direi-
considerar é que o mesmo turista que tos assim como responsabilidades e que
chega com rapidez a sua cidade de desti- deve se adaptar a cultura e aos costumes
no leva muitas vezes o mesmo número do local visitado, é importante que fique
de horas para chegar do aeroporto ao seu claro que o atrativo turístico não tem que
destino, isso devido a grandes distâncias se adaptar ao turista, essa falta de adap-
e engarrafamentos causados pela preca- tação correta do turista com o meio visi-
riedade das vias de acesso. O que é váli- tado tem tido como consequência o im-
do nessa tecnologia é o fato de que aero- pacto ambiental.
portos e respectivas vias de acesso terão Um dos fatores fundamentais para
que se adequar a essa nova realidade pro- que o turista não se sinta lesado, ao visi-
porcionada por tal avanço tecnológico. tar um ponto turístico é que não inver-
O QUE É TURISTA? Visitante tem- tam as situações, explorando o turista e
porário que permaneça pelo menos vinte não o turismo.
e quatro horas no país visitado, cuja fi- E é visando oferecer uma melhor qua-
nalidade de viagem pode ser classificada lidade de vida aos turistas, que gover-
sob um dos seguintes tópicos: lazer (re- nantes e empresários locais devem preo-
creação, férias, saúde, estudo, religião e cupar-se em tornar o turismo sustentá-
esporte), negócios, família, missões e vel e para que isso ocorra é necessário
conferências; (BENI, 1998) também o apoio ativo do turista, sendo
O QUE É EXCURSIONISTA? Visi- notório que os mesmos proporcionam
tante temporário que permaneça menos problemas mas também benefícios.
de vinte e quatro horas no país visitado É de fundamental importância que a
(incluindo visitante de cruzeiros maríti- sociedade local aceite o turismo e o tu-
mos). (BENI, 1998) rista, eles precisam perceber os benefí-
As pessoas tem a tendência de esque- cios que ambos podem atrair a sua cida-
cer que os viajantes e os viajados se en- de e só depois de aceitá-los, o turismo
contram em situações diferentes e mes- poderá começar a acontecer de forma
mo opostas. Por isso quando elas estão sustentável.
na condição de turista, apenas querem Vale ressaltar que a comunidade ne-
exigir, pois estão aproveitando suas féri- cessita adquirir um bom preparo para aten-
as com sua família ou amigos e exigem der o turista, tendo em vista que ele gasta
ser bem tratados ser sempre recebido suas economias de um ano todo mas, ao
com um bom dia, boa tarde, boa noite, pagar exige qualidade ou pelo menos edu-
um agradável sorriso, uma certa atenção, cação e atenção ao ser atendido. Para o
nem mesmo percebe que muitas vezes atendimento ao turista acontecer de uma
aquele recepcionista que o está atenden- forma completa, o bacharel em turismo
do, está ali trabalhando desde muito cedo necessita da mão de obra de profissionais
e já esta cansado da repetição diária de de outras áreas, como biólogos, geólogos,
seus serviços, ou que o guia local faz médicos e arquitetos, etc.
aquele mesmo itinerário mais de uma vez Trabalhar com o turismo e com turis-
ao dia, mas, ele o turista está ali pagando tas é função que exige uma pitada de dedi-
para fazer aquele passeio pela primeira cação, outra de estudos e uma grande por-
vez e por vezes aquele simples passeio é ção de responsabilidade e profissionalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENI, Mário Carlos. Análise Estrutural do Turismo. São Paulo: Ed. Senac, 1998.
BARRETO, Margarita. Manual de Iniciação ao Estudo do Turismo. Campinas: Ed. Papirus, 1995.
IGNARRA, Luiz Renato. Fundamentos do Turismo. São Paulo: Ed. Pioneira, 1999.
OLIVEIRA, Antônio Pereira. Turismo e Desenvolvimento. São Paulo: Ed. Atlas, 2000.

68

Você também pode gostar