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entrevista thiago.

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Speaker1: [00:00:00] Sim. De início eu vou precisar assim do seu nome, o sobrenome
que você vai querer que eu use. Idade. E enfim, você mora aqui em Florianópolis.

Speaker2: [00:00:15] Isso. Isso mora na Trindade.

Speaker1: [00:00:18] Qual seu nome, sobrenome e idade? Você reside em


Florianópolis?

Speaker2: [00:00:24] Thiago Benvenutti, 23 anos. Resido em Florianópolis, na


Trindade.

Speaker1: [00:00:31] Você morava em Blumenau antes, né?

Speaker2: [00:00:35] Isso. Morei seis anos lá.

Speaker1: [00:00:38] Você se mudou para lá? Por qual motivo?

Speaker2: [00:00:42] Eu trabalhava de empacotador de mercado lá em Itapema, e aí,


para tentar uma oportunidade melhor de emprego e pensando já numa faculdade, eu
me mudei para Blumenau. E também para cuidar da minha avó, meu avô tinha falecido
em 2006 e aí fui para cuidar dela também. Depois, comecei em 2017 a estudar pro
vestibular. Com 17 para 18 anos, mais ou menos.

Speaker1: [00:01:12] E em que ano você concluiu o ensino médio?

Speaker2: [00:01:15] Eu concluí em 2016.

Speaker1: [00:01:22] Em 2017 você começou a estudar pra passar para medicina?

Speaker2: [00:01:28] IssoIsso. De cara eu já queria medicina desde criança, desde os


meus 12 anos de idade, já pensar em fazer medicina, e aímaa, memememememem
formei no ensino formeimeiroimeiro
ormeimeiroimédioédioimeirnmédioédioimeédioimeirimeiroimeiro trabalhei, guardei um
pouco de dinheiro, aí fui morar com a minha avó, esperei uns meses e ainda me 17. Eu
realmente comecei o projeto de passar em medicina. Em 2017 eu fiz a prova do ENEM,
mas sem estudar nada e realmente pagando cursinho, tudo online. Nunca fiz cursinho
presencial. Aí eu comecei em 2018. Em 2018 eu realmente comecei o processo de
estudar para passar no vestibular.

Speaker1: [00:02:08] Então você nunca pensou em nenhum outro curso? Chegou a
passar em algum outro curso?

Speaker2: [00:02:14] Eu não passei. Eu cheguei a passar, mas nunca pensei em


cursar. Eu tinha o bem forte na minha cabeça, o meu objetivo de fazer medicina. Eu
tenho desde os 12. Se esse objetivo de ser médico é muita gente da minha família
falou faz enfermagem, faz um curso menos concorrido e depois tu tenta medicina, mas
eu desde o início queria realmente aquilo. Então em 2019, 2020, eu tinha a nota para
passar pelo Enem para quase todos os cursos, menos medicina. Eu falei não, não é o
que eu quero, então vou tentar mais um pouco.

Speaker1: [00:02:49] O que você acha que te influenciou a querer fazer medicina lá no
início?

Speaker2: [00:02:55] Olha para mim. De início, um dos meus motivos principais era a
minha irmã, que na época ela tinha uma depressão profunda e eu tinha medo de ela
não se curar. E aí, se eu não conseguisse salvar a vida dela, eu pensaria que através
do meu trabalho eu poderia salvar a vida de outras pessoas. Mas isso foi só um gatilho.
Mas os meus principais motivos não foram exclusivamente esses. Foi a ideia de ajudar
alguém, de poder fazer a diferença na vida das pessoas, de tratar as pessoas com
mais humanidade, que a gente sabe que hoje em dia isso se perde um pouco. Na
prática médica, a gente vem à medicina com uma rotina muito corrida, de muita
densidade de conteúdo, de estudos, até mesmo na parte acadêmica, que se estende
até mesmo nos atendimentos. Então, como nosso professor de ética já comentou, tipo,
a gente tem 15 minutos para fazer uma anamnese e ver o que o paciente tem, fazer
exame físico, aferir pressão, trazer um diagnóstico, atestado ou não, encaminhar para
exame e ainda conseguir criar uma relação com a pessoa. Então isso é o padrão 15
minutos. Não dá para fazer muita coisa com isso. Então acaba se tornando uma coisa
muito rotineira. Aquilo que você faz muito acaba botando no automático. E quando trata
pessoas no automático? Tu acaba trazendo aquela ideia de eu sou um ser humano
aqui, eu não sou uma doença, não sou só um convite, Eu sou mais do que isso. E é
isso que eu que eu quero trazer na minha formação e na minha carreira médica. Além
do que, eu também tenho experiência pessoal ruim. Já tive operação de clavícula e fui
muito mal atendido e aquilo me trouxe um estranhamento muito grande e uma
decepção muito grande, porque eu sempre fui muito admirador da área da saúde e
aquilo me motivou a fazer o oposto do que eu recebi de tratamento.

Speaker1: [00:04:50] Entende? A sua meta sempre foi passar para a UFES em
específico.

Speaker2: [00:04:56] Foi desde o início. Aí eu lembro que por conta da pandemia,
suspenderam os vestibulares por volta de 2020. Eu tentei o FDR, mas como não tinha
a base do conteúdo, apesar de o conteúdo ser o mesmo, ele muda a forma de ser
abordada, né? Então aí eu meio que vi que o FPR não era para mim. Continuei
focando na UFSC até conseguir, porque eu estava indo muito bem nas provas,
chegando cada vez mais próximo de passar, de faltar um, dois, três pontinhos. Só
questão de acertar duas, três questões a mais, um pouquinho a mais. Na redação eu já
passava, então eu falei não vou focar no que eu estou quase passando, que tentar
alguma coisa do zero você fazia.

Speaker1: [00:05:36] Só então a prova do vestibular, você chegava a fazer o Enem.

Speaker2: [00:05:40] Eu fiz o Enem duas edições, mas eu achei muito difícil, assim
não consegui me adaptar muito bem o Enem, porque ele acaba sendo uma prova
muito, como posso dizer, é uma prova muito ampla, ela não é muito seletiva. A prova
da UFSC, eu sinto que ela é mais direcionada, tanto é que os enunciados já tem
mencionam é isso, tipo outro, sabe? Tu não sabe. Eu gosto mais dessa ideia de, a
partir do pressuposto que a pessoa tem que saber o conteúdo. No Enem tu tem a
vantagem que eu tenho muita facilidade de interpretação de texto consegue muito bem
na prova, pelo menos no primeiro dia, garante uma aprovação. Em muitos cursos na
UFSC já não acontece isso. Tu tem que realmente saber, tem que dominar aquele
conteúdo de geografia, de história, de física, química, enfim, toda aquela infinidade de
coisas que a gente tem que estudar para a prova.
Speaker1: [00:06:30] E nem me parece uma prova de resistência. Eu nunca, nunca fiz
a da UFSC, mais a do ENEM é muito exaustiva.

Speaker2: [00:06:39] Várias fora da faculdade, tipo a da UFES, que agora mesmo que
não tem três dias, tá sendo só dois dias no meu dia, 04h00 no segundo que acaba
sendo 05h00. Mas o do Enem, o primeiro dia já é 05h30, meus 05h30 sentado. A
pessoa não vai nem no banheiro por medo de não sobrar tempo a transcrever a prova
para a limpo ou enfim, tipo eu, 05h30 sentado numa cadeira ruim, as vezes com sem ar
cansado na sala. Na época da pandemia mesmo, não podia nem comer. Então meu, é
realmente de resistência. Ponderou.

Speaker1: [00:07:15] Sim, então você também considerava outras federais ou


estaduais. Se você passasse para uma federal em outro estado, seria.

Speaker2: [00:07:26] Se eu passasse, eu faria. Tipo fiz. Eu fiz o Enem em duas


edições, não consegui nota perto para nada de medicina, mas se eu conseguisse, eu
iria. E aí, depois da pandemia que eu vi que a UFSC deu uma suspendida nos
vestibulares, aí eu fiz duas edições da UFPE na tentativa de passar. Mas cheguei perto
de pós segunda fase, mas não consegui. Só que se eu conseguisse, eu iria com
certeza.

Speaker1: [00:07:52] Em universidade particular. Chegou a ser uma opção.

Speaker2: [00:07:57] Eu cheguei a fazer no Sem Conhecimento a prova de 2017 da


ACAFE, do sistema ACAFE, que eu morava aqui em Blumenau e tinha a Furb. E eu
pensava em fazer um viés ou algo do tipo e na época a mensalidade estava quatro
500. Coisa que hoje está 9000. Então deu um salto gigantesco, dobrou o valor da
mensalidade, mas não acho que dá oito. Enfim, ainda assim inacessível. E eu pensava
em me formar e pagar depois de formado, sabe? Eu não precisaria mudar de cidade
nem nada do tipo. Só que daí a UFSC. A FURB não aceita fiés, então tem que pagar o
valor mensal todo mês certinho, não tem como tu postergar o pagamento. E ali eu fiz
uma edição e já abandonei e vi que realmente nas minhas condições financeiras a
federal era a única possibilidade. Até porque a gente sabe que a mensalidade mais
barata hoje de medicina é 8000, 9000 por mês na Unisul e 12 três. Não tem como.
Speaker1: [00:08:58] Sim, eu falei com gente que faz na Unisul, diz que começou a
fazer o curso quando era 6000 e agora está 12.000. É o dobro.

Speaker2: [00:09:07] Sim, é loucura.

Speaker1: [00:09:10] E como é tipo assim como a particular. Então onde você morava
não aceitava financiamento também não vale a pena fazer em outro lugar, né?

Speaker2: [00:09:18] Imagina o desafio É tipo aceitar fazer uma particular pela
proximidade. Como aquela particular não tinha o que eu queria, eu falei Então, já que
eu vou me mudar, que eu me mude. Não pagando, né?

Speaker1: [00:09:35] Sim. E você então trabalhava enquanto você estudava isso.

Speaker2: [00:09:41] Isso Exatamente. E a partir daí eu já trabalhei em alguns


empregos. Como eu comentei, eu mudei de Itapema trabalhando de empacotador de
mercado e sair para Blumenau. Eu comecei a trabalhando de montador de luminária. E
aí teve um período de uns oito meses, quase um ano que eu fiquei desempregado, que
era o período de alistamento militar, que realmente é bem difícil para os homens
conseguirem emprego nessa época. E aí, posteriormente a isso, já comecei a emendar
os mais fortes no vestibular. E aí comecei a trabalhar ali de ajudante de caminhão na
empresa. O trecho que eu comentei nas entrevistas, inclusive, e fiquei lá por dois anos
e meio. Trabalhei lá dois anos e meio. E aí lá minha rotina era de levantar quase todo
dia, às 04h30 da manhã, 05h00. Eu estudava das cinco até as 07h00. Ia para o
trabalho de bicicleta. Ficava das 07h30 até às 05h30, 06h00 trabalhando. Aí eu voltava
para casa das seis até as 06h30, mais ou menos. Eu estava em casa, jantava rapidinho
e aí estudava até umas 23h00 por aí e fui dormir por volta das 11, 11h30, meia noite.
Tinha dias que eu dormia 05h00. Eu dormia 04h00. Os dias que eu mais conseguia
dormir. Eu dormia 06h00, 06h00. Mas era muito. Era raridade. O meu padrão era
dormir 05h00 de cinco a 05h00. Meias.

Speaker1: [00:11:11] Isso por dois anos. Então. Enquanto você trabalhava
descarregando.

Speaker2: [00:11:15] Dois anos. Dois anos.


Speaker1: [00:11:16] Dois Foi o emprego que você ficou por mais tempo. Durante esse
período.

Speaker2: [00:11:21] Entre dois anos.

Speaker1: [00:11:23] Assim. Rotina? Rotina puxada.

Speaker2: [00:11:27] Eu ainda sou casado, né?

Speaker1: [00:11:30] Ai, meu Deus.

Speaker2: [00:11:32] A minha esposa.

Speaker1: [00:11:34] Tem que cuidar. Minha vó também.

Speaker2: [00:11:37] Sim, sim. Então daí, em 2020 eu saí da casa da minha avó e veio
meu tio morar com ela. Eu comecei a morar sozinho com minha irmã. E aí, em 2020,
minha irmã foi embora de casa, foi morar com marido dela. E aí eu comecei a morar
com a minha esposa lá em 2020, 2021, se não me engano, que ela veio morar comigo.
E aí, nesses últimos dois anos, a gente está morando junto. E aí foi azar. Essa questão
de a gente se dividir entre trabalho, estudo, casamento e ainda treinava jiu jitsu, então
foi uma forma de uma terapia para mim. Então foi. Como você consegue não dormir?

Speaker1: [00:12:17] Entendi. Então eu consigo com você. Você fez cursinho durante
esses dois anos?

Speaker2: [00:12:24] Eu fiz todos online. Tudo online. Tudo em casa. Até porque a
maioria deles pegava num horário que não batia com meus horários. Então eu preferia,
por exemplo, as aulas. Era o dia inteiro ou a manhã toda. Eu não conseguia fazer isso,
então preferia fazer online, porque se eu tinha, sei lá, cinco aulas no dia, eu preferia ver
um dia. Cada aula atrasava mais o conteúdo, mas pelo menos eu conseguia ver dentro
das minhas possibilidades do que eu não conseguia dar. Tipo 15h00 vendo uma aula
de matemática que era o horário do meu curso. Então eu ouvia.
Speaker1: [00:12:56] Depois entendi. E por quanto tempo você fez o cursinho online?

Speaker2: [00:13:04] Eu fiz ele. Por quatro anos eu fiz o geral. E aí nos dois últimos
anos eu fiz dois mais voltados mesmo pra pra UFES, que foi um de redação que é da
Janaína Lopes, que é o resulto, a redação e eu fiz o do 100, que é bem conhecido aqui
em Floripa, porque é o curso 100 de matemática. Só que eu fiz online também porque
eu morava em Blumenau e lá não tinha. E aí eu fazia esse online e. Era. Era assim,
tudo online. Nunca fiz nada presencial. Tudo por conta. Sim.

Speaker1: [00:13:43] Entendi. E enfim, era uma rotina muito puxada e imagino o que
você diria que era a parte mais cansativa, mais estressante.

Speaker2: [00:13:55] A mais cansativa e estressante para mim era o fato de dormir
menos. E o conteúdo também. E acaba sendo um conteúdo muito na linha da
imaginação, que não te ajuda a concretizar aquilo. Apesar de na faculdade ter muita
coisa que realmente já senti na primeira fase, aí já sei que não vai usar isso. Na
carreira médica tem muita coisa que é mais visual. Exemplo tenho aula teórica de
anatomia e na sequência ter aula prática. Então eu vejo aquilo. É diferente de estudar
física, leis de OM em que tu não consegue ver onde é que aquele. Aquela corrente
elétrica está sendo aplicada. Sabe, não é uma coisa muito de resistência, como a gente
ponderou, mas também de tipo decoreba. Gravar muita, muita coisa por um período de
um ano e dedicar todo aquele seu esforço de um ano numa única prova. Isso eu acho
muito injusto, sabe? Tipo, medir o conhecimento da pessoa por prova. Se fosse eu
escolher como é que se organizasse uma universidade ou algum processo seletivo, eu
não ia pôr prova que eu acho que a prova não é a melhor maneira, porque às vezes tu
não está num dia bom, às vezes você está nervoso, às vezes caiu o conteúdo que você
não era bom naquela parte, você tinha um domínio melhor de outra parte do conteúdo.
Então, tipo, é muito relativo, sabe? É a gente conversando entre a turma, tipo, a gente
já fez algumas provas esse semestre e todo mundo fez assim, decorou o conteúdo
para passar na primeira prova e até agora na segunda metade do semestre e focar em
aprender o conteúdo que não precisa mais de nota.

Speaker2: [00:15:32] Pode realmente. Agora eu quero entender como é que funciona,
articulação, como é que funciona o músculo, como é que funciona tal coisa. Ele não
está preso a nota e o vestibular é muito isso. Tipo precisa do nove, do precisa do dez.
Tu não precisa do conhecimento. Não importa se eu te fazer uma pergunta hoje, você
também veio do vestibular. Se eu te perguntar alguma coisa que te dou há dois, três
anos atrás, dificilmente vai lembrar de muita coisa, sabe? E isso é muito ruim, é claro.
Como ter o foco da pesquisa, as dificuldades. Eu vim de ensino médio, escola pública,
eu tive muitas aulas que eu nem tinha professor, tipo, simplesmente eu não tinha aula.
Eu lembro muito bem, tipo do meu nono ano do ensino fundamental, que eu tinha aula
de matemática e ciências com o mesmo professor e ele não vinha, simplesmente não
vinha. Então eu tinha segundas e quartas, que eram os dias que ele dava aula, que eu
não tinha aula, tipo, eu só ia para escola jogar bola. E eu sofri muito para conseguir
recuperar esse tempo perdido. Meu ensino médio também foi muito fraco, muito fraco.
Então, por exemplo, tem rapaz da minha turma que ele fez no ensino, energia, escola
particular. Ele passou direto do ensino médio, porque o ensino médio dele é 100.000
vezes melhor do que o meu. Então isso é uma coisa que acaba sendo um pouco
dificultosa de conseguir reparar. Tanto é que eu levei quatro, cinco anos pra conseguir
a mesma aprovação em medicina.

Speaker1: [00:17:00] Você acha que até essa diferença, tipo de condições de
universidade pública e universidades de universidade, não de escola pública para o
escola particular? Você acha que isso acaba tornando o espaço universitário mais
elitista, mais limitado?

Speaker2: [00:17:20] Na verdade, eu infelizmente acho que sim, de certa forma ciente,
é inevitável, porque são poucas pessoas que, por exemplo, eu imagine uma pessoa
que tem a mesma rotina que eu tive de trabalhar e estudar. São poucas pessoas que
abrem mão de tanta coisa, sabe? Tipo meu, muitas vezes eu tinha que deixar de ver
algum amigo, de ir no cinema, de jantar fora, de sair com a minha esposa, de fazer
muita coisa porque eu tinha que estar estudando. Às vezes acontecia de sexta feira à
noite, fazer um simulado de 05h00 dormir meia noite, quase acordar no outro dia,
04h00, fazer hora extra no sábado. Não é todo mundo que faz isso, sabe? Tipo, é uma
coisa que acaba selecionando muito, tipo, seleciona muito mesmo quem realmente vai
estar estudando e. Apesar do sistema de cotas ser uma das alternativas para resolver
isso, definitivamente não resolve. Ele ameniza De certa forma. Ameniza, claro, mas ele
não vai resolver o problema. É um sistema, uma coisa muito mais ampla que a gente
não vai conseguir uma discussão solucionar. Mas realmente, respondendo tua
pergunta, eu acho que sim, que é uma coisa que de certa forma. Dificulta um pouco
mais para quem vem de escola pública, para quem vem de renda baixa,
principalmente.

Speaker1: [00:18:43] E em relação à sua rotina de estudo para vestibular. É uma rotina
muito desgastante. E eu queria te perguntar assim em que outros aspectos da sua vida
servir essa rotina, afetando sua vida pessoal ou sua saúde mental? Você via impactos
disso?

Speaker2: [00:19:07] Sim, eu vi isso no meu próprio trabalho. Eu tentava não trazer
aquilo pro trabalho, mas era inevitável. Eu tinha um chefe um pouco rigoroso demais,
então ele pegava bastante no meu pé. No dia que eu tinha feito um simulado, não tinha
ido bem. Eu tentava ao máximo não transparecer isso, mas ele viu que eu estava mais
calado que eu, estava meio desatento nas funções que eu estava designado a fazer e
isso de certa forma também impactava. Até no meu relacionamento com a minha
esposa. Às vezes eu ficava desabafando demais. Ela queria falar de algum filme, de
alguma coisa que ela viu. Eu falei meu, realmente esse filme é legal, mas é aquela
prova que eu tenho de fazer e não sei o que. Então, tipo, nossa, foi uma resistência pra
ela conseguir me suportar nesses anos aí, porque não é fácil. E eu digo isso porque eu
sou casado, mas tem gente que não é casado e vomita esse tipo de coisa na mãe, no
irmão, no pai. E a gente sempre tem isso, não só para o vestibular de medicina, isso
para tudo, para a vida.

Speaker2: [00:20:09] A gente tem alguém que a gente vai contar nossas fraquezas,
nossas, enfim, nossas dificuldades. E no vestibular, de modo geral, para os concursos
mais concorridos, bota isso lá. Medicina, engenharia e direito, que hoje de cabeça eu
acho que são os tops de concorrência, exige demais do psicológico da pessoa e por
consequência, afeta. Então assim, às vezes tu tá lá. Eu tava lá no cinema vendo um
filme com os meus amigos e eu pensando assim meu, amanhã eu tenho que fazer um
simulado porque falta um mês pra minha prova. Cara, tu não quer estar nesse
sentimento, mas é uma coisa tão natural, sabe? Eu acho que foi um dia totalmente
aleatório. Eu trazia o assunto do vestibular medicina. Parecia que não existia um Tiago
separado da medicina, parecia que eu era medicina. Então isso é uma coisa muito
ruim, que é uma coisa que é como eu falei, essa cultura de tipo tu precisa do dez, tu
precisa do nove, tu precisa da nota máxima. Isso é muito lesivo pro teu cérebro
mesmo, pro teu convívio em sociedade, eu acho.
Speaker1: [00:21:16] E tem muitas pessoas que falaram comigo sobre esse período de
estudar para passar e falaram que isso se tornou uma espécie de obsessão para a
pessoa. Você se identifica com isso?

Speaker2: [00:21:29] Sim, até acontecia. Às vezes eu tô conversando com a minha


mulher e tipo, a gente vai sair e vai na casa dos meus pais o fim de semana e tal. E
acontecia de eu não não estudar num domingo, não estudar num sábado. E eu tava lá
todo dia. Eu podia estudar tipo, nem que seja dez minutos naquele dia, mas era
sagrado. Todo dia eu tinha que estudar. Aí acontecia situações como essa que eu
mencionei, de eu não consegui estudar naquele dia. Eu me sentia tão mal, tão mal.
Parecia que, sei lá, um exemplo eu estava fazendo dieta um mês e eu comi um
brigadeiro. Aquela sensação de meu Deus, eu não acredito que eu fiz isso comigo.
Como se aquele dia único que eu resolvi me dedicar para minha família e deixar meu
psicológico se recuperar, eu não ia passar, eu não ia conseguir o necessário. É uma
coisa que mexe muito com a cabeça da pessoa.

Speaker1: [00:22:21] Então você acha que a questão da concorrência, tipo de pensar
Ah, enquanto eu estou aqui descansando, tem alguém que está estudando e essa
pessoa vai passar. Você acha que isso a afetava muito.

Speaker2: [00:22:31] Muito, muito. Até porque eu pensava assim gente, eu trabalho
das 07h30, trabalhava no caso das sete, mas 05h30 da tarde. São dez horas, que é o
que alguém que é meu concorrente tem na minha frente. São dez horas. Então ele
ganha muito em quantidade. Eu tenho que ganhar muito em qualidade. Então eu fazia
de tudo para conseguir recuperar esse tempo perdido, fazer de tudo. Tanto é que eu vi
que o esforço foi tão acima do que precisava que eu até consegui a primeira colocação.
Tipo a prova de que realmente eu estava meio pirado nisso. Tipo, eu preciso, preciso,
preciso. É realmente a única válvula de escape era no fim de semana, às vezes
quando dava sair, ou nas terças e quintas que eu fazia jiujitsu, que foi a coisa que mais
me ajudou a controlar o emocional.

Speaker1: [00:23:18] Enfim. Durante sua trajetória de você estudando para passar,
qual foi você diria ser o momento, seu período de maior estresse?
Speaker2: [00:23:30] Na semana anterior, antecedente à prova na semana
antecedente à prova. Nem eu me aturava. A sério. Era assim, eu ficava assim. A prova
está chegando, não vou conseguir e não vai dar certo. Eu vou desistir, Eu não vou nem
na prova, não vou na prova porque eu sei que eu vou tirar zero. E aí começa a
vingancinha que ele parece um terrorista dentro de você mesmo te dizendo que tu não
vai conseguir, então é a pior coisa. Semana da prova é aquela ansiedade, só que
depois que passou a prova, pelo menos já fez. Então você ficar muito triste não vai
mudar o resultado, mas também a semana antecedente, a prova e o pós prova é muito
ruim. Parece que tomou uma surra do teu psicológico, do teu corpo e tu só fica
pensando em aquela questão. Podia ter acertado, Eu acho que não vou ter a
pontuação necessária, acho que eu não vou conseguir dessa vez. São os dois
momentos piores quando a gente vê que o vestibular final do ano pega fevereiro. Vai
ver que o cara que estuda para medicina vai estar mais feliz da vida dele, porque já
passou a prova mesmo, que ele vai ter que estudar de novo. Ele tem nove meses, dez
meses pra se preparar, então vai ser um momento em que ele vai estar vendo a família
dele, ele vai estar vendo os amigos. Isso é uma coisa que eu sentia muito tempo No
mês antecedente à prova, na semana antecedente, a prova não tinha ninguém. Eu me
isolava numa bolha e era só livro, livro, livro, livro. E até ao momento que chegasse a
prova eu podia dizer Ufa, agora eu posso voltar a viver.

Speaker1: [00:25:00] Humm, entendi. Você sentia muita pressão externa ou interna
para passar?

Speaker2: [00:25:08] Sentia, sentia, mas não dava bola. Tentava meio que me blindar.
Isso porque eu partir do pressuposto que de gente me pressionando já bastava. Eu já
bastava. Eu me cobrando, eu dizendo que o que eu deveria alcançar, o que eu deveria
conseguir. E também partindo do pressuposto que quem estava estudando era eu,
então só deveria dar satisfação a mim mesmo, não a um tio que não me vê ou uma tia
que não ajudou em nada. Não sabes. Primeiro que eu pagava meus próprios
cursinhos, então se eu deveria situação alguém era a minha esposa que morava
comigo, então ela nunca me pressionou. Então, nesse sentido Não, claro, tenho. Tinha
parentes que falavam como eu mencionei no começo, tipo de faz outro curso e tal, mas
eu nem dava bola, realmente não deixava me afetar por isso.
Speaker1: [00:26:01] E enfim, você passou bastante tempo estudando para passar e
no último ano você passou em primeiro lugar, né? O que você acha que foi assim,
digamos, a virada? Ou você fez alguma mudança estratégica para conseguir esse
resultado?

Speaker2: [00:26:16] Olha, por incrível que pareça eu estava vindo de uma sequência
muito forte de estudo e no último ano até estava comentando com a Caique e a minha
mulher de que eu enrolei muito para começar a estudar. Eu fiz uma prova em 2022
muito boa e aí entre 2020 e 1, se não me engano. Eu fiz ela muito boa. Eu não passei
por dois pontos e aí eu pensei meu, to na boca do gol, eu tô quase conseguindo. E aí
eu fiquei meio feliz demais e triste ao mesmo tempo. Então larguei o vôlei um pouco
mais para começar a estudar. Então a minha rotina de estudo era começar. Como te
falei, por volta de março e eu comecei lá em abril, maio e eu falei bem, não vai dar
certo, eu não vou conseguir passar. Eu enrolei demais pra começar, só que tipo, nesse
enrolar demais eu cuidei muito do meu psicológico, eu treinava mais, eu saía mais, eu
via mais os meus parentes. E aí como eu já estava vindo de quatro anos de cursinho
online, de uma nota quase a prova teórica, eu consegui dedicar muito tempo ali. Então
os poucos meses que eu me dediquei nesse último ano, seis meses e sete meses, ali
eu consegui uma assertividade muito boa. E claro, os últimos cursinhos que eu
adicionei, além do do padrão ali, que era o Enem, que é um estilo de descomplica,
assim eu adicionei ele o Como eu te falei, o de matemática e o de redação, que eram
os dois pontos fracos que eu tinha ainda. Então eu saí de 03h30 em matemática e fui
pra 7,5. Então dobrei minha nota de matemática, a redação. Eu tinha vindo de um set
com a minha quase aprovação, eu subi para 8,5. Então foi o que eu precisava lá. Ainda
esse tempo que eu demorei um pouco mais, que talvez não seria aconselhável para
outras pessoas, mas para mim, permitiu eu controlar o meu emocional e conseguir a
aprovação em primeiro lugar.

Speaker1: [00:28:12] Eu tive então que o psicológico foi uma das chaves para você. O
psicológico estável.

Speaker2: [00:28:18] Sim, o psicológico mais estável foi uma chave para conseguir,
porque de todas as provas que eu já fiz, eu lembro claramente que a última que eu fiz
foi a única que eu estava 100% tranquila, até porque não sei se você soube. Acredito
que sim. Essa última prova do vestibular não teve redação tradicional. A dissertação,
então, foi uma surpresa pra muita gente. Eu vi gente ao meu lado chorando,
cabisbaixo, que deitou na mesa em cima da prova e eu passei assim, passou assim a
voz na minha cabeça dizendo cara, tentando que vem de novo. Realmente não vai ser
dessa vez, porque tu não treinou tanto dissertação que não fosse a tradicional, então
não vai dar para ti. E aí eu parei uns 10/2 e falei Não! Eu estudei pra caramba pra estar
aqui dentro. Eu vou passar essa porra, vai ser hoje. E eu botei bem assim na minha
cabeça. Eu tava meio que como um mantra assim eu vou pegar o que é meu, eu vou
buscar o que já é meu, só tô pegando a vaga que é minha por direito. São dez vagas
pra 1000 pessoas, mas uma vaga é minha. As pessoas que briguem pelas outras nove.

Speaker1: [00:29:23] Início Ação dez vagas.

Speaker2: [00:29:27] São dez vagas.

Speaker1: [00:29:29] Se você passou no caso com cotas para ensino público, você
passou em ampla concorrência. Entendi.

Speaker2: [00:29:37] Eu passei pra escola pública, primeiro lugar geral de todos os
cursos de escola pública. Primeiro.

Speaker1: [00:29:45] Caramba! E enfim, qual foi a sensação da aprovação?

Speaker2: [00:29:52] Aí foi muito. Mas foi engraçado também, porque eu estava assim,
com muito nervosismo. Eu comentava com o pessoal do treino que eu falava bastante
com eles, comentava com a minha esposa porque eu tinha uma nota muito boa. A
minha nota eu conseguiria passar em primeiro lugar desde 2012, então eu olhei a nota
de corte desde 2012. Então pegar os 2012 1003 até 2022, eu passaria em primeiro,
segundo ou terceiro lugar. Eu estava em dúvida se eu ia passar. Ou será que eu vou
passar mesmo? Está muito bom para ser verdade se a nota de corte aumentar e tal. E
aí, beleza, Estava nessa indecisão e aí eu falei esse vai ser o resultado, sei lá, na
terça. Daí na segunda feira eu tinha falado com minha esposa vou deixar tudo no
silencioso, porque às vezes, no dia a dia do trabalho, às vezes alguém me manda uma
mensagem ou óleo. Eu tinha medo de a minha professora mandar alguma coisa. Já
passou e eu queria saber isso. Estando em casa, brindei de todas as formas. Deixei
tudo no silencioso, quase que não levei o celular pro trabalho. Eu estava
descarregando o caminhão de malha. E aí me ligaram da UFSC. Daí eu falei oi? Daí
que só marcava Florianópolis. Eu falei Oi, que que deu? Pensei que era cobrança de
time, alguma coisa que a gente nunca pensa que é coisa boa. Aí a moça falou assim
Não. Só queria te ligar pra dizer que te passou em medicina. Tá bom? Bem, sim. Só
tava esperando essa notícia há 20 anos da minha vida. Mas enfim. Aí fiquei feliz pra
caramba. Liguei pra minha esposa, ela começou a chorar, só que não me falaram a
posição. Daí levei meus pais lá e aí foi terceiro colocado, segundo colocado. E quando
vi que meu cel. Se eu estou entre os três e não fui o terceiro nem o segundo. Nossa, aí
que eu vi que eu tinha ficado em primeiro lugar. Daí quando caiu a ficha sim, foi. Foi
mágico. Tipo, tu vê que valeu a pena todo esforço que tu fez, mais do que precisava.
Isso foi muito.

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