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SISTEMA NACIONAL

,
DA ECONOMIA POLITICA

Friedrich List

Tradução de
EDU ARDO DE SoUSA FERREIRA e KARIN PAUL FERREIRA

Prefácio de
EDUARDO DE SoUSA FERREIRA

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN


Serviço de Educação e Bolsas
Tradução do original alemão
intitulado
DAS NATIONALE SYSTEM DER POLITISCHEN ÓKONOMIE

de
Friedrich List

(Edição popular com base na edição do próprio autor


e nas notas à margem no original manuscrito)

A publicação d es ta obra
foi apoiada por um subsídio do Goethe Institut

Reservados todos os direitos


de harmonia com a lei.
Edição da
Fundação Calouste Gulbenkian
Av. de Berna. Lisboa
2006
NOTAS PRÉVIAS
SOBRE A HISTÓRIA DA OBRA

"O Sistema Nacional da Economia Política. Dr. Friedrich


List. Primeiro Volume. O Comércio Internacional, a Política
Comercial e a União Aduaneira Alemã" surgiu por mão da
famosa editora Cotta, na Primavera de 1841. Este volume
constitui a única obra abrangente e completa, dedicada à
economia que List publicou em vida. Outlines of Arnerican
Politicai Economy, um pequeno rascunho da teoria, publi-
cado em 1827, em Filadélfia, em forma de doze cartas, coincide
já, na sua orientação geral, com o Sistema Nacional, embora
sem ter ainda o desenvolvimento conceptual do período
posterior.
A segunda obra sistemática de List, Das Natürliche
System der Politischen Ókonomie, escrita em Dezembro de
1837 e apresentada em francês como obra premiada pela Aca-
démie des sciences morales et politiques de Paris, redes-
coberta em 1925 e publicada pela primeira vez em 1927, é, na
sua estrutura global, idên"tica ao Sistema Nacional. Mas a
extensão do sistema parisiense dificilmente alberga metade da
obra alemã: os capítulos de História, em especial a abordagem
aos sistemas dos teóricos franceses e ingleses, são muito mais
curtos, a teoria das forças produtivas, no seu afastamento da
"Teoria do Valor", ainda não surge completamente desenvol-
vida, e o quarto livro do Sistema Nacional - "A Política " -
falta de todo. Em compensação, a teoria dos estádios foi des-

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crita na situação "académica" parisiense de forma exaustiva e
numa minuciosidade únicas. É aí que reside o valor especial e
permanente da obra premiada. Contudo, pelo alcance e desen-
volvimento de todas as partes, o Sistema Nacional permanece
como a obra principal definitiva.
Imediatamente após o seu aparecimento, o Sistema
Nacional granjeou reconhecimento e críticas numa medida
invulgar. Na Alemanha permaneceria a obra mais polémica da
economia nacional até à Primeira Guerra Mundial.
List propôs-se como objectivo delinear uma teoria da
produção numa base nacional e não do ponto de vista das
empresas individualmente, ou seja, mostrar, como o "capital
mental nacional" - as instituições sociais, jurídicas, culturais
e políticas - influencia a economia e como ambos os campos se
ligam internamente enquanto 'forças" que se impulsionam
reciprocamente. As qualidades mentais e políticas são forças
mais importantes e mais duradouras para "atingir a riqueza"
do que a riqueza do "mundo das mercadorias" alcançada em
dado momento. "A História ensina [... ] que os indivíduos
criam a maior parte das suas forças produtivas a partir das
instituições e das condições sociais." E a limitação do "traba-
lho produtivo" a actividades que entram directamente como
factor no preço das mercadorias é poderosamente anulada.
A objecção principal era e continua a ser que a noção de forças
produtivas ultrapassa os factores meramente económicos e,
apesar disso, pretende ser a teoria económica mais correcta.
O parecer dos eruditos da época foi significativamente
discrepante. Bruno Hildebrand 1, o nobre criador intelectual da

1Ver, quanto a este autor e suas obras, bem como aos


citados mais adiante, o comentário relativo ao Sistema Nacional

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política social alemã, explicou assim o mérito de List: List
forçou os economistas alemães a estudarem História. Mas ao
mesmo tempo afirma, baseando-se apenas numa das menos
importantes formulações da teoria dos estádios, que o pensa-
mento de List é completamente desligado da História. Uma luz
· especialmente pequena, e cujo nome não deve ser novamente
despertado, queria "núma linguagem tão pouco digna[ ...] em
presença de ideias tão erradas, abster-se de uma condenação
pública deste livro, se nós entretanto não tivéssemos podido
presenciar que a mesma goza das boas graças do público ... "
A crítica do homem é um livro de 228 páginas. Wilhelm
Roscher, cabeça da Escola Histórica, mais antiga, concorda
com aquela opinião, ao mesmo tempo que critica a teoria de
List, "respeitando", no entanto, "o sentido prático ao mais alto
grau". E continua: "Um livro inteligente deste género não
pode ser suficientemente bem-vindo no nosso país [... ]
Quisesse Deus que tivéssemos mais obras destas[ .. .)Podemos
responder que ele é o teórico da grande união aduaneira. "
E Roscher termina com a afirmação: "Afasto-me do autor com
a maior consideração e estima. Se o seu livro fosse de menor
significado, eu tê-lo-ia julgado com menos severidade. Não
duvido de que a obra sobreviverá ao seu século."
Os seus contemporâneos não conseguiram furtar-se ao
poder vivo e à linguagem nova nas ciências económicas,
mesmo quando, como aquele homem "sóbrio"- que não foi o
.. único-, escreveram livros inteiros para injuriar List. O efeito
não reside apenas na riqueza dos pensamentos e na elementar
colocação da pergunta: por que motivo alguns Estados ascen-

constante do volume 6 da edição-padrão Friedrich List,


Schriften, Reden, Briefe, Editora Reimar Hobbing, Berlim, 1930.

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deram da pobreza à riqueza e ao poder, e por que motivo outros
voltaram a cair depois de alcançarem certa altura; reside tam-
bém, e principalmente, na originalidade de List, no Jacto de
não partir de formulações abstractas de perguntas. Os seus
artigos e escritos, que pe1jazem cerca de um milhar, surgiram
todos em situações em que List pretendia agir na qualidade de
autor e político. As questões da actualidade são abordadas com
um espínto de iniciativa apaixonado e, graças ao seu extenso
conhecimento e à sua ampla visão do mundo, inseridas em
grandes contextos históricos e políticos, político-económicos e
teóricos.
Esta vontade de passar directamente para a acção dá aos
trabalhos do grande autor da Suábia a força linguística e a
clareza de estilo, que só teria a perder com "certezas" cientifi-
cas, e a singular vivacidade de expressão que, na nossa ciência,
conferem aos seus escritos um valor duradouro, deles Jazendo
monumentos da língua e da história alemãs. Nisso List encon-
tra-se acima de todos os especialistas do seu tempo e a lingua-
gem possui uma força criadora, porque as suas palavras são
inspiradas pelo incansável empenho pessoal nas próprias con-
vicções e por uma elevada vontade política. A poderosa uni-
dade do pensamento, da vontade e da força expressiva levou
Levin Schücking a dizer à beira da sua sepultura: "Ele era a
iniciativa em pessoa. "
Os antecedentes e a composição do Sistema Nacional
ocorrem em solo francês. List · era totalmente alemão, mas
igualmente europeu e não só. O conceito das "nações ambicio-
sas", que englobava sobretudo a Alemanha com a Holanda, a
França, a Monarquia do Danúbio e também a América do
Norte, e que, para ele, constituía uma unidade vivida, fizera
dele um cidadão do ·mundo. Quando, em Filadélfia, Paris,

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Bruxelas ou em Viena e na Hungria, trabalhava pelos interes-
ses destes países, agia, tal como na Saxónia ou na Turíngia,
por uma causa comum que era simultaneamente um interesse
alemão. No período inicial e médio de criação, esta "aliança "
ideal encontra-se perante a Inglaterra, à qual dirige igual-
mente o seu amor, assim como toda a sua luta. As. consequên-
cias destruidoras das exportações britâ~Jicas a preços mais
vantajosos para os pequenos Estados alemães transformaram
List, na sua atitude de defesa, no político de economia dos
Estados alemães e, pouco depois, da União Aduaneira Alemã.
O efeito intelectual sobre o pensamento económico dos países
continentais, e especialmente na sua pátria, da teoria inglesa
do com~rcio livre - que, naquela altura, nem a própria Ingla-
terra seguia - empurrou List para a formulação da sua contra-
teoria histórica e nacional dqs forças produtivas e do desenvol-
vimento por estádios. Assim, as realidades inglesas foram os
motivos indutores com que o alemão da Suábia cresceu na sua
vontade apaixonada de forma a conseguir um equivalente para
a Alemanha. Assim, List escreveu a sua ambiciosa teoria da
política económica, na qual as diferentes etapas de desenvol-
vimento dos países- da Inglaterra, como dos Estados ambicio-
sos e dos Estados produtores de matérias-primas -ocupavam
lugar especial e conservavam a sua própria política económica
traçada.
A teoria das forças produtivas e do desenvolvimento por
estádios é a tentativa gigante de ligar a "ciência e a prática",
passando por juízos históricos, a uma nova teoria unitária.
Uma tal tentativa só podia ser levada a cabo por um autodi-
dacta "sem ensino formal", mas que fosse um pensador cria-
tivo e se distinguisse por uma vontade apaixonada. E, na ver-
dade, a obra é um monumento ao seu espírito na história

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alemã, com grande efeito prático no seu tempo, assim como
uma contínua advertência aos teóricos da economia de que os
processos puramente económicos são sempre abstracÇões teóri-
cas ... para a teoria desligados da unidade e do todo da vida
social e política.
Nao temos um segundo pensador assim eloquente que
sublinhasse com tanta insistência como Friedrich List, com a
sua teoria abrangente das forças produtivas, a dependência da
prosperidade económica dos factores educação, justiça, inven-
ções científicas, até ao Estado e à política. List permanece uma
advertência, mesmo quando a teoria, para ser útil como ciência
. especial, é obrigada a trabalhar com conceitos "mais exactos".
Face a toda a crítica dos especialistas, permanece a peculiari-
dade desta obra no seu valor próprio como criação de uma
teoria da economia que transcende o campo económico. Desde
1819, List entregou-se de alma e coração à ambição da unidade
alemã, promoveu a construção do caminho-de-ferro com a
experiência ganha com a iniciativa das terras virgens adqui-
rida na América e fomentou, com autoridade, a formação da
união aduaneira através da sua teoria político-comercial.
Voltemos à história do aparecimento do Sistema Nacio-
nal em Paris. Como se esclareceu, para o patriota alemão List,
não constituía nenhuma contradição o facto de se encontrar
noutro país a trabalhar na sua aliança continental. Pela sua
actividade bem sucedida como autor e pela sua colaboração
prática ·na concretização do início de um "sistema de cami-
nhos-de-ferro da Saxónia como base de um sistema ferroviário
que se estendesse a toda a Alemanha", como consta do título
de um dos seus escritos mais conhecidos, List foi despachado
com um "presente de honra", sem encontrar lugar de posição
social na primeira grande sociedade de caminhos-de-ferro.

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Decepcionado com este fracasso, partiu, no Outono de 1837,
para a Bélgica e para a França, para trabalhar novamente
como consultor dos governos para a construção europeia dos
caminhos-de-ferro. Mas, entretanto, deparou-se, pouco depois,
em Paris, com um prémio da Academia sobre política adua-
neira e comércio livre. E o programa redigido por Charles
Dupin, cujas Forces Productives de la France ele há muito
apreciava, levou-o a aproveitar a oportunidade. Assim, escre-
veu em poucas semanas o seu primeiro sistema da economia
política. Com efeito, o trabalho recebeu grandes elogios por
parte da Academia, mas não o prémio, que teria dado ao autor
reconhecimento e peso públicos, não só na França. O manus-
crito permaneceu por imprimir e sem ser utilizado e, mais
tarde, seria mencionado por List apenas superficialmente. Até
à publicação das cartas, em 1933, ignorava-se também que
List, na mesma altura, entregou ainda à Academia outra
obra premiada sobre meios de transporte, que permanece desa-
parecida.
Para Liste para a posteridade, a não publicação do "Sis-
tema Natural" teve a consequência positiva de o fazer alargar
os seus estudos de História e desenvolver as suas ideias siste-
máticas em Paris, até estar completamente madura uma nova
obra abrangente. Assim surgiu o Sistema Nacional, enquanto,
ao mesmo tempo, eram publicados pela editora Cotta artigos
sistemáticos de maior extensão, análises autónomas e precur-
. saras daquela obra.
Primeiro planeou-se publicar a nova obra nas línguas
francesa e alemã- muitos capítulos da versão francesa encon-
tram-se no Arquivo de Reutlingen; mas depois, com uma sepa-
ração interior da França, orientou-se para a União Aduaneira
Alemã, cuja continuação, naquela altura, ainda não estava

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assegurada. De 1838 até ao início de 1840 deveria ser redigida,
em Paris, a totalidade do sistema alemão. Não se pense que
·. List se tornou, por esta, altura um teórico coleccionador de
material. Sabemos que o "Sistema Natural" estava concluído
em quatro, cinco semanas. Sobre as etapas da escrita do Sis-
tema Nacional não possuímos qualquer informação precisa,
uma vez que uma parte dos papéis de Paris se perdeu na via-
gem de regresso à Alemanha. Mas conhecemos a extensa acti-
vidade literária que List desenvolveu nestes anos a partir de
Paris e com destino à Alemanha. Centenasde artigos publica-
dos no Augsburger Allgemeinen Zeitung, os ensaios, mais
extensos, na revista Deutsche Vierteljahreschrift e também
a tradução anónima das "Ideias Napoleónicas" de Louis
Bonaparte recaem sobre a época parisiense.
Os artigos de List sobre a política aduaneira foram sendo
divulgados à medida que ele se afirmava, desde 1833, através
da sua colaboração na construção do caminho-de-ferro Leipzig-
-Dresden, depois, através da sua revista Das Eisenbahnjour-
nal (de 1835 até 1837), como porta-voz e especialista dos
grandes empreendimentos económicos do seu tempo. A sua
influência sobre a construção das linhas ferroviárias alemãs
atingiu o apogeu em 1840141 e trouxe-lhe o título de Doutor
·. h. c. da Universidade de Jena.
Quando, na Primavera de 1840, List regressou a Leipzig
- depois escolhendo Augsburg para uma estada prolon-
gada - , podia considerar-se o porta-voz reconhecido em ques-
tões de caminhos-de-ferro; após as publicações preparatórias,
com a obra-prima pronta no bolso, podia reconhecer-se como o
criador de uma nova teoria económica; e, na sua aplicação à
União Aduaneira Alemã, como o líder intelectual da política
económica alemã. E a construção da unidade económica de

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mercado era, na altura, o único ponto importante da política
alemã em geral. List preparara cuidadosamente a sua nova
aparição na pátria. Se, enquanto cientista, precisava de
extenso reconhecimento público, enquanto indivíduo parti-
cular, queria negociar com soberanos e governos como se fosse
·. detentor de um alto cargo público. O facto de o ter conseguido
sempre de forma admiravelmente ampla, desde os anos passa-
dos na América, é significativamente mérito da sua pessoa e
constituiu uma condição da sua eficácia. O nome de List
estava em todas as bocas, e o Sistema Nacional, quando foi
posto à venda, em Maio de 1841, pôde contar com o maior
interesse dos cientistas e dos homens que lideravam a econo-
mia e a vida pública, e ainda com a simpatia de uma vasta
camada de eruditos. "Ele foi o primeiro economista nacional
alemão que transformou a ciência numa causa do povo", afir-
mava Hildebrand. Passados apenas alguns meses, o livro
estava esgotado; apareceram novas edições em 1842 e1844 e,
nos últimos anos de vida, List preparou a quarta edição. Após
a sua morte, em 1850, um seu amigo, o historiador Ludwig
Hiiusser, publicou o Sistema Nacional como volume especial
das obras completas numa edição de dois mil exemplares, o
dobro da edição anterior.
Independentemente das inúmeras impressões parciais
posteriores, a editora Cotta publicou, em 1877, uma quinta
edição incompleta e uma impressão completa como sexta edi-
ção. Em 1883 surgiria a sétima edição, com a preciosa "Intro-
dução Histórica e Crítica " de Eheberg, que reapareceria em
1925, pela mão da velha editora, e enriquecida com uma
bibliografia. Entre 1904 a 1928, a Editora Fischer publicou
cinco edições para uso académico, e em 1930 a obra surgiu com
o texto revisto, anexos e comentário, formando o sexto volume

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da edição académica dos escritos, discursos e cartas, organi-
zada pela "List Gesellschaft", fundada em 1926. A principal
obra de List permaneceu, assim1 sem interrupção, no mercado
editorial, como a única obra de economia da primeira metade
do século XIX.
A primeira h-adução integral do Sistema Nacional edi-
·. tou-se logo em 1843, na Hungria. Em 1851 e 1857 saíram as
edições francesas de Richelot, o primeiro historiador da União
Aduaneira Alemã. As edições em língua inglesa foram publi-
cadas em Filadélfia em 1856, em Melbourne em 1860, em
Londres em 1885, e uma edição simultânea saiu em Londres,
Nova Iorque e Bombaim em 1904 e 1909. A tradução súeca
apareceu em 1888, uma russa em 1891, a que se seguiram
duas edições em língua chinesa, em 1927 e 1929.
À informação externa sobre o Sistema Nacional, além
da história prévia, do aparecimento e divulgação da obra, per-
tence também a questão, nada fácil, de saber se permaneceu ou
não Úma obra parcial, incompleta. O título das três edições, de
que o próprio List tratou, diz-nos inequivocamente, que do
Sistema só existe o primeiro volume: "O Comércio Interna-
cional, a Política Comercial e a União Aduaneira Alemã".
Também a preparação de uma quarta edição no exemplar da
edição do próprio autor apresenta apenas correcções estilísti-
cas, faltando, como nas edições anteriores, toda e qualquer
referência a um volume de continuação. Mas noutros locais
são conhecidos muitos planos de continuação.
Todavia, coloca-se a questão de saber se o Sistema
Nacional, tal como existe, é uma obra incompleta. Segundo os
conhecimentos actuais sobre os trabalhos e a atitude de List
após 1841, tal hipótese pode, na generalidade, ser negada.
Apenas permanece em aberto se List, caso tivesse tido vagar,

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escreveria um volume de continuação. Com isso não deve
dizer-se que a força criativa de List se encontrava esgotada -
os trabalhos que se seguiram podem mesmo considerar-se o
ponto alto de toda a sua obra. Trata-se aqui simplesmente da
questão mais restrita de uma continuação directa do Sistema
Nacional. A afirmação de que a teoria sistemática de List se
encontra completa na principal obra publicada simplesmente
não é posta em questão por tudo o que sabemos a partir de
cartas, material de arquivo e da revista da União Aduaneira
no que se refere a eventuais planos de continuação. Mas, por
outro lado, a recusa muito tardiamente declarada de escrever
outros volumes não pode ser vista como resolução inequívoca
da questão.
Depreende-se logo do título que, durante a escrita, List
pensava numa obra. constituída por vários volumes. A editora
Cotta, após o êxito do primeiro volume, pressionou de imediato
a continuação, sobre a qual também List se pronunciou várias
vézes nos dois anos seguintes. Os planos mais tardios, que se
es tendem a.té aos últimos meses da sua vida, possuem outro
carácter.
Essencialmente, List tencionava no princípio desenvol-
ver a política comercial da União Aduaneira Alemã num
segundo volume e discuti-la com os numerosos críticos. Mas
só em Dezembro de 1843, quando foram escritas as 12 valiosas
"Cartas sobre as Grandes Questões Actuais" é que se encontra
o indício concreto de que estas e outros artigos poderiam servir
de preparação para um segundo volume. Antes, List apenas
pensara de forma mais concreta na política agrária para o
terceiro volume. O grande ensaio "A Situação Agrária, a
Economia Anã e a Emigração", de 1842, cujo texto integral só
seria publicado em 1928, foi para ele, durante muito tempo,

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como a execução parcial do terceiro volume do Sistema
Nacional.
Já nos seus primeiros tempos de funcionário, List
ocupou-se intensamente da questão - tão premente naquele
tempo como hoje - do parcelamento agrícola e da reunião
de parcelas. A publicação parcial, em 1842, na revista
Vierteljahreschrift da editora Cotta, encontrara também
ampla divulgação como edição especial para um congresso. De
forma semelhante à obra principal, com uma abordagem
histórica e através de comparações internacionais, surgiu um
pequeno volume completo, com quase um terço das dimensões
do primeiro volume. Mas List rewsou o conselho da editora
Cotta para uma edição integral c nfaltam outros pontos de
r~ferência que confirmem que tenha feito mais alguma coisa
para este "terceiro volume". Além disso, a agricultura
ocupava o seu firme lugar sistemático na teoria dos estádios.
No entanto, List debruçou-se ainda sobre esta área em artigos
isolados e, através da sua actividade pública na Áustria e na
Hungria em 1844 e 1845, as questões agrárias, na sua relação
cmn a "reforma económica da Hungria " e com a emigração
alemã, tornaram-se-lhe novamente actuais. Permanece assim
em aberto se List~ caso tivesse vivido mais tempo, teria
regressado à elaboração de um volume separado do Sistema
Nacional.
A discussão com os críticos, evidente em muitos locais da
revista da União Aduaneira, teria constituído um alargamento
lógico do primeiro volume; daí que uma parte tivesse sido
inserida na edição de 1930, como anexo.
O ímpeto da actividade que, após a permanência em
Paris, irradiava para todos os lados, também não deixou a List
mais do que algumas semanas de sossego para a elaboração de

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uma obra sistemática de ambos os trabalhos de Paris. Assim, a
continuação da sua teoria encontra-se nos artigos e nos ensaios
da revista da União Aduaneira que publicou em cadernos
semanais entre 1843 e 1846. Nas negociações preliminares
· com a editora Cotta, Ust manifestou interesse pelo subtítulo
"Sobre o Desenvollámento do Sistema Nacional da Economia
Política". Nas centenas de contribuições surgidas nesta
revista, através das quais List se tornou definitivamente a
autoridade reconhecida nas questões da União Aduaneira .e da
politica económica, desenha-se logo desde o início uma
transformação estrutural do seu pensamento. É por esta razão
que uma simples continuação do Sistema parece problemática
e praticamente impossível.
O próprio List não tinha consciência disso, uma vez que
a sua aspiração em relação ao desenvolvimento económico e
nacional continuou inalterada. Daí que tivesse mantido quase
até ao fim da vida o plano de escrever pelo menos mais dois
volumes do seu Sistema. Disso há muitas indicações de
conteúdo variado. A observação mais conforme com os escritos
destes anos encontra-se numa carta dirigida ao político
húngaro V. Pulszky, de 13 de Março de 1846. Este plano
tardio parece diferente dos anteriores. O segundo volume
deveria tratar da "Política do Futuro" e o terceiro deveria
surgir sob o título "Dos Efeitos das Instituições Políticas
·. sobre a Riqueza e o Poder das Nações ". Esta divisão em três
partes mostra o carácter permanente do pensamento de List
num claro desdobramento. Mas "os efeitos das instituições
políticas sobre a riqueza ... ", aos quais seriam de acrescentar
os factores sociais, traduzir-se-iam, mais uma vez, num
tratamento especial da teoria das forças produtivas. Nas
publicações e no material de arquivo destes anos não se

17
encontram trabalhos preparatórios directos para uma versão
nova e para um alargamento deste tema em volume próprio.
Aqui encontramos uma manifestação esclarecedora, mas
nenhum plano actual de trabalho.
Não se passa o mesmo com o segundo volume ·deste
plano. "A Política" era já o título da última parte do sistema
editado. Num manuscrito do Arquivo de Reutlingen fala-se da
preparação de um "sistema do futuro político", e todos os
. esforços dos últimos anos de List desembocam numa "ciência
do futuro" que abranja política e economia da mesma forma e
que coloque de lado o especialista em economia como consultor
do estadista. E para o volume "Política do Futuro", Líst escre-
veu realmente grandes trabalhos preparatórios, especialmente
os seis ensaios sob o título "A Unidade Nacional Político-
-Económica dos Alemães", publicados na revista da União
Aduaneira de Novembro de 1845 a Janeiro de 1846. Sem
qualquer dúvida, a carta a V. Pulszky refere-se especialmente a
estes artigos, que com todo o direito podem ser considerados
como o legado de List aos alemães.
Mas estes ensaios e os escritos de 1846 que se lhes segui-
ram são tão diferentes na estrutura e no objectivo que não
podem funcionar como "continuação" do Sistema Nacional.
A orientação do Sistema Nacional baseia-se na ideia da
"aliança contine~Jtal", na unidade político-comercial dos Esta-
dos do continente contra danos causados pela supretnacia
económica do império insular. Desde 1843, e em parte desde
antes, esta opinião esteve sujeita a uma transformação, através
da qual a ordenação da Alemanha na teoria dos estádios se
torna diferente e a estrutura geral é alterada. A teoria dos
·. estádios está ligada 4 diferenciação entre uma potência de
supremacia e um grupo de potências de segunda e terceira

18
categorias capazes de "seguirem o seu exemplo " e de atingirem
o mesmo desenvolvimento de todas as forças produtivas que a
"nation prédominante", o termo usado na obra premiada. Para
este estádio é indispensável o comércio Livre. Também nos
estádios iniciais, o comércio livre dá aos países fornecedores de
. matérias-primas o impulso para um avanço no desenvolvi-
mento. No período de desenvolvimento industrial, as "nações
qualificadas " necessitam de direitos proteccionistas e, poste-
riormente, também elas desembocam no comércio livre mun-
dial. Daí resulta uma visão económica fechada do mundo, de
um progresso económico geral para uma "humanidade" uni-
forme no sentido do século XVIII, na qual estava decididamente
· cimentado o pensamento de List. Foi uma prestação intelectual
e uma beleza o facto de, com a teoria dos estádios, poder ser
afirmada a verdade da "escola inglesa" tanto para os estádios
iniciais como para a etapa final. Adam Smith não dá só a
"economia privada dos indivíduos " e a "teoria cosmopolita da
humanidade": a sua doutrina constitui, ao mesmo tempo, a
verdadeira economia política para o estádio da Inglaterra. Mas
o comércio livre mundial como objectivo geral não era para
List mais do que a conclusão intelectual do Sistema: concre-
tamente, ele vê a liberdade aduaneira apenas como a norma
político-económica da Inglaterra.
A aliança continental pertence às ideias de maior alcance
de List. Antes de tudo foi dirigida contra a Inglaterra. Mas já
nos parágrafos do Sistema Nacional provavelmente escritos
em último lugar, List vê "num futuro não muito longínquo, a
necessidade natural ", sentida também pela Inglaterra, de se
unir ao continente. "Aquilo a que hoje se chama Comunidade
Económica Europeia é, para List, uma união aduaneira euro-
peia ou aliança continental", consta do discurso de Salin em

19
Francoforte, em 1 de Março de 1959. "O facto de que a ideia
da aliança continental regressará sempre de novo" foi refe-
rido por List com convicção. Salin diz directamente que "a
Comunidade Económica Europeia agora existente foi vista,
desejada e defendida por List".
Apesar desta convicção de longa duração, nos anos
seguintes, algumas características do pensamento de List
modificam-se. A teoria dos estádios assinala às "nações quali-
ficadas" o objectivo de se tornarem no "que se tornou a Ingla-
terra". Não têm todas elas, especialmente a ·Alemanha, "não
como é, mas como será", as mesmas bases materiais e territo-
riais para este caminho? A equiparação de todo o grupo não
passa por cima das diversas possibilidades das nações isoladas?
Assim se desloca a constelação, na qual foi integrada a obra
principal. Nos anos seguintes, List vê para a Alemanha um
caminho próprio de desenvolvimento através de uma coligação
com os países do Danúbio, e este bloco, como grande mercado
interno livre, dispõe de direitos alfandegários para o exterior e
deve, como parceiro júnior, entrar numa aliança política dura-
. doura com a Grã-Bretanha.
Paz económica e aliança política com a Inglaterra - cons-
tituem uma outra estrutura que não podia ser acrescentada,
como volume de continuação, ao Sistema Nacional com a sua
luta de concorrência contra a Inglaterra. Além disso, os
"Olhares para o Futuro" de List são uma concepção genial,
mas também um complexo, que, como ideia criativa, se trans-
formou em palavra e forma, e se escusa a uma moldagem
economico-sistemática.
O próprio List falara muitas vezes de uma "política do
futuro" e na carta de 13 de Março de 1846, mencionou os
artigos já publicados como partes de um segundo volume.

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Porém, quase simultaneamente, chegara o momento da vira-
gem total. Em 30 de Março, List escreve ao ministro bávaro
V. Abel, dizendo que outros artigos (da unidade político-
-económica nacional dos alemães) "aparecerão tão pouco como
o segundo e terceiro volumes do meu Sistema". Assim, no
mesmo mês em que foi formulado o plano de continuação em
três partes é expressa a intenção de desistir em absoluto da
continuação. Tal aconteceu quando List tomou a decisão de
viajar para Inglaterra e de defender pessoalmente as suas
intenções. Assim terminaram dramaticamente os planos que
durante anos acalentara de continuar o Sistema Nacional em
vários volumes. É certo que as reflexões objectivas aqui apre-
sentadas não foram a razão da renúncia. Temos de aceitar as
citações das cartas como última manifestação. Assim, estava
certo o instinto de List ao manter até ao fim a decisão de publi-
car a sua obra teórica sem alterações .
. Por fim, pode dizer-se o seguinte: a situação agrária
como possível continuação ficou, em todo o caso, esquecida.
O terceiro volume do último plano não foi começado. A "Polí-
tica do Futuro", devido ao seu carácter diferente, é impensável
como segundo volume. List continuou incansavelmente a
escrever até à última viagem; não existe, no entanto, qualquer
indicação de que pensou modificar a obra ou fundi-la num
novo todo.
Também nos parece não existir para tal nem possibili-
dade nem necessidade. Nos escritos posteriores, a teoria das
· forças produtivas permanece o factor principal. Na sua vali-
dade, a teoria histórica dos estádios e a política comercial não
são revogadas pela viragem política. Só a Alemanha, como
centro de uma união aduaneira continental mais ampla, apa-
rece noutra posição perante a potência imperial, colonial e

21
naval que é a Inglaterra. List viu assegurada a estabilidade
duradoura de ambos os países como "nações irmãs" politica-
mente unidas.
A conservação inalterada da obra pelo autor é o único
ponto importante. Por conseguinte, o "Sistema Nacional,
Primeiro Volume" permanece a teoria cientifica geral ao longo
de todo . o período da sua actividade literária e pública. Os
ensaios posteriores, de elevado valor intrínseco, ocupam o seu
lugar na criação de List como aplicação política dos princípios
fundamentais do Sistema Nacional.

Artur Sommer

22
PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA

Salazar foi, curiosamente, dos raros economistas


com conhecimento em Portugal da obra de List. Não
tanto como professor de economia na Universidade de
Coimbra 1, mas como político, Salazar ocupou-se de List,
o que se manifesta numa publicação sua na União
NacionaP, na qual chega à conclusão que, não tendo List
n1uitos seguidores da sua teoria, na prática seria o con-
trário, dado que nos últimos cinquenta anos tinha
triunfado em quase todo o lado o proteccionismo
defendido por List3.
Mas o nome de List chegou a Portugal bem cedo,
em 1844, três anos após a publicação da sua obra princi-
pal que agora se dá pela primeira vez a público em lín-
gua portuguesa, o "Sistema Nacional da Economia
Política". Na realidade, a primeira vez de que há notícia
de tal é numa carta do comerciante alemão C. Schuster
residente em Portugal e que se dirige a List chamando à

1 As a ulas d e António de Olive ira Salazar em Coimbra

fo ra m publicad as p o r Albe rto Menano em 1927.


2 Sa l aza r, A. 0 :: Pe que na His tó ria das Doutrinas Econó-

mi cas, e ditado pe la União Nacional e m Lisboa, em 1945 .


3 Jd. pág. 48.

23
a tenção do interesse em fa zer ligações directas de nave-
gação a vapor da Península Ibérica à red e d e. ca minh os-
-de-ferro da Europa central 4 .
Mas este fenómeno não reflecte de forma algum a o
acompa nhamento, em Portugal, da literatura económica
da Europa. Só muito mais tarde e de forma parca se
encontra pontualmente o reflexo da discussão teórica na
Europa, com influência principal da França: lê-se Jean-
-Baptiste Say, mas já se não ouve falar em Ricardo. E é
através do francês que se toma um relativo conheci-
mento de List pela tradução francesa de Richelot de
1857.
É só no fim do século XIX que José Frederico
Laranja, da Universidade de Coimbra, toma em conside-
ração directamente a obra de List e se refere à Escola
Histórica de que este é precursor. E ao longo dos anos
vão alguns autores divulgando as ideias de List, como é
o caso de Marnoco e Souza, mas não deixa de ser rele-
vante o facto de os economistas portugueses não citarem
nem comentarem o capítulo quinto do seu livro qüe se
refere expressamente a Portugal e em especial ao
Tratado de Methuen.
No século XX, nos anos 30, Francisco António Cor-
rêa do Instituto Superior de Ciências Económicas e
Financeiras (ISCEF- hoje ISEG) compara List com Adam
Smith em relação ao seu tempo e no mesmo Instituto

4
Yer Bastien, C. und Ferreira, Eduardo de Sousa "Die
List-Rézeption in Portugal" in: Eugen Wendler (Hrsg.) Die
Vereinigung des Europaischen Kontinents, Schaffer-Poescher
Verlag, Stuttgart, 1996.

24
A. Li no Neto discute nas sua s aul as as ideias d e List,
nomeadam ente no quadro ·d a d icotomia co mércio livre-
-proteccio ni smo5. .
Eco no mi stas actuais cons ideram List p recursor d a
econo mi a d e rn ercad o social e o primeiro 'visionário ' d a
Eu ropa unida. Refl exo d esta persp ecti va é a publicação,
pe lo Director do Friedrich-List-Institut, dum liv ro sobre
a rece pção da obra de List em cada um dos múltiplos
países da Europa com o sugestivo título "A ·Unificação
do Continente Europeu" 6 e que inclui a recepção de List
em Portugal nos séculos XIX e XX 7 •
Friedrich List não é uma mera figura da história
das teorias económicas e do proteccionismo. Nas suas
viagens pelo Mundo e, nomeadamente a estadia nos
Estados Unidos, ultrapassou os que seguiam a Escola
Clássica. Ele pode ser considerado o percursor e mesmo
fundador da Escola Histórica que se vem confrontar com
a Escola Clássica inglesa.
Adam Smith levantou a questão da origem da
riqueza das nações e respondeu ao mesmo tempo com as
leis da natureza da vida económica às quais se devia
permitir o desenvolvimento. E desde então o mundo
científi co teve duas opções: ou conformar-se com isso,
ou procurar uma outra explicação. List tentou nada
menos d o que dar uma outra explicação e fê-lo com o

s Ide m, pp . 441-449.
Eugen We ndle r (Hrsg.) Di e Ve reinig ung d es
Euro pa isch e n Ko ntinents, Schaffe r-Poescher Verl ag, Stuttg art,
1996.
7 Bas ti an, C. und Ferreira, Eduardo de Sous a, ide m .

25
seu "sistema nacional da economia política" onde, por
um lado, expôs a sua crítica a Adam Smith e, por outro,
apresentou as suas próprias teses relativas ao desenvol-
vimento económi co de uma nação.
A crí ti ca a Smith, feita com todo o respeito por ele,
referia-se, na sua essência à equiparação dos interesses
da economia privada aos interesses económicos nacio-
nai s, daí d eriva ndo a teoria do comércio livre defendida
pela Escola Clássica; no capítulo décimo primeiro da sua
obra ele explica que o sistema da Escola se baseia "numa
ide ia verdadeira - uma ideia que terá que ser
reco nhecida e desenvolvida pela ciência; se quer
cumprir o seu destino de iluminar a prática -uma ideia
que a prática não pode entender mal se não se quiser
enganar no caminho. Porém, a Escola deixou de tomar
em consideração a natureza das nacionalidades e os seus
interesses e situações específicos, harmonizando-a com a
ideia dil união universal e da paz perpétua ."
Os principais elementos do seu 'sistema nacional '
com os quais combate a Escola Clássica são a noção de
es tádios de desenvolvimento, a função orientadora do
Estado, o fomento das forças produtivas e as tarifas
alfand egárias para protecção d a industrialização.
Co mo base para a sua argu mentação List faz uma
aná li se histórica da evolução da economia para mostrar
a re lação entre desenvolvimento económico e formação
ou d ecad ên cia das nações. Es te processo va i-lhe permitir
ti ra r a 'li ção da História'- título do d écimo capítulo do
livro, - oposta aos princípios abstractos deduti vos da
Esco la C lássica de A. Smith e seus precursores.

26
A teoria dos estádios de desenvolvimento baseia-se
numa perspectiva histórico-evolucionista . "A ideia de
base é extremamente simples e por isso mesmo impo-
nente. Procura-se em todo o desenvolvimento histórico
identificar << faseS>>, <<estádios>>, «níveis>>, e para cada fase
ou estádio construir uma teoria que só deve explicar o
quotidiano económico precisamente nessa fa se e só nessa
fase tem de ser válida. (... ) <<a constituição de tais está-
dios económicos faz parte dos expedientes metodológi-
cos indispensáveis; mais, essa é a única via pela qual a
teoria económica se pode servir dos resultados da inves-
ti gação rea liza da pela historiografia económica.>>"8
Parte-se .do princípio que a evolução da sociedade
traz consigo uma alteração d e tudo desde o próprio
home m até às instituições e justificação de reivindica-
ções económico-políticas. A evolução surge como o
fen óm eno fundamental e o estudo da evolução como a
tarefa mais relevante da economia política . List desen-
vol ve com isso objectivos político-económicos. Compete
ao Estado conduzir a economia através da criação das
respectivas condições prévias até a economia chegar ao
estádio mai s alto.
Esta teoria desenvolve-a List orientando-se pela
situação na Inglaterra e na Alemanha, aquela no quinto
estádio (agricultura-manufactura-comércio), esta no
quarto (agricultura-manufactura). Competiria assim ao
Estado conduzir a Alemanha ao quinto estádio. Esta

s Eucken, Walter, Die Gru ndlagen der Na tio na lõ ko-


nom ie, Sp ringer Ve rlag, Berli n, Gõ ttin gen, H ei d e lberg, 1959,
p. 38.

27
ideia vincou, de tal forma que mesmo quando
posteriormente surgiram críticas a estes esquemas
evolutivos, a própria crítica continuava apegada à ideia
de evolu ção. Só no século XX se entra numa nova fase
em que a ideia de evolu ção recuou, não se tendo em
mira a sucessão dos estádios mas sim perceber a
divers idade d o funcionamento das economias9 . Para
conduzir as nações a estádios superiores, List propõe
como instrumento a tarifa alfandegária proteccionista,
ele que é a favor do com ércio livre. Só que considera o
proteccionismo imprescindível na fase de "construção"
qu e permita pôr a nação em condições d e concorrência
com a Ingla terra. Esta ideia n ão é necessa riamente
origin al d e List, pois já Alexander Hamilton a concebera
em 1791 com o meio d e apoiar a formação da indústria
na cional a merica na, mas é List que, na Europa, a faz
avançar já quando a apresenta à Assembleia Federal. A
ideia tinha-o impressionado precisamente aquando da
sua permanência nos Estados Unidos entre 1825-1830 e
ele d esenvolveu-a no seu "sistema nacional". Importante
pareceu-lhe o apoio com tal instrumento às indústrias,
que · Hamilton chamou "infant industries", com
dificuldades de arranque em sectores industriais novos e
que precisam de ser protegidas até chegarem à
capacidade de concorrência. Cada começo de uma nova
produção traz custos de arranque. Uma tarifa protectora
terá a fun ção d e aliviar esses c ustos com que se deparam
as e mpresas com a nova combinação de factores de
produção. De notar, contudo, a posição de List como

9
Id e m, pp. 38-40.

28
defensor do comércio livre, no que ele se identifica com
a Escola Clássica . Nomeadamente ele rejeita toda a tarifa
alfandegária proteccionista da agricultura, como expõe
de forma detalhada no capítulo vigésimo "A Força da
Manufactura e o Interesse da Agricultura". A sua
posição perante a indústria é a excepção que o põe em
oposição à Escola Clássica à qual critica o facto de não
reconhecer que, eni concorrência livre com nações de
manufactura mais avançadas, a nação menos avançada,
sem medidas proteccionistas da indústria, nunca
conseguirá desenvolver completamente a indústria com
independência nacional 1D.
Mas o facto de as tarifas protectoras serem necessá-
rias não é uma abertura incondicional ao . proteccio-
nismo. List definiu bem quais as condições necessárias
para a sua aplicação: medidas de protecção podem ser
justificadas somente para fomentar e proteger a força
manufactureira interna e apenas em nações que, devido
a um território extenso, bem delimitado, a uma popula-
ção grande, à posse de recursos naturais, a uma agri-
cultura já muito avançada, a um alto grau de civilização
e formação política, são vocacionadas para defender o
mesmo nível que as primeiras nações agrícola-manu-

10 List, Fri edrich, Das Nationale System der Politischen


Óko no mie, Ky klos-Ve rlag Basel, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck)
Tübingen, 1959, p . 219 e segts .
Apesa r d a po lé mica co ns tante co ntra os re presentantes
d a Esco la Cl áss ica, a fund am e ntação d ada po r Lis t pa ra as
ta rifas p roteccio nistas não dife re d e fo rma essencial da formu -
lação d e ]. St. Mil! nos seus "Principi es", publicados e m 1848.

29
factureiro-comerciais, que as maiores potências maríti-
mas e territoriais. A protecção é dada ou pela total
proibição de certos artigos manufacturados, ou por altas
tari fas aduaneiras que equivalem a uma proibição total
ou, pelo menos, parcial ou por tarifas aduaneiras de
importação moderadas. Nenhuma destas formas de
protecção é absolutamente boa ou absolutamente con-
denável, dependendo das condições particulares da
nação e do estado da sua indústria, qual delas deve ser
aplicada. 11
Estas limitações explicam o porquê do carácter
provisório que tais medidas, segundo List, devem
assumir.
Contudo, não deixa de haver dificuldade em defi-
nir o tempo de aplicação desta protecção. List não o faz e
também tem, na prática, sido difícil definir quando se
considera a indústria apta a entrar em concorrência sem
protecção. Além de ser, logo de início, difícil de definir
quais os ramos de indústria a proteger.
O argumento das tarifas proteccionistas foi conce-
bido por Hamilton mais directamente para a protecção
da indústria dos Estados Unidos. Mas nessa altura esta
nação era praticamente uma colónia em ascensão e, pre-
cisamente por isso, aquilo que foi concebido para os
Estados Unidos revelou-se aplicável a outras colónias e
países ainda de fraca economia em desenvolvimento. E
foi essa a razão pela qual, mais tarde, a sua divulgação
se generalizou após a primeira guerra mundial nos iní-
cios do século XX. Tinha havido uma perturbaç~o da

11 Li st, F. Idem, pp. 273-274.

30
di v isão inte rnaciona l do traba lh o devido à guerra .
Aquel e "equilíbrio" na troca internaciona l de produtos
industriais das na ções manufacture iras por matérias-
-primas e produtos agrícolas coloniais da "zona quente",
como List lhes chama, fora alterado devido ao aumento
da procura de produtos ligados ao armamento, dimi-
nuindo assim o volume do comércio mundial de pro-
dutos coloniais. Quando, após a guerra, ·as nações
industrializadas qui seram voltar ao método comercial
antigo e já com experiência da troca de produtos
manufacturados contra matérias-primas e produtos
alimentares coloniais, depararam-se com nações que,
precisamente pelas condições criadas durante a guerra,
tinham tomado a iniciativa de criar indÓ.strias próprias e
não se mostravam agora dispostas a expôr à rude
concorrência do comércio internacional as suas novas
indústrias montadas com grande esforço e com altos
custos. E foi neste quadro que se deu um reviver da
doutrina de List, na medida em que quase todas essas
nações com "infant industries" adoptaram a política da
protecção alfandegária à sua indústria, na expectativa de
poderem chegar t.~m dia à capacidade de concorrência no
comércio internacional. A política de protecção de certos
ramos novos de indústria seria assim ainda útil para o
que se chama hoje 'países em desenvolvimento'.
Samuelson defende, aliás, a ideia de que, hoje em dia, tal
protecção alfandegária não se deve aplicar a certos
ramos de produção mas sim na generalidade a 'jovens
economias' .
Mais original é em List a teoria das forças produti-
vas, a pesar de os fundamentos para tal teoria terem sido

31
elaborados, já antes, por A. Müller no seu desenvolvi-
mento do romantismo político. Ao contrário dos Clássi-
cos, a economia é entendida como uma globalidade e
não como a soma de sujeitos económicos. A perspectiva
é histórica ligada a maneiras de ver sociológicas e reli-
giosas, uma "Weltanschauung". Ao contrário dos Clássi-
cos que não consideram as forças culturais fonte do
progresso e da produção, não é só a criação de bens
materiais que é produtiva, mas sim também a criação de
bens culturais, imateriais - a política, a ciência, a arte.
Segundo a teoria orgânica do Estado e da economia, a
globalidade tem primazia perante parte, isto é, o Estado,
a Sociedade, a Economia perante os indivíduos; cada
indivíduo não pode prescindir do outro. Fomentado
pelo romantismo político, o historicismo impõe-se tam-
bém na teoria económica, recusando o método dedutivo
da Escola Clássica e, apoiando-se naquilo que é captável
empiricamente, seguindo o caminho da indução. List é
indubitavelmente o principal percursor deste caminho,
numa perspectiva de política económica nacional. 12
o ·eixo da sua confrontação com a teoria de Adam
Smith está na teoria das forças produtivas. Sendo o seu
desenvolvimento originalmente feito por List, ela ·é de
difícil compreensão dada a forma não directa e não sis-
temática como ele a expõe. Apesar de lhe dedicar um
capítulo específico - o capítulo décimo segundo, Teoria
das Forças Produtivas e a Teoria de Valor- a exposição é

12
Hauser, Ka rl, Friedrich Lis t in: Starbatty, Joachim
(Hrsg.), Klassiker des Ókon o mischen Oe nkens, Erster Band,
Verlag C. H. Beck, München 1989, p. 243.

32
fragmentária nunca chegando a uma definição. Talvez a
forma mais precisa de entender a sua ideia seja a que
expõe no início do capítulo: " As origens da riqueza são
uma coisa completamente diferente da riqueza em si.
Um indivíduo pode possuir riqueza, ou seja valores de
troca, mas se não tiver a força para produzir mais
objectos valiosos do que aqueles que consome, empo-
brece. Um indivíduo pode ser pobre, mas se tiver a força
para criar uma soma maior de objectos valiosos do que
os que consumir, enriquecerá. A força de produzir
riqueza é, por isso, imensamente mais importante do
que a riqueza em si; ela garante não só a propriedade e o
aumento do adquirido, mas também a substituição do
perdido. Isto é ainda mais o caso quando se trata de
nações inteiras, que não podem viver de rendas, como os
privados." 13
Walter Eucken faz uma análise crítica da forma
como List apresenta a sua teoria das forças produtivas:
"Se não se traça uma fronteira dos dados clara e se a
análise teórica não pára nesta fronteira, não se consegue
encadear a intuição histórica com o pensamento teórico.
Dá-se uma funesta confusão entre ambos .. . O facto de
muitas vezes não se utilizar a designação 'dados' e se
falar por exemplo de 'factores dados', 'elementos sim-
ples' ou também de 'forças produtivas' não é essencial.
Essencial é porém que a concepção que se tem dos dados
é muitas vezes incompleta." E Eucken argumenta, neste
seguimento, que "aquilo a que Friedrich List chama 'for-
ças produtivas' são dados, que ele descreve contudo de

13 List, Friedrich, idem, pp. 143-144.

33
maneira diferente e mais circunstanciada . 'É difícil ima-
ginar uma lei ou instituição pública que não exerça uma
influência maior ou menor sobre o incremento ou a
redução das forças produtivas' . Até este ponto, List tem
razão. Erra porém quando reclama uma 'teoria' das for-
ças produtivas que ele pretende colocar ao lado da teoria
do valor. Por teoria das forças produtivas ele entende
uina teoria que explique a formação de dados concretos.
- Toda a tentativa de elaboração de uma tal teoria está
condenada ao fracasso, dado que a formação de dados
concretos apenas é acessív~l à compreensão histórico-
-individual."14 Como exemplo Eucken apresenta, a seguir,
a questão de saber porque é que a Alemanha de então -
referindo-se aos anos de trinta - tem uma certa popula-
ção com certas capacidades e um certo grau de forma-
·. ção, ou porque é que ali existe uma certa ordem social e
jurídica.
A oposição de List à Escola Clássica centra-se numa
não aceitação duma teoria estática onde domina a teoria
do valor, tomando ele como centro o desenvolvimento
económico. E é aqui que dá preponderância à organiza-
ção da Sociedade, ao Estado e à Nação, dado que não se
pode partir do princípio de que as forças do mercado, só
por si, estejam em condições de garantir o desenvolvi-
mento económico, antes requeiram condições específicas
de enquadramento. As leis e regras válidas para a eco-
nomia privada não são válidas para uma nação no seu
conjunto. Em linguagem de hoje, dir-se-ia que as leis da
microeconomia não são, per se, generalizáveis com vali-

14 Eucken, W., idem, pp. 162 e 262 sgts.

34
dade para a macroeconomia. List critica o engano da
Escola Clássica neste aspecto, recorrendo aos exemplos
típicos dados por Adam Smith: "Como! A sabedoria da
economia privada seria também sabedoria na economia
nacional? Estará na natureza do indivíduo tomar em
consideração as necessidades de futuros séculos, como
faz parte da natureza da Nação e do Estado? ... Não! Na
economia nacional pode ser sabedoria o que na econo-
mia privada seria tolice, e vice-versa, pela simples razão
de que uma alfaiate não é uma nação, e uma nação não é
um alfaiate; porque uma família é algo completamente
diferente duma associação de milhões de famílias, uma
casa algo muito diferente do que um vasto território
nacional." 15
· Como Salazar afirmou, não tendo tido List muitos
seguidores dc:t sua teoria, na prática ele teve sucesso,
dado que nos últimos cinquenta anos -Salazar escreve
nos anos quarenta - se tinha divulgado, na generalidade
dos países, o proteccionismo. O que é .aliás válido para
muitos países e em várias épocas após aquela afirmação
de Salazar. Contudo, na realidade, a sua doutrina per-
deu um certo impacto após a sua morte, dado que a
teoria do comércio livre encontrou grande divulgação,
mesmo na Alemanha e na política alfandegária. No
último quartel do século dezanove, Ludwig Bamberger,
um dos mais reconhecidos nomes da política económica
e financeira, declarava no Reichstag que na Alemanha
nenhuma escola económica e nenhum professor de fama

1" List, F., id, págs. 167-168.

35
apoiava as tarifas alfandegárias proteccionistas. 16 Apesar
de, nessa altura, ser dominante na Alemanha a Escola
Histórica que representava uma atitude positiva . em
relação à doutrina de List, este não era, na generalidade,
aceite como o economista do género de um Adam Smith
alemão. Sendo embora reconhecido, distingUiu-se mais
como pioneiro do Zollverein e, nesse aspecto como dos
mais relevantes defensores da unificação da Alemanha.
Para além disso, era indubitavelmente reconhecido,
tanto na Alemanha como na Europa em geral -
relembramos a carta do comerciante alemão C. Schuster,
sediado em Portugal, a List-e nos Estados Unidos como
o arquitecto da importância da rede dos caminhos-de-
ferro para o desenvolvimento das nações e, em especial,
do comércio internacional. Gustav Schmoller, no centenário
do nascimento de List apresenta-o mais como líder
alemão do que como homem da ciência. "Pelas suas
viagens e inúmeras conversas e negociações com políticos
· e pessoas de grande influência do seu tempo acrescentaram-
se aos seus estudos históricos e de economia nacional o
conhecimento do mundo e das pessoas, o que o elevou
muito acima do horizonte de todos os teóricos que pela
Alemanha caminhavam nas pegadas de Adam Smith.
Assim ele se transformou no maior e mais produtivo
{ gitador da Alemanha no século XIX."17
Mas - independentemente da crítica marxista da
economia política - são os primeiros princípios duma
economia nacional histórica de Friedrich List que canse-

16 Hãuser, K., idem, pp. 244 e 299.


17 Idem, p. 237.

36
guem vencer a fobia perante o Estado, esta característica
da economia a que List chan1a cosmopolita como oposta
à economia política, atribuindo List ao Estado uma fun-
ção clara neste Sistema. 18 Mais tarde, é verdade, a teoria
económica assim como a prática não se libertaram mais
do complexo que o Estado seja uma instituição diame-
tralmente oposta .ao funcionamento da economia. Mas
não é possível ignorar que o Estado tem uma função
essencial e não periférica e uma função equilibradora no
Sistema, nomeadamente se se trata de analisar o desen-
volvimento do domínio e do poder em vez da mera eco-
nomia e produtividade.

Eduardo de Sousa Ferreira

JS Backhaus, J. et al (Hrsg.), Partiz ipation in Betrieb und

Gesellscba ft, Campus Verlag, Frankfurt/New York 1978, p ..12 e


sgts.

37
PREFÁCIO

Se, como se diz, o prefácio deve conter a história da


origem dum livro, então terei que descrever neste quase
metade da minha vida; porque passaram mais de vinte e três
anos desde que me surgiu a primeira dúvida sobre se a teoria
dominante da economia política estaria correcta e desde que me
· esforço para investiga,r os respectivos erros e as razões a eles
subjacentes. Lastimável seria eu, de facto, se no fim se chegasse
à conclusão de que, durante este longo tempo, só andei à caça
de fantasmas, visto que nem por sobreestimar as minhas forças
nem por ambição desmedida fui induzido a escolher . um
objectivo tão difícil e a tê-lo perseguido com tanta constância.
Foi a minha profissão que me deu para isso a primeira razão;
foi o destino que a mim, ao renitente, estimulou com força
irresistível a continuar a perseguir o caminho começado da
dúvida e da investigação. Os contemporâneos alemães lem-
brar-se-ão da enorme quebra no bem-estar da Alemanha
ocorrida no ano de 1818. Naqu ela altura, eu devia preparar
aulas de economia política. Tinha aprendido tão bem como os
outros o. que se pensava e escrevia sobre o assunto, mas não me
satisfazia ensinar aos jovens a situação actual da ciência,
também lhes queria ensinar como se podia fomentar, através
do caminho da economia, a riqueza, a cultura e o poder da
Alemanha. A teoria indicava o princípio da liberdade comer-
cial. Este princípio parecia-me razoável, e também provado
pela experiência, se se tomassem em consideração as canse-

39
quências do desarmamento das províncias alfandegárias fran-
cesas e da união dos três reinos do império insular. Só que,
naquela altura, as consequências surpreendentes do sistema
continental e os resultados destruidores do seu desarma-
mento ainda estavam · dema-siado próximos para que pudesse
tê-los ignorado; parecia-me que estavam em flagrante con-
tradição com aquelas observações e, no intento de perceber a
razão destas contradições, ocorreu-me a seguinte ideia: que a
teoria seria verdade, apenas se todas as nações seguis-
sem mutuamente o princípio da liberdade comercial, tal
corno tinha sido mutuamente seguido por aquelas
províncias. Este pensamento conduziu-me ao conceito da
nacionalidade e então compreendi: a teoria, à força de ver
muita humanidade, muitos indivíduos, não teria visto as
nações. Ficou claro para mim que a concorrência livre entre
duas nações muito avançadas na cultura só podia ter resul-
tados benéficos se ambas estivessem a um nível aproxima-
damenté igual de formação industrial; e que uma nação que,
por infeliz destino, estivesse muito atrasada na sua indústria,
comércio e navegação, possuindq, de resto, os recursos mentais
e materiais para a sua formação, tinha primeiro de se tornar
capaz por esforço próprio antes de poder concorrer livremente
com nações mais avançadas. Numa palavra: descobri a dife-
rença entre a economia cosmopolita e política. Ocorreu-me a
ideia: a Alemanha tinha que abolir as suas alfândegas provin-
ciais e tentar conseguir, através de um sistema de comércio
comum, aquele grau de formação industrial e comercial que
outras nações teriam atingido através da sua política comer-
cial. Mas em vez de perseguir esta ideia através do estudo, o
meu sentido prático levava-me a introduzi-la na vida. Ainda
era ;ovem.

40
É preciso voltarmos em espírito ao período de 1819 para
poder explicar as minhas tentativas posteriores. Governantes e
governados, nobres e cidadãos, funcionários públicos e eru-
ditos - todos naquela época, na Alemanha, estavam cheios de
propostas e projectos para novas formas políticas. A Alemanha
parecia-se com um edifício destruído pela guerra cujos
proprietários, acabando de recuperar a propriedade, ganhando
o seu controlo, estão prestes a instalar-se novamente. Uns
exigiam a ordem anterior com todas as velhas tralhas e
instrumentos; outros, instituições razoáveis .e instrumentos
totalmente novos. Aqueles que ouviam equilibradamente razão
e experiência exigiam compromissos entre as antigas exigên-
cias e as novas necessidades. Em todo o lado havia contradição
e guerra de opiniões, em todo o lado se formavam associações e
uniões para atingir fins patrióticos. A própria Constituição da
União era uma nova forma que, esboçada com pressa, parecia
um embrião mesmo aos mais esclarecidos e pensadores entre os
diplomatas, uma Constituição cujo desenvolvimento para um
corpo bem organizado foi intencionado pelos seus autores e que
ficava reservado aos progressos do tempo. Um artigo especifico
da Constituição (o décimo nono) tinha expressamente deixado
espaço para a configuração de um sistema nacional de
comércio. Parecia-me que este artigo podia ser um funda-
mento, sobre o qual se deveria construir a futura prosperidade
industrial e comercial da pátria alemã, e esta convicção guiou-
-me até à ideia de criar uma associação de comerciantes e
fabricantes alemães 1, cujo fim deveria ser o desarmamento das

1 Nas anteriores edições do Léxico de Conversação,


(Expressão usada no século XIX para o que hoje se chama
Enciclopédia) [Nota do Tradutor] o Sr. J. M. Elch de

41
alfândegas provinciais alemãs e a implementação do sistema
comercial alemão comum. É sabido como se fez esta associação

Kaufbeuren é dado como o fundador desta associação. Quanto


a mim, não só é me atribuída uma participação menor na
fundação da mesma e nas suas aspirações posteriores, como
também me censuram ter agido com grande negligência na
gestão dos seus negócios. Quando, depois de ter voltado à
pátria alemã, procurei o autor daquele artigo, foi-me indicado
o nome que me fez perceber esta versão, porque era dum
indivíduo em grande dívida para com o Sr. J. M. Elch e que
parece tanto maior neste assunto quanto mais se diminuem as
minhas aspirações. Não sofrendo muito de grande ambição,
não achei que valesse a pena levantar reclamações contra o
artigo. Ultimamente, no entanto, reconheço a inevitável
necessidade de falar publicamente deste assunto. Como é
sabido, a Faculdade de Direito de Jena honrou-me há pouco
com o título de doutor, e o correspondente do Allgemeine
Zeitung de Augsburgo em Jena observou na ocasião que tinha
~ido eu o primeiro a avançar a ideia de uma associação dos
Estados alemães com o fim de um sistema alfandegário
comum alemão. Contra essa observação, chegou à redacção do
mencionado jornal a seguinte reclamação:
"A reportagem de Jena com data de 1 de Dezembro de
1S40 no Allgemeine Zeitung n. 12 344, conforme a qual o senhor
Friedrich List pronunciou a primeira ideia do comércio livre no
interior e para o exterior, deve ser corrigida, no sentido de que
a honra desta ideia pertence ao comerciante (grossista) J. M.
Elch de Kaufbeuren, o qual, na Feira da Páscoa de Francoforte
no ano de 1819 convidou, através duma carta circular, vários
comerciantes de todos os Estados alemães a assinarem uma
petição planeada sobre este assunto a ser entregue na ilustre
assembleia dos Estados. O acaso fez com que, alguns dias mais

42
e a sua influência na formação de uma união entre os dois
governantes, iluminados e de elevado espírito, da Baviera e de
Wurttemberga, e mais tarde da União Aduaneira Alemã.

tarde o professor List de Tübingen se deslocasse a Francoforte


e, entusiasmado pela ideia, se encarregasse de redigir a petição,
função que desempenhou com mestria e pela qual ficou
famoso. Depois de · a associação · ter sido constituída, o pro-
fessor List foi eleito seu representante, e viajou na companhia
do Sr. Schnell de Nuremberga, entretanto falecido, para visitar
as cortes alemãs, com o fim de junto delas promover as
aspirações da associação."
Tenho que mencionar a história da fundação desta
associação com breves palavras para reduzir as pretensões do
Sr. Elch ou dos seus porta-vozes, à medida adequada. É
verdade que, na primavera de . 1819, assuntos privados me
levaram a Francoforte do Meno, mas também é verdade que a
ideia de uma tal associação já tinha tomado forma na minha
cabeça muito antes dessa viagem. Ainda vivem pessoas com
quem falei a respeito, antes e durante a viagem, e entre a
correspondência do falecido Freiherrn von Cotta deveria haver
provas escritas. Chegado a Francoforte, contei o meu plano ao
Sr. Schnell de Nuremberga, que me tinha sido recomendado
como um comerciante compreensivo e patriótico. Schnell
aceitou o plano com fervor, falou-me dos senhores Bauerreis
em Nuremberga, Weber em Gera, Arnoldi em Gotha, que lhe
tinham apresentado queixas sobre a nova tarifa alfandegária
prussiana, e disse que o assunto seria tanto mais do agrado dos
· comerciantes e fabricantes presentes na Feira em Francoforte,
quanto um senhor Elch de Kaufbeuren, o comerciante de linho,
estava prestes a juntar assinaturas para uma petição a ser
entregue na Assembleia Federal Alemã, na qual se pediam
medidas para eliminar as limitações do comércio interior na

43
Como consultor da Associação Alemã de Comércio tinha
uma posição difícil. Toda e qualquer protecção alfandegária

Alemanha. A meu pedido, apresentado ao Sr. Elch por Schnell,


Elch comunicou-me a minuta duma petição à Assembleia
Federal Alemã (ou os materiais para isso) que, se não estou em
erro, ainda se encontra entre os meus papéis. Ali falava-se
sobretudo dos obstáculos que a Áustria há pouco tinha
levantado contra a exportação de pano da Suábia Superior
para a Itália- tudo descrito com muita simplicidade e no estilo
de Comptoir. Conforme tínhamos combinado, chamámos
ainda outros fabricantes para as nossas consultas, nomea-
damente os senhores Leisler e Blachiere de Hanau, Hartrnann
de Heidenheim, Herose de Aarau, etc. Mas ainda não se falava
da fundação de uma associação comercial. Só quando se
redigiu a petição a ser entregue na Assembleia Federal Alemã
e este projecto foi aceite com grande aplauso, apareci com as
minhas outras propostas. Ninguém poderá negar que todas as
propostas referentes à fundação e organização da associação
foram feitas apenas por mim, e precisamente o pouco tempo
em que as apresentei prova que nelas já tinha pensado
anteriormente.
Agora peço que releiam a reclamação acima a favor do
senhor Elch. Ficarão surpreendidos por a razão da contradição
entre mim e o senhor Elch não estar propriamente nos factos,
mas somente na diferença total da nossa lógica. Como sendo
seu mérito, o Sr. Elch menciona que teria sido o primeiro a
pronunciar a "ideia <:J.a liberdade de comércio no interior e para
com o exterior" . Isto é uma afirmação que eu não faço e nem
posso fazer, porque esta ideia, muito antes de nós os dois nos
termos encontrado em Francoforte, já tinha sido pronunciada
pelos senhores Gournay, Quesnay e Adam Smith, e porque eu
nunca exigi uma simples liberdad.e de comércio para com

44
parecia um horror teórico aos funcionários de Estado,
redactores de jornais e revistas, com formação cientifica, assim

nações estrangeiras, mas sim, pelo contrário, um sistema


comercial capaz e nacional. Como outro mérito seu, o Sr. Elch
indica que pôs a correr entre os comerciantes presentes na
Feira de Francoforte uma circular, para os convidar a associar-
-se a uma petição planeada por ele, que visava a liberdade
comercial e devia ser entregue na Assembleia Federal Alemã.
Não nego este facto: mas todos compreenderão que, partindo
do princípio que o Sr. Elch teria mesmo conseguido a sua
petição planeada, partindo do princípio que ele teria mesmo
ganho um grande número de assinaturas para ela, partindo do
princípio que o Sr. Elch teria sido mesmo capaz de redigir uma
petição que captasse a atenção pública, isto em si ainda não
teria levado a absolutamente nada. É também isto que tentei
explicar aos assinantes da minha proposta · de petição, depois
de ela ter sido assinada. Disse-lhes: "aqui está a petição; ela
será falada, porque parte de um ponto de vista nacional e é
redigida de uma forma um pouco premente, mas ficará ali
como centenas de outras petições à Assembleia Federal Alemã.
Para conseguir alguma coisa, temos de unir todos os fabri-
cantes e comerciantes alemães com o fim comum de ganhar o
apoio dos governos e administrações alemães para o nosso
sistema, de enviar às cortes, às reuniões de classes, aos
congressos os nossos representantes, de coleccionar e divulgar
factos que falam a nosso favor, convencer escritores talentosos
a escrever a nosso .favor, a ganhar a opinião pública através da
edição de um jornal da associação assim como de revistas e
jornais, e de todos os anos nos juntarmos outra vez neste lugar
de Feira para continuar a apresentar a petição à Assembleia
Federal Alemã, uma vez atrás da outra." O Sr. Elch nada fez de
tudo isto. Não obstante, na mencionada reclamação se fala de

45
como a· todos os autores político-económicos formados na
escola cosmopolita. A isto acresce o interesse da Inglaterra e
dos vendedores da indústria inglesa nas cidades costeiras e de
feiras alemãs. São conhecidos os meios que o ministério inglês,
acostumado a nunca poupar onde é preciso promover os seus
interesses comerciais, tem no seu secret service money para,
em todos os lugares no estrangeiro, apoiar a opinião pública.
· Foi publicada uma grande quantidade de correspondências e
folhetos, originários de Hamburgo e Bremen, de Leipzig e
Francoforte, contra as aspirações pouco sensatas dos fabri-
cantes alemães, que pretendiam ter protecção alfandegária
comum, assim como contra o seu consultor, a quem nomea-
damente acusavam, com palavras severas e escarnecedoras, de
nem sequer conhecerem os primeiros princípios da economia
política reconhecidos por todos os que tinham formação
cientifica, ou de não terem cabeça suficiente para os perceber.
Estes porta-vozes dos interesses ingleses tinham a vida ainda
mais facilitada por terem o apoio da teoria dominante e da
convicção dos cientistas alemães. Mesmo no seio da Associação
havia grandes divergências de opinião. Uns exigiam somente
a liberdade comercial no interior, que, ao que parece, nas

mim, como se tivesse chegado a Francoforte por acaso, como


se, entusiasmado pelas ideias sublimes do Sr. Elch, tivesse por
acaso tido a honra de revestir estas em palavras, como se
depois não tivesse feito mais do que acompanhar o Sr. Schnell
à cortes alemãs. O facto de, com este assunto, eu ter sacrificado
. o meu emprego, a minha carreira, o meu sossego, de ter
adiantado urna significativa sorna para o pagamento das
primeiras despesas, · de, até ao ano de 1821, ter redigido todas
as versões e deduções, e corno as redigi, é ignorado com total
silêncio.

46
condições dominantes teria sido pior sem protecção para o
. exterior do que a continuação das alfândegas provinciais -
eram os que estavam envolvidos no comércio alemão das feira s
e no comércio de produtos coloniais. Os outros, nomeadamente
os fabricantes alemães, pelo contrário, exigiam o princípio da
retorsão como sendo o mais óbvio, mais justo e que garantia
maior sucesso. Os últimos eram poucos, e já tinham sido; em
parte, parcial ou totalmente derrubados pela concorrência dos
ingleses. Mesmo assim, o consultor tinha de tomar o partido
deles, se queria de todo ter alguém que tomasse o seu partido.
Eficiência política como, em geral, uma eficiência comum, só é
possível através de transação entre as diferentes opiniões dos
que, à partida, têm o mesmo objectivo. O próximo objectivo
neste caso, porém, era: abolição das alfândegas provinciais e
estabelecimento de uma alfândega nacional. Uma vez abolidas
as barreiras no interior, nenhum deus seria capaz de as erguer
outra vez. Uma vez estabelecida a alfândega nacional, ainda
havia tempo de substituir a sua base errada por uma melhor, e
no caso presente ainda mais, porque o princípio de retorsão de
momento garantia mais do que o princípio de protecção exigia.
Obviamente, esta batalha fazia-se com armas desiguais:
. de um lado uma teoria desenvolvida em todos os seus aspectos,
com incontestado prestígio, uma Escola unida, um poderoso
partido que tinha os seus porta-vozes em todos os corpos
legislativos e tribunais e sobretudo a grande força motriz - o
dinheiro 2, do outro lado pobreza e miséria, diferenças de

2 Também sentimentalismo e romantismo têm nisto um

não pequeno papel, como em todos os lugares onde as


situações naturais são substituídas pelas artificiais. Gostam

47
opinião, lutas internas e total falta de uma base teórica. Esta
Luta tinha um efeito muito vantajoso para as minhas futuras
investigpções, mas muito desvantajoso para a minha repu-
tação. No decorrer das lutas diárias que tive de travar,
apercebi-me da diferença entre a teoria do valor e a teoria
das forças produtivas, e do jogo falso que a Escola faz com a
palavra capital; aprendi as diferenças entre a força de
manufactura e a força da agricultura; descobri os argu-
mentos falsos que a Escola utilizava quando queria fazer valer
para a Liberdade de trânsito dos produtos manufacturados,
argumentos que são válidos somente para o comércio livre de
produtos agrícolas; ·comecei a perceber melhor o princípio da
divisão do trabalho do que o apresentado pela Escola,
percebendo em que medida era possível aplicá-lo às
situações de nações inteiras. Só que as minhas explicações
eram incompletas, e foi tão pouco o reconhecimento que obtive
com as minhas aspirações honestas, que o Léxico de
Conversação, estando eu ausente da Alemanha, pôde repre-
sentar todo o meu trabalho como consultor da Associação de

muito mais de ver um par de bois a puxar o arado do que uma


máquin~ a vapor a revolver a terra, e quanto mais retornarmos
aos tempos antigos na cultura tanto mais nobres lhes parecem
as situações. Na sua maneira de ver, estão totalmente certos.
Quanto mais pitoresco não parece a cultura de pastores do que
a prosaica agricultura, e quanto mais romântico o selvagem,
meio nu, com seta e arco do que o pastor? Ainda quinze anos
mais tarde, quando se tratava da adesão de Baden à União
Alfandegária Alemã, um deputado sentimental na Câmara de
· Baden falava em "carpete de relva", "orvalho da manhã",
"cheiro de flores" e "brilho de cores".

48
Comércio Alemã a uma luz muito desvantajosa, chegando a
alegar que eu tinha usado argumentos alheios3.
Mais tarde, estive na Áustria, na A lemanha do Norte, na
Hungria e na Suíça, na França e na Inglaterra, tentando em
todos estes lugares aprender tanto através da observação das
situações como da leitura de publicações. Quando depois o
destino me levou para a América do Norte, deixei todos os
livros para trás; só me teriam confundido. A melhor obra sobre
economia política que se pode ler neste país novo é a própria
·. vida. Ali se vê como espaços selvagens se transformam em
Estados ricos e poderosos, e só ali percebi com clareza o
desenvolvimento, por etapas, da economia. Um processo que
na Europa se foi desenvolvendo durante uma série de séculos,
desenrola-se ali diante dos nossos olhos - nomeadamente, a
transição do estado selvagem para o da criação de 8ado, deste
para a cultura agrícola, e desta para a existência da manu-
factura e do comércio. Pode-se observar como a renda, do nada,
ganha lentamente importância. O simples agricultor percebe
melhor os meios da agricultura e o aumento a renda do que os
mais astutos cientistas do Velho Mundo - ele tenta atrair
para perto de si os manufactores e fabricantes. Aqui o
contraste entre nações agrícolas e nações de manufactura é
feroz, causando as mais violentas convulsões. Em nenhum
lugar como na América do Norte se aprende a natureza dos
meios de transporte e o seu efeito sobre a vida mental e
material dos povos. Li neste livro avidamente e com muita
aplicação, tentando harmonizar as lições que aprendi com os

3 Mencionei já em nota anterior este artigo intrigante e


· lanço aqui o desafio ao seu autor, para o justificar publica-
mente e com indicação do seu nome.

49
resultados dos meus anteriores estudos, experiências e refle-
xões. Disto resultou, assim espero, um sistema que, por muito
defeituoso que ainda possa agora parecer, não está baseado
num cosmopolitismo ilimitado, mas sim na natureza das
coisas, nas lições da história e nas necessidades das nações.
Nele existe a possibilidade de harmonizar a teoria com a
prática, e tornar a economia política, que até agora tem
confundido o senso comum através dos seus exageros
. escolásticos, das suas contradições e da sua terminologia
totalmente falsa, acessível a qualquer mente formada - tarefas
que me tinha proposto desde a criação da Associação de
Comércio Alemã, mas cuja solução não poucas vezes me tem
feito desesperar.
Quis o meu destino que na América do Norte viesse a
encontrar apoio inesperado para desenvolver as minhas ideias.
Tendo tido contacto com os mais famosos estadistas da União,
nomeadamente com o Presidente da Sociedade da Pensilvânia
para a Promoção das Manufacturas e das Artes, Ch. ].
Ingersoll, o meu trabalho anterior na área da economia política
ficou conhecido. Quando, em 1827, os fabricantes americanos e
os promotores da indústria nacional foram muito pressionados
por adeptos do comércio livre, por causa da questão das tarifas,
o senhor Ingersoll pediu-me que me pronunciasse sobre esta
questão. Assim o fiz, e com algum su.cesso, como mostra o
documento anexo4 • As doze cartas em que desenvolvi o meu

4 Excerto do protocolo da Sociedade para a Promoção das


Manufacturas e Artes em Filadélfia: "Deliberado declarar
publicamente que o Professor Friedrich List, através da
· diferenciação que faz,. baseada na n atureza das coisas, entre a
economia política e a economia cosmopolita, e da teoria das

50
sistema foram não so tmpressas no jornal nacional de
Filadélfia e depois reproduzidas em mais do que cinquenta
jornais de província; mas também publicadas em brochura pela
Sociedade para a Promoção das Manufacturas, sob o título
Outlines of a New Systern of Politicai Econorny, tendo
sido distribuídos muitos milhares de exemplares. Também
recebi felicitações das pessoas mais famosas do país, como por
exemplo do velho e honrado James Madison, de Henn; Clay,
Edward Livingston etc.
Quando estava empenhado na elaboração duma obra
maior sobre economia política, conforme os desejos da Socie-
dade · para a Promoção das Manufacturas e das Artes em
Filadélfia, e depois de já ter sido impressa a respectiva

forças produtivas da teoria do valor, e através dos argumentos


nisto baseados, cria um novo sistema da economia política em
harmonia com a natureza, tendo desta forma sido extrema-
mente útil aos Estados Unidos.
Deliberado solicitar ao Professor List que escreva dois
livros: um científico, no qual desenvolva a sua teoria pormeno-
rizadamente, e um mais popular, que sirva para divulgar o
seu sistema nas escolas. Deliberado subscrever, pela parte da
Sociedade, cinquenta exemplares destas publicações e solicitar
às instituições legislativas dos Estados interessadas no sistema
(industrial) americano de fazer o mesmo, e de resto fazer todos
os possíveis para divulgar esta obra.
Deliberado oferecer ao Professor List, a custos da Socie-
dade, um banquete no Hotel do Sr. Head, com a intenção de
conferir reconhecimento público aos seus méritos, convidando
para este evento os nossos mais honoráveis concidadãos.
Ch. J. Ingersoll, Presidente
Redwood Fisher, Secretário "

51
introdução, apareceu-me um projecto que me impediu por
muito tempo de me dedicar a ocupações literárias. A política e
a escrita são, na América do Norte, ocupações pouco lucra-
tivas; quem a elas se quiser dedicar, não tendo riqueza própria,
tenta garantir primeiro a existência e o futuro através de um
qualquer projecto. Também eu achei por bem seguir esta regra,
e a oportunidade surgiu graças ao meus conhecimentos sobre
transportes ferroviários, adquiridos anteriormente em Ingla-
terra, à feliz descoberta de novos jazigos de carvão e à não
menos feliz compra dos respectivos terrenos significativos.
No entanto, este empreendimento totalmente material, e
que na aparência nada tinha que ver com as minhas tendências
literárias, proporcionou importantes progressos nas minhas
concepções e nos meus estudos políticos e económicos .
. Conhecia a importância dos meiop de transporte tal como era
ensinada pela teoria do valor; tinha observado o efeito das
entidades transportadoras em separado e tomara em consi-
deração apenas o alargamento do mercado e a redução dos
preços dos bens materiais. Podia agora começar a observá-los
do ponto de vista da teoria das forças produtivas e no seu
efeito global como sistema de transporte nacional, conse-
quentemente conforme a sua influência sobre ~ada a vida
intelectual e política, as relações sociais, a força produtiva e o
poder das nações. Foi então que me dei conta do efeito mútuo
entre a força de manufactura e o sistema de transportes
nacional: em lugar nenhum qualquer deles consegue chegar à
perfeição sem o outro. Desta forma, foi-me possível tratar esta
matéria de maneira mais abrangente - posso bem afirmá-lo -
do que ·qualquer outro economista antes de mim, e nomea-
damente esclarecer a necessidade e utilidade de completos
sistemas de comboios nacionais, antes que qualquer

52
economista na Inglaterra, em França ou América do Norte
tenha pensado em considerá-los deste ponto de vista mais
elevado. Esta afirmação obrigar-me-ia a acusar-me n mim
próprio de au to-elogio, se a isso não me visse forçado pelos
muitos insultos e maus tratos que tive que aguentar por causa
das minhas aspirações como protagonista de um sistema
ferroviário alemão. Apresentaram-me ao público como uma
pessoa que, através de louvores e proclamações sonoras a favor
de uma coisa nova, querià alcançar prestigio, importância,
influência e dinheiro. Um jornal literário do Norte da
Alemanha, normalmente muito respeitável, pintou-me, no
Léxico Estatal, depois de uma avaliação bastante superficial do
meu artigo Canais e Comboios, como uma espécie de
entusiasta, cuja fantasia fervente vê tudo em grande escala e
descobre uma quantidade de coisas que outras pessoas com
olhos normais não conseguem ver. Muitos artigos de Leipzig,
datados de há quatro e cinco anos e publicados em jornais de
Nuremberga e Francoforte, ainda me humilharam maiss;

5 Não posso deixar de mencionar aqui que, quando


apareci em Leipzig (1833), o meu nome ainda estava na memó-
ria daqueles cujos preconceitos e interesses particulares tivera
de combater na minha função de consultor da Associação de
Comércio (1921); as animosidades resultantes desta batalha
renasceram junto a vários homens influentes daquela cidade,
devendo também ter sido a razão da posterior desarmonia
entre mim e as cabeças da classe comercial local. Isto será
aceite como ainda mais provável, se se tomar em consideração
que a grande Associação de Comércio Alemã só se efectuou
durante a minha presença em Leipzig, ou seja, que, quando eu
apareci ali pela primeira vez, a minha influência sobre o bem

53
levando a ignorância e a insolência ao ponto de me apresen-
tarem ao público alemão como uma espécie de feirante
politico-económico ou fazedor de projectos. Com efeito, o artigo
"Comboios" no Léxico de Conversação, dos tempos e
literaturas mais recentes, chegou a acusar-me de ter em grande
parte causado as miseráveis especulações que, depois de
efectuada a primeira subscrição de Leipzig, tanto denegriram a
fama destas actividades, quando de Jacto o contrário era
verdade: precisamente por causa da minha forte oposição à
especulação atraí o desagrado dos especuladores. O meu artigo
acima mencionado é muito claro a este respeito, pelo que não é
necessário defender-me aqui de tais acusações e desconsi-
derações sem carácter. Somente uma coisa posso e devo dizer:
que fui maltratado de forma irresponsável, porque estava a
obstruir o caminho de certas pessoas e interesses privados; e ·
que depois, de certo modo como bónus, me insultaram
publicamente, porque, com receio de que eu pudesse revelar as
intrigas contra mim em toda a sua nudez, acharam melhor
prevenirem-se perante o público alemão. Os meus opositores,
na sua maioria pessoas mais enganadas do que enganadores,
não conheciam nem a minha maneira de pensar, nem a minha
. posição, nem a medida dos meus meios. Longe de querer
incomodar o público alemão com esse tipo de miseráveis
querelas particulares, já no começo destas intrigas tinha
tomado a inabalável decisão de aguentar silenciosamente todas
as calúnias públicas e mentiras privadas: por um lado, para
não deixar ficar mal a boa causa, à qual já tinha sacrificado
tantos anos da minha vida e tão importantes quantias das

ou o mal deste lugar de Feira, ainda estava totalmente na


dúvida.

54
minhas receitas ganhas com muito suor; por outro, para não
perder a calma de espírito necessária a perseguir o meu fim; e,
por último, porque tinha a esperança - e ainda a tenho - de
·. que ao cabo se faria justiça em todos os aspectos. Nestas
circunstâncias provavelmente também não tenho de temer ser
acusado de autolouvor, se reclamar os argumentos e relatos
nacional-económicos, publicados nos relatórios de Leipzig,
com excepção das notícias sobre as situações locais, como
trabalho exclusivamente meu; se disser que sou eu - e só
eu - quem desde o princípio deu ao trabalho do Comité de
caminhos-de-ferro de Leipzig a tendência e eficiência nacionais
que em toda a Alemanha tiveram tão grande aceitação e foram
tão bem sucedidas; e se disser que durante os últimos oito anos
trabalhei dia e noite para, através de solicitações, corres-
pondência e escritos, pôr em movimento o problema dos
comboios em todos os lugares na Alemanha. Digo tudo isto
com a total convicção de que nenhuma pessoa honrada da
Saxónia; publicamente e em seu nome, poderá ou quererá
contradizer-me em qualquer dos pontos mencionados.
Nas intrigas aqui censuradas pode estar a principal
razão por que os autores económicos alemães têm até agora
tratado os meus trabalhos sobre os comboios com tão pouca
justiça: nos seus trabalhos publicados, em vez de reconhecer o
. que era novo e original nos meus, ou me trataram com silêncio
ou me citaram em geral6.

6 O Consultor de Estado Nebenius fica expressamente


excluído desta acusação. A minha modéstia não permite trans-
crever aqui literalmente o que ele me transmitiu oralmente
relativamente a este assunto.

55
As mencionadas aspirações de criar um sistema de
comboios alemão - único objectivo que poderia Jazer com que
deixasse por uma série de anos a minha situação excelente no
Norte da América e voltasse à Alemanha -, estas aspirações e
as minhas anteriores actividades práticas na América do Norte
impediram que continuasse o trabalho de escrita, e talvez este
livro nunca tivesse visto a luz do dia, se eu não tivesse perdido
o meu oficio por causa dos maus tratos mencionados e não me
tivesse visto incitado a salvar o meu nome.
Para restabelecer a minha saúde, destruída por causa do
muito trabalho e do indizível dissabor, desloquei-me a Paris
nos últimos meses de 1837. Foi aí que, por acaso, ouvi que a
Academia das Ciências Políticas em Paris tinha criado um
prémio para um trabalho sobre uma questão que tem a ver com
a liberdade e as limitações do comércio. Instigado, decidi
escrever o essencial das minhas ideias. Mas, não tendo comigo
os trabalhos anteriores, tendo de Jazer tudo de memória, e
· como além disso até ao fim do prazo (peremptório) dispunha
aproximadamente de ·apenas quinze dias, este trabalho não
pôde senão resultàr muito incompleto. Não obstante, a
Academia colocou~o entre os primeiros três de vinte e sete que
tinham sido entregues 7 • Podia ficar bem contente com este
resultado, tendo em conta a ligeireza do meu trabalho, qúe o
prémio não foi atribuído e tendo em conta sobretudo a
convicção cultural do júri que pertencia na totalidade à escola
cosmopolita. De Jacto, no que toca à teoria . da economia
política em relação ao comércio internacional e à política

7O meu ensaio tinha a divisa "et la patrie et l'humanité",


a indicar o carácter do meu sistema.

56
comercial, a situação em França está actualmente quase pior
do que na Alemanha. O Sr. Rossi, homem de muito mérito nas
ciências do Estado e sobretudo na elaboração de muitas
matérias na economia política, mas criado em pequenas
cidades ·italianas e helvéticas, onde é impossível conhecer e
aprender a avaliar indústria e comércio ao nível e na situação
nacional8, onde então forçosamente se tem de ter esperança
na realização da ideia da liberdade geral do comércio, como
aqueles que neste mundo já não têm consolo costumam dirigir
as suas esperanças para os prazeres do mundo futuro - o
Sr. Rossi ainda não teve nenhuma dúvida no princípio cosmo-
polita, ainda não lhe. ocorreu uma única vez a ideia de que
a história poderia, neste aspecto, chegar a outras conclusões
para além daquelas que se encontram em Adam Smith .
O Sr. Blanqui, conhecido na Alemanha pela sua História da
Economia Nacional, tem desde sempre limitado a ·sua
ambição a diluir ainda mais as ideias de J. B. Say, que por sua
vez dilui Adam Smith. Quem tiver olhado, de forma não
partidária e autocrítica a história comercial e industrial das
nações, encontra nos seus livros rios inteiros das mais mornas
águas. Pois, esses dois não são de certeza a fonte da avaliação
positiva do meu texto; atribuo esta ao Barão Dupin. Este,

8 Pela mesma razão, também as publicações político-


-económicas de Dimonde de Sismondi, reconhecido historia-
dor, não têm, em relação ao comércio internacional e à política
comercial, qualquer valor. Von Sismondi vê com os seus olhos
físicos tudo que é vermelho como sendo preto: o seu olhar
mental nas questões da economia política parece padecer do
mesmo erro. Ele quer, por exemplo, que o espírito de inventor
. seja controlado!!

57
embora indivíduo de pensamento profundo e muita expe-
riência, era inimigo de todas as teorias e nunca aceitou os
sistemas, apesar de se dever ter apercebido da teoria das forças
produtivas, já que a França lhe deve uma descrição factual e
estatística das suas forças produtivas nacionais, e ter-lhe-ia
sido possível superar a aversão pelas teorias de outra forma.
No prefácio da obra citada, o Sr. Dupin exprime sem reservas
esta sua aversão. Dirige o ataque a J. B. Say quando diz
sarcasticamente que nunca se teria permitido a tonta vaidade
de construir sistemas e julgar as situações de todas as nações
por uma única medida. No entanto, não se entende bem como
se há-de chegar a uma prática consequente sem uma apreciá-
vel teoria. É verdade que se poderia dizer que os estadistas
ingleses se deram bastante bem durante séculos .sem teoria;
mas contra isso se poderia argumentar que a máxima de
vender produtos manufacturados e comprar matérias-
-primas, para os Ingleses, tem tomado o lugar de toda uma
teoria durante séculos. Mas isto seria uma parte da verdade,
porque, como é sabido, a máxima mencionada não tem prote-
gido a Inglaterra de grave falta de proibir em diferentes
períodos a importação de trigo e outros produtos agrícolas.
Seja como for, à perspicácia de Dupin, como me é permitido
concluir das suas declarações, não era possível escapar a seme-
lhança das suas exposições estatísticas com a minha teoria
- por isso a sua avaliação positiva. Para além das que men-
cionei, outras pessoas do júri já tinham escrito sobre economia
. política; mas folheando as suas publicações para citar alguma
coisa que se pareça com uma ideia própria, descobre-se que
não continham senão politicai economy made easy, como
costumam dizer os ingleses - coisas para senhoras a falar de
política, jovens peraltas parisienses e outros diletantes -, mais

58
diluições de anteriores diluições de Adam Smith . Ideias pró-
prias nem pensar -era para rir.
No entanto, este trabalho francês teve para mim tão
pouca vantagem como antes tivera o inglês. Não fiquei só mais
convicto da minha opinião inicial, de que um sistema capaz
.. tinha absolutamente de ter uma base histórica igualmente
capaz; também percebi que os meus estudos históricos não
tinham ainda progredido o suficiente. Por isso, quando, mais
tarde, depois da continuação desses estudos reli os meus
trabalhos em língua inglesa, nomeadamente as cinco folhas da
introdução histórica já impressa, achei que era - miserável.
Talvez o caro leitor pense que em roupagem alemã ainda seja
assim. Também confesso, abertamente e sem rodeios -o que
talvez alguns acreditem facilmente -, que achei o mesmo
quando, depois de ter trabalhado o último capitulo, reli os
primeiros; estive prestes a rasgar o trabalho alemão como antes
o inglês e o francês. Mas mudei de ideias. Quem continua a
estudar, fará progressos constantemente, e em qualquer altura
a reformulação terá de ter fim. Desta forma, enfrento agora o
público com a ideia humilde de que se poderá encontrar muito
para criticar no meu trabalho, que eu mesmo agora, escrevendo
este prefácio, poderia ter feito e dito muitas coisas melhor; e o
único pensamento que me conforta é que, mesmo assim, se
possa encontrar no meu livro alguma coisa nova e verdadeira e
também algo que poderá servir a minha pátria alemã com
especial utilidade. Principalmente, a esta intenção se deve o
facto de eu, talvez muitas vezes demasiado audaz e decidido,
ter condenado as opiniões e performances de alguns autores e
escolas inteiras. Decerto tal não aconteceu por arrogância
pessoal, mas sempre na convicção de que as opiniões atacadas
seriam perniciosas para a comunidade e de que, para ser útil

59
neste caso, seria necessário exprimir a opinião contrária sem
energicamente e sem rodeios. É certamente fal sa a ideia de que
pessoas .que alcançaram grandes feitos na ciência tenham de
ser tratadas com grande acatamento quando estão erradas;
com certeza, precisamente o contrário estará certo. Autores
famosos que chegaram a ser autoridades causam infinitamente
mais danos pelos seus erros do que os autores não importantes,
e por isso têm de ser contrariados mais energicamente. Sei
que teria sido muito melhor para a minha pessoa, se tivesse
. revestido as minhas críticas com uma capa mais suave,
moderada, humilde, ·assaz camuflada e semeando cumpri-
mentos para todos os lado; também sei que quem julga, será
julgado. Mas que mal faz? Utilizarei os severos juízos dos
meus opositores para reparar os meus erros no caso de, e
mal ouso esperá-lo, este livro viver uma segunda edição.
Desta forma serei duplamente útil, se bem que não a mim
próprio.
Aos justos e tolerantes juízes, que querem deixar passar
a desculpa atrás mencionada, digo que na própria escrita do
presente livro não gastei de forma nenhuma tanto tempo como
nas pesquisas e reflexões; que os vários capítulos foram
elaborados em diferentes tempos e muitas vezes somente de
forma ligeira, e que estou tudo menos convencido de que a
natureza me tenha especialmente apetrechado com talentos.
Estas observações, faço-as aqui para que não se tenha espe-
ranças demasiado grandes depois de um parto difícil e após
prolongada gravidez; para que seja explicável que, de vez em
quando, eu fale de um período de tempo meio ou totalmente
passado como se fosse o presente; e para que não se considere
.. com demasiada gravidade frequ entes repetições ou até algumas
contradições. Relativamente às repetições, todos os que são

60
algo versados em economia política sabem quão frequen-
temente nesta ciência as várias matérias estão entrelaçadas,
sendo incomparavelmente melhor repetir a mesma coisa dez
vezes do que deixar nem que seja um único ponto por
esclarecer. A opinião que, aliás, eu próprio tenho das minhas
forças deduzir-se-á melhor da confissão que aqui fiz de que
precisei de tantos anos para conseguir alguma coisa aceitável.
Grandes espíritos produzem rápida e facilmente - os comuns
precisam de muito tempo e duro trabalho. Mas também podem,
de vez em quando, favorecidos pelas circunstâncias, conseguir
algo excepcional, sobretudo quando encontram uma teoria
madura para ser deJ'rubada e a natureza lhes deu alguma
capacidade de julgar e alguma persistência na perseguição das
suas dúvidas . Também o pobre pode ficar rico, se junta o
pfennig ao pfennig e o taler ao taler.
Para precaver a suspeita de plágio, é preciso dizer que,
desde há anos em revistas e jornais alemães e franceses,
nomeadamente no Allgemeine Zeitung, tenho fa lado varia-
díssimas vezes da maioria das ideias aqui desenvolvidas, em
parte em esboços fugazes, através de artigos de correspon-
dência. Nesta ocasião, não posso deixar de agradecer publi-
camente ao meu espirituoso e ilustre amigo, Dr. Kolb, por ter
concedido espaço no seu famoso jornal para as minhas
afirmações e os meus argumentos, que, no princípio, muitas
vezes pareciam tão ousados. Os mesmos agradecimentos devo
ao Barão de Cotta que, com tão louvável zelo segue em todos os
lado as pisadas do seu pai, tão merecedor dos progressos
industriais como da literatura da pátria alemã. Sinto-me aqui
obrigado a declarar publicamente que o actual proprietário da
mais famosa livraria do mundo me deu mais apoio no assunto
dos caminhos-de-ferro alemães do que qualquer outra pessoa

61
na Alemanha, e que fui por ele encorajado a publicar um
esboço do meu sistema na Vierteljahres-Schrift9, e a seguir o
presente livro.
Para que não seja injustamente acusado de falta de
integridade, tenho de. anotar que, conforme planeado, queria
condensar neste primeiro volume o que sabia de novo e
original sobre o comércio internacional e a política comercial,
nomeadamente a favor da elaboração de um sistema comercial
nacional alemão, por pensar que desta maneira, no actual
momento decisivo, se pode Jazer bastante mais em prol da
questão da indústria alemã do que misturando coisas novas
com antigas, coisas decididas com coisas duvidosas e repetindo
o que já foi dito cem vezes. Neste caso, era ainda necessário
recusar algumas ideias que pensava ter encontrado nas minhas
observações e experiências, viagens e estudos nos outros ramos
da economia política. Nomeadamente, fiz estudos sobre a
constituição agrária e reunião de parcelas, sobre a criação da
capacidade de trabalho e o despertar do espírito empreendedor
alemão, sobre os inconvenientes ligados às fábricas e os meios
para remediar e evitar, sobre a emigração e colonização, sobre a
criação de uma marinha alemã eos meios para a expansão do
comércio externo, sobre os efeitos da escravatura e os meios
da sua abolição, sobre a posição e os verdadeiros interesses
da nobreza alemã, etc., cujos resultados não tinham lugar
·. possível neste livro, . a não ser que se quisesse dilatá-lo
indevidamente.

~ "A Economia Nacional vista sob o Ponto de Vista


Histórico" V.J.S., caderno 5, e "Sobre a Natureza e o Valor de
Uma Força Produtiva Nacional" Vierteljahres-Schrift, caderno 9.

62
Através dos artigos acima mencionados na Vierteljahres-
-Schrift, quis como que perguntar à opinião ·pública da
Alemanha se era permitido e não seria inconveniente esta-
belecer opiniões e princípios, que divergissem radicalmente da
Escola dominante da economia política. Ao mesmo tempo
queria, com isto, dar ocasião aos adeptos desta Escola de me
reconduzir ao caminho certo, no caso de ter enveredado pelo
caminho errado. Estes artigos, porém, já são há dois anos do
conhecimento do público, sem que se tivesse levantado uma
única voz acerca deles ou contra eles.
O meu amor próprio diz~me que me julgaram irrefu-
tável; porém, o meu cepticismo segreda-me que não me têm em
suficiente consideração para se dignarem refutar-me. O que
devo pensar? Não sei; só sei que numa questão, em que se trata
do bem ou mal, do ser ou não ser de uma nação, a nossa nação
- a alemã -, mesmo a opinião do mais insignificante merece
atenção ou, pelo menos, refutação.
"Mas - a Escola poderia dizer, como já disse muitas
vezes - o chamado sistema mercantilista tem sido combatido
por nós com sucesso em centenas e centenas de publicações,
artigos e discursos, devemos mesmo refutara que é novamente
trazido à baila pela milésima vez?" Isto seria, obviamente, um
argumento válido, se eu tivesse de facto trazido novamente à
baila o chamado sistema mercantilista. Basta ler a intro-
dução seguinte, para o leitor se convencer de que, do sistema
tão mal-afamado, integrei no meu somente o que era útil,
rejeitando tudo o que está errado; que, para além disso, o
aproveitável foi por mim colocado sobre um fundamento
totalmente diferente do da chamada Escola Mercantilista - a
saber, sobre o fundamento da história e da natureza - e que
tratei da mesma forma o sistema agrícola e o chamado sistema

63
industrial, que erradamente confundiu o seu nome com o do
chamado sistema mercantil; de facto, ainda fiz mais: pela
primeira vez refutei os argumentos milhares de vezes utili-
zados pela Escola cosmopolita, com base na natureza das coisas
e nas lições da história, e pela primeira vez arrastei para a
luz o jogo falso que a Escola mantém com um inaudito
cosmopolitismo, como uma terminologia ambígua e com
argumentos totalmente falsos. Isto realmente não deveria ser
indigno da atenção da Escola e de uma resposta bem fundada !
Pelo menos aquele senhor que tinha provocado primeiro aquele
artigo não devia deixar ficar a luva que eu lhe tinha atirado.
Para que se possa entender a mencionada observação,
tenho de lembrar acontecimentos passados. Nos meus relatos
. para o Allgemeine Zeitung sobre a Exposição de Indústria
em Paris, em 1839, tinha ousado deitar alguns olhares críticos
iz situação actual da teoria, nomeadamente à Escola Francesa.
Sobre isso fui agora repreendido por um correspondente "do
Reno " no mesmo jornal, num tom e com argumentos que me
fizeram entender claramente que uma das primeiras autori-
dades da Escola Alemã me estava a enfrentar. Ele parecia ver
com maus olhos o facto de eu, falando da teoria dominante, só
ter mencionado Smith e Say, e fez saber que também a
Alemanha tinha teóricos de fama mundial. De cada uma das
suas palavras emanava aquela confiança que uma teoria
chegada ao domínio incontestado impõe aos seus discípulos,
ainda mais em relação a cépticos, dos quais desconfiava que
não tinham conhecimentos profundos da sua doutrina.
Repetindo os conhecidos argumentos da Escola contra o
chamado sistema mercantilista, irritado pelo facto de ter que
dizer mais uma vez o que já foi dito umas centenas de vezes
e que é geralmente reconhecido como verdade incontestada,

64
exclama: "o próprio Jean Paul terá dito algures que uma teoria
falsa só podia ser substituída por uma melhor".
Não sei onde e em que contexto Jean Paul disse a sen-
tença mencionada, mas penso poder afirmar que ela - assim,
como o correspondente "do Reno" a proferiu - se assemelha
milito a um lugar-comum. Algo que está mal, de certeza, em
todo o lado só pode, com vantagem, ser substituído por algo
melhor. Mas daí não resulta de forma alguma que algo que
está mal e que até à data foi tido como bom e válido não possa
ser apresentado na sua verdadeira forma . Ainda menos daí
resulta que não se deva primeiro dar cabo de uma teoria que foi
percebida como errada, para fazer espaço para uma melhor ou
para tornar visível a necessidade de uma melhor. Quanto a
· mim, não me satisfiz comprovar que a teoria dominante era
errada e insustentável, também apresentei, no artigo men-
cionado para a Vierteljahres-Schrift, as linhas mestras de
uma nova teoria, que penso ser melhor, para ser examinada
pelo publico; quer isto dizer que fiz o que a sentença de Jean
Paul exige- entendida no sentido mais restrito. Mesmo assim,
aquela alta autoridade da Escola cosmopolita tem permanecido
calada durante estes dois anos.
Em rigor, aliás, não deve ser totalmente verdade que
nenhuma voz se tenha levantado acerca dos dois precur-
sores do meu livro. Se não estou em erro, o autor de uma
contribuição num dos números mais recentes de uma revista
muito prestigiada referiu-se a mim, quando falou de ataques
contra o sistema nacional económico dominante que vêm de
fora ("não de pessoas da profissão"), de pessoas que "revelam
pouco conhecimento do sistema que atacam, que não o
percebem mesmo na sua totalidade e também muitas vezes de
forma errada no detalhe", etc.

65
Esta polémica altamente teórica está de tal modo embru-
lhada em frases escolásticas e obscuros oráculos que, para além
de mim, quase ninguém deveria ter a ideia de que aquela é
dirigida a mim e às minhas publicações. Por isso, e porque de
facto também não tenho toda a certeza de que esta me seja
mesmo dirigida, não quero, fiel ao meu propósito, atacar pelo
nome ou desafiar algum autor alemão vivo, indicar mais
precisamente o meu opositor ou o seu artigo. Mas também
não posso guardar total silêncio em relação a ele, para não
alimentar a ilusão ao próprio autor, no caso de se ter mesmo
referido · a mim, de que me tenha dito coisas concludentes.
Neste caso ele deve, mesmo sem que eu entre em mais detalhes,
ter a certeza de que é a ele que me dirijo. Abertamente digo,
pois, a este opositor, que penso estar tão bem ao corrente dos
profundos segredos da sua ciência como ele próprio; que
oráculos e frases que parecem profundas, mas no fundo não
dizem nada, como são amontoados camada por camada no
· princípio do seu artigo, na economia política são o que no
trânsito comum se chama as moedas falsas; que afirmações tão
gerais e tais pretensões de ter um conhecimento especial não
provam mais do que a consciência da própria fraqueza; que já
não é tempo de atribuir a Adam Smith sabedoria socrática e
louvar Lotz, o seu trivilizador alemão, como uma grande luz;
que ele, o opositor, no caso de ser capaz de se emancipar de tais
autoridades que na sua maioria são autoridades in·úteis, natu-
ralmente chegará à triste convicção de que as suas próprias
numerosas publicações necessitarão duma significativa revi-
são; que uma tal resolução heróica lhe deverá trazer mais
honra e fama do que a teimosa insistência no seu empinado
conhecimento escolar, por, neste caso, poder contribuir forte-
mente para esclarecer economistas nacionais prestes a começar

66
o trabalho prático sobre os verdadeiros interesses da sua pátria,
em vez de os estultificar em teoria.
De facto, uma tal conversão deve ser vista como um
beneficio consideravelmente grande para a nação; porque se
sabe quão grande influência exercem professores até princi-
piantes da economia política sobre a opinião pública da actual
e de futuras gerações, ainda mais se pertencem às univer-
sidades prestigiadas e muito frequentadas. Por isso, não posso
fazer outra coisa senão ajudar o indivíduo a que me refiro a
·. sair do seu sonho teórico. Ele está constantemente a falar de
um mundo de bens: Nesta palavra há um mundo de erro -
não existe nenhum mundo de bens! Ao conceito de mundo
pertence o espiritual e o vivo, nem que seja só vida e espí-
rito animais. Quem, por exemplo, quer falar de um mundo
mineral? Tirem o espírito, e tudo o que se chamava um bem,
torna-se matéria morta. Ou o que é feito da riqueza de Tiro e
Cartago, do valor dos palácios venezianos, desde que o espírito
fugiu daquela massa de pedras? Com o vosso mundo de bens
vocês querem autonomizar a matéria - isto é o vosso grande
erro. Estais a dissecar corpos mortos e mostrais-nos a cons-
trução e as partes dos seus membros, mas juntar outra vez
estes membros para fazer um corpo, insuflar-lhe espírito, pô-lo
em acção, isto é que não conseguem -o vosso mundo de bens
é uma quimera!
Depois destas observações, acreditar-me-ão facilmente
quando digo que não é o medo a razão pela qual tenho evitado
falar dos trabalhos dos economistas alemães. Só não queria
levantar polémica inútil ou perniciosa. Porque somente depois
da fundação da União Aduaneira Alemã se tem tornado
possível, para os Alemães, observar a economia política do
ponto de vista nacional; desde então, algumas pessoas, que

67
antes glorificavam o sistema cosmopolita, podem bem ter
mudado de ideia, e seria manifesta malícia, nestas circuns-
tâncias, responder à conversão dessas pessoas com .repreensões
pessoais.
Decerto esta razão só é válida em relação a autores vivos;
mas, francamente, em relação aos mortos, não havia muita
coisa singular a refutar, visto que todos eles partilhavam os
erros de Smith e Say, e basicamente não contribuíram com
nada de significantemente novo. Nota bene, como em todas as
páginas· do livro assim também aqui, o nosso juízo limita-se à
teoria do comércio internacional e da política comercial -
consequentemente, deixamos sempre intactos no seu valor os
méritos adquiridos por autores mortos ou vivos em outras
áreas da ecpnomia política. Leia-se, nesta circunstância, os
escritos de Lotz, Politz, Rotteck, Soden, etc. -para não falar
.. dos pouco profundos como Krausa, Fulda, etc. - e chegar-se-á
à conclusão de que, em relação àquilo que foi dito, são cegos
imitadores de Smith e Say, ou que os seus juízos, nos aspectos
em que diferem deles, não têm valor. O mesmo se pode até
dizer do espirituoso Sr. Weitzel, um dos excelentes autores
alemães; e mesmo o muito experiente e inteligente Sr. Rudhart,
nesta importante matéria, tem apenas, de vez em quando,
intervalos de clarividência.
Sinto muito que, no momento em que se recolhem
contribuições para o monumento de Rotteck, tenha de exprimir
publicamente este juízo a seu respeito, de que não teve uma
visão clara do comércio internacional nem da política
comercial, dos sistemas nem da prática da economia política.
O leitor será justo e me perdoará, depois de perceber do aqui
em nota·mencionado texto, tirado de uma das últimas obras de
Rotteck, que este julga o meu trabalho não só com dureza, mas

68
também de forma totalmente errada 10, colocando-me na obri-
gação de me defender. Quando Rotteck afirma que lamentei
apenas a crise dos fabricantes em vez de me queixar da saída
do dinheiro e do empobrecimento do Estado, e que o sistema da
Associação de Comércio Alemã teria sido em parte imprati-
cável, em parte associado a umá série de desvantagens, essa
acusação não tem cunho diferente do da maioria das coisas que
Rottecck diz no seu capítulo sobre o orçamento de Estado - o
da falta de conhecimentos. Depois de ter lido o meu livro,
· espero que, lendo aquele capítulo de Rolteck, o leitor não pense

10 Ver Staatsrecht der konstitutionellen Monarchie (Direito


Público da Monarquía Constitucional), começado pelo Barão de
Aretin, continuado por Karl von Rotteck, Leipzig 1839, pág. 300.
"Não será propriamente a favor dos fabricantes nacionais a
tomada de uma tal resolução [limitação do comércio], porque
para o todo é deveras vantajoso se a importação livre de
produtos estrangeiros estimula os produtores nacionais a
aperfeiçoar a indústria e a reduzir os preços, mas sim para
evitar o empobrecimento do Estado resultante da saída do
dinheiro sem possível retomo, e defender, dest~ maneira,
todos os cidadãos, tanto consumidores como produtores, dum
grande mal. É este aspecto que a Associação Geral do Comércio
Alemão e o seu porta-voz List deviam ter tido em consideração,
em vez de apenas se lamentarem sobre a sua própria crise.
Neste caso teria tido um maior apoio da opinião pública, as
armas dos seus adversários não teriam sido tão afiadas,
embora não se possa esquecer que, por causa de circunstâncias
e situações particulares da Alemanha e do comércio alemão,
que não têm nada a ver com a verdade dos princípios gerais
estabelecidos no texto, o sistema da chamada Associação de
· Comércio teria sido e!Jl parte impraticável, em parte associado
a uma série de desvantagens."

69
que tal juízo seja justo. Basta ler o que digo no capítulo XXVII
sobre o princípio de retorsão e examine-se a seguir as opiniões
. de Rotteck, para se ficar convencido que Rotteck puxou
indevidamente para o foro do direito uma pura questão da
educação industrial das nações, e a julgou não na sua
função de economista, mas na de professor de direito público.
Esta interpretação totalmente errada do meu trabalho e do meu
valor como economista, este ataque deveria também servir para
minha justificação, quando eu digo: teria sido mais inteligente,
se Rotteck, nas suas publicações e nos seus discursos como
deputado, tivesse declarado francamente que não tinha a
mínima experiência prática em questões do comércio interna-
cional e da política comercial, sendo-lhe a área da economia
política completamente estranha, em vez de se pronunciar em
ambas as áreas de uma forma que aparentemente prejudicou os
seus restantes méritos. O leitor lembrar-se-á que os senhores
von Rotteck e Welcker, não obstante terem declarado ante-
riormente que não sabiam nada do comércio, se debatiam
violentamente, na Câmara de . Baden, contra a entrada de
Baden na grande União Aduaneira Alemã. Conhecendo bem
os dois, e tendo ouvido o boato de que iriam tomar esta atitude,
tomei a liberdade de lhes fazer insistentes advertências, em
. reacção às quais ouvi uma resposta bastante irritada. Se esta
advertência terá influenciado ou não o juízo antipático, é coisa
que deixarei em suspenso.
Politz, não sendo pensador original em nenhuma área, e
em todas sem experiência, foi especialmente nesta um mero
compilador. Posso dar um exemplo do tipo de juízos, em
assuntos de economia política, deste titular sem espírito da
primeira cátedra política da Alemanha. No tempo em que, em
Leipzig, ainda era escarnecido pelas pessoas "espertas" por

70
causa das minhas propostas de um comboio Leipzig-Dresden e
do meu sistema de comboios alemão, pedi apoio e parecer ao
senhor Politz, que me respondeu que ainda não seria possível
dizer com certeza em que medida este empreendimento seria
útil e necessário, porque não se podia saber em que direcção o
comboio das mercadorias se ia dirigir no futuro. Esta opinião
profunda e teórica foi mais tarde, se não me engano, omitida
dos seus tristes anuários.
Quando encontrei Lotz pessoalmente pela primeira vez,
tomei a liberdade de lhe falar humildemente de algumas novas
opiniões na economia política, com a intenção de ouvir as suas
e corrigir as minhas. O Sr. Lotz não entrou em nenhuma troca
de opiniões, porém, no seu rosto, via-se uma mistura de nobreza
e ironia, que me Jazia entender claramente que ele considerava
a sua posição demasiado elevada para que, sem faltar à própria
dignidade, pudesse entrar em discussão comigo. Também disse
mesmo alguma coisa no sentido de que, na ciência, trocas de
opinião entre amadores e os iniciados não poderiam levar a
nada. Tinham passado quinze anos desde que tinha visto os
livros do Sr. Lotz pela última vez; o meu respeito pelo autor
. era, portanto, de data muito antiga. Esta atitude, porém, fez-
-me entender o verdadeiro valor das publicações do Sr. Lotz
antes de tornar a olhar para elas. Como é possível, pensei, que
numa ciência experimental - e a economia política é uma
ciência experimental - um homem possa produzir algo válido
que rejeita a experiência desta forma? Quando, mais tarde,
cheguei a ver novamente os seus grossos volumes, a atitude do
Sr. Lotz tornou-se explicável. Nada natura[ do que os autores
que não fizeram senão copiar ou explicar os precursores, tendo
adquirido toda a sabedoria dos livros, fiquem altamente
inquietos e estupefactos quando confrontados com experiências

71
vivas e ideias completamente novas contradizendo os seus
conhecimentos académicos.
Em contrapartida, o Barão Soden, que conheci bem, era
· incomparavelmente mais instrutivo no trato do que nas
publicações, sendo il.nensamente liberal em relação à dúvida e à
contradição. A novidade do que publicou consistia sobretudo
no método e m:i terminologia. Infelizmente, porém, a última é
de longe mais pomposa e afundaria a ciência na lamq da
Escolástica ainda mais do que a de Smith e Say.
Weitzel avalia na sua História das Ciências Públicas os
autores económicos da mesma maneira que a Escola cosmopolita.
Se, pelas razões já explicadas, me abstenho de todas as
repreensões contra os autores de economia ainda vivos da
Alemanha, isto não me impede de ser justo para com as boas e
excelentes ideias que se encontram nas publicações de
Nebenius, Hermann, Mohl e outros.
Concordo, como se verá, em grande parte, com o livro de
Nebenzus sobre a União Aduaneira Alemã quanto ao sistema a
ser seguido pela União. Visto que este livro foi obviamente
escrito para o momento, com a intenção de produzir efeito
sobre a formação continuada da União, era bastante oportuno
que o autor, perspicaz e autor de valor na da indústria, tivesse
deixado de lado teoria e História. Por causa disso, no entanto,
tem também todos os m_éritos e defeitos de uma publicação de
ocasião: se é capaz de ser muito eficiente no momento, não
protege contra futuros erros. Por exemplo, no caso de os
Ingleses e Franceses eliminarem todas as tarifas sobre produtos
agrícolas e de silvicultura, deixaria de haver razão, conforme
os argumentos de Nebenius, para manter o sistema de
protecção alemão. A ciência policial de Mohl contém muitas
opiniões correctas sobre o sistema de protecção, e de Hermann

72
sabe-se com que força trabalha na prática a favor da evolução
da União Aduaneira Alemã e, sobretudo, a favor do desen-
volvimento da indústria da Baviera.
Nesta ocasião, não posso deixar de lembrar o facto de os
alemães, neste aspecto diferentes de todas as outras nações,
tratarem os assuntos politico-económicos em duas disciplinas
diferentes: sob o nome de economia nacional, economia
política, economia pública, etc., tratam da teoria do sistema
cosmopolita conforme Smith e Say; na ciência de polícia 11
investigam a capacidade do poder público para influenciar a
produção, distribuição e o consumo dos bens materiais. Say,
que em todos os assuntos opina de forma tanto mais decidida
quanto menos · sabe sobre eles, censura sardonicamente os
alemães por misturarem a economia política com a teoria da
administração. Como Say não sabia alemão, e nenhuma das
. obras alemãs de economia foi traduzida para o francês, terá
chegado ao conhecimento deste facto através de um qualquer
génio viajante parisiense. No fundo, no entanto, esta divisão
da ciência, que infelizmente tem causado muitos enganos e
contradições, apenas prova que os alemães, muito antes dos
franceses, tiveram a percepção de que existia uma economia
cosmopolita e uma economia política, chamaram à aquela
economia nacional e a esta ciência de polícia.

11 O termo "Polizei" (polícia) tinha no passado, na


Alemanha, o sentido de Governo, Ordem, Administração (ver
Etymologisches Worterbuch der deutschen Sprache, Friedrich
Kluge, Walter de Gruyter & Co, Berlin 1967). O termo latino
"Polícia" também em português se traduzia por Governo,
Política .(ver Magnun Lexicon Novissimum Latinum et Lusi-
tanum, Emmanuelis Joseph Ferreira, J.-P. Aillaud, Guillard et
Sem, Paris 1863). [Nota do Tradutor]

73
No momento em que escrevo, chega-me um livro que me faz
confessar que julguei Adam Smith de forma muito mais suave
do que deveria de acordo com as minhas convicções. Trata-se
da segunda parte da Galeria de Quadros das Relações e
Correspondência de Rahel, editado por Varnhagen von
Ense. Procurei o que nele ser/a dito sobre Adam Muller e
Friedrich Gentz, que conheci pessoalmente12, mas encontrei as
pérolas num lugar completamente distinto daquele onde as
. procurava, quer dizer, na correspondência entre Rahel e
Alexander von der Marwitz: este inteligente jovem tinha lido
Adam Smith como preparação para o seu exame e, à margem,
tinha-o criticado. Na nota anexada pode-se ler o que tinha
escrito durante o seu estudo sobre este autor é a sua Escola
Alemã13 . E este juízo - o juízo que em vinte linhas resume

12 Mais à frente talvez tenha oportunidade de falar sobre


as mais estranhas opiniões e circunstâncias destes dois homens
no que respeita à política comercial alemã. Conheci ambos
pessoalmente no Congresso de Ministros em Viena (1820).
Müller, com quem passei muito tempo junto do Duque de
Anhalt-Coethen, entretanto morto, que naquela altura fazia
oposição à Prússia, dignificou-me até com a sua confiança.
Gentz, devido à sua posição e às suas relações com a
Inglaterra, estava menos acessível; mas entrou repetidas vezes
em debates comigo, que, embora não de pouco interesse, tão
pouco levaram a um acordo que ele: imediatamente depois da
minha partida de Viena, abriu uma polémica anónima contra
mim no Allgemeine Zeitung, polémica essa de que, como gosto
de me lisonjear, não saí com desonra.
13 Op. cit., pág. 57: "Toda a sua sabedoria lhes vem de

· Adam Smith, um homem limitado, mas engenhoso na sua área


limitada, cujos princípios proclamam mecanicamente em cada

74
tudo, tudo o que se pode dizer sobre Smith e a sua Escola -,
Marwitz proferiu-o depois da primeira leitura de Adam Smith.

ocasião, com enfadonha amplitude e como se fossem alunos. A


sua sabedoria é muito cómoda, porque ele constrói, indepen-
dentemente de . todas as ideias, separadas de todas as outras
tendências da existência humana, um Estado comercial geral,
que se adequava a todas as nações e a todas as situações, cuja
arte mais não é do que deixar as pessoas Jazerem o que querem.
O ponto de vista dele é o do interesse privado; não sonha que
tem de haver um interesse mais alto para o Estado e que, em
função desse interesse mais alto deverá dar ao trabalho físico
um rumo completamente diferente do que deseja quem apenas
quer usufruir. Quanto não deve uma tal sabedoria, aplicada com
uma perspicácia que só a profundidade de pensamento pode
destruir, e até com erudição, ser compreendida por um século
que partilha a mesma visão! Eu leio e critico-o. É leitura lenta,
porque ·nos guia por um labirinto de brutais abstracções, de
artificiais entrelaçamentos das forças produtivas físicas, onde
não só é difícil como também cansativo segui-lo." Pág. 61:
"Daqui a pouco acabarei de ler Adam Smith, para minha não
pouca alegria, porque mais perto do fim, onde começa a falar
de grandes assuntos do Estado, guerra, justiça, educação, se
tornn muito estúpido. [ ... ] Vou tentar escrever em pormenor
sobre ele, vale a pena; porque para além de Napoleão, ele é
agora o monarca mais poderoso na Europa (literalmente ver-
dade)." Pág. 73: "Sobre Adam Smith estou na sexta folha, aca-
bando provavelmente amanhã. Levo-as comigo a Berlim para
lhe dar." Pág. 56: " ... como sobre o economista Kraus que copia
o Adam Smith da forma mais enfadonha e impertinente, tão ordi-
nário que usa os mesmos exemplos, mas onde Adam Smith
fala, por exemplo, dum fabricante de tecidos, ele põe um tece-
lão de linho; onde Adam Smith diz: Calecut e Londres, ele diz:
Trankebar e Copenhaga. Ambas as coisas literalmente verdade."

75
Ele, um jovem de vinte e quatro anos, rodeado de letrados que
veneravam Adam Smith como um deus, ele só derruba com
mão forte e segura o seu ídolo, desfazendo-o em mil pedaços e
rindo-se da tolice dos seus adoradores. E a ele, vocacionado
para abrir os olhos à sua pátria e ao mundo, examinaram-no
quase até à morte com as perguntas mais estúpidas, de tal
forma que ficou contente só por ter passado. E ele tinha de
morrer - morrer até antes que tivesse percebido a sua grande
profissão.
O ·maior economista da Alemanha - em certo sentido, o
. único - tinha de morrer em terra estrangeira. Em vão lhe
procurarão o túmulo. Rahel era o seu único público e três
observações rapidamente esboçadas nas suas cartas confiden-
ciais eram as suas obras ... mas que digo eu? Marwitz não
enviou a Rahel seis folhas cheias sobre Adam Smith?
. Esperemos que elas se encontrem ainda nos papéis deixados
por Rahel, e que o senhor van Varnagen tenha a gentileza de
as divulgar ao público alemão.
Sinceramente nunca na minha vida me senti tão pequeno
como quando li estas cartas de Marwitz. Ele - um jovem ainda
sem barba- terá conseguido, em duas semanas, levantar o·véu
ao ídolo da Escola cosmopolita, uma coisa para a qual eu, em
idade madura, precisei duma série de anos. Especialmente
admirável é o paralelo entre Napoleão e Adam Smith que
Marwitz estabelece com meia dúzia de palavras: "eles seriam
os dois monarcas mais poderosos da terra". .. Devas-
tadores de países teria dito, sem dúvida, se esta expressão em
1810 não fosse perigosa. Que visão das grandes condições do
mundo, que espírito!
Depois destas observações, quero fazer a franca confissão
de que acabei de riscar o capítulo deste livro dedicado a Adam

76
Smith, simplesmente escrito por exagerado respeito por um
nome famoso e porque receava que o meu juízo sem rodeios
pudesse "ser interpretado como arrogância.
Não posso transcrever aqui tudo o que disse nessa
primeira redacção, sob pena de o prefácio se tornar um livro;
de forma que vou reduzir a uma seis folhas impressas: tenho
de me lim itar a um curto excerto. Afirmei que a economia
política, nas suas partes mais importantes, quer dizer em
. relação ao comércio internacional e à política comercial, tinha
dado imensos passos para trás devido a Adam Smith, graças a
quem teria entrado ·nesta ciência um espírito da sofistica, da
escolástica, da falta de clareza, do fingimento e da hipocrisia.
A teoria ter-se-ia transformado numa arena para talentos
duvidosos e num espantalho para a maioria dos homens de
espírito, experiência, senso comum e juízo correcto; Adam
Smith teria fornecido argumentos aos sofistas a fim de
defraudar as nações na sua actualidade e no seu futuro. Eu
tinha recordado da biografia de Dugald Stewarts, como este
grande espírito não conseguira morrer em paz até que todos os
seus ·manuscritos tivessem sido queimados, com o que eu
queria dar a entender, quão premente era a suspeição de que
estes papéis pudessem ter contido pro"Qas contra a sua
sinceridade. Eu tinha provado como, de Pitt até Melbourne, a
sua teoria tinha sido usada pelos ministros ingleses, para
deitar areia aos olhos de outras nações a favor da Inglaterra.
Eu tinha-o chamado um observador, cujo olhar só conseguia
compreender grãos de areia, torrões de terra, ervas ou arbustos
um a um, mas não paisagens inteiras - tinha-o descrito como
um pintor, que sabe, de facto, desenhar detalhes com admirável
exactidão, mas que não sabe combiná-los para fazer um todo
harmonioso e que desta forma desenhou um monstro, cujos

77
membros excelentemente desenhados pertenciam a diferentes
corpos.
Como diferença característica do sistema por mim
elaborado menciono a nacionalidade. O fundamento de todo
o meu edifício é a natureza da nacionalidade enquanto
membro intermédio entre individualidade e humanidade.
Muito tempo hesitei se não deveria chamar-lhe sistema
natural da economia política, nome que também se justificava,
e talvez fosse, em certo sentido, melhor do que aquele que
escolhi, na medida em que sustento que todos os sistemas
anteriores não foram criados com base na natureza das coisas,
. como que a contrariar as lições da História; mas abandonei
esta ideia quando um amigo me observou que, às pessoas
superficiais, que júlgam os livros principalmente pelo seu
rótulo, o livro poderia parecer um mero requentar do sistema
fisiocrático.
Neste trabalho, a minha intenção não foi granjear as
simpatias de uma camaradagem erudita, nem habilitar-me a
uma cátedra de economia política, nem distinguir-me
futuramente como autor de um compêndio adoptado por todas
a cátedras, nem ainda mostrar a minha qualificação para
um alto cargo público; visava unicamente a promoção dos
interesses nacionais alemães, objectivo que exigia categori-
camente que exprimisse livremente a minha convicção e sem
adicionar ingredientes doces que, embora agradem aos nervos
gustativos e ao olfacto, influenciam o efeito, e exigia sobre-
tudo que escrevesse de forma popular. Se quisermos que, na
Alemanha, os interesses nacionais sejam promovidos pela
teoria da economia política, esta tem de sair das salas de estudo
dos investigadores, das cátedras dos professores, dos gabinetes
dos altos funcionários públicos e descer aos escritórios dos

78
fabricantes, dos grossistas, dos armadores, dos capitalistas e
dos banqueiros, aos escritórios de todos os funcionários
públicos e administradores, às habitações dos proprietários
rurais, mas sobretudo às câmaras dos parlamentos estaduais,
numa palavra: tem de tornar-se um bem comum de todas as
pessoas formadas da nação. Porque apenas quando isto
acontecer, o sistema comercial da União Aduaneira Alemã
adquirirá a estabilidade sem a qual, não obstante as melhores
intenções, os estadistas mais dotados só causam desgraça e
ruína. A necessidade de uma tal estabilidade e a utilidade de
uma opinião pública elucidada e fortificada por uma livre
discussão, não é visível com mais clareza do que nos acordos
comerciais. Acordos de Methuen só podem ser negociados em
países onde a opinião dos gabinetes vale tudo e a opinião
. pública, nada. A história mais recente da política comercial
alemã mostrou a verdade desta observação com uma clareza
fulgurante. Se em qualquer lugar a publicidade é uma garantia
dos tronos (e é isto em todos os sítios onde anima a força
nacional, aumenta o entendimento público e controla a
administração no interesse da nação), então há-de sê-lo nos
assuntos da indústria e da política comercial. Os príncipes
alemães não dispõem de melhor forma de promover os seus
interesses dinásticos do que permitir a discussão pública sobre
os interesses materiais da nação e, mais do que isso, provocá-la
e favorecê-la. Mas para que isto aconteça de forma sensata,
nada é mais necessário do que a teoria da economia política e
as experiências práticas de outros povos se tornem um bem
comum de todas as pessoas pensantes da nação.
Par esta razão tem sido a minha maior preocupação, ao
escrever este livro, exprimir-rne com clareza e nitidez, mesmo à
custa do es tilo e correndo o risco de parecer não erudito e não

79
profundo. Assustei-me quando um amigo, que leu alguns
capítulos, me disse ·que tinha encon trado algu mas passagens
bonitas. Eu não queria escrever passagens bonitas. Beleza de
estilo não faz parte da economia, ela não só não é uma
vantagem, como é um erro em obras de economia por ·não
poucas vezes se abusar dela a fim de esconder uma lógica fra ca
ou pouco saudável e fazer valer argumentos sofistas como
bem fundados e profundos. Clareza e fácil compreensão são
exigências maiores nesta ciência. Somente aqueles a quem falta
a perspicácia de ver o fundo da natureza das coisas, que não
têm eles próprios ideias claras e por isso também não dispõem
dos meios de se explicar a.os outros, utilizam deduções
aparentemente profundas, frases bombásticas e palavreado
pretensroso.
Também não segui a moda de citar muito. Li mil vezes
mais livros do que mencionei. Porém, penso ter notado que a
maioria dos leitores que não fazem da ciência a sua profissão, e
que são talvez os mais sensatos e ávidos de saber, ficam cheios
de medo quando se lhes apresentam os apoios bibliográficos e
. testemunhos em jeito de legiões. Para além disso, não podia
desperdiçar inutilmente o espaço de que tanto preciso. Com
isto, no entanto, não quero de forma alguma afirmar que
muitas citações em manuais e obras de investigação histó-
rica, etc. não tenham um grande valor; quero simplesmente
chamar à atenção para que não pretendi escrever um manual.
Devia-se pensar que presto não pequeno serviço à
burocracia alemã ao fornecer-lhe uma teoria adequada à sua
prática, tornando, por outro lado, claros os erros daqueles
pelos quais nunca foi tratada com particular respeito.
Certamente a divisão entre teoria e prática não tem sido muito
favorável à autoridade das chancelarias. O ouvinte menos

80
experiente, em cujos cadernos cosmopolitas a tinta mal secara,
pensava ter o direito de torcer a boca de forma desdenhosa, de
cada vez que um experiente consultor ou um inteligente
homem de negócios falavam de tarifas protectoras.
Não menos pensamos poder reivindicar o consentimento
da nobreza, abastada e não abastada, da nação alemã. A ela
mostrámos que, por obra dos seus próprios irmãos na
Inglaterra -os Tories -,ficou em parte pobre ou falida e sem
bens, e que nós- os industriais e os seus porta-vozes- com as
nossas aspirações, durante a década passada, a temos ajudado
a levantar-se de novo; lhe temos mostrado que a parte maior e
melhor do mel, que apartamos à colmeia é para ela - porque
trabalhamos tão diligentemente no aumento da sua renda de
propriedades e do valor das suas terras - que conduzimos a ela
as filhas dos nossos mais ricos industriais, substituindo desta
forma mais do que suficientemente as fontes da sua riqueza e
do sustento dos seus filhos não primogénitos e das suas filhas
sem herçmça, que tinham secado em consequência da abolição
das abadias, dos bispados e dos arcebispados do império alemão
- tratando as suas árvores genealógicas de forma . mais
eficiente. A nobreza alemã só tem de lançar um olhar à nobreza
inglesa para se aperceber de que riqueza interna, grande
comércio externo, navegação, frotas e colónias no estrangeiro,
também ela podia e devia ter. Para onde, porém, conduzem
· uma agricultura rudimentar, uma classe burguesa mendicante
e sem direitos, escravatura rural, elevação da nobreza acima
das leis, sistema feudal e todas aquelas coisas grandiosas, com
as quais laudatores temporis acti os nobres ainda sonhavam
nos últimos tempos, é o que poderá ensinar um único olhar
sobre a nobreza polaca e a sua situação actual. Que, por isso, a
nobreza alemã não continue no futuro a olhar as nQSsas

81
aspirações com olhos invejosos ou hostis. Que se torne
parlamentar e, sobretudo, totalmente nacional; que não se
oponha a nós, mas que tome o seu lugar na frente do nosso
desenvolvimento . nacional: é ali que está a sua verdadeira
vocação. Em todo o lado e em todos os tempos, os períodos mais
felizes das nações foram aqueles em que a nobreza e a
burguesia lutaram em conjunto pela grandeza nacional; em
todo o lado, os tempos mais tristes foram aqueles onde
entraram numa guerra de extermínio uma da outra. O serviço
· de guerra deixou há muito de ser o fundamento da aris-
tocracia, e quanto t~mpo passará até que a física, a mecânica e
a química substituam quase por completo toda a coragem
pessoal -destruirão talvez até a própria guerra? Em resumo,
mostrámos que sem o desenvolvimento nacional na agricul-
tura, na indústria e no comércio, sem a estreita ligação aos
seus interesses, não há salvação para a aristocracia alemã.
Ainda temos algo a dizer para a compreensão correcta de
duas palavras que aparecem em alguns sítios deste livro:
liberdade, unidade nacional.
Nenhuma pessoa sensata na Alemanha quererâreclamar
uma outra liberdade ou uma outra forma de governo a não
ser aquela que garanta às dinastias e à nobreza não só o mais
alto graJ,t de prosperidade, mas também, o que é incom-
paraveimente mais, a sua continuidade. Em nossa opinião,
uma outra forma de governo que não a constitucional-
-monárquica traria aos Alemães não menos infortúnio do que
a monárquica aos Estados Unidos da América do Norte e a
constitucional aos Russos. Em nossa opinião, aquela forma de
governo é a melhor e a que mais se adequa ao espírito e às
·. condições da nação, particularmente ao nível de cultura em
que esta se encontra. Se, porém, entendemos como nocivas

82
para o bem comum e tolas as aspirações que existem na
Alemanha de minar o poder monárquico e a existência da
aristocracia, pensamos que o ódio, a desconfiança e a inveja
contra o aparecimento de uma burguesia livre, industrial e
rica e contra o domínio da lei, são erro ainda maior, porque
nesta burguesia e nesta lei existe a principal garantia, para
dinastia e nobreza, da sua prosperidade e continuidade. Não
querer, em países civilizados, uma tal burguesia por via legal
significa pôr a nação a escolher entre jugo estrangeiro e
convulsões internas. Por isso é tão triste, quando se quer fazer
valer os males de que a indústria está acompanhada nos nossos
dias como motivos para rejeitar a própria indústria. Existem
males muito maiores do que uma classe de proletários:
tesourarias vazias, impotência nacional, servidão nacional,
morte da nação.
Para além disso, ninguém bem-intencionado e sensato na
Alemanha exigirá uma liberdade nacional diferente daquela
que garanta a cada Estado e povo a independência, a livre
circulação e a livre actividade no seu particular ambiente,
subordinando-o à vontade do todo somente em relação aos
interesses e objectivos nacionais - aquela que, longe de
subjugar ou destruir as dinastias, é a única que lhes pode
garantir existência e continuidade - aquela que se baseia no
espírito original dos filhos de Teut - num espírito que neste
aspecto se mantém igual na forma de governo republicano
(Suíça, América do Norte), como na forma de governo
monárquico. Onde nos leva a nacionalidade de cacos, que é,
em relação à nacionalidade não desfeita em bocados, como os
cacos de um vaso partido, para o vaso inteiro - onde leva a
fragmentação, ainda está na memória de todos. Ainda não
passou uma geração desde que todas as terras costeiras da

83
Alemanha tinham nomes de Departaments franceses, desde
que o rio sagrado da Alemanha deu o nome à funesta aliança
vassala de um conquistador estrangeiro, desde que os filhos da
Alemanha derramaram os seu sangue na areia quente do Sul
como nos campos de gelo do Norte, para glória e ambição de
poder alheias. Estamos a falar de uma unidade nacional, que
nos proteja a nós, à nossa indústria, às nossas dinastias e à
nossa nobreza contra o retorno de tais tempos- e de nenhuma
outra.

Vós, porém, que bradais contra o retorno do domínio


gálico, será que pensais ser mais suportável e glorioso que os
vossos rios e portos, as vossas costfls e as vossos mares estejam,
no futuro, subordinados à influência britânica?

84
INTRODUÇÃO

Em nenhum ramo da economia política existe uma


tão grande diferença de opiniões entre teóricos e práticos
como no comércio internacional e na política comercial.
Ao mesmo tempo, nenhuma outra questão na área desta
ciência tem tão grande importância para a riqueza e
civilização das nações, para a sua independência, o seu
e
poder a sua continuidade. Países pobres, bárbaros e
não poderosos tomaram-se reinos pujantes de riqueza e
poder devido sobretudo à sua sábia política comercial,
enquanto outros, pela razão contrária, desceram dum
ponto alto de prestígio nacional para a insignificância;
de facto, há exemplos de nações que perderam a inde-
·. pendência e até a existência política principalmente por-
que os respectivos sistemas comerciais não fomentavam
o desenvolvimento e fortalecimento da sua naciona-
lidade.
Mais do que em qualquer outro tempo, entre
todas as outras questões da economia política é sobre-
tudo a presente questão que se tem revestido nos nossos
dias de um interesse predominante. Porque, quanto
mais rapidamente avança o espírito da invenção e do
avanço industrial, o espírito do aperfeiçoamento social e
político, tanto maior se toma a diferença entre as nações
que estão a estagnar e as nações que estão a evoluir,
tanto mais perigoso é ficar para trás. Se antigamente

85
eram precisos séculos para monopolizar o ramo de
manufactura mais importante naqueles tempos, a produ-
ção de lã, mais tarde eram precisas apenas décadas na
produção de algodão incomparavelmente mais importante,
e nos nossos dias um avanço .de poucos anos deverá ser
o suficiente para permitir à Grã-Bretanha apoderar-se de
toda a indústria de linho do continente europeu.
Tão-pouco o mundo tinha antes visto uma suprema-
cia de manufactura e comércio que tenha, com a grande
força ·da dos nossos dias, seguido um sistema tão
consequente e aspirado tão violentamente a monopoli-
zar toda a indústria de manufactura, todo o grande
comércio, toda a navegação, todas as importantes coló-
nias, todo o domínio dos mares, e a subjugar, com res-
peito à manufactura e ao comércio, todas as restantes
nações, como as hindus.
Assustada pelos efeitos desta política - não, for-
çada pelas convulsões que ela originou, uma nação
continental - a russa - pouco vocacionada pela sua cul-
tura para a indústria da manufactura, procurou recen-
temente a salvação no sistema proibitivo tão repudiado
pela teoria. E e qual foi o resultado? Prosperidade
nacional.
Por outro lado, instigada pelas promessas da teo-
ria, a América do Norte, tão próspera por causa do sis-
tema protector, deixou-se seduzir e abriu ainda mais os
seus portos aos produtos manufacturados ingleses.
Quais foram aí os frutos da livre concorrência? Convul-
são e ruína.
Experiências deste género são bem capazes de
levantar dúvidas sobre se a teoria é tão infalível como se

86
pensa, se a prática é tão tonta como a teoria a descreve,
de suscitar a preocupação de que a nossa nacionalidade
possa vir a correr o risco de morrer dum erro de pensa-
mento da teoria - como aquele paciente que, obede-
cendo a uma receita impressa, morreu de um erro tipo-
. gráfico -, e até de criar em nós a suspeita de que aquela
louvada teoria teria sido exposta de maneira tão extensa
e empilhada até tão grande altura para, como outro
cavalo troianó, poder esconder armas e pessoas e indu-
zir-nos a derrubar os nossos próprios muros com as nos-
sas próprias mãos.
Tanto é certo, pelo menos, que depois de a grande
questão da política comercial ter sido discutida durante
mais de meio século pelas mentes mais perspicazes, em
publicações e corpos legislativos em todas as nações, a
fenda que, desde Quesnay e Smith, existe entre a teoria e
a prática, não só não se fechou como se tem aberto mais
e mais de ano para ano. Mas para que queremos uma
ciência .que não ilumine o caminho por onde a prática
deve àndar? E seria sensato pensar que a inteligência de
uns seria tão imensamente grande que em todo o lado
reconheça a natureza das coisas da maneira correcta,
enquanto a inteligência dos outros seria tão infinita-
mente pequena que, incapazes de compreender as ver-
dades descobertas e explicadas por aqueles, durante gera-
. ções inteiras possam considerar como verdades erros
óbvios? Ou não se devia, antes, admitir que os práticos,
embora geralmente demasiado inclinados a guiar-se
pelos factos, não poderiam resistir à teoria durante tanto
tempo e tão insistentemente se a teoria não contrariasse
a natureza das coisas?

87
De facto, pensamos poder provar que a contradição
entre a teoria e a prática na política comercial é culpa
tanto dos teóricos como dos práticos.
Em relação ao comércio internacional, a economia
política tem de tirar as suas lições da experiência, tem de
calcular as suas regras para as necessidades da actuali-
dade e as situações próprias de cada nação, sem com
isso menosprezar as exigências do futuro e de toda a
humanidade: baseia-se, por isso, na Filosofia, na Política e
na História.
No interesse do futuro e de toda a humanidade, a
Filosofia exige: aproximar cada vez mais as nações uma
. da outra, evitar a guerra na medida do possível, criar e
desenvolver o Estado de direito internacional, transitar
daquilo que agora se chama direito dos povos para um
direito de alianças de Estados, estabelecer a liberdade de
trânsito internacional, em termos mentais como mate-
riais, enfim, unir todas as nações sob a lei do direito - a
união universal.
No interesse de cada nação, porém, a Política exige:
garantias para a sua independência e continuação,
medidas especiais para promover os seus desenvolvi-
mentos na cultura, na riqueza e no poder e para cons-
truir as suas situações sociais como um corpo político,
completa e harmoniosamente desenvolvido em todas as
suas partes, completo em si mesmo e independente.
A História, por seu lado, fala inegavelmente a favor
das exigências do futuro, ensinando como o bem-estar
material e mental das pessoas tem sempre crescido na
mesma proporção em que se alargava a sua unificação
e relação comercial. Mas também confirma as exigên-

88
cias da actualidade e da nacionalidade, ensinando
como pereceram nações que não aspiravam preferen-
cialmente a fomentar a sua própria cultura e o seu pró-
prio poder; ensinando que o trânsito ilimitado com
nações mais avançadas foi decerto uma vantagem para
cada povo nas primeiras fases do seu desenvolvimento,
mas cada nação chegou a um ponto em que só através
de certas limitações do seu tráfico internacional podiam
alcançar maior desenvolvimento e igualdade com outras
nações mais avançadas. A História, portanto, indica a
conciliação entre as exigências da Filosofia e as da
Política.
Somente a prática e a teoria da economia política,
tal como são actualmente, tomam partido, de maneira
parcial - aquela a favor das exigências particulares da
nacionalidade, esta a favor das exigências unilaterais do
cosmopolitismo.
A prática ou, por outras palavras, o chamado sis-
tema mercantilista, comete o grande erro de afirmar a uti-
lidade e a necessidade absolutas e gerais da limitação,
porque em certas nações e em certos períodos do seu
desenvolvimento foi útil e necessária. Não vê que a
limitação é apenas o meio, sendo a liberdade o objectivo.
Tomando em consideração a nação e nunca a humani-
dade, a actualidade e nunca o futuro, a prática é exclusi-
vamente política e nacional, falta-lhe o olhar filosófico -
a tendência cosmopolita.
A teoria dominante, pelo contrário, da forma como
foi sonhada por Quesnay e elaborada por Adam Smith,
visa quase exclusivamente as exigências cosmopolitas,
até as do futuro mais longínquo. Considera a união uni-

89
versai e a liberdade absoluta do comércio internacional,
de momento não mais do que uma ideia cosmopolita
realizável talvez dentro de vários séculos, como se fosse
viável já agora. Não entendendo as exigências da actua-
lidade e a natureza da nacionalidade, até ignora a exis-
tência da nação e com isto o princípio da educação da
·. nação para a independência. Exclusivamente cosmopolita,
observa em todos os lugares somente a humanidade
como um todo, o bem-estar de toda a espécie, e em lugar
nenhum a nação e o bem-estar da nação: faz da política
um monstro, declara a experiência e a prática condená-
veis rotinas. Dando atenção à História apenas enquànto
se enquadra na sua tendência unilateral, dela ignora ou
altera as lições quando contrariam o seu sistema, vendo-
-se forçada a desmentir os efeitos do Acto de Navegação
inglês, do Tratado de Methuen e da política comercial
inglesa em geral, e a afirmar, contra toda a verdade, que
a Inglaterra alcançou riqueza e poder não através, mas
apesar da sua política comercial.
Entendendo agora a unilateralidade de ambos os
sistemas, já não nos surpreende que a prática, indepen-
dentemente dos seus crassos erros, não quisesse .nem
pudesse deixar-se reformar pela teoria; e assim perce-
bemos que a teoria não quisesse saber da História ou da
experiência, da política ou da nacionalidade. Se, mesmo
assim, esta teoria sem fundo foi pregada em todas as
ruelas e de todos os telhados, e com zelo acrescido
naquelas nações cujas existências nacionais corriam
maior risco por causa dela, a razão está na predominante
inclinação do tempo para experiências filantrópicas e
para soluções de problemas filosóficos.

90
Mas, na vida das nações como na vida dos indiví-
duos, existem dois remédios fortes contra as ilusões da
ideologia: a experiência e a necessidade. Se não nos
enganarmos, todas aquelas nações que, nos tempos mais
recentes, pensavam poder encontrar a salvação no livre
trânsito com a supremacia dominante da manufactura
e do comércio, estão prestes a fazer importantes expe-
riências.
É completamente impossível que os Estados Livres
norte-americanos, continuando com as suas actuais
condições nacionais de comércio, possam chegar a uma
razoável ordem na sua economia. É absolutamente
necessário que voltem à anterior tarifa alfandegária.
Mesmo que os Estados com escravos estejam a opor-se,
. mesmo que o partido dominante os apoie, a força das
circunstâncias será mais forte do que a política dos par-
tidos. Nós até receamos que, mais cedo ou mais tarde, os
canhões venham a resolver a questão que era um nó
górdio para a legislação. A América saldará a sua dívida
para com a Inglaterra com pólvora e chumbo; o real sis-
tema proibitivo da guerra resolverá os erros da legisla-
ção aduaneira dos Americanos; a conquista do Canadá
acabará para sempre com o grandioso sistema contra-
bandista da Inglaterra, vaticinado por Huskisson.
Espero que nos enganemos! Mas no caso de a nossa
profecia se cumprir, queremos reivindicar que a teoria
do livre comércio foi a causa dessa guerra. Estranha
ironia do destino, que uma teoria baseada na grande
ideia da eterna paz venha a incendiar uma guerra entre
duas potências que, como afirmam os teóricos, são
totalmente feitas para o comércio entre uma e outra -

91
quase tão estranha como o efeito da abolição filantrópica
do tráfego de escravos, devido ao qual milhares de
negros são agora afundados no fundo do oceano 1 .
No decorrer dos últimos cinquenta anos (ou, para
dizer a verdade, dos últimos vinte e cinco, não contando
com o tempo da Revolução e das guerras), a França tem
feito uma grande experiência com o sistema das limita-
ções, com todos os seus erros, abusos e exageros.
O sucesso tem de saltar à vista dum observador impar-
cial. Que a teoria o negue é evidentemente consequência

1 Não teria sido mais razoável que, antes de mais nada, os


Estados com escravos tivessem feito leis que obrigassem os
proprietários das terras a ceder aos escravos uma parcela
limitada de propriedade na terra que tratam e a dar-lhes um
reduzido grau de liberdade pessoal, numa palavra, introduzir
uma escravatura suave com a possibilidade de uma futura
emancipação, preparando e formando os negros desta forma
para a liberdade total? Ou teriam sido os negros mais felizes,
subjugados aos seus déspotas em África, do que nas plantações
dos americanos? Seria possível transitar da liberdade natural
para a civilizada, sem que um povo bárbaro tivesse passado
pela escola de dura submissão? Terá sido possível transformar
os negros das Índias Ocidentais, através de documentos
parlamentares, e de um momento para o outro, em pessoas
livres e trabalhadoras? Não terá sido esta a forma como toda
a espécie humana foi educada para trabalho e liberdade?
Certamente os Ingleses não são tão desconhecedores da
historia cultural do homem, para não ter já dado respostas
suficientes a estas perguntas. Obviamente, o que eles estiveram
· a fazer em relação a abolição da escravatura e ainda hoje estão
a fazer, tem motivos completamente diferentes dos puramente
filantrópicos, como iremos discutir noutro sitio.

92
do sistema. Se fora capaz daquela desesperada afirma-
ção que fez o mundo crer que a Inglaterra ficou rica e
· poderosa não através, mas apesar da sua política comer-
cial, como é que a teoria devia hesitar em pronunciar a
afirmação, muito mais fácil de provar, de que a França
sem a protecção das suas manufacturas nacionais se teria
tornado incomparavelmente mais rica e próspera do que
é actualmente? Basta! Muitas pessoas, com reputação de
informadas e inteligentes, tomam essa afirmação como
pura verdade, embora haja práticos sensatos que lutam
contra ela, e certamente neste momento a ânsia pelos
benefícios dum livre trânsito com a Inglaterra é bastante
generalizada. Também é quase impossível negar, e fala-
remos sobre isto em pormenor noutro local, que para a
vàntagem de ambas as nações o tráfego mútuo deveria
ser fomentado de variadíssimas maneiras. Porém, do
lado inglês, a .intenção é obviamente vender não só
matérias-primas, como, por exemplo, ferro em bruto,
mas sobretudo grandes quantidades de produtos manu-
facturados de utilização geral contra produtos agrícolas
e produtos de luxo franceses. Até que ponto, o governo e
a legislação da França estão dispostos a aceitar, ou
· aceitarão, esta exigência, ainda não é previsível. No caso,
no entanto, de a França a aceitar na extensão pretendida
pela Inglaterra, o mundo terá um novo exemplo a favor
ou contra esta grande questão: em que medida será pos-
sível e vantajoso, na presente situação mundial, que duas
grandes nações de manufactura, uma das quais ainda tem
momentaneamente uma significativa vantagem no que
respeita aos custos de produção e à expansão de mer-
cado externos das manufacturas, entrem em livre con-

93
corrência uma com a outra nos seus próprios mercados
internos? E quais as consequências duma tal concor-
rência?
Na Alemanha estas só se tornaram questões práti-
cas nacionais na sequência da Associação de Comércio.
Se na França o isco é o vinho, com o qual a Inglaterra
quer provocar a conclusão de um acordo comercial, na
·. Alemanha o isco é trigo e a madeira. Neste campo,
porém, tudo é mera hipótese, porque nesta altura não se
pode ainda saber se os dementes Tories podem ser
chamados à razão a ponto de fazerem concessões ao
governo no sentido de facilitar a importação de trigo e
madeira alemães, que teriam de ser feitos valer contra a
União. Porque, apesar de tudo, na Alemanha, já se che-
gou na política comercial suficientemente longe para
considerar ridícula, quando não impertinente, a preten-
são de aceitar luar e esperança como o pagamento de
sólidas barras de ouro ou prata. Pressupondo que o
Parlamento faça tais concessões, as mais importantes
questões da política comercial na Alemanha entrarão
imediatamente na discussão pública. O mais recente
relatório do Dr. Bowring já nos dá uma ideia da táctica
que a Inglaterra seguirá neste caso, a saber: a Inglaterra
não considerará estas concessões como uma equivalên-
cia das grandes vantagens de que ainda goza no mer-
cado alemão de manufacturas, não como um penhor
para evitar que a Alemanha pouco a pouco aprendesse a
· fiar ela própria o fio de algodão de que precisa; que
adquirisse as matérias-primas necessárias para isto
directamente das zonas quentes, pagando-as com os
seus produtos manufacturados; não como .um meio de

94
compensação do imenso desequihbrio ainda existente
entre a importação e exportação recíproca dos dois
países. Não! A Inglaterra olhará o direito de fornecer a
Alemanha com fio de algodão como um jus quaesitum,
exigindo por aquelas concessões um novo equivalente,
que deverá consistir em nada menos do que no sacrifício
das suas manufacturas de algodão e lã, etc.: presenteará
essas concessões à Alemanha como um prato de lenti-
lhas, exigindo em troca a cedência do direito de primo-
genitura. Se o Dr. Bowring durante a sua estadia na
Alemanha não se enganou, se porventura não tomou a
cortesia berlinense como pura verdade - o que franca-
mente presumimos -, então, de facto, naquelas regiões
onde se desenha a política da Associação de Comércio
·. Alemã, ainda se caminha bastante na rota da teoria cos-
mopolita, quer dizer, não se distingue entre a exportação
de produtos manufacturados e de produtos agrícolas;
ainda se pensa que se podem promover os objectivos
nacionais através de aumentos dos segundos à custa dos
primeiros; ainda não se reconheceu o princípio da edu-
cação industrial da nação como princípio base da Asso-
ciação do Comércio; não se vê inconveniente .em sacrifi-
car indústrias que como resultado da protecção de mui-
tos anos chegaram a florescer de forma a que a concor-
rência interna tenha rebaixado já muito os preços, e com
isso posto em risco o espírito empreendedor dos alemães
na raiz, porque cada fábrica arruinada na sequência de
reduções de protecção ou de medidas governamentais
em geral tem o efeito de um cadáver enforcado, afu-
gentando todos os seres vivos de espécie parecida em
toda a parte. Estamos, como foi dito, longe de tomar

95
estas afirmações por fundamentadas, mas já se exprimi-
rem publicamente é suficientemente grave, por ser isso
suficiente para desferir um golpe sensível na confiança
na continuação da protecção aduaneira e por conse-
quência no espírito empreendedor industrial da Alema-
nha. O mesmo relatório também nos deixa adivinhar de
que forma o veneno letal será administrado às manu-
facturas alemãs, de forma a que causa da destruição não
se veja com demasiada clareza, chegando tanto mais
seguramente à origem da vida. As tarifas aduaneiras por
peso devem ser substituídas por tarifas ad valarem, de
forma a abrir a porta ao comércio contrabandista de
Inglaterra e à fraude alfandegária, nomeadamente nos
artigos de consumo geral, de valor especial menor e do
maior valor total - quer dizer naqueles artigos que for-
mam a base da indústria de manufactura.
Vê-se qual a importância prática, precisamente hoje
em dia, da grande questão da liberdade de comércio
internacional, e quão necessário é que seja finalmente
investigado em pormenor e de forma imparcial se e em
que medida teoria e prática erram em relação a esta
questão, que finalmente seja resolvida, ou pelo menos
· seriamente encarada, a tarefa de fazer com que ambas
estejam de acordo.
Realmente, não é por falsa modéstia, mas verdadei-
ramente por profunda desconfiança nas s:uas forças, o
autor assegurar que, só depois de muitos anos de luta
contra si próprio, só depois de ter duvidado centenas de
vezes da correcção das suas opiniões e de centenas
de vezes as ter confirmado, só depois de ter. verificado
também centenas de vezes as opiniões e razões ao con-

96
trário, reconhecendo-as corno incorrectas também cente-
nas de vezes, chegou à conclusão que lhe permite arris-
car a solução desta tarefa. Sente-se livre da presunçosa
aspira ção de refutar velhas .autoridades e criar novas
teorias. Se fosse inglês, o autor dificilmente teria duvi-
d ad o do princípio base da Teoria de Adam Smith.
Foram as circunstâncias na sua pátria que há mais de
vinte anos lhe suscitaram as primeiras dúvidas na infali-
bilidade da teoria; foram as circunstâncias da sua pátria
que desde aquele tempo o levaram a desenvolver, em
muitos artigos anónimos e depois sob o seu nome e em
contribuições maiores, as suas opiniões contrárias à teo-
ria. Ainda hoje é sobretudo o interesse pela Alemanha
que lhe tem dado a coragem de vir a público com este
trabalho, se bem que não possa negar que terá tido tam-
bém urna razão pessoal, a saber, que tenha sentido a
necessidade de finalmente mostrar, através de urna obra
maior, que não é totalmente rncornpetente para ter voz
em assuntos da economia política.
Em contradição directa com a teoria, o autor pergun-
tará, antes de mais nada, à História pelas suas lições,
deduzirá dai os seus princípios-base, e depois de os ter
desenvolvido examinará os anteriores sistemas; final-
mente, visto que a sua tendência é inteiramente prática,
explicará a situação mais recente da política comerCial.
Para maior clareza, segue um sumário dos princi-
pais resultados das suas investigações e reflexões:
A união das forças individuais para perseguir objectivos
comuns é o meio mais poderoso para conseguir a felici-
dade dos indiví-duos. Sozinho e separado do seu pró-
ximo, o indivíduo fica fraco e desamparado. Quanto

97
maior o número de p essoas com que está em ligação
social, tanto mais perfeita é a união, tanto maior e per-
feito o produto - o bem-estar mental e fisico dos indi-
víduos.
A mais alta- agora realizada- união dos indivíduos
sob a lei da justiça é a do Estado e da Nação; a mais alta
união pensável é a de toda a humanidade. Da mesma forma
que o indivíduo no Estado e na nação consegue alcançar
os seus objectivos individuais num grau muito mais alto
do que ·se estiver sozinho, também todas as nações con-
seguiriam atingir os seus objectivos num grau muito
mais alto se estivessem ligadas entre si pela lei do
direito, paz duradoura e livre trânsito.
A própria natureza está a empurrar as nações,
pouco a pouco, para esta maior união, impelindo-as, pela
diversidade do clima, do solo e dos produtos, à troca, e
pela sobrepopulação assim como pelo excesso de capital
e talentos, à emigração e à colonização. O comércio inter-
nacional, incitando à actividade e ao esforço através da
criação de novas necessidades, e transportando novas
ideias, invenções e forças de uma nação à outra, é uma
das mais potentes alavancas da civilização e do bem-
-estar nacional.
De momento, porém, a união das naÇões como
resultado do comércio internacional é ainda muito imper-
feita, porque está a ser interrompida ou, pelo menos
enfraquecida, pela guerra ou por medidas egoístas de
nações individualmente.
Pela guerra, a nação pode ser oprimida, depois de
despojada da sua autonomia, da sua propriedade, liber-
dade, independência, constituição e das suas leis, carac-

98
terísticas nacionais e, em geral, do grau de cultura e
riqueza: já alcançado. Por medidas egoístas de estranhos
é possível que a nação seja perturbada no seu aperfei-
çoamento económico e recue.
A manutenção, o desenvolvimento e o aperfeiçoa-
mento da nacionalidade são, por isso, actualmente um dos
objectivos principais das aspirações da nação, e assim
tem que ser. Não se trata de uma aspiração errada e
egoísta, mas razoável e completamente de acordo com o
verdadeiro interesse de toda a humanidade, porque
conduz naturalmente à união final das nações sob a lei
do direito, à união universal, que só pode ser favorável
ao bem-estar da espécie humana, quando muitas nações
alcançam um uniforme nível de cultura e poder, quer
dizer, quando a união universal se realiza por via da
confederação.
Ao contrário, uma união universal baseada em
poder político preponderante, resultado da riqueza domi-
nante de uma única nação, quer dizer, baseada na subju-
gação e dependência de outras nacionalidades, teria como
consequência a queda de todas as singularidades nacio-
nais e de toda a concorrência entre os povos; ela estaria
em desacordo com os interesses e os sentimentos de
todas as nações que se sentem destinadas à independên-
cia e à obtenção de um eievado grau de riqueza e ·
importância política; não seria mais nada do que uma
repetição de algo que já existiu - a tentativa dos roma-
nos - agora com a ajuda da manufactura e do comércio,
em vez do que foi antigamente obtido com a espada -
mas por isso não menos conducente à barbaridade.

99
A civilização, a formação política e o poder das
nações dependem maioritariamente das suas situâções
económicas e vice-versa . Quanto mais a sua economia
estiver desenvolvida e aperfeiçoada, tanto mais civili-
zada e poderosa é a nação; quanto mais se elevam a sua
civilização e o seu poder, tanto mais alto poderá chegar
o seu desenvolvimento económico.
No que respeita ao desenvolvimento económico
nacional, devem supor-se os seguintes grandes níveis de
desenvolvimento das nações: estado selvagem, estado pasto-
ril, estado de agricultura, estado de agricultura-manufactura,
estado de agricultura-manufactura-comércio.
Em princípio, uma nação que, num extenso terreno,
dotada com diversos recursos naturais, com uma grande
população, conjuga agricultura, manufactura, navegação
assim como comércio interno e externo, é incompara-
. velmente mais civilizada, desenvolvida politicamente e
mais poderosa do que uma nação meramente agrícola.
As manufacturas, porém, são a base do comércio interno
e externo, da navegação e da agricultura aperfeiçoada,
portanto da civilização e do poder político; e uma nação
que conseguisse monopolizar toda a força da manufactura do
globo, oprimindo as restantes nações no seu desenvol-
vimento económico de forma que elas produzissem
somente produtos agrícolas e matéria-prima e só exer-
cessem os mais elementares ofícios locais, alcançaria
necessariamente o domínio universal.
Por isso, qualquer nação que preze a sua indepen-
dência e a sua continuidade, tem que ter a ambição de
transitar o mais brevemente possível dum nível baixo de
cultura para o mais elevado, de reunir o mais rapida-

100
mente possível a agricultura, as manufacturas, a navega-
ção e o comércio no seu próprio território.
As transições da nação do estado selvagem para o
estado pastoril, e do estado pastoril para o estado agrícola,
assim como os primeiros progressos na agricultura
conseguem-se melhor através do livre comércio com
nações civilizadas, i.e., com nações de manufacturas e de
comércio.
A transição dos povos agrários para a classe das nações
de agricultura-manufactura e comerciais, com livre trânsito,
só poderia acontecer naturalmente caso, em todas as
nações destinadas à criação de uma força de manufac-
tura, o mesmo processo de formação tivesse acontecido
ao mesmo tempo, se as nações não impedissem de forma
alguma o desenvolvimento económico umas das outras,
se não se estorvassem mutuamente no seu progresso
através de guerras e sistemas alfandegários.
Mas como as várias nações, favorecidas por condi-
ções especiais, ganharam um avanço em relação a
outras, nas manufacturas, no comércio e na navegação,
como estas cedo reconheceram nestes aperfeiçoamentos
o m:eio mais eficaz de conseguir e manter a preponde-
rância política sobre outras nações, criaram mecanismos
que foram calculados, e ainda o são, para obter um
monopólio das manufacturas e do comércio, detendo as
nações menos avançadas no seu progresso. O conjunto
destes mecanismos (proibições de importação, tarifas de
importação, limitações da navegação, prémios de expor-
tação, etc.) chama~se sistema aduaneiro.
Os anteriores progressos de ou tras nações, os sistemas
ad uaneiros estrangeiros e a guerra obrigam as nações

101
menos avançadas a encontrar, nelas próprias, os meios
para conseguir a transição do estado agrícola para o
estado de manufactura, e limitar o comércio com na ções
mais avançadas e que aspiram ao monopólio de m anu-
factura - na medida em que este apresenta aqui m
obstáculo- através do seu próprio sistema aduaneiro.
Consequentemente, o sistema aduaneiro não é,
como tem sido afirmado, uma invenção de mentes espe-
culativas, mas sim uma consequência natural da aspiração
das nações às garantias de continuação e prosperidade ou ao
poder preponderante.
Esta aspiração, no entanto, é legítima e razoável
apenas na condição de não impedir, antes favorecer, o
desenvolvimento económico da nação que toma as
medidas, e de não hostilizar o objectivo mais alto da
humanidade, a futura confederação universal.
Da mesma forma que a sociedade humana deve ser
vista sob um ponto de vista duplo- a saber, sob o ponto
· de vista cosmopolita, que visa toda a humanidade, e sob o
ponto de vista político, que considera os interesses nacio-
nais e as situações nacionais específicas -, também a
economia, a dOs privados como a da sociedade, deve ser
vista sob dois aspectos principais, a saber, o que consi-
dera as forças pessoais, sociais e materiais que fazem nascer
riquezas e o que considera o valor de troca dos bens
materiais.
Existe, pois, uma economia cosmopolita e uma eco-
nomia política, uma teoria do valor de troca e uma teoria das
forças produtivas - doutrinas que, essencialmente distin-
tas uma da outra, têm que ser desenvolvidas indepen-
dentemente uma da outra .

102
As forças produtivas dos povos resultam não só da
aplicação, da poupança, da moralidade e da inteligência
dos indivíduos ou da posse de recursos naturais e capi-
tais materiais, como também das instituições e leis
sociais, políticas e civis e, sobretudo, das garantias de
continuidade, independência e poder da sua nacio-
nalidade. Por muito aplicados, poupados, criativos,
empreendedores, morais e inteligentes que os indiví-
duos possam ser, sem unidade nacional, sem divisão nacio-
nal do trabalho e confederação nacional das forças produtivas,
· a nação nunca alcançará um elevado grau de riqueza e
poder nem assegurará a posse continuada dos seus bens
mentais, sociais e materiais.
O princípio da divisão do trabalho tem sido com-
preendido de forma incompleta até agora. A produtivi-
dade não reside somente na divisão de várias operações
do negócio entre uma série de indivíduos, reside muito
mais ainda na associação mental e física destes indivíduos
para um objectivo comum.
Nestes termos, este princípio pode ser aplicado não
só à fábrica ou agricultura individual, mas também à
totalidade da força agrícola-manufactureira e comercial
de uma nação.
Existe divisão do trabalho e confederação das forças pro-
dutivas à escala nacional, quando na nação se verifica a
proporção certa entre a produção mental e a produção
material, quando agricultura, indústria e comércio são
desenvolvidos regular e harmoniosamente.
Na nação meramente agrícola, mesmo quando man-
tém comércio livre com nações de manufactura e de
. comércio, uma grande parte das suas forças produtivas e

103
dos seus recursos naturais mantém-se inútil e inutilizada.
O desenvolvimento intelectual e político, as forças
defensivas são reduzidos. Não pode possuir nem nave-
gação importante nem comércio extenso. Toda a sua
riqueza, enquanto fruto do tráfego internacional, pode
ser interrompida, perturbada, destruída por medidas
estrangeiras e por guerras.
A força da manufactura, em compensação, pro-
move a ciência, a arte e o aperfeiçoamento político,
aumenta a riqueza do povo, a população, o rendimento
do Estado e o poder da nação, proporciona-lhe os meios
de expandir as ligações comerciais a todas as partes da
terra e para criar colónias, nutrir a pesca, a navegação e a
marinha de guerra. Apenas através da manufactura, a
agricultura interna é elevada a um alto nível de desen-
volvimento.
A força agrícola e a força da manufactura numa mesma
nação, unidas sob o mesmo poder político, vivem em paz per-
pétua, não podem ser perturbadas no seu efeito recíproco
por guerras e medidas comerciais estrangeiras, garan-
tindo por isso, à nação, o progresso ininterrupto em
riqueza, civilização e poder.
A força da manufactura e a força agrícola são con-
dicionadas pela natureza, mas estas condições são dife-
rentes. Para o desenvolvimento da força da manufactura, e
em relação aos recursos naturais, são preferencialmente
vocacionados os países da zona moderada; porque o clima
moderado é a zona do esforço mental e físico. Se, em
contrapartida, os países da zona quente são menos favore-
cidos em relação às manufacturas, possuem, por sua
parte, um monopólio natural respeitante a produtos

104
agrícolas valiosos de que os países da zona moderada
gostam. Da troca de produtos manufacturados da zona
moderada pelos produtos agrícolas d a zon a quente (pro-
dutos coloniais) resulta, sobretudo, a divisão cosmopolita
do trabalho e confederação das forças, o grandioso comércio
internacional.
Seria um empreendimento muito desvantajoso para
um país da zona quente se quisesse cultivar a sua pró-
pria força de manufactura. Não vocacionado para isto
pela natureza, fará muito rnaíores progressos na sua
riqueza material e na sua cultura, trocando sempre os
produtos manufacturados da zona moderada pelos pro-
. dutos agrícolas da sua zona.
Desta forma, .os países da zona quente estarão
dependentes dos . países da zona moderada. Mas esta
dependência será neutralizada ou anulada, se na zona
moderada crescerem várias nações que mantenham o
equilíbrio entre si em relação à manufactura, comércio,
navegação e poder político: se, portanto, houver não só o
interesse, mas também o poder de uma série de nações
de manufactura de impedir que uma delas abuse da sua
superioridade em relação às menos poderosas da zona
quente. Essa superioridade só seria perigosa e nociva no
caso em que toda a força de manufactura, todo o grande
comércio, toda a grande navegação e todo o poder marí-
timo fossem monopolizados por uma única nação.
Pelo contrário, nações que possuem um grande ter-
ritório, com diversos recursos naturais na zona mode-
rada, deixariam inutilizada urna das mais ricas fontes de
riqueza, civilização e poder, se n ão tentassem realizar a
divi são de trabalho e a confederação das forças produti-

105
vas à escala nacional, logo que possuíssem os recursos
económicos, mentais e sociais necessários para esta
tarefa.
Por recursos económicos necessários, entendemos
uma agricultura bastante avançada, que já não pode ser
estimulada de forma significativa através da exportação
de produtos. Por r~cursos mentais necessários, entende-
mos uma formação muito avançada dos indivíduos. Por
recursos sociais necessários, entendemos instituições e
leis que garan tam ao cidadão segurança da sua pessoa e
dos seus bens, o livre uso das suas forças mentais e físi-
cas - instituições qu e regulam e facilitam o trânsito,
assim como a ausência de instituições que perturbam a
indústria, a liberdade, a inteligência e a moralidade,
como é o caso do sistema feudal, etc.
O interesse de uma tal nação é esforçar-se por, em
primeiro lugar, fornecer o próprio mercado com os pró-
prios produtos manufacturados, e a seguir enviá-los
para os países da zona quente, através de um contacto
cada vez mais directo que também lhe permita deles
receber os respectivos produtos.
Em comparação com este tráfego entre os países
de manufactura da zona moderada e os países agrícolas
da zona quente, todo o comércio internacional, com a
excepção de poucos artigos, como, por exemplo, o vinho,
. é de importância secundária.
A produção de matérias-primas e produtos ali-
mentares, nas grandes nações da zona moderada, é de
grande significado apenas em relação ao comércio
interno. Através da exportação de trigo, vinho, linho,
cânhamo, etc., uma nação rude ou pobre, no princípio da

106
civilização pode elevar significativamente a sua agri-
cultura, mas nunca até agora uma grande nação conse-
guiu desta forma alcançar riqueza, civilização e poder.
Pode-se estabelecer a regra de que uma nação é
tanto mais rica e poderosa quanto mais exporta produ-
tos manufacturados, importa matéria-prima, importa e
consome produtos da zona quente.
Os produtos da zona quente servem aos países de
manufactura da zona moderada não só como bens pro-
dutivos ou bens alimentares, mas sobretudo também
como estimulante para a produção agrícola e de manu-
factura . Por isso ver-se-á sempre que, naquela nação que
consumir as maiores quantidades de produtos da zona
quente, também se produzem e consomem relativa-
mente as maiores quantidades dos próprios produtos
manufacturados e agrícolas.
No desenvolvimento económico das nações por
meio do comércio internacional, são pois visíveis quatro
diferentes períodos: no primeiro, a agricultura interna é
elevada através da importação de produtos manufactu-
rados estrangeiros e da exportação de produtos agrícolas
e matérias-primas nacionais; no segundo, as manufactu-
ras nativas crescem a par da importação de produtos
manufacturados externos; no terceiro, os produtos manu-
facturados nativos fornecem a maior parte do mercado
interno; no quarto, grandes quantidades de produtos
manufacturados nativos são exportados e grandes quan-
tidades de matérias-primas e produtos agrícolas estran-
geiros importados.
O sistema aduaneiro, como meio de fomento do
desenvolvimento económico da nação através da regula-

107
çào do comércio externo, tem de se guiar sempre pelo
princípio da educação industrial da nação.
Tentar fomentar a agricultura nacional através de pro-
tecção aduaneira é um empreendimento insensato porque
a agricultura interna só pode ser elevada de forma
económica pelas manufacturas internas e a exclusão
de matérias-primas e produtos agrícolas externos impede
o desenvolvimentos das próprias manufacturas do
país.
A educação económica das nações que se encon-
. tram a um nível baixo de inteligência ou cultura ou
que, em relação à extensão e à produtividade do seu
território, ainda são pobres em população, será mais
bem promovida através do comércio livre com nações
muito cultas, ricas e aplicadas. Toda a limitação do
comércio de uma tal nação, decretada com a intenção
de criar nela uma força de manufactura, é precipi-
tada e tem consequências negativas não só para o
bem-estar de toda a humanidade, mas também para
os progressos da própria nação. Só quando a educação
intelectual, política e económica da nação tiver pro-
gredido, função do livre comércio, de tal forma que
seja parada e impedida nos seus futuros progressos
pela importação de produtos manufacturados estran-
geiros e pela falta de suficiente venda para os seus
produtos, se justifica a adopção de medidas de pro-
tecção.
Uma nação com um território pouco extenso não
oferece recursos naturais variados, não possui a foz
dos seus rios, etc., não pode usar o sistema protector
de forma nenhuma ou, pelo menos, não com grande

108
sucesso. Uma tal nação tem primeiro que tentar reme-
diar tajs faltas através de conqui stas ou acordos.
A força de manufactura compreende tantos ramos de
saber e conhecimento, pressupõe tantas experiências,
exercícios e costumes, que a formação industrial da
nação só pode realizar-se paulatinamente. Cada exagero
e excesso de velocidade da protecção penaliza-se a si
próprio através da redução da própria riqueza da nação.
O mais prejudicial e condenável é o repentino e
total isolamento da nação através de proibiçÕes. Porém,
também estas podem ser justificadas, se a nação, sepa-
rada de outras nações por uma longa guerra, foi posta na
situação de proibição involuntária dos produtos manu-
facturados de nações estrangeiras e na necessidade
absoluta de ser auto-suficiente.
Neste caso deve haver urna transição gradual do sis-
tema proibitivo para o sistema de protecção através de tarifas
aduaneiras determinadas com muita antecedência, e qué são
diminuídas gradualmente. Por outro lado, quando uma
nação quer transitar do estado de não protecção para o
estado de protecção, tem de partir de tarifas aduaneiras
. baixas, que sobem lentamente e segundo uma escala
predeterminada.
As tarifas aduaneiras predeterminadas desta maneira
têm de ser inalteravelmente cumpridas pela autoridade
pública, que não pode nunca reduzi-las antes do tempo,
mas pelo contrário deve aumentá-las no caso de achar
que não são suficientemente altas.
Direitos de importação demasiado altos que excluem
por completo a concorrência estrangeira são prejudiciais
para a própria nação que os impõe, porque eliminam a

109
competição com os rnanufactores do estrangeiro e ali-
menta a ind olência.
Se com tarifas aduaneiras consideráveis, a subir pouco a
pouco, as manufacturas internas não estiverem a flores-
cer, é urna prova de que a nação ainda não possui os
recursos necessários para plantar uma força de manu-
factura própria.
A ·tarifa protectora para um ramo de indústria uma
vez protegido, nunca deve descer tão baixo que esta
indústria possa ser ameaçada na sua existência ·pela
concorrência estrangeira. Ma.nutenção do que existe, pro-
tecção das raízes e do tronco da indústria nacional tem
de ser o princípio inalterável.
Por conseguinte, só pode ser permitida a participa-
ção da concorrência .estrangeira no aumento anual do con-
sumo. As tarifas aduaneiras têm de subir logo que a con-
corrência estrangeira ganhe a maior parte ou a totali-
dade do aumento anual.
Uma nação corno a inglesa, cuja força de manufac-
tura ganhou enorme avanço em relação a todas as outras
nações, mantém e alarga melhor a sua supremacia na manu-
factura e no comércio através de um comércio o mais livre pos-
sível. ela, o princípio cosmopolita e o princípio político
são exactamente o mesmo.
Daí a preferência de esclarecidos economistas
ingleses pela liberdade comercial absoluta, e a aversão
de sensatos economistas de outros países à aplicação
deste princípio nas actuais condições mundiais.
Desde há um quarto de século que o sistema inglês
de proibição e protecção actua contra a Inglaterra e a
favor das nações que se erguem ao lado dela. O que mais

!lO
prejudiCa a Inglaterra são as suas próprias limitações da
importação de matérias-primas e produtos alimentares
estrangeiros.
Os acordos comerciais só são legítimos e duradouros
quando as vantagens são mútuas. Acordos comerciais
ilegítimos e prejudiciais são aqueles através dos quais
um a força de manufactura já em vias de desenvolvimento
é sacrificada a favor da uma outra nação, com o fim
de conseguir concessões para a exportação de pro-
dutos agrícolas - os acordos de Methuen, os acordos
leoninos.
Um desses acordos leoninos foi o acordo de 1786
entre a Inglaterra e a França. Todas as proposições desde
então feitas pela Inglaterra à França e outras nações são
da mesma natureza.
Se a protecção aduaneira encarece os produtos
manufacturados nativos durante algum tempo, é tam-
bém verdade que proporciona preços mais baixos no
futuro, por causa da concorrência interna; porque urna
indústria completamente desenvolvida pode pôr os pre-
ços dos seus artigos tanto mais baixo quanto a tentação
das matérias-primas e dos produtos alimentares e a
importação dos artigos custa em transporte e lucros
comerciais.
A perda para a nação causada pela protecção
aduaneira, de qualquer maneira, consiste apenas em
. valores; no entanto, ela ganha forças através das quais
fica capacitada por tempo indefenido para produzir
incalculáveis sornas de valores. Estas despesas em valo-
res, portanto, devem ser consideradas o preço da formação
industrial da nação.

1 11
Os ramos de indústria, nos quais a nação não é
favorecida pela natureza, não devem ser protegidos, ou
devem sê-lo até ao ponto em que isso puder ser feito
sem que se carregue os consumidores cOm sacrifícios
demasiado grandes ou demasiado prolongados, ou até
onde a consideração pela independência nacional obriga.
A protecção aduaneira sobre produtos manufactu-
rados não perturba os agricultores da nação protegida .
A ascensão de uma força de manufactura nacional
aumenta extraordinariamente a riqueza e a população e,
desta forma, a procura de produtos agrícolas, conse-
quentemente a renda e o valor de troca dos terrenos,
enquanto com o tempo as manufacturas de que os agri-
cultores necessitam baixam os preços. Estes ganhos
excedem dez vezes as perdas resultantes para os agri-
cultores do aumento temporário dos preços das manu-
facturas.
Da mesma forma, o comércio interno e externo
ganha em consequência do sistema de protecção, porque
somente nas nações que fornecem o seu próprio mer-
·. cado interno com produtos manufacturados, que con-
somem elas próprias os seus produtos agrícolas e trocam
produtos alimentares pelo seu próprio excesso de pro-
dutos manufacturados, o comércio interno e externo é
importante. Em nações meramente agrícolas da z.o na
moderada, são ambos de pouca importância, e o respec-
tivo comércio exterior normalmente encontra-se nas
mãos das nações de manufactura e de comércio que com
elas mantêm relações.
O sistema de protecção adequado não proporciona
nenhum monopólio às manufacturas internas, apenas dá

112
uma garantia contra perdas àqueles indivíduos que
dedicam os seus capitais, talentos e forças de trabalho a
indústrias novas e ainda desconhecidas. Não propor-
ciona nenhum monopólio, porque a concorrência interna
toma o lugar da externa, e porque cada membro da
nação é livre de participar nos prémios que a nação ofe-
rece aos indivíduos. Proporciona um monopólio aos
membros da própria nação, contra os membros de nações
estrangeiras, que possuem um monopólio semelhante no
seu próprio país.
Mas este monopólio é útil, porque não só desperta
forças produtivas dormentes e por usar na própria
nação, como também atrai para o país forças produtivas
estrangeiras (capitais materiais assim como mentais,
empreendedores, técnicos e trabalhadores). Pelo contrá-
rio, não erguer uma força de manufactura própria expõe
qualquer nação de velha cultura, cuja força produtiva já
não pode ser fomentada significativamente pela expor-
tação de matérias-primas e produtos . agrícolas e pela
importação de produtos manufacturados, a · grandes e
variadas desvantagens.
A agricultura de um tal país tem necessariamente de
se atrofiar, porque a população que, com o aparecimento
de uma grande indústria de manufactura própria,
encontraria trabalho nos ofícios, criando uma enorme
procura de produtos agrícolas, e, por conseguinte, torna-
ria a agricultura lucrativa e a promoveria, agora dirige-
-se somente ao cultivo da terra, originando um parce-
lamento dos terrenos é uma economia de minifúndios muito
perniciosos para o poder e para a civilização e, assim,
para a riqueza da nação.

113
Um povo agrícola constituído na maior parte p or
pequenos camponeses não é capaz de produzir grandes
quantidades de produtos para o comércio interno nem
de originar uma significativa procura de produtos fabri-
cados. Nesta situação, cada indivíduo fica limltado à sua
própria produção e ao seu próprio consumo. Nestas
condições, nunca se pode criar um sistema perfeito de
h·ansporte da nação, de cujas vantagens a nação nunca
pode ususfruir.
A consequência necessária é a fraqueza da nação,
tanto mental como material, tanto individual como polí-
tica. Estes efeitos são tão mais perigosos, quanto nações
vizinhas seguem na direcção oposta se progridem sob
todos os aspectos onde nós andamos para trás e se lá a
esperança de um fuh.tro melhor aumenta a coragem, a
força e o espírito empreendedor dos cidadãos, enquanto
aqui espírito e coragem são cada vez mais abafados pela
visão dum futuro sem esperança.
A História oferece mesmo exemplos de nações
inteiras que pereceram porque não souberam, em tempo
útil, resolver a grande tarefa de, através da criação de
manufacturas próprias e de urna robusta classe indus-
trial e comercial, assegurar a sua independência mental,
económica e política.

114
PRIMEIRO LIVRO

A HISTÓRIA
Primeiro Capítulo

OS ITALIANOS

No renascer da cultura na Europa, nenhum país se


encontrava, a nível comercial e industrial, em situação
tão favorável como a Itália. A barbárie não tinha conse-
guido destruir a antiga cultura romana até às raízes. Um
céu propício e um solo fértil permitem, mesmo no exer-
cício simples da agricultura, abundantes meios de ·sub-
sistência para uma população densa. Nem as artes e
ofícios essenciais se tinham arruinado como ainda per-
sistia a antiga constituição municipal romana. A rica
pesca de costa servia por todo o lado para a criação de
· centros de formação de marinheiros, e as viagens de
b arco ao longo da extensa costa substituíam, em muito, a
falta de meios de transporte por terra. A ligação por mar
e a proximidade do reino grego, da Ásia Menor e do
Egipto proporcionavam ao país vantagens consideráveis
no mercado oriental que, até aqui, ainda que não muito
alargado, se tinha movimentado através da Rússia para
os países nórdicos. Através desta circulação, a Itália
também chegava necessariamente ao domínio das ciên-
cias, artes e manufacturas que a Grécia tinha salvaguar-
dado da antiguidade.
Desde a emancipação das cidades italianas com
Otto, o Grande, também aqui se confirmou o que a his-

117
tória tem demostrado tantas vezes, antes e depois,
nomeadamente que liberdad e e indústria são compa-
nheiras inseparáveis, embora, não raro, um a possa apa-
recer antes da outra . Se, em qualquer lugar, surgem
comércio e indústria, então podemos estar certos de que
a liberdade não está longe; se a liberdade desdobra a sua
bandeira, então este é um sinal seguro de que, mais
tarde ou mais cedo, a indústria vai fazer a sua entrada.
Porque nada é mais natural do que, depois de adquirida
riqueza material e espiritual, o Homem aspire a garan-
tias para transmitir o que conseguiu às gerações vindou-
ras, ou que, tendo conquistado a liberdade, empenhe
todas as forças para melhorar a sua situação física e
psíquica.
Pela primeira vez desde a queda dos Estados inde-
pendentes da antiguidade, as cidades de Itália propor-
cionam novamente ao mundo a visão de comunidades
ricas e livres. Cidades e Estados elevam-se, mutuamente,
à prosperidade, sendo neste empenho fortemente apoia-
dos pelas cruzadas. O transporte e reabastecimento dos
cruzados não só estimulam a navegação, mas também
proporcionam ocasião e oportunidade para estabelecer
prometedoras ligações comerciais com o Oriente, para
a apresentação de novas indústrias, procedimentos e
plantas e para conhecer novos gostos. Por outro lado, o
pesado poder feudal é assim enfraquecido, de modo
variado, a favor da agricultura livre e das cidades.
Para além de Veneza e Génova, é Florença que se
destaca especialmente pelas manufacturas e circulação
de dinheiro. Já nos séculos XII e XIII florescem as manu-
facturas de seda e lã, as cooperativas desta indústria

118
tomam parte no governo e forma-se a república sob su a
influência. Só a mdústria de lanifícios, Florença conta
com duas centenas de fábricas; são produzidas por ano
80 000 peças d e tecido, cuja m atéria-prima é recebida de
Espanha. Além disso, são importados anualmente panos
crus, no valor de 300 000 florins de ouro, de Espanha,
França, Bélgica e Alemanha que, depois de aqui terem
sido acabados, são levados para o Levante. Florença é a
Banca de toda a Itália; contam-se aqui 80 agências bancá-
rias1. O Estado tem um rendimento anual de 300 000 flo-
rins de ouro (15 milhões de francos do nosso dinheiro),
muito mais, portanto, do que os reinos de Nápoles e de
Aragão na mesma altura e mais do que a Grã-Bretanha e
a Irlanda no tempo da rainha Isabel 2 •
Assim, já vemos a Itália, nos séculos XII e XIII, na
posse de todos os elementos do bem-estar económico e
muito avançada, no que toca a comércio e indústria, em
relação a todas as outras nações. A sua agricultura e as
manufacturas servem de exemplo e estímulo às restantes
nações. As suas estradas e canais são os mais perfeitos
na Europa. De Itália:, o mundo civilizado herdou os ban-
cos, a bússola, a construção melhorada das embarcações,
a letra e grande número dos mais úteis hábitos e leis de
comércio tal como grande parte das suas instituições
urbanas e estatais. A navegação e o seu poder marítimo
são de longe os mais significativos nas águas do sul.
Tem na sua posse o comércio mundial; pois resume-se,

1 De l'Écluze, Florence et ses vicissitudes, p. 23, 26, 32, 103,


213.
2 Pecchio, Histoire de l'Économie politique en Italie.

119
com a excepção do trânsito, ainda insignificante, n as
águas do Norte, ao Mediterrâneo e Mar Negro. Fornece
todos os países com manufacturas, com artigos de luxo e
com os produtos da zona quente e recebe deles as maté-
rias-primas. Só uma coisa lhe falta para se tornar o que a
Inglaterra se tornou nos nossos dias, e por não ter isso
que lhe falta, tudo o resto volta a perder: falta-lhe uni-
dade nacional e a força que dela surge.
As cidades e os magnatas de Itália não se vêem
como membros de um corpo; antes lutam entre si e des-
troem-se mutuamente como forças e Estados indepen-
dentes. Para além destas lutas externas, cada comuni-
dade permanece sujeita às vicissitudes das lutas internas
· entre democracia, aristocracia e poder absoluto; destabi-
lizadoras do bem~estar, estas lutas são ainda alimenta-
das e reforçadas por forças externas e suas invasões,
assim como pelo poder de um clero interno e as suas
áreas de influência, pelo que os vários grupos, por .sua
vez, se dividem, entre eles e em si mesmos, em dois par-
tidos inimigos.
Que assim a Itália se aniquila a si mesma, demons-
tra-se da melhor maneira através da história das suas
forças marítimas. Primeiro, vemos Amalfi (do século VIII
até ao século XI) grande e poderosa3 . Os seus navios

3 No tempo do seu florescimento, Amalfi contava com


50 000 habitantes: Flavio Guio, o inventor da bússola, era um
cidadão desta cidade. No saque de Amalfi pelos de Pisa (1135
ou 1137), foi encontrado aquele velho livro que mais tarde
seria tão prejudicial à liberdade e energia da Alemanha - o
Digesto.

120
cobrem os mares, todo o dinheiro circulante em Itália e
no Levante lhe pertence, possui a legislação de navega-
ção mais útil e em todos os portos do Mediterrâneo é o
seu o código marítimo que prevalece. No século XII, este
poder marítimo é aniquilado por Pisa; mas Pisa cai .sob
os golpes de Génova, e a própria Génova, após luta
centenária, tem de se submeter a Veneza.
Também o declínio de Veneza aparece como con-
sequência indirecta desta política limitada. Para uma
coligação de poderes marítimos italianos não poderia ter
sido difícil manter a supremacia de Itália na Grécia, nas
Ilhas, na Ásia Menor e no Egipto, e ainda alargá-la e
fortificá-la cada vez mais, travar os avanços dos Turcos e
da sua pirataria e até disputar com os Portugueses a Rota
do Cabo. Mas, do modo como as coisas estavam, Veneza
estava não só reduzida às suas próprias forças, como
também se sentia paralisada, em relação ao exterior,
pelos Estados-irmãos e pelas forças europeias vizinhas.
Uma união bem organizada de forças terrestres ita-
lianas não teria tido dificuldade de afirmar a indepen-
. dência de Itália contra as grandes monarquias. A funda-
ção de uma tal união foi tentada em 1526, mas num
momento de perigo e apenas com o objectivo de defesa
momentânea. A indiferença e a traição dos seus mem-
bros e dirigentes tiveram como consequência a sujeição
de Milão e a queda das repúblicas da Toscânia. A partir
dessa data dá-se o declínio da indústria e do comércio de
ltália 4 •

4 Assi m, Carlos V foi o d estruidor d o comércio e d a


ind ús tri a na Itá lia, como o foi também nos Países Baixos e n a

121
Antes com o dep ois, Veneza queria ser . um n ação
indep enden te. Enquanto lidava ap en as com p arcelas d a
nação italiana ou com a desgastada Grécia, não lhe
podia ser difícil manter a supremacia, de manufacturas e
comércio, nos países costeiros do Mediterrâneo e do Mar
Negro. No entanto, quando nações completas e vitais sur-
giram no palco político, mostrou-se que Veneza era só
uma cidade e a sua aristocracia só uma aristocracia
urbana. É verdade que tinha conquistado muitas ilhas e
extensas províncias, que as governou como terras con-
quistadas e assim, segundo o testemunho de todos os
historiadores, com cada nova conquista aumentava a sua
fraqueza e não o seu poder.
Ao mesmo tempo, no interior da república, foi-se
extinguindo, gradualmente, o espírito com que tinha
ficado grande. Poder e riqueza de Veneza, a obra de
uma aristocracia patriótica e heróica, resultante de uma
democracia enérgica e amante da liberdade, susteve-se
e cresceu enquanto a liberdade alimentava a energia
democrática e esta se guiava pelo patriotismo, sabedoria
e coragem da aristocracia; porém, quanto mais a aristo-
cracia degenerava para se tomar numa oligarquia pre-
potente, destruidora de toda a liberdade e energia do
povo, mais murchavam as raízes do poder e da riqueza,

Espanha. Com ele surgiu a aristocracia diplomada e a ideia de


que seria vergonhoso para o nobre exercer comércio e
indústria- uma ideia que teve a influência demolidora sobre a
indústria nacional. Antes dominava a opinião oposta; os
Mediei ainda praticavam o comércio muito depois de se terem
tornado soberanos.

122
ainda que alguns ramos e a coroa florescessem durante
uns tempos 5 .
"Uma nação caída em opressão" diz Montesquieu,
"esforça-se mais a manter o conquistado do que ao
adquiri-lo; uma nação livre, pelo contrário, ambiciona
mais adquirir do que a manter."6 A esta afirmação, cheia
de verdade, poder-se-ia ter acrescentado: "e ao esforçar-
. -se só em manter e não em adquirir, perece-se", porque
qualquer nação que não progride, afunda-se mais e mais
e acaba por naufragar. Muito longe de alargarem o seu
comércio e de fazerem novas descobertas, os venezianos
nem sequer se lembraram de tirar partido das desco-
bertas de outras nações. O risco de, após a descoberta
do novo caminho comercial, virem a ser excluídos do
comércio das Índias Orientais, foi algo que não lhes
passou pela cabeça nem sequer quando já tinha sido
descoberto. O que todo o mundo via, eles não queriam
acreditar. Quando começaram a sentir as consequências
prejudiciais da reviravolta das coisas, procuravam
manter em pé o caminho antigo, em vez de beneficiarem
das vantagens do novo, tentavam manter e alcançar,
através· de intrigas mesquinhas, o que só podia ser

5 "Quand les nobles, au lieu de verser leur sang pour la

patrie, au Jieu d'illustrer l'État par des vistoires et de l'agrandir


par des conquêtes, n 'eurent plus qu'à jouir des honneurs et à
se partager des impôts, on dut se demander pourquoi ii y
avait huit ou neuf cents habitants de Venise qui se disaient
propriétaires de tout la République." Daru, Histoire de Venis e,
vol. IV, c. XVIII. .
6 Montesquieu, De l'esprit des lois, p. 192.

123
conquistado através da utilização sábia das situações
alteradas, de espírito de empreendimento e coragem.
E quando, finalmen te, tinham perdido o que possuíam e
as riquezas das Índias Orientais e Ocidentais navegavam
para Cádis e Lisboa em vez de para os seus portos,
refugiaram-se na alquimia, corno ingénuos ou esban-
jadores7.
Nos tempos do crescimento e do florir da república,
a inscrição no livro dourado era considerada um prémio
por feitos extraordinários no comércio, na indústria ou
no serviço de Estado e guerra. Nestas condições, era
proporcionada até a estrangeiros, ou seja, aos mais res-
peitados fabricantes de seda imigrados de Florenças.
Mas este livro foi fechado quando se começava a consi-
derar títulos e receitas do Estado corno bens de família
da nobreza. Mais tarde, porque se aperceberam da
necessidade de renovar a empobrecida e degenerada
nobreza, o livro voltou a ser aberto. Mas não era o
mérito ao serviço do Estado, corno antes, mas sim a
riqueza e nascimento de nobreza antiga que eram agora

7
Um charlatão comum, Marco Bragadino, que alegava
possuir a arte de fazer ouro, foi adoptado pela aristocracia
como um salvador. Daru, Histoire de Venise, vol. III, cap. XIX.
8 Veneza, como mais tarde a Holanda e a Inglaterra,

aproveitava cada oportunidade para puxar a si indústrias e


capitais de Estados estrangeiros. Também de Lucca, onde já no
século XIII o fabrico de veludo e brocado florescia grande-
mente, um considerável número de fabricantes de seda
mudou-se para Veneza, em consequência da opressão do
tirano de Lucca, Castruccio Castraccani. Sandu, Histoire de
Venise, vol. I, p. 247-256.

124
condições base para a inscrição. Entretanto, a honra do
livro dourado já tinha de tal modo decaído, que durante
um século ficou aberto em vão.
Pergunta-se então à História as causas do declínio
desta república e do seu comércio, e esta responde:
estão, primeiro, na imprudência, no relaxamento e na
cobardia de uma aristocracia degenerada e na apatia de
um povo caído em subjugação. O comércio e a manu-
factura de Veneza teriam que perecer, mesmo que nunca
se tivesse descoberto a Rota do Cabo.
De seguida encontram-se, como aliás o declínio de
todas as restantes repúblicas de Itália, na falta de união
nacional, na supremacia estrangeira, no poder do clero
interno e no surgimento de grandes, fortes e unidas
·. nacionalidades na Europa.
Quando se observa especialmente a política comer-
cial de Veneza, fica claro à primeira vista que os moder-
nos poderes comerciais e de manufacturas são mera-
mente uma cópia ampliada, ou seja a nível nacional,
daquela política: limitações de navegação e impostos de
importação beneficiam os próprios navegantes e as
manufacturas internas dos estrangeiros e cedo se esta-
belece a máxima de dar preferência à importação de
matéria-prima e à exportação de produtos. manufactu-
rados9.
Ultimamente, tem-se querido argumentar, a favor
do princípio da liberdade comercial absoluta, que a
queda de Veneza seja de procurar nestas limitações. Mas

9 Sismondi, Histoire des républiq ues italiennes, P. I., p. 285.

125
nisto misturou-se um pouco de verdade com muito
engano. Se examinarmos a história de Veneza com olhar
imparcial, constatamos que nela, cornó mais tarde nos
grandes reinos, a liberdade e a limitação do trânsito
internacional foram, em diferentes tempos, .favoráveis
ou prejudiciais à prosperidade das nações. Nos primei-
ros tempos do seu crescimento, a liberdade ilimitada do
comércio foi vantajosa para a república. De que outro
modo se poderia ter elevado de vila de pescadores a
potência comercial? Mas as limitações também foram
úteis após certo nível de poder e riqueza; porque foi
através delas que Veneza ganhou a supremacia de
manufactura e comércio. As restrições só se tornaram
prejudiciais depois de o seu poder de manufactura e
comércio ter chegado à supremacia, porque assim já não
havia competição com as outras nações, o que alimenta a
indolência . Não foi, portanto, a implantação das restrições
que prejudicou os venezianos, mas a sua conservação
quando o período em que tinha razão de existir já tinha
acabado há muito:
Para além disso, este argumento padece da grande
fraqueza de não levar em conta o aparecimento das
grandes nações sob a monarquia hereditária. Veneza ~ se
bem que governante de províncias e ilhas, mas apesar
disso apenas uma cidade italiana - só enfrentava outras
cidades italianas na sua ascensão corno potência de
manufactura e comércio, e a sua política mercantil de
exclusão só podia, de qualquer maneira, ter sucesso
enquanto não houvesse nações inteiras e unidas a fazer-
-lhe frente . Assim que tal aconteceu, já só podia manter a
sua supremacia se conseguisse colocar-se à frente de

126
uma Itália unida e alargar a sua política comercial a tod a
a nação italiana. Porém, nenhuma política comercial
era su ficientemente sábia p ara poder defender, durante
muito tempo, a supremacia comercial de uma cidade
contra uma união de nações.
Do exemplo de Veneza, no caso de o querer usar
nos nossos dÚ1s como prova contra a política de restri-
ções comerciais, não se pode, portanto, concluir nem
mais nem menos do que a ideia de que uma única
cidade ou um pequeno Estado não pode, com êxito,
implementar e manter este sistema contra grandes e
ricos Estados, e que uma potência que chegou à supre-
macia de manufactura e comércio através de restrições,
depois de atingidos os objectivos, tem vantagem em
voltar para o princípio da liberdade comercial.
Neste argumento, como sempre que se fale da
liberdade internaci~nal do comércio, confrontamo-nos
com uma confusão de conceitos causada pela palavra
liberdade, que já tem provocado grandes enganos. Fala-se
da liberdade do comércio como da liberdade religiosa ou
civil. Os amigos e porta-vozes da liberdade em geral
sentem-se na obrigação de defender a liberdade em
todas as suas formas, e assim também a liberdade do
· comércio se tornou popular sem que se distinguisse
entre a liberdade do comércio interno e a do comércio interna-
cional, quando, na sua natureza e nas suas consequên-
cias, estão a milhas de distância uma da outra. Já que as
restrições do comércio interno só em poucos casos .são
compatíveis com a liberdade individual de cada cida-
dão, no comércio externo é possível o mais alto nível de
liberdade individual coexistir lado a lado com um ele-

127
vado grau de restrições. Pois até é possível que o mais
alto grau de liberdade comercial internacional tenha
corno consequência a subjugação nacional, corno mais
tarde iremos demonstrar no caso da Polónia. Neste sen-
tido já ·Montesquieu dizia: "o comércio não está nunca
sujeito a maiores restrições do que nas nações livres; em
lado algum está menos restrito do que nas nações com
governos despóticos".

128
Segundo Capítulo

AS HANSAS

Chegado ao domínio em Itália, o espírito da indús-


tria, do comércio e da liberdade ultrapassou os Alpes,
percorreu a Alemanha e ergueu um novo trono nas cos-
tas dos mares nórdicos.
Já Henrique I, pai do libertador das municipalida-
des italianas, promoveu a fundação de novas cidades e a
expansão de antigas, que em parte já se tinham consti-
tuído nas localidades das antigas colónias romanas e dos
domínios imperiais.
D~ forma análoga à dos futuros reis de França e
Inglaterra, Henrique I e os seus sucessores encaravam as
cidades corno o contrapeso mais eficiente à aristocracia,
a mais rica fonte de rendimento de Estado, um novo
fundamento da defesa nacional. Devido às suas relações
comercias com as cidades italianas, à sua competição.
com a indústria italiana e às suas livres instituições, as
cidades rapidamente alcançaram um alto grau de pros-
peridade e civilização. O convívio social criou o espírito
de progresso nas artes e no comércio e o esforço de
se distinguir através de riqueza e empreendimento,
enquanto a riqueza material tinha como consequência a
ambi çã o pela cultura e o melhoramento das condições
políti cas.

129
Fortes pela liberdade juvenil e a indústria próspera,
mas atormentadas por bandidos de mar e terra, em
breve as cidades marítimas da Alemanha do Norte sen-
tiam a necessidade de urna ligação mais próxima para
protecção e defesa. Para este fim, Hamburgo e Lübeck
formaram urna aliança no ano 1241 que no mesmo
século ainda acolheu todas as cidades de algum signifi-
cado - aproximadamente oitenta e cinco - na costa do
mar do Norte e do mar Báltico, nas margens dos rios
Oder e Elbe, Weser e Reno. Esta confederação chamava-
-se Hansa, palavra que em baixo-alemão significa aliança.
Compreendendo rapidamente as vantagens que a
indústria privada poderia tirar da congregação de for-
ças, a Hansa não tardou a criar e a desenvolver urna
política comercial, cuja eficiência se manifestava numa
até então inigualada prosperidade comercial. Conside-
rando que quem quisesse introduzir e manter grande
comércio marítimo teria que ter os meios para o prote-
ger, os hanseáticos criaram urna marinha poderosa; per-
cebendo que a força marítima de um país é muita ou
pouca conforme a condição da marinha e da indústria da
pesca, promulgaram a lei segundo a qual os produtos
_hanseáticos só poderiam ser transportados em navios
daquela Liga e criaram grandes pescarias marítimas. O
Acto de Navegação inglês é urna imitação do hanseático,
corno este é urna imitação do veneziano 1 .
A Inglaterra apenas seguiu o exemplo dos que a
antecederam na supremacia marítima . A proposta de
promulgação de um Acto de Navegação no tempo do

1 Anderson, Origin of commerce, Parte I, p. 46.

130
"Long . Parliament" também não era nada de novo.
Adam Smith, ao avaliar esta medida 2, parece não ter
sabido, ou então não o mencionou, que já séculos atrás
repetidamente se fizera a tentativa de impor tal limita-
ção. A proposta do parlamento de 1461 foi rejeitada por
Henrique VI, e a proposta de Jaime I foi por sua vez
rejeitada pelo parlamento em 16223; e já muito antes
destas duas tentativas (1381), tinham sido impostas
limitações por Ricardo II, se bem que rapidamente dei-
xaram de vigorar e foram esquecidas. Aparentemente o
país não era suficientemente maduro nesse tempo para
tal medida. Actos de Navegação, como regras de segu-
rança de qualquer outro tipo, estão tão implementadas
na natureza de nações com um pressentimento da sua
futura dimensão na indústria e no comércio, que os
Estados Unidos da América do Norte, mal tinham aca-
bado de conseguir a sua independência, logo estipula-
ram limitações de navegação, seguindo a proposta de
James Madison e até- como se verá num capítulo poste-
rior - com um sucesso incomparavelmente maior que a
Inglaterra um século e meio antes.
Os soberanos nórdicos e os reis de Inglaterra,
incentivados pelas vantagens que lhes prometia o
comércio com os hanseáticos - dava-lhes a oportuni-
dade de aproveitar os produtos excedentes do país, de
assim conseguir trocá-los por produtos fabricados mais
perfeitos que· aqueles produzidos no próprio país, de,
mediante os direitos de importação e exportação, encher

2 Wealth of Nntions, book IV, Ch. 2.


3 Hume, Geschichte von England, IV Teil, Kap. XXI, p. 330.

131
a tesouraria4 e de habituar os súbditos entregues à
ociosidade, gula e briga, à dedicação pelo trabalho -,
encaravam com bons olhos que os hanseáticos abrissem
escritórios junto deles e a tanto procuravam motivá-los
através de privilégios e vantagens de vário tipo. Nisso
especialmente, os reis de Inglaterra faziam-se notar.

"O comércio inglês", diz Hume, "estava outrora


inteiramente nas mãos de estrangeiros, especialmente
dos Easterlings 5 que Henrique III constituiu como corpo-
ração, à qual concedeu privilégios e que libertou de

4 Os rendimentos dos reis . de Inglaterra, naquele tempo,


provinham mais das exportações que das importações. A livre
exportação e a dificultada importação, nomeadamente d e
manufacturas, já pressupõe uma indústria avançada e uma
administração de Estado esclarecida. Governos e países no
Norte encontravam-se naquele tempo aproximadamente ao
mesmo nível de cultura e sabedoria de Estado em que nós
nestes dias vemos estar a porta sublime. Como se sabe, o Sobe-
rano acabou de concluir tratados comerciais, segundo os quais
se compromete a não estabelecer taxas superiores a 14 . por
cento nas exportações de matérias-primas e manufacturas, e
não superiores a 5 por cento nas importações. Segundo isto,
está ali a florir aquele sistema alfandegário que visa essencial-
mente as receitas do Estado. Homens de Estado e escritores,
que seguem ou protegem este sistema, deveriam ir para a
Turquia, lá estariam verdadeiramente no auge da época.
5 Easterlings ou comerciantes de Leste eram antigamente

chamados os hanseáticos em contraste aos ocidentais ou belgas


e holandeses; daí os termos Sterling e Pfund Ster/ing, uma abre-
viação da palavra Easterling, porque naquele tempo todo o
dinheiro em circulação na Inglaterra era hanseático.

132
restrições e direitos de importação a que eram sujeitos
outros comerciantes estrangeiros. Tão inexperientes eram
naquele tempo os Ingleses que, desde Eduardo II, os
hanseáticos, conhecidos pelo nome de 'comerciantes do
Stahlhof', monopolizaram todo o comércio externo do
reino. Dado que para isso só usavam os próprios navios,
também a navegação inglesa se encontrava num estado
miserável." 6

Depois de alguns comerciantes alemães, em espe-


cial os de Colónia, manterem individualmente e durante
muito tempo relaÇões comerciais com os ingleses, funda-
ram finalmente, no ano 1250, na capital de Londres, a
convite do rei, o famoso escritório conhecido sob o nome
de Stahlhof (steel-yard), que começou por exercer enorme
influência sobre a promoção da cultura e indústria ingle-
sas, e depois causou tanto ciúme nacional, . chegando,
347 anos depois da sua formação até à sua dissolução, a
dar ocasião a tão longas e violentas lutas.
A Inglaterra era naquele tempo para os hanseáticos
o qtie posteriormente viria ser a Polónia para os Holan-
deses ou a Alemanha para os Ingleses; fornecia-lhes lã,
estanho, peles, manteiga e outros produtos minerais e
agrícolas, e recebiam, em contrapartida, artigos manu-
facturados. As matérias-primas que os hanseáticos
tinham adquirido na Inglaterra e nos reinos nórdicos
eram transportadas para o seu estabelecimento em
Brügge (estabelecido em 1252) onde em seguida seriam
trocadas por tecidos belgas e artigos manufacturados e

h Hume, Geschich te von England, cap. XXXV.

133
também pelos produtos e artigos orientais vindos de
Itália, que eles, por sua vez, transportavam para todos os
países situados ao longo dos mares nórdicos. Um ter-
ceiro escritório em . Nowgorod, na Rússia, fundado no
ano 1272, negociava artigos de peles, linho, cânhamo e
outras matérias-primas por artigos manufacturados. Um
quarto escritório em Bergen, na Noruega, constituído no
ano 1278, ocupava-se sobretudo da pesca e do comércio
de peixe e óleo de fígado 7 .
A experiência de todas as nações e épocas ensina
que os povos, enquanto se encontram num estado de
barbárie, tiram grande partido do comércio livre e ili-
mitado e consequentemente · o apreciam no princípio,
porque os abastece de produtos de caça, pasto, florestais,
agrícolas e em geral matérias-primas e víveres de qual-
quer tipo, e, em contrapartida, fornece peças de vestuá-
rio melhores, máquinas e ferramentas e o grande ins-
trumento de circulação - metais preciosos.
A experiência também ensina que semelhantes
povos, à medida que progridem na indústria e na cul-
tura, vão encarando esse comércio como menos favorá-
vel e finalmente como prejudicial para o desenvolvi-
mento futuro. Tal foi o caso do comércio entre a Ingla-
terra e as Hansas. Mal tinha passado um século desde a
formação do estabelecimento no Stahlhof já Eduardo III
era de opinião · que uma nação poderia fazer algo mais
útil e vantajoso que meramente exportar lã e importar
tecidos de lã. Através de privilégios de todo o tipo pro-

7 M.s. Sarto riu s, Geschichte der Hansa.

134
curava atrair para o país fabricantes de tecidos da Flan-
dres e quando tinha atingido um número significativo
dessa indústria, promulgou urna proibição de uso de
quaisquer tecidos estrangeiros8 .
As sábias medidas deste rei foram esplendida-
mente apoiadas pelo insensato comportamento de
outros regentes, corno de resto não é raro na história da
indústria. Se os anteriores regentes de Flandres e Bra-
bant tinham feito o possível pelo florescimento da
indústria do seu país, também os posteriores tudo fize-
ram para incentivar o descontentamento dos comer-
ciantes e industriais e incitá-los à ernigração9 •
Em 1413, a indústria de lanifícios da Inglaterra já
tinha feito progressos tão significativos que Hurne pôde
dizer deste período: "um grande ciúme corria nestes
tempos pelos comerciantes estrangeiros e uma grande
quantidade de restrições foram impostas ao comércio
estrangeiro, corno, por exemplo, que todo o dinheiro
ganho pelas importações teria que ser gasto em produtos
nacionais". 10 Sob o reinado de Eduardo IV, este ciúme
tornou proporções tão grandes que as importações de
panos e outros artigos estrangeiros foram cornpleta-
rnen te proibidas 11 •

8 11. Edwa rd III, cap. V.


9 Rymer's Foed . Pág. 496. De Witte, interest of Holland,
p. 45.
Hume, History of England, cap. XXV.
10

Edward IV, cap. IV. O começo desta lei é tão carac-


11

terístico, que não nos contemos em o comunicar à letra:


"Where . as the said parliamen t, by the artificers men and

135
Embora os hanseáticos viessem a obrigar o rei a
retirar essa proibição e a restabelecer-lhes os anteriores
privilégios, parece que a produção inglesa de lanifícios
foi com isso significativamente animada, como observou
Hume em relação a Henrique VII, que governou meio
século depois de Eduardo IV:

"Os progressos nas indústrias e artes implementa-


ram restrições mais eficientes que o rigor das leis no
hábito prejudicial dos nobres de terem grande número
de servos. Em vez de competirem uns com os outros por
causa da quantidade de servos e da respectiva valentia,
outra rivalidade, muito mais adequada ao espírito da

women, inhabitant and resident in the city of London and


other cities, towns, boroughs and villages within this realm
and Wales, it has been piteousl y showed and complained how
that ali they in general and every of them be greatly impov-
erished and much injured and prejudiced of their world ly
increase and living by the great multitude of divers chaffers
and wares pertaining to their mysteries and occupations bei ng
fully wrought and ready to ma de to sal e as well as by. the band
of strangers being the kings enemies as others brought into this
Realm and Wales from beyond the sea as well by merchant
strangers or denizens or other persons, whereof the grea test part
is deceitful and nothing worth, in regard of anyman's occupa-
tion or profits by occasions they used to do in times past, but
divers of them as well householders as hirelings and other
servants and apprentices in great number be at this day unoc-
cupied and do hardly live in great idleness, poverty and ruin,
whereby many inconveniences have grown before this time
and hereafter more like to come (which God defend), if due
remedy be not in their behalf provided."

136
civilização naquele tempo, tomou vulto nos nobres:
agora procuravam distinguir-se através do esplendor
dos hóteis, da elegância da equipagem e da preciosidade
dos utensílios.
Agora que o povo já não podia entregar-se à nociva
ociosidade nos serviços de chefes e patrões, era necessá-
rio aprender um: ofício que se tornaria útil tanto a cada
um como à comunidade. De novo se estabeleceram
limitações legais às exportações de metais preciosos,
cunhados e não cunhados. Mas, como se apercebeu a
ineficiência destas leis, os comerciantes estrangeiros
foram de novo obrigados a gastar o rendimento das
importações com artigos do próprio país." 12

No reinado de Henrique VIII, os preços dos géne-


ros alimentícios já tinham subido significativamente por
causa da grande quantidade de fabricantes estrangeiros
presentes em Londres - sinal seguro das grandes vanta-
gens que resultaram para a agricultura nacional do
desenvolvimento da indústria interna. O rei, porém,
avaliando erradamente as causas e efeitos deste fenó-
meno e dando ouvidos às injustas queixas que os fabri-
cantes ingleses faziam dos estrangeiros, que os ultrapas-
savam em destreza, aplicação e frugalidade, ordenou,
através de um decreto do conselho de ministros, a
expulsão de quinze mil fabricantes belgas, "porque estes
encareceram todos os géneros alimentícios e teriam exposto o
país no perigo da fom e".

12 Hume, cap. XXVI.

137
Para curar o mal pela raiz, foram imediatamente
promulgadas leis para limitação de despesas, prescrições
para o vestuário e tarifas para os preços de comestíveis
e diárias. Esta política obteve naturalmente completa
aprovação das Hansas, que puseram os seus barcos de
guerra à disposição de Henrique VIII com a mesma boa
vontade de que já tinham dado mostras a todos os reis
que lhes eram favoráveis e aliás, nessa mesma altura,
ainda observável nos Ingleses em relação aos reis de
Portugal. Durante todo este reinado, o comércio das
Hansas com a Inglaterra era muito animado. Ainda
tinham navios e dinheiro e, não com menos jeito que
hoje em dia os Ingleses, conseguiam influência junto de
povos e governos que não sabiam defender os seus inte-
resses nacionais. Só que os argumentos das Hansas
tinham um fundamento completamente diferente do dos
monopolistas do comércio de agora: derivavam o seu
direito de fornecer países estrangeiros com artigos
manufacturados de tratados e imemoráveis proprieda-
des, enquanto, hoje em dia, os Ingleses o justificam com
uma teoria cujo autor é um dos seus próprios funcioná-
rios aduaneiros, que assim exigem em nome de uma
pretensa ciência o que os ·outros ambicionavam em
nome do direito e de tratados.
Sob o regime de Eduardo VI, o Conselho de Estado
procurou e entretanto encontrou um pretexto para abolir
os privilégios dos comerciantes do Stahlhof

"As Hansas apresentavam fortes protestos contra


essa inovação. Mas o conselho de Estado persistiu na
decisão tomada, cujos efei tos benéficos para a nação em

138
breve se revelaram. Os comerciantes ingleses, enquanto
habitantes do país, possuíam grandes vantagens sobre
os estrangeiros nas compras de pano, lã e outros artigos
- vantagens que até então não lhes tinham sido sufi-
cientemente evidentes para que os induzissem a entrar
em concorrência ·com uma companhia tão rica. Mas,
desde o momento em que todos os comerciantes estran-
geiros estavam sujeitos às mesmas restrições, os ingleses
sentiram-se motivados para operações comerciais, ·e o
espírito empreendedor despertou em todo o reino." 13

Depois de as Hansas se terem visto excluídas


durante vários anos de um mercado que tinham domi-
nado em absoluto ao longo de três séculos, como nos
dias correntes os Ingleses dominam o dos americanos e
o dos alemães, foram de novo instituídos pela rainha
Maria nos seus antigos privilégios depois dos protestos
do imperador alemão 14 •
Mas a sua alegria durou pouco.

"Ansiosos não só por .manter, mas também por


aumentar estes privilégios, queixaram-se veemente-
mente, no início do governo da rainha Isabel, sobre o
tratamento que lhes teria sido dado por Eduardo e
Maria. A rainh a respondeu -lhes prudentemente: ela não
teria qualquer p oder para mudar fosse o que fosse, m as
gostaria de deixar que as Hansas ficassem com as imu-
nidades e privilégios que já possuíam. No entanto, esta
resposta de m od o algum as contentou . Algum tempo

13 Hume, cap. XXXV.


14 Hum e, cap. XXXVII. Hey lin, p. 108. Haywa rd, p. 224.

139
depois, o comércio das Hansas foi suspenso novamente,
para grande van tagem dos comerciantes ingleses, que
agora tinham oportunidade d e mostrar o que sabiam
fazer; apoderaram-se de todo o comércio estrangeiro
e os seus esforços foram inteiramente coroados de
sucesso. Dividiram-se a seguir em comerciantes domici-
liados e viajantes. Estes tentavam a sua sorte com tecidos
e outros artigos ingleses em cidades e países estrangei-
ros, enquanto os primeiros exerciam o comércio no pró-
prio país. O sucesso provocou de tal modo a inveja das
Hansas que não houve meio que não tentassem para
difamar os comerciantes ingleses junto de outras nações.
Também conseguiram um decreto imperial que proibia
todo o comércio inglês no império alemão. A rainha
tentou represálias contra tal medida, mandando retirar
60 navios hanseáticos que faziam contrabando com os
espanhóis. Inicialmente a intenção dela tinha sido de
tornar as Hansas mais dispostas a um acordo amigável.
Mas quando recebeu a notícia de que iria realizar-se
uma assembleia hanseática na cidade de Lübeck, para
considerar medidas através das quais podia ser pertur-
bado o comércio externo dos ingleses, mandou confiscar
todos esses navios e respectivos carregamentos; só
libertou dois deles e mandou-os para Lübeck com a
mensagem que sentia o mais profundo desprezo pelas
Hansas, pelas suas medidas e negociações." 15

Assim tratava Isabel aqueles comerciantes que ao


seu pai e a tantos outros reis da Inglaterra haviam

15 (..ives of the Admirais, vol. I, p. 410.

140
emprestado os próprios navios para que vencessem as
suas batalhas; que tinham sido cortejados por todos os
potentados da Europa; que durante séculos trataram
corno vassalos os reis da Dinamarca e da Suécia, empos-
sando-os e depondo-os à discrição; que tinham coloni-
zado e civilizado todos os países litorais do sudeste e
liberto os mares de piratas; que não muito antes obriga-
ram de espada na mão um rei inglês a aprovar-lhes os
privilégios; a quem mais de uma vez os reis de Ingla-
terra recorreram para contrai r empréstimos em que
penhoraram a sua coroa, e que certa vez excederam a
crueldade e insolência para com a Inglaterra de tal
maneira que mandaram afogar cem pescadores que
tinam ousado aproximar-se demasiado da sua área de
pesca . Os hanseáticos possuíam, sem dúvida, poder sufi-
ciente para vingar o comportamento da rainha, mas a
velha coragem, o grandioso espírito empreendedor, a
força da liberdade e cooperação tinham-se perdido.
Afundavam-se cada vez mais na debilidade, até que
finalmente, no ano 1630, a Liga foi formalmente dissol-
vida, depois de terem sido rejeitados com desprezo por
todas as cortes europeias a que tinham mendigado pri-
vilégios de importação.
Várias causas externas - descontando as internas,
das quais falaremos adiante - contribuíram para esta
queda. A Dinamarca e a Suécia procuravam vingar-se da
submissão em que a Liga as mantivera durante tanto
tempo e assim impunham todo o tipo de obstáculos ao
comércio hanseá tico. Os czares russos tinham concedido
privilégios a uma companhia inglesa. As ordens cavalei-
rescas, dura nte séculos seu s aliados ou por assim dizer

141
os filhos da Liga, caíram em declínio e dispersão. Os
Holandeses e Ingleses desalojaram-nos de todos os mer-
cados e suplantavam-nos em todas as cortes. Finalmente,
a descoberta da Rota do cabo para as Índias Orientais
teve para eles um efeito negativo.
A Liga, que em tempos de poder e boa sorte, mal
pensava na sua relação co.m o império alemão, na aflição
dirigia-se agora ao Parlamento do Império Alemão com
a seguinte reclamação: os Ingleses exportavam anual-
mente 200 000 peças de tecido, de que grande parte ia
. para a Alemanha, e a única maneira de restabelecer os
seus antigos privilégios na Inglaterra seria proibindo a
importação de tecidos ingleses na Alemanha. Segundo a
afirmação de Anderson, tinha sido intentada ou mesmo
tomada uma deliberação do Parlamento nessa direcção;
mas este autor garante-nos que o Sr. Gilpin, o enviado
inglês ao Parlamento do Império Alemão, soube impedir
a respectiva execução.
Cento e cinquenta anos após a dissolução da Liga
Hanseática, a memória da antiga grandeza tinha-se dis-
sipado de tal maneira nas cidades hanseáticas, que Jus-
tus Moser garante algures nos seus escritos que, quando
se dirigia às cidades hanseáticas e falava aos comer-
ciantes acerca da grandeza e do poder dos seus antepas-
sados; eles mal acreditavam. Hamburgo- antigamente o
horror dos piratas de todos os mares e famosa em toda a
cristandade devido aos serviços prestados à civilização
pela perseguição dos piratas - tinha-se ido abaixo de tal
maneira que era obrigada a comprar a segurança dos
seus navios aos piratas argelinos através de uma contri-
buição anual. Pois quando o ceptro dos mares passou

142
para os Holandeses, outra política passou a dominar a
pirataria .
Nos tempos do domínio marítimo hanseático, o
pirata era considerado inimigo do mundo civilizado e, se
possível, exterminado. Os Holandeses, ao contrário, con-
sideravam os piratas berberes úteis partidários, dado
que, no meio da paz e para benefício dos Holandeses,
perturbavam o comércio marítimo das outras ,nações. Ao
citar um comentário de De Witt em relação a esta polí-
tica, Anderson faz o comentário lacónico: Jas est et ab
hoste doceri 16 - um conselho que, embora curto, os habi-
tantes do país seguiram e entenderam tão bem que, para
a .desonra da cristandade, os Ingleses toleraram até aos
nossos dias as horrendas actuações dos piratas na costa
norte-africana, até que os Franceses, a favor da civiliza-
ção, tiveram o mérito da sua completa extinção.
O comércio destas cidades não era nacional; além
de não ser fundado no equílibrio e na completa forma-
ção das forças produtivas interiores, também não era
apoiado por força política suficiente. Os laços através
dos quais os membros da confederação se mantiam uni-
dos eram demasiado soltos, e a ambição do poder domi-
nante e das vantagens especiais (ou como um suíço ou
americano se . exprimiria, o espírito de cantão, espírito
dos direitos de Estado) prevalecia demasiado e reprimia
o patriotismo federal, o único que em assuntos de inte-
resse geral da confederação poderia ter conseguido o
peso necessário sobre os interesses particulares de cada
cidade. Assim, gerou-se ciúme e não raramente traição;

16 And erson, vol. II, p. 585.

143
assim, Colónia aproveitou-se da hostilidade da Ingla-
terra para com a Aliança para sua própria vantagem;
assim, Hamburgo procurou explorar um conflito entre a
Dinamarca e Lübeck.
As cidades hanseáticas não fundaram o seu comér-
cio na produção e consumo, agricultura e manufactura
do país a que pertenciam os comerciantes .. Tinham per-
dido a oportunidade de favorecer a agricultura da .sua
pátria, enquanto a agricultura nos países estrangeiros
era promovida significativamente através do comércio;
consideravam mais confortável comprar artigos manu-
facturados na Bélgica do que instalar manufacturas no
próprio país. Promoviam a agricultura da Polónia, a
criação de ovelhas da Inglaterra, a produção de aço da
Suécia e as manufacturas da Bélgica. Fizeram durante
séculos o que os teóricos de hoje em dia aconselham
fazer: compravam os produtos onde eram mais baratos.
Mas quando os países onde compravam e os países on_de
vendiam as excluirarn dos seus mercados, nem a agri-
cultura nem as manufacturas internas estavam desen-
volvidas ao ponto . de poder alojar o capital comercial
excedente; portanto, deslocou-se para a Holanda e a
Inglaterra e aumentava assim a indústria, riqueza e o
poder dos seus inimigos. Urna prova convincente de que
a indústria privada entregue a si própria nem sempre
promove o bem--estar e o poder das nações.
Ao longo da sua ambição unilateral de riqueza
material, estes países negligenciavam por completo a
promoção dos seus interesses políticos. Durante a ·sua
época de poder, pareciam já não pertencer ao império
alemão. Estes burgueses interesseiros e presumidos fica-

144
vam lisonj ead os por ver príncipes, reis e imperadores
fa zer-lhes a corte e por no mar actuarem como sobera-
nos. Tão fácil lhes teria sido, durante a suá época de
donúnio marítimo, fundar uma poderosa câmara baixa
juntamente com as cidades aliadas do Norte da Alema-
nha,. e assim formar um contrapeso à aristocracia do
império, conseguir união nacional através do poder
imperial, unir o litoral inteiro de Dünkirchen até Riga e
deste modo alcançar e manter a supremacia industrial,
comercial e marítima do império alemão. Contudo,
quando o ceptro dos mares lhes escapou, já nem lhes
restava influência suficiente para, perante o Parlamento
do Império Alemão, afirmar o seu comércio como um
assunto nacional. Ao contrário: a aristocracia fez o pos-
sível para reprimir por completo os humilhados. As
cidades do interior sucumbiram uma atrás da outra ao
poder absoluto dos príncipes, e assim as cidades marí-
timas perderam a sua ligação com o interior.
Todos estes erros foram evitados na Inglaterra. Aí a
agricultura e a indústria internas serviam de funda-
mento sólido para a navegação e o comércio externo,
desenvolvia-se o tráfego interno em proporção correcta
com o exterior e a liberdade individual sem restrição da
união ou do poder nacional, e consolidavam-se e uni-
ram-se do melhor modo os interesses da coroa, da aris-
tocracia e do povo.
Tomando em consideração estes factos históricos, é
ainda possível afirmar que alguma vez os Ingleses
podiam ter conseguido as suas fortes manufacturas ou
conseguido chegar a tão predominante comércio e tão
potente força marítima sem a política de comércio que

145
seguiram? Não, a afirmação de que os Ingleses adquiri-
ram o seu actual poder comercial não através, mas ape-
sar da sua política comercial, parece-nos uma das maio-
res mentiras do século. Se os Ingleses tivessem deixado
tudo entregue a si próprios, deixando andar, como a
escola dominante exige, ainda hoje os comerciantes do
Stahlhof fariam das suas em Londres; os Belgas ainda
produziriam tecidos para os Ingleses; a Inglaterra ainda
seria o campo de pasto das Hansas, como Portugal se
tornou e continua o monte de vinho para a Inglaterra
devido aos estratagemas de um astuto diplomata. É mais
que provável que a Inglaterra, sem a sua política de
comércio, nunca possuiria tal quantidade de liberdade
burguesa como hoje possui, dado que esta liberdade é
uma filha da indústria e da riqueza.
Depois destas reflexões históricas, como é possível
não notar que Adam Smith não tentou seguir desde o
início até ao fim a batalha industrial e comercial entre as
Hansas e a Inglaterra? Algumas passagens do seu livro
provam suficientemente que as causas para o declínio
das Hansas e as consequências deste não lhe eram des-
conhecidas.

"O comerciante", diz ele, "com os seus interesses


não está acorrentado a nenhum país em particular. É-lhe
quase indiferente onde exerce a sua actividade comer-
cial. Uma pequena causa de insatisfação pode levá-lo a
mudar de país e com isso levar consigo todo o capital e
toda a indústria que é nutrida através deste. Nenhuma
parte deste capital pode ser considerada como perten-
cente a algum país em especial, enquanto não esteja

146
incorporado nele através da construção de edifícios, etc.
Da imensa riqueza que as cidades hanseáticas supos-
tamente possuíram, já não há vestígio a não . ser nas
obscuras crónicas dos séculos XIII e xrv. Já nem se sabe
m1de se situavam ou a quais associar os nomes das
cidades que constavam nas crónicas." 17

É tão estranho que Adam Smith, com um conheci-


mento tão claro das causas secundárias do declínio da
Hansa, não se tenha sentido movido a pesquisar as pri-
márias. Para este fim não teria sido de modo algum
necessário investigar onde se situavam as cidades han-
seáticas decadentes ou saber quais as cidades que as
crónicas obscuras mencionavam com os seus nomes
latinos. Ele nem teria que consultar essas crónicas obs-
curas. Anderson, Macpherson, King e Hume, seus
compatriotas, poderiam ter-lhe fornecido informação
suficiente.
Mas como e porque é que um tão profundo espírito
investigador restringe uma pesquisa tão interessante e
rica em consequências? Não vemos outra razão senão
que os resultados desta pesquisa poderiam ter-se pro-
vado pouco adequados para apoiar o seu princípio da
liberdade absoluta do" comércio. Ele teria inevitavel-
mente embatido com o facto de que, depois de o comér-
cio livre com as Hansas ter tirado a agricultura inglesa
da sua barbaridade, a política de comércio restritiva da
nação inglesa à custa dos Hanseáticos, Belgas e Holande-

17 Smith, W enlth of Nation s, L. lll, chap. II.

147
ses contribuiu para a sua supremacia no campo da
manufactura e que desta se desenvolveu, com ajuda das
restrições de navegação, a sua supremacia de comércio.
Adam Smith, assim parece, não queria saber nem
reconhecer estes factos. Pertenciam, sem dúvida, à cate-
goria dos factos indesejáveis dos quais]. B. Say concede
que "se teriam mostrado rebeldes ao seu sistema".

148
Terceiro Capítulo

OS HOLANDESES

Tanto sob o ponto de vista mental, dos costumes,


da descendência e da língua como das ligações políticas
e geográficas, Holanda, Flandres e Brabant eram parte
do império alemão. A presença frequente de Carlos
Magno e a proximidade da sua residência tiveram maior
influência sobre a cultura destes países do que sobre
regiões mais distantes da Alemanha. Além disso, a natu-
reza favorecia a indústria e a agricultura na Flandres e
em Brabant, assim como a criação de gado e o comércio
na Holanda. Em nenhum ponto da Alemanha a navega-
ção marítima e fluvial era tão favorecida corno nestas
regiões costeiras. Os efeitos benéficos dos transportes
marítimos sobre o aperfeiçoamento da agricultura e o
crescimento das cidades deram origem, desde muito
cedo, ao afastamento de obstáculos e à construção de
canais artificiais.
A prosperidade da Flandres deveu-se sobretudo ao
facto de os seus condes, antes de todos os regentes ale-
mães, terem reconhecido o valor da segurança pública,
das estradas, das manufacturas e das cidades florescen-
tes. Apoiados pela natureza do país, tinham como
ocupação preferencial a exterminação da nobreza saltea-

149
dora, por um lado, e dos animais selvagens, por outro.
Um vivo trânsito entre a cidade e o campo, o surgir da
criação de gado, sobretudo de carneiros, e a cultura do
linho e cânhamo foram a consequência natural. No
entanto, onde quer que a matéria-prima apareça em
grande quantidade e onde quer que exista segurança da
propriedade e de trânsito, muito rapidamente aparecem
mãos e jeito para a manufactura. Entretanto, os condes
da Flandres não esperavam que o acaso lhes trouxesse os
tece-Iões; a História conta que os mandaram vir de outras
regiões.
Apoiada pelo comércio intermediário das Hansas,
através das suas manufacturas de lã, a Flandres depressa
se tornou o ponto central do comércio mundial do
Norte, assim corno Veneza, através da sua indústria e
marinha, se tornara o ponto central do Sul. A navegação
e o comércio intermediário das Hansas e dos Holandeses
formavam um todo com as manufacturas da Flandres,
urna indústria nacional. Não se podia falar de limitações
do comércio, visto que ainda não existia rivalidade em
relação à supremacia da manufactura da Flandres. Os
condes da Flandres, mesmo sem terem lido Adam
Smith, reconheceram que, em tais condições, as indus-
trias de manufacturas, em regime de livre circulação, se
desenvolvem optimamente. Quando o rei de Inglaterra
pretendeu que o conde Roberto III fechasse os seus
mercados aos Escoceses, recebeu dele a seguinte res-
posta, completamente de acordo com a teoria de hoje: a
Flandres considera-se desde sempre um mercado livre
para todas as nações, e os seus interesses não admitem
que abandone este princípio.

150
Depois de a Flandres, durante séculos, ter sido o
principal país da manufactura e Bruges 6 principal
mercado do Norte da Europa, a manufactura e o
comércio mudaram-se para a vizinha Brabant, devido ao
facto de os condes não fazerem as concessões que uma
posição de topo exige. Antuérpia tornou-se o principal
centro de comércio, e Lovaina a principal cidade de
manufactura do Norte da Europa. Devido a esta
reviravolta, a agricultura de Brabant em breve atingiu
grande prosperidade. Para isso contribuiu sobretudo a
passagem, na devida altura, dos tributos em géneros
para tributos monetários e, dum modo geral, a limitação
do feudalismo.
Entretanto, os Holandeses, que cada vez mais se
comportavam como os rivais das Hansas, tinham lan-
çado as bases da sua futura supremacia marítima. O
favor e o desfavor da natureza foram para este pequeno
povo como que uma benção. Através da permanente
luta com as águas do mar, tinha de crescer nele o neces-
sário espírito empreendedor, a actividade e eficiência, e
um terreno conseguido à custa de um indescritível
esforço tinha de lhes aparecer como um bem a proteger e
para o qual os cuidados investidos nunca podiam ser
dem ais. Limitados pela natureza à navegação, à pesca e
à produção de carnes, manteiga e queijo, os Holandeses
precisavam de cobrir as suas necessidades de cereais,
materiais de construção e combustíveis através de car-
re tagem, comércio intermediário e exportação de queijo
e peixe.
Foi sobretudo por esta razão que as Hansas foram
mais tarde suplantadas pelos Holandeses no comércio

151
com os reinos do nordeste: precisavam de muito maiores
quantidades de produtos agrícolas e florestais do que as
Hansas, que, por sua vez, cobriam a necessidade desses
produtos com os paises vizinhos. Além disso, beneficia-
vam da proximidade das manufacturas belgas e do
Reno, com as suas fecundas regiões fluviais, e da nave-
gação até às montanhas da Suíça.
É de considerar corno regra que o comércio e a
prosperidade dos países costeiros dependiam da maior
ou m enor importância das vias fluviais através das quais
quais estão em comunicação por água 1 .
Se observarmos o mapa da Itália, veremos que foi a
grande área e a fecundidade da bacia do rio Pó a razão
pela qual o comércio de Veneza superou o de Génova ou
Pisa. O comércio da Holanda tem as suas raízes no Reno
e seus afluentes; e quanto maior fosse a riqueza e fecun-
didade deste rio em comparação com o Elbe e o Weser,
maior seria a vantagem do comércio holandês em .rela-
ção ao comércio das cidades hanseáticas.
Às citadas vantagens juntou-se o feliz acaso da inven-
ção da salga do arenque por Peter Bockel. A maneira de
pescar e o tratar este peixe (chamada Bockeln, pelo nome
do seu inventor) era, e assim permaneceu durante muito
tempo, um segredo dos Holandeses, que davam a este
produto qualidades que os outros não tinham e por isso
conseguiam vendê-lo a melhores preços2. Anderson

1 As estradas artificiais e, ainda mais, o caminho-de-ferro

dos novos tempos modificaram muito esta regra .


2 Nos últimos tempos afirma-se que a vantagem dos

Holandeses, além das regras reguladoras da maneira de pescar,

152
assegura que, mesmo séculos após a descoberta deste
processo, os Ingleses e os Escoceses, apesar de terem
preços muito mais baixos, não conseguiam, como os
Holandeses, compradores para os arenques nos merca-
dos estrangeiros. Se tomarmos em consideração a
importância do consumo de peixe do mar antes da
Reforma, poderemos perceber que, num período em que
a navegação hanseática já estava em decadência, a
Holanda construísse dois mil barcos por ano.
Desde a união de todas as províncias belgas e batá-
vias sob o domínio da Borgonha que estas gozavam
do benefício da unidade nacional - uma circunstância
que, tendo em conta a feliz concorrência do comércio
marítimo entre a Holanda e as cidades do Norte da
Alemanha, não pode ser posta de lado. No reinado de
Carlos V, os Países Baixos unificados constituíam um
complexo de poder e força que, mais do que todas as
minas de ouro do mundo ou os benefícios e bulas do
Papa, davam ao seu soberano a soberania sobre o
mundo, terra e mar, contanto que ele soubesse conhecer
a natureza dessa força e utilizá-la.
Se Carlos V tivesse recusado a coroa espanhola,
como se deixa cair uma pedra que nos ameaça arrastar
para o abismo, que diferente futuro teriam tido os Países
Baixos e a Alemanha! Como regente dos Países Baixos
unificados, como imperador alemão e chefe da Reforma,
Carlos V dispunha de todos os meios mentais e mate-
riais para formar o maior império comercial e industrial

consistia no facto de os barris onde o arenque era tratado e


enviad o serem de madeira d e carvalho.

153
e o maior poder de mar e terra que jamais tinham exis-
tido - uma potência marítima que, de Dunquerque a
Riga, teria unido todas as velas sob uma bandeira!
Uma única ideia, uma única vontade teriam sido
precisas, nessa altuta, para tornar a Alemanha no mais
rico e poderoso ímpério do Mundo~, para estender a
todos os cantos da terra, e talvez consolidar durante de
séculos, a sua produção industrial e o seu domínio
comercial.
Carlos V e mais tarde o seu lúgubre filho envere-
daram pelo caminho oposto; à frente de fanáticos, quise-
ram espanholar os Países Baixos. O efeito é conhecido.
As províncias do Norte, influenciadas pelos elementos
que as regiam, tornaram-se independentes; nas provín-
cias do Sul, a indústria, os ofícios e o comércio morreram
às mãos do carrasco, na medida em que não conseguis-
sem a fuga. Amesterdão tornou-se o ponto central do
comércio mundial em vez de Antuérpia. As cidades
da Holanda, que em anos anteriores, na. sequência de
tumultos em Brabant, atraíram muitos tecelões belgas,
não tinham agora espaço para abrigar todos os fugitivos
belgas, tendo grande parte deles que emigrar para a
Inglaterra e a Saxónia. A luta pela liberdade deu origem,
na Holanda, a um heroísmo do mar, ao qual nada pare-
cia demasiado difícil ou arriscado, enquanto o fanatismo
fazia adormecer a ·vitalidade espanhola.
A Holanda enriquecia sobretudo à custa da pirata-
ria contra a Espanha, em especial pela captura de frotas
espanholas de prata. Ao mesmo tempo mantinha inco-
mensurável comércio de contrabando com a Península e
a Bélgica. Depois da união de Portugal com a Espanha,

154
os Holandeses ocuparam as colónias portuguesas mais
importantes das Índias Orientais e uma parte do Brasil.
Até meados do século XVII, vemos os Holandeses a
superar os Ingleses na manufactura, colónias, comércio e
navegação, tal como os Ingleses, por sua vez, superaram
os Franceses nos nossos dias.
Com a revolução inglesa, começou, no entanto,
urna grande transformação. O espírito da liberdade tor-
nou-se, na Holanda, burguês. Como em todas as aristo-
cracias de comerciantes, era-se capaz de grandes feitos
quando se pretendia a salvação do corpo, da vida e de
bens, enquanto as vantagens materiais estivessem bem à
vista; mas a profunda sabedoria de Estado estava bem
longe. Não se compreendia que a supremacia alcançada
só se podia manter se se baseasse numa nacionalidade
grandiosa e fosse apoiada por um grande espírito nacio-
nal. Por outro lado, criava-se naqueles reinos, que atra-
vés da monarquia tinham organizado a sua nacionali-
dade em grande escala, mas, em contrapartida, ainda
estavam atrasados no comércio e indústria, uina espécie
de vergonha pelo facto de um tão pequeno pedaço de
terra se comportar como o mestre em manufactura e
comércio, em pesca e potência marítima. A estes senti-
mentos juntou-se, na Inglaterra, a energia da recém-nas-
cida república. O Acto de Navegação era a luva que a
futura supremacia da Inglaterra lançava à actual supre-
macia da Holanda; e quando chegou a luta, viu-se que a
na cionalidade inglesa era de muito maior calibre do que
a holandesa. O êxito não podia deixar dúvidas.
O exemplo da Inglaterra foi copiado pela França.
Colbert tinha calculado que o total de transportes marí-

155
timos empregava cerca de 20 000 velas, das quais 16 000
cabiam à Hola nda, o que, para u ma tão pequ ena n ação,
era d emasiado. Devido à su cessão borgonhesa na Espa-
nha, a França aumentava o seu tráfego na Península
Ibérica, com prejuízos para a H olanda. O mesmo suce-
deu n a direcção do Leste. Também as bonificações das
mamúacturas internas, dos p róprios transportes e da
pesca em França, causaram ao comércio e à indústria da
Holanda grandes prejuízos.
A Inglaterra ganhou à Holanda grande parte dos
transportes com os países do Norte, o contrabando com
a Espanha e as suas colónias, uma boa parte do comércio
com as Índias Ocidentais e Orientais e as suas pescas.
Mas o golpe mais sensível foi dado à Holanda pelo Tra-
tado de Methuen (1703), à custa do qual, o comércio com
Portugal, as colónias e as Índias Orientais recebeu o
choque principal.
Quando a Holanda começou a perder grande parte
do seu comércio externo, aconteceu-lhe o que já tinha
acontecido às cidades hanseáticas e a Veneza - a parte
do capital intelectual e material que não conseguia colo-
cação no país fugia ou emigrava para as nações que her-
daram a supremacia da Holanda.
Se a Holanda, unida com a Bélgica, as regiões flu-
viais do Reno e o Norte da Alemanha, tivesse formado
uma nação, dificilmente a Inglaterra e a França, através
de guerras e políticas comerciais, teriam conseguido
erúraquecer o seu poder marítimo, a indústria interna e
o seu comércio externo, como sucedeu. Uma tal nação
teria conseguido opor sistemas de comércio próprios aos
sistemas dos outros países. Se fosse dado um golpe à

156
indústria alemã devido ao surgimento das manufacturas
desses países, as fontes de ajuda internas da nação e a
colonização estrangeira teriam reembolsado essas per-
das. A Holanda caiu, assim, porque uma faixa costeira
habitada por um pequeno número de pescadores ale-
mães, navegadores, comerciantes e criadores de gado
quis formar, por si só, um poder nacional e tratava o
interior, com o qual formava um todo, como terra alheia.
Assim, o exemplo da Holanda, como o da Bélgica,
das cidades hanseáticas e das repúblicas italianas ensina-
-nos que a indústria privada não consegue aguentar o
comércio, a indústria e a riqueza dos Estados ou nações
quando a situação pública não é favorável, e que os
indivíduos recebem grande parte das suas forças pro-
dutivas da organização política do Estado ou do poder
nacional. A agricultura belga floresce de novo sob a
soberania austríaca. Unida com a França, cresce também
a sua indústria de manufactureira segundo os grandes
moldes antigos. A Holanda, por si só, nunca conseguiu
criar e manter um sistema independente de comércio
frente aos grandes países. Mas logo que, devido à sua
união com a Bélgica depois do estabelecimento da paz,
as suas fontes de ajuda internas, o seu povo e o seu ter-
ritório se alargaram de tal maneira que se podia opor às
grandes nações e o país, em si próprio, tinha uma quan-
tidade suficientemente grande e variada de forças pro-
dutivas, vemos também ali nascer um sistema de segu-
rança e, sob a sua influência, a agricultura, as manufac-
turas e o comércio conhecerem grande desenvolvimento.
Esta união, por razões fora desta nossa análise, desfez-se
. novamente e, com isso, o sis tema de segurança perdeu

157
na Holanda a sua base, enquanto na Bélgica ainda
persiste.
A Holanda alimenta-se agora das colónias e do
comércio intermediário com a Alemanha. Mas a próxima
guerra naval pode facilmente tirar-lhe as colónias, e
quanto mais a União Aduaneira Alemã chegar à com-
preensão dos seus interesses e ao emprego das suas for-
ças, mais reconhecerá a necessidade de incluir em si a
Holanda.

158
Quarto Capítulo

OS INGLESES

No capítulo sobre as Hansas, vimos . como, na


Inglaterra, a agricultura e a criação de gado ovino
aumentaram através do comércio com o estrangeiro;
como mais tarde, com imigrantes estrangeiros, fabri-
cantes perseguidos no seu país, e através de medidas
encorajadoras do governo, a fabricação de lã começou a
prosperar; como estes progressos nas indústrias e as
sábias e as enérgicas medidas da rainha Isabel fizeram
com que o comércio externo, que era até aí operado
quase exclusivamente por estrangeiros, caísse nas mãos
dos comerciantes nacionais.
Depois destas notas de recapitulação da indústria
inglesa, vamos, então, retomar a caracterização do
desenvolvimento da economia nacional inglesa no ponto
em que a tínhamos deixado no segundo capítulo.
A origem da grandeza industrial e comercial da
Inglaterra reside principalmente na criação de gado
ovino e na produção de lã. Antes da entrada das Hansas
na Inglaterra, a agricultura era má e a criação de gado
ovino pouco significativa. Durante o Inverno, faltava
comida para o gado, que em grande parte tinha de ser
abatido no Outono . Daí a falta de capital de gado e de
adubo. Como em todos os países não cultivados, como

159
anteriormente na Alemanha e ainda actualmente nas ter-
ras selvagens da América, a criação de porcos fornecia,
por razões facilmen te identificáveis, o principal alimento
de carne. Os porcos necessitam de cuidados mínimos,
procuram o seu próprio alimento, encontrando-o em
quantidades abundantes nas florestas e em campos não
cultivados, pelo que bastava apenas deixar que um
pequeno número de porcas sobrevivesse ao Inverno
para que na Primavera seguinte se tivesse de novo uma
vara considerável. Com o advento do comércio externo
diminui a suinicultura, aumenta a criação de gado
ovino, melhorando principalmente e com rapidez a agri-
cultura e a criação de gado bovino.
Hume apresenta na sua História da Inglaterra 1 um
apontamento muito interessante sobre a situação. da
paisagem inglesa no início o século XIV. Lorde Spencer
contou no ano de 1327, em 63 das suas herdades, 28 000
e
ovelhas, 1000 bois, 1200 vacas, 560 cavalos 2000 por-
cos; ou seja, cada herdade tinha aproximadamente
450 ovelhas, 35 bovídeos, 9 cavalos e 32 porcos. Por aqui
já podemos ver que vigorava em Inglaterra uma propor-
ção vantajosa do número de ovelhas relativamente ao
número dos restantes animais. As grandes vantagens
que a aristocracia inglesa tirou da criação de gado ovino
interessaram, de igual forma, à indústria e para a melho-
ria da agricultura, já naquele tempo, quando a aristocra-
cia da maior parte dos países do continente ainda não
conhecia melhor forma de utilizar as suas propriedades
que a da conservação dos animais em estado selvagem,

1 Hume, vol. II, p. 143.

160
nem sabia de negócio mais louvável do que destruir o
comércio nas cidades através de animosidades de todo o
género.
Doravante, crescem os rebanhos, como recente-
mente na Hungria, atingindo, em algumas das proprie-
dades, entre 10 000 e 24 000 ovelhas. Em tais circunstân-
cias era necessário, na sequência das medidas tomadas
pela rainha Isabel, que a produção de lã, que já tinha
tido um progresso significativo com anteriores governos,
florescesse rapidamente 2 .
No pedido das Hansas acima mencionado, que
também foi solicitado ao Parlamento do Império alemão
para obter medidas de retaliação, foi estimado que a
exportação de tecidos na Inglaterra fosse de 200 000
peças. Já sob o governo de Jaime I, a Inglaterra arreca-
dou a enorme importância de 2 milhões de libTas esterli-
nas pe~os tecidos exportados, enquanto durante o ano
1354, o valor total da exportação de lã foi apenas de
277 000 libras e todas as restantes exportações de apenas
16 400 libras. Até ao reinado de Jaime I, a maior parte
dos tecidos eram exportados em bruto para a Bélgica,
sendo lá tingidos e acabados; mas no seguimento das
regras proteccionistas e de encorajamento de Jaime I e de
Carlos I, os tecidos ingleses já terminados alcançaram
grande perfeição, acabando em grande parte com a

2 As proibições da exportação de lã e as limitações do

respectivo comércio nas costas para impedir a sua saída eram


regras injustàs e incómodas que, porém, também contribuíram
muito para o melhoramento da indústria inglesa e a subju-
gação da da Flandres.

161
importação de tecidos finos, pelo que daí em diante a
exportação se limitou aos tecidos tingidos e acabados.
Para poder valorizar a importância deste êxito da
política comercial inglesa em toda a . sua extensão, é
necessário notar que a produção de tecidos, antes do
grande desenvolvimento que mais tarde a produção em
linho, algodão, seda e a indústria do ferro tomou, repre-
sentava de longe o mais importante produto de troca
para o comércio com todos os países europeus, parti-
cUlarmente com os países nórdicos, assim como com o
Levante e Índias Orientais e Ocidentais. A larga medida
em que isso assim foi prova-se com o facto de, já no
tempo de Jaime I, a exportação de artigos de lã compor-
tar nove décimos de todas as exportações inglesas3 ,
Esta produção industrial garantiu à Inglaterra os
meios de afastar as Hansas nos mercados da Rússia,
Suécia, Noruega e Dinamarca e arrecadar a melhor parte
·. dos lucros do comércio com o Levante e com as Índias
Orientais e Ocidentais. Esta produção permitiu o fortale-
cimento da produção de carvão de pedra e consequen-
temente uma imponente navegação costeira e pesqueira,
as duas bases do poderio marítimo, que possibilitaram a
suspensão do Acto de Navegação e, desta forma, a
supremacia naval inglesa. Ela permitiuo crescimento de
todos os outros ramos da indústria como se fosse um
único tronco, e esta é, consequentemente, a base do
poderio industrial, comercial e marítimo da Inglaterra .
. Entretanto, os restantes ramos da indústria inglesa
não foram de modo algum negligenciados. Já no reinado

3 Hume 1603- Macpherson, Histoire du Commerce, 1651.

162
da rainha Isabel era proibida a importação de metais e
curtumes e de urna vasta quantidade de outros artigos
rnanufacturados 4, favorecendo, por outro lado, a imigra-
ção de mineiros alemães e industriais metalúrgicos;
anteriormente, compravam-se os navios às Hansas ou
eram construídos nos portos do mar Báltico; ela soube,
através de restrições e encorajamento, levar por diante a
construção dos seus próprios navios. A madeira necessá-
ria era importada dos reinos do Nordeste, pelo que, mais
urna vez, o comércio externo inglês para estas regiões
. ganhou extraordinariamente. Dos Holandeses aprendeu-
-se a pesca do arenque, dos residentes do Golfo da Bis-
caia a pesca das baleias, ambas as pescas incentivadas
com recompensas. Jaime I promoveu, em especial, a
construção naval e a pesca. Pode parecer-nos absurdo a
incessante exortação deste rei, encorajando os súbditos a
comer peixe; devemos fazer-lhe justiça, porém, pois per-
cebia muito bem onde residia a futura grandeza da
nação inglesa. O incomensurável crescimento em habili-
dade industrial e em capital de manufactura é conse-
guido na Inglaterra através da imigração de fabricantes
protestantes afugentados por Filipe II e Luís · XIV da
Bélgica e da França. A eles se devem as fábricas de lã
mais aperfeiçoadas, os progressos na fabricação de cha-
péus, linho, vidro, papel, seda e de relógios, assim corno
urna parte das fábricas de metal - ramos da indústria
que, através do embargo da importação e pesados
impostos aduaneiros, melhoraram consideravelrnente5 •

4 Anderson, 1564.
s Anderson, 1685.

163
A Inglaterra foi buscar as especializações particula-
res a todos os outros países do continente, transplan-
tando-as, sob a protecção do sistema aduaneiro, para o
próprio território. Veneza teve que deixar, entre outras
indústrias de luxo, a arte da fabricação do cristal e até a
Pérsia a arte da tecelagem de tapetes e de tinturaria.
Uma vez na posse de um ramo da indústria, cuidava-o e
protegia-o como árvore jovem que requer apoio e
manutenção. Quem ignora que qualquer ramo indus-
trial, no decorrer dos anos, com dedicação, destreza e
economia, será lucrativo? Quem não sabe que, na agri-
. cultura e na cultura já avançadas, a protecção adequada
· a fábricas ainda novas, por muito imperfeita e cara que a
sua produção no início possa parecer, através de exercí-
cios, experiência e concorrência interna, depressa alcan-
çam o nível de fábricas antigas no estrangeiro? Quem
não souber que a prosperidade de um determinado ramo da
indústria está condicionada pela prosperidade de muitos
outros ramos e ignorar até que ponto uma nação conse-
gue desenvolver todas as suas forças produtivas se
suportar insistentemente a preocupação de que cada
geração possa continuar a obra da indústria onde as
anteriores a deixaram ficar - que estude primeiro a his-
tória da indústria inglesa, antes de tentar construir sis-
temas ou de dar conselhos aos homens activos de Estado
a quem está entregue o bem-estar da nação.
No reinado de Jorge I, os homens de Estado ingle-
ses há já muito tempo que sabiam de que dependia a
grandeza da nação. "É evidente", dizem os Ministros
deste rei, aquando da abertura do Parlamento de 1721,
"que nada mais contribui para a melhoria do bem-estar

164
público do que a exportação de bens manufacturados · e a
importação de matérias-primas estrangeiras." 6
Esta foi, desde há séculos, a linha orientadora da
política comercial inglesa, como já tinha sido anterior-
mente a de Veneza. Ainda hoje é assim, como foi no
tempo da rainha Isabel. Os frutos, por ela produzidos,
estão à vista de toda a gente. Os teóricos alegaram mais
tarde que a Inglaterra não evoluiu em riqueza e poder
apenas através, mas sim apesar da sua política comercial.
Poder~se-ia igualmente alegar que as árvores não seriam
fortes e frutíferas através da estaca de suporte que a
sustenta na sua juventude, mas sim apesar dela.
A História inglesa não menos nos prova a estreita
ligação entre a política em geral e a política económica.
Aparentemente, o aparecimento das fábricas na Ingla-
terra e o consequente crescimento da população geraram
grande procura de peixe salgado e de carvão de pedra;
daí resultou, por sua vez, o crescimento essencial da
navegação de pesca e transporte costeiro, que se encon-
trava nas mãos dos Holandeses. Encorajados pelas altas
taxas aduaneiras e pelos prémios, os Ingleses dedicaram-
-se à pesca e, através do Acto de Navegação, asseguraram
o transporte de carvão de pedra e o restante transporte
marítimo aos seus próprios navegantes. O crescimento
do comércio marítimo inglês daqui emergente levou a

6
Ver Ustariz, Théorie du Comm erce, cap. 28. Vê-se que
Jorge I não queria só exportar e importar dinheiro, o que
caracteri za o princípio base do sistema mercantilista, e que
seri a toli ce, mas sim exportar bens manufacturados e importar
matéri as-prim as.

165
um aumento relativo do seu poderio marítimo, através
do qual ficava em condições de se confrontar com a frota
holandesa. Pouco tempo depois da promulgação do
Acto de Navegação, desencadeou-se uma guerra marí-
tima entre a Inglaterra e a Holanda, em consequência da
qual o comércio holandês com os países do outro lado
do canal foi quase interrompido e a navegação para o
Mar do Norte e Mar Báltico quase destruída pelos corsá-
rios ingleses. Hume contabiliza cerca de 1600 navios
holandeses que caíram nas mãos dos ingleses, Davenant
assegura, no seu manuscrito acerca dos lucros públicos
dos Ingleses, que no decorrer de 28 anos, após a pro-
mulgação do Acto de Navegação, a navegação inglesa
duplicou 7 •
Entre os mais importantes sucessos do Acto de
Navegação contam-se:

. 1. A expansão do comerciO inglês com todas as


nações do Norte, com a Alemanha e a Bélgica (exporta-
ção de bens manufacturados, importação de matérias-
-primas), do qual, segundo anotações de Anderson, os
Ingleses no ano de 1603 estavam praticamente isolados
. pelos Holandeses.
2. O extraordinário alargamento do contrabando
com Espanha e Portugal e com as suas colónias das
Índias Ocidentais.
3. O grande crescimento da pesca do arenque e da
· caça à baleia, cujo monopólio praticamente pertencera à
Holanda.

7 Hume, vol. V, p. 39.

166
4. A conquista da mais importante colónia da
Inglaterra nas Índias Ocidentais, a Jamaica (1655), e com
isso o comércio do açúcar das Índias Ocidentais. Mas,
mais importante,
5. A assinatura do Tratado de Methuen com . Por-
tugal (1703), que iremos tratar em pormenor quando
abordarmos Espanha e Portugal. Através deste tratado, a
Alemanha e a Holanda foram totalmente impedidas de
realizar todo o importante comércio com Portugal e com
as suas colónias, relegando Portugal para a total depen-
dência política da Inglaterra, que assegurou um meio de,
através do comércio com Portugal, conseguir ouro e
prata, expandindo desmesuradamente o comércio com
as Índias Orientais e com a China, para mais tarde fun-
dar o seu grande reino das Índias Orientais e desalojar
os Holandeses dos seus principais pontos estratégicos.

Os dois últimos êxitos estão estreitamente interli-


gados. Torna-se particularmente notável a mestria com
que souberam utilizar Portugal e as Índias Orientais
como instrumento para o seu futuro poderio. Pórtugal e
Espanha tinham, especialmente, metais preciosos para
oferecer, o Oriente queria, para além dos tecidos, quase
só metais preciosos. Até aí tudo se ajustava de uma
forma excelente. Mas o Oriente tinha apenas para troca,
principalmente, mercadorias em algodão e seda para
oferecer. Isso não estava de acordo com a regra dos
ministros ingleses, anteriormente mencionada, de ape-
nas importar matérias-primas e exportar mercadorias
. manufacturadas. O que iam então fazer? Davam-se por
satisfeitos com os lucros prometidos no comércio de

167
tecidos com Portugal e com o comércio de mercadorias
de seda e algodão com as Índias Orientais? De forma
alguma. Os ministros ingleses viam mais além.
Se tivessem permitido a livre importação de pro-
dut~s de algodão e seda das Índias Orientais, as
manufacturas de seda e algodão inglesas tinham que
cessar instantaneamente. As Índias Orientais não tinham
apenas a vantagem dos preços baixos das matérias-pri-
mas e dos custos da mão-de-obra, tinham também
hábitos ancestrais, habilidade e experiência. O efeito
destas vantagens não deixaria de ter repercussões em
livre concorrência. A Inglaterra não queria fundar
nenhuma feitoria na Ásia, para não cair na subserviência
das suas manufacturas. Pretendia um domínio comercial
e sentia que, quando dois países estabelecem livre
comércio um coni. o outro, aquele que domina é o que
vende produtos fabricados e aquele que obedece é
aquele que só tem produtos agrícolas para oferecer.
A Inglaterra tinha já negociado nas suas colónias· da
América do Norte o princípio de não permitir que uma
ferradura aí fosse produzida e muito menos que se
importasse uma ferradura aí fabricada. Como esperar
que os ingleses entregassem o próprio mercado de pro-
dução manufactureira, a base da sua futura grandeza, a
um povo como os asiáticos tão experiente, numeroso e
frugal?
Assim, a Inglaterra proibiu os materiais de seda e
algodão das Índias Orientais nas suas próprias feitorias 8 !

s Anderson, 1721.

168
Proibiu-os na totalidade e com rigor, não querendo
aceitar qualquer fibra, não querendo nada dessas mer-
cadorias bonitas e baratas, preferindo consumir os seus
próprios tecidos maus e caros e atirando os belos e
baratos tecidos orientais às nações continentais: permi-
tia-lhes que deles tirassem partido, pois eles próprios
. nada queriam ter a ver com isso.
Será que a Inglaterra lidou com a sih1ação de uma
forma imprudente? Certamente, segundo a teoria de
Adam Smith e de J. B. Say, a Teoria do Valor. De acordo
com esta, deveriam ter comprado essas mercadorias
segundo as suas necessidades onde fossem mais bonitas
e mais baixos os preços, pelo que foi imprudente fabricá-
-las a preços mais elevados do que se poderia ter com-
prado e ao mesmo tempo oferecê-las ao contiriente.
As coisas comportam-se de maneira diferente
segundo a nossa teoria, que denominamos Teoria das
Forças Produtivas, e segundo a qual os ministros ingleses,
sem terem investigado a fundo a razão, seguiram a
máxima: comprar produtos, vender produtos fabricados. Os
ministros ingleses não queriam adquirir produtos manu-
facturados baratos e passageiros, mas sim força de manufac-
tura cara e eterna.
Conseguiram atingir os seus objectivos de forma
brilhante. Hoje em dia, a Inglaterra produz 70 milhões
de libras esterlinas de produtos em algodão e seda e com
eles fornece toda a Europa, mesmo todo o mundo, Índias
Orientais inclusive .. A sua produção própria comporta
hoje 50 a 100 vezes mais do que o comércio anterior com
os produtos das Índias Orientais. O que teriam ganho se,
há 100 anos, tivessem comprado os produtos a preços

169
mais baixos às Índias Orientais? O que ganharam os
outros que lhes compraram os produtos mais baratos?
Os Ingleses ganharam força, força incomensurável; os
outros ganharam o contrário de força.
Que a respeito destes sucessos históricos inquestio-
náveis Adam Smith tenha feito tão mau comentário
acerca do Acto de Navegação, pode-se explicar pelo
mesmo motivo pelo qual, num outro . capítulo, iremos
explicar as falsas afirmações proferidas por este famoso
escritor acerca das limitações. Estes factos estavam em
colisão com a sua ideia preferida da liberdade do comér-
cio sem restrições; nesse sentido, ele tinha que tentar
eliminar tudo aquilo que fosse contra o seu princípio e
que resultasse do impacto do Acto de Navegação, sepa-
. rando os objectivos políticos dos económicos. Daí que
afirmasse: o Acto de Navegação teria sido politicamente
necessário e vantajoso, mas economicamente desvanta-
joso e destrutivo.
A natureza das coisas e a experiência não justificam
uma separação destas, como a nossa apresentação escla-
rece. J. B. Say, não tomando em consideração a experiên-
cia da América do Norte, que lhe teria dado melhores
noções, vai ainda mais longe do que o seu antecessor,
como acontece sempre que os princípios da liberdade e
das restrições estão frente a frente. Say calcula quanto
custa aos Franceses um marinheiro através dos -prémios
da pesca, de forma a conseguir provar ineficiência eco-
nómica destes prémios. Aliás, a matéria das restrições
da navegação é para os apologistas da liberdade de
comércio sem restrições um assunto escandaloso, em
especial quando estão ligados à situação do comércio

170
das cidades portuárias, que de bom grado deixam passar
em silêncio.
A verdade é que se passa o mesmo com as restri-
ções à navegação, como com todas as outras formas de
tráfego. A livre navegação e o comércio de transportes
dos estrangeiros são necessários e convenientes às
nações no começo da sua cultura, enquanto a agricultura
e a manufactura ainda não foram suficientemente desen-
volvidas. Na falta de capital e marinheiros experientes,
deixam de bom grado a navegação e o comércio externo
a estrangeiros. Mais tarde, após terem desenvolvido as
suas forças produtivas até certo nível e de terem adqui-
rido conhecimentos na construção naval e na navegação,
surge o desejo de expandirem o comércio externo com os
próprios barcos, construindo um poderio marítimo pró-
prio. Gradualmente, a navegação aumenta, adquirindo
alguma importância, através da qual se sentem em
condições de excluir os estrangeiros e controlar eles
próprios o seu comércio marítimo de longa distância.
Chega a altura de excluir deste negócio, com o sucesso
das restrições na navegação, os estrangeiros ricos, expe-
rientes ·e poderosos. Mas atingindo o mais alto grau de
desenvolvimento da navegação e poderio marítimo,
entra-se de novo noutro momento, a respeito do qual já
o Dr. Priestley disse: pode considerar-se tão inteligente
anular as restrições de navegação como foi introduzi-
-las9. Depois, obtêm vantagens inquestionáveis através
de acordos de navegação, baseados na igualdade de

9 Priestley, Lectures on /ústory" and general policy, p. II,


p. 289.

171
direitos em relação a nações menos avançadas, e assim
evitam que essas nações introduzam limitações da nave-
gação para proveito próprio; por outro lado, acautelam
os seus próprios marinheiros contra a indolência e esti-
mulam a construção naval e a arte de navegar para
poderein acompanhar outras nações. Veneza em ascen-
são, ficava-se a dever, sem dúvida, às suas restrições de
navegação; chegada à supremacia comercial, industrial e
de navegação, comportou-se de forma insensata,· man-
tendo-as. Ficou para trás na construção naval, tal como
na navegação e na aptidão dos seus marinheiros e muito
aquém dos outros poderios de comércio e de navegação
em ascensão. Assim, a Inglaterra, através da sua política,
aumentou o poderio marítimo com que multiplicou as
forças da manufactura e do comércio, sendo que da
multiplicação do último resultou novo aumento do
poderio marítimo e do seu poder colonial.
Adam Smith, ao alegar que o Acto de Navegação,
numa perspectiva comercial, não tinha sido benéfico
para Inglaterra, admite que de facto aumentou o seu
poder, e que poder é mais importante do que riqueza.
Assim é na realidade: poder é mais importante do
que riqueza. Mas mais importante porquê? Porque o
poder de uma nação é uma força para tornar acessíveis
novos recursos, pois as forças produtivas são a árvore
em que crescem as riquezas, e a árvore em que cresce o
fruto é ela própria mais valiosa do que os seus frutos .
Poder é mais importante do que riqueza, porque uma
nação, pelo poder, não só abre novas fontes produtivas
como se assegura da posse das riquezas antigas e
anteriormente adquiridas e ainda porque o contrário de

172
poder - o "não poder" -coloca tudo o que possuímos,
não apenas a riqueza, mas também as n ossas forças
produtivas, a nossa cultura, a nossa liberdade, bem
como a nossa independência nacional, nas mãos daque-
les qu~ nos são superiores em poder, como podemos
verifiCar na História das Repúblicas Italianas, da Liga
Hanseática, dos Belgas, dos Holandeses, dos Espanhóis e
dos Portugueses.
Como foi possível que, numa tal interacção do
poder e das forças produtivas e da riqueza, Adam Smith
pudesse avançar com esta afirmação: o Tratado de
·. Methuen e o Acto de Navegação não foram vantajosos
para Inglaterra numa perspectiva comercial?!
Demonstrámos que a h1glaterra, através da sua
política, chegou ao poder, que, através do poder, chegou
à força produtiva e que, através da força produtiva,
chegou à riqueza; agora podemos também ver como
acumulou, no seguimento desta política, poder sobre
poder, força produtiva sobre força produtiva . .
A Inglaterra conquistou a chave para todos os
mares e colocou perante todas as nações uma sentinela:
aos Alemães, Helgoland; aos Franceses, Guernsey e
e
Jersey; aos Norte-Americanos, a Nova Escócia as Ber-
mudas; aos Latino-Americanos, a Jamaica; a todos os
países da costa do Mar Mediterrâneo, Gibraltar, Malta e
as sete ilhas; detém todos os pontos de passagem de
ambos os caminhos para a Índia, à excepção do CanÇJ.l do
Suez, que também aspira possuir; fecha o Mar Mediter-
râneo através de Gibraltar, o Mar Vermelho através de
Aden e o Golfo Pérsico através de Bushire e Karrack.
Faltava-lhe apenas os Dardanelos, o estreito e o istmo do

173
Suez e do Panamá, para poder abrir e fechar todos os
mares e canais quando quisesse.
O poderio marítimo da Inglaterra só por si excede o
poder marítimo · de todas as outras nações, senão no
tamanho da frota, então em força de combate. O seu
poder nas manufacturas excede o de todas as outras
nações em termos de importância. Apesar de, desde
Jaime I, a produção de tecidos ter aumentado mais de
dez vezes (para 44% milhões), a produção de um ramo
de indústria criado no decorrer do último século, o do
algodão, subiu, ainda mais, para 52 Y2 milhões10.
Não satisfeita com isso, a Inglaterra está a elevar a
sua produção de linho, que ficava sempre atrás em rela-
ção aos outros países, ao mesmo nível e talvez mesmo
mais alto do que os dois referidos; agora já é de 15 1/2
milhões de libras.
De tal modo pobre em ferro, ainda no século XIV,
que acreditava ter de proibir a exportação deste metal
tão necessário, a Inglaterra fabrica no século XIX mais
bens em ferro e aço do que todas as outras nações do
mundo, nomeadamente no valor de 31 milhões, e em
carvão de pedra e outros minerais produz cerca de
34 milhões de libras. Estas duas parcelas estão 7 vezes

1
° Colhemos esses e os seguintes números em relação à
estatística da Inglaterra num artigo do conhecido estatístico
inglês M'Queen, do caderno de Julho de 1839 de Tait 's
Edinburg Magazine. Talvez nesta altura possam ser um pouco
exagerados. Mesmo sendo esse o caso, é muito provável que
esses números ainda sejam atingidos durante o pres·e nte
século.

174
acima do total da produção de ouro e prata de todas as
nações do mundo (cerca de 220 milhões de francos ou
9 milhões de libras).
A Inglaterra produz, nos nossos dias, mais tecidos
de seda do que todas as Repúblicas Italianas em conjunto
durante a Idade Média, nomeadamente 13 1/ 2 milhões
de libras. Sectores da indústria, que no tempo de
Henrique VIII e da rainha Isabel, quase nem mereciam
ser mencionados, produzem agora somas avultadas,
como, por exemplo, vidro, porcelana e faiança no valor
de 11 milhões, a produção de cobre e latão no valor de
4lf1 milhões de libras, a produção de papel, livros,
pinturas e móveis no valor de 14 milhões de libras.
A produção de produtos em pele atinge os 16 milhões
de libras esterlinas, e a produção de artigos não discri-
minados chega aos 10 milhões de libras; a sua produção
de cerveja e de aguardente tem, por si só, um valor
muito mais elevado do que toda a produção nacional
no tempo de Jaime I, nomeadamente 47 milhões de
libras.
A produção conjunta das manufachtras dos três
reinos foi recentemente avaliada em 259% milhões de
libras esterlinas. Em consequência - principalmente, em
consequência dessa enorme produção de manufactu-
ras -, a força produtiva da agricultura conseguiu o
equivalente a um valor total que representa mais do
dobro daquela soma (539 milhões).
É verdade que este crescimento em poder e força
produtiva, a Inglaterra não os deve apenas às suas res-
trições comerciais, ao Acto de Navegação, aos contratos
comerciais, mas também, em grande parte, às suas con-

175
guistas no domínio das ciências e d as artes. A que se
·deve, n o entanto, que nos n ossos dias um milhão de
op erários ingleses sejam capazes de executar o trabalho
de 100 milhões? Deve-se à grande procura de produtos
manufac turados, que a Inglaterra soube criar em conse-
quência da sua política sábia e enérgica de protecção no
estrangeiro e, principalmente nas suas colónias, que
garantia a sua indústria interna; aos grandes prémios,
que graças à sua lei de patentes, atribuiu às novas
invenções; ao enorme desenvolvimento dos meios de
transporte internos através de estradas artificiais, canais
e caminhos-de-ferro.
A Inglaterra demonstrou ao mundo a grande
influência dos meios de transporte no aumento da força
produtiva e, com isso, no aumento da riqueza, da
população e do poder político; provou o que uma nação
livre, trabalhadora e bem adrninistrad~, no meio de
guerras no estrangeiro, consegue alcançar neste âmbito
no curto espaço de tempo de um século e meio. O que
antes dela as repúblicas italianas alcançaram foi urna
brincadeira de crianças. Estima-se gastar para estes
grandes instrumentos do poder de produção nacional na
Inglaterra urna sorna de 118 milhões de libras.
A Inglaterra apenas iniciou e executou estes traba-
lhos quando o seu poder de manufactura começou a
fortalecer-se. Qesde aí ficou claro para todos que só urna
nação cujo poder de manufactura começasse a desen-
volver-se de forma grandiosa conseguiria realizar tra-
balhos; que apenas para urna nação que desenvolve da
mesma forma o poder da manufactura e o poder da
agricultura no seu interior, estes instrumentos dispen-

176
diosos valem o esforço que exigem, e que só numa tal
nação conseguem prestar serviços grandes.
É verdade que a imensa força produtiva e a grande
riqueza da Inglaterra não são apenas o efeito do poder
físico da nação e da avidez dos indivíduos; o senti-
mento original de liberdade e de justiça, a energia, a
religiosidade e a moral do povo têm nisso a sua quota; a
constituição do país, as instituições, a sabedoria e o
poder do governo e da aristocracia têm a sua quota; a
localização geográfica, os destinos do país e os acasos
da sorte têm a sua quota. É difícil dizer se as forças
materiais exercem mais efeito sobre as forças mentais,
. ou se as forças mentais exercem mais efeito sobre as
forças materiais- se as forças sociais exercem mais efeito
sobre as forças individuais, ou se estas exercem mais
efeito sobre aquelas. O que é certo é que todas interagem
de tal maneira que o crescimento de uma provoca o
crescimento da outra; e que o enfraquecimento de uma
tem sempre como consequência o enfraquecimento da
outra.
Aqueles que procuram as razões principais do cres-
cimento da Inglaterra apenas na mistura do sangue
anglo-saxónico com o normando, podem dar uma olha-
dela ao estado da nação antes de Eduardo III. Onde
estava então a aplicação e a economia da nação? Aqueles
que as procuram na liberdade constitucional da nação,
queiram considerar como Henrique VIII e Isabel ainda
tratavam o seu Parlamento. Onde estava aí a liberdade
constitucional? Naquela altura, a Alemanha e a Itália
possuíam nas suas cidades um maior valor de liberdade
individual do que a Inglaterra.

177
A linhagem anglo-saxónica-normanda tinha apenas
conservado uma freciosidade da liberdade em relação a
outros povos de origem germânica - era a essência, da
qual brotava todo o sentido de liberdade e dejustiça dos
ingleses- o Tribunal de Jurados.
Quando na Itália se tirava do túmulo o Digesto, e o
cadáver (certamente um morto importante, um sábio
enquanto vivo) trouxe a peste do direito sobre os povos
dó continente, os barões ingleses disseram: nada de
mudanças na lei inglesa! Que quantidade de força mental
asseguraram eles desta forma para as gerações futuras!
Que efeito teve mais tarde essa força mental na força de
produção material!
A expulsão precoce da língua latina do âmbito
social e literário, da administração do Estado e da Justiça
da Inglaterra - como afectava ela o desenvolvimento da
nação? A sua legislação e os seus corpos legislativos?
A literatura e a indústria? Que efeito teve a sua mais
longa conservação junto com os direitos estrangeiros na
Alemanha - que efeito teve ela até aos nossos dias na
Hungria? Qual é a quota-parte da descoberta da pólvora
e da arte da impressão, da Reforma, da descoberta do
caminho marítimo para a Índia e da América, na liber-
dade inglesa, na civilização inglesa e na indústria
inglesa? Compare-se o seu impacto na Alemanha e na
França. Na Alemanha: a divisão no reino e nas provín-
cias até aos muros das cidades; controvérsias miseráveis,
barbaridades na literatura e na administração do Estado
e da Justiça; guerra civil, perseguições e expulsões, inva-
sões e~trangeiras, despovoamento e devastação; deca-
dência das cidades, da indústria, da agricultura e do

178
comércio, da liberdade e das instituições burguesas;
soberania da alta aristocracia; queda do poder imperial e
da nacionalidade; amputação das partes mais nobres do
reino. Na França: subjugação das cidades e da aristocra-
cia para vantagem do governo absoluto; aliança com o
sacerdócio contra a liberdade de espírito, mas união
nacional e poderi conquista com os seus benefícios e
maldições; em contrapartida, decadência da liberdade e
da indústria. Na Inglaterra: advento das cidades, da
agricultura, do comércio e da indústria; subjugação da
aristocracia à lei; em compensação, participação prepon-
derante da mesma na legislação, na administração do
Estado e da Justiça e nas vantagens da indústria; desen-
volvimento no interior, como aumento do poder no
exterior; paz interna; influência em todos os países
menos civilizados; limitação do poder real, mas benefí-
cios para a coroa em rendimentos, brilho e constância;
em resumo: maior prosperidade, civilização e liberdade
interna·e um poder preponderante no exterior.
Quem pode dizer, no entanto, que parte destes
sucessos favoráveis se deve pôr à conta do espírito
nacional inglês e da constituíção, e que parte à conta da
sua posição geográfica e das suas condições anteriores?
Ou à conta do acaso- do destino- da sorte?
Troquemos os lugares de Carlos V e Henrique VIII,
· e no seguimento de um processo de divórcio infame a
Alemanha e os Países Baixos tornam-se talvez - com-
preende-se porque dizemos talvez - naquilo em que a
Inglaterra se tornou, e a Inglaterra naquilo em que a
Espanha se tornou. Coloque-se no lugar de Isabel uma
mulher fraca que se une a Filipe II, e como ficamos em

179
termos de poder, de cultura e de liberdade na Grã-
-Bretanha?
Se só o génio das nações fosse determinante nesta
revolução, não deveria então a maior parte das conse-
quências benéficas recair sobre aquela nação onde teve
origem- a nação alemã? No entanto, precisamente essa
nação começou por colher destes progressos apenas
infortúnio e fraqueza.
Ern nenhum império europeu a instituição da
nobreza é tão sábia como na Inglaterra, em assegurar à
nobreza, à coroa e à burguesia, independência indivi-
dual, dignidade e continuidade; em dar-lhes uma educa-
ção e uma posição parlamentar; e em conferir ao seu
empenho um rumo patriótico e nacionalista, em absor-
. ver da elite da burguesia tudo pelo qual ela se distingue
através do espírito, da riqueza extraordinária e dos feitos
brilhantes, devolvendo-lhe, por outro lado, o excesso da
sua descendência, assim afiliando a nobreza e a burgue-
sia nas futuras gerações. Desta forma, a nobreza recebe
sempre uma nova infusão de actividade burguesa e
patriótica, de conhecimentos, erudição, espírito e meios
materiais do status burguês, enquanto dá uma parte d a
sua formação característica e da sua independência de
espírito à burguesia, remete os seus sucessores para as
suas próprias forças e serve à burguesia de estímulo
para grandes feitos. Com o lorde inglês, qualquer que
seja o número dos seus descendentes, só um único nobre
se senta à mesa; os restantes que o acompanham à refei-
ção são Commoners, que subsistem através de uma pro-
fissão culta ou ao serviço do Estado ou através do
comércio, da indústria e da agricultura. Conta-se: há já

180
algum tempo que um dos primeiros duques ingleses
teve a intenção de convidar todos os seus parentes de
sangue· da sua Casa para uma festa, acabando, no
entanto, por desistir porque o número chegou a ser
uma legião apesar de ter recuado apenas uns séculos na
sua árvore genealógica. Teria de se escrever uma obra
para esclarecer o impacto desta instih.úção no espírito
empreendedor, na colonização, no poder e na liberdade
. e, principalmente, sobre as forças produtivas da nação 11 •
Também a posição geográfica da Inglaterra teve
uma enorme influência no desenvolvimento autónomo
da nação. A Inglaterra, frente à Europa, foi sempre um
mundo à parte, esteve sempre livre das ififluências da
inveja, dos preconceitos, do egoísmo, das paixões e ·dos
desastres dos outros Estados e nações. A este isolamento
se deve uma grande parte da formação autónoma e
absoluta da sua constituição, da incontestada realização
da Reforma e da secularização de bens espirituais, que
foi tão importante para a sua indústria; por sorte, gozou
de uma paz ininterrupta durante vários séculos segui-
dos, não contando as guerras civis, que tornou dispen-
sável um exército regular e facilitou a formação precoce
de um sistema aduaneiro.
Como resultado deste isolamento, a Inglaterra não
estava apenas livre das influências desvantajosas da
guerra em terra, tirou também imensas vantagens das
guerras continentais para a supremacia da sua manu-

11 A pessoa culta "falecid a", nas suas cartas sobre a


Inglaterra, deu uma lição aos companheiros da sua pátria em
relação a isso, que com certeza valeria a pena a ter em conta.

181
factura. A guerra e a devastação das terras trazem sem-
pre múltiplas desvantagens para as manufacturas nas
regiões onde são travadas: indirectamente, porque a
agricultura fica prejudicada e destruída, o que faz com
que o agricultor perca os meios de comprar bens e de
fornecer ao fabricante as matérias-primas e os bens de
consumo; depois directamente, pelo facto de as manu-
facturas serem frequentemente destruídas, ou, pelo fÇlcto
de as matérias-primas e o envio das mercadorias serem
prejudicadas, e de assim se lhes tornar difícil encontrar
capital e trabalhadores, enquanto têm que suportar con-
tribuições extraordinárias e impostos; finalmente, actuam
como desvantagem além do fim da guerra, porque os
capitais e a força trabalhadora se dedicam à agricultura
e se afastam das manufacturas: na medida em que a
guerra causou devastação na agricultura, torna-se mais
lucrativo investir os capitais e a mão-de-obra na agri-
cultura em vez de investir nas manufacturas.
Enquanto esta situação se verificou na Alemanha
algumas vezes em cada século, fazendo regredir as
fábricas alemãs, os Ingleses fizeram progressos impará-
veis. As fábricas inglesas, ao contrário das continentais,
tiveram vantagens, duplas e triplas, sempre que a Ingla-
terra participava numa guerra externa, fosse através do
equipamento das frotas ou do exército, ou por subsídios,
fosse pelos dois factores em conjunto.
Não somos daqueles que defendem os custos inú-
teis, gastos na manutenção de grandes exércitos e . em
guerras inúteis, ou que afirmam a utilidade incondicio-
nal de uma grande dívida pública; também não acredi-
tamos que a escola dominante tenha razão quando

182
defende a absoluta nocividade de todas as consumpções
que não são instantaneamente reprodutivas, .como, por
exemplo, a guerra. Equipamento militar, guerras e as
dívidas crescentes daí derivadas podem, como, o exem-
plo da Inglaterra nos ensina, em determinadas circuns-
tâncias, contribuir muito para o aumento das forças pro-
dutivas de uma nação. Os capitais materiais podem até,
num sentido mais restrito, ser consumidos de forma não
produtiva; não obstante, esses consumos podem levar as
manufacturas a esforços extraordinários e a novas inven-
ções ou avanços que acima de tudo causem um aumento
da força produtiva. Essa força produtiva é então algo
que fica constante; cresce continuamente, enquanto os
custos da guerra ocorrem apenas uma vez12 . E assim, sob
circunstâncias favoráveis, como se deram na Inglaterra,
pode acontecer que uma nação, em consequência dos
consumos tidos por não produtivos, na opinião dos

12 A dívida de Estado da Inglaterra não seria um mal tão


grande como nos aparece agora, se a aristocracia inglesa
admitisse que este encargo havia de ser assumido por aqueles
que tiram proveito da guerra - pelos ricos. Segundo M'Qtieen,
a fortuna do capital dos três reinos é superior a 4000 milhões
de libras, e Martin estima os capitais investidos nas colónias em
cerca de 2600 milhões. Daqui conclui-se que a nona parte da
fortuna privada inglesa chegava para cobrir toda a dívida do
Estado. Nada seria mais justo do que uma tal repartição, ou
pelo menos, a contestação dos interesses d a dívida do Estado
segundo uma taxa de rendimento. Mas a aristocracia inglesa
acha mitis cómodo cobrir os mesmos através dos valores de
consumo, pelo que a classe trabalhadora enfeza na sua exis-
tência até ao insuportável.

183
teóricos, ganhe muito mais do que perdeu . Que isso
foi realmente o caso da Inglaterra, demonstra-se com
números. Esta nação ganhou durante a guerra, só com a
fabricação do algodão, uma força produtiva que cria um
valor anual muito acima daquilo que tem que conseguir
em interesses da dívida de Estado acrescida, não falando
do aumento cada vez maior de todas as outras áreas da
indústria e do aumento das riquezas das suas colónias.
A vantagem mais visível para a supremacia inglesa
da manufactura foi aquela que obteve através das guer-
ras continentais, quando a Inglaterra tinha exércitos no
continente ou pagava subsídios. Toda esta despesa foi,
na forma manufacturas ingleses, para o palco de guerra,
onde estas importações contribuíram fortemente para
que os manufactores dos países estrangeiros, que já
estavam a sofrer de qualquer das formas, fossem esma-
. gados por completo e para que o mercado estrangeiro
fosse conquistado para sempre pela indústria inglesa da
manufactura; parecia um prémio de exportação feito a
favor da fabricação própria e contra a estrangeira.
Desta maneira, a indústria dos países continentais,
a certa altura, sofreu mais com a aliança do que com a
hostilidade inglesa. Relembramos aqui somente a guerra
dos sete anos e as guerras contra a República Francesa e
contra o Império.
Não interessa quão grandes possam ter sido as
vantagens, foram ultrapassadas no efeito pelas que a
Inglaterra conseguiu através das imigrações por razões
políticas, religiosas e geográficas. Já no século XII, as
condições políticas fizeram com que os tecelões da Flan-
dres fossem para o País de Gales. Poucos séculos mais

184
tarde, italianos expulsos foram para Londres para aí
fazer negócios de d inheiro e câmbios. A imigração de
rnanufac tores em m assa da Flandres e de Brabant, em
várias ép ocas, foi explicada no n osso segundo capítulo.
De Espanha e de Portugal, vieram judeus perseguidos,
das cidades hanseáticas e de Veneza, que se estava a
afundar, vieram comerciantes com os seus barcos, os
seus conhecimentos de negócios, o seu capital e com o
seu espírito empreendedor. Ainda mais significativas se
tornaram as imigrações dos capitais e dos rnanufactores
em consequência da Reforma e das perseguições religio-
sas em Espanha, Portugal, França, Bélgica, Alemanha e
Itália; e em seguida a imigração dos comerciantes e dos
· rnanufactores da Holanda, em consequência da estagna-
ção no comércio e na indústria corno consequência do
Acto de Navegação e do Tratado de Methuen. Qualquer
movimento político, qualquer guerra no continente con-
duziu a Inglaterra quantidades de novos capitais e
talentos, enquanto tinha, por assim dizer, o privilégio da
liberdade e do asilo, da tranquilidade interna e da paz,
da segurança, da justiça e do bem-estar; assim ultirna-
rn·e nte a Revolução Francesa e as guerras do Império;
assim os movimentos políticos e os movimentos revolu-
cionários e reaccionários e as guerras em Espanha, no
México e na América do Sul. Durante muito tempo a
Inglaterra monopolizava, através da sua lei de patentes,
o espírito das invenções de todas as nações. É só justo
que a Inglaterra agora, depois de ter conseguido o mais
alto nível da sua formação industrial, devolva às nações
continentais uma parte do poder produtivo que delas
recebeu .

185
Quinto Capítulo

OS ESPANHÓIS E OS PORTUGUESES

Enquanto os Ingleses se esforçavÇtm, durante


séculos, por erguer o edifício do seu bem-estar nacional
sobre bases sólidas, os Espanhóis e os Portugueses, aúa-
vés das suas descobertas, conseguiram uma sorte rápida,
atingindo grande riqueza em pouco tempo . .Mas era a
riqueza de um esbanjador que ganhou a sorte grande,
enquanto a dos Ingleses se parece com a de um pai de
farrúlia trabalhador e poupado. O primeiro pode, por
uns tempos, parecer mais invejável pelo seu esplendor e
luxo do que o segundo; mas a riqueza, para ele, é apenas
um meio para o gasto e o prazer imediato, enquanto o
segundo a considera principalmente um meio de cons-
tituir o bem-estar mental e material da sua posteridade
mais tardia.
Os Espanhóis possuíram refinados rebanhos tão
cedo que, nos séculos x e XI, conseguiam satisfazer a
maior parte das necessidades das fábricas de lã italianas
. e Henrique I de Inglaterra (1172) se viu obrigado a proi-
bir a importação da lã espanhola. Duzentos anos antes,
os habitantes do Golfo da Biscaia tinham-se distinguido
na fabricação .em ferro, na navegação e na pesca; foram
os primeiros a praticar a caça à baleia, e ainda no ano de
1615 eram nisso tão superiores aos Ingleses, que tinham

187
de lhes enviar pescadores para os ensinar neste ramo da
pesca 1 •
No século X, sob o governo de Abdulrahman III
(de 912 a 950), os mouros tinham, nas zonas férteis de
Valência, grandes plantações de algodão, açúcar e arroz
e cultivavam o bicho-da-sed a. Córdova, Sevilha e Gra-
nada mantinham, no tempo dos mouros, importantes
manufacturas de algodão e seda2 • Herencia, Segóvia,
Toledo e muitas outras cidades castelhanas distinguiam-
-se na manufactura de lã. Só Sevilha contava, nos pri-
meiros tempos, com 16 000 t~ares, e as manufacturas de
lã de Segóvia empregavam, ainda no ano 1552, 13 000
trabalhadores. Na mesma proporção se desenvolveram
todos os outros ramos industriais, nomeadamente o
fabrico de armas e de papel. Ainda no tempo de Colbert,
os Franceses abasteciam-se com finos panos espanhóis3 .
Nos portos marítimos de Espanha, praticava-se abun-
dante comércio e significativa pesca marítima, e até aos
tempos de Filipe II o reino possuía a marinha mais
poderosa. Numa palavra: a Espanha estava na posse de
todos os elementos de grandeza e riqueza, quando o
fanatismo, em conjunto com o despotismo, começou a
asfixiar o elevado espírito da nação. Esta obra das trevas
foi iniciada com a expulsão dos judeus e concluída çom
a expulsão dos mouros, com o que foram banidos de

1 Anderson, vol. 1, p. 127; vol. 2, p . 350.


2 M. G. Simon, Recuei/ d'observations sur l'Angleterre.
Mémoires et considérations sur le commerce et les finances
d 'Espagne. Ustariz, Théorie et pratique du commerce.
3 Chaptal, De /'indu strie française. Vol. II, p. 245.

188
Espanha dois milhões dos mais empreendedores e ricos
habitantes com os respectivos capitais. Enquanto a
Inquisição se aplicava, deste modo, a exilar a indústria
interna, impedia simultaneamente, com muita eficácia, o
estabelecimento no país de manufactores estrangeiros .
.o descobrimento da América e da Rota do Cabo só apa-
rente e temporariamente aumentava a riqueza de ambos
os países. A partir daí, a sua indústria nacional e o seu
poder receberam o golpe mortal. Porque, em vez de,
como mais tarde os Holandeses e os Ingleses, trocar os
seus próprios produtos manufacturados por produtos
das Índias Orientais e Ocidentais, compravam as merca-
dorias às nações estrangeiras com o ouro e a prata que
tinham extorquido· nas colónias4 ; transformavam os
seus úteis e empreendedores cidadãos em exploradores
de escravos e opressores das colónias; alimentavam a
indústria, o comércio e o poder marítimo dos Holan-
deses e Ingleses, educavam-nos como rivais, que cedo se
tornariam suficientemente fortes para destruir as suas
frotas e para saquear as fontes de riqueza do seu reino.
Em vão os reis de Espanha publicavam leis contra a
exportação de dinheiro e importação de manufach1ras

4 A principal exportação dos portugueses da América


Central e do Sul consistia em metais preciosos. De 1748 até
1753 eram exportados anualmente 18 milhões de piaster. Ver
Humboldt: Essai politique sur le royaume de la nouvelle Espagne,
vol. 2, p. 652. O comércio de mercadorias só se tornou
significativo, tanto com estas zonas como com as Índias
Ocidentais, com a entrada das plantações de açúcar, café e
algodão.

189
estrangeiras; espírito empreendedor, zelo profissional e
comércio só germinam em solo de liberdade política e
religiosa; ouro e prata só ficam onde a indústria os sabe
atrair e empregar.
Portugal, todavia, com um ministro sábio e forte,
fazia uma tentativa de estabelecer uma indústria de
manufactura, cujo sucesso inicial nos espanta. Tal como
a Espanha, este país possuía, desde tempos imemoriais,
requintados rebanhos. Já Estrabão relata que aí se teriam
importado da Ásia finas ovelhas, cada uma ao preço
de um talento. Quando o conde da Ericeira chegou ao
governo, em 1681, elaborou um plano de instalação no
país de manufacturas têxteis, trabalhando assim a sua
própria matéria-prima, para servir a terra-mãe e as coló-
nias com fabricantes próprios. Com este fim, mandou vir
fabricantes de tecidos de Inglaterra e, rapidamente, em
consequência de apoios proporcionados, floresceram as
manufacturas têxteis no país, de tal modo que logo três
anos mais tarde (1684) era possível proibir a importação
de tecic;ios estrangeiros. A partir desta época, Portugal
abastecia-se a si e às suas colónias com produtos pró-
prios de matérias-primas internas, sendo com . isto,
segundo o testemunho dos escritores ingleses, bem
sucedidos durante dezanove anos 5. É verdade que os
Ingleses já na altura deram provas da habilidade que
mais tarde souberam levar a tão grande perfeição. Para
· contornar as restrições comerciais portuguesas, fabrica-
vam tecidos de lã que eram algo diferente do pano, mas

5 British M erchant, vol. Ill, p. 69.

190
que prestavam o mesmo serviço, e importavam estes em
Porh1gal sob o nome de woollenserges 6, woollendroguets.
Estes tecidos foram proibidos quando a manha foi des-
coberta, tornando-a assim inofensiva7 . O sucesso destas
medidas é tanto mais estranho, quanto o país, pouco
antes, tinha perdido uma grande quantidade de capital
para o estrangeiro através da expulsão dos judeus e, em
geral, sofria de todos os malefícios do fanatismo, de um
mau governo e de uma aristocracia feudal que oprimia a
liberdade do povo e da agricultura8 .
Mas no ano de 1703, depois da morte do conde da
Ericeira, o famoso ministro inglês Methuen conseguiu
convencer o governo português de que Portugal ganha-
ria incomensuravelmente se Inglaterra permitisse a impor-
tação de vinhos portugueses mediante um imposto, que
seria por um terço inferior ao imposto para os vinhos de
outras nações, e que, em contrapartida, Portugal permi-
tiria a importação de tecidos ingleses mediante um
imposto de importação, como o que tinha existido antes
de 1684 (23 por cento). Parece que a esperança, por parte
do rei, de aumento dos seus rendimentos alfandegários
e, por parte da aristocracia, de aumento das rendas das
suas propriedades foi o motivo fundamental para con-
cluir o contrato comercial, na sequência do qual o rei de
Inglaterra chama o rei de Portugal o seu mais velho
"amigo e aliado", muito no mesmo sentido com que anti-
gamente o senado romano costumava atribuir estes atri-

6
Tecido durável, tipo sarja (nota do tradutor) .
7 Ibid. , p. 71.
·8 Ibid. , p. 76.

191
butos aos soberanos que tinham a infelicidade de entrar
em contacto mais próximo com ele.
Imediatamente após a consumação deste contrato
comercial, Portugal foi inundado de manufacturas ingle-
sas. E a primeira consequência desta inundação foi a
repentina e completa ruína das fábricas portuguesas -
um sucesso muito do género do mais tardio chamado
acordo Eden com França e parecido com o levantamento
do sistema continental na Alemanha.
Segundo o testemunho de Anderson, os Ingleses já
nessa altura tinham experiência na arte de declarar os
seus artigos abaixo do respectivo valor, que efectivamente
pagavam não mais do q/Je a metade do imposto estabelecido
·. pela tarifa9.
"Depois de ter sido levantada a proibição", diz o
British Merchant, "retirámos tanto da sua prata, que lhes
sobrava muito pouco para seu próprio uso (very little for
their necessary occasions). Em seguida vamos atacar-lhes o
ouro." 10 Levaram este negócio por diante até tempos
mais recentes; exportavam de Portugal todos os metais
preciosos que os Portugueses obtinham nas sua colónias,
reencaminhando uma grande parte deles para as Índias
Orientais e a China, onde, como mostrámos ao tratar da
Inglaterra, eram trocados por artigos que vendiam no
continente europeu contra matéria-prima. As importa-
ções anuais de Inglaterra em Portugal ultrapassavam as
exportações de Portugal em um milhão de libras esterli-
nas. Este conveniente saldo comercial baixava o câmbio

9 Anderson, vol. III, p. 67.


10
British M erchant. Vol. III, p. 267.

192
a desfavor de Portugal em 15 por cento. "Nós ganhamos
um saldo comercial mais considerável de Portugal do
que de qualquer outro país", diz o autor de British Mer-
chant na sua dedicatória a Sir Paul Methuen, filho do
célebre ministro, "nós aumentámos a nossa saída de
divisas de lá para um milhão e meio de libras esterlinas,
enquanto antes só montavam a 300 000 libras".11
Este contrato tem sido sempre louvado por todos
os comerciantes, economistas e estadistas de Inglaterra,
como a obra-prima da política comercial inglesa. Ander-
son, que vê com bastante clareza o que diz respeito aos
assuntos da política comercial inglesa e que, no seu
género, fala com grande sinceridade, chama-lhe "con-
trato altamente barato e vantajoso" e não consegue evitar
a ingénua exclamação: "que se mantenha para tcido o
sempre!" 12
Só a Adam Smith estava reservado contradizer esta
visão geral ao afirmar: o Tratado de Methuen não foi de
todo particularmente favorável para o comércio inglês.
De facto, se alguma coisa prova a veneração cega com
que a opinião pública tem aceitado os pontos de vista,
em parte muito paradoxais, deste homem célebre, então
é o facto de esta ter ficado até hoje por desmentir.
No sexto livro do seu quarto capítulo, Smith diz: o
Tratado de Methuen, ao permitir a importação dos
vinhos portugueses a um imposto um terço menor do
que dos vinhos de outras nações, concedeu aos Portu-

11 British M erchant. Vol. III, p. 15, 20, 33, 38, 110, 253,254.
1
2 Anderson, 1703.

193
gueses · um privilégio, enquanto os Ingleses estavam
obrigados a pagar os seus tecidos em Portugal com
direito aduaneiros tão altos como qualquer outra nação;
consequentemente, os Ingleses não beneficiaram de
nenhum privilégio em troca do que tinham concedido
aos Portugueses. Mas os Portugueses, antes, não iam
buscar grande parte das mercadorias estrangeiras de que
necessitavam à França, Holanda, Alemanha e Bélgica? E
os Ingleses não adquiriam doravante mercado exclusivo
para um produto manufacturado, cuja matéria-prima
eles próprios detinham? Não inventaram eles um modo
de reduzir o imposto português a metade? O câmbio não
favorecia o consumo de vinhos portugueses em Ingla-
terra em 15 por cento? Não acabava quase totalmente o
consumo de vinhos franceses e alemães na Inglaterra?
O ouro e a prata portugueses não asseguravam o meio
de retirar das Índias Orientais quantidades de produtos
para com eles inundar o continente europeu? Não foram
as fábricas têxteis portuguesas totalm~nte arruinadas em
proveito das inglesas? Não se tornaram assim todas as
colónias portuguesas, especialmente o rico Brasil, efecti-
vas colónias inglesas? Aliás, este acordo garantia aos
Portugueses um privilégio, mas só em palavras; aos
Ingleses, em contrapartida, dava um privilégio na prática.
A mesma tendência está na base de todos os posteriores
acordos comerciais dos Ingleses. Nas suas palavras,
eram sempre cosmopolitas e filantropos, nas suas ambi-
. ções sempre monopolistas.
Conforme o segundo argumento de Adam Smith, o
acordo não dava uma particular vantagem aos Ingleses,
porque tinham sido obrigados a reenviar grande parte

194
do dinheiro, que teriam recebido dos Porh1gueses pelo
seu tecido, para outros países, de modo a com ele com-
prar artigos, quando teria sido muito mais vantajoso que
tivessem trocado os seus tecidos directamente pelos
produtos que necessitavam, pois, desse modo, teriam
conseguido numa única troca aquilo que, através do
comércio dos Portugueses, só alcançavam em duas tran-
sacções. Na realidade, não fosse a grande consideração
que conservamos do carácter e da perspicácia deste
famoso escritor, teríamos, perante este argumento, de
duvidar ou da sua sinceridade ou do seu conhecimento.
Como salvação, n·ã o nos resta mais do que denunciar a
fraqueza da natureza humana, à qual também Adam
Smith, entre outros, paga abundante tributo, com estes
argumentos paradoxais e quase ridículos - aparente-
mente ofuscado com o esforço, em si nobre, de justificar
a liberdade absoluta do comércio.
Neste raciocínio, não há mais lógica e saudável
senso comum do que na argumentação que afirmasse
que um padeiro, por vender o pão aos seus clientes a
h·ocó de dinheiro e com esse dinheiro adquirir farinha ao
moleiro, não faz um negócio vantajoso porque, se rece-
besse pelo pão directamente a farinha, o seu objectivo
seria atingido por meio de uma troca e não de duas. Não
é necessária grande sagacidade para contrapor a um tal
argumento que talvez o moleiro não precisasse de tanto
pão quanto o padeiro lhe poderia fornecer, que o
moleiro talvez soubesse cozer o pão e o fizesse ele pró-
prio e que, consequentemente, o negócio do padeiro
nem sequer conseguisse subsistir sem essas duas tran-
sacções. Assim estavam, na realidade, as relações comer-

195
ciais entre Portugal e Inglaterra na época do Tratado.
Portugal recebia ouro e prata da América do Sul por
artigos manufacturados que para lá enviava, mas dema-
siado preguiçoso ou insensato para fabricar esses pro-
dutos ele próprio, comprava-os de Inglaterra a troco de
metais preciosos. Os Ingleses usavam os metais precio-
sos, desde que não precisassem deles na sua própria
circulação, para exportação para as Índias Orientais ou
para a China, onde adquiriam artigos que voltavam a
vender no continente europeu, dos quais importava
produtos agrícolas, matérias-primas ou outra vez metais
preciosos.
Perguntamos, então, em nome do senso comum:
quem teria comprado aos Ingleses todos os seus tecidos,
que mandavam para Portugal, caso os Portugueses
tivessem preferido fabricá-los eles próprios ou comprá-
-los a outros países? Em Portugal não os teriam vendido
e para outras nações já vendiam tudo o que podiam. Os
Ingleses teriam, portanto, fabricado tanto menos tecido
quanto o que vendiam para Portugal; teriam exportado
tanto menos metais preciosos para as Índias Orientais
quanto os que recebiam de Portugal; teriam trazido
para a Europa e vendido no continente tanto menos
artigos das Índias Orientais e consequentemente recebe-
riam daí muito menos matéria-prima.
Não é mais plausível o terceiro argumento de
Adam Smith, de que os Ingleses, caso o dinheiro dos
Portugueses não tivesse fluído ao seu encontro, teriam
satisfeito as suas necessidades por outras vias: de qual-
quer modo, Portugal teria de enviar o excesso de metais
preciosos para o estrangeiro e, então, teria fluído para

196
Inglaterra por outro caminho. Supondo agora a hipótese
de que os Portugueses fabricariam o seu próprio tecido,
exportariam eles próprios o excesso de metais preciosos
para a China e Índias Orientais e venderiam eles pró-
prios os carregamentos de retomo para outros países,
permitimo-nos a pergunta: os Ingleses, neste caso, teriam
visto algum do dinheiro dos Portugueses? Seria o
mesmo se Portugal tivesse firmado um Tratado de
Methuen com a Holanda ou a França: com certeza .que
algum dinheiro teria ido parar à Inglaterra, mas apenas
quanto poderia ter recebido pela venda da sua lã crua.
Resumindo, as manufacturas, o comércio e · a navega-
ção dos Ingleses nunca poderiam, sem o Tratado de
Methuen, ter tido o desenvolvimento que tiveram.
Como quer que se analise o efeito do Tratado de
Methuen em relação à Inglaterra, uma coisa parece certa:
em relação a Portugal, as negociações não foram de
modo a que outras nações se vissem tentadas, em pro-
veito da exportação dos seus produtos agrícolas, a
renunciar ao seu mercado de manufacturas interno em
prol da concorrência inglesa. A agricultura e a indústria,
o comércio e a navegação em Portugal, em vez de
aumentarem com o intercâmbio com Inglaterra, afunda-
vam-se mais e mais. Em vão Pombal tentava desen-
. volvê-las, porque a concorrência inglesa aniquilava
todos os seus esforços. É verdade que não se pode
esquecer que, num país como Portugal, em que toda a
si tuação social apresenta um obstáculo à evolução da
agri cultura, da indústria e do comércio, a política mer-
cantil por si só de pouco serve. Mas o pouco que Pombal
conseguiu prova o quanto um governo, preocupado com

197
indústria, pode fazer por ela, uma vez afastados os
impedimentos encontrados na sociedade.
A mesma experiência fez-se em Espanha, sob o
governo de Filipe V e dos seus dois sucessores. Por
muito insuficiente que fosse a defesa que, sob o poder
dos Bourbons, se dispensou à indústria interna, e por
mais que faltasse em energia para pôr em prática as leis
alfandegárias, foi evidente, em todos os ramos da indús-
tria e em todas as regiões do país, um significativo
desenvolvimento13 em virtude da política comercial de
Colbert transplantada de França para Espanha. Quando
se lê .Uztariz e Ulloa 14, estes sucessos surpreendem,
tendo em conta as condições dominantes. Por todo o
lado caminhos miseráveis apenas transitáveis por cava-
los, em lado nenhum estalagens decentes, nem pontes
nem canais, navegação fluvial, cada província separada
do resto da Espanha por linhas alfandegárias, perante
. cada porta de cidade um imposto real, roubo nas estra-
das e mendicidade como oficio, contrabando em grande
florescimento, o mais opressivo sistema de impostos: é
tudo isto e causas semelhantes o que estes escritores
apresentam como origem da decadência da indústria e

13 Macpherson, Annals of Commerce, no ano de 1771 e


1774. O agravamento da importação de produtos estrangeiros
teve um efeito especialmente vantajoso para o desenvolvi-
m ento das fábricas espanholas. Antes, Espanha recebia 19, 20%
do seu consumo em produtos de Inglaterra. Brougham, Inquiry
into tl1e colonial polictj of the European powers. T. I. S. 421.
14 Ustariz, Théorie du commerce. Ulloa, Rétablissemen t des

manufactures d 'Espagne.

198
da agricultura. Mas não se atrevem a denunciar as
razões destes males, o fanatismo, a avareza e os vícios do
clero, ús privilégios da aristocracia, o despotismo do
governo, a falta de informação e liberdade do povo.
Num considerável paralelismo com o Tratado de
Methuen português, o acordo de Assiento espanhol
(1713) concedeu aos Ingleses autorização para introduzi-
rem anualmente na América espanhola um determinado
. número de negros africanos e para que, uma vez por
ano, um navio seu pudesse visitar o porto de Portobello,
através do qual tinham oportunidade de fazer entrar
ilegalmente grande número de produtos manufactura-
dos nesses países.
Apercebemo-nos, assim, em todos os contratos
comerciais dos Ingleses, da tendência para alargar a sua
indústria de manufactura nos países com que nego-
ceiam, oferecendo-lhes aparentes vantagens no que res-
peita aos seus produtos agrícolas e matérias-primas. Por
toda a parte, o seu objectivo é arruinar a força de manu-
factura interna desses países através de artigos baratos e
concessão de créditos. No caso de não conseguirem tari-
fas alfandegárias baixas, então a sua atenção dirige-se
para a fraude das tarifas ou a organizar magistralmente
o contrabando. O primeiro, como vimos, conseguiram
em Porh1gal, o segundo, em Espanha. O cobrar dos
impostos de importação segundo o valor dos artigos foi-
-lhes, para isso, muito útil, razão pela qual também mais
recentemente se esforçam tanto por apresentar como
contraproducente o imposto consoante o peso, como foi
implantado pela Prússia.

199
Sexto Capítulo

OS FRANCESES

Também a França herdou alguns despojos da cul-


tura romana. Com a invasão dos germanos, que só que-
riam a caça e já tinham tornado em florestas e prados
silvestres inúmeros campos há muito cultivados, per-
deu-se a maioria daqueles restos. Aos conventos, que em
consequência se tornaram um grande obstáculo para a
cultura, França, por outro lado, tem de agradecer, como
todos os outros países europeus, uma grande parte dos
seus progressos na agricultura durante a Idade Média.
Os habitantes dos conventos não tiveram conflitos como
a nobreza, não atormentavam os seus pequenos agri-
cultores para fazerem serviço de guerra e os seus cam-
pos tal . como os seus animais estavam menos expostos
ao roubo e à destruição. O clero adorava o bem-estar,
odiava os conflitos e p rocurava ficar bem visto apoiando
aqueles qu e sofri am. Daí surgiu o p rovérbio: "Sob o
báscul o episcop al vive-se bem ."
As Cru zadas, a fundação d as comunas urbanas e
das corporações por de São Luís e a proximidade da
Itália e da Flandres reflectiram -se m uito cedo n a evolu-
ção da indústria da França. No século XIV, a Norman dia
e a Bretanha forneciam tecid os de lã e de linho para
u so nacional e exportação para Inglaterra . Precisamente

201
nessa altura, a exportação de vinho e de sal, principal-
mente por intermediários hanseáticos, era muito impor-
tante. Com Francisco I, as rnanufach1ras de seda vieram
para o sul da França. Henrique IV favorecia essa indús-
tria e o fabrico de vidro, de linho e de lã; Richelieu e
Mazarin, as fábricas de seda, o fabrico de veludo e de lã
de Rouen e de Sedan, tal corno a pescaria e a navegação.
Para nenhum outro país foi tão vantajosa a desco-
berta da América corno para a França. Da parte oeste da
França ia muito cereal para Espanha. Todos os anos
muitas pessoas migravam do campo para a zona dos
Pirinéus, para o nordeste da Espanha, à procura de tra-
balho. Grandes quantidades de vinhos e de sal foram
exportadas para os Países Baixos espanhóis, e os artigos
. de seda, de veludo, tal corno qualquer tipo de artigo de
luxo da França, tinham grande aceitação nos Países Bai-
xos, na Inglaterra~ na Espanha e em Portugal. Essa é a
razão pela qual, desde muito cedo, a França tinha muito
ouro e prata espanhola a circular.
Mas o período de maior brilho da indústria fran-
cesa só começou com Colbert.
Aquando da morte de Mazarin, nem a produção
fabril nem o comércio, a navegação e a pescaria tinham
relevância e as finanças estavam em más condições.
Colbert teve a coragem de lançar um projecto que a
Inglaterra só tinha conseguido realizar após três longos
séculos e duas revoluções. Mandou vir de vários países
os fabricantes e trabalhadores mais habilidosos, com-
prou segredos de indústria e conseguiu melhores
máquinas e ferramentas. Através de um sistema adua-
neiro, de uma maneira geral eficaz, assegurou à indús-

202
tria nacional o mercado nacional, e por meio da abolição
ou da maior limitação possível das alfândegas provin-
ciais- com a construção de ruas e canais -fomentou o
comércio interno. Estas disposições foram ainda mais
vantajosas para a agricultura do que para as fábricas,
pois Colbert conseguiu duplicar e triplicar o número dos
consumidores e criar entre produtores e consumidores
uma relação fácil e económica. Para além disso, favore-
ceu a agricultura através da diminuição dos impostos
directos sobre as terras, da suavização das providências
severas com as quais antigamente se contribuía para os
impostos, da divisão uniforme dos impostos e final-
mente através de providências com o propósito de redu-
zir a taxa de juro. A proibição da exportação dos cereais
só foi aplicada nos tempos de carência e de encareci-
mento. Colbert deu bastante importância ao alarga-
mento do comércio externo e ao fomento das pescarias;
reergueu o comércio com a Levante, alargou-o às coló-
nias e abriu-o para o Norte. Introduziu uma rigorosa
poupança e ordem em todos os ramos da administração.
Quando faleceu, a França contava com 50 000 teares na
fabricação da lã, produzia 50 milhões de francos de
artigos em seda, aumentou os lucros do Estado em
28 milhões de francos, o reino possuía pescarias abundan-
1
tes, uma navegação alargada e uma marinha poderosa .
Um século mais tarde, os economistas criticaram
muito severamente Colbert e afirmaram que este homem
de Estado teria querido fazer prosperar a produção

1
E/age de Jean Baptiste Colbert par Necker 1773, CEuvres
completes, vol. 15.

203
fabril à custa da agricultura - uma repreensão que
somente comprova que eles próprios não sabiam dar
valor à natureza da indústria. 2
Mesmo que tenha sido errado ter colocado obstá-
culos periódicos no caminho da exportação das maté-
rias-primas, Colbert conseguiu aumentar, através da
prosperidade da indústria nacional, a procura de pro-
dutos agrícolas de tal forma que retribuiu à agricultura
dez vezes aquilo que possa ter tirado com os obstáculos.
Se impôs novos métodos de procedimento, em contradi-
ção com uma prática de Estado esclarecida e obrigava os
fabricantes a cumpri-los através da imposição de leis,
deve relembrar-se que estes métodos de procedimento
foram, acima de tudo, os melhores e os mais vantajosos
do seu tempo e que Colbert lidava com um povo afun-
dado na apatia pelo despotismo e que se opunha a toda
a novidade, mesmo que representasse algo melhor. Mas

2
Veja-se o texto de Quesnay: Physiocratie ou du
go uvern men t le plus avantageux au genre humain, 1768, Note 5 sur
le maxime VIII, onde Colbert refuta e julga Quesnay em du as
páginas, enquanto Necker necessitou de cem páginas para
demonstrar o seu sistema e as suas capacidades. Não se sabe se
haveríamos de ficar mais admirados com a ignorância de
Quesnay e m relação à indústria, à História e às finanças, ou se
sobre a arrogância com que ele julga um homem como Colbert
sem dar. qualquer razão. Demais a mais, aquele sonhad or com
tão pouca sabedoria, nem sequer foi sincero ao ponto de fala r
da expulsão dos Huguenotes; sim, ele não tinha vergonha de
afirmar contra toda a verdade de que Colbert teria impedido o
comércio dos cereais entre as várias províncias, através de uma
polícia incómoda.

204
a acusação de que a França perdeu grande parte da sua
indústria nacional através do sistema de proteccionismo
de Colbert só poderia ter sido feita por uma escola que
ignorava totalmente a revogação do édito de Nantes e as
suas consequências fatais. Como consequência dessa
triste medida e após a morte de Colbert, no decorrer de
três anos, foram afugentados meio milhão dos habitan-
tes mais trabalhadores, mais hábeis e ricos da França,
que agora, para dupla desvantagem do país em que se
tinham tornado ricos, transplantaram as suas indústrias
e os seus capitais para a Suíça, para todos os países pro-
testantes da Alemanha, principalmente para a Prússia,
depois para a Holanda e para a Inglaterra. Foi assim que
as intrigas de uma beata concubina arruinaram em três
anos a obra genial de uma geração, fazendo com que a
França recaísse na antiga apatia, enquanto a Inglaterra,
sob a protecção da sua Constituição, e reforçada através
· de uma revolução que agitou todas as energias da nação,
continuava a trabalhar ininterruptamente, com uma
vontade cada vez maior na obra de Isabel e dos seus
antecessores. ·
A triste situação em que a indústria e as finanças da
França tinham caído, por causa de um longo e mau
governo, e a visão do elevado bem-estar da Inglaterra
provocaram nos homens de Estado franceses, pouco
tempo antes da Revolução Francesa, uma vontade de
imitação. Cativados pela teoria oca dos economistas,
procuraram o remédio, em contradição com Colbert, no
restabelecimento do livre-trânsito. Acreditava-se que o
bem-estar de um reino podia ser restaurado de uma só
vez se se conseguisse arranjar um mercado maior para

205
os vinhos e aguardentes franceses na Inglaterra e se
se permitisse, em compensação, a entrada aos fabrican-
tes ingleses sob condições vantajosas (12 por cento).
A Inglaterra, encantada com a proposta, concedeu com
todo o gosto aos Franceses urna segunda edição do Tra-
tado de Methuen, através do chamado Tratado de Éden
(1786); uma cópia que a curto prazo teve um efeito não
menos fatal do que o original português.
Os Ingleses, habituados aos fortes vinhos da Penín-
sula, não aumentaram o seu consumo tão extraordina-
riamente corno se esperava. Por outro lado, constatava-
-se na França, com horror, que só se podia oferecer aos
Ingleses artigos de moda e de luxo, cujo lucro total
era insignificante, enquanto os fabricantes ingleses, em
todos os artigos de primeira necessidade, cujo valor
total era incomensurável, batiam os fabricantes franceses
tanto no preço corno na qualidade dos artigos e na con-
cessão dos créditos. Quando; depois de urna curta con-
corrência, as fábricas francesas ficaram na iminência da
ruína, ao mesmo tempo que a vinicultura francesa pouco
tinha ganho, o governo francês procurou, pela anulação
do contrato, pôr fim ao contínuo progresso da ruína, e
isso apenas serviu para se convencer de que é muito
mais fácil arruinar fábricas prósperas em poucos anos do
que fazer prosperar fábricas arruinadas numa só gera-
ção. A concorrência inglesa criou na França um gosto
pelos artigos ingleses que teve durante muito tempo
corno consequência o contrabando alargado que dificil-
mente se controla. Para os Ingleses já não foi tão difícil,
após a dissolução do Tratado, voltar a habituar o seu
palato aos vinhos da Península.

206
Apesar de os movimentos da revolução e das
constantes guerras napoleónicas não serem vantajosas
para a prosperidade da indústria francesa; apesar de os
franceses, durante este período, perderem uma grande
parte do seu comércio marítimo e todas as suas colónias,
as fábrica s francesas, durante o Império, apenas por
deterem o mercado nacional e pela revogação das restri-
ções feudais, ainda chegaram a uma prosperidade mais
elevada do que em qualquer outra altura do Ancien
· Régime. A mesma constatação fez-se também na Alema-
nha e em todas a . regiões onde o sistema continental se
alargava.
Napoleão disse, no seu estilo lapidar: "Um reino
que siga o princípio do comércio livre, sob as condições
mundiais existentes, deveria ser desfeito em pó." Com
isso, ele exprimiu mais sabedoria política em relação à
política comercial da França do que todos os autores
contemporâneos em todas as suas obras. É admirável
com que perspicácia este grande espírito, sem ter estu-
dado o sistema da economia política, soube reconhecer a
natureza e a importância do poder da manufactura.
Ainda bem para ele e para a França, que não o estudou!
"Antigamente", disse Napoleão, "só havia um tipo de
propríedade, o das terras; um novo acrescentou-se
agora, a indústria." Napoleão viu e disse, desta forma,
explicitamente, o que ao mesmo tempo os economistas
não viam ou pelo menos não diziam claramente, isto é,
que uma nação que, no seu interior, une o poder da
manufactura com o poder da agricultura é uma nação
infinitamente mais perfeita e mais rica do que uma sim-
ples nação agrícola. O que Napoleão fez para comprovar

207
e promover a educação industrial na França, para
aumentar o crédito do país, para introduzir e pôr a fun-
cionar novas invenções e melhores métodos de proce-
dimentos e aperfeiçoar as instituições de transporte da
França, está ainda demasiado presente na memória e
não necessita ser relembrado. Seria mais necessário
relembrar de que forma distorcida e errada este regente
esclarecido e poderoso foi julgado pelos teóricos daquela
altura.
Com a queda de Napoleão, também a concorrência
da Inglaterra, até aí limitada ao contrabando, se instalou
no continente europeu e americano. Pela primeira vez,
ouvia-se os Ingleses condenarem o sistema proteccio-
nista e elogiarem a teoria de Adam Smith do comércio
livre- uma teoria que, até aí, esses insulares com sentido
prático consideravam apenqs utilizável numa utopia.
Mas o observador que a examinasse calmamente podia
ver facilmente que maneiras de ver filantrópico-entu-
siastas estavam muito longe desta conversão; pois
somente onde se falava de alívio da exportação dos arti-
gos ingleses para o continente europeu ou americano, se
utilizava argumentos cosmopolitas; no entanto, quando
se tratava de. uma importação livre de cereais ou até
mesmo de uma concorrência de artigos estrangeiros no
mercado inglês, usava-se uma alteração importante3 .

3
Um arguto orador americano, o Sr. Baldwin, agora juiz
de segunda instância dos Estados Unidos, disse com certa
graça acerca do sistema d e comércio livre de Canning-
-Hu skisson: "teria sido fabricado, como a maior parte dos

208
Infelizmente, dizia-se, foi a obediência longa a uma
política não natural que colocou a Inglaterra numa con-
dição artificial, que não podia ser de repente alterada
sem consequências perigosas e prejudiciais; tal teria de
ser feito com a maior prudência e cautela; por isso, a
Inglaterra era de lamentar; tanto mais agradável seria
para as nações do continente europeu e americano que
as suas circunstâncias e as suas condições lhes permitis-

artigos de manufactura inglesa, nem para utilização nacional,


nem para a exportação".
Não se sabe se deveríamos rir ou chorar, quando nos
lembramos com que entusiasmo os liberais na França e na
Alemanha, mas especialmente os teóricos cosmopolitas,
nomeadamente, J. B. Say aceitaram a proclamação do sistema
Canning-Huskisson. Foi um regozijo, como se o império dos
mil anos tivesse começado. Ouçamos o que o biógrafo do
Sr. Canning tem a dizer acerca da maneira de pensar desse
ministro em relação ao comércio livre:
"Mr. Canning was perfectly convinced of the truth of the
abstract principie that commerce is sure to flourish most, when
wholly unfettered; but since such had not been the opinion
either of our ancestors or of surrounding nations, and since in
consequence restraints had been imposed upon all commercial
transactions, a state of things had grown up, to which the
unguarded application of the abstract principie, however true
. it was in theory, might have been somewhat mischievous in
practice!" The Politica/ Life of Mr. Canning by Stapleton , p. 3.
N o ano de 1828, essa prática inglesa, por seu lado, tinha
vindo de novo de tal maneira à superfície que o liberal Sr.
Hume falou no Parlamento, sem hesitação, da estrangulação
das fábricas no continente!

209
sem, sem atraso, participar dos beneficias do comércio
livre.
Na França, apesar da sua antiga dinastia, sob o
estandarte da Inglaterra ou então reconduzidos ao trono
com dinheiro inglês, esses argumentos foram aceites
durante pouco tempo. O comércio livre da Inglaterra
provocou tão grandes convulsões no sistema de fábricas
for talecido durante · o sistema continental que depressa
se teve de refugiar no sistema proibitivo, sob cuja égide
esteve de 1815 até 1827, segundo o testemunho de
Dupins, duplicando o seu p oder de manufactura 4 .

4
Forces productives de la France.

210
Sétimo Capítulo

OS ALEMÃES

Vimos já no capítulo sobre as Hansas, corno a Ale-


manha, à semelhança da Itália e muito antes dos restan-
tes reinos da Eurôpa, prosperou graças ao seu volumoso
comércio. Vamos agora dar continuação à história
industrial desta . nação, antes, porém, ternos ainda de
lançar um olhar sobre a anterior situação da sua
indústria e respectivo desenvolvimento.
Na antiga Germânia, grande parte do solo · era
usado para pasto e tapada. A agricultura, insignificante
e rudimentar, era exercida por servos e mulheres. Os
homens livres ocupavam-se exclusivamente da guerra e
da caça. Isto é a origem de toda a nobreza germânica.
Durante toda a Idade Média, a aristocracia alemã
manteve esta atitude, oprimindo a agricultura e ata-
cando a indústria, cega para as vantagens que ambas lhe
poderiam proporcionar enquanto proprietária se flores-
cessem. Tão profundas se mantêm nela as raízes da sua
primitiva ocupação predilecta, que ainda hoje, há muito
enriquecida pelo arado e pelo tear, sonha nas assem-
bleias legislativas com tapadas e com o direito à caça,
corno se lobo e ovelha, urso e abelha pudessem coexistir
em paz, lado a lado, e corno se as propriedades fossem
igualmente utilizáveis para a horticultura, arboricultura

211
e agricultura refinada e para a criação de javalis, veados
e coelhos.
A economia agrícola dos Alemães manteve-se durante
muito tempo uma barbárie, se bem que a influência das
cidades e dos mosteiros nas redondezas mais próximas
não fosse de ignorar.
Nas antigas colónias romanas, surgiram cidades
junto às residências dos soberanos religiosos e secula-
res, junto a mosteiros, favorecidos pelos imperadores, em
parte, nos seus domínios, e a castelos, ou onde a pesca e
o transporte terrestre ou fluvial as fazia nascer. Flores-
ciam, na sua maioria, apenas com a procura local e atra-
vés do comércio intermediário forasteiro. Uma indústria
interna grandiosa, destinada à exportação, só poderia ter
surgido em consequência de grandes currais e extensa
cultura de linho. Mas a cultura do linho já pressupõe um
alto nível de agricultura, e a criação de ovelhas em
grande escala implica segurança contra lobos e ladrões.
Seria impossível desenvolver-se a criação de ovelhas
devido aos eternos conflitos que os nobres e soberanos
mantinham entre si e com as cidades. Os animais de
pasto eram sempre o primeiro objecto de roubo. Tam-
bém não se podia pensar no extermínio total dos animais
rapaces, pois a aristocracia, com o seu amor pela caça,
cuidava bem de preservar os bosques. As poucas cabeças
de gado, a insegurança legal, a total falta de capital e de
liberdade dos que tinham em mãos os arados, e a falta
de interesse pela agricultura dos que detinham as pro-
priedades e as terras tinham necessariamente de manter
num nível muito baixo o desenvolvimento da agricul-
tura e das cidades. Tendo em consideração esta situação,

212
percebe-se porque é que a Flandres e Brabant, em condi-
ções completamente distintas, tinham de atingir muito
cedo um nível bem mais elevado de liberdade e riqueza.
Apesar destes obstáculos, as cidades alemãs no
Mar do Báltico e do Norte floresciam graças à pesca, à
navegação e ao comércio intermediário por mar; na
. Alemanha Superior e no sopé dos Alpes, sob influência
da Itália, da Grécia e do comércio intermédio por terra;
no Reno, no Elbe e no Danúbio pela viticulturq e pelo
comércio do vinho, pelo solo especialmente fértil e pelo
transporte fluvial, cuja importância na Idade Média era
ainda maior do que nos nossos dias devido ao mau
estado das estradas e da insegurança geral.
Desta diferenciação de origens resultam as desse-
melhanças · entre várias alianças de cidades alemãs,
hanseáticas, renanas, suábias, holandesas e helvéticas.
Fortes durante algum tempo, graças ao espírito da
jovem liberdade que as animava, faltava a estas alianças
a garantia interna de durabilidade- o princípio da união
- o cimento. Separadas pelas terras da aristocracia, pela
populaÇão servil do país, a sua união tinha de desmoro-
nar-se mais tarde ou mais cedo com o gradual aumento e
enriquecimento da população rural, onde existia o prin-
cípio da união devido ao poder dos soberanos. As cida-
des, na medida em que influenciavam naturalmente a
prosperidade da agricultura, tinham de trabalhar na sua
própria destruição, a não ser que conseguissem acolher a
população activa ou a nobreza na sua aliança. Para isso,
no entanto, faltavam-lhes atitudes e conhecimentos polí-
ticos mais elevados; a sua visão política raramente ia
para além das suas paredes.

213
Apenas duas destas alianças realizaram esta união,
se bem que não pela reflexão, mas sim forçadas e favore-
cidas pelas circunstâncias - a Aliança Suíça e as Sete
Províncias Unidas, que por isso subsistem ainda hoje.
A Aliança Suíça não é mais do que um conglomerado de
cidades imperiais alemãs, fundado e solidificado pela
população livre das terras de ~ntremeio . As restantes
alianças de cidades alemãs arruinaram-se pelo desprezo
da população rural e pelo disparatado orgulho citadino,
que mantinha os camponeses submissos em vez de os
elevar até si.
As cidades só poderiam ter alcançado a união atra-
vés de um poder real hereditário. Mas este encontrava-
-se, na Alemanha, nas mãos dos príncipes que, para não
serem limitados no seu despotismo e para dominarem
as cidades e a baixa nobreza, se empenhavam em não
deixar surgir nenhuma monarquia hereditária.
Daí a persistência na ideia de império romano nos
reis alemães. Só dominavam à frente dos exércitos; só
quando se saía para a guerra é que se conseguiam unir
os nobres e as cidades sob os seus estandartes. Daí o seu
favorecimento da liberdade citadina na Alemanha e a
sua hostilização e opressão na Itália.
Mas as campanhas romanas não só enfraqueciam
cada vez mais o poder dos reis na Alemanha como
também desgastavam aquelas dinastias de que, no inte-
rior do reino, no cerne da nação, poderia ter nascido
um poder consolidado. Com o declínio da casa dos
Hohenstauffen, este núcleo desfez-se em mil pedaços.
A sensação de impossibilidade de consolidar o
núcleo da nação, levou seguidamente a casa dos

214
Habsburgo, na sua origem tão fraca e sem fortuna, a usar
a força da nação para, conquistando tribos estrangeiras
na fronteira sudeste do reino, fundar uma monarquia
heredit~ria consolidada - uma política que, no nordeste,
foi inútada pelos Marqueses de Brandenburgo. Assim
surgiram, no stideste e nordeste, monarquias hereditárias
baseadas no domínio de tribos estrangeiras, enquanto
nos dois cantos oeste se formavam duas repúblicas, que
se afastavam cada vez mais da nação, e no interior, no
cerne da nação, a fragmentação, a falta de autoridade e a
dissolução eram cada vez maiores.
A desventura da nação alemã ficou completa com a
invenção da pólvora e da arte da impressão de livros,
pelo· surgimento do Direito Romano e da Reforma, final-
mente pela descoberta da América e do novo caminho
para as Índias Orientais. ·
A revolução mental, social e económica assim cau-
sada originou divisão e discórdia no corpo do reino,
divisão entre os soberanos, e entre as cidades, até entre
os cidadãos das várias cidades e entre os vizinhos de
cada classe. A energia da nação era agora desviada da
indústria, da agricultura, do comércio e da navegação,
das aquisições de colónias e do aperfeiçoamento das
instituições internas, em geral, de todos os melhora-
mentos sólidos; discutiam-se os dogmas e a herança da
igreja. Simultaneamente, as Hansas e Veneza entraram
em declínio, e com elas o comércio por grosso alemão,
assim corno a força e a liberdade das cidades alemãs,
tanto no Norte corno no Sul.
Seguiu-se a Guerra dos Trinta Anos, com a sua
devastação de todos os países e cidades. A Holanda e a

215
Suíça separavam-se, e as regiões mais bonitas do reino
eram conquistadas pelos Franceses. Enquanto antes
algumas cidades; como Estrasburgo, Nuremberga e
Augsburgo, tinham superado em poder muitos eleitora-
dos, agora, em consequência do aparecimento dos exér-
citos, afundavam-se na mais total impotência.
Se, antes desta revolução, as cidades e 6 poder real
se tivessem consolidado mais e um rei exclusivamente
da nação alemã se tivesse apoderado da Reforma e a
tivesse conduzido com vantagem para a união, força e
liberdade da nação, quão distintamente se teriam desen-
rolado a agricultura, a indústria e o comércio dos Ale-
mães? Quão pobre e pouco prática surge, perante estas
observações, uma teoria da economia política que deduz
a riqu~za das nações unicamente da produção dos indi-
víduos, não tomando em consideração que a força pro-
dutiva de todos os indivíduos está condicionada~ em
grande parte, pelas situações sociais e políticas das
nações.
A introdução do direito romano não teve em
nenhuma nação um efeito tão debilitante como na alemã.
As indescritíveis confusões que causou nas relações de
direito privado não foram os piores dos seus maus efei-
tos. Ainda mais nefasto foi ter criado uma classe de
peritos e juristas que, em espírito e linguagem, se distin-
guia do povo, que tratava as populações como ignoran-
tes de assuntos jurídicos e como menores, que negava a
autoridade do senso comum, que em todos os assuntos
preferia o segredo à transparência, que, vivendo na mais
absoluta dependência do poder, falava a favor dele em
todos os lugares, representando os seus interesses por

216
toda a parte, e que não parava de roer as raízes da liber-
dade onde podia. Assim, ainda no início do século XVIII,
vemos na Alemanha: barbárie na literatura e linguagem,
barbárie na legislação, administração e nos assuntos jurí-
dicos, barbárie na agricultura, decadência da indústria e
de todo o grandioso comércio; falta de unidade e força
· da união nacional; impotência, fraqueza e desprezo por
todo o lado perante o estrangeiro.
Apenas urna coisa os alemães tinham salvo: o seu
carácter original; o seu amor ao trabalho, à ordem, à efi-
ciência económica e à moderação; a sua insistência e per-
severança na investigação e nos negócios; a sua sincera
aspiração pelo melhor; urna grande reserva inata de
moralidade, moderação e ponderação.
Este carácter era comum a governantes e governa-
dos. Depois da quase total decadência da nacionalidade
e depois de regressada a calma, começou-se, nos vários
círculos isolados, a ordenar, melhorar e progredir. Em
lado nenhum a educação, a moralidade, a religiosidade,
a arte e ciência eram cuidados com tanto fervor, em lado
nenhum era o poder absoluto exercido com maior
moderação e com mais vantagem para o esclarecimento
geral, a ordem, a moralidade, o remédio de infortúnios e
para a promoção do bem-estar comum.
O primeiro fundamento para o renascimento da
nacionalidade alemã foi, aparentemente, lançado pelos
. próprios governos com o consciencioso emprego dos
rendimentos das propriedades secularizadas para pro-
veito da educação e do ensino, das artes e ciências, da
moralidade e para fins de bem comum em geral. Através
destas instituições chegou luz à administração e à adrni-

217
nistração jurídica, luz à educação e à literatura, luz à
agricultura, à indústria e ao comércio, em geral, luz às
massas. Desta forma, a Alemanha desenvolveu-se de
modo muito diferente de todas as restantes nações. Em
qualquer outro lado, a formação superior do espírito
resulta do desenvolvimento das forças produtivas; na
Alemanha, é antes o desenvolvimento das forças produ-
tivas materiais que tem a sua origem principalmente no
desenvolvimento da formação do espírito que lhe tinha
anteceqido. Assim, toda a cultura actual dos alemães é
de algum modo teórica. Daí o carácter pouco prático e
desajeitado dos alemães, que hoje em dia chama a aten-
ção das nações estrangeiras. Encontram-se, hoje, na
situação de um indivíduo que, cedo despojado do uso
dos seus membros, começa a aprender a estar de pé e
andar, comer e beber, rir e chorar na teoria e só depois
passa ao exercício prático. Daí a preferência dos Ale-
mães por sistemas filosóficos e sonhos cosmopolitas. O
espírito, que não se conseguia movimentar nos assuntos
deste mundo, procurava mover-se no reino da especula-
ção. Por isso, em nenhum outro lugar teve a doutrina de
Adam Smith e seus discípulos mais aceitação do que na ·
Alemanha; em nenhum outro lugar se acreditou tanto na
nobreza de espírito dos senhores Canning e Huskisson.
Os primeiros progressos da manufactura da Ale-
manha devem-se à revogação do édito de Nantes e aos
numerosos refugiados, empurrados por essa medida
disparatada para quase todas os países da Alemanha, aí
pondo em marcha as manufacturas de lã, seda, bijuteria,
chapelaria, vidro, porcelana, luvas e de indústria de
todo o género.

218
As primeiras medidas governamentais para a pro-
moção das manufacturas na Alemanha foram tomadas
pela Áustria e pela Prússia; com Carlos VI e Maria
Teresa, mas mais ainda com José II, a Áustria tinha antes
· sofrido extraordinariamente por causa da expulsão dos
protestantes, os seUs cidadãos mais aplicados na indús-
tria; também não se pode dizer que, de seguida, se tenha
destacado imedíatamente pela promoção do esclareci-
mento e educação intelectual. Porém, no seguimento dos
impostos protectores, da melhoria da criação de ovelhas,
do melhoramento das estradas e outros encorajamentos,
a indústria fez já progressos notáveis com Maria Teresa.
Mais enérgica se tornou esta obra no reinado de
José II, tendo sido também levada por diante com
sucesso incomparavelmente maior. Se bem que, no iní-
cio, Os sucessos não fossem de grande importância, já
que o imperador, como era a sua natureza, pôs estes
planos, tal como todos os seus outros planos de reforma,
em marcha muito rapidamente e a Áustria ainda estava
excessivamente atrasada em relação a outros Estados.
Aqui, como em outro lugar, mostrou-se que o bem pode
acontecer em excesso, que no princípio os impostos
protectores não devem ser demasiado altos para funcio-
narem naturalmente e não prejudicarem as condições
. existentes. No entanto, quanto mais tempo este sistema
subsistiu, mais a sua sabedoria veio à luz. A Áustria
deve-lhe a existência da sua bela indústria actual e o flo-
rescimento da sua agricultura.
A indústria da Prússia tinha sofrido mais do que a
de qualquer outro país com a devastação da Guerra dos
Trinta Anos. A sua significativa indústria, as fábricas de

219
tecidos da província de Brandenburgo, estava pratica-
mente destruída. A maioria dos fabricantes de tecidos
tinham emigrado para a Saxónia, e as importações dos
Ingleses, já naquela altura, não lhe permitiam erguer-se
nada facilmente. Por sorte para a Prússia, aconteceu a
revogação do édito de Nantes e a perseguição dos. pro-
testantes no Palatinado e em Salzburgo.
O Grande Eleitor apercebeu-se imediatamente do
que antes dele Isabel já tinha visto tão claramente. Na
sequência das medidas que tomara, uma grande parte
. desses refugiados dirigira-se para a Prússia, promovia a
agricultura deste país, criava uma quantidade de indús-
trias e cultivava ciências e artes. Todos os seus sucesso-
res seguiam nas suas pegadas, nenhum com mais fervor
do que o grande rei - maior pelas suas medidas na paz
que pelos seus sucessos na guerra. Não é aqui o espaço
para falar em pormenor das incontáveis medidas com
que Frederico II chamou um grande número de lavrado-
res estrangeiros para o seu país, desbravou superfícies
de terra brava, pôs em andamento o cultivo de prados,
pasto, ervas, batatas e tabaco, a mais sofisticada criação
de ovelhas, bovinos e cavalos, a fertilização mineral, etc.,
e conseguiu capital e crédito para os agricultores. Mais
ainda do que através destas medidas directas, fomentou
a agricultura de forma indirecta por meio das manufac-
turas que, em função do sistema alfandegário e tributá-
rio por ele aperfeiçoado, do melhoramento dos trans-
portes por ele empreendido e da implantação da banca,
prosperaram na Prússia muito mais do que em qualquer
outro país alemão, não obstante a situação geográfica do
·. país e a sua divisão em várias províncias, separadas

220
entre si, favorecer muito menos essas medidas, e as
desvantagens das alfândegas, nomeadamente os funes-
tos efeitos do contrabando, que aqui eram obrigatoria-
mente mais pronunciados do que em reinos grandes e
com fronteiras bem marcadas e delimitadas por mares,
rios e serras.
No entanto, não queremos de todo defender com
este elogio os erros deste sistema, como, por exemplo, as
restrições da exportação de matérias-primas; mas que,
apesar desses erros, tenha feito com que a indústria cres-
cesse significativamente, não é posto em dúvida por
nenhum historiador esclarecido e imparcial. Para qual-
quer mente franca, não obstruída por teorias falsas, tem
de ser evidente que, não só em consequência das suas
conquis\as, como também como resultado das suas
medidas sábias para o desenvolvimento da agricultura,
da indústria e do comércio como resultado dos seus
progressos na literatura e na ciências, a Prússia conse-
guiu conquistar o seu lugar no círculo dos poderes
europeus. E tudo isto foi obra de um único grande
génio!
E ainda a coroa não era sustentada pela energia de
instituições livres, mas apenas por uma administração
ordenada e conscienciosa, embora certamente aprisio-
nada no mecanismo morto de uma burocracia hierár-
. quica.
Entretanto, a restante Alemanha esteve durante
séculos sob a influência do comércio livre, quer isto
dizer: todo o mundo podia enviar artigos e produtos
para a Alemanha; ninguém queria permitir a importação
de artigos e produtos alemães. Esta regra tinha as suas

221
excepções, mas poucas. Não se pode muito bem dizer
que as frases e as promessas da Escola, das grandes
. vantagens do comércio livre tenham sido justificadas
pela experiência destes países; em todo o lado se recuava
mais do que se avançava. Cidades como Augsburgo,
Nuremberga, Mainz, Colónia, etc., já só contavam com
um terço ou um quarto da sua anterior população, e fre-
quentemente se desejava que houvesse guerra, só para
se verem livres do excesso de produtos desvalorizados.
As guerras chegaram- na sequência daRevolução
Francesa-, e com elas os subsídios ingleses e uma maior
concorrência da Inglaterra; daí a nova queda da manu-
factura enquanto crescia, porém só aparente e tempora-
riamente, a prosperidade da agricultura.
A isto se segue o Bloqueio Continental de Napo-
leão, que marcou a época na história das indústrias
alemã e francesa- a despeito de ter sido declarada uma
calamidade por J. B. Say, o mais famoso aluno de Adam
Smith. O que quer que os teóricos, nomeadamente os
ingleses, queiram contrapor, é certo - e todos os conhe-
cedores da indústria alemã têm de o testemunhar e em
todas os documentos estatísticos da época se encontram
disso provas - que na sequência deste bloqueio, as
manufacturas alemãs de todo e qualquer tipo começa-
vam a apresentar um progresso significativo\ que só
agora, o aperfeiçoamento da criação de ovelhas que já

1 Este sistema tinha de funcionar de modos distintos em


França e na Alemanha, porque a Alemanha estava, maiori-
tariamente, excluída dos mercados franceses, enquanto os
mercados alemães estavam abertos à indústria francesa .

222
tinha começado anteriormente, tomava balanço, que só
agora houve esforço para melhorar os meios de trans-
porte. Pelo contrário, é verdade que a Alemanha perdeu
em grande parte o seu anterior comércio externo, espe-
cialmente em artigos de linho. Mas o ganho foi signifi-
cativamente superior à perda, nomeadamente para as
fábricas prussianas e austríacas que já tinham, anterior-
mente, ganho vantagem em relação às fábricas dos res-
tantes países da Alemanha.
Mas, com a chegada da paz, os manufactores ingle-
ses entraram novamente em terrível concorrência com os
alemães: durante o bloqueio recíproco, na sequência de
novas invenções e grandes, quase exclusivas, vendas em
· outros países do mtmdo, as manufacturas do reino ilhéu
tinham avançado .consideravelmente em relação às ale-
mãs; este facto, assim como os capitais que possuíam,
permitiam aos primeiros estabelecer muito melhores
preços, oferecer artigos muito mais aperfeiçoados e con-
ceder créditos muito mais longos do que os alemães, que
ainda tinham de lutar com as dificuldades de início
de actividade. Houve, portanto, ruína geral e muitos
lamentos entre estes, principalmente no Baixo Reno,
naquelas regiões anteriormente pertencentes à França, às
quais o mercado estava agora vedado. Também o ante-
rior imposto aduaneiro prussiano tinha sofrido numero-
sas alterações no espírito da liberdade .comercial abso-
luta e de modo algum garantia protecção suficiente con-
tra a · concorrência inglesa. Igualmente, a burocracia
prussiana resistiu durante muito tempo a este pedido de
socorro. Nas universidr~des, as teorias de Adam Smith
tinham sido demasiado absorvidas para que se pudesse

223
responder rapidamente às necessidades da época. Sim,
nessa altura, ainda existiam na Prússia economistas que
tinham a audaz ideia de ressuscitar o sistema fisiocrático
que há muito estava morto. No entanto, também nisso a
· natureza das coisas foi mais forte do que a teoria. Ao
grito de medo das manufacturas não se podia tapar os
ouvidos durante demasiado tempo, ainda para mais
porque vinham de uma região que tinha saudades da
sua anterior união com a França e cuja simpatia valia a
pena adquirir. Cada vez mais se espalhava a opinião de
que o governo inglês favorecia de forma extraordinária a
inundação dos mercados continentais com artigos manu-
facturados, com a intenção de asfixiar no berço a manu-
factura continental. Esta opinião foi ridicularizada; mas
que dominava era evidente: primeiro, porque ainunda-
ção realmente era tal como se tivesse sido organizada
exclusivamente para esse fim, e, segundo, porque um
famoso membro do parlamento, Sr. Henry Brougham
(agora Lord Brougharn), teria, em 1815, dito secamente
no parlamento: "that it was well worth while to incur a
loss on the exportation of english manufactures in order
to stiffle in the cradle the foreign rnanufactures" 2. Esta
ideia do Lorde, entretanto tão bem conhecido corno
filantropo, cosmopolita e liberal, foi, dez anos mais
tarde, repetida pelo membro do parlamento, Hurne, não
menos conhecido como liberal, com quase idênticas

2Report of the Committee of Commerce and Manufactures to


the House of Representatives of the Congress of the United States,
Febr. 13, 1816.

224
palavras. também ele desejava "que se asfixiassem as
fábricas continentais nas fraldas".
Finalmente, o pedido dos manufactores prussianos
foi atendido - é verdade que tarde -, isto não se pode
negar, se se pensar quão penoso é lutar durante anos
com a morte, mas de modo magistral. O imposto adua-
neiro prussiano de 1818 correspondia, na altura em que
foi estabelecido, a todas as · necessidades da indústria
prussiana, sem de modo algum exagerar a defesa ou pôr
em perigo o comércio útil do país com o estrangeiro. Era
nas suas tarifas alfandegárias desigualmente mais barato
do que os sistemas de imposto aduaneiros ingleses e
franceses, e tinha de o ser. Porque não se tratava aqui de
uma passagem gàtdual do sistema proibitivo para o sis-
tema proteccionista, mas sim de uma passagem do assim
chamado comércio livre para o sistema proteccionista.
Outra grande vantagem desta tarifa - de um ponto de
vista geral - consistia no facto de ela estabelecer a taxa
alfandegária pelo peso e não pelo valor. Desta maneira
se evitava não só o contrabando e a avaliação por baixo,
mas também se atingia o grande objectivo de os produ-
tos do consumo geral, que cada país podia mais facil-
mente fabricar e cujo fabrico próprio, em função do ele-
vado valor total, é mais importante para o país, serem
mais fortemente tributados; por outro lado, o imposto
protector decrescia tanto mais quanto maior a delicadeza
e valor do artigo, portanto quanto maior a dificuldade
de fabrico próprio e, por isso, o motivo e a possibilidade
do contrabando.
No entanto, precisamente a definição dessas taxas
aduaneiras através do peso, por razões fáceis de com-

225
preender, tinha consequências mais graves no comércio
com os Estados alemães vizinhos do que com nações
estrangeiras. Estes - os Estados alemães médios e
pequenos - tinham agora também, para além da exclu-
são dos mercados austríaco, francês e inglês, de suportar
a quase total exclusão do mercado prussiano, .o que para
eles devia ser bem mais desastroso e insuportável por-
que muitos estavam rodeados total ou parcialmente por
províncias prussianas.
Os fabricantes prussianos ficaram muito sossega-
dos com esta medida, mas agora era grande o lamento
dos fabricantes dos restantes países alemães. A isto
ainda ~cresceu que, pouco antes, a Áustria tinha dificul-
tado a i.rnportação de produtos alemães na Itália,
nomeadamente de linho da Suábia Superior. Tendo as
suas vendas de todos os lados limitadas a pequenas
regiões, e até entre elas novamente separados por cír-
culos alfandegários, os manufactores desses países
encontravam-se próximo do desespero.
Foi este estado de emergência que originou a asso-
ciação privada de cinco a seis mil fabricantes e comer-
ciantes, foi fundada na Feira da Primavera de Franco-
forte do Meno no ano de 1819, que pretendia, por um
lado, o levantamento de todas as alfândegas separadas
da Alemanha e, por outro, um sistema alemão comum
de comércio e alfândega.
Esta associação criou a sua organização formal. Os
estatutos associativos foram entregues à Assembleia
Federal Alemã e a todos os regentes e governos dos
Estados alemães para ratificação. Em cada cidade alemã
era eleito um correspondente local, em cada país um

226
correspondente da província. Os membros e correspon-
dentes da associação obrigavam-se a cooperar com todas
as suas forças em proveito da associação. A cidade de
Nuremberga fo~ escolhida corno local central da associa-
ção e delegada_@~ eleger urna comissão central, que devia
dirigir os negÓóos da associação com a ajuda de um
consultor, lugar para o qual o autor destas linhas foi
nomeado. Num boletim semanal da associação, com o
tíhllo: "Órgão da Classe de Comerciantes e Fabricantes
da Alemanha", eram tornadas públicas as negociações e
medidas tornadas pela comissão central, assim corno
partilhadas as ideias, propostas, tratados e notícias esta-
tísticas respeitantes aos objectivos da associação. Todos
os anos se realizava, na Feira de Francoforte, urna
assembleia geral da associação, à qual a Comissão Cen-
tral pres tava contas.
·Depois de esta associação ter entregue urna petição
à Assembleia Federal Alemã, na qual provava a necessi-
dade e utilidade das medidas por ela propostas, a
Comissão Central de Nuremberga entrou em acção.
Enviou de imediato delegados a todas as cortes alemãs e,
por último, ao congresso de ministros em Viena (1820).
Neste congresso conseguiu-se, pelo menos, que vários
dos Estados alemães médios e pequenos concordassem
em realizar um congresso separado em Darrnstadt sobre
. este assunto. As negociações aí conduzidas resultaram,
· primeiro, numa união entre Wurtternberga e a Baviera;
depois à muão de alguns Estados alemães com a Prússia;
em seguida à união dos Estados da Alemanha central;
finalmente, e principalmente como consequência do
empenho do Barão de Cotta em conseguir a unificação

227
geral destas três confederações alfandegárias, de modo
que agora, com excepção da Áustria, dos dois Estados
de Mecklenburgo e Hanover e das cidades hanseáticas,
toda a Alemanha está unida em uma liga alfandegária,
que levantou as barreiras alfandegárias separadoras e
estabeleceu uma alfândega comum contra o estrangeiro,
. cujo rendimento · é distribuído pelos vários Estados
segundo o critério do tamanho da população.
A tarifa desta associação é fundamentalmente a
prussiana de 1818, ou seja, uma tarifa protectora mode-
rada.
Em consequência desta unificação, a indústria, o
comércio e a agricultura dos Estados alemães desta asso-
ciação já conseguiram imensos progressos.

228
Oitavo Capítulo

OS RUSSOS

A Rússia deve os seus primeiros progressos na


cultura e na indústria ao tráfego com a Grécia; depois, ao
comércio das cidades hanseáticas via Nowgorod e, após
a destruição desta cidade por Ivan Wassiljewitsch e em
consequência da descoberta das vias fluviais para as
costas do Mar Branco, ao comércio com os Ingleses e
Holandeses.
No entanto, o grande desenvolvimento da sua
indústria, como em geral a sua cultura, data do reinado
de Pedro, o Grande. A História da Rússia nos últimos
140 anos fornece as mais convincentes provas da grande
influência da unidade nacional e da . situação política
sobre a prosperidade económica dos povos. A Rússia
deve ao poder dos imperadores, por meio do qual foi
criada a unidade de inúmeras hordas bárbaras, a instala-
ção das suas manufacturas, o enorme progresso da agri-
cultura e, na população, a promoção do trânsito interno
com a construção de canais e estradas, um grandioso
comércio externo e o seu poder comercial.
O sistema comercial autónomo da Rússia, contudo,
data apenas de 1821. É verdade que já sob Catarina II,
graças a bonificações oferecidas a artistas, estrangeiros e
fabricantes, a indústria e as fábricas fizeram alguns pro-

229
gressos; só que a nação estava com a sua cultura dema-
siado .atrasada para que se pudesse elevar acima do
simples início da fabricação do ferro, vidro, etc., e, em
geral, nos ramos em que o país, devido às suas riquezas
agrícolas e minerais, estava especialmente favorecido.
Nessa altura, outros progressos nas manufacturas
também não estavam nos interesses económicos da
. Nação. Se o estrangeiro tivesse aceite corno pagamento,
em vez de dinheiro, os víveres, as matérias-primas e os
produtos grosseiros que a Rússia podia fornecer, não
teriam sucedido guerras e outros acontecimentos. A
Rússia estaria ainda muito tempo em melhores relações
com nações mais avançadas, a sua cultura em geral teria
feito, por meio destas relações, maiores progressos do
que no sistema de manufactura. Só as guerras, o blo-
queio continental e as medidas preventivas comerciais
das nações estrangeiras a obrigam a ir buscar o seu
remédio a outros caminhos, não através da exportação
de matérias-primas e importação de produtos fabris. Por
estas razões, a Rússia cedo foi prejudicada nas suas rela-
ções comerciais por mar. O comércio por terra com o
continente a Oeste não lhe podia restituir essa perdas.
Foi obrigada a usar, ela própria, as suas matérias-
-primas.
Depois do estabelecimento geral da paz, pretendeu-
-se voltar ao sistema antigo. O governo e o próprio
imperador concordavam com o comércio livre. As publi-
cações do senhor Storch não eram na Rússia menos
· famosas do que as do senhor Say na Alemanha. As pes-
soas não se deixa.rarn intimidar pelos primeiros golpes
sofridos nas polémicas durante o sistema continental,

230
devido à concorrência inglesa. Depois de resistir a estes
golpes, diziam os teóricos, virá a felicidade da liber-
dade de comércio. Realmente, a conjunhua comercial
era muito favorável a esta transição. A crise agrícola no
Oeste da Europa deu origem a urna grande exportação
de produtos agrícolas, por isso a Rússia, durante uns
tempos, ganhou os meios para pagar as suas importa-
ções de manufacturas alheias.
Mas quando esta extraordinária procura de pro-
dutos agrícolas russos acabou, quando, ao contrário, a
Inglaterra limitou a importação de trigo e, a favor do
Canadá, a importação de madeiras, sentiu-se a dobrar a
ruína das fábricas e manufacturas nacionais e a impor-
. tância exagerada de produtos estrangeiros. Anterior-
. mente, segundo o. senhor Storch, tinha-se considerado a
balança comercial um fantasma, em que seria tão ridí-
culo e vergonhoso acreditar corno acreditar na bruxaria
do século XVII; via-se agora com espanto que qualqu'er
coisa corno urna balança comercial entre nações inde-
pendentes teria de existir. Assim, o mais esclarecido e
inteligente homem de Estado da Rússia, o Conde Nes-
selrode, não teve dúvidas em se afirmar partidário desta
doutrina. Numa circular oficial de 1821, deClarou: "A
Rússia vê-se nestas circunstâncias compelida a seguir
um sistema comercial independente: os produtos do país
não se conseguem vender no estrangeiro, as fábricas
nacionais estão arruinadas ou em vias de ruína, todo o
dÍnheiro do país escorre para o estrangeiro, e os mais
sólidos casos de comércio estão perto da queda."
O êxito benéfico do sistema de protecção russo não
contribuía menos do que as nocivas consequências do

231
restabelecimento do comércio livre para o descrédito dos
princípios e afirmações dos teóricos. Capital estrangeiro,
talentos e mão-de-obra vinham de todos os países civili-
zados, como a Inglaterra e a Alemanha, para se apro-
veitarem das vantagens oferecidas às manufacturas
nacionais. A nobreza imitava a política do país. Como
não encontrava no estrangeiro mercado para os seus
produtos, tentou resolver o problema contrário, trazer o
mercado às proximidades dos produtos e criava fábricas
nas quintas. Em consequência da procura de lã fina
causada pelas novas fábricas de lãs, depressa se refinou
a criação de carneiros do país. O comércio com o
estrangeiro cresceu em vez de diminuir, sobretudo nas
relações com a Pérsia, China e outros vizinhos asiáticos.
As crises de comércio acabaram completamente e basta
ler os novos relatórios do ministério do comércio russo
para nos convencermos de que a Rússia deve a este
sistema grande parte da prosperidade e marcha a passos
. de gigante para a multiplicação da sua riqueza nacional
e do seu poder. É · disparate quando na Alemanha se
quer diminuir este progresso e se satisfaz com queixas
sobre os prejuízos que, por essas razões, as províncias do
nordeste da Alemanha sofreram. Cada nação, assim
como cada indivíduo, é o próximo de si mesmo. A
Rússia não tem de se preocupar com o bem-estar da
Alemanha. Seria melhor que, em vez de se queixar, em
vez de esperar por um Messias da futura liberdade de
comércio, a Alemanha se libertasse do sistema cosmo-
polita e aprendesse com o exemplo da Rússia.
Que a Inglaterra observe esta política comercial da
Rússia com inveja, é muito natural. A Rússia emanei-

232
pou-se, por isso, da Inglaterra. Habilita-se, assim, a fazer
concorrência à Inglaterra na Ásia. Se a Inglaterra fabrica
mais barato, no comércio com a Ásia interior, essa van-
tagem é compensada pela proximidade da Rússia e pela
influência da sua política. Se a Rússia é um país pouco
culto em relação à Europa, é, em relação à Ásia, um país
civilizado.
Contudo, não é de ignorar que a falta de "civiliza-
ção" e de instituições políticas trará à Rússia, no seu
progresso comercial e industrial, muitos obstáculos no
caso de o governo imperial não conseguir, através da
introdução de disposições municipais e provinciais
capazes, através da limitação e finalmen te abolição da
servidão, através da atracção de urna classe média ins-
truída e de urna classe de lavradores livres e através do
aperfeiçoamento dos transportes internos e das comuni-
cações com a Ásia interior, pôr a situação pública de
acordo com as necessidades da indústria. Estas são as
conquistas de que a Rússia no presente século precisa, e
. delas depende o seu futuro progresso na agricultura e na
indústria, assim como no comércio, na navegação e no
poder marítimo. · Contudo, para que reformas deste
género sejam possíveis e realizáveis, a nobreza russa tem
de compreender que os seus interesses materiais serão
assim fomentados da melhor maneira.

233
Nono Capítulo

OS NORTE-AMERICANOS

Depois de termos iluminado historicamente a polí-


tica comercial dos povos europeus, excluindo aqueles
com os quais pouco ternos a aprender, vamos olhar para
o outro lado do Oceano Atlântico. Iremos observar um
povo de colonizadores que, quase debaixo dos nossos
olhos, se ergueu de um estado de total dependência da
nação-mãe e da separação de várias províncias coloniais
sem qualquer tipo de relação política entre si, para urna
nação unida, bem organizada, livre, poderosa, com acti-
vidade industrial, rica e independente, e que, quem
sabe, aos olhos dos nossos netos poderá aparecer com o
estatuto de primeiro poder marítimo comercial a nível
mundial. Para o nosso objectivo, a História do comércio
e da indústria da América do Norte é mais instrutiva do
que qualquer outra, urna vez que aqui a evolução é
. muito rápida, os períodos da circulação livre e da cir-
culação limitada sucedem-se rapidamente, as respectivas
consequências evidenciam-se de forma clara e decidida,
e toda a mecânica da indústria nacional e da administra-
ção do Estado se move de forma aberta perante os olhos
do observador.
As colónias norte-americanas foram mantidas num
estado de sujeição completa pelo país colonizador no

235
que respeita ao comércio e às indústrias, pois, à parte as
fabricações caseiras e os ofícios normais, nenhum tipo de
fábricas era permitido. Foi ainda no ano de 1750 que
uma fábrica de chapéus fundada no Estado de Massa-
. chusetts despertou a atenção do Parlamento e provocou
nele tanta inveja ao ponto de ter declarado todo o tipo
de fábricas instituições desprezivelmente prejudiciais
(common nuisances), sem excluir as fábricas de martinete
de forja, não obstante o facto de este Estado possuir em
abundância todos os materiais necessários para a produ-
ção de ferro. Ainda no ano de 1770, o grande Chatham,
preocupado por causa das primeiras tentativas de fábri-
cas da Nova Inglaterra, explicou que não se deveria
admitir que nas colónias se fabricasse um cravo de
ferradura.
Deve-se a Adam Smith o mérito de ter sido a pri-
meira pessoa a chamar a atenção para a injustiça desta
política.
A monopolização das indústrias por parte do país
colonizador é uma das principais causas da revolução
americana; as taxas do chá foram apenas o motivo ime-
diato para a eclosão. Libertos das obrigações impostas,
sendo os donos de todos os meios materiais e intelec-
tuais de fabricação; separados da nação de que tinham
recebido os produtos fabricados e a quem tinham ven-
dido os seus prodütos; portanto reduzidos às próprias
forças para todas as suas necessidades, os Estados Livres
norte-americanos, durante as guerras revolucionárias,
fizeram prosperar largamente as fábricas de todo o
género. Com isso, também a agricultura foi beneficiada,
pois tanto o valor das terras como o salário aumentou

236
por todo o lado, apesar dos encargos e das devastações
da guerra. Mas, uma vez que, depois da paz de Paris, a
constituição errónea dos Estados Livres não permitiu a
implantação de um sistema de comércio geral e, por isso,
os produtos fabricados ingleses tinham de novo livre
acesso, causando uma concorrência a que as fábricas
recentemente construídas da América do Norte não con-
seguiram resistir, a prosperidade alcançada durante a
guerra desapareceu ainda muito mais rapidamente do
que tinha aparecido.

"Nós comprávamos," - afirmava mais tarde um


orador no congresso a respeito desta crise-, "segundo o
conselho dos novos teóricos, onde podíamos comprar
pelo preço mais barato e os nossos mercados foram
inundados por artigos estrangeiros; a mercadoria inglesa
comprava-se mais barata nas nossas cidades marítimas
do que em Liverpool ou Londres. Os nossos manufacto-
res foram arruinados, os nossos comerciantes, mesmo
aqueles que acreditavam que conseguiam ficar ricos com
a importação, faliram, e todas essas razões em conjw1to
actuaram de uma forma tão negativa sobre a agricultura
que houve uma perda do valor dos bens imobiliários
e consequentemente a bancarrota tornou-se também
comum entre os proprietários de terras."

Este estado de forma alguma foi passageiro; durou


desde a paz de Paris até ao estabelecimento da Cons-
tituição Federativa e contribuiu, mais do que qualquer
outra circunstância, para o facto de os Estados Livres
unirem ainda mais a sua Federação de Estados, con-

237
cedendo ao Congresso a competência necessária para a
afirmação de urna política comercial comum. Por todos
os Estados, nem sequer excluindo Nova Iorque e Caro-
lina do Sul, o Congresso era agora assediado com peti-
ções para medidas de protecção para a indústria interna,
e Washington, no dia em que foi empossado, vestia
roupa de um tecido nacional, "para" - corno dizia um
jornal daquela altura de Nova Iorque - "dar urna lição
inesquecível, de forma muito simples e mesmo assim
expressiva, método muito próprio deste grande homem,
a todos os seus sucessores neste serviço e a todos os
legisladores futuros, de corno que se deveria fomentar o
bem-estar do país". Não obstante o facto de a primeira
tarifa americana (1789) apenas impor direitos. de impor-
tação muito insignificantes nos artigos manufacturados
mais importantes, logo nos primeiros anos, foram tão
benéficos que Washington, na sua mensagem de 1791,
podia dar os parabéns à nação pelo estado florescente
em que as manufacturas, a agricultura e o comércio se
encontravam.
Mesmo assim, rapidamente se demonstrou a insu-
ficiência desta protecção, porque o efeito da taxa baixa
foi facilmente ultrapassado pelos fabricantes da Ingla-
terra, apoiados por melhores métodos de acção. O Con-
gresso aumentou, na verdade, os direitos de impor-
tação para os artigos mais significativos da manufactura
. para 15 por cento, mas só no ano de 1804, quando
foi obrigado, por causa dos direitos aduaneiros insu-
ficientes, a aumentar os seus rendimentos e muito
tempo depois de os fabricantes nacionais se terem
esgotado em queixas sobre a falta de protecção stúi-

238
ciente e os defensores de interesses opostos terem tam-
bém esgotado os argumentos sobre as vantagens da
liberdade de comércio e a nocividade de direitos adua-
neiros muito altos.
Em grande contraste com os pequenos progressos
que tinham feito as manufacturas e fábricas do país em
geral, estavam os progressos da navegação, que já no
ano de 1789 recebeu protecção suficiente a pedido de
James Madison. De 200 000 toneladas (1789), aumentou
logo no ano de 1801 para mais de um milhão de
toneladas.
Sob a protecção da tarifa de 1804, o poder da
manufactura dos norte-americanos em relação às
. fábricas da Inglaterra, que através de melhoramentos
continuas crésceu ·para tamanhos colossais, mal se
conservou e teria · sucumbido à concorrência se não lhe
tivesse ajudado o embargo e a declaração da guerra
de 1812, em consequência dos quais, como durante o
tempo da guerra da independência, as fábricas ame-
ricanas tiveram uma prosperidade tão excepcional que
não só satisfaziam a necessidade interna, como come-
çaram também em breve a exportar. Só no fabrico
de algodão e de lãs, em 1815, trabalharam, segundo
um relatório do comité de comércio e de manufacturas
para o congresso, 100 000 pessoas, cuja produção anual
era de 60 milhões de dólares. Deu-se conta da mesma
forma, como durante as guerras de revolução, que uma
consequência necessária da prosperidade do poder das
manufacturas era uma subida rápida de todos os preços
dos produtos e das diárias, como também dos bens
imobiliários e, consequentemente, a prosperidade geral

239
dos proprietários de terra, dos trabalhadores e do
comércio interno.
Depois da paz de Gent, avisado pelas experiências
de 1786, o Congresso decretou, para o primeiro ano,
uma duplicação dos antigos direitos alfandegários e
durante esse tempo o país continuou a prosperar. Mas,
forçado por poderosos interesses privados, em oposição
às manufacturas e aos argumentos dos teóricos, decidiu,
para o ano de 1816, uma diminuição significativa dos
direitos alfandegários, e então reapareceram os mesmos
efeitos da concorrência estrangeira que se tinham verifi-
cado de 1786 até 1789, querendo isso dizer: a ruína
das fábricas, a desvalorização dos produtos, a queda
do valor dos bens imobiliários e a calamidade entre os
agricultores. Depois de o país, pela segunda vez em
guerra, ter apreciado a bênção da paz, sofreu também
pela segunda vez, pela paz, males ou desgraças maiores
do que a pior guerra lhe podia ter trazido. Só no ano
de 1824, depois de se terem mostrado os efeitos da
"Kornbill" inglesa sobre a agricultura americana, em
toda a sua dimensão absurda e com isso terem obri-
gado o interesse da agricultura dos Estados do Cen-
tro, do Norte e do Oeste a fazer negócios em comum
com os interesses d a manufactura, foi conseguida no
Congresso uma tarifa um pouco mais alta, mas que
em breve, porque o Sr. Huskisson tomou de ime-
diato contra-medidas para conseguir paralisar o seu
efeito em relação à concorrência inglesa, se demons-
trou insuficiente, tendo de ser completada com uma
tarifa de 1828, conseguida ao cabo de . uma luta
veemente.

240
A recente estatística 1 oficial publicada do Estado de
Massachusetts dá uma noção aproximada da prosperi-
dade atingida pelas manufacturas nos Estados Unidos,
acima de tudo no Centro e no Norte, em consequência
do sistema protector, não obstante a suavização pos-
terior das tarifas de 1828. No ano de 1837 havia 282
máquinas de descaroçamento de algodão e 565 031 fusos
a funcionar, 4997 trabalhadores do sexo masculino e
14 757 do sexo feminino a trabalhar; 37 275 917libras de
algodão foram transformadas e 126 milhões de jardas de
tecido foram fabricadas, o que dá um valor de 13 056 659
dólares, usando um capital de 14 369 719 dólares.
Na fabricação de lã, havl.a 192 moinhos, 501 máqui-
nas, 3612 trabalhadores do sexo masculino e 3485 do
sexo feminino que transformavam 10 858 988 libras
de lã e 11 313 426 jardas de tecido num valor de
10 399 807 dólares, com um capital de 5 770 750 dólares.
Em sapatos .e botas foram fabricados 16 689 877
pares (grandes quantidades de sapatos foram exporta-
das para os Estados de Oeste), num valor de 14 642 520
dólares.
As restantes áreas da indústria estavam em relação
com as denominadas. Toda a produção da manufactura
do Estado (depois da dedução das construções do bar-

1 Stntistical Tnble of Massachusetts for the year ending 1 April


1837, por J. P. Bigelow, Secretário da Commonwealth. Boston
18.38. Além de Massachusetts ainda nenhum outro estado
americano possui sipnoses es tatísticas semelhantes. As aqui
mencionadas devem-se ao governador Everett, igualmente
excelente como erudi to, escritor e político.

241
cos) tinha um valor superior a 86 milhões com um capi-
tal de cerca de 60 milhões de dólares.
O número dos trabalhadores era de 117 352 e o
número total dos habitantes do estado (em 1837) era
de 701 331.
Aqui não se conhece miséria, crueldade ou vícios
entre a população das manufacturas; pelo contrário:
entre as numerosas operárias, corno também entre os
operários, há urna moralidade muito grande, limpeza e
· gentileza na roupagem; existem bibliotecas para os ser-
vir com livros úteis e instrutivos; o trabalho não é cansa-
tivo e a alimentação é abundante e boa. A maior parte
das mulheres consegue poupar um dote 2 .
Este último caso é obviamente um efeito dos preços
mais baixos das necessidades comuns da vida, de
impostos diminutos e de um sistema de impostos justo.
Levante a Inglaterra as restrições de importação dos
produtos agrícolas, diminua as imposições existentes do
consumo em metade ou dois terços, cubra a falta com
um imposto de rendimento, e colocará os seus operários
na mesma posição.
Não há nenhum país que tenha sido tão ignorado e
mal julgado em relação à sua finalidade futura e à sua
economia nacional, que tenha sido tão erradamente jul-
gado corno a América do Norte, tanto pelos teóricos
corno pelos práticos. Adam Smith e J. B. Say declararam:

2 Os jornais americanos de Julho de 1839 relatam que

somente na cidade industrial de Lowell se contaram mais


de 100 trabalhad oras que possuem poupanças acima de
1000 dólares nas caixas económicas.

242
os Estados Unidos, "tal como a Polónia", estão destina-
dos à agricultura. Para algumas dúzias de repúblicas
jovens e em ascensão, esta comparação não foi tão lison-
jeira e a perspectiva para o futuro, não era de forma
alguma consoladora. Os teóricos mencionados tinham
demonstrado que a própria natureza levou os Norte-
-Americanos unicamente para a agricultura, pelo menos
enquanto ali a terra mais fértil quase não tinha custos.
Tinha-se-lhes elogiado serem tão obedientes em relação
às exigências da natureza e tão bem servirem de exem-
plo na teoria para os efeitos maravilhosos da liberdade
do comércio; mas a Escola em breve sofria a contrarie-
. dade de também perder esta prova importante da exac-
tidão e aplicabilidade da sua teoria e de presenciar os
Estados Unidos a procurar o seu bem-estar na direcção
exactamente oposta à liberdade absoluta do comércio.
Se esta nação jovem já foi a menina dos olhos da
Escola, passou agora a ser objecto das mais severas
críticas pelos teóricos de todas as nações europeias.
Seria, dizia-se, urna prova de que o novo mundo só
fez progressos diminutos nas ciências políticas, de que,
enquanto as nações europeias tentaram com o maior
ardor esforçar-se pela liberdade geral do comércio,
enquanto, nomeadamente a Inglaterra e a França esta-
vam prestes a fazer progressos significativos para tentar
alcançar esse grande objectivo filantrópico, os Estados
Unidos da América do Norte queriam promover o bem-
-estar da nação através do regresso ao sistema mercanti-
lista há muito antiquado e claramente refutado pela
teoria . Um país corno a América do Norte, onde ainda
havia imensas terras férteis por cultivar e onde a diária

243
era tão alta, não podia utilizar os seus capitais materiais
e o seu aumento da população de melhor forma do que
na agricultura; essa, uma vez chegada à sua formação
completa, as manufacturas e fábricas apareceriam no
. decorrer natural das coisas sem meios de promoção
artificiais; através do sustentamento artificial de manu-
facturas, os Estados Unidos não só prejudicariam os
países de culturas antigas, mas acima de tudo a eles
mesmos.
Entre os Americanos, o saudável senso comum· e o
sentimento daquilo de que a nação necessitava era mais
forte do que a crença nas pretensões da teoria. Investi-
gavam-se a fundo os argumentos dos teóricos e ficou-se
com grandes dúvidas acerca da infalibilidade de uma
doutrina que até os próprios adeptos não queriam
seguir.
Em relação ao argumento da grande quantidade de
terrenos férteis e ainda não cultivados foi respondido:
que nos Estados da União povoados, já bastante cultiva-
dos e maduros para a fabricação, esse tipo de terrenos
era tão raro como na Inglaterra; que o aumento da
população destes estados teria de ser deslocado com
grandes custos para Oeste, para que se levasse a cultura
para aqueles territórios, pelo que não só os Estados de
. Leste perderiam, todos os anos, altas somas de capitais
materiais e mentais; mas também, através dessa emigra-
ção, os consumidores se transformariam em concorren-
tes e o valor dos seus bens imobiliários e produtos agrí-
colas seriam rebaixados. Não poderia ser vantajoso para
a União que os terrenos selvagens em seu poder até ao
Pacífico fossem cultivados antes de a população, a civili-

244
zação e as forças armadas dos estados antigos se terem
desenvolvido; pelo contrário, os Estados de Leste só
podem tirar proveito do cultivo de terren os selvagens
para seu próprio progresso se se concentrarem na fabri-
cação e se puderem trocar os seus artigos por produtos
do Oeste. Ainda se foi mais longe, pergtmtando-se se a
Inglaterra não se encontraria exactamente na mesma
situação; se a Inglaterra não poderia dispor de uma
quantidade de terras não cultivadas e férteis no Canadá,
na Austrália e em outras partes do mundo; se os Ingleses
não poderiam deslocar a sua população excedente tão
facilmente para esses países, como os norte-americanos
da costa do Oceano Atlântico para o Missouri; e per-
guntando-se, enfim, a razão por que a Inglaterra não
_ protegia somente as suas manufacturas nacionais, mas
as queria também expandir cada vez mais.
O argumento da Escola de que com uma diária alta
na agricultura as fábricas não conseguiriam prosperar de
forma natural, mas somente como as plantas de uma
estufa, só se encontrava justificado em parte, nomeada-
mente em relação àqueles produtos e artigos da manu-
factura que tivessem um volume e um peso baixo relati-
vamente ao seu valor, sendo na maior parte produzidos
manualmente, mas não àqueles em que o preço da diária
tinha menos influência e onde a elevada desvantagem
da elevada diária era equilibrada através da maquinaria
e das forças hidráulicas ainda não utilizadas, através
de matérias-primas e produtos alimentares baratos, do
excesso de material barato para queimar e para cons-
truir, através de menores impostos para o Estado e mais
poder de trabalho.

245
Nessa altura, os Americanos há muito tinham
aprendido, pela experiência, que a agricultura de um
país somente se pode elevar a uma grande prosperidade
se a troca dos produtos agrícolas contra os artigos fabri-
cados for garantida para todo o futuro; mas se o agri-
. cultor morar na América do Norte e o manufactor viver
em Inglaterra e a troca for interrompida, não raro por
guerras, crises de comércio ou prevenções estrangeiras
o
de comércio, bem-estar de uma nação deve basear-se
num fundamento sólido, e por isso "o manufactor" -
segundo a palavra de Jefferson- "tem que se estabelecer
ao lado do agricultor".
Finalmente os Norte-Americanos sentiram que uma
grande nação não pode somente ter em conta as vanta-
gens materiais imediatas, que a civilização e o poder -
como também admite o próprio Adam Smith - serem
bens mais importantes e mais desejáveis do que a
riqueza material, somente se consegue atingir e afirmar
através da implementação da força da própria manu-
factura; que uma nação que se sinta chamada a assumir
e afirmar o seu lugar entre as nações mais formadas e
mais poderosas do mundo, rião deverá temer os sacrifí-
cios para atingir as condições desses bens e que, nesta
altura, os estados atlânticos são actualmente a sede des-
sas mesmas condições.
Nas margens atlânticas, o povo europeu foi o pri-
meiro a estabelecer-se com a sua cultura, foi aqui que se
construíram estados povoados, cultivados e ricos; aqui é
o berço e a sede das suas pescas, da sua navegação cos-
teira e do seu poder marítimo; foi aqui que eles chega-
ram à sua própria independência e conseguiram fundar

246
a sua União; foi com esses estados litorais que começou
o comércio externo e é através deles que a União se
mantém em contacto com o mundo civilizado e recebe o
excedente da Europa em população, em capital material
e força mental; a futura civilização, o seu poder, a sua
riqueza e a independência de toda a nação, bem como a
sua futura influência em países menos civilizados, cons-
truir-se-ão sobre a própria civilização, poder e riqueza
destes estados litorais.
Imaginemos que a população desses estados dimi-
nui em ·vez de aumentar, que as suas pescas, a sua nave-
gação costeira, ·a sua navegação marítima para outros
países, o seu comércio externo e, em geral, o seu bem-
-estar diminuem ou estagnam em vez de aumentar:
veríamos, na mesma proporção, os meios da civilização
da nação inteira, as garantias da sua independência e o
. seu poder exterior afundarem-se. Podemos até pensar
que todo o território dos Estados Unidos, de uma costa
à outra, poderia ·ser cultivado e coberto com grande
número de es.tados agrícolas e densamente povoado no
interior sem que a nação, não obstante, deixasse o mais
baixo patamar da civilização, da independência, do poder
para o exterior e das suas relações externas. Efectiva-
mente, há muitas nações nesta situação, cuja navegação
e poder, mesmo com densa população no interior, são
equivalentes a zero.
Se houvesse então uma potência que concebesse o
plano de conseguir manter por baixo ou até mesmo
submeter a si própria a prosperidade da nação ameri-
cana a nível industrial, comercial e político, só consegui-
ria atingir esse objectivo se conseguisse despovoar os

247
estados atlânticos da União e levar para o interior todo o
tipo de crescimento na população, no capital e na força
mental. Dessa forma, não só deteria o crescimento a
longo prazo do poder marítimo da nação, como também
poderia alimentar a esperança de, com o tempo, conse-
. guir controlar os principais pontos de defesa da costa
atlântica e das fozes dos rios. Esse objectivo não estaria
muito longínquo, era apenas necessário impedir que o
poder das manufacturas nos estados atlânticos surgisse
e que o princípio da liberdade absoluta do comércio
externo dos Estados Unidos conseguisse fazer-se ·res-
peitar.
Se os estados atlânticos não se tornarem manufac-
tores, não só não se podem manter no seu estado actual
de cultura, corno facilmente se afundam em todos os
sentidos. Como é que podem ter êxito as cidades ao
longo das costas atlânticas sem manufactura? Não é pos-
sível através do transporte dos produtos do interior para
a Europa e das manufacturas inglesas para o interior,
pois poucos milhares de pessoas chegam para fazer esse
negócio. Como é que vão ter êxito as pescas? A maior
parte da população que se mudou para o interior prefere
carne fresca ou peixe de água doce ao salgado; esse
não necessita de óleos ou então apenas de qualidades
inferiores. Como deve prosperar a navegação da costa ao
. longo dos Estados do Atlântico? Como a maior parte
dos estados litorais· está povoada por agricultores, que
produzem as suas necessidades respeitantes a produtos
alimentares, materiais de construção e de combustão,
etc., nada resta ao longo da costa que possa atrair as suas
atenções. Como é que o comércio externo e a navegação

248
/

para áreas longínquas deve, assim, aumentar? O país


não tem nada para oferecer, apenas aquilo que as nações
menos cultivadas têm em excesso e aquelas nações com
manufactura para as quais vende os seus produtos,
favorecem a sua própria navegação. Mas de onde é que
deveria surgir um poder marítimo, se a pesca, a navega-
ção da costa, a navegação marítima e o comércio externo
decaem? Corno é que os estados atlânticos se podem
proteger contra assaltos de forasteiros? Como é que a
agricultura deve prosperar nesses estados se, através de
canais, comboios, etc., os produtos dos territórios do
Oeste, muito mais férteis e mais baratos e que não neces-
sitam de adubos, podem ser levados para o Este com
preço mais baixo do que se fossem produzidos numa
terra há muito gasta? Como é que, nessas circunstâncias,
· devem prosperar as civilizações dos estados do Este e
aumentar a sua povoação, se é óbvio que com o comér-
cio livre com a Inglaterra, qualquer aumento da popula-
ção e do capital agrícola iria para o Oeste? A circunstân-
cia momentânea da Virgínia só dá urna leve noção da
realidade em que os estados atlânticos seriam colocados
através do não aparecimento das manufacturas no Este;
porque a Virgínia, corno todos os estados do Sul da costa
atlântica, detém, de momento, uma parte importante no
abastecimento de produtos agrícolas para os estados
atlânticos que têm manufactura.
Muito diferentes são todas estas relações através da
prosperidade do poder de manufactura dos estados
atlânticos. Agora aflui de todos os países europeus a
população, o capital, a habilidade técnica e a força men-
tal; agora aumenta a procura de produtos manufactu-

249
rados dos países atlânticos com o transporte de maté-
rias-primas e de matérias do Oeste; agora cresce a
população, o número e o tamanho das cidades e a sua
riqueza, na mesma relação que a sua cultura das terras
desabitadas do Oeste; agora aumenta, como consequên-
cia do aumento da população, a sua própria agricultura
através de uma ·maior procura de carne, manteiga,
queijo, leite, plantas de quintal, plantas de óleo, fruta,
etc.; agora aumenta a procura de peixe salgado e óleo de
peixe e, por isso, a pesca; agora há, ao longo da côsta,
quantidades de produtos alimentares, materiais de cons-
trução, carvão de pedra, etc. para dar à população das
manufacturas tudo o que necessitarem; agora as manu-
facturas produzem uma quantidade de artigos de
comércio para a exportação, para todos os países do
mundo, o que por sua vez desenvolve carregamentos de
barco de regresso lucrativos; agora aumenta, em conse-
quência da navegação da costa, a pesca e a navegação
para países estrangeiros, a navegação marítima e, assim,
a garantia de autonomia da nação e a sua influência
noutros povos, principalmente nos sul-americanos; agora
elevam-se as artes e ciências, civilização e literatura nos
Estados do Este e expandem-se daqui para o Oeste.
Estas são as condições pelas quais os países norte-
. -americanos foram levados a reduzir a importação de
artigos de manufactura estrangeira e a proteger a sua
própria manufactura. Com que sucesso isto aconteceu,
demonstrámos anteriormente. Que, sem essas medidas,
um poder de manufactura nos estados atlânticos nunca
poderia ter surgido, demonstram a sua própria expe-
riência e a história da indústria de outras nações.

250
Pretendia-se apresentar as crises de comércio tantas
vezes incidentes na América, como uma consequência
dessas restrições do comércio, mas sem qualquer razão.
As experiências anteriores do Norte da América, tal
como as mais recentes, ensinam o contrário, que estas
crises nunca foram mais frequentes nem prejudiciais do
que quando o comércio com a Inglaterra ·estava no
mínimo da sua limitação. As crises do comércio dos
estados agrícolas, que cobrem do exterior as suas neces-
sidades em manufacturas, surgem através de uma má
relação entre importação e exportação. Os estados de
manufactura, mais ricos em capital do que os estados
agrícolas, e sempre preocupados em aumentar as suas
vendas, dão os seus artigos a crédito e promovem o
consumo. Ao mesmo tempo, isto corresponde, de algum
modo, a um adiantamento sobre a próxima colheita. Se
a colheita for tão fraca que o seu valor não chegue de
forma alguma ao valor do consumo anterior, ou se a
colheita for tão rica que os produtos não têm procura
que chegue e os preços caem, os mercados continuam a
estar cheios de artigos de manufactura estrangeira, e
assim surge uma crise de comércio por causa de uma má
relação entre · os meios de pagamento e os consumos
anteriores, tal como por causa de uma má relação entre a
oferta e a procura nos produtos e nos artigos de manu-
factura. Esta crise é promovida e fomentada, mas não é
gerada pelas operações dos bancos nacionais e estran-
geiros.
Iremos esclarecer mais pormenorizadamente estas
relações num próximo capítulo.

251
Décimo Capítulo

AS LIÇÕES DA HISTÓRIA

Onde e sempre que a inteligência, a moral e a acti-


vidade dos cidadãos estiveram relacionadas da mesma
forma com o bem-estar da nação, com estas qualidades
aumentaram ou diminuíram as riquezas; nunca a pou-
pança e o espírito engenhoso e empreendedor dos indi-
víduos conseguiram fazer algo excepcional onde não
tivessem sido apoiados pela liberdade burguesa, pelas
instihüções públicas e pelas leis, pela administração do
Estado ou pela política externa, mas acima de tudo pela
união e pelo poder da nação.
Por todo o lado a História mostra-nos urna acção
recíproca poderosa entre as forças e as condições sociais
e individuais. Nas cidades italianas e nas cidades han-
seáticas, na Holanda e na Inglaterra, na França e nos
Estados Unidos da América, vemos as forças produtivas,
e consequentemente as riquezas dos indivíduos, aumen-
tarem com a liberdade e o aperfeiçoamento das institui-
ções, e ·estas, por sua vez, encontrarem alimento para o
seu aperfeiçoamento no crescimento das riquezas mate-
riais e da força produtiva dos indivíduos. A prosperi-
dade propriamente dita e o poder da indústria inglesa
datam d a altura em que se fundam entou concretamente
a liberdade nacional inglesa, em que, ao mesmo tempo,

253
cai em declínio a indústria e o poder dos venezianos, dos
hanseáticos, dos Espanhóis e dos Portugueses, junta-
mente com a sua liberdade. Por muito que os indivíduos
pudessem ser trabalhadores, poupados, engenhosos e
inteligentes, não conseguiam suprir a falta de institui-
ções livres. Por isso, a História ensina que os indivíduos
vão buscar a maior parte da sua força produtiva às ins-
tituições e às condições sociais.
A influência da liberdade, da inteligência e do
esclarecimento sobre o poder, e consequentemente
sobre o poder produtivo e a riqueza duma nação, em
nenhuma outra actividade se demonstra tão claramente
corno na navegação. Entre todos os ramos da indústria, a
navegação é aquele que mais necessita de energia, cora-
gem pessoal, espírito empreendedor e resistência -
características que manifestamente só conseguem evo-
luir numa atmosfera de liberdade. Em nenhum outro
ramo da indústria também, são tão nefastas as conse-
quências da ignorância, da superstição e do preconceito,
da indolência, da cobardia, do amolecimento e da fragi-
lidade, e em nenhum outro a sensação de independência
pessoal é tão imprescindível. Daí a razão de não se
encontrar na História qualquer tipo de exemplo em que
um povo escravizado se tenha evidenciado na navega-
ção. Os Hindus, os Chineses e os Japoneses sempre se
limitaram ao tipo de navegação de canal, de rio e cos-
teira. No antigo Egipto, a navegação por alto mar era
abominada, provavelmente porque os sacerdotes e os
regentes tinham medo de alimentar dessa forma o espí-
rito da liberdade e da independência. Os Estados mais
livres e mais esclarecidos da Grécia também eram os

254
mais poderosos no mar; terminando a liberdade parou o
seu poder marítimo e por muito que a História tenha a
relatar ao nível das vitórias em terra dos reis da Mace-
dónia, nada tem a relatar acerca de vitórias no mar.
Quando é que .os Romanos são poderosos no mar e
a partir de quando se deixa de falar das suas frotas?
Quando é que a Itália dita leis no Mediterrâneo e a partir
de quando a própria navegação de costa dos Italianos cai
nas mãos de estrangeiros? A Inquisição já tinha pronun-
ciado a sentença de morte das frotas espanholas antes
que as frotas inglesas e holandesas as viessem a destruir.
Com o aparecimento das oligarquias dos comerciantes
nas cidades hanseáticas, as Hansas perdem o poder e o
espírito empreendedor. Dos Países Baixos espanhóis só
os que vão para o mar conseguem a sua liberdade, pois
os que ficam sujeitos à Inquisição até os seus rios têm de
vedar. A frota inglesa, que havia vencido a holandesa no
canal, só tomou posse da soberania no alto mar, cuja
liberdade o seu espírito já lhe tinha dado há muito
tempo, e mesmo assim a Holanda manteve uma grande
parte da sua navegação até aos nossos dias, enquanto os
espanhóis e os portugueses foram quase aniquilados.
Foram em vao os esforços de alguns grandes adminis-
tradores individuais que pretenderam construir uma
· frota sob os reis déspotas da França; como é que nos dias
de hoje vemos a . navegação francesa e o poder naval
francês ficarem cada vez mais fortes? Mal começou o
processo da independência, os Estados Unidos da Amé-
rica começaram logo a lutar com fama contra as frotas
gigantescas da nação materna . Mas corno está a situação
da navegação da América Central e da América do Sul?

255
Enquanto as suas bandeiras não esvoaçarem em todos os
mares, não se devem considerar muito eficientes as suas
formas republicanas. Vejam, no entanto, o Texas- mal
despertou para a vida, exige logo a sua parte do reino de
Neptuno.
Mas a navegação é apenas uma parte do poder
industrial da nação, uma parte que só pode prosperar e
crescer para um significado grande no seu todo ou atra-
vés de um todo. Em todo o lado e a qualquer altura
vemos a navegação, o comércio interno e externo e
mesmo a própria agricultura a florescer apenas onde as
manufacturas conseguiram florescer em grande. Mas se
a liberdade já é a condição-base da prosperidade da
. navegação, quanto maior tem que ser então a condição-
-base da prosperidade de todo o poder da manufactura
e do crescimento de toda a força produtiva nacional?
A História não conhece nenhum povo rico que fizesse
comércio e negociasse e não fosse livre.
Em todo o lado foi através das manufacturas que se
produziram aperfeiçoamentos (ao nível dos transportes,
da melhor navegação nos rios e canais, do melhora-
mento das ruas, da navegação a vapor e dos comboios),
condições-base do melhoramento da agricultura e da
civilização.
A História ensina-nos que os ofícios e a indústria
caminharam de cidade para cidade e de país para país.
Perseguidos e oprimidos nas suas pátrias, fugiram para
cidades e países que lhes concediam liberdade, protec-
ção e apoio. Assim foram da Grécia e da Ásia para a Itá-
lia, daí para a Alemanha, para Flandres e Brabant, daí
para a Holanda e para Inglaterra. Foi sempre a incom-

256
preensão e o despotismo que os fez fugir, mas foi o espí-
rito da liberdade que os atraiu. Sem a imprudência dos
governos continentais, a Inglaterra muito dificilmente
teria chegado à supremacia da indústria. Parecerá mais
sensato que esperemos até que as outras nações sejam
insensatas, ao ponto de afugentarem as suas indústrias
e as obriguem a encontrar subterfúgio connosco, ou
será melhor que, sem esperarmos qúe esse tipo de situa-
ções aconteça, as convidemos a vir viver no nosso país
oferecendo-lhes vantagens? A verdade é que a expe-
riência nos ensina que o vento leva a semente de uma
região para a outra e que desta forma prados desertos
foram transformados em florestas densas; mas seria
sensato que o silvicultor esperasse que o vento melho-
rasse a cultura no decorrer dos séculos? Seria insen-
sato se ele tentasse, através da cultivação das áreas
desertas, conseguir o mesmo efeito, mas em poucas
dezenas de anos? A História ensina-nos que nações
inteiras fizeram com sucesso o que vemos aquele silvi-
cultor fazer.
Cidades singulares livres ou pequenas repúblicas,
que não tinham territórios muito grandes, nem uma
grande povoação, que eram insignificantes ao nível do
poder bélico, ou alianças deste tipo de cidades ou Esta-
dos, fortalecidos pela energia da liberdade jovem e
privilegiados pela sua posição geográfica ou por cir-
cunstâncias felizes e situações de momento, floresceram
através da indústria e do comércio muito tempo antes
das grandes monarquias e através do comércio livre com
estas, fornecendo-lhes manufacturas e recebendo os seus
produtos em vez de dinheiro, conseguindo evoluir para

257
um grau de · riqueza e de poder muito alto. Assim
Veneza, tal corno os Hanseáticos e também os Belgas e
os Holandeses.
Não menos proveitoso era, no início, o comércio
livre para os grandes países, que comerciavam com estas
cidades. Com as riquezas dos recursos naturais e com a
crueza das condições sociais, a importação livre de mer-
cadorias estrangeiras de manufacturas e a exportação de
produtos nacionais, era o meio mais seguro e mais eficaz
para desenvolver as suas forças produtivas, levando
assim os habitantes habituados à ociosidade e ao comér-
cio agressivo a serem trabalhadores, interessando os
proprietários de terras e a nobreza pela indústria, acor-
dando o espírito empreendedor adormecido nos comer-
ciantes e aumentando o seu interesse na cultura, na
indústria e no poder.
Estes foram os efeitos que a Inglaterra conheceu
.. especialmente com o comércio e a indústria rnanufactu-
reira dos Italianos, · dos Hanseáticos, dos Belgas e dos
Holandeses. Mas a partir do momento em que o livre-
-trânsito foi elevado a um patamar específico do desen-
volvimento, os grandes reinos aperceberam-se de que o
nível mais alto da cultura, do poder e da riqueza só
se poderia atingir pela união das manufacturas e do
comércio com a agricultura; sentiram que as novas
manufacturas do interior do país nunca conseguiriam
existir com sorte ao lado das antigas manufacturas, que
já existiam há muito tempo no estrangeiro sob concor-
rência livre, que as próprias pescarias e a própria nave-
gação - a base do poder naval - nunca se implemen-
tariam sem bonificações especiais e que o espírito

258
empreendedor dos comerciantes nacionais seria opri-
mido através do capital avassalador e da maior expe-
riência e maneiras de ver dos estrangeiros. Então,
tentaram, por meio de restrições, bonificações e estímu-
los, transplantar os capitais, a habilidade e o espírito
empreendedor dos estrangeiros para a terra nacional, o
que foi feito com maior ou menor êxito, mais ou menos
rápido, dependendo dos meios utilizados, de serem
estes mais ou menos adequados, aplicados com mais ou
menos energia e perseverança.
A Inglaterra tentou essa política antes dos outros
países. Mas por causa de regentes incompreensíveis ou
apaixonados, através de movimentos internos ou g11er-
ras externas, foi muitas vezes interrompida nessa polí-
tica e só com Eduardo VI, com Isabel e a Revolução se
conseguiu chegar a um sistema sólido que correspondia
ao objectivo. Então, como podiam as medidas disciplina-
res de Eduardo III ter o efeito devido, se só com Henri-
que VI foi permitido que os cereais pudessem ser trans-
portados de um condado inglês para outro ou até que
pudessem ser enviados para o estrangeiro? Se ainda com
Henrique VII e com Henrique VIIl todó e qualquer juro,
mesmo sendo lucro de câmbios, era declarado usura, e
se ainda nessa altura se acreditava ser possível fomentar
as indústrias através de cálculos mais baixos dos lanifí-
cios e das diárias, a produção de cereais através de res-
trições dos grandes rebanhos de ovelhas? E quanto
tempo antes é que a fabricação de lã e a navegação da
Inglaterra teria conseguido um alto grau de prosperi-
dade, se Henrique VIII não tivesse considerado que o
aumento dos preços dos cereais seria algo mau, se, em

259
vez de ter expulsado do seu país os trabalhadores
estrangeiros em grande número, tivesse agido segundo
o exemplo de regentes anteriores, se tivesse tentado
aumentar os números dos mesmos através das imigra-
ções e se não tivesse rejeitado o Acto de Navegação que
lhe foi proposto pelo Parlamento?
Em França, vemos manufacturas nacionais, livre-
-trânsito no interior do país, comércio com o exterior,
pescarias, navegação e poder naval, sucintamente, todos
os atributos de uma grande nação, poderosa e rica - o
que a .Inglaterra só conseguiu alcançar após séculos de
esforços - alcançados por um grande génio no decorrer
de poucos anos, como que por mão milagrosa, mas· des-
truídos ainda mais rapidamente pela mão firme do
fanatismo e do despotismo.
Sob condições desfavoráveis, vemos que o princí-
pio do livre-trânsito combate, em vão, as restrições
revestidas do poder; a Liga Hanseática é destruída, e a
Holanda afunda-se sob os golpes dados pela Inglaterra e
pela França.
Que a política comercial restritiva só pode ser eficaz
se for apoiada pela cultura evolutiva e pelas instituições
livres da nação, mostra-nos a decadência de Veneza, de
Espanha e de Portugal, a recaída da França através da
revogação do édito de Nantes e a história da Inglaterra,
onde conseguimos ver a qualquer altura a liberdade e a
indústria, o comércio e a riqueza nacional sempre com o
mes~o ritmo.
Que, no entanto, uma cultura muito avançada, com
ou sem instituições livres, se não for apoiada por uma
política comercial adequada, pouco garanta os progres-

260
sos económicos de urna nação, isso aprendemos, por um
lado, com a história dos estados livres norte-americanos
e, por .outro, com a experiência da Alemanha.
A Alemanha mais recente, sem uma política comer-
cial poderosa e comum, posta a nu no seu próprio mer-
cado de concorrência perante urna força de manufactura
estrangeira que é superior em todos os aspectos, mas por.
outro lado excluída por restrições arbitrárias e muitas
vezes caprichosas de outros mercados, muito longe na
sua indústria de fazer os respectivos progressos na sua
cultura, não consegue nem sequer evidenciar o seu
ponto de vista anterior e é explorada corno uma colónia
pela nação que séculos antes foi explorada da mesma
forma por comerciantes alemães até que finalmente os
estados alemães se decidiram a assegurar ·o mercado
interno da sua indústria através de um sistema comer-
cial comum e poderoso.
Os estados livres norte-americanos, mais do que
qualquer outra nação anteriormente, encontrando-se em
condições de tirar vantagem do comércio livre e já no
berço da sua independência influenciados pelas doutri-
nas da escola cosmopolita, esforçam-se mais do que
qualq1,1er outro por seguir este princípio. Mas, por causa
das guerras com a Grã-Bretanha, vemos aquela nação
duas vezes obrigada a fabricar ela própria manufacturas
que em comércio livre comprava a outras nações; vemo-
-la duas vezes levada à iminência da desgraça, depois
de urna situação de paz, através da livre concorrência
com o estrangeiro e avisada, através disso mesmo, de
que, no que respeita à posição actual do mundo, qual-
quer grande nação tem de procurar a garantia da sua

261
prosperidade contínua e da sua independência, acima de
tudo no desenvolvimento independente e uniforme dos
seus próprios poderes.
Assim, a História demonstra que as restrições não
são somente invenções de cabeças especulativas, ·são
também consequência lógica da diferença dos interesses
e da ambição das nações pela independência ou pelo
poder preponderante, ou seja, da inveja nacional e das
guerras, e que esse conflito de interesses nacionais só
pode terminar com a união das nações regidas por leis.
A pergunta "se e corno as nações se podem unir numa
confederação de estados e corno se deve usar a lei em
vez do poder das armas, ao surgirem .diferenças numa
tornada de decisão entre nações independentes" leva-
-nos, portanto, a outra: corno é o que poderíamos colocar
no lugar dos sistemas nacionais de comércio a liberdade
do comércio mundial?
As tentativas individuais das nações de introduzir
de forma unilateral esta liberdade - perante urna nação
. dominante atravé~ da indústria, da riqueza e do poder,
assim corno através de um sistema comercial fechado -
corno foram feitas em 1703 por Portugal, em 1786 pela
França, em 1786 e em 1816 pela América do Norte, de
1815 a 1821 pela Rússia e durante séculos pela Alema-
nha, demonstram-nos que, desta forma, só a prosperi-
dade das nações individuais é sacrificada sem vantagens
para a humanidade em geral, servindo.unicamente para
o enriquecimento da potência dominante da manufac-
tura e do comércio. A Suíça, corno iremos ver mais tarde,
constitui urna excepção, que comprova mais ou menos a
favor ou contra um ou outro sistema.

262
Colbert não nos aparece como o inventor do sis-
tema a que os Italianos deram o seu nome; como vimos,
já tinha sido desenvolvido muito antes pelos Ingleses.
Colbert somente colocou em prática o que a França teria
de realizar mais cedo ou mais tarde, se quisesse atingir
a sua finalidade. Se pretendermos culpar Colbert de
alguma coisa, então só por ter tentado realizar sob um
governo despótico aquilo que só depois duma reforma
de fundo das condições políticas se poderia manter.
O sistema de Colbert, continuado por regentes
sábios e · ministros inteligentes, teria eliminado por via
da reforma os obstáculos que se opunham aos progres-
sos da indústria, da agricultura e do comércio, e a França
assim não teria vivido a Revolução, mas, estimulada no
seu desenvolvimento pelo efeito recíproco da indústria e
da liberdade, teria concorrido de forma saudável com a
Inglaterra desde há século e meio, nas manufacturas, no
fomento do trânsito interno, no comércio extemo e na
colonização, assim como na pesca, na navegação e no
poder marítimo.
A . História ensina-nos finalmente que as nações
equipadas pela natureza com todos os meios para atingir
o grau máximo de riqueza e poder, sem cair em contra-
dição com a sua vontade, podem e devem, segundo o
ritmo do seu desenvolvimento, mudar os seus sistemas,
elevando-se da barbárie e promovendo a sua agricul-
tura, através do comércio livre com nações mais avança-
das, depois fomentar, através de limitações, o cresci-
mento das suas manufacturas, da pesca, navegação e
comércio externo, e, finalmente, chegado ao topo da
riqueza e do poder, através de um gradual regresso ao

263
princípio do comércio livre e da livre concorrência, pro-
teger da indolência os seus agricultores, manufactores e
comerciantes nos seus próprios mercados e nos merca-
dos externos e incitá-los a manter o avanço conseguido.
Vemos a Espanha, Portugal e Nápoles no primeiro
degrau, a Alemanha e a América do Norte no segundo, a
França parece-nos estar na fronteira do último degrau,
que só a Grã-Bretanha nesta altura já alcançou.

264
SEGUNDO LIVRO

A TEORIA
Décimo Primeiro Capítulo

A ECONOMIA POLÍTICA E A ECONOMIA COSMOPOLITA

Antes de Quesnay e dos economistas franceses,


existia apenas a prática da economia política exercida
pelos administradores públicos. Administradores e
autores que escreviam sobre assuntos da administração
ocupavam-se exclusivamente da agricultura, das manu-
facturas, do comércio e da navegação das nações a que
pertenciam, sem que analisassem as origens da riqueza
ou sem que se elevassem aos interesses da Humanidade
no seu todo.
Quesnay foi o primeiro a criar a ideia da liberdade
geral do comércio, estendendo as suas investigações a
toda a espécie humana sem tomar em consideração o
conceito da nação. Intitulando a sua obra Physiocratie, ou
du gouvernement le plus avantageux au genre humain,
pretendia que se imaginasse "os comerciantes de todas a
nações como se constituíssem uma república comercial".
Manifestamente, Quesnay trata da economia cosmopolita,
quer dizer, daquela ciência que ensina como toda a espé-
cie humana poderá chegar ao bem-estar, ao contrário da
economia política, a ciência que se limita a ensinar como
certa e determinada nação, em dadas condições mun-
diais, poderá chegar ao bem-estar, civilização e poder,
através da agricultura e comércio.

267
No mesmo sentido lato, também Adam Smith tra-
tava a sua teoria, propondo a si mesmo a tarefa de
justificar a ideia cosmopolita da liberdade absoluta do
comércio mundial, apesar das graves infracções dos
fisiocratas contra a lógica e a natureza das coisas. Adam
Smith, corno Quesnay, tão pouco colocou a si próprio a
tarefa de tratar da economia política, quer dizer, da polí-
tica que as diversas nações têm de seguir afim de
progredir nas suas condições económicas.
O título da sua obra é A Natureza e as Origens da
Riqueza das Nações, quer dizer, de todas as nações de
toda a espécie humana. Numa parte específica da obra,
os vários sistemas da economia política são referidos
pura e simplesmente com a intenção de afirmar a sua
nulidade e de provar que a economia mundial deveria
tornar o lugar da economia política ou nacional. Adam
Smith fala da guerra em várias ocasiões, mas só de
passagem: todos os seus argumentos se baseiam na ideia
da paz perpétua. De facto, segundo a observação expressa
do seu biógrafo Dugald Stewart, as pesquisas de Adam
Smith partem, desde o começo, do ponto de vista de que
"a maioria das medidas do Estado para a promoção da
riqueza pública não serviriam para nada, e para transitar
do mais baixo estado da barbárie ao mais alto estado da
maior riqueza possível, uma nação não ·precisaria de
nada mais do que impostos razoáveis, urna boa jurispru-
dência e paz". Aparentemente, Adam Smith, com a pala-
vra 'paz', referia-se à paz eterna do Abbé St. Pierre.
J. B. Say afirma claramente que é preciso imaginar
uma república universal para achar convincente a ideia da
liberdade geral do comércio. Este autor, que no fundo

268
limitou as suas aspirações a construir um sistema teórico
com os materiais criados por Adam Smith, diz literal-
mente no volume 6, página 288, da sua Économie politique
pratique:

"Podemos considerar os interesses económicos da


família, com o pai de família a encabeçá-la; os princípios
e as observações correspondentes a esta situação for-
mam a economia privada. Aqueles princípios, no entanto,
que se referem aos interesses de nações inteiras em si,
assim corno em relação a outras nações, formam a eco-
nomia pública (I 'économie publique). A economia política,
finalmente, trata dos interesses de todas as nações, da
sociedade humana em geral."

Neste contexto, é preciso observar: primeiro, Say


reconhece a existência de urna economia nacional ou
economia política sob o nome de économie publique, mas
não se ocupa dela em nenhuma parte das suas obras;
segundo, dá o nome de economia política a urna teoria
que é obviamente de natureza cosmopolita, e nela trata
sempre e apenas da economia que se ocupa dos interes-
ses de toda a sociedade humana, sem consideração dos
interesses particulares das várias nações.
Este equívoco de nomes seria aceitável se Say,
depois de ter explicado o que chama de economia polí-
tica - e que não é senão economia cosmopolita ou
economia mundial ou economia de toda a espécie
humana -, também nos tivesse dado a conhecer a teoria
a que dá o nome de économie publique, que não é senão a
economia de certas nações, ou economia política. Na

269
definição e no desenvolvimento desta teoria, não pode-
ria ter feito melhor do que partir do conceito e da natu-
reza de nação e mostrar que as alterações fundamentais
a economia da sociedade humana tem de sofrer por
ainda estar actualmente dividida em diversas nacionali-
dades, juntas numa união de forças e interesses,
confrontando outras sociedades da mesma espécie na
sua liberdade natural. Mas, dando à sua economia mun-
dial o nome de política, Say dispensa esta explicação, a
confusão de nomes origina uma confusão de conceitos,
encobrindo assim alguns dos mais graves erros teóricos.
Todos os autores posteriores partilharam este erro.
Também Sismondi chama à economia política expres-
samente "la science qui se charge du bonheur de l'espece
humaine". Desta forma, Adam Smith e os seus discípulos,
fundamentalmente, não ensinavam nada além do que já
Quesnay e os seus discípulos tinham ensinado, porque,
quase com as mesmas palavras, o artigo da Revue
Méthodique, ao tratar da Escola fisiocrática, diz: "o bem-
-estar dos indivíduos é em geral condicionado pelo bem~estar
de toda a espécie humana". O primeiro dos porta-vozes
americanos da liberdade comercial, como a entende
Adam Smith, o presidente do Columbia College, Thomas
Cooper, chega a negar a existência da nacionalidade,
chamando à nação "uma invenção gramatical, criada
somente para poupar circunscrições, uma não-entidade
(a nonentity), que hão existe e somente paira nas cabeças
dos políticos". Nisto, aliás, Cooper é totalmente conse-
quente, muito mais consequente do que os seus anteces-
sores e mestres, porque é claro que, desde que se reco-
nheça a existência das nações com as suas naturezas e os

270
seus interesses, torna-se necessário modificar a economia
da sociedade humana em conformidade com estes inte-
resses particulares, e caso se tencione descrever como
erros estas modificações, é inteligente negar à partida a
existência das nações.
Nós, pela nossa parte, estamos muito longe de
rejeitar a teoria da economia cosmopolita, tal como foi
desenvolvida pela Escola; somos, porém, da opinião de
que também a economia política, ou aquela a que Say dá
o nome de économie publique, deve ser desenvolvida
cientificamente, sendo sempre melhor chamar as coisas
pelos seus nomes correctos do que dar-lhes denomina-
ções que contradizem o significado das palavras.
Se se quiser ser fiel às leis da lógica e à natureza das
coisas, tem de se contrapor a economia social à economia
privada, distinguindo a primeira entre a economia polí-
tica ou nacional - que, partindo do conceito e da natu-
reza da nacionalidade, ensina como certa nação, na
presente situação do mundo e nas suas particulares con-
dições nacionais, pode manter e melhorar a sua situação
económica -e a economia cosmopolita ou mundial .que
se baseia na suposição de que todas as nações do mundo
formam uma única sociedade vivendo .em paz perpétua
entre elas próprias.
Pressupondo, como a Escola exige, uma união uni-
versal ou uma confederação de todas as nações como
garantia da paz perpétua, o princípio da liberdade inter-
nacional do comércio parece totalmente justificado.
Quanto menos cada indivíduo está limitado quando
persegue os seus objectivos de bem-estar, quanto maior
é o número e a riqueza daqueles com os quais está em

271
livre comunicação, quanto maior o espaço no qual pode
desenvolver a sua actividade individual, tanto mais fácil
será para ele utilizar as suas características naturais, os
seus conhecimentos e habilidades assim como os recur-
sos naturais disponíveis · para o aumento do seu bem-
-estar. O que se aplica aos indivíduos também é verdade
para as comunidades, províncias e países. Só um tolo
poderia afirmar que a união comercial não é tão favorá-
vel aos Estados Unidos da América do Norte, às provín-
cias da França, aos Estados federados alemães, como as
alfândegas provinciais.
Na unificação dos três reinos (da Grã-Bretanha e da
Irlanda), o mundo possui um grande e inegável exemplo
dos imensos efeitos da liberdade comercial entre povos
unidos. Imagine-se agora todas as nações da terra unifi-
cadas da mesma forma, e a fantasia mais viva não será
capaz de imaginar a soma de bem-estar e felicidade que
daí deveria resultar para a espécie humana.
Sem dúvida, a ideia de uma confederação universal
e da paz perpétua impõe-se tanto pela razão como pela
religião 1 • Se já o duelo entre dois indivíduos é contra
todo o bom senso, quanto mais insensato não será o
duelo entre nações? As provas que a economia social

1 A religião cristã exige a paz perpétua. Mas antes de se


cumprir a profecia haverá um pastor e um rebanho, será difícil
poder seguir-se o princípio, por si verdadeiro, dos Quacres.
Não há nenhuma prova melhor da divindade da religião cristã
do que o facto de que as suas lições e profecias estão em
completa harmonia com as exigências do bem-estar ·tanto
material como espiritual da espéCie humana.

272
pode rew:_úr da história cultural da Humanidade a favor
da sensatez de unir todas as pessoas sob a lei do direito
serão, porventura, as mais evidentes para o senso
comum. A História ensina que, quando os indivíduos
estão em estado de guerra, a sua riqueza desce ao nível
mais baixo, subindo na mesma medida em que cresce a
concórdia entre eles. No estado primitivo da Humani-
dade, notamos só .uniões de família, depois cidades,
depois confederações de cidades, depois uniões de paí-
ses inteiros e por fim unificações de muitos Estados sob
a lei do direito. Se a natureza das coisas foi suficiente-
mente forte para expandir a unificação que começou na
fanúlia de forma a compreender centenas de milhões,
também deveria ser possível julgá-la suficientemente
forte para conseguir a união de todas as nações. Se o
espírito humano foi capaz de perceber as vantagens
destas grandes uniões, também deveria ser possível
considerá-lo capaz de perceber as vantagens de uma
unificação total de toda a espécie. Uma série de indícios
apontam para esta tendência da consciência mundial.
Lembramos só os progressos nas ciências, nas artes e
invenÇões, na indústria e na ordem social. Agora já se
pode prever com certeza que, depois de decorridas
algumas décadas, em função do aperfeiçoamento dos
meios de transporte, as nações mais civilizadas da terra
estarão, no que concerne tanto ao trânsito material como
ao cultural, tão estreitamente ou ainda mais estreita-
mente ligadas entre si do que estiveram os vários con-
dados da Inglaterra há um século. Agora os governos
das nações do continente têm no telégrafo o meio de
dialogar, quase como se estivessem no mesmo lugar.

273
Poderosas forças, nunca antes conhecidas, já elevaram a
indústria a um grau de desenvolvimento que antes nem
se podia suspeitar, e outras mais' grandiosas já anuncia-
ram o seu aparecimento. Quanto mais alto, contudo,
se eleva a indústria, quanto mais uniformemente se
expande pelos países do mlUldO, tanto menos possível
será a guerra. Duas nações de igual desenvolvimento
industrial causariam, dentro de uma semana, mais
danos uma à outra do que seriam capazes de restaurar
dentro de uma geração. Acresce que estas mesmas novas
forças, que até agora têm servido preferencialmente à
produção, tampouco se recusarão a servir a destruição,
favorecendo maioritariamente a defesa e, especialmente,
as nações continentais europeias, enquanto ameaçam o
Reino Ilhéu com a perda daquelas vantagens que têm,
em sua defesa, resultado da sua situação insular. Nos
congressos das grandes potências, a Europa já possui o
embrião dum futuro congresso de nações. Manifesta-
mente, já actualmente as tentativas de resolver discór-
dias entre nações através de protocolos têm preferência
sobre as intenções de obter justiça através do poder das
armas. O melhor entendimento da natureza da riqueza e
da indústria já levou as melhores mentes de todas as
nações civilizadas à convicção de que a civilização de
povos bárbaros ou semibárbaros ou de povos que retro-
cederam na sua cultura, assim como a criação de coló-
nias, proporciona às nações civilizadas um campo para o
desenvolvimento das suas forças produtivas que lhes
promete resultados incomparavelmente mais ricos e
seguros do que as hostilização mútua através de guerras
ou medidas comerciais. Quanto mais se progredir neste

274
entendimento, quanto mais os povos não civilizados
ficarem acessíveis aos povos civilizados, através dos
progressos nos meios de transporte, tanto mais as nações
civilizadas compreenderão que a civilização de povos
bárbaros, ou destruídos por anarquia interna ou optimi-
dos por maus governos, é uma tarefa · comum a todos,
que a todos traz iguais vantagens - uma tarefa que só
pode ser cumprida pela união.
O facto de a civilização de todas as nações, a cul-
tura de todo o globo ser a tarefa a executar pela Humani-
dade, é evidente naquelas leis naturais inalteráveis,
pelas quais as nações civilizadas são impulsionadas, com
força irresistível, a transferir as suas forças produtivas
para países menos cultos. Em todo o lado vemos como,
sob a influência da civilização, a população, as forças
intelectuais, os capitais materiais crescem até uma altura
em que necessariamente extravasam para outros países
menos cultos. Quando o solo do país já não é suficiente
para alimentar a população e empregar o sector rural, a
população excedente procura solos cultiváveis em zonas
longínquas; quando talentos e capacidades técnicas são
tantas numa nação que já não recebem remuneração
suficiente, migram para zonas onde são procurados; se,
como resultado da acumulação de capitais materiais, os
juros descerem a um nível tão baixo que o mais pequeno
capitalista já não consegue viver deles, tentará usá-los
melhor em países menos ricos.
O sistema da Escola baseia-se, pois, numa ideia
verdadeira - uma ideia que terá de ser reconhecida e
desenvolvida pela ciência, se quer cumprir o seu destino
de iluminar a prática -, uma ideia que a prática não

275
pode entender mal se não se quiser enganar no caminho.
Porém, a Escola deixou de tomar em consideração a
natureza das nacionalidades e os seus interesses e situa-
ções específicos, harmonizando-a com a ideia da união
universal e da paz perpétua.
A Escola assumiu como já existente uma situação que
está ainda por criar. Pressupõe a existência de uma união
universal e de uma paz perpétua e deduz daí as grandes
vantagens da liberdade comercial. Desta forma, con-
funde o efeito com a causa. Entre as províncias e os
Estados já unificados, existe a paz perpétua, desta união
nasceu a unificação do comércio, e como resultado da
paz perpétua existente entre eles, a unificação do comér-
cio tem-lhes trazido muitas vantagens. Todos os exem-
plos que a História nos dá mostram que primeiro
aconteceu a unificação política e só depois se seguiu a
múficação do comércio. Não se conhece nenhum caso
onde a unificação do comércio fosse anterior e dela
resultasse a unificação política. Mas que, sob as condi-
ções presentemente existentes no mundo, a liberdade
comercial generaliza não poderá gerar a república uni-
versal, e sim a subjugação universal das nações menos
desenvolvidas sob a supremacia da potência dominante
de manufactura, de comércio e naval - é uma suposição
com razões fortes e, na nossa opinião, irrefutáveis.
A república universal no sentido de Henrique IV e
do Abbé St. Pierre quer dizer uma confederação das
nações da terra, em função da qual estas reconhecem
entre si a situação legal e abdicam duma defesa própria
só se pode realizar quando muitas nacionalidades se
elevam a um nível de indústria e civilização, de desen-

276
volvimento político e poder, o mais prox1mo possível.
Só com a gradual formação desta união, a liberdade
comercial se pode desenvolver; só como resultado desta
união se pode assegurar a todas as nações as grandes
vantagens que estamos agora a ver nas províncias e nos
Estados unificados. O sistema de protecção, sendo o
único meio de pôr os Estados mais avançados, em ter-
mos de civilização, ao nível da nação preponderante que
não recebeu da natureza um monopólio de manufactura
eterno, mas ganhou um avanço em termos de tempo em
relação a outras nações- o sistema de protecção aparece,
encarado deste ponto de vista, como o meio mais
importante de alcançar a final união dos povos, por con-
seguinte a verdadeira liberdade comercial. E a economia
nacional, deste ponto de vista, parece ser aquela ciência
que, reconhecendo os interesses existentes e as indivi-
duais situações das nações, ensina de que forma cada
nação pode ser elevada àquele nível de desenvolvimento
económico, no qual lhe é possível e útil unir-se a outras
nações de igual desenvolvimento, ou seja, a liberdade
comercial.
A Escola, no entanto, misturou as duas teorias;
incorreu no grande erro de julgar as situações das nações
conforme princípios puramente cosmopolitas, ignorando,
por razões políticas, as tendências cosmopolitas das for-
ças produtivas.
Só entendendo mal a tendência cosmopolita das
forças produtivas, poderia Malthus chegar ao erro de
querer reduzir a reprodução da população; poderiam,
nos tempos mais recentes, Chalmers e Torrens criar a
estranha opinião de que a multiplicação dos capitais e a

277
produção ilimitada seriam males aos quais o bem-estar
comum exigia pôr limites; poderia Sismondi declarar as
fábricas coisas nocivas para a comunidade. Aqui, a teo-
ria assemelha-se a Saturno que devora os seus próprios
filhos. A teoria, conforme o aumento da população, dos
capitais e das máquinas, resulta na divisão do trabalho,
explicando com esta a riqueza da sociedade, acaba por
ver estas forças como monstros que ameaçam a riqueza
dos povos, porque, só olha as presentes situaçôes de
nações particulares, não considera as situações de todo o
globo e os futuros progressos da Humanidade.
Não é verdade que a população cresça em medida
maior do que a produção dos meios de subsistência,
pelo menos é tolice supor uma tal desproporção ou
querer prová-la com cálculos artificiais e argumentos
sofistas, enquanto ainda houver no globo uma massa de
· recursos naturais não utilizada, com a qual talvez dez ou
cem vezes mais pessoas do que as vivas de momento
poderão ser alimentadas.
É falta de inteligência, aliás, usar a capacidade
actual das forças produtivas como medida para saber,
quantas pessoas se podem alimentar duma dada área de
solo. Segundo este tipo de cálculo, o selvagem, o caçador
e o pescador não teriam espaço para um milhão, o pastor
não teria espaço para dez milhões, o lavrador rude
para cem milhões no globo e, no entanto, habitam de
momento duzentos milhões de pessoas somente na
Europa. A cultura da batata e das forragens e os mais
recentes melhoramentos na agricultura em geral têm
aumentado em dez vezes a força produtiva da Humani-
dade para produzir meios de subsistência. Na Idade

278
Média, o rendimento em trigo de uma terra agrícola na
Inglaterra era quatro vezes maior, hoje é dez até vinte
vezes mais, tendo sido cultivado cinco vezes mais solo.
Em muitos países europeus, cujo solo tem a mesma fer-
tilidade natural que o solo inglês, o rendimento hoje não
é mais do que o quádruplo. Quem, para além disso, quer
limitar as descobertas, invenções e melhorias da espécie
humana? A química agrícola ainda está no começo;
quem pode garantir que amanhã não haverá uma nova
invenção ou descoberta, através da qual o rendimento
do solo aumentará cinco ou dez vezes? Pois já agora o
poço artesiano é um meio para transformar áridos
desertos em ricos campos de cultivo. E que outras forças
poderão estar ainda escondidas nas entranhas da terra?
Vamos apenas supor que, através de uma nova desco-
berta, seria possível, sem ajuda dos materiais combustí-
veis até agora conhecidos, produzir calor barato em todo
o lado: que áreas de terra seriam assim passíveis de
cultivo e em que medida imprevisível poderia ser
aumentada a capacidade produtiva de um dado trecho
de terra? Se a teoria de Malthus nos parece limitada na
sua tendência, ela apresenta-se nos seus meios como
teoria contra a natureza, que mata o moral e a força e
que é horrível. Quer matar um impulso, do qual a natu-
reza se serve como o meio mais eficaz de incitar as pes-
soas a empenhar o seu corpo e o seu espírito e a desper-
tar e alimentar os seus sentimentos mais nobres - um
impulso a que a espécie deve a maior parte dos seus
progressos. Quer elevar a lei o egoísmo mais desalm<;tdo;
exige que viremos a cara àquele que está a morrer de
fome porque, se lhe dermos comida e bebida, em trinta

279
anos, talvez seja outro a morrer de fome em seu lugar.
Querendo substituir compaixão por um cálculo, esta
teoria transformaria em pedras os corações das pessoas.
Mas, no fim, o que se poderia esperar de uma nação
cujos cidadãos teriam pedras no peito em vez de cora-
ções? Que outra coisa a não ser a total decadência de
toda a moralidade, com isso de todas as forças produti-
vas, e desta forma de toda a riqueza, de toda a civiliza-
ção, de .todo o poder da nação?
Se numa nação a população cresce mais do que a
produção de alimentos, se os capitais finalmente se
acumulam de forma a já não poderem ser aplicados na
nação, se as máquinas levam ao desemprego de uma
grande quantidade de pessoas, e os produtos manufac-
turados se amontoam excessivamente, isto não é mais do
que a prova de que a natureza não quer que indústria,
civilização, riqueza e poder estejam reservados a uma
única nação, nem que uma grande parte da terra cultivá-
vel seja habitada só por animais e a maior parte da espé-
cie humana continue submersa em barbárie, ignorância e
pobreza.
Mostrámos em que erros a Escola caiu pelo facto de
julgar as forças produtivas da Humanidade do ponto de
vista político; agora temos de indicar também os erros
que cometeu, quando considerou os interesses específi-
cos das nações do ponto de vista cosmopolita.
Se houvesse mesmo uma confederação das nações
como existe nos Estados Unidos da América do Norte, o
excesso de população, de talentos e capacidades e de
capital material transbordaria da Inglaterra para os
Estados do Continente, da mesma forma como flui dos

280
Estados de Leste da união americana para os Estados do
Oeste, contanto que nos países continentais existisse
a mesma segurança das pessoas e da propriedade, a
mesma constituição e as mesmas leis gerais, e que o
governo inglês estivesse sujeito à vontade global da con-
federação universal. Nesta condição, não haveria melhor
meio do que a liberdade comercial para elevar todos
estes países ao nível de riqueza e civilização da Ingla-
terra. É este o argumento da Escola. Porém, como seria o
resultado da liberdade comercial nas presentes condi-
ções mundiais?
Os Britânicos, como nação independente, fechada
sobre si, fariam no futuro do seu interesse nacional o
único critério da sua política. O inglês, tendo preferência
pela sua língua, as suas leis e instituições, e pelos seus
hábitos, aplicaria possivelmente as suas forças e os seus
capitais na indústria nacional, para a qual a liberdade
comercial lhe proporcionava boas ocasiões, visto que
expandia o mercado inglês de manufacturas para todos
os países; não se lembraria facilmente de criar manu-
facturas na França ou na Alemanha. A partir daí, todo
o excesso de capital na Inglaterra seria aplicado no
comércio com outras partes do mundo. No caso de o
inglês emigrar ou aplicar os seus capitais noutros luga-
res que não a Inglaterra, preferiria, como agora, aqueles
países longínquos onde encontrava a sua língua, as suas
leis, as suas mstituições, aos países vizinhos no conti-
nente. Toda a Inglaterra se desenvolveria, desta fonna,
numa única e gigantesca cidade de manufactura. A Ásia,
a África e a Austrália seriam civilizadas pela Inglaterra,
semeadas com novos Estados conforme o modelo inglês.

281
Assim, com o andar do tempo, iria aparecer um mundo
de Estados ingleses sob a presidência do Estado-mãe,
no qual as nações do continente europeu se perderiam
como tribos insignificantes e infrutíferas. A França
dividiria com a Espanha e Portugal a tarefa de fornecer a
este mundo inglês os melhores vinhos, bebendo eles
próprios os piores; no máximo, os Franceses deveriam
ficar com o fabrico de alguns artigos de moda. A Ale-
manha muito dificilmente deveria ter algo mais a for-
necer do que brinquedos infantis, relógios de parede em
madeira, publicações filológicas e, de vez em quando,
um corpo de exército auxiliar, que se prestaria a perecer
· nos desertos asiáticos ou africanos para expandir o
domínio inglês de manufactura e comércio, literatura e
língua. Não demoraria muitos séculos até que, neste
mundo inglês, se falasse dos Alemães e dos Ingleses com
o mesmo respeito com que nós agora falamos das nações
asiáticas.
A política, porém, reconhece um tal desenvolvi-
mento através da liberdade comum do comércio como
sendo não natural; ela raciocina: se no tempo da Liga
Hanseática se tivesse introduzido a liberdade comercial
comum, a nacionalidade alemã, em vez da inglesa, teria
ganho um avanço no comércio e nas manufacturas
relativamente a todas as outras nações. Seria altamente
injusto, conceder agora, por razões cosmopolitas, toda a
riqueza e todo o poder do mundo aos Ingleses, pela
simples razão de terem sido os primeiros a desenvolver
o sistema político do comércio e de terem sido os que
pior interpretaram o princípio cosmopolita. Para que a
liberdade comercial possa actuar de forma natural, as

282
nações menos avançadas teriam primeiro de ser eleva-
das, com medidas artificiais, àquele nível de desenvol-
vimento a que a nação inglesa tinha sido elevada artifi-
cialmente.
Para que, através daquela tendência cosmopolita
das forças produtivas que foram mencionadas mais
acima, partes longínquas do mundo não sejam fecunda-
das mais cedo do que os países europeus vizinhos,
aquelas nações que se sentem capazes de criar uma força
de manufactura, com base nas suas condições morais,
intelectuais, sociais e políticas, deveriam aplicar o ·sis-
tema protector como o meio mais eficaz para este fim.
Os resultados deste sistema seriam de dupla natureza
para o fim indicado: primeiro, começaria a haver, atra-
vés da gradual exclusão de .produtos manufacturados
estrangeiros do nosso mercado, um excesso de trabalha-
dores, talentos e capitais nas nações estrangeiras que
agora teriam que procurar colocação no estrangeiro, e
segundo, através dos prémios que o nosso sistema pro-
tector ·oferece aos trabalhadores, talentos e capitais imi-
grantes, aquele excesso de forças produtivas seria esti-
mulado a ficar aqui, em vez de migrar para partes lon-
gínquas do mundo e colónias.
A política aponta para a História, perguntando se,
no passado, a Inglaterra não terá atraído pelo mesmo
meio uma massa de forças produtivas da Alemanha,
Itália, Holanda, Bélgica, França, Espanha e Portugal.
Pergunta porque · é que a Escola cosmopolita, compa-
rando as vantagens e desvantagens do sistema protector,
oculta totalmente este grande efeito do sistema.

283
Décimo Segundo Capítulo

A TEORIA DAS FORÇAS PRODUTIVAS


E A TEORIA DO VALOR

A obra famosa ele Adam Smith intitula-se Sobre a


Natureza e as Origens da Riqueza das Nações. Com isto, o
fundador da Escola dominante indicou correctamente o
duplo ponto de vista sob o qual se deve olhar a econo-
mia das nações assim como a economia dos vários pri-
vados. As origens da riqueza são uma coisa completa-
mente diferente da riqueza em si. Um indivíduo pode
possuir riqueza, ou seja, valores de troca, mas, se não
tiver força para produzir mais objectos valiosos do que
aqueles que consome, empobrece. Um indivíduo pode
ser pobre, mas se tiver a força para criar uma soma
maior de objectos valiosos do que os que consumir,
enriquecerá.
A força de produzir riqueza é, por isso, imensamente
mais importante do que a riqueza em si; ela garante não
só a propriedade e o aumento do adquirido~ mas tam-
bém a substituição do perdido. Isto é ainda mais verda-
deiro quando se trata de nações inteiras, que não podem
viver de rendas, como os privados. Não se passou século
em que a Alemanha não tivesse sido devastada pela
peste, pela fome ou por guerras internas e externas; mas
tem sempre salvo uma grande parte das suas forças

285
produtivas, conseguindo desta forma voltar a alcançar
rapidamente algum bem-estar, enquanto a rica e pode-
rosa Espanha, governada por déspotas e clero, na posse
plena de paz interna, tem mergulhado cada vez mais em
pobreza e miséria. Ainda o mesmo sol brilha para os
espanhóis, ainda estão na posse da mesma terra, ainda
as suas minas continuam com a mesma riqueza, ainda
são o mesmo povo de antes da descoberta da América e
da instituição da Inquisição; mas este povo tetn perdido,
passo a passo, a sua força produtiva, tomando-se, por
isso, pobre e miserável. Na América do Norte, a guerra
de libertação tem custado centenas de milhões à nação,
mas a sua força produtiva tem sido reforçada imensa-
mente pela conquista da independência nacional; por
isso, poucos anos depois de reconquistada a paz, conse-
guiu criar incomparavelmente mais riqueza do que
alguma vez tinha possuído. Compare-se a situação da
França no ano de 1809 com a do ano de 1839; que dife-
rença! e não obstante a França ter, entretanto, perdido o
domínio sobre urna grande parte do continente europeu,
ter sofrido duas invasões devastadoras e pago mil
milhões em contribuições e indemnizações de guerra.
É impossível que urna inteligência tão aguda corno
a de Adam Smith pudesse ter por completo interpretado
mal a diferença entre a riqueza e as suas origens e as
consequências predominantes destas origens para a
situação das nações. Na introdução da obra, Adam
Smith diz claramente: "O trabalho é a fonte de que todas
as nações tiram as riquezas, e o aumento das riquezas
depende principalmente da força produtiva do trabalho,
ou seja, do grau de conhecimentos, dos talentos e da

286
utilidade com que o trabalho da nação é utilizado, assim
como da proporção entre o número das pessoas empre-
gadas produtivamente e o número dos não-produtivos."
Percebemos com esta frase até que ponto Smith enten-
deu claramente, em geral, que a situação das nações está
principalmente condicionada pela soma das suas forças
produtivas.
Mas não parece que a natureza pretenda que ciên-
cias completas saiam de forma perfeita das cabeças de
pensadores individuais. Manifestamente, Smith estava
demasiado influenciado pela ideia cosmopolita dos fisio-
cratas da "liberdade geral do comércio", e pela sua própria
grande descoberta da "divisão do trabalho", para perse-
guir a ideia da 'força produtiva". Independentemente de
quanto a ciência lhe deva nas suas outras partes, a ideia
da "divisão de trabalho" pareceu-lhe a mais brilhante. Era
suposto que garantisse nome ao seu livro e fama ao seu
nome. Demasiado experiente para não perceber que
quem tem para vender uma valiosa pedra preciosa não a
leva com vantagem ao mercado no interior de um saco
cheio de trigo - por muito úteis que estes grãos possam
ser -, antes a coloca no topo do saco; demasiado expe-
riente para não saber que um principiante - e na altura
da publicação da sua obra era um principiante em rela-
ção à economia política - que no primeiro acto consegue
. causar sensação é facilmente desculpado se nos seguin-
tes só se conseguir levantar um pouco acima do
mediano, estava ansioso por começar a sua obra com a
teoria da divisão do trabalho. Smith não se enganou nos
cálculos, o seu primeiro capítulo fez o êxito da sua obra
e fundou a sua autoridade.

287
Nós, da nossa parte, ao contrário, pensamos poder
provar que foi exactamente esta ansiedade de apresentar
de forma vantajosa a importante descoberta da divisão do
trabalho que o impediu de prosseguir com a ideia da força
produtiva, que formulou na introdução bem como, mais
tarde, embora de passagem, apresentando a sua teoria
de forma muito mais perfeita. Manifestamente, deixa-se
seduzir pelo grande valor que atribui à sua ideia da divi-
são do trabalho, de apresentar o próprio trabalho como a
"base" (fund) de todas as riquezas das nações, não obs-
tante ele próprio entender bem, e também o dizer, que a
produtividade do trabalho depende principalmente do grau
de habilidade e de utilidade com que o trabalho é apli-
cado. Perguntamos nós: pode falar-se em raciocínio
científico quando se designa como causa de um fenó-
meno uma coisa que, em si própria, é o resultado de
uma série de razões mais fundas? Não há dúvida de que
toda a riqueza é obtida mediante esforços mentais e físi-
cos (trabalho); mas isto ainda não designa nenhuma
causa da qual se pudesse tirar conclusões úteis; porque a
História ensina que nações inteiras caíram em pobreza e
miséria, apesar dos esforços e da parcimónia dos seus
cidadãos. Quem, nestes casos, queira saber e investigar
corno é que urna nação chega da pobreza e barbárie à
riqueza e civilização, e outra chega da situação de
riqueza e felicidade à pobreza e miséria, teria que, obtida
a resposta: "o trabalho é a causa da riqueza e a ociosi-
dade a causa da pobreza" (uma noção que, aliás, o rei
Salomão já teve muito antes de Adam Smith), levantar
outra pergunta: qual seria, então, a causa do trabalho e
qual seria a razão da ociosidade? Mais correctamente,

288
poderiam nomear-se os membros do ser humano
(cabeça, mãos e pés) como a causa da riqueza, porque
assim se chegaria, pelo menos, muito mais perto da ver-
dade; a pergunta ficaria totalmente óbvia: o que será que
fazem estas cabeças e estas mãos e pés produzir e o que
é que toma eficiente estes esforços? Que outra coisa
poderá ser se não o espírito que anima os indivíduos, a
ordem social que fecunda as suas actividades, as forças
da natureza de que podem dispor? Quanto mais a pes-
soa compreende que tem de providenciar o futuro;
quanto mais os seus entendimentos e sentimentos a
estimulam para garantir o futuro dos seus próximos e
promover a sua felicidade; quan~o mais, desde a juven-
tude, se acostumou a pensar e agir; quanto mais cultiva-
dos forem os seus sentimentos nobres e o seu corpo e
mente forem formados e, quanto mais belos exemplos
puder observar desde a juventude; quanto mais ocasião
tiver de usar as suas forças mentais e físicas para melho-
rar a sua condição; quanto menos limitada for na sua
actividade legítima; quanto mais bem sucedidos forem
os seus esforços e quanto mais lhe forem garantidos os
frutos dos seus esforços; quanto mais puder, através de
ordem e actividade, obter para si reconhecimento e res-
peito públicos; quanto menos o seu entendimento sofrer
de preconceitos, superstição, opiniões erradas e ignorân-
cia - tanto mais esforçará cabeça e membros em prol da
produção, tanto mais conseguirá alcançar, tanto melhor
economizará os frutos do seu trabalho. Relativamente a
tudo isto, no entanto, a maioria depende das condições
da sociedade em que o indivíduo foi formado e se move,
depende se ciência e artes estão a florir, se as instituições

289
públicas e leis produzem religiosidade, moralidade,
inteligência, segurança da pessoa e da propriedade,
liberdade e justiça, depende de todos os factores do
bem-estar material, agricultura, manufacturas e comér-
cio estarem desenvolvidos equilibrada e harmoniosa-
mente, de o poder da nação ser suficientemente grande
para garantir aos indivíduos o progresso em bem-estar e
educação de geração em geração e de tomá-los capazes
de, não só utilizarem os seus recursos naturais internos
em toda a sua extensão, mas, para além disso, ainda
aproveitarem os recursos naturais de outros países atra-
vés do comércio externo e da propriedade colonial.
Adam Smith, no geral, reconheceu tão pouco a
natureza destas forças que nem reconhece produtivi-
dade ao trabalho intelectual daqueles que tratam da lei e
ordem, cultivam o ensino e a religiosidade, a ciência e
arte, etc. As suas pesquisas limitam-se àquela actividade
humana através da qual são produzidos valores mate-
riais. É verdade que em relação a estes reconhece que a
sua produtividade depende dos talentos e da utilidade
com que é realizada, mas na sua investigação das causas
deste talento e desta utilidade não vai além da divi-
são do trabalho, explicando-a somente pela troca, pelo
aumento dos capitais materiais e pela expansão do mer-
cado. De imediato, a sua teoria afunda-se, cada vez mais
profundamente, em materialismo, particularismo e indi-
vidualismo. Se tivesse perseguido a ideia da "força produ-
tiva", sem se deixar dominar pela ideia de valor, "valor
de troca", teria forçosamente chegado à opinião de que
uma teoria do valor deve acompanhar uma teoria das forças
produtivas independente para explicar os fenómenos

290
económicos. Em vez disso, seguiu o caminho errado, de
explicar as forças intelectuais pelas condições materiais,
criando assim o fundamento de todos os absurdos e
todas as contradições, das quais a sua Escola padece até
aos nossos dias, corno explicaremos, e que são a única
razão por que as lições da economia política são menos
acessíveis precisamente às mentes mais capazes. O facto
de a Escola de Smith não ensinar nada mais do que a
teoria do valor conclui-se não só de a sua doutrina se
basear, em tudo, no conceito do valor de troca, mas tam-
bém da definição que dá da sua teoria: é, corno diz J. B.
Say, aquela ciência que ensina corno as riquezas ou valo-
res de troca são produzidos, distribuídos e consumidos.
Manifestamente, não é esta a ciência que ensina corno as
forças produtivas s.ã o criadas e cultivadas e corno são
oprimidas ou destruídas. M' Culloch chama-a expres-
samente a ciência do valor e autores ingleses mais recentes
chamam-na ciência da troca.
A diferença entre a teoria das forças produtivas e a
teoria do valor é o que demonstraremos da melhor
forma com exemplos da economia privada.
Se, de dois pais de família, que são ao mesmo
tempo proprietários de terras, cada um poupa 1000 Taler
por ano e cada um tem cinco filhos, um guarda as suas
poupanças para ter juros e faz os seus filhos trabalhar
duramente, enquanto o outro usa as suas poupanças
para educar dois dos seus filhos para serem razoáveis
agricultores, deixando que dos restantes três cada um
aprenda um ofício conforme .o seu particular talento, o
primeiro actua segundo a teoria do valor e o outro
segundo a teoria das forças produtivas. No dia da sua

291
morte, o primeiro poderá ser muito mais rico em valores
de troca do que o segundo, mas será diferente em
relação às forças produtivas. A propriedade rural do
segundo será dividida em duas partes e, graças a uma
gestão melhorada, cada uma destas partes produzirá
tanto em rendimento líquido como anteriormente os
terrenos todos, enquanto os restantes três filhos obtive-
ram ricas fontes de sustento nas suas profissões. As ter-
ras do outro serão divididas em cinco partes, sendo cada
uma gerida igualmente mal como antes a propriedade
toda. Numa das famílias será despertada e formada uma
massa de variadas forças mentais e talentos que aumen-
tarão de geração em geração; cada geração seguinte terá
mais força para adquirir riquezas materiais do que a
anterior, enquanto na outra família estupidez e pobreza
aumentarão forçosamente com a diminuição da partici-
pação nas terras. Desta forma, o proprietário de escravos
aumenta a soma dos seus valores de troca através da
cultura de escravos, mas causa a ruína das forças pro-
dutivas de gerações futuras. Todo o esforço dirigido ao
ensino da juventude, ao cultivo do direito, à defesa da
nação, etc. é destruição de valores a favor da força pro-
dutiva. A maior parte do consumo duma nação vai para
a educação da geração futura, para o cultivo da futura
força produtiva nacional.
A religião cristã, a monogamia, a abolição da escra-
vatura e da servidão, a hereditariedade do trono, a
invenção da escrita alfabética, da imprensa, do correio,
do dinheiro (sistema monetário), do peso e da medida,
do calendário e dos relógios, da polícia de segurança
(pública), a introdução da propriedade livre da terra e os

292
meios de transporte são fontes ricas de força produtiva.
Para se convencer disso, não é necessário nada mais do
que comparar a situação dos estados europeus coin a
dos asiáticos. Para compreender a influência da liber-
dade de pensamento e consciência sobre as forças pro-
dutivas das nações, basta ler a história da Inglaterra e,
depois, a da Espanha. A publicidade da Justiça, o tribu-
nal de jurados, a legislação parlamentar, o controlo
público da administração do Estado, a auto-administra-
ção das comunidades e corporações, a liberdade de
imprensa, as associações para fins de utilidade pública,
proporCionam aos cidadãos de Estados constitucionais,
assim como ao poder estatal, uma soma de energia e
força que dificilmente se consegue criar através de
outros meios. Mal se consegue imaginar uma lei ou uma
instituição pública que não exerça maior ou menor
influência sobre o aumento ou a diminuição da força
. produtiva1 •
Se indicarmos apenas o trabalho físico como causa
da riqueza, como é que então se explica que as nações
mais novas sejam incomparavelmente mais ricas, tenham
mais população, sejam mais poderosas e felizes do que
as nações da Antiguidade? Nos povos antigos havia, em
relação ao total da população, incomparavelmente mais
mãos a trabalhar, o trabalho era muito mais duro, cada
indivíduo tinha muito mais terra, e mesmo assim as

1 Say diz na sua Économie politique pratique, vol. ill, p. 242:

"les lois ne peuvent pas créer des richesses" . É verdade que


não podem fazer isso, mas criam a força produtiva, que é mais
importante do que a riqueza, ou seja, a posse de valores de troca.

293
massas estavam muito pior alimentadas e vestidas do
que nos mais novos. Para explicar este fenómeno, temos
de chamar à àtenção para todos os progressos feitos no
decorrer dos milénios passados, nas ciências e artes, nas
instalações domésticas e públicas, na formação da mente
e na capacidade de produção. O presente estado das
nações é uma consequência da acumulação de todas as
descobertas e invenções, de todos os melhoramentos,
aperfeiçoamentos e esforços de todas as gerações que
nos çmtecederam; constituem o capital mental da huma-
nidade viva, e cada nação é produtiva somente na
medida em que tem sabido assimilar estas conquistas de
gerações anteriores e aumentá-las através de aquisições
próprias, e em que os recursos naturais do seu território,
a extensão e a posição geográfica deste, assim como o
tamanho da sua população e o poder político a toma
capaz de desenvolver todos os sectores alimentares o
mais completa e equilibradamente possível dentro das
suas fronteiras, estendendo a sua influência moral,
· intelectual, industrial, comercial e política sobre outras
nações menos avançadas e, na generalidade, sobre os
assuntos de todo o mundo.
A Escola quer-nos fazer acreditar que a política e o
poder político não podem ser considerados na economia
política. Na medida em que reduz os objectos da sua
pesquisa aos valores e à troca, poderá ter razão; é possí-
vel determinar os conceitos de valor e capital, lucro,
salário, renda da terra, dissolvê-los nas suas partes,
especular sobre os elementos que possam influenciar a
sua subida ou descida, etc., sem nisso levar em conta as
situações políticas das nações. Mas, manifestamente,

294
estas matérias pertencem tanto à. economia privada
como à economia de nações inteiras. Basta examinar a
história de Veneza, da União Hanseática, de Portugal, da
Holanda e da Inglaterra, para chegar à conclusão de que
existe uma relação · recíproca entre riqueza material e
poder político. Pára além disso, a Escola cai nas mais
estranhas contradi~ões sempre que esta- relação recíproca
é considerada. Lembremo-nos apenas do estranho juízo
de Adam Smith sobre o Acto de Navegação inglês.
Não entrando na natureza das forças produtivas,
não analisando as situações das nações na sua totali-
dade, a Escola falha em reconhecer sobretudo o valor de
um desenvolvimento equilibrado da agricultura, das
manufactu.J;as e do comércio, do poder político e da
riqueza interna, mas sobretudo o valor de uma força de
manufactura específica de uma nação, desenvolvida
conforme todas as suas ramificações. Incorre no erro de
pôr a força de manufactura na mesma categoria que a
força agrícola, e de falar de trabalho, força natural, capi-
tal, etc., em geral, sem levar em conta as diferenças
existentes entre eles. Não vê que, entre o mero estado
agrícola e o estado agrícola-manufactureiro, existe uma
diferença muito maior do que entre o estado pastoral e o
estado agrícola. Na mera agricultura, existe arbitrarie-
dade e servidão, superstição e falta de conhecimento,
falta de meios culturais, de trânsito e de transporte,
pobreza e falta de poder político. No mero estado agrí-
cola, é despertada e desenvolvida somente a parte mais
pequena das forças mentais e físicas existentes na nação,
pode ser utilizada somente a parte menor das forças
naturais e dos recursos da natureza, nenhuns ou poucos

295
capitais podem ser acumulados. Comparemos a Polónia
com a Inglaterra: ambas as nações estavam em tempos
ao mesmo nível de cultura, e agora - que diferença! As
manufacturas e as fábricas são as mães e as crianças da
liberdade burguesa, do saber, das artes e das ciências, do
comércio interno e externo, da navegação e dos melho-
ramentos dos transportes, da civilização e do poder
político. São o modo principal para libertar a agricultura
das suas limitações e elevá-la a uma profissão, a uma
arte e uma ciência, para aumentar a renda da terra, os
lucros e salários agrícolas e dar valor à terra. A Escola
tem atribuído esta força civilizadora ao comércio
externo, confundindo desta forma, contudo, o interme-
diário com o causador. São as manufacturas estrangei-
ras, que dão ao cOmércio estrangeiro as mercadorias que
este nos traz, que consomem os produtos e as matérias-
-primas com que pagamos as mercadorias. Porém, se já o
negócio com manufacturas longínquas tem uma influên-
cia tão benévola para a nossa agricultura, quanto maior
deverá ser a influência daquelas manufacturas que estão
ligadas a nós local, comercial e politicamente, que nos
compram não só uma parte pequena, mas a maior parte
das suas necessidades em alimentos e matérias-primas,
cujos produtos manufacturados não se tornam muito
caros para nós por causa do custo de transporte, cujo
negócio connosco não deve ser interrompido por as
nações estrangeiras de manufactura obterem as suas
necessidades em outros sítios, nem por guerras e proibi-
ções de importação.
Vejamos agora em que estranhos erros e contradi-
ções a Escola caiu por estabelecer como objecto da sua

296
investigação apenas a riqueza material ou o valor de
troca e por ter definido somente o trabalho físico corno
força produtiva.
Segundo aquela Escola, quem cria porcos é um
membro produtivo da sociedade, quem forma pessoas é
um membro improdutivo. Quem fabrica gaitas de foles
ou tambores para serem vendidos, produz; os maiores
intérpretes de música não são produtivos, porque não se
pode levar ao mercado o que eles tocam. O médico que
salva a vida aos seus pacientes não pertence à classe
produtiva, mas o rapaz da farmácia pertence, embora os
valores de troca ou as pílulas que ele produz possam
existir só poucos minutos antes de se tornarem sem
valor. Um Newton, um Watt, um Kepler não são tão
produtivos corno um burro, um cavalo ou um animal
que puxa o arado, trabalhadores que ultimamente têm
sido introduzidos pelo senhor M' Culloch no grupo dos
membros produtivos da sociedade humana.
Não se acredita que J. B. Say tenha resolvido este
obstáculo da teoria de Adam Smith com a sua ficção dos
bens ou produtos imateriais; encobriu a falta de senso das
suas consequências, mas não os levantou da sua imersão
material. Para Say, os produtores mentais (irnateriais)
são produtivos somente porque são remunerados em
valores de troca e porque os seus conhecimentos foram
adquiridos através do sacrifício de valores de troca, e
· não porque produzem forças produtivas 2 : não são mais do

2Do grande número de sítios onde J. B. Say exprime esta


opinião, só citamos o mais recente, no sexto volume da
Économie politique pratique, p. 307: "Le talent d'un avocat,

297
que capital acumulado. M' Culloch vai ainda mais longe;
diz que o Homem é tanto um produto do trabalho como
a máquina que ele fabrica e que lhe parece que o
Homem, em todas as investigações económicas, deveria
ser visto sob este ângulo. Acha que o que Smith com-
preendeu deste princípio está certo, no entanto não terá
retirado disso as conclusões correctas. Ele retira disso a
conclusão, entre outras, de que comer e beber são activi-
dades produtivas. Thomas Cooper estima o valor de um
bom jurista americano em 3000 dólares, · ou seja, três
vezes mais elevado do que um bom escravo camponês.
Os mencionados erros e contradições da Escola
serão fáceis de corrigir, do ponto de vista da teoria das
forças produtivas. É verdade que aqueles que cria:t;n por-
cos ou fabricam gaitas de foles ou pílulas são produti-
vos, mas os professores da juventude e dos adultos, os
virtuosos, os médicos, os juízes e administradores são
produtivos num grau muito mais elevado. Aqueles pro-
duzem valores de troca, estes produzem forças produtivas:
um na medida em que capacita a geração futura a pro-
duzir, outro fomentando a moralidade e religiosidade na
actual geração, um terceiro influenciando o enobreci-
mento e elevação do espírito humano, um quarto sal-
vando as forças produtivas dos seus pacientes, um
quinto produzindo segurança jurídica, um sexto produ-
zindo ordem pública, um sétimo, na medida em que

d'un médecin, qui a été acquis au prix de quelque sacrifice et


qui produit un revenu, est une valeur capitale - non trans-
missible à la vérité, mais qui réside néanmoins dans un corps
visible, celui de la P,ersonn1 qui le possede."

298
instiga, através da sua arte e o prazer que com ela
proporciona, a produção de valores de troca. Na teoria
do valor, porém, estes produtores da força produtiva
podem ser tomados em consideração apenas na medida
em que são remunerados pelos seus serviços em valores
de troca, tendo esta forma de olhar os seus serviços em
alguns casos a sua utilidade prática, como, por exemplo,
na teoria das contribuições públicas que têm de ser
pagas em valores de troca. Mas nos casos em que se trata
de relações internacionais ou globais da nação, é insufi-
ciente, conduzindo a uma série de maneiras de ver
limitadas e incorrectas.
A prosperidade dúma nação não é, como é convic-
ção de Say, tanto maior quanto mais acumula riquezas, ou
seja, valores de troca, mas sim quanto mais desenvolveu as
suas forças produtivas. Embora leis e instituições públicas
não estejam directamente a produzir valores, estão,
mesmo assim, a. produzir força produtiva, estando Say
enganado quando afirma que se tenham visto os povos
ficarem ricos sob todas as formas de governo e que não
seria possível criar riqueza através de leis.
Não se deve julgar o comércio externo da nação
unicamente conforme a teoria do valor, como se faz em
relação ao comerciante individual, ou seja, unicamente
tomando em consideração o ganho momentâneo de bens
materiais; a nação tem, neste caso, de considerar todas
aquelas situações que condicionam a sua existência
. actual e futura, a sua prosperidade e o seu poder.
A nação tem de sacrificar e prescindir de bens
materiais a fim de adquirir forças mentais ou sociais.
Tem de sacrificar vantagens actuais para assegurar

299
vantagens futuras. Ora, se uma força manufactureira
desenvolvida em todos os ramos é condição prévia de
toda a elevação maior da civilização, da prosperidade
material e do poder político de cada nação, como nós
pensamos ter demonstrado com exemplos históricos; se
é verdade, como pensamos poder comprovar, que nas
condições actuais do mundo é impossível uma força
manufactureira jovem e desprotegida surgir na livre
concorrência com uma outra, já forte há muito tempo e
protegida no seu próprio território: como é que então se
pretenderá demonstrar, com argumentos tirados sim-
plesmente da teoria do valor, que uma nação, da mesma
maneira como o comerciante individual, deva comprar
as suas mercadorias onde podem ser adquiridas mais
· baratas? Que seja tolo fabricar uma mercadoria no pró-
prio país sendo possível obtê-la mais barata ~o estran-
geiro? Que se deva entregar a indústria da nação ao cui-
dado dos indivíduos? Que tarifas aduaneiras protectoras
sejam monopólios dados aos indivíduos comerciantes à
custa da nação?
É verdade que, no princípio, as tarifas alfandegá-
rias protectoras tomam os produtos manufacturados
mais caros; mas também é verdade, e até admitido pela
Escola, que no decorrer do tempo, numa nação capaz de
criar uma força de manufactura completa, poderão ser
produzidos mais baratos no interior do que importados
de fora. Por isso, se por causa das tarifas alfandegárias
protectoras se realizar um sacrifício de valores, este
mesmo sacrifício será compensado pela aquisição de
uma força produtiva que assegura à nação não só uma
soma . imensamente maior de bens materiais para o

300
futuro, mas também independência industrial em caso
de guerra . Através da independência industrial e da
prosperidade interna daí resultante, a nação adquire
os meios para o comércio externo, para a expansão da
sua navegação, aum-enta a sua civilização, aperfeiçoa as
suas instituições internas, reforça o seu poder frente ao
exterior.
Desta forma, uma nação vocacionada para desen-
volver uma força de manufactura, implementando o
sistema proteccionista, actua exactamente como aquele
proprietário de terras que, sacrificando bens materiais,
faz uma parte dos seus filhos aprender um negócio pro-
dutivo.
Em que caminhos errados a Escola se meteu,
quando avaliava segundo a teoria do valor situações que
devem ser julgadas sobretudo conforme a teoria das
forças produtivas, pode ser demonstrado mais clara-
mente com base no juízo que J. B. Say faz das recompen-
sas oferecidas por nações estrangeiras com o fim de
. promover as suas exportações. Afirma ele que "estes
seriam presentes oferecidos à nossa nação". Ora, suponha-
mos que a FranÇa considerasse suficiente uma tarifa
aduaneira protectora de 25 por cento para as suas fábri-
cas, ainda não muito fortes, enquanto a Inglaterra ofere-
cesse um prémio de exportação de 30 por cento: qual é
que seria o resultado deste presente que os Ingleses estão
desta forma a dar aos Franceses? Os consumidores fran-
ceses, durante alguns anos, comprariam produtos fabri-
cados muito mais baratos do que anteriormente, mas as
fábricas francesas seriam arruinadas e milhões de pes-
soas entrariam na miséria ou teriam que emigrar ou

301
dedicar-se à agricultura. No caso mais vantajoso, os
habituais clientes dos agricultores franceses tomar-se-
-iam seus concorrentes, a produção agrícola auinentaria
e · o consumo dil;ninuiria. A consequência necessária
disso seria: desvalorização dos produtos, descida d<;>
valor dos bens, pobreza nacional e enfraquecimento
nacional na França. O presente inglês em valores .seria
pago caro em forças; apareceria como o presente que o
sultão costuma fazer aos seus paxás, quando lhes envia
valiosos fios de seda.
Desde que os Troianos receberam a oferta de um
· cavalo de madeira dos Gregos, tomou-se arriscado acei-
tar prémios de outras nações. Os Ingleses ofereceram ao
continente presentes de imenso valor na forma de subsí-
dios, mas as nações continentais têm-nos pago caro em
perda de força. Estes subsídios têm o efeito de um pré-
mio de exportação a favor das fábricas inglesas e em
desvantagem das fábricas alemãs. Se os Ingleses quises-
sem hoje comprometer-se a fornecer de graça todas as
necessidades dos Alemães em produtos manufactura-
dos, durante anos, não poderíamos aconselhar a acei-
tação duma tal oferta. Se os Ingleses, com base em novas
invenções, se tomam capazes de fabricar linho 40 por
cento mais barato do que os Alemães com os processos
antigos, e se, nestes novos processos, ganharem somente
um avanço de poucos anos em relação aos Alemães,
então sem tarifa aduaneira protectora, um dos mais
importantes e mais antigos ramos de manufactura
alemães morrerá - seria como se o corpo da nação
alemã perdesse um membro. Quem, porém, quer conso-
lar-se da perda de um braço com o argumento de que

302
conseguiu comprar as suas camisas 40 por cento mais
baratas?
De facto, frequentemente os Ingleses estão em
situação de oferecer prendas a nações estrangeiras, são
muito variadas as formas em que isto acontece, nem
raras vezes oferecem contra a sua vontade; as nações
estrangeiras têm que ponderar sempre muito bem se o
presente é de aceitar. Devido à sua posição como mono-
polistas mundiais de manufactura e comércio, as suas
fábricas de vez ·em quando entram na,quela condição
que eles chamam ao rubro, e que resulta daquilo que
apelidam de overtrading. Nessa altura, todos mandam o
seu stock de mercadoria para os barcos a vapor. Decor-
ridos oito dias, estas mercadorias são oferecidas em
Hamburgo, Berlim e Francoforte, depois de três semanas
em Nova Iorque a preços que estão 50 por cento a baixo
do valor real. Os fabricantes ingleses estão a sofrer
momentaneamente, mas estão salvos, sendo indemniza-
dos mais tarde através de melhores preços. Os fabrican-
tes alemães e americanos recebem os golpes causados
pelos seus colegas ingleses - são arruinados. A nação
inglesa só vê o fogo, ouve o barulho da explosão, as ruí-
nas caem nos outros países, e quando os habitantes des-
tes outros países se queixam das suas cabeças ensan-
guentadas, os intermediários dizem então que foi obra
das conjunturas. Se se pensar quão frequentemente, por
causa de tais conjunturas, toda a força de manufactura, o
sistema de crédito, a agricultura e até toda a economia
das nações que estão em livre concorrência com Ingla-
terra são abaladas nas suas bases, e que estas nações
mais tarde terão que indemnizar abundantemente os

303
fabricantes ingleses através de preços mais altos - não se
deveria duvidar que as relações comerciais das nações
devem ser reguladas segundo a teoria do valor e princí-
pios cosmopolitas? A Escola não achou por bem focar as
causas e os efeitos de tais crises comerciais.
Os grandes estadistas de todas as nações mais
recentes, quase sem excepção, compreenderam a grande
influência das manufacturas e das fábricas sobre a
riqueza, a civilização e o poder das nações, assim como a
necessidade de as proteger: Eduardo III e Isabel, Frede-
rico, o Grande tal como José II, Washington como
Napoleão. Sem penetrarem profundamente na teoria, a
sua mente compreendeu a natureza dos negócios na
totalidade, apreciando-a de forma correcta. Coube à
Escola dos Fisiocratas mostrar esta natureza numa luz
totalmente diferente, com base num raciocínio sofista.
A sua construção de ar desapareceu, a própria Escola
mais nova destruiu-a, mas não se libertou dos erros
originais, somente se afastou mais deles. Por não conhe-
cer a diferença entre força produtiva e valor de troca
e não investigar a primeira independentemente da
segunda, mas subordinando-a à sua teoria do valor de
troca, não lhe foi possível chegar ao entendimento sobre
quanto a natureza da força produtiva agrícola é dife-
rente da natureza da manufactureira. Não se apercebe
de que, devido ao nascimento de uma força de manu-
factura num Estado agrícola, cresce e utiliza-se uma
massa de forças mentais e físicas, de forças da natureza e
recursos naturais assim como de forças instrumentais
(que a Escola apelida de capital) que até aí não tinha
estado activa e que sem o nascimento de uma força

304
manufactureira interna nunca teria entrado em activi-
dade; como se estas forças fossem, na criação de uma
força de manufactura, tiradas da agricultura e transferi-
das para a força de manufactura, esquecendo que a
última é em grande parte uma força completamente
nova que, longe de ser adquirida à custa da força agrí-
cola, contribui para que esta experimente uma elevação
maior,

305
Décimo Terceiro Capítulo

A DIVISÃO NACIONAL DO NEGÓCIO


E A CONFEDERAÇÃO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NACIONAIS

Ao seu famoso fundador, a Escola deve a desco-


berta da lei da natureza que ele apelida divisão do traba-
lho, embora nem Adam Smith nem nenhum dos . seus
sucessores tenha investigado a fundo a natureza. dessa
lei, nem a tenha seguido até às suas consequências mais
importantes.
Desde logo, a expressão "divisão do trabalho" é insu-
ficiente, levando necessariamente a um conceito errado
ou, pelo menos, incompleto.
Quando um selvagem, exactamente no mesmo dia,
vai à caça e à pesca, corta lenha, repara a sua tenda e
fabrica balas, redes e vestuário, isso é divisão do trabalho.
Mas quando, seguindo o exemplo que o próprio Adam
Smith indica, dez pessoas diferentes dividem entre si as
dez diferentes operações que fazem parte do fabrico de
uma agulha, isso também é divisão do trabalho. Aquela
é uma divisão do trabalho objectiva, esta subjectiva;
aquela constitui um obstáculo à produção, esta pro-
move-a. A diferença essencial entre ambas consiste em
que, no primeiro caso, uma pessoa divide o seu trabalho
para produzir diferentes objectos, enquanto, no segundo,
várias pessoas dividem entre si a produção de um único
objecto.

307
As duas operações, no entanto, podem, com o
mesmo direito, ser denominadas unificação do trabalho: o
selvagem une vários trabalhos na sua pessoa e, no caso
do fabrico de uma agulha, várias pessoas unem-se para
uma produção comum.
O carácter da lei natural, com base na qual a Escola
explica tão importantes fenómenos na economia social, é
aparentemente não só uma divisão do trabalho, mas
também uma divisão de variadas operações de produção entre
vários indivíduos; muito embora seja simultaneamente
também uma confederação ou união de variadas actividades,
atitudes e forças com o objectivo de uma produção comum.
A razão da produtividade destas operações não consiste
somente na divisão, mas igualmente nesta união. O pró-
prio Adam Smith, sem dúvida, pressente isto quando
diz: as necessidades vitais dos membros mais baixos da
sociedade são um produto do trabalho unido (joint
labour) e da cooperação (cooperation) de um grande
número de indivíduos. Que pena que não tenha perse-
guido a ideia, tão claramente expressa, do trabalho social!
Se ficarmos mais um pouco com o exemplo de urna
fábrica de agulhas, que Adam Smith apresento'\1 para
tornar claras as vantagens da divisão do trabalho, e pro-
curarmos estabelecer as causas do fenómeno de que
dez pessoas, juntas na fábrica, conseguem fábricar um
número incomparavelmente maior de agulhas do que se
cada um por si tratasse de toda a fabricação, chegamos à
conclusão de que a divisão do processo de fabrico, sem
a unificação das forças produtivas para um fim comum,
conseguiria aumentar a produção em muito pouco. Para
que se consiga aquele resultado, é necessário que os

308
vários indivíduos também estejam juntos rnen:tal e fisica-
mente, actuando em conjunto. Aquele que produz as
cabeças das agulhas tem de estar seguro do trabalho do
outro que faz as pontas, sob pena de fabricar em vão as
cabeças das agulhas. Os serviços prestados por cada um
têin de estar na proporção certa, os trabalhadores têm de
morar o mais perto possível uns dos outros, a sua coope-
ração tem de estar garantida. Se partíssemos do princí-
pio, por exemplo, de que cada um destes dez trabalha-
dores morava num país diferente, quantas vezes a sua
cooperação seria interrompida por guerras, problemas
de transportes, crises comerciais, etc.! Tanto mais caro se
tornaria o produto e, em consequência, diminuiria a
vantagem da divisão do processo! E, se um único saísse
ou fosse e2(pulso da união, não ficariam todos impedidos
de trabalhar?
Indicando que o essencial desta lei da natureza
reside apenas na divisão do processo, a Escola cometeu
o erro de a aplicar meramente à fábrica ou à agricultura
individuais; falhou em perceber que a mesma lei estende
a sua eficácia à totalidade das forças agrícolas e de manufac-
tura, em suma, a toda a economia da nação.
Da mesma forma como a fábrica de agulhas só flo-
resce pela confederação da força produtiva dos indiví-
duos, também cada género de fábricas só floresce pela
confederação das suas forças produtivas com as de todos
os outros géneros. Para que urna fábrica de máquinas
possa florescer, por exemplo, é necessário que as minas e
as fábricas de metal lhe forneçam os materiais necessá-
rios, e que todas as centenas de fábricas de vários géne-
ros que precisem de máquinas lhe comprem os seus

309
produtos·. Sem fábricas de máquinas, uma nação corre-
ria o risco de, em tempo de guerra, perder a maior parte
da sua força de manufactura.
Igualmente, a indústria de manufactura, em relação
à agricultura, e a última em relação à primeira, flores-
cem · tanto mais . quanto mais perto estiverem uma da
outra, quantç/Ínenos puder ser interrompido o efeito
mútuo de uma sobre a outra. As vantagens da sua confe-
deração sob um mesmo poder político não são menos
claras em caso de guerra, de diferenças entre nações, de
crescimento desequilibrado, etc., do que as vantagens de
unir as pessoas pertencentes a uma fábrica de agulhas
sob o mesmo tecto.
_-· Smith afirma que a divisão do trabalho é menos.
aplicável na agricultura do que nas fábricas. Não
considerou senão a fábrica individual e a propriedade
rural individual, não estendeu o seu princípio para
compreender zonas e províncias inteiras. A divisão do
processo de fabrico e a confederação das forças produti-
vas têm maior influência onde cada zona e cada proVín-
cia é capaz de se ocupar exclusivàmente, ou pelo menos
preferencialmente, com aquel~$ · ramos dé . produção
agrícola para os quais é ma_is favorecida p~la natureza.
Numa zona, trigo e lúputó crescem extraordinariamente,
numa outra é o vinho e a fruta, numa terceira madeira e
criação de animais, etc. Se uma zona se dediCa a todos
estes ramos de produção, é natural que o seu trabalho e
o seu solo não consigam ser tão produtivos como se se
dedicasse preferencialmente àqueles ramos de produção

· Ver Aditamento.

310
em que é especialmente beneficiada pela natureza,
trocando o excedente em produtos particulares pelo
excedente das províncias que, na produção de outras
necessidades vitais e matérias-primas, também possuam
uma vantagem natural particular. Esta divisão do pro-
cesso de fabrico, esta confederação das forças produtivas
empregadas na agricultura só pode acontecer num país
onde todos os ramos da indústria fabril tenham chegado
ao desenvolvimento máximo; porque somente num tal
país existe uma procura grande pelos mais variados
produtos, a procura pelo excedente da produção agrí-
cola é tão segura e significativa que o produtor pode ter
a certeza de hoje ou, pelo menos, no ano segujnte, poder
vender o excedente dos seus produtos a preços acessí-
veis; só num tal país é possível dedicar importantes
capitais à especulação dos produtos do país e do arma-
zenamentos dos mesmos, executar com vantagem gran-
diosos melhoramentos de transportes, como sistemas de
canais e de linhas férreas, linhas de barcos a vapor,
estradas aperfeiçoadas e, somente, tendo um sistema de
transporte aperfeiçoado, pode cada zona ou província
compartilhar os excedentes dos seus produtos próprios a
todas as outras, mesmo as mais longínquas, obtendo em
troca os excedentes dos produtos próprios dessas outras
províncias. Onde cada um produz aquilo de que precisa,
. há pouca ocasião de troca, de forma que também não
há a necessidade de dispendiosos melhoramentos de
transportes.
Note-se como, devido à separação das operações de
fabrico e à confederação das forças individuais, o
aumento das forças produtivas começa na fábrica indi-

311
vidual e continua até à união nacional: quanto mais se
dividem as operações de fabrico, quanto mais estreita-
mente os trabalhadores estão unidos e quanto mais a
cooperação de cada indivíduo no todo é assegurada,
mais a fábrica floresce. A força produtiva de cada fábrica
individual será maior quanto mais for desenvolvida em
todas as suas ramificações a força de fabrico total do país
e quanto mais estreitamente estiver unida com todos os
outros ramos de produção. A força produtiva agrícola é
tanto maior, quanto mais estreitamente urna força de
fabrico desenvolvida em todos os ramos é unida com
a agricultura ao nível local, comercial e político. Na
· medida do desenvolvimento desta força de fabrico,
desenvolver-se-á também a divisão do processo de
fabrico e a confederação das forças produtivas na agri-
cultura, elevando-a ao mais alto grau de aperfeiçoa-
mento. Terá, portanto, a maior força produtiva, sendo
consequentemente a mais rica, aquela nação que desen-
volveu na mais alta perfeição as forças de fabrico em todas
as suas ramificações dentro do seu território, .sendo este
e a respectiva produção agrícola suficientemente gran-
des para abastecer a população fabril com a maioria dos
alimentos e das matérias-primas de que necessita.
Ocupemo-nos também agora do lado contrário
deste argumento: urna nação que dispõe apenas de
agricultura e das mais básicas indústrias não tem a pri-
meira e mais importante divisão das operações de
fabrico entre os seus habitantes, e da metade mais
significativa das suas forças produtivas; aliás, falta-lhe
até urna útil divisão do processo de fabrico nos diversos
ramos da agricultura. Urna nação tão imperfeita não será

312
apenas 50 por cento menos produtiva do que uma nação
perfeita; tendo um território igualmente grande ou
muito maior, tendo uma população igual ou muito
maior, a sua força produtiva não será capaz de criar uma
quinta, talvez nem sequer uma décima parte daquelas
riquezas materiais que uma nação perfeita consegue
criar. Isto pela mesma razão por que numa fábrica muito
complexa, dez pessoas produzem não dez, mas talvez
trinta vezes mais do que uma pessoa, e pela mesma
razão por que um homem com apenas um braço trabalha
não metade, mas imensamente menos do que um
homem com dois braços. Esta perda de força produtiva
será tanto maior quanto mais o trabalho na fábrica puder
ser apoiado por máquinas, e quanto menos máquinas
puderem ser utilizadas na agricultura. Urna parte da
força produtiva que, desta forma, a nação agrícola
perde, acrescerá àquela nação que fornece os seus pro-
dutos fabricados contra produtos agrícolas. No entanto,
só será uma perda positiva quando a nação agrícola tiver
alcançado o nível de civilização e de desenvolvimento
político necessário para a criação de urna força de manu-
factura. Enquanto tal não suceder, enquanto viver numa
situação bárbara ou sernicivilizada, enquanto a sua força
produtiva agrícola não se tiver elevado acima do estado
mais bárbaro, a importação de produtos fabricados
estrangeiros e a exportação de produtos não elaborados
ainda pode aumentar significativamente de ano para
ano a sua riqueza e despertar e desenvolver as suas for-
ças mentais e sociais; caso este trânsito não seja inter-
rompido por proibições de outros países à importação
de matérias-primas ou por guerras, ou caso o território

313
da nação agrícola esteja situado na zona quente, então o
ganho será de igual grandeza e natural para ambos os
· lados, porque sob a.influência de uma tal troca dos pro-
dutos indígenas contra fabricos estrangeiros, uma tal
nação é conduzida muito mais rápida e seguramente à
civilização e ao desenvolvimento das suas forças produ-
tivas em geral do que se tivesse que se desenvolver intei-
ramente por si própria. Mas caso a nação agrícola já
tenha alcançado o ponto de culminação do seu desen-
volvimento agrícola, enquanto este possa ser alcançado
através da influência do comércio externo, ou caso a ·
nação fabril aceite, como pagamento dos seus fabricos,
os produtos da nação agrícola e caso, mesmo assim, por
causa da concorrência feliz da nação fabril nos mercados
da nação agrícola, não seja possível a evolução de
fábricas na última, a força produtiva agrícola da nação
agrícola corre o risco de atrofiar.
Chamamos agricultura atrofiada àquela situação em
que, por falta de uma força de manufactura valente ou
evoluindo lentamente, todo o aumento da população se
dedica à agricultura, consome os produtos excedentes da
agricultura e, assim que adulto, ou emigra ou divide o
·. solo existente com os agricultores já existentes, até que a
propriedade de cada família tenha diminuído a tal ponto
que, além do necessário para o consumo próprio em
alimentos e matérias-primas, não produz qualquer exce-
dente sigrrlficativo que pudesse trocar com os manu-
factores pelos produtos fabricados de que necessitam.
Num desenvolvimento normal das forças produtivas, a
maior parte do crescimento da população duma nação
agrícola deveria dirigir-se às fábricas, logo que a agricul-

314
tura tenha obtido um certo nível, servindo o excedente
de produtos agrícolas, por um lado, para fornecer meios
de subsistência e matérias-primas à população fabril, e
por outro, para comprar os produtos fabricados, as
máquinas e os utensílios que os agricultores precisam
para o seu consumo e o aumento da sua produção.
Se esta relação se estabelecer no tempo devido, as
forças produtivas agrícola e de manufactura elevar-se-ão
mutuamente e ad infinitum; a procura de produtos
agrícolas por parte da população rnanufactureira será
tão significativa que na agricultura não poderá haver um
maior número de trabalhadores e urna maior divisão do
solo, o que é absolutamente necessário para obter um
excedente o maior possível. Em resultado deste exce-
dente, a população ocupada na agricultura será capaz de
consumir os produtos dos trabalhadores fabris. Um
continuado aumento do surplus agrícola levará a uma
contínua subida da procura por trabalhadores fabris.
Quer isto dizer que o excedente da população agrária
encontrará continuamente lugar nas fábricas, sendo que,
no. fim, a população fabril não só alcançará o número
da população agrícola corno será mesmo muito maior.
Esta é a situação da Inglaterra, a situação de urna parte
da França e da Alemanha. A Inglaterra chegou a esta
divisão natural do processo de fabrico entre estes dois
ramos princip~is da indústria sobretudo devido à
criação do gado ovino e às fábricas de lã, actividades que
ali floresciam, em geral, muito rna,is cedo do que noutros
países, em que a agricultura definhava sobretudo por
causa do sistema feudal e da _lei do .mais forte . A posse
de terras só conferia prestígio e poder enquanto era

315
capaz de manter um certo número de vassalos, que o
senhor feudal utilizava para as suas contendas. Quanto
maior fosse o número de vassalos, tanto maior seria o
número de combatentes. Mesmo assim, tendo em conta
a rudeza daqueles tempos, era impossível para o pro-
prietário da terra consumir a sua renda de outra forma a
não ser através da manutenção de um grande número de
criados, .e a estes não podia pagar de melhor forma e
prendê-los à sua pessoa do que dando-lhes um bocado
de terra para cultivo, sob a condição de prestarem ser-
viços pessoais e entregando uma pequena parte da
colheita. Assim, criou-se a razão para uma divisão exa-
gerada da terra de forma artificial e, se agora o poder do
Estado tenta alterar esta situação novamente através de
meios artificiais, não faz mais nada do que restaurar a
natureza das coisas.
Para travar e gradualmente acabar com a contínua
atrofia da força agrícola de uma nação, na medida em
que esta tenha sido causada por anteriores instituições,
não há, além da emigração, nenhuma medida melhor do
que a fundação qe uma força manufactureira interna, a
qual atrai lentamente o aumento da populaçã.o, criando
uma maior procura de produtos agrícolas, consequen-
temente tornando mais lucrativas as propriedades agrí-
colas maiores e levando e instigando o agricultor a fazer
a sua terra render a maior quantidade possível de surplus.
A força produtiva do agricultor e do trabalhador
rural será sempre maior ou menor conforme a troca dos
produtos agrícolas por produtos fabricados e produtos
de outro género seja mais ou menos fácil. Que, neste
contexto, o comércio externo possa ser muito vantajoso

316
para uma nação não muito evoluída, já o provámos num
outro capítulo com o exemplo da Inglaterra; mas uma
nação já relativamente bem avançada em civilização, em
posse de capital e população, encontrará uma força
manufactureira própria imensamente mais vantajosa
para a sua agricultura do que o florescente comércio
externo sem manufacturas, porque desta forma se asse-
gura contra todas as flutuações que possam ser causadas
pela guerra ou limitações estrangeiras do comércio e
crises comerciais, porque poupa a maior parte dos cus-
tos de transporte e ganhos comerciais relacionados com
o envio e a obtenção dos produtos manufacturados;
porque tira o maior proveito dos melhoramentos de
transportes causados pela indústria fabril, desenvol-
vendo uma massa de forças pessoais e naturais que até
essa altura não tinha sido utilizada; e, em geral, porque a
interacção entre força de manufactura e força agrícola é tanto
maior quanto mais perto estão o agricultor e o manufactor
um do outro e quanto menos possam ser perturbados no inter-
câmbio dos seus vários produtos por toda a espécie de acasos.
Nas minhas cartas ao Sr. Charles J. Ingersoll, Presi-
dente da Sociedade para a Promoção de Artes e Negó-
cios em Filadélfia, do ano de 1828 (outlines of a new sys-
tem of politicai economy), procurei tornar claras as vanta-
gens de uma união da força manufactureira com a força
agrícola no mesmo país e sob o mesmo poder político da
seguinte forma: ·

"Partindo do princípio que vocês não conhecessem


a arte de moer o trigo, o que com certeza foi uma grande
arte na devida altura; pressupondo, para além disso, que

317
também desconhecessem a arte de cozer pão, como,
segundo Anderson, a verdadeira arte de salgar os aren-
ques era desconhecida aos britânicos ainda no século
dezassete; pressupondo, pois, que vocês teriam de man-
dar o vosso trigo para Inglaterra a fim de o mandar moer
e de o fazer cozer como pão: com quanto deste trigo
ficariam os Ingleses como remuneração para moer e
cozer? Com que quantidade ficariam os transportadores,
os marinheiros, os comerciantes ocupados em exportar o
trigo e importar o pão? Quanto é que voltaria para as
mãos daqueles que tinham plantado o trigo? Não há
dúvida nenhuma que o comércio externo teria muito
que fazer neste negócio, mas é muito duvidoso que o
mesmo fosse muito benéfico para o bem-estar e a inde-
pendência da nação. Imaginem só qual seria, no casó de
uma guerra entre este país (América do Norte) e Grã-
-Bretanha, a situação daqueles que produziam trigo para
os moinhos e as padarias inglesas, e a seguir, a situação
daqueles que estavam habituados ao consumo do pão
inglês. Da mesma forma como o bem-estar económico
do cultivador de trigo exige que o moinho de trigo esteja
perto dele, 'assim também o bem-estar do agricultor, em
geral, exige que o manufactor viva perto dele, assim
exige o bem-estar do campo que exista uma cidade rica e
com muita manufactura no seu meio, assim exige o bem-
-estar de toda a agricultura de um país que a força de
manufactura deste seu próprio país seja o mais desen-
volvida possível."

Comparemos o estado da agricultura nas proximi-


dades de uma cidade com muitos habitantes com o estado

318
da mesma em províncias longínquas. Aqui o agricultor
só pode plantar para vender aqueles produtos que
aguentam um longo transporte e os que não podem ser
fornecidos para zonas mais próximas a melhores preços
e com melhor qualidade. Uma grande parte do seu ganho
é absorvida pelos custos de transporte. Tem dificuldade
em obter capitais que poderia utili~ar com proveito no
seu negócio. Por falta de melhores exemplos e meios de
formação, não será facilmente sensível a novas formas
de proceder, melhores equipamentos e novas culturas.
O próprio trabalhador, por falta de bons exemplos, . de
incentivo para se esforçar e seguir exemplos, desenvol-
verá a sua força produtiva somente de forma insigni-
ficante, preferindo dedicar-se à lentidão e à preguiça.
Na proximidade da cidade, por outro lado, o agri-
cultor tem a possibilidade de usar cada bocado de terra
para as culturas que mais se adequam à natureza do
solo. Produzirá com vantagem os mais variados produ-
tos. Plantas da horta, aves, ovos, leite e manteiga, fruta e,
geralmente, coisas que o agricultor que mora longe con-
sidera como insignificâncias, mas que lhe trarão impor-
tantes ganhos. Enquanto o primeiro só se pode dedicar à
criação de gado, este terá uma vantagem muito maior na
engorda ·do gado, sendo levado, por isso, a aperfeiçoar
o seu cultivo de ração. Aproveitar-se-á com grande
vantagem também de um grande número de objectos
que para o agricultor longínquo não são de nenhum
ou, pelo menos, só de insignificante, valor, como, por
exemplo, pedras, areia, força hidráulica, etc. Ele tem à
mão a maioria das melhores máquinas e dos melhores
equipamentos, assim como todos os meios para a sua

319
aprendizagem. Será fácil para ele conseguir os capitais
necessários para melhorar o seu negócio. Tanto pro-
prietários de terra corno trabalhadores serão instigados,
pelos prazeres que a cidade lhes proporciona, pela
ambição que se cria entre eles e pela facilidade de obter
o que desejam, a enveredar todas as suas forças mentais
e físicas para melhorar a sua condição. Absolutamente a
mesma diferença existe entre urna nação que une no seu
território agricultura e manufacturas, e urna outra nação
que troca os produtos agrícolas próprios contra produ-
tos manufacturados estrangeiros.
Em geral, toda a situação social de urna nação deve
ser julgada segundo o princípio da divisão dos negócios e a
confederação das forças produtivas. O que na fábrica de
agulhas é a agulha, na grande sociedade que se chama a
nação, é a riqueza da nação. A mais alta divisão da produ-
ção na nação é a divisão entre mental e material. Ambas se
condicionam urna à outra. Quanto mais os produtores
mentais contribuírem para a promoção da moralidade,
religiosidade, esclarecimento, aumento do conhecimento
e divulgação da liberdade e do aperfeiçoarnen.to político,
da segurança das pessoas e da propriedade no interior,
assim corno da independência e do poder da nação
em relação ao exterior, tanto maior será a produção
material; quanto mais os produtores materiais produzi-
rem bens, tanto mais será possível fomentar a produção
mental.
A mais alta divisão dos negócios e a mais alta confedera-
ção das forças produtivas na produção material é a da agricul-
tura e da manufactura. Ambas se condicionam urna à
outra, corno ternos demonstrado.

320
Da mesma forma como na fábrica de agulhas,
assim também na nação, a produtividade de cada indi-
víduo, de cada ramo de produção e, finalmente, do todo,
depende da relação correcta entre a actividade de todos
os indivíduos. Chamamos a esta relação o equilíbrio ou a
harmonia das forças produtivas. Uma nação pode possuir
filósofos, filólogos e escritores a mais e técnicos, comer-
ciantes e marinheiros a menos. Isto é a consequência de
uma formação intelectual muito avançada, mas que não
é suportada por uma força manufactureira muito avan-
çada e uma expansão grande do comércio interno e
externo; isto é como se numa fábrica de agulhas se pro-
duzissem muito mais cabeças do que pontas de agulha.
As cabeças de agulha supérfluas numa tal nação· são:
uma grande quantidade de livros inúteis, sistemas muito
sofisticados e querelas intelechtais, o que faz com que o
espírito da nação seja mais obscurecido do que educado,
. seja retirado de ocupações úteis, consequentemente que
a força produtiva da nação seja obstruída nos seus pro-
gressos quase da mesma forma como se tivesse padres a
mais e professores para juventude a menos, soldados a
mais e políticos a menos, administradores a mais e juízes
e defensores do direito a menos.
Uma nação que só exerce a agricultura, é um indivíduo a
quem falta um braço na sua produção material. O comércio
não é mais nada do que um mediador entre a força agrí-
cola e a força manufactureira, assim como os seus ramos
especiais. Uma nação que troca produtos agrícolas con-
tra produtos manufacturados estrangeiros é um indiví-
duo com um só braço que é suportado por um braço
alheio. Este suporte é-lhe útil, mas não tão útil como se

321
ele próprio tivesse dois braços, e seja só porque a sua
actividade está dependente da vontade arbitrária estran-
geira. Na posse de urna força de manufactura própria,
pode produzir tantos alimentos e tanta matéria-prima
corno são necessários para o consumo das manufacturas
próprias, dependente de manufacturas estrangeiras, poderá
consumir somente tanto surplus como as nações estran-
geiras não conseguem produzir elas próprias, tendo que
o comprar de outro país.
Corno entre as várias zonas de um mesmo país,
também existe a divisão do trabalho e a confederação
das forças produtivas entre as várias nações da terra.
A primeira é mediada pelo comércio interno ou nacio-
nal, a segw1da pelo comércio internacional. Mas a con-
federação internacional das forças produtivas é muito
imperfeita na medida em que é muitas vezes interrom-
pida por guerras, medidas políticas, crises comerciais
etc. Embora sendo a mais elevada, porque relaciona os
diversos povos da terra entre eles é, no entanto, a menos
importante para o bem-estar das várias nações indivi-
duais já mais avançadas na civilização, factor que a
Escola reconhece com a afirmação de que o mercado
interno de urna nação seria incomparavelmente mais
importante do que o externo. Daí resulta que é do inte-
resse de cada grande nação fazer da confederação nacio-
nal das forças produtivas o objectivo central das suas aspi-
rações, subordinando a confederação internacional a ela.
Quer a divisão internacional como a nacional do trabalho
é, principalmente, dependente do clima e da natureza
em geral. Não é possível produzir chá em todos os p aí-
ses corno na China, especiarias corno em Java, algodão

322
como em Louisiana, ou trigo, lã, fruta e produtos manu-
facturados como nos países da zona moderada . Seria
tolice se uma nação quisesse obter produtos para a pro-
dução dos quais não tem condições naturais favoráveis e
que poderá conseguir melhor e mais barato através da
divisão internacional do trabalho, ou seja, do comércio
ex terno, através da divisão do trabalho nacional, ou seja,
produzindo-o no seu interior, assim como denunciaria
uma falta de cultura ou actividade nacional, se uma
nação não utilizasse todas as forças naturais ao seu
alcance para satisfazer as suas necessidades internas e
para, através de um excedente dos seus produtos,
adquirir aquelas necessidades que a natureza não a
deixa produzir no seu próprio solo.
Os países da terra favorecidos pela natureza, no que se
refere à divisão de trabalho tanto nacional como interna-
cional são, pelos vistos, aqueles cujo solo produz os pro-
dutos para satisfação das necessidades mais comuns, em
melhor qualidade e maior quantidade, e cujo clima é o
que é mais favorável ao esforço físico e mental, ou seja os
países da zona moderada. Pois nesses países a força de manu-
factura floresce extraordinariamente, através da qual a
nação poderá alcançar não só o mais alto grau de forma-
ção mental e social e do poder político, mas também de
certa forma subjugar os países da zona quente e as nações
menos cultivadas. Os países da zona moderada são,
pois, convocados antes de todos os outros para levar ao
aperfeiçoamento máximo a divisão de trabalho nacional
e usar a divisão internacional para o seu enriquecimento.

323
Décimo Quarto Capítulo

A ECONOMIA PRIVADA E A ECONOMIA NACIONAL

Provámos com exemplos da História que a união


da nação é a . condição base de um bem-estar nacional
duradouro. E demonstrámos que, só quando o interesse
privado foi subordinado ao interesse nacional e sucessi-
vas gerações aspiraram a um único objectivo, as nações
chegaram a urna formação harmoniosa das forças pro-
dutivas; e mostrámos quão pouco, em contrapartida, a
indústria privada pode florescer sem essa aspiração de
objectivo comum dos indivíduos contemporâneos e das
sucessivas gerações. Mais, tentámos explicar, no capítulo
anterior, corno a lei da unificação das forças já mostra os
seus efeitos benéficos na fábrica e corno, com igual força,
tem efeito sobre a indústria de nações inteiras. Ora, no
presente capítulo, ternos de dernostrar corno a Escola
mascarou o seu engano relativamente aos interesses
nacionais e os efeitos da unificação nacional de torças,
misturando os princípios da economia privada com os
princípios da economia nacional.

"O que é sabedoria na economia privada", diz


Adam Smith, "podia dificilmente transformar-se em
tolice na economia de grandes nações. Cada indivíduo,
perseguindo o seu próprio interesse, promove também

325
necessa riamente os interesses d a sociedade. Evidente-
mente, cada indivíduo, sendo o melhor conhecedor das
suas condições locais e dedicando a maior atenção ao
seu negócio, estaria muito bem equipado do que o esta-
dista ou o legislador para saber como é que deve empre-
gar os seus capitais do modo mais útil possível. Quem se
atrever a dar instruções ao povo sobre como usar os seus
capitais, não só se esforça em vão, mas também está a
usurpar uma autoridade que pertence unicamente ao
produtor e que muito menos poderia ser entregue a pes-
soas que acreditam estar à altura de uma tarefa tão
difícil."

Daí Adam Smith concluir que as limitações do


comércio com o fim de promover a indústria interna são
pura tolice; cada nação, como cada indivíduo, deveria
poder comprar as mercadorias onde as conseguisse
obter mais baratas; para se chegar ao grau máximo da
riqueza nacional, só se deveria seguir o princípio do
deixar andar e deixar fazer. Smith e Say comparam uma
nação que quer promover a sua indústria através de
tarifas alfandegárias protectoras com um alfaiate que
produz os seus próprios sapatos, e um sapateiro que
queria aplicar uma tarifa à sua porta para promover a
sua riqueza. À semelhança daquilo que faz com todos os
erros da Escola, também neste caso Thomas Cooper
chega ao extremo no seu livro 1 contra o sistema protec-
tor americano.

1 Thomas Cooper, Lectures on politicai Economy, p. 1, 15,


19, 117.

326
"A economia p olítica", diz ele, "seria relativamente
igual à econ omia priva da de tod os os indivíduos, a
política n ão seria uma p arte essencial da economia polí-
tica; seria tolo pensar que a sociedade era uma coisa
completamente diferente dos indivíduos, dos quais se
compõe. Cada indivíduo saberia melhor como é que
tinha de utilizar o seu trabalho e os seus capitais.
A riqueza da sociedade nada mais seria do que a soma
da riqueza de todos os indivíduos, e se cada indivíduo
toma melhor conta de si próprio, então o povo mais rico
seria aquele em que cada indivíduo fosse mais deixado a
si próprio."

Os defensores do sistema protector americano Ja


tinham antes contestado os argumentos dos comercian-
tes importadores a favor do comércio livre: as leis de
navegação americanas teriam desenvolvido imensa-
mente a navegação, o comércio externo e a pesca dos
Estados Unidos, sendo todos os anos empregues milhões
na frota somente com o fim de proteger a navegação
marítima; segundo a teoria, também essas leis e essas
despesas seriam tão reprováveis como as tarifas pro-
tectoras.
"Com efeito", afirma o Sr. Cooper, "nenhum
comércio marítimo vale uma guerra marítima, que os
comerciantes se protejam a si próprios!"
Desta forma a Escola, que tinha começado por
ignorar a nacionalidade e os interesses nacionais, acaba
por negar totalmente a sua existência, remetendo os
indivíduos para as suas forças individuais também no
que toca à sua defesa.

327
Como?! A sabedoria da economia privada seria
também sabedoria na economia nacional? Tomar em
consideração as necessidades dos séculos futuros faz
parte da natureza do indivíduo como faz da natureza da
nação e do Estado? Vejam-se só os primeiros passos da
construção de uma cidade americana: cada indivíduo,
deixado a si próprio, trataria somente das próprias
necessidades ou, no máximo, das necessidades dos seus
sucessores mais próximos; todos os indivíduos unidos
numa sociedade tratam da comodidade e para as neces-
sidades das mais longínquas gerações; obrigam, .para
este efeito, a presente geração a privações e sac:t:ifícios
que nenhuma pessoa razoável poderia esperar deles.
Para além disso, pode o indivíduo, na gestão da sua
economia privada, tomar em consideração a defesa do
país, a segurança pública, todos os mil objectivos que só
consegue alcançar com a ajuda de toda a sociedade? Não
exige a nação que os indivíduos limitem a sua liberdade
à medida destes objectivos? Não exige até que façam o
sacrifício de uma parte do seu ganho, uma parte do seu
trabalho mental e físico, aliás, até a sua própria vida?
Primeiro têm, como faz Cooper, de se eliminar todos os
conceitos de Estado ou nação para que esta última inter-
rogação se possa cumprir.
Não! Na economia nacional pode ser sabedoria o
que na economia privada seria tolice, e vice-versa, pela
simples razão de que um alfaiate não é uma nação, e
uma nação não é um alfaiate; porque uma família é algo
completamente diferente de uma associação de milhões
de famílias, uma casa algo muito diferente dum vasto
território nacional.

328
Além disso, conhecendo e defendendo o próprio
interesse como ninguém, nem sempre o indivíduo pro-
move os interesses da sociedade quando age livremente.
Perguntamos àqueles que estão sentados nos bancos dos
juízes, se não lhes acontece frequentemente terem de
mandar indivíduos para a cadeia por causa de um
excesso de espírito criativo, por causa de indústria a
mais. Salteadores, ladrões, contrabandistas e aldrabões
conhecem as situações locais e pessoais na perfeição e
aplicam a mais empenhada atenção no seu negócio; mas
daí não resulta de forma alguma que a soCiedade se
encontre melhor quando indivíduos como estes estejam
o menos possível limitados no exercício da sua indústria
privada.
O poder estatal vê-se obrigado, em mil casos, a
limitar a indústria privada. Proíbe ao armador carregar
a bordo escravos na costa Oeste de África para os levar
à América. Estipula regras para a construção de barcos a
vapor e para o regulamento da navegação marítima,
para que passageiros e marinheiros não sejam sacrifica-
dos à ganância e arbitrariedade dos capitães. Ultima-
mente, na Inglaterra, até se solicitaram certas regras para
a construção naval, porque se descobriu uma aliança
diabólica entre as companhias seguradoras e os armado-
res que leva a que anualmente milhares de vidas huma-
nas e milhões em valores sejam sacrificados à ganância
dos privados. Na América do Norte, o poder do Estado
obriga os moleiros, sob pena de multa, a pôr não menos
de 99 quilos de boa farinha num barril, e para todos os
artigos destinados ao mercado há inspectores de mer-
cado, independentemente do facto de lá, como em

329
nenhum outro país, se prezar tanto a liberdade indivi-
dual. Em todas as situações o Estado considera ser sua
obrigação alertar o público contra perigos e desvanta-
gens: no comércio de produtos alimentares, na venda de
medicamentos, etc.
"Mas os casos mencionados" - responder-nos-á a
Escola - têm a ver com violações ilegais da propriedade
e das pessoas, não com a honesta circulação de objectos
úteis, não com a actividade inofensiva e útil dos priva-
dos; o poder estatal não terá o direito de limitá-la!"
Naturalmente que não, enquanto for inofensiva e útil;
mas o que na circulação mundial é em si inofensivo e
útil, pode tornar-se nocivo e perigoso na circulação
nacional e vice-versa. Em tempos de paz, e visto pelo
ângulo cosmopolita; a pirataria é um negócio nocivo; em
tempos de guerra, é fomentada pelos governos. Em
tempo de paz, o assassínio premeditado de uma pessoa
é um crime, em tempos de guerra torna-se obrigação.
Em tempos de paz, o negócio de pólvora, de chumbo e
de armas é permitido; mas quem, em tempos de guerra,
fornecer semelhante mercadoria ao inimigo é punido
como traidor.
Pelas mesmas razões, para o bem da nação, a auto-
ridade pública não só tem o direito, mas também a obri-
gação de limitar e regular uma circulação inofensiva.
Através das suas proibições e tarifas aduaneiras protec-
toras, não dá ordens aos indivíduos sobre a forma de
utilizarem as suas forças produtivas e os seus capitais,
como a Escola defende sofisticamente. Não diz a um
indivíduo: tens de empregar o teu dinheiro na constru-
ção de um barco ou na fundação de uma manufactura;

330
nem a outro: tu deverás ser capitão de m ar ou enge-
nheiro civil. Antes deixa ao critério de cada indivíduo
como e onde quer empregar os seus capitais ou que pro-
fissão exercer. A autoridade pública diz apenas: é van-
tajoso para a nossa nação fabricarmos estes ou aqueles
produtos manufacturados; mas, corno na livre concor-
rência com o estrangeiro nunca poderíamos chegar à
posse desta vantagem, limitamos essa concorrência tanto
quanto achamos necessário, para dar àqueles que entre
nós utilizam os seus capitais neste novo ramo de indús-
tria e àqueles que lhe dedicam as suas forças físicas e
mentais, as necessárias garantias de modo a que não
percam os seus capitais e não falhem a profissão da sua
vida, e de modo a instigar os estrangeiros a transferirem-
-se para nós com as suas forças produtivas. ·Desta
maneira, a autoridade pública de forma alguma limita a
indústria privada; antes pelo contrário: providencia às
forças pessoais, naturais e capitalistas da nação um
maior e mais vasto campo de acção. Com isto não faz
nada que os indivíduos não soubessem ou não pudes-
sem fazer melhor do que ela própria; pelo contrário: faz
qualquer coisa que os indivíduos, mesmo que soubes-
sem, não seriam capazes de fazer para si próprios.
A afirmação da Escola: o sistema protector exigia
intervenções ilegais e antieconórnicas do poder público
na utilização do capital e na indústria dos privados,
aparece a urna luz muito menos favorável, se consi-
derarmos que são os regulamentos comerciais estrangei-
ros os culpados de tais intervenções na nossa indústria
privada, e que só com a ajuda do sistema protector
podemos diminuir a eficácia daquelas consequências

331
nocivas da política comercial estrangeira. Se os Ingleses
excluírem os nossos cereais dos seus mercados, o que é
que fazem a não ser obrigar os nossos agricultores a
plantar tanto menos cereais quanto teriam exportado
para a Inglaterra se houvesse importação livre? Se cobra-
rem direitos tão altos sobre a nossa lã, os nossos vinhos,
a nossa madeira de construção, que a nossa exportação
para a Inglaterra pare totalmente ou em grande parte - o
que é que acontece senão que é o poder público inglês a
limitar relativamente os nossos ramos de produção?
Nestes casos, evidentemente, a legislação estrangeira dá
aos nossos capitais e às nossas forças produtivas pessoais
uma direcção que, sem essas medidas, provavelmente
não teriam tomado. Daí resulta que, mesmo que, por via
da nossa própria legislação, nos abstivéssemos de dar à
nossa indústria nacional uma direcção correspondente às
nossas vantagens nacionais, não poderíamos evitar que
nações estrangeiras a regulassem de forma correspon-
dente à sua própria vantagem, real ou aparente, e que
tivesse, de qualquer maneira, um efeito negativo sobre
o desenvolvimento das nossas forças produtivas. Mas
deixarmos que a nossa indústria privada seja regulada
pela legislação duma nação estrangeira e conforme inte-
resses duma nação estrangeira será mais razoável e ade-
quado à vantagem dos membros da nossa nação do que
regulá-la com a nossa própria legislação e conforme os
nossos próprios interesses? O agricultor alemão ou ame-
ricano, se todos os anos tiver que estudar as actas do
parlamento inglês para saber se é indicado aumentar ou
reduzir a sua produção de cereais ou de lã, sentir-se-á
menos limitado do que se sentiria se a própria legislação

332
o limitasse em relação a produtos manufacturados estran-
geiros, garantindo-lhe ao mesmo tempo para todos os
seus produtos um mercado que nenhuma legislação
estrangeira lhe possa roubar outra vez?
Se a Escola afirmar que as tarifas aduaneiras pro-
tectoras estabelecem um monopólio dos fabricantes
internos com desvantagem para os consumidores inter-
nos, estará com isso a executar um golpe de espada
errado. Porque, uma vez que cada indivíduo da nação é
livre de participar nas vantagens do mercado interno
assegurado para a indústria, não será de qualquer
maneira um monopólio privado, mas um privilégio con-
cedido a todos os membros da nossa nação, em detri-
mento dos membros de nações estrangeiras, tanto mais
legítimo quanto estes possuem no seu próprio país o
mesmo monopólio, desta forma resultando que os nos-
sos compatriotas têm os mesmos direitos do que eles.
Trata-se dum privilégio que não beneficia exclusiva-
mente nem os produtores nem os consumidores: se os
produtores no princípio estabelecem preços mais altos, é
porque têm de suportar um grande risco e as perdas
extraordinárias e sacrifícios associados a todo o começo
na fabricação. E para que estes lucros extraordinários
não cresçam indevidamente e não se eternizem, os con-
sumidores podem contar com a concorrência interna que
mais tarde surgirá e que, regra geral, sempre faz os pre-
ços descer mais baixo do que seria o caso se por efeito da
livre concorrência do estrangeiro. Embora os agriculto-
res, que são os principais consumidores dos manufacto-
res, tenham de pagar preços mais altos, serão ampla-
mente compensados desta desvantagem por uma maior

333
procura de produtos agrícolas a preços também m ais
altos.
Outro golpe de espada errado, escondido pela
mistura da teoria do valor com a das forças: quando a
Escola afirma que a riqueza nacional não é mais do que o
agregado das riquezas de todos os indivíduos, e que o interesse
privado de cada indivíduo é melhor estímulo para a produção e
acumulação de riqueza do que todas a medidas estatais, quer
tirar a conclusão de que a indústria nacional prosperaria
melhor se cada indivíduo pudesse seguir tranquilamente
o negócio da acumulação de riquezas. Aquela frase pode
ser aceite sem que daí resulte o que a Escola quer que
resulte. Porque não se trata, como mostrámos num ante-
rior capítulo, de aumentar directamente, através das
limitações do comércio, a soma dos valores de troca da
nação - mas sim de aumentar a soma das suas forças
produtivas. No entanto, pensamos ter provado sufi-
cientemente nos capítulos anteriores que a sorna das
forças produtivas da nação não é igual ao agregado
destas consideradas separadamente, que a soma destas
forças depende principalmente das situações sociais e
políticas, nomeadamente do grau de divisão do trabalho
e de confederação das forças produtivas que a nação
tenha conseguido efectuar no seu interior.
Este sistema apenas vê indivíduos relacionados
entre si numa circulação livre e não limitada, e que ficam
satisfeitos enquanto cada um puder seguir o instinto,
implantado pela natureza, de prosseguir os seus inte-
resse privados. Isto não é, obviamente, nenhum sistema
da economia de nações, mas um sistema da economia
privada da espécie humana, corno acontecia sem inter-

334
venção do poder público, sem guerras e sem medidas
comerciais inimigas vindas do exterior. Em parte
nenhuma se demonstra através de que meios as nações,
que hoje são prósperas, foram elevadas para o nível de
poder e riqueza que mantêm agora, e quais as razões
pelas quais outras perderam o grau de riqueza e poder
que tiveram antes. Daí só pode aprender-se corno na
indústria privada, força da natureza, trabalho e capital
se unem para levar valiosos produtos ao negócio da
troca, e de que form a são distribuídos entre os homens e
por eles consumidos. Mas quais os meios a empregar
para pôr em acção e atribuir valor às forças naturais
disponíveis a urna nação inteira, para elevar urna nação
pobre e sem poder à riqueza e poder, isso não se pode
aprender daí, porque a Escola, rejeitando completa-
mente a política, ignora as condições específicas das
nações para se preocupar apenas com o bem-estar de
toda a humanidade: sempre que se refere ao comércio
internacional, só compara o indivíduo autóctone com o
indivíduo estrangeiro, só indica exemplos da circulação
privada dos vários comerciantes, só fala de mercadorias
no geral (sem distinção entre produtos e mercadoria
fabricada), para comprovar que é totalmente indiferente,
se as exportações e importações consistem de dinheiro
ou de matéria-prima ou de produtos fabricados, e se
existe um equilíbrio entre eles ou não. Se nós, por exem-
plo, assustados pelas crises comerciais que crescem na
América do Norte corno urna epidemia doméstica, con-
sultarmos esta teoria acerca dos meios para evitar ou
minimizar estas crises, deixa-nos completamente sem
consolo nem instrução; é-nos até impossível discutir este

335
fenómeno cientificamente, porque, sob pena de sermos
tomados por obscurantistas ou ignorantes, nem pode-
mos usar a expressão balanço comerCial, embora seja
ouvida em todas as assembleias legislativas, em todos os
escritórios administrativos e em todas as bolsas. Para o
bem da Humanidade, temos a obrigação de acreditar
que as exportações e as importações se equilibrarão em
qualquer altura, independentemente de lermos em
relatórios públicos como o banco nacional inglês ajuda a
natureza das coisas, apesar de existirem as leis do trigo
que dificultam bastante ao agricultor dos países que têm
negócios com Inglaterra pagar o seu consumo de pro-
dutos manufacturados com produtos seus.
A Escola não conhece qualquer diferença entre
nações que tenham alcançado um grau mais elevado de
formação económica e aquelas que estão num nível
baixo. Quer sempre excluir a intervenção do poder
público, o indivíduo é sempre suposto poder produzir
tanto melhor quanto menos a autoridade pública tratar
dele. Com efeito, conforme esta teoria, os povos selva-
gens deveriam ser os mais produtivos e ricos da terra,
porque em nenhum outro Estado cada indivíduo está
mais entregue a si próprio e a intervenção do poder
público é menos perceptível.
Porém, a Estatística e a História ensinam, pelo con-
trário, que a necessidade da intervenção do poder legis-
lativo e da Administração é tanto mais evidente quanto
mais a economia da nação se desenvolve. Da mesma
forma como a liberdade individual, em geral, só é uma
coisa boa enquanto não estiver em contradição com os
fins da sociedade, também, razoavelmente, a indústria

336
privada apenas pode reivindicar uma acção ilimitada
enquanto esta for compatível com o bem-estar da nação.
Mas onde a acção dos indivíduos não é suficiente para
este fim ou onde poderia ser nociva para a nação, aí a
indústria privada reclama com razão o apoio da força
total da nação, aí submete-se, no seu próprio interesse,
às limitações legais.
A Escola tem toda a razão, do ponto de vista que
adopta, quando apresenta a livre concorrência dos pro-
dutores como o meio mais seguro de fomentar o bem-
-estar da espécie humana. Pressupondo uma união uni-
versal, cada limitação da circulação de bens entre vários
países parece não ser razoável, mas nociva. No entanto,
enquanto outras nações subordinarem os interesses
gerais da Humanidade aos seus interesses nacionais, é
tolo falar da livre concorrência entre os indivíduos de
nações diferentes. Os argumentos da Escola a favor da
livre concorrência são, depois, aplicáveis somente à cir-
culação entre as pessoas da mesma nação. Cada grande
nação deve, por isso, aspirar por formar um todo em si
própria, que entre em negócio com outros todos do
mesmo género apenas na medida em que favorece os
seus interesses sociais particulares. Porém, os interesses
comunitários são imensamente diferentes dos privados
de todos os indivíduos separados da nação, quando se
considera cada indivíduo como entidade individual e
separada, e não na sua função de membro da sociedade
nacional - quando, como Smith e Say, se vê os indi-
víduos somente como produtores e consumidores e
não como cidadãos ou membros de uma nação. Porque
dessa forma, os indivíduos não se preocupam com o

337
bem-estar de futuras gerações - acham que é tolo, como
o Sr. Cooper nos mostra, de facto, aspirar obter com
sacrifícios certos e actuais um bem, por muito valioso
que seja, ainda incerto e pertencente ao vasto campo do
futuro -, pouco se interessam pela continuação da nação
- abandonam os barcos dos seus comerciantes a cada
pirata audacioso -, estão pouco preocupados com o
poder, a honra e o renome da nação - convencem-se, no
máximo, a sacrificar alguns valores materiais à educação
dos seus filhos, deixando-os aprender um ofício, sob a
condição de aprendizes, depois de, decorridos poucos
anos, serem capazes de ganhar o seu próprio pão.
De facto, segundo a teoria dominante, a economia
nacional é tão equivalente à privada, que J. B. Say, numa
situação em que, excepcionalmente, permite ao Estado
apoiar a indústria interna, põe a condição: tinha de exis-
tir toda a probabilidade de, depois de poucos anos, se
chegar a alcançar a independência, da mesma forma
como a um aprendiz de sapateiro se dá um tempo para
se aperfeiçoar no seu ofício o suficiente para poder dis-
pensar a ajuda dos pais.

338
Décimo Quinto Capítulo

A NACIONALIDADE E A ECONOMIA DA NAÇÃO

Como vimos nos capítulos anteriores, o sistema da


Escola tem três defeitos principais: primeiro, um cosmo-
politismo sem fundo, que nem reconhece a natureza da
nacionalidade, nem toma em consideração a satisfação
dos seus interesses; segundo, um materialismo morto,
que em todas as situações considera principalmente o
valor de troca das coisas sem levar em conta os interes-
ses intelectuais e políticos, actuais e futuros, assim como
as forças produtivas da nação; terceiro, um particularismo
e individualismo desorganizador que, :t:tão compreen-
dendo a natureza do trabalho social e o efeito da reunião
de forças nas suas consequências mais elevadas, basica-
mente só representa a indústria privada da forma como
ela se desenvolveria na livre comunicação com a socie-
dade, ou seja, com toda a Humanidade, caso não fosse
separada em sociedades nacionais específicas.
Porém, entre o indivíduo e a Humanidade existe a
nação, com a sua língua e literatura próprias, com a sua
origem e história peculiares, com os seus costumes e
hábitos, leis e instituições específicas, com as suas pre-
tensões de existência, independência, aperfeiçoamento,
continuação perpétua e o seu território delimitado; uma
sociedade que, unida por milhares de laços do espírito e

339
dos interesses para formar um todo, reconhece dentro de
si a lei do direito e confronta corno um todo outras
sociedades de tipo semelhante, ainda na sua liberdade
natural, e que, consequentemente, consegue, nas condi-
ções actuais do mundo, manter a sua autonomia e inde-
pendência através das próprias forças e dos próprios
meios. Da mesma forma corno o indivíduo consegue
obter formação cultural, força produtiva, segurança e
bérn-estar principalmente através da nação e dentro da
nação, assim a civilização da espécie humana só é pen-
sável e possível através da civilização e do desenvolvi-
mento das nações.
No entanto, no estado das nações reina actualmente
urna imensa diversidade; notamos entre elas gigantes e
anões, corpos normais e aleijados, civilizados, sernicivi-
lizados e bárbaros. Mas em todas elas, corno no indiví-
duo, a natureza implantou o instinto de conservação, a
aspiração ao aperfeiçoamento. É tarefa da política civili-
zar as nações bárbaras, tomar grandes e fortes as peque-
nas e fracas, mas sobretudo assegurar-lhes a existência e
a continuação. É tarefa da economia nacional a educação
económica da nação e a sua preparação para a entrada na
futura sociedade universal.
A nação-padrão possui urna língua e urna literatura
próprias, um território equipado com diversos recursos
naturais, vasto e bem definido, e urna população nume-
rosa. A agricultura, as manufacturas, o comércio e a
navegação são nela equilibradarnente desenvolvidos;
artes e ciências, instituições de ensino e formação geral
estão ao mesmo nível que a produção material. A cons-
tituição, as leis e,instituições garantem à população um

340
elevado grau de segurança e liberdade, fomentam a reli-
giosidade, moralidade e bem-estar, numa palavra, têm
como objectivo o bem-estar dos cidadãos. Possui forças
navais e terrestres suficientes para defender a sua auto-
nomia e independência e para proteger o seu comércio
externo; tem força para influenciar a cultura de nações
menos desenvolvidas e, com o excedente da sua popula-
ção e das suas capacidades intelectuais e materiais, fun-
dar colónias e criar novas nações.
Uma população numerosa e um território vasto,
equipado ~om diversos recursos naturais são requisitos
essenciais da nação-padrão, são a condição essencial
para a formação intelectual, assim como para o desen-
volvimento material e o poder político. Uma nação com
população e território reduzidos, ainda por cima com
uma língua própria, não pode ter mais do que uma lite-
ratura atrofiada e instituições atrofiadas para o fomento
da arte e das ciências. Um pequeno Estado nunca pode
desenvolver completamente os vários ramos de produ-
ção dentro do seu território. Num pequeno Estado, cada
protecção torna-se um monopólio privado. Somente
através de alianças com naçÕes mais poderosas, através
do sacrificio parcial das vantagens da nacionalidade e
com um extraordinário empenho de forças, conseguirá,
insuficientemente, manter a sua independência.
Uma nação que não possui zona costeira, marinha e
poder naval ou cujas fozes não estão no seu poder está,
no comércio externo, dependente de outras nações; não
poder fundar colónias próprias nem criar novas nações;
todo o excedente de população, de capacidades intelec-
tuais e materiais, que flui duma tal nação para países

341
não cultivados, está perdido para a sua literatura, sua
civilização e indústria, para vantagem de outras nacio-
nalidades.
Urna nação não cercada por mares e cadeias de
montanhas está exposta aos ataques de nações estrangei-
ras, apenas conseguindo estabelecer um sistema adua-
neiro peculiar com grandes sacrifícios e, de qualquer
forma, de maneira imperfeita.
As fraquezas territoriais dos corpos nacionais são
remediadas com a ajuda da ordem hereditária, . corno
no caso da Inglaterra e da Escócia, ou por compra,
corno no caso da Flórida e Louisiana, ou por conquista
corno no caso da Grã-Bretanha e Irlanda.
Nos tempos mais recentes, tem-se aplicado um
quarto modo que consegue alcançar o que se pretende
duma forma que corresponde muito melhor ao direito e
ao bem-estar dos povos e Estados do que a conquista, e
que não está tão dependente do acaso como a ordem
hereditária, nomeadamente a associação dos interesses
de vários Estados por livre acordo. Apenas com a ajuda
da sua união aduaneira, a nação alemã chegou a urna
das qualidades mais importantes da sua nacionalidade.
No entanto, esta medida não se pode considerar con-
cluída enquanto não se estender a toda a zona costeira
desde a foz do Reno até à fronteira da Polónia, incluindo
Holanda e Dinamarca. Uma consequência natural desta
união é a aceitação dos dois países na União Alemã,
consequentemente na nacionalidade alemã, com que a
última conseguirá o que de momento ainda lhe falta, ou
seja, indústrias de pesca e poder naval, comércio marí-
timo e colónias. Aliás, os dois pequenos povos, conforme

342
a sua origem e o seu carácter, pertencem à nacionalidade
alemã. O peso das dívidas com que são sobrecarregados
não é senão o resultado das suas aspirações, pouco natu-
rais, de se manterem como nacionalidades independen-
tes; e a natureza das coisas é este mal crescer até se
tornar insuportável, ao ponto de ser incorporado numa
nacionalidade maior lhes parecer, a eles próprios, dese-
jável e necessário.
A Bélgica só pode remediar os defeitos ligados à
limitação do território e da população através duma
confederação com uma nação vizinha maior. Quanto
mais a América do Norte e o Canadá se encherem de
habitantes, quanto mais o sistema protector dos Estados
Unidos evoluir, mais se sentirão atraídos um pelo outro,
de forma que será cada vez mais difícil à Inglaterra evi-
tar uma confederação entre eles.
No que respeita à economia, as nações têm de pas-
sar pelas seguintes fases de desenvolvimento: estado
selvagem primitivo - estado pastoral - estado agrícola -
estado agrícola-manufactura - estado de agricultura-
-manufactura-comércio.
A história industrial das nações, e nenhuma mais
evidentemente do que a da Inglaterra, demonstra que a
transição do estado bruto da pecuária, da pecuária para
a agricultura e da agricultura para os primórdios das
manufacturas e da . navegação, se consegue mais rapi-
damente e com maior vantagem através do livre comér-
cio com cidades e países mais evoluídos: mas que uma
força manufactureira completa, uma navegação signifi-
cante e um grande comércio externo só podem ser alcan-
çados com a intervenção do poder público.

343
Quanto menos a agricultura estiver desenvolvida e
quanto mais o comércio externo oferecer a possibilidade
de trocar o excedente em produtos agrícolas internos e
matérias-primas por produtos manufacturados estran-
geiros, quanto mais neste caso a nação ainda estiver
mergulhada na barbárie, necessitando duma forma de
governo e legislação monárquico e absoluto, tanto mais
o livre comércio, ou seja, a exportação de produtos
agrícolas e a importação de produtos manufacturados,
fomentará a sua riqueza e a sua civilização.
Em contrapartida, quanto mais urna nação tiver
desenvolvido a sua agricultura, as suas manufacturas e,
em geral, as suas situações sociais, políticas e. civis,
menor proveito poderá tirar da troca de produtos agrí-
colas interiores e matérias-primas para melhorar as suas
condições sociais, e mais desvantagens sentirá da feliz
concorrência duma força de manufactura estrangeira e
superior a ela.
Só no caso de nações deste último tipo - ou seja,
no caso das nações que possuem todas as capacidades
intelectuais e materiais necessárias e os meios para
implantar urna força de manufactura própria, aspirando,
desta forma, ao mais alto nível de civilização e formação,
de bem-estar material e poder político, mas são travadas
nos seus progressos pela concorrência de urna força de
manufactura estrangeira mais avançada -, somente no
caso destas nações se pode justificar a limitação do
comércio, com o fim da implantação e protecção duma
força de manufactura própria. E mesmo aí só há justifi-
cação no caso de a força de manufactura se ter tornado
suficientemente forte para se permitir não temer já a

344
concorrência estrangeira e na medida em que é necessá-
ria para proteger as raízes da manufactura interna.·
O sistema protector além de violar os princípios da
economia cosmopolita, também infringia a vantagem
. bem entendida da própria nação se quisesse eliminar a
concorrência estrangeira por completo e de uma vez e
isolar das outras nações a nação a ser protegida. Caso a
força manufactureira a proteger ainda se encontre na
primeira fase do seu desenvolvimento, as tarifas alfan-
degárias protectoras têm de ser muito moderadas, não
devendo superar o aumento das capacidades intelec-
tuais e materiais, dos talentos técnicos e do espírito
empreendedor da nação. Também não é de maneira
nenhuma necessário que todos os ramos industriais
sejam protegidos da mesma forma. Apenas os ramos
mais importantes precisam de protecção especial, ou
seja, aqueles cujo funcionamento exige grandes capitais
dé investimento e de exploraçãó, muita maquinaria, por
conseguinte muitos conhecimentos, talentos e experiên-
cias, e ainda muitos trabalhadores, e cujos produtos
satisfazem as necessidades básicas, sendo, consequen-
temente, em relação ao seu valor total assim como à
independência nacional da máxima importância, como,
por exemplo, as fábricas de lã, de algodão e de linho, etc.
Se estes ramos principais forem protegidos e se desen-
. volverem como deve ser, todos os restantes ramos
de manufactura menos significativos crescem por si,
mesmo com pouca protecção. Relativamente a nações
em que o salário diário é alto e a população, em propor-
ção à extensão do seu território, ainda não é grande,
como, por exemplo, os Estados Unidos da América,

345
manda a própria vantagem proporcionar urna menor
protecção às manufacturas que não sejam significativa-
mente apoiadas, do que àquelas onde as . máquinas
fazem a maior parte do trabalho, se as nações que lhes
fornecem tais mercadorias permitem a livre entrada aos
seus produtos agrícolas.
É um total desconhecimento da natureza das situa-
ções económicas nacionais por parte da Escola acreditar
que tais nações conseguem, através da troca de produtos
agrícolas por mercadoria manufacturada, promover a
sua civilização, a sua riqueza e, em geral, os progressos
das condições sociais tão bem corno através da implan-
tação de urna força de manufactura própria. Nunca urna
nação meramente agrícola conseguirá desenvolver o seu
comércio interno e externo, os seus meios de transporte
internos e a sua navegação externa de urna forma notá-
vel, aumentar a sua população na mesma medida que
o seu bem-estar, · ou fazer progressos importantes na
sua formação moral, intelectual, social e política; nunca
alcançará poder político importante ou será capaz de
influenciar a formação e os progressos de povos menos
avançados e criar colónias próprias. O mero Estado agrí-
cola é urna condição imensamente menos perfeita do
que o Estado agrícola-manufactureiro. O primeiro está
sempre económica e politicamente mais ou menos
dependente daquelas nações estrangeiras que lhe ficam
com os produtos agrícolas, contra produtos manufactu-
rados. Ele próprio não pode determinar quanto quer
produzir, tendo de ficar a aguardar para saber quanto
lhe querem comprar. Os outros, que se encontram em
estado agrícola-manufactureiro, produzem eles próprios

346
grandes quantidades de matérias-primas e alimentos
e limitam-se a completar o que lhes falta através da
importação vinda das nações agrícolas. Por um lado,
estes são dependentes no que respeita às suas vendas,
dos acasos duma colheita mais ou menos rica nas nações
agrícola-manufactureiras; por outro, estão neste forne-
cimento a competir com outras nações agrícolas, o que
torna esta venda, já em si muito insegura, ainda mais
incerta. Finalmente, estão expostos ao perigo de serem
perturbadds totalmente nas suas relações com as nações
manufactureiras estrangeiras por guerras ou medidas
comerciais, sofrendo a dupla desvantagem de não
encontrar compradores para o seu excedente de produ-
tos agrícolas e sentir falta dos produtos manufacturados
de que precisam. Uma nação agrícola, como já dissemos
antes, é um indivíduo com um braço que se serve de um
braço alheio, mas que não é certo poder contar com ele
em todos os casos; uma nação agrícola-manufactureira
é um indivíduo que tem dois braços próprios à sua
disposição.
É um erro fundamental da Escola descrever o sis-
tema alfandegário protector como um produto adverso à
natureza de políticos especuladores. A História pode
provar que âs medidas protectoras nasceram ou das
aspirações naturais das n ações ao bem-estar, indepen-
dência e poder, ou na sequ ência de guerras e medidas
comerciais hostis das nações manufactureiras dominantes.
A ideia de independência e poder nasce com o con-
ceito da nação. A Escola não tom ou isto em considera-
ção p orqu e fez objecto das su as investigações não a
econ omia das na ções il1dividuais, mas a economia da

347
sociedade em geral, ou seja, de toda a espécie humana.
Porque, se se imaginar todas as nações unidas por meio
de urna confederação universal, a atenção pela indepen-
dência e pelo poder desaparece totalmente. A garantia
da independência de cada nação, neste caso, existe na
situação jurídica de direito da sociedade universal, da
mesma forma, por exemplo, que a garantia da indepen-
dência dos Estados de Rhode Island e Delaware existe
na união de todos os Estados Livres Unidos. Desde a
fundação desta união, ainda nenhum destes Estados
mais pequenos se lembrou de considerar o aumento do
seu poder político ou pensar que a sua independência é
menos garantida do que a dos maiores Estados da
União.
No entanto, a confederação universal é tão sensata
corno seria insensata urna dada nação se, na esperança
das grandes vantagens de urna tal união e da paz eterna,
regulasse os princípios da sua política nacional corno se
esta confederação nacional já existisse. Perguntamo-nos
se as pessoas sensatas não deveriam achar louco um
governo que, reclamando as vantagens e a razoabilidade
da paz eterna, dissolvesse os seus exércitos, destruísse os
seus vasos de guerra e demolisse as suas fortalezas.· No
entanto, um tal governo não faria senão aquilo que a
Escola exige dos governos, quando, invocando as vanta-
gens do livre comércio, pretende que presdndarn das
vantagens do sistema protector.
A guerra tem um efeito destruidor sobre as relações
comerciais recíprocas entre nações. Desta forma, o agri-
cultor que vive num determinado país é separado vio-
lentamente do manufactor que vive num outro país.

348
Mas, enquanto o manufactor, sobretudo se pertence a
uma nação com poder marítimo e muito comércio,
facilmente encontra uma solução nos agricultores do seu
próprio país ou em outros países agrícolas a que tem
acesso, o habitante do país agrícola sofre duas vezes por
causa desta perturbação das relações. Fie~ sem mercado
para os seus produtos agrícolas e consequentemente
também sem capacidade de pagar os produtos manu-
facturados que os negócios anteriores tomaram uma
necessidade; sente-se reduzido tanto na sua produção
como no seu consumo.
Se uma nação agrícola desta forma reduzida pela
guerra, na sua produção e no seu consumo, já estiver
bem avançada na sua população, civilização e agricul-
tura, a interrupção do comércio devido à guerra faz
com que nela se desenvolvam manufacturas . e fábricas.
A guerra tem sobre ela o efeito de um sistema proibitivo.
Conhece, desta forma, a grande vantagem de uma força
de manufactura própria, convence-se que, de facto, com
as interrupções do comércio devido à guerra, ganhou
mais do que perdeu. Impõe-se nela a convicção de ser
destinada a transitar do nível de um estado meramente
agrícola para o nível de um estado agrícola-manufactu-
reiro, e por causa deste avanço vir a alcançar o mais
alto grau de bem-estar, civilização e poder. No entanto,
quando voltar a paz, depois de uma tal nação já ter con-
seguido importantes progressos na carreira manufactu-
reira que a guerra lhe tinha aberto, querendo ambas as
nações reatar as relações comerciais como existiam anti-
gamente, ambas notarão que novos interesses surgiram
durante a guerra que seriam destruídos pelo restabele-

349
cimento do comércio anterior. A antiga nação agrícola
apercebe-se de que teria de sacrificar a força de manu-
factura, entretanto nascida, à venda dos seus produtos
agrícolas para o estrangeiro; a nação manufactureira
sente que uma parte da produção agrícola que cresceu
durante a guerra, seria outra vez destruída pela impor-
tação livre. Por isso, ambos tentam proteger estes inte-
resses com direitos de importação. Esta é a história da
política comercial durante os últimos cinquenta anos.
Foi a guerra que originou os sistemas protectores
mais recentes, e não temos medo de exprimir a afirma-
ção de que teria sido no interesse das nações manufactu-
reiras de segunda e terceira classes mantê-los e desen-
volvê-los, mesmo se a Inglaterra, depois de restabelecida
a guerra, não tivesse cometido o enorme erro de limitar
a importação de produtos alimentares e matérias-pri-
mas, consequentemente deixando permanecer as razões
do sistema protector também em tempo de paz. Da
mesma forma como uma nação no estado de rudeza e
com a agricultura · bárbara só pode fazer progressos
através do comércio com nações de manufactura civili-
zadas, também só pode, depois de alcançado um certo
grau de cultura, chegar ao mais alto grau de bem-estar,
civilização e poder, através duma força de manufactura
própria. Uma guerra que promove a transição do estado
agrícola para o estado agrícola-manufactureiro é pois
uma benção para uma nação, tal como a guerra da inde-
pendência dos Estados Livres norte-americanos, apesar
dos enormes sacrifícios que exigiu, se tem tornado numa
benção para todas as futuras gerações. Porém, uma paz
que contribui para que uma nação vocacionada para

350
desenvolver uma força manufactureira volte de novo ao
estado de mera agricultura será a sua maldição, incom-
paravelmente mais nociva do que a guerra.
A sorte das potências manufactureiras de segundo
e terceiro níveis foi o facto de a Inglaterra, depois da
restauração geral da paz, ter ela própria imposto limites
à sua tendência principal de monopolizar o mercado de
manufacturas da terra inteira, restringindo a importação
de produtos alimentares e matérias-primas estrangeiras.
Efectivamente, os agricultores ingleses, que durante a
guerra tinham monopolizado o mercado de produtos
ingleses, teriam sentido dolorosamente a concorrência
estrangeira, mas somente no princípio; depois - como
explicaremos noutro lugar mais em pormenor -, teriam
sido indemnizados por estas perdas mais do que dez
vezes pelo facto de a Inglaterra ter conseguido um
monopólio mundial de manufactura.
Seria, porém, incompreensível se as nações manu-
factureiras de segundo e terceiro níveis, depois de a sua
força de manufactura ter sido primeiro criada na conse-
quência de guerras de vinte e cinco anos, tornando-se
em seguida, devido ao facto de os seus produtos agríco-
las terem sido excluídos do mercado inglês durante
vinte e cinco anos, tão fortes que talvez só precisassem
de mais dez ou quinze anos de uma forte protecção para
enfrentar a livre concorrência com os produtos manu-
facturados ingleses - se, digamos, depois de ·terem
resistido a meio século de sacrifícios, estas nações abdi-
cassem das incomensuráveis vantagens de uma força de
manufactura própria e quisessem descer do degrau
peculiarmente alto da cultura, do bem-estar e da inde-

351
pendência outra vez para o degrau das nações agrícolas
dependentes, somente porque a nação inglesa acha por
bem reconhecer agora o seu erro, assim como a iminente
elevação das nações continentais que estão a entrar em
concorrência com ela.
Partindo também do princípio de que o interesse
manufactureiro da Inglaterra atingisse influência sufi-
ciente para obrigar a Câmara dos Lordes, composta
totalmente por grandes proprietários de terra, e a Câmara
dos Comuns, composta em grande parte por country
squires, a fazer concessões em relação à importação de
produtos agrícolas- quem poderia garantir que, decor-
ridos poucos anos, um novo ministério tory, noutras
condições, não impusesse uma nova lei do trigo? Quem
garante que não haverá uma nova guerra naval; um
novo sistema continental a separar os agricultores do
continente dos manufactores do império insular, tor-
nando necessário para as nações continentais recomeçar
de novo a carreira manufactureira e empregar outra vez
· as suas melhores forças na superação das primeiras difi-
culdades, para mais tarde sacrificar tudo outra vez à paz?
Desta maneira, a Escola condenava as nações conti-
nentais a revolver permanentemente a pedra de Sísifo -
permanentemente construir fábricas em tempo de gu~rra,
deixando-as cair durante o tempo de paz.
A Escola só podia chegar a resultados tão dispara-
tados porque, apesar do nome que deu à sua ciência,
excluiu totalmente a política, ignorando completamente
a natureza da nacionalidade e não tomando em conside-
ração os efeitos da guerra sobre o comércio existente
entre as diversas nações.

352
Quão diferente é a relação entre o agricultor e o
manufactor, quando ambos vivem numa mesma nação,
estando consequentemente ligados um ao outro por uma
paz perpétua. Nesta situação, cada aumento ou melhora-
mento duma fábrica já existente aumenta a procura de
produtos agrícolas. Esta procura não é incerta, depen-
dente de medidas comerciais ou flutuações do comércio
externo ou de movimentos políticos ou guerras exterio-
res ou invenções e melhoramentos alheios ou de colhei-
tas estrangeiras, o agricultor nacional não a divide com
outras nações; é-lhe segura todos os anos. Seja como for
o resultado das colheitas de outras nações, sejam quais
forem os mal-entendidos no mundo político, ele pode
contar com a venda dos seus produtos e com a aqui-
sição das suas necessidades em produtos manufactu-
rados a preços acessíveis e regulares. Por outro lado,
cada melhoria da agricultura nacional, cada nova cul-
tura, tem um efeito estimulante para o fabrico interno,
cada aumento da produção agrícola tem de levar a um
alargamento proporcional da produção interna de manu-
factura. Assim, este efeito mútuo assegura para sempre o
progresso a estes dois principais ramos de alimentação.
O poder político não só garante à nação o aumento
da sua riqueza através do comércio externo e das coló-
nias externas, mas também lhe assegura o do bem-estar
nacional e de toda a sua existência, que é incompara-
velmente mais importante do que a riqueza material.
Através do seu Acto de Navegação a Inglaterra alcançou
poder político, e o seu poder político tornou-a capaz
de estender a sua força manufactureira a outras nações.
A Polónia, no entanto, foi eliminada da lista das nações

353
porque não possuía urna classe média competente, que
poderia ter sido criada unicamente através da implanta-
ção de urna força de manufactura interna.
A Escola não pode negar que o mercado interno de
uma nação é dez vezes mais importante do que o
externo, mesmo em situações onde este último está flo-
rescente; mas falhou em tirar a conclusão, tão evidente,
de que é dez vezes mais importante desenvolver e asse-
gurar o mercado interno do que andar à procura de
riquezas no estrangeiro, e que o comércio externo só
pode ganhar importância em nações em que a indústria
interna já tenha adquirido um elevado grau de desen-
volvimento.
A Escola tem tomado em consideração o mercado
meramente no sentido cosmopolita, mas não no sentido
político. A maioria dos países costeiros do continente
europeu estão situados na zona natural do mercado dos
rnanufactores de Londres, Liverpool ou Manchester; há
muito poucos manufactores de outras nações capazes de
igualar, em comércio livre e nas suas próprias cidades
marítimas, os preços dos manufactores ingleses. Mais
capitais, um mercado interno maior, que lhe permite
fabricar numa escala maior, consequentemente mais barato,
maiores progressos no próprio processo de fabrico e,
finalmente, um transporte marítimo menos dispendioso
proporcionam actualmente ao fabricante inglês vanta-
gens sobre os fabricantes do próprio país, que poderão
ser transferidos gradualmente para a indústria nacional
somente com a ajuda de urna longa e persistente protec-
ção do mercado interno e do aperfeiçoamento dos meios
de transporte nacionais. Porém, o mercado dos países

354
costeiros é de grande importância para cada nação, rela-
tivamente ao mercado interno como ao comércio externo,
e uma nação, cujo mercado costeiro pertence mais ao
estrangeiro do que a ela própria, é divida não só sob o
aspecto económico, mas também sob o aspecto político.
De facto, não pode existir uma situação mais nociva para
uma nação do que quando as suas cidades marítimas
simpatizam menos com ela do que com o estrangeiro.
A ciência não deve negar, ignorar ou falsificar a
natureza das condições nacionais, para fomentar os
objectivos cosmopolitas. Estes fins só podem ser alcan-
çados seguindo a natureza e tentando com base nela
conduzir as várias nações a um objectivo mais alto. Veja-
-se o pouco sucesso que as lições da Escola tiveram na
prática até agora. Isto não é tanto culpa dos práticos, que
estão a ter uma noção bastante correcta da natureza das
condições nacionais, como é culpa de teorias para as
quais, visto contradizerem toda a experiência, a prática
teria de ser louca. Ou conseguiu ela evitar que nações
como as da América do Sul, contra a natureza das suas
situações, introduzissem o sistema protector? Evitou-se
que a protecção fosse também estendida à produção de
produtos alimentares e matérias-primas, que claramente
não precisavam de protecção, tendo a limitação do
comércio em qualquer condição forçosamente um efeito
negativo para ambas as nações, tanto a que limita- como
a que fica limitada? Foi ela que evitou que os produtos
manufacturados mais finos, na realidade os artigos de
luxo, fossem incluídos nos objectos a serem protegidos,
quando é mais do que evidente que estes poderiam ter
sido admitidos à concorrência, sem o mínimo perigo

355
para a riqueza da nação? Não! A teoria até agora não
efectuou nenhuma . reforma profunda e também não
efectuará nada de semelhante enquanto estiver em con-
tradição com a natureza das coisas. No entanto, pode e
deve conseguir grandes reformas, logo que se baseie na
natureza das coisas.
Primeiro, provocará urna grande vantagem que se
estenderá a todas as nações, ao bem-estar e aos progres-
sos de toda a Humanidade, se provar que a limitação do
livre comércio com produtos naturais e matérias-primas
traz a maior das desvantagens para a própria nação
que impõe a limitação, sendo que o sistema protector
pode ser justificado unicamente para o fim da educação
industrial da nação. Em seguida, baseando em princípios
correctos, o sistema protector relativamente às manu-
facturas fará com que nações, nas quais de momento
existe um sistema proibitivo rígido, corno, por exem-
plo, a França, gradualmente abandonem o sistema proi-
bitivo. Os rnanufactores não contestarão esta inovação
logo que estiverem convencidos de que os teóricos,
longe de planearem a sua ruína, consideram a manuten-
ção das manufacturas existentes e o seu futuro desen-
volvimento corno .base para qualquer política comercial
sensata.
Se a teoria ensinar aos Alemães que só podem
fomentar a sua força rnanufactureira de forma útil atra-
vés de tarifas protectoras, antecipadamente definidas,
que sobem gradualmente, para depois cair outra vez
gradualmente, e que uma concorrência parcial, embora
muito reduzida, do estrangeiro, é de qualquer das for-
mas benéfica para os progressos das suas manufacturas,

356
ao cabo servirá muito melhor o livre comércio do que se
ajudar a estrangular a indústria alemã.
A teoria não deve exigir dos Estados Unidos da
América que exponham à livre concorrência do estran-
geiro aquelas manufacturas em que tem o apoio de
matérias-primas baratas e produtos alimentares bem
como de força mecânica. Assim também não encon-
trará protestos quando afirmar que os Estados Unidos,
enquanto a diária no seu país estiver incomparavel-
mente mais alta do que nos Estados de cultura antiga,
podem promover o desenvolvimento das suas forças
produtivas, da sua civilização e do seu poder político,
deixando entrar o mais livremente possível aqueles arti-
gos manufacturados, nos quais um salário diário é uma
parte importante . do preço, com a condição de que
outros países permitam a entrada dos seus produtos
agrícolas e matérias-primas.
Assim, a teoria do livre comércio será aceite em
Espanha, Portugal e Nápoles, na Turquia, no Egipto e
em todos os países bárbaros e semicivilizados ou quen-
tes. Nestes países, já não se terá a ideia disparatada de
querer implantar uma força de manufactura própria
através do sistema protector.
A seguir, a Inglaterra abandonará a opinião de que
tem vocação para monopolizar a força manufactureira
da terra inteira. Já não exigirá que a França, a Alemanha
e a América do Norte sacrifiquem as suas manufacturas
de modo a poderem exportar produtos agrícolas e maté-
rias-primas para a Inglat.erra. Reconhecerá a legitimi-
dade dos sistemas protectores daquelas nações, .muito
embora no seu próprio país favoreça cada vez mais o

357
livre comércio, ensinada pela teoria no sentido de que é
só através da livre importação de produtos alimentares e
matérias-primas e através da concorrência de produtos
manufacturados estrangeiros, que uma nação que tenha
alcançado supremacia manufactureira pode conservar os
seus próprios manufactores e comerciantes contra retro-
cessos e indolência.
A Inglaterra seguirá, então, uma prática totalmente
contrária à política comercial que empregou até agora:
em vez de, como até agora, persuadir outras nações a
adoptar o livre comércio, enquanto ela própria mantém
o mais rigoroso sistema proibitivo, passará, sem consi-
deração pelos sistemas protectores estrangeiros, a per-
mitir concorrência no seu mercado interno. Adiará as
suas esperanças de introduzir o livre comércio até que
outras nações já não tenham de temer que a livre concor-
rência cause a ruína das suas fábricas.
Entretanto, e até que chegue esse momento, a
Inglaterra poderá compensar as perdas na sua exporta-
ção de produtos manufacturados de uso comum, causa-
das por sistemas protectores estrangeiros, através da
maior exportação de produtos manufacturados mais
sofisticados assim como através da abertura, implanta-
ção e manutenção de novos mercados para produtos
manufacturados.
Promoverá a paz na Espanha, no Oriente e nos
Estados da AmériCa Central e do Sul, utilizando em
todos os países bárbaros e semicivilizados da América
Central e América do Sul, da Ásia e de África a sua
influência no sentido de terem governos fortes e instruí-
dos, que se construam ruas e canais, que sejam proino-

358
vid as a educação e a informação, a moralidade e a
indústria, e que seja combatido o fanatismo, a supersti-
ção e a indolência. Se paralelamente a estes esforços
também forem levantadas as suas limitações da impor-
tação de produtos alimentares e matéria-prima, aumen-
tará incumensuravelmente a exportação da sua manu-
factura, e com muito mais sucesso do que especulando
eternamente relativamente ao declínio das fábricas no
continente.
Mas para que estas operações de civilização da
Inglaterra, junto a povos bárbaros e semicivilizados
tenham êxito, não deve haver procedimentos exclusivos;
não se deve tentar, através de privilégios comerciais
especiais, como os conseguidos, por exemplo, no Brasil,
monopolizar estes mercados excluindo outras nações.
Uma tal política suscitará sempre os justos ciúmes
de outras nações, dando-lhes motivos para contrariar as
aspirações da Inglaterra. É evidente que esta política
egoísta é a razão pela qual a influência dos poderes civi-
lizados sobre a civilização de tais países tem sido até
agora tão insignificante. A Inglaterra deveria, por isso,
introduzir o princípio de que, em todos estes países, o
comércio das nações manufactureiras tem os mesmos
direitos no direito internacional. Desta forma, a Ingla-
terra não só asseguraria o apoio de todas as potências
civilizadas nas suas próprias actividades de civilização,
como poderia também permitir, sem desvantagem para
o seu próprio comércio, que outras nações manufactu-
reiras fizessem semelhantes tentativas de civilização.
Devido à sua superioridade em todos os ramos de
manufactura e comércio, em toda a parte, a maioria da

359
exportação para tais mercados caberia de qualquer
maneira aos Ingleses.
A ambição e as intrigas sem fim dos Ingleses contra
as manufacturas de outras nações poderiam ainda ter
justificação se um monopólio mundial de manufactura
fosse indispensável para a prosperidade da Inglaterra, se
não ·se pudesse provar, até ser totalmente evidente, que
as nações ascendentes à grandiosa força de manufactura
ao lado da Inglaterra, conseguiriam muito bem alcançar
o seu objectivo sem diminuição da Inglaterra, que a
Inglaterra não terl.a de ficar mais pobre, porque outros
ficariam mais ricos do que ela, e que a natureza deu
meios suficientes para fazer surgir, sem detrimento da
prosperidade da Inglaterra, uma força manufactureira
igual à inglesa na Alemanha, na França e na América do
Norte.
Neste contexto, constata-se que a nação que con-
quiste o seu mercado de manufactura interno ganhará, a
seu tempo, na produção e no consumo de produtos de
manufactura nacionais, imensamente mais do que perde,
pela exclusão, a nação que até agora lhe forneceu os
produtos manufacturados, porque uma nação que
possui fabrico próprio e que está completamente desen-
volvida nas suas relações económicas se tomará incom-
paravelmente rica e mais povoada, podendo consequen-
temente consumir muito mais produtos fabricados do
que poderia importar, se estivesse dependente de uma
nação manufactureira estrangeira.
Mas no que respeita à exportação de produtos
manufacturados, neste aspecto os países da zona moderada,
preferencialmente destinados pela natureza para fabri-

360
car, dependem principalmente do consumo dos países
da zona quente que fornecem àqueles produtos coloniais
contra os seus produtos manufacturados. Porém, o con-
sumo de produtos manufacturados pelos países da zona
quente determina~se, por um lado, pela sua capacidade
de produzir um excedente dos artigos específicos da sua
zona, por outro, pela proporção em que os países da
zona moderada aumentam a sua procura pelos produtos
da zona quente.
Se está provado que, no decorrer do tempo, os
países da zona quente conseguem produzir cinco até
dez vezes mais, do que até agora, de açúcar, arroz,
café, algodão, etc., e que os países da zona moderada
conseguem consumir cinco a dez vezes mais, do que
até agora, destes produtos, também está provado que
os países da zona moderada conseguem aumentar a
sua exportação de produtos manufacturados para os
países da zona quente cinco até dez vezes do total
actual.
A capacidade das nações do continente de aumen-
tar o seu consumo de produtos coloniais tão significati-
vamente é testemunhada pelo aumento do consumo da
Inglaterra durante os últimos cinquenta anos, sendo de
ter em conta que este aumento, sem os impostos exage-
rados sobre o consumo, provavelmente teria sido incom-
paravelmente mais significativo.
A possibilidade de aumentar as produções da zona
quente foi irrefutavelmente demonstrada pela Holanda,
em Sumatra e Java, e pela Inglaterra nas Índias Orientais
durante os últimos cinco anos. A Inglaterra quadrupli-
cou as suas importações de açúcar das Índias Orientais

361
entre 1835 e 1839; a su a importação de café aumentou
numa proporção ainda maior, e também o fornecimento
de algodão d as Índias Orientais está a aumentar muito.
Em suma, os mais recentes jornais ingleses (Fevereiro de
1840) informam com júbilo: a capacidade de produção
das Índias Orientais destes artigos não tem limites e o
tempo no qual a Inglaterra poderá tornar-se indepen-
dente da importação destes artigos da América e das
Índias Ocidentais não está longe. A Holanda, em contra-
partida, já terá problemas com a venda dos seus produ-
tos coloniais, estando empenhada em · procurar novos
mercados. Imagine-se, para mais, que a América do
Norte continua a aumentar a sua produção de algodão,
e que o Texas é um estado em ascendência que, sem
dúvida, conquistará todo o México, tornando esse país
fértil naquilo que são agora os países do Sul da União
norte-americana; imaginemos ainda que ordem · e lei,
esforço e inteligência vão gradualmente expandir-se
sobre os Estados sul-americanos do Panamá até ao Cabo
Horn, a seguir sobre toda a África e Ásia, aumentando
por todo o lado a produção e o excedente de produtos, e
entenderemos facilmente que se está a abrir aqui espaço
para a venda, por mais de uma nação, de produtos manu-
facturados .
Se se calcular a superfície dos terrenos usados até
agora para a produção de artigos coloniais, comparando
esta com a superfície que, por nah1reza, tem capacidade
de produzir estes artigos, chegar-se-á à conclusão de que
os terrenos actualmente usados para esta produção não
chegam nem a uma quinquagésima parte dos que são
aptos para esse fim.

362
Agora, como é que poderia a Inglaterra monopoli-
zar os mercados de m anufactura de todos os países pro-
duzindo produtos coloniais, quando pode satisfazer as
su as necessidades de produtos da zon a quente unica-
mente pelo fornecimento vindo das Índias Orientais?
Como é que a Inglaterra pode esperar vender produtos
manufacturados para países cujos produtos coloniais
não poderá receber em troca? Como é que, em contra-
partida, poderá surgir uma grande procura de produtos
coloniais no continente europeu, se o continente não for
capaz, através da sua produção de manufactura, de
pagá-los e consumi-los?
Torna-se, por isso, claro que a opressão das fábricas
no Continente, apesar de poder impedir os países conti-
nentais a serem mais prósperos, não pode de maneira
nenhuma promover a prosperidade da Inglaterra.
Também é evidente que ainda actualmente, e por
longo tempo no futuro, os países da zona quente ofere-
cem material suficiente para troca a todas as nações
vocacionadas para a produção de manufactura.
Por último, é claro, que um monopólio mundial de
manufactura, como actualmente foi fundado pela livre
concorrência dos produtos de manufactura ingleses
nos continentes europeu e norte-americano, não seria
de forma nenhuma mais vantajoso para o bem-estar da
espécie humana do que o sistema protector que aspira
desenvolver a força de manufactura de toda a zona moderada
a favor da agricultura de toda a zona quente.
O avanço que a Inglaterra fez nas manufacturas, na
navegação e no comércio, não deve, pois, desencorajar
nenhuma nação que, pela posse adequada de território,

363
força nacional e inteligência, estiver vocacionada para
a produção manufactureira, a desafiar a supremacia
manufactureira. A manufactura, o comércio e a navega-
ção estão a avançar para um futuro que tanto transcen-
derá o presente como o presente excede o passado. Basta
ter a coragem de acreditar num grande futuro da nação,
avançando com esta convicção. Sobretudo, deve ter-se
consciência nacional suficiente para, já agora, plantar e
proteger a árvore que só a futuras gerações oferecerá os
seus frutos mais ricos. Deve-se primeiro conquistar o
mercado interno da própria nação, pelo menos no que
respeita aos artigos de primeira necessidade, e tentar
adquirir os produtos da zona quente directamente
daqueles países que aceitem em troca os nossos produ-
tos manufacturados como pagamento. Esta é, nomea-
damente, a tarefa que a União Comercial alemã terá de
solucionar para que a nação alemã não fique atrás dos
Franceses e Norte-Americanos, e até dos Russos.

364
Décimo Sexto Capítulo

ECONOMIA DO POVO E DO ESTADO,


ECONOMIA POLÍTICA E NACIONAL

No que diz respeito à cobrança, utilização e admi-


nistração dos meios materiais do governo de uma
comunidade, ou seja, à economia financeira do Estado,
tem de se distinguir necessariamente em todo o lado
daquelas instituições, regulamentos, leis e situações,
pela qual a economia dos cidadãos é condicionada e
organizada, ou seja, da economia nacional. A necessi-
dade desta distinção existe em todas as sociedades de
Estado, se se trata duma inteira ou fracções de uma
nação, sejam pequenas ou grandes.
No Estado federado, por sua vez, a economia finan-
ceira do Estado divide-se entre a economia financeira
dos vários estados e a economia financeira da união.
A economia do povo eleva-se à economia nacional,
quando o Estado ou o Estado federado compreende uma
nação inteira, vocacionada para a independência pelo
número de habitantes, pela posse do território, pelas
instituições, pela civilização, pela riqueza e pelo poder, e
capacitada para a continuidade e o prestígio político.
Neste caso, a economia do povo e a economia da nação
são uma e a mesma. Juntas com a economia financeira
do Estado formam a economia política da nação.

365
No caso, no entanto, de Estados cuja população e
cujo território consistam somente de uma fracção de
uma nação ou de um território nacional, que nem atra-
vés da união directa do Estado, nem através da união
federativa de outras fracções formam um todo, só se
pode falar, em todo o caso, de uma economia do povo,
em contraste com a economia privada ou com a econo-
mia financeira do Estado. Nesta situação imperfeita, os
objectivos e as necessidades de uma grande nacionali-
dade não podem ser válidos, nomeadamente não se
pode regular a economia do povo tomando em conside-
ração a formação de uma nação completa em si, assim
como a sua independência, continuidade e o seu poder.
Aqui, pelos vistos, a política tem de ficar excluída d a
economia; aqui, só as leis naturais da economia social,
tal como nasceriam e tomariam forma se não houvesse
em lado nenhum uma grande e unida nacionalidade ou
uma economia nacional, podem ser tomadas em consi-
deração.
Deste ponto de vista, tem-se desenvolvido na Ale-
manha aquela ciência, à qual anteriormente se chamava
economia do Estado, depois economia-nacional, a seguir
economia política e. depois economia do povo, sem que
alguém se desse conta do erro de fundo desses sistemas.
O conceito e a natureza da economia nacional não
poderiam ser depreendidos porque não existia uma
nação economicamente unida, e porque o conceito parti-
cular e definido de nação foi, por toda a parte, substi-
tuído pelo vago conceito de sociedade- um conceito que
é tão bem aplicável à Humanidade inteira, a um país
pequeno, a uma cidade individual, como também à nação.

366
Décimo Sétimo Capítulo

A FORÇA DA MANUFACTURA
E AS FORÇAS PRODUTIVAS
NACIONAIS, PESSOAIS, SOCIAIS E POLÍTICAS

Na agricultura rudimentar reina indolência mental,


imperícia física, insistência em manter conceitos, hábi-
tos, costumes e procedimentos antigos, falta de forma-
ção, riqueza e liberdade. Em contrapartida, o estado de
manufactura e de comércio é caracterizado pelo espírito
de aspiração ao aumento contínuo dos bens mentais e
materiais, de concorrência e liberdade.
A razão desta diferença reside, em parte, na dife-
rente forma de convívio e de educação das duas classes
do povo e, noutra parte, na diferente natureza da sua
ocupação e dos recursos necessários para tal. A popula-
ção agrícola vive dispersa sobre toda a superfície do
território, e também no que respeita às relações mentais
e materiais os agricultores estão longe uns dos outros.
Um faz, com pouca diferença, o que o outro também faz;
um produz, em regra, o que o outro também produz.
O excedente e a necessidade de todos são quase iguais
para todos, cada um é o melhor consumidor dos seus
produtos; dessa maneira, existem poucos motivos para
comunicação mental e material. O agricultor tem a ver
menos com as pessoas do que com a natureza inorta.

367
Habituado a colher, após longo período de tempo, exac-
tamente ond'l semeou, e deixando o sucesso dos seus
esforços à discrição da vontade de um poder superior,
contentamento, paciência, resignação, mas também des-
leixo e preguiça do espírito tornam-se a sua segunda
natureza. Da mesma maneira como o seu ofício o man-
tém afastado das relações com pessoas, o trabalho nor-
mal - habitualmente também não exige muito esforço
mental nem grande destreza do corpo. O agricultor
aprende-o no pequeno círculo da família em que nasceu
através de imitação, e raramente lhe passa pela cabeça
que poderia executá-lo de forma diferente e melhor. Do
berço até ao caixão, movimenta-se sempre no mesmo
círculo reduzido de pessoas e condições. Raramente vê
exemplos de especial prosperidade na sequência de
extraordinários esforços mentais e físicos. Propriedade e
pobreza, na agricultura rudimentar, são transmitidas de
geração em geração, e praticamente toda a força que
resulta do estímulo está morta.
A natureza das manufacturas é totalmente diferente
da natureza da agricultura. Atraídos uns aos outros pelo
seu negócio, os manufactores só vivem dentro da socie-
dade e através da sociedade, no movimento e através do
movimento. o manufactor satisfaz no mercado todas as
necessidades de alimentos e matérias-primas, e apenas a
parte mais pequena dos seus produtos se destina ao con-
sumo próprio. Enquanto o agricultor espera a benção
principalmente da natureza, a prosperidade e a existên-
cia do manufactor baseia-se sobretUdo no negócio.
Enquanto o agricultor não conhece os seus compradores,
ou pelo menos tem de se preocupar pouco com as suas

368
vendas, a existência do manufactor depende dos seus
clientes. Os preços das matérias-primas, das necessida-
des vitais e dos salários, dos produtos e do dinheiro
estão em constante flutuação; o manufactor nunca sabe
com certeza como serão os seus lucros. A ele, não é a
benevolência da natureza e a actividade habitual que lhe
garantem existência e prosperidade como ao agricultor,
ambas dependem inteiramente dos seus conhecimentos
e do seu trabalho. Tem de tentar adquirir o supérfluo
para ter a certeza do necessário, tem de tentar ficar rico
para não se tornar pobre. Se andar um pouco mais
rapidamente do que os outros, tem êxito; se andar mais
devagar, a ruína é certa. Tem de estar constantemente a
comprar e a vender, trocar e negociar. Por toda a parte,
trata com pessoas, com situações inconstantes, com leis e
instituições; tem cem vezes mais ocasiões de formar o
seu intelecto do que o agricultor. Para ser capaz de
tratar do seu ofício, tem de conhecer pessoas e países
estrangeiros. Tem de fazer esforços extraordinários para
estabelecer o seu negócio. Enquanto o agricultor só lida
com o que o rodeia de muito perto, o negócio do
manufactor estende-se por países inteiros e outras partes
do mundo. O seu desejo de ter prestígio junto dos seus
concidadãos, ou de mantê-lo, assim como a eterna
competição dos seus concorrentes que constantemente
põem a sua existência e a sua prosperidade em ris<::o, são
fortes estímulos para uma actividade incessante, para
um avançar sem parar. Há mil exemplos que lhe provam
que, se é possível elevar-se, mediante um empenho e
esforço extraordinários, do mais baixo grau de riqueza e
prestígio às primeiras classes da sociedade, também se

369
pode, em contrapartida, através de preguiça de espírito
e do desleixo, descer das classes prestigiadas para as
mais baixas. Estas condições fazem nascer no manu-
factor uma energia que não é visível em lado nenhum no
caso da agricultura rudimentar.
Se olharmos para os trabalhos de manufactura na
sua totalidade, ficará imediatamente claro que formam e
põem em acção propriedades mentais e habilidades
incomparavelmente mais diversificadas e mais elevadas
do que a agricultura.
Adam Smith disse certamente uma daquelas frases
paradoxais de que, segundo o seu biógrafo Dugald
Stewart, tanto gostava, quando afirmou que a agricul-
tura exigia mais habilidade do que as manufacturas.
Sem entrarmos numa investigação sobre se a montagem
de um relógio exige mais destreza do que a gestão duma
quinta, não precisamos fazer mais do que chamar à
atenção para o facto de todas as tarefas executadas na
agricultura serem do mesmo género, enquanto nas
manufacturas existem mil diversidades. Também não
deve ser esquecido .que, para o fim da presente compa-
ração, a agricultura deve ser considerada como existe no
Estado rudimentar e não como evoluiu sob a influência
das manufacturas. Se o estado dos agricultores ingleses
parece a Adam Smith muito mais nobre do que o estado
dos manufactores ingleses, então esqueceu-se que este
estado foi melhorado devido à influência das manufac-
turas e do comércio.
Manifestamente, a agricultura apenas ocupa pes-
soas do mesmo género, e apenas aqueles que, com
algum sentido para a ordem, combinam força física e

370
persistência na execução de trabalhos manuais rudi-
mentais, enquanto manufacturas exigem mil diversi-
dades de capacidades mentais, habilidades e exercícios.
A procura de uma tal diversidade de talentos, no estado
de manufactura, facilita a cada indivíduo o encontro
duma ocupação e dum destino conformes à sua indivi-
dualidade, enquanto no estado agrícola a escolha é
pequena. Aí, as faculdades intelectuais são apreciadas
incomparavelmente mais do que aqui, onde geralmente
a capacidade da pessoa é avaliada somente pela força
física. O trabalho do fraco, do aleijado, tem não rara-
mente, no estado de manufactura, um valor muito mais
alto do que o do homem mais forte na agricultura. Cada
força, até a mais .fraca, a das crianças e das mulheres,
dos aleijados e dos velhos, encontra nas manufacturas
emprego e remuneração.
As manufacturas são os filhos e ao mesmo tempo o
que cultiva e alimenta as ciências e as artes. Observe-se
quão pouco a classe do agricultor rudimentar se ocupa
com as ciências e com as artes, quão pouco é necessário
para fabricar os toscos utensílios que utiliza. É verdade
que a agricultura foi a primeira, através da renda da
propriedade, a tornar possível ao homem virar-se para
as ciências e artes, mas, sem as manufacturas, ficavam
sempre propriedade da classe, só estendendo os seus
efeitos benéficos muito imperceptivelmente às massas.
No estado de manufactura, a indústria das massas é
iluminada pelas ciências, e as ciências e as artes são ali-
mentadas pela indústria das massas. Não há pratica-
mente nenhuma produção de manufactura que não
esteja relacionada com a física, mecânica, química,

371
matemática ou com o desenho, etc. Não há nestas ciên-
cias nenhum progresso, nenhuma nova descoberta ou
invenção que não sirva para melhorar ou mudar cente-
nas de ofícios ou procedimentos.
No estado de manufactura é, por isso, inevitável
que ciências e artes se tomem populares. A necessidade
da formação e instrução por meio de publicações ·e con-
ferências de um grande número de pessoas, que têm
de aplicar os resultados das investigações científicas,
determina talentos especiais a dedicarem-se ao ensino e
à escrita. A concorrência de tais talentos, quando há
grande procura dos seus esforços, leva à divisão e à coo-
peração da actividade científica, o que tem uma influên-
cia benéfica não só para o desenvolvimento das ciências
como também para o aperfeiçoamento das artes e dos
ofícios. Os efeitos destes aperfeiçoamentos rapidamente
se estendem até à agricultura. Em nenhum outro lugar
se encontrarão máquinas e equipamentos agrícolas mais
perfeitos, em nenhum outro lugar se exercerá a agricul-
tura com tanta inteligência como nos países onde flo-
resce a indústria. Sob influência das manufacturas, a
própria agricultura se eleva a um ofício, uma arte, uma
ciência.
As ciências e os ofícios em conjunto causaram esta
grande força material que substitui, na sociedade mais
recente, dez vezes mais o trabalho dos escravos da Anti-
guidade, e que é destinada a exercer uma influência
incomensurável sobre as condições das massas, sobre a
civilização de países bárbaros, sobre a população de
países despovoados e sobre o poder das nações de cul-
tura antiga - a força mecânica.

372
A nação de manufactura tem cem vezes mais possi-
bilidades de aplicar a força mecânica do que a nação
agrícola. Um aleijado, conduzindo uma máquina a vapor,
pode produzir cem vezes mais do que o homem mais
forte só com a mão.
A força mecânica, em conjunto com os melhora-
mentos do transporte nos últimos tempos, confere ao
estado de manufactura uma imensa superioridade
sobre o estado de mera agricultura. É óbvio que canais,
linhas férreas e navegação a vapor só podiam nascer
graças à força de manufactura, e somente através dela
se podem expandir sobre toda a superfície do território.
No mero estado agrícola, onde cada um produz por
si próprio a maior parte das suas necessidades e con-
some a maior parte dos seus produtos, onde os
indivíduos mantêm um relacionamento muito redu-
zido de bens e pessoas entre si, não pode haver um
transporte tão grande, nem de bens nem de pessoas, de
forma a pagar os custos da instalação e manutenção
destas máquinas.
Novas invenções e melhoramentos têm um valor
baixo no estado de mera agricultura. As pessoas que se
ocupam com isso tornam-se, regra geral, vítimas das
suas investigações e aspirações, enquanto no estado de
manufactura não há caminho que conduza mais rapida-
mente à riqueza e prestígio do que o da invenção e da
descoberta. Desta forma, no .estado de manufactura, o
génio é mais apreciado e mais bem pago do que o
talento, o talento mais do que a força física. No estado
agrícola, em contrapartida, quase o contrário é a regra,
com excepção do serviço do estado.

373
Tal como actuam sobre o desenvolviment.o das
forças mentais da nação, as manufacturas também
influenciam a evolução da força de trabalho física, pro-
porcionando aos trabalhadores prazer e estímulos para
empregarem as suas forças e dando-lhes a ocasião de
valorizar estas forças. É uma observação incontestada
que em estados de manufactura florescentes, o trabalha-
dor, independentemente da ajuda das melhores máqui-
nas e equipamentos, consegue um resultado incompara-
velmente maior num dia de trabalho do que nos países
de mera agricultura.
Já a circunstância de, em Estados de manufactura,
se reconhecer muito mais o valor do tempo do que em
Estados agrícolas, indica que há neles um maior nível da
força trabalhadora. Não há forma mais segura de medir
o grau de civilização e o valor da sua força de trabalho
do que o grau de valor que atribui ao tempo. O selvagem
descansa durante dias na sua cabana sem fazer nada.
Como é que o pastor há-de aprender a valorizar o
tempo, quando este para ele é um fardo que só a flauta
pastoril ou o sono torna suportável? Como é que se quer
que um escravo ou um servo aprenda a poupar o tempo,
se para ele o trabalho é punição e a ociosidade ganho?
Só com a indústria os povos chegam a reconhecer o valor
do tempo, porque então ganho de tempo traz ganho de
juros, perda de tempo, perda de juros. O zelo do manu-
factor em valorizar o seu tempo o mais possível contagia
o agricultor. O aumento da procura de produtos agrí-
colas, devido às manufacturas, aumenta a renda, ou seja,
o valor da terra, maiores capitais serão empregues n a
empresa, os consumos aumentam, é necessário obter um

374
maior resultado da terra, para poder pagar as rendas e
os juros de capital aumentados assim como o maior
consumo. É possível oferecer maiores salários, mas é
exigido mais trabalho. O trabalhador começa a sentir que
possui nas suas forças físicas e na habilidade com a qual
as aplica, os meios para melhorar a sua condição. Começa
a perceber porque é que o inglês diz que tempo é dinheiro.
No isolamento em que .vive o agricultor, e com a
limitação da sua formação, é pouco capaz de contribuir
para a civilização geral ou de vir a conhecer o valor das
instituições políticas, e muito menos de participar acti-
vamente na administração de assuntos públicos e na
jurisdição, ou de defender a sua liberdade e os seus
direitos. A isto acresce que, na maioria dos casos, se
encontra na dependência do proprietário das terras. Até
agora, as nações de mera agricultura têm vivido por toda
a parte na escravatura ou, pelo menos, sob o peso do
despotismo, do feudalismo ou do clero. Já a posse exclu-
siva do solo dava ao autocrata ou aos senhores feudais
ou ao clero um poder sobre a massa da população rural,
do qual não se podia livrar por si própria.
Sob a poderosa influência do hábito, nas nações que
vivem apenas da agricultura, o jugo que lhes foi imposto
pela força ou pela superstição e pelo clero tem-se-lhes
entranhado tanto que acabam por considerá-lo parte inte-
grante do seu próprio corpo e condição da sua existência.
A lei da divisão das operações de negócio e da con-
federação das forças produtivas, pelo contrário, empurra
com força irresistível os vários manufactores para junto
uns dos outros. A fricção gera as faíscas do espírito,
como as do fogo natural. Porém, fricção mental só acon-

375
tece onde há um estreito convívio, frequentes contactos
comerciais, científicos, sociais, civis e políticos, uma
grande troca de bens e ideias. Quanto mais pessoas
vivem juntas no mesmíssimo lugar, tanto mais cada tJ.rna
depende no seu negócio da participação de todos os
outros; e quanto mais o negócio de cada um destes
indivíduos exige conhecimentos, prudência, · formação,
menos a arbitrariedade, a falta de leis, a opressão e a
usurpação são compatíveis com a actividade e os objecti-
vos de bem-estar de todos estes indivíduos, tanto mais
perfeitas são as instituições burguesas, tanto maior o
grau de liberdade, tanto mais ocasiões há para se desen-
volver a si próprio ou para participar na formação de
outros. Por isso, em todo o lado e em todos os tempos, a
liberdade e a civilização partiram das cidades: na Anti-
guidade na Grécia e na Itália, na Idade Média na. Itália,
na Alemanha, na Bélgica e na Holanda, mais tarde na
Inglaterra, e nos tempos mais recentes na América do
Norte e na França.
Existem, no entanto, dois tipos de cidades, as qu e
chamamos produtivas e as as consumidoras. Algumas
cidades transformam as matérias-primas e pagam-nas ao
país, assim corno os meios de subsistência de que preci-
sam, com produtos manufacturados. São as cidades
rnanufactureiras, as produtivas. Quanto mais estas pros-
perarem, mais prospera a agricultura do país, e quanto
mais forças a agricultura desenvolver, maiores se tomam
as cidades de manufactura. Mas há também cidades
onde vivem aqueles que consomem a renda da terra. Em
todos os países algo cultivados, urna grande parte do
rendimento nacional é consumido nas cidades sob a

376
forma de renda. Seria errado afirmar generalizadamente
este consumo prejudicial para a produção, ou-que não a
fomente. Porque a possibilidade de assegurar um;:t vida
independente através da aquisição de rendas é um forte
estímulo para a poupança, para a aplicação de poupan-
ças na agricultura e para o melhoramento da agricultura.
Para além disso, o capitalista, estimulado pela vontade
de se distinguir de entre os seus concidadãos, apoiando-
-se na sua educação e na sua situação independente,
fomenta a civilização, a eficácia das instituições públicas,
a administração estatal, as ciências e as artes. No entanto,
o grau em que desta forma a renda influi na indústria, na
riqueza e na civilização da nação, depende sempre do
grau de liberdade que a nação tenha adquirido. Aquele
impulso de se tornar útil à comunidade por meio de
acção voluntária e de se distinguir de entre os seus
concidadãos chegará a desenvolver-se somente nos paí-
ses onde esta acção leva ao reconhecimento público, ao
prestígio e a lugares de honra, mas não em países onde
cada aspiração ao respeito público, cada intendência do
poder é olhado com olhos invejosos. Nestes países, o
capitalista entregar-se-á antes à devassidão ou à ociosi-
dade e, desta maneira, tornando a actividade útil em
algo desprezível e prejudicando tanto a moralidade
como o ímpeto de actividade, porá em risco a força pro-
dutiva da nação nas suas raízes. Embora mesmo em
tais circunstâncias as manufacturas das cidades sejam
fomentadas de certa forma pelo consumo do capitalista,
devem ser consideradas frutos estéreis e nocivos: con-
tribuirão pouco para a promoção da civilização, do bem-
-estar e, em geral, da liberdade da nação. Na medida em ·

377
que a força da manufactura saudável, em geral, produz
a liberdade e a civilização, também se pode dizer que,
através dela, a renda se transforma, de fundo de ociosi-
dade, excesso e imoralidade, em fundo da produção
mental, e que, em consequência, através dela, cidades
meramente consumidoras são transformadas em cidades
produtivas. Um outro ramo de alimento das cidades
consumidoras é o consumo dos funcionários públicos e,
em geral, da administração pública. Também esses
conseguem produzir uma aparente riqueza da cidade,
mas se tais consumos são benéficos ou nocivos para a
força produtiva da nação, para a sua riqueza e, em geral,
para as suas instituições, depende somente da medida
em que as funções do consumidores fomentam ou pre-
judicam tais forças.
Isto explica porque podem existir, em Estados de
mera agricultura, grandes cidades que, não obstante
albergarem um grande número de gente abastada e de
variados ofícios, exercem influência muito insignificante
na civilização, na liberdade e na força de produção da
nação. As pessoas de tais ofícios têm necessariamente de
partilhar da mesma opinião dos seus clientes; devem ser
consideradas subordinadas dos capitalistas e dos funcio-
nários do Estado. Lado a lado com o grande luxo de tais
cidades, existe a pobreza, a miséria, a limitação e a
mentalidade servil entre a população agrária. Um efeito
benéfico das manufacturas sobre a civilização, o melho-
ramento das instituições públicas e a liberdade da nação,
em geral, só se torna perceptível quando num país surgir
uma força manufactureira que, independentemente dos
capitalistas e dos funcionários públicos, trabalha para a

378
grande massa da população agrícola ou para a expor-
tação, obtendo os pmdutos em grandes quantidades para
serem manufacturados e para a sua subsistência. Quanto
maior for a saudável força de manufactura, mais ela
atrairá para o seu lado a força manufactureira assim
como os capitalistas e funcionários do Estado que emer-
giram dos consumos acima mencionados, mais se forma-
rão as instituições públicas no interesse da comunidade.
Observemos as condições de uma grande cidade,
onde os manufactores são numerosos, amantes da liber-
dade, formados e abastados, onde os comerciantes par-
tilham os seus interesses e as suas posições, os capitalis-
tas se vêem obrigados a ganhar o respeito público, os
homens das ciências e das artes trabalham para o grande
público, obtendo dele os seus meios de subsistência;
pensemos na quantidade de meios mentais e materiais
que estão concentrados num espaço tão pequeno; tome-
mos em consideração quão estreitamente esta massa de
forças está ligada entre si pela lei da divisão das opera-
ções produtivas e da confederação das forças; imagine-
mos quão rapidamente cada melhoramento, cada pro-
gresso nas instituições públicas e nas condições sociais e
económicas, assim como, por outro lado, cada retro-
cesso, cada obstrução dos interesses públicos serão sen-
tidos por essa massa; pensemos quão facilmente esta
massa, que vive no m esmíssimo lugar, consegue enten-
der-se relativamente a objectivos e medidas comuns e
que quantidade de meios consegue concentrar de ime-
diato para estes fin s; levemos em conta o tão estreito
relacionamento de uma comunidade tão poderosa,
esclarecida e amante da liberdade com outras comuni-

379
dades semelhantes na mesma nação - ponderemos tud o
isto, e facilmente nos convencemos de que, perante as
cidades cuja força toda, como acabamos de mostrar, se
baseia na prosperidade das manufacturas e do comércio
relacionado com elas, a eficiência da população agrária,
que vive dispersa sobre toda a superfície do país, n ão
importa qual o seu número total, pouco significa no que
respeita à manutenção e ao melhoramento das condições
públicas.
A influência preponderante das cidades sobre as
condições políticas e cívicas da nação, longe de trazer
desvantagem aos habitantes do campo, tem para eles
vantagem incalculável. A vantagem própria das cidades
obriga-as a elevar os agricultores a companheiros da sua
liberdade, educação e bem-estar. Porque, quanto maior a
soma dos bens mentais entre a população do campo,
tanto maior é a soma dos alimentos e das matérias-pri-
mas que fornecem às cidades, tanto maior a soma dos
produtos fabricados que adquirem às cidades e, por-
tanto, a riqueza das cidades. O campo recebe das cidades
energia, esclarecimento, liberdade e instituições, mas as ·
cidades asseguram para si a posse da liberdade e das
instituições, elevando os habitantes do campo a partici-
pantes nesta conquista. A agricultura que antes alimen-
tava apenas senhores e servos, dá agora à comunidade
os mais independentes e capazes defensores da sua
liberdade. Também na agricultura é agora possível, a cada
força, distinguir-se. O trabalhador pode subir a caseiro,
. o caseiro a proprietário de terra. Os capitais e as empre-
sas de transporte, que a indústria atrai e cria, estão agora
a fecundar a agricultura por todo o lado. Servidão,

380
encargos feudais, leis e instituições que prejudicam a
dedicação e a liberdade, desaparecem. O proprietário
obtém agora cem vezes mais rendimentos da sua
madeira do que da caça. Aqueles que antigamente, pelo
escasso rendimento do trabalho esforçado, mal obti-
nham os meios para sustentar uma vida rude de campo,
cujo único prazer era ter cavalos e cães e caçar, que por
isso insistiam em que cada impedimento desse prazer
fosse vingado como um crime contra a sua majestade de
proprietário, através do aumento das suas rendas, do
resultado do trabalho livre, vêm agora a ser capazes de
passar uma parte do ano nas cidades. Aí, os seus costu-
mes são suavizados por teatro e música, por arte e lei-
tura, e através da convivência com artistas e pessoas
cultas aprendem a dar valor ao espírito e aos talentos.
De caçadores fanáticos, transformam-se em pessoas
cultas. Ao verem uma comunidade activa, em que cada
um aspira melhorar a sua situação, acorda também neles
o espírito do melhoramento. Começam a caçar ensina-
mentos e ideias, em vez de veados e lebrés. Depois de
voltar ao campo, constituem exemplos dignos de imita-
ção para os agricultores pequenos e médios, ganham o
seu respeito em vez da sua maldição.
Quanto mais a indústria e a agricultura floresce-
rem, tanto menos o espírito humano poder ser mantido
em algemas, tanto mais é necessário dar espaço ao espí-
rito da tolerância e substituir coacção moral por verda-
deira moralidade e religiosidade. Em todo o lado a
indústria tem defendido a tolerância, em todo o lado
tem transformado os padres em professores do povo e
em cientistas. Até agora, a formação da língua nacional e

381
da literatura, as artes e o aperfeiçoamento das institui-
ções civis têm acompanhado o desenvolvimento das
manufacturas e do comércio.
Somente com as manufacturas começa a capacidade
da nação de manter um comércio externo com nações
menos cultivadas, aumentar a navegação, fundar um
poder marítimo e utilizar o excedente da população atra-
vés da implantação de colónias para um maior engran-
decimento da riqueza nacional e do poder da nação.
A estatística comparada ensina que, no caso de
completo e equilibrado desenvolvimento no interior, das
manufacturas e da agriculhtra, numa nação que possua
um território suficientemente grande e fértil, urna popu-
lação duas ou três vezes maior pode viver num bem-
-estar incomparavelmente maior do que num país que
só pratica agricultura. Daí resulta que todas as forças
mentais da nação, os rendimentos do Estado, os meios
de defesa materiais e mentais assim corno a garantia da
independência nacional serão aumentados na mesma
proporção pela fundação de urna força de manufactura.
Num tempo em que a técnica e a mecânica exercem
urna influência tão imensa sobre a forma corno é feita a
guerra, em que todas as operações de guerra são tão
· condicionadas pelo nível das receitas do Estado, em que
é tão importante para a defesa se a massa da nação é rica
ou pobre, inteligente ou embrutecida, enérgica ou apá-
tica, se as suas simpatias pertencem sem excepção à
pátria ou parcialmente ao estrangeiro, se tem muitas
pessoas ou poucas que possam defender o país - num
tal tempo, o valor das manufacturas tem de ser julgado,
mais do que nunca, sob o aspecto político.

382
Décimo Oitavo Capítulo

A FORÇA DE MANUFACTURA
E AS FORÇAS PRODUTIVAS NATURAIS DA NAÇÃO

Quanto mais se aperfeiçoam o Homem e a Socie-


dade, mais o Homem consegue utilizar para os seus
objectivos as forças naturais ao seu alcance e este é cada
vez mais vasto.
O caçador utiliza menos do que a milésima parte, o
pastor menos do que a centésima parte da natureza que
o rodeia. O mar, zonas e países estrangeiros oferecem-
-lhe uma nula ou apenas insignificante soma de comestí-
veis, de recursos ou de estimulantes.
No estado rudimentar da agricultura, uma grande
parte dos recursos naturais existentes não são utilizados,
o Homem está ainda restringido às suas imediações.
A maior parte da energia hidráulica e eólica existente ou
a criar está por empregar; os minerais e os vários tipos
de terra, que as manufacturas sabem tão bem utilizar,
estão improdutivos; os combustíveis são desperdiçados
ou considerados um obstáculo à cultura, como, por
exemplo, a turfeira; pedras, areia, cal são pouco usados
como materiais de construção; os rios, em vez de carre-
garem as mercadorias dos homens ou fertilizarem os
campos vizinhos, devastam o país; a zona quente e o mar
fornecem poucos dos seus produtos ao país agrícola.

383
Até da principal força da natureza empregável na
produção no estado agrícola, apenas uma pequena parte
da produtividade das terras pode ser utilizada enquanto
a agricultura não for apoiada pela força manufactureira.
No estado agrícola, cada zona tem de produzir
tanto das suas necessidades quanto ela própria precisa,
porque não pode nem vender o que tem em excesso para
outras zonas nem comprar-lhes o que lhe falta. Por
muito fértil que seja, por muito apta para plantar plantas
oleaginosas e plantas para tingir ou forragens; uma zona
tem de plantar madeira, porque o transporte do com-
bustível das zonas montanhosas longínquas nas estradas
más seria caro demais. Terras que poderiam render três
ou quatro vezes mais como vinhas ou horta são utiliza-
das para cultivar cereais e forragens. Quem teria a maior
vantagem criando apenas gado, também tem de engor-
dar os animais; quem com a maior vantagem poderia
apenas engordar os animais, também tem de fazer cria-
ção de gado. Por muito vantajoso que fosse utilizar adu-
bos minerais (gesso, cal, marga) ou turfa, carvão de
pedra, etc., em vez de queimar madeira e desbravar
florestas, não existem entidades de transporte que pos-
sam transportar estas coisas, com proveito, além de cur-
tas distâncias. Por muito lucro que os prados dos vales
pudessem render se fossem feitas grandiosas obras de
irrigação - os rios servem apenas para arrancar e levar
para longe a terra fértil.
A força de manufactura que está a desenvolver-se
faz com que se construam estradas, se instalem cami-
nhos ferroviários, se abram canais, se tornem· rios nave-
gáveis, se ponha a funcionar linhas de barcos a vapor.

384
Em consequência, não só os produtos dispensáveis do
país agrícola são transformados em máquinas que tra-
zem rendimentos, não só a força de trabalho das pessoas
empregadas nestas tarefas é posta em movimento, não
só a população agrária fica capaz de obter um resultado
incomparavelmente maior dos recursos naturais na sua
posse, mas também permite que todos os minerais, todos
os metais, que até agora repousavam estéreis na terra,
venham a ter utilidade e valor. Objectos que até este
momento eram transportados em poucas milhas, como o
sal, o carvão de pedra, as pedras, o mármore, a ardósia,
o gesso, a cal, a madeira, a casca, etc., podem agora estar
distribuídos por superfície de um império inteiro. Da
mesma forma, objectos até então totalmente sem valor
podem agora atingir uma importância na tabela da
produção nacional que excede até o valor anterior de
toda a produção agrícola. Agora não há nem uma
polegada cúbica de corrente de água que não tenha que
prestar o seu serviço, mesmo nas zonas mais longínquas
de um país de manufactura, e a madeira e o combustível
t.ê m o seu valor, valor este de que antes não se sabia
fazer uso.
Na sequência do desenvolvimento das manufactu-
ras, começa-se a criar a procura de uma quantidade de
produtos alimentares e matérias-primas para os quais
diversas zonas podem ser usadas com muito mais van-
tagem do que para a produção de trigo, o artigo habitual
de armazenamento dos países de agricultura rude. A
procura agora emergente de leite, manteiga e carne con-
duz a uma melhor utilização das terras que antes foram
usadas como pasto, eliminação de baldios e criação de

385
equipamentos de regadio. A procura de fruta e ervas de
cozinha transforma os anteriores campos agrícolas em
quintais de cozinha e pomares.
A perda que o estado de mera agricultura sofre
através da não utilização destes recursos naturais é tanto
maior quanto mais for favorecido pela própria natureza
no sentido de exercer manufacturas, e quanto mais o seu
território oferecer as matérias-primas e recursos naturais
que os manufactores mais procuram; ou seja, é maior
para países montanhosos e com colinas, geralmente menos
adequados para a agricultura, mas que têm excesso de
força hidráulica, de minerais, madeira, pedras e que
oferecem ao agricultor a possibilidade de plantar os
produtos mais desejados pelos manufactores.
A zona moderada é a quase exclusivamente ade-
quada ao desenvolvimento das fábricas e dos manufac-
tores. A temperatura moderada do ar é incomparavel-
mente mais favorável ao desenvolvimento de força e ao
esforço do que a quente. Mas a severa estação do ano,
que ao observador não atento parece malevolência da
natureza, é o mais poderoso promotor do hábito do tra-
balho duro, da precaução, da ordem e da parcimónia.
Um indivíduq que vê diante de si seis meses durante os
quais não só não pode colher frutos da teria, mas ainda
por cima precisa de mantimentos e vestuário para · ali-
mentar e proteger do frio a si próprio e aos seus animais,
tem necessariamente que se tornar incomparavelmente
mais trabalhador e poupado do que aquele que só se
tem de proteger da chuva e que colhe frutos facilmente
durante o ano inteiro. Aplicação, parcimónia, ordem e
precaução são primeiro gerados pela necessidade, tor-

386
nando-se depois urna segunda natureza através do
hábito e da educação. De mãos dadas com o esforço e a
parcimónia vai a moralidade; com a ociosidade e o
esbanjamento vai a imoralidade, sendo ambos por sua
vez abundantes fontes de força e de fraqueza.
Urna nação agrária que ocupa um clima moderado
deixa, portanto, a maior parte dos seus recursos naturais
sem proveito.
A Escola, por não distinguir entre a agricultura e as
fábricas na sua avaliação da influência do clima sobre a
produção da riqueza caiu, em relação à análise das
vantagens e desvantagens das medidas protectoras, nos
mais graves dos erros, que não podemos deixar de pro-
var aqui até ao mais pequeno pormenor, apesar de já os
termos mencionado em termos gerais noutros sítios. ·
Para provar que é tolice querer produzir tudo no
mesmo país, a Escola põe a questão de saber se seria
razoável tentar produzir vinho nas estufas inglesas ou
escocesas. Claro que seria possível produzir vinhos, só
que seriam muito piores e muito mais caros do que os
que a Inglaterra e a Escócia trocam pelos seus produtos
de fábrica. Para quem não quiser ou não puder indagar
mais profundamente a natureza das coisas, este argu-
mento é convincente e a Escola deve-lhe uma grande
parte da sua popularidade, pelo menos junto dos vini-
cultores e fabricantes de seda franceses, assim corno
junto dos plantadores e comerciantes de algodão ameri-
canos. Visto à luz do dia, porém, é completamente falso,
porque as limitações de trânsito têm, sobre a força pro-
dutiva agrícola, um efeito completamente diferente do
que têm sobre a força produtiva fabril.

387
Vejamos, em primeiro lugar, o efeito sobre a agri-
cultura.
Se a França rejeitar reses e trigo alemães nas suas
fronteiras, o que é que pretende com isso? Antes de
mais, a Alemanha não será capaz de comprar vinhos
franceses. A França, portanto, utilizará os terrenos ade-
quados à vinicultura menos vantajosamente, vistó preju-
dicar a exportação de vinho com esta perturbação da
circulação. Haverá menos pessoas empregadas exclusi-
vamente na viticultura, ou seja, haverá procura de tanto
menos produtos agrícolas nacionais quanto teriam con-
sumido estes indivíduos, que se teriam dedicado exclu-
sivamente à viticultura. Isto será idêntico na produção
de azeite como na produção de vinho. A França terá
sempre, portanto, muito mais a perder na sua força agrí-
cola em outros pontos do que a ganhar num único ponto
pelo facto de favorecer a sua própria pecuária e engorda
de gado através da exclusão das estrangeiras, que não se
desenvolveu por si própria, não sendo provavelmente
. proveitoso para a agricultura naquelas zonas onde este
ramo de indústria foi originado de modo artificial. Assim
será se se vir a França como estado agrícola perante a
Alemanha como estado agrícola, e se não se partir do
princípio de que a Alemanha pagará na mesma moeda.
Porém, esta política parece muito mais nociva se tiver-
mos em consideração que a Alemanha toma de imediato
medidas limitativas, o que terá de fazer pelo seu inte-
resse, e se tivermos em conta que a França não é só um
estado agrícola, mas também um estado de manu-
factura . Porque a Alemanha exigirá tarifas mais altas
não só sobre os vinhos da França, mas sobre todos os

388
produtos de lá provenientes que a própria Alemanha
possa produzir, dos quais poderá em parte abdicar ou
que se poderão obter também de outras fontes; para
além disso, dificultará a importação daqueles produtos
manufacturados que ela própria de momento não pode
produzir com particular vantagem, mas pode obter de
outros países que não a França. Agora, a desvantagem
em que a França ficou com estas limitações parece duas
ou três vezes maior do que a vantagem. Manifesta-
mente, o número de pessoas que podem ocupar-se da
viniculhua, da cultura da oliveira e da indústria é
aquele que os meios de subsistência e as matérias-
-primas que a própria França produz ou obtém do
estrangeiro conseguem alimentar e empregar. Vimos
que a limitação da importação não aumentou a pro-
dução agrícola, mas apenas a transferiu de urna zona
para a outra. Se se tivesse dado livre curso ao trânsito
dos produtos, à importação de produtos e matérias-pri-
mas, a venda de vinho, azeite e produtos manufactura-
dos teria crescido continuamente, e consequentemente
também a população empregue na vinicultura, na cul-
tura da oliveira e nas manufacturas, porque com o
crescente abastecimento aumentavam, por um lado, os
meios de subsistência e das matérias-primas e, por
outro, a procura desses produtos. O aumento dessa
população teria causado uma maior procura dos pro-
dutos alimentares e matérias-primas que não são. fáceis
de importar do estrangeiro e para os quais a agricultura
nacional tem um monopólio natural, conseguindo com
isso, portanto, um lucro muito maior. A procura de pro-
dutos agrícolas para os quais a natureza do solo francês

389
é particularmente adequada seria, neste comércio livre,
muito mais significativo do que a provocada artificial-
mente pela limitação. Não seria a situação de um agri-
cultor ter perdido o que o outro ganhou: pelo contrário,
toda a agricultura do país teria ganho, mas mais ainda a
indústria manufactureira. Portanto, a limitação não teria
aumentado a força agrícola do país, tê-la-ia restringido,
além de destruir a tal força de manufactura que resul-
taria do aumento da agricultura interna e da importação
de produtos alimentares e matérias-primas. A única coisa
que se conseguiu com a limitação foi um aumento dos
preços a favor dos agricultores de uma zona à custa dos
agricultores de outra zona, mas especialmente à custa de
toda a força produtiva do país.
As desvantagens de uma tal limitação do comércio
de produtos são visíveis na Inglaterra, muito mais clara-
mente do que na França. Com efeito, as leis do trigo
fizeram com que se começasse a cultivar uma grande
quantidade de terras estéreis. Mas pode questionar-se se
estas terras não teriam sido cultivadas sem essas leis.
Quanto mais lã, madeira de construção, reses e trigo a
Inglaterra tivesse importado, mais produtos fabricados
teria vendido, mais operários fabris poderiam ter vivido
na Inglaterra, mais teria aumentado o bem-estar da
classe operária. A Inglaterra teria talvez duplicado o
número dos seus trabalhadores. Cada um dos operários
de fábrica teria tido uma habitação melhor, estaria em
melhores condições de criar um quintal por prazer e
para satisfazer as necessidades da cozinha, teria conse-
guido alimentar-se a si e à sua família incomparavel-
mente melhor. É natural que um tão grande aumento da

390
população trabalhadora, assim como do bem-estar e
consumo, tivesse causado uma imensa procura daqueles
produtos para os quais o país possui um monopólio
natural, sendo mais do que provável que, por causa
disso, a terra tivesse sido duas ou três vezes mais culti-
vada do que através das limitações contrárias à
natureza. A prova disto é visível nas redondezas de
cada grande cidade. Por muito grande que seja a
quantidade de produtos que a cidade recebe de zonas
longínquas, não se .verá a léguas de distância nenhum
pedaço de terra não cultivado, mesmo que muito mal
tratado pela natureza. Se numa cidade dessas se proibir
o abastecimento de trigo vindo de zonas distantes, o
resultado será somente uma redução da sua população,
da sua indústria e do seu bem-estar, para além de
obrigar o agricultor que vive perto da cidade a mudar
para culturas menos vantajosas.
Fica claro que, até este ponto, estamos inteiramente
de acordo com a teoria dominante. No que respeita ao
comércio de produtos, a Escola está totalmente correcta
ao dizer que a mais vasta liberdade do comércio, em
todas as circunstâncias, é o mais favorável tanto para os
indivíduos como para Estados inteiros. É verdade que é
possível aumentar esta produção por meio de limitações,
mas a vantagem assim conseguida é apenas aparente.
Isto só leva, como a Escola díz, a que os capitais e. o tra-
balho sejam conduzidos para um outro canal, menos
útil. A força produtiva da fábrica, porém, obedece a
outras regras; disto, infelizmente, a Escola não viu nada.
Se as limitações da importação de produtos, como
temos visto, impedem a utilização dos recursos naturais

391
e das forças da natureza, as limitações da importação de
produtos fabricados num país povoado, já muito avan-
çado na agricultura e na civilização, criam e accionam
um grande número de forças naturais, sem dúvida a
mai~r parte de todas estas que no estado agrícola são
permanentemente inutilizados e improdutivos. Se as
limitações da importação de produtos impedem não só o
desenvolvimento da força produtiva fabril, mas também
da força produtiva agrícola, então uma força produtiva
fabril interna causada pelas limitações da importação de
produtos fabricados anima toda a força produtiva
agrícola como o comércio externo mais próspero nunca
conseguiria. Se a importação de produtos faz com que o
estrangeiro esteja dependente de nós, tirando-lhe os
meios de fabrico próprio, a importação de produtos
fabricados torna-nos a nós dependentes do estrangeiro,
tirando-nos os meios de fabricarmos nós próprios. Se a
importação de produtos e matérias-primas retira ao
· estrangeiro a matéria para empregar e alimentar a sua
população, levando-a à nossa nação, a importação de
produtos fabricados priva-nos a nós da possibilidade de
aumentar a nossa própria população ou de lhe propor-
cionar trabalho. Se a importação de produtos e matérias-
-primas aumenta a influência da nossa nação sobre os
assuntos do mundo e nos fornece o~ meios de fazer
comércio com todas as outras nações e outros países, a
importação de produtos fabricados amarra-nos à nação
manufactureira mais avançada, que pode dispor de nós
praticamente a seu bel-prazer, como a Inglaterra faz com
Portugal. Em suma, a História e a estatística provam que
é correcto o que diziam os ministros de Jorge I: que as

392
nações são tanto mais ricas e poderosas quanto mais
exportam produtos fabricados e importam produtos
alimentares e matérias-primas. Até se pode provar que
nações inteiras pereceram apenas pelo facto de só
exportarem produtos alimentares e matérias-primas e
só importarem produtos fabricados. Montesquieu, que
como ninguém antes e depois sabia tirar da História as
lições que ela oferece a políticos e legisladores, com-
preendeu isto bem, embora, dado que no seu tempo a
economia política estava muito pouco desenvolvida, não
tenha conseguido explicar claramente as razões. Em
contradição com o sistema inaudito dos fisiocratas,
Montesquieu afirmou que os Polacos seriam mais felizes
se abdicassem totalmente do comércio externo, ou seja,
se criassem a sua própria força de manufactura, trans-
formassem e consumissem as suas próprias matérias-
-primas e os seus próprios alimentos. Somente atra-
vés do desenvolvimento da sua força manufactureira
interna, através de cidades livres, ricas em população e
ofícios, a Polónia poderia alcançar uma vigorosa orga-
nização interna, indústria nacional, liberdade e riqueza,
poderia manter a sua independência e defender a
supremacia sobre os vizinhos menos cultivados. Em
vez de importar produtos manufacturados estrangeiros,
deveria, como a Inglaterra fez em tempos quando se
encontrava ao mesmo nível cultural que a Polónia, ter
importado manufactores e capital de manufactura estran-
geiros. Mas os nobres polacos gostavam de enviar para
os mercados estrangeiros o escasso fruto do trabalho de
escravos e pavonear-se nos baratos e bonitos tecidos do
estrangeiro. Os seus descendentes que respondam à

393
pergunta : é aconselhável a uma n ação comprar os
produtos manufacturados do estrangeiro enquanto as
fábricas n acionais ainda n ão estão suficientemente fortes
para poderem concorrer com o estrangeiro em preço e
qualidade? Que o seu destino sirva de aviso à nobreza
de outros países, cada vez que sejam tentadas pelo
desejo feudal: nesses momentos, que olhem para a
nobreza inglesa e aprendam que valor têm para o grande
lavrador uma força de manufactura robustecida, uma
burguesia livre e cidades ricas.
Sem entrarmos aqui na investigação da questão de
saber se teria sido possível aos reis eleitos da Polónia,
nas condições aí existentes, introduzir um sistema de
comércio como o que os reis hereditários da Inglaterra
desenvolveram passo a passo, permitimo-nos supor que
o teriam feito: não se vê como seriam ricos os frutos que
um tal sistema teria dado à nação polaca? Com o apoio
de grandes cidades ricas em ofícios, o sistema monár-
quico ter-se-ia tornado hereditário, a nobreza teria sido
forçada, numa Câmara Alta, a participar na legislação e
a emancipar os seus servos; se a agricultura se tivesse
desenvolvido corri.o se desenvolveu na Inglaterra, a aris-
tocracia polaca seria hoje rica e respeitada, a nação
polaca, se não tão respeitada e influente sobre os assun-
tos mundiais como a inglesa, ter-se-ia tornado suficien-
temente civilizada e poderosa para estender a sua
influência sobre o Oriente menos cultivado. Sem força
de manufactura, está em ruínas e fragmentada, e conti-
nuaria neste caminho se não estivesse já assim. Não se
desenvolveu, por iniciativa própria, nenhuma força de
manufactura; não poderia, porque as suas aspirações

394
foram sempre obstruídas por nações mais avançadas.
Sem um sistema protector e com o livre comércio com
nações mais avançadas, nunca poderia ter chegado mais
longe do que a uma agricultura deformada - mesmo se
tivesse mantido a sua independência até aos nossos dias,
nunca teria ficado rica, poderosa e influente sobre o
exterior.
O facto de tantos recursos naturais e forças da
natureza se transformarem em capital produtivo através
da forma de manufactura deve explicar, em grande parte,
por que razão as medidas protectoras têm uma influên-
cia tão forte sobre o aumento da riqueza nacional. Este
bem-estar não é U:ma falsa aparência como os efeitos da
limitação do comércio de produtos, é realidade. São
forças da natureza completamente mortas, recursos natu-
rais totalmente sem valor, os que uma nação agrícola cria
e valoriza através da implantação de uma força fabril.
É uma velha observação que tanto o homem como
o animal melhoram, mental e fisicamente, através da
mistura de raças, que, se poucas famílias casarem cons-
tantemente entre si, como a planta, se a semente for
constantemente semeada no mesmo solo, degenera len-
tamente. Parece que é por se conformarem a esta lei da
natureza que, em muitas tribos, em África e na Ásia com
pouca população, selvagens ou semi-selvagens, os homens
escolhem as suas mulheres noutras tribos. Não menos
parece chamar à atenção para tal lei da natureza a expe-
riência das oligarquias de pequenas cidades-republica,
que casam sempre entre elas, e desaparecem gradual-
mente, ou pelo menos degeneram de modo visível. É
incontestável que a mistura de duas raças - diferentes,

395
sem excepção, resulta numa forte e bonita descendência,
estendendo-se esta observação à mistura entre brancos e
pretos até à terceira e quarta gerações. Mais do que todo
o resto, este facto parece afirmar que os povos resul-
tantes de uma frequente mistura de raças ao nível da
nação inteira excedem todas as outras nações em força e
energia do espírito e do carácter, em inteligência, força
física e beleza exterior 1 •

1 Segundo Chardin, os Guebros (Guebren), uma tribo

pura dos antigos persas, são uma raça feia, disforme e pesada,
como todos os povos de origem mongol, enquanto a nobreza
persa, que há séculos se mistura com mulheres da Geórgia e
Zircássia, se distingue pela sua beleza e força. O Dr. Prichard
observa que os Celtas puros da Alta Escócia ficam bastante
atrás dos Escoceses das Terras Baixas, descendentes dos
Saxões e Celtas, em tamanho, força física e formosura. A
mesma observação faz Palias acerca dos descendentes dos
Russos e Tártaros, em comparação com os seus parentes não
misturados. Conforme o testemunho de Azara, os descenden-
tes dos Espanhóis e dos indígenas do Paraguai são um tipo de
pessoas de longe mais bonito e forte do que os antepassados
das duas partes. As vantagens da mistura de raças confirmam-
-se não só na mistura de diferentes povos, mas também na
mistura de várias tribos do mesmo povo. Assim, os crioulos
excedem de longe os negros de tribos não misturadas que
vieram de África para a América, tanto em talentos como em
força física. Os das Caraíbas, o único povo índio que regular-
mente escolhe as mulheres de entre tribos vizinhas, são supe-
riores em todos os aspectos a todas as outras tribos americanas.
Se isto é uma lei da natureza, então ela explica em parte a
ascensão das cidades da Idade Média logo após a sua fun-
dação, assim como a energia e beleza física do povo americano.

396
Disto, pensamos poder concluir que as pessoas não
têm de ser necessariamente tão lentas, desajeitadas e
estúpidas como as vemos nas pequenas aldeias, de agri-
cultura atrofiada, onde há milhares de anos poucas
famílias têm casado entre si, onde há séculos ninguém se
lembrou de imitar um equipamento feito de outra
maneira ou de imitar outras maneiras de fazer, ou de
alterar uma peça de roupa ou de adoptar uma nova
ideia, onde a arte maior está em dispensar o máximo de
coisas, em vez de empenhar as suas forças mentais e
físicas para obter o máximo de satisfação.
Esta situação é alterada a favor do aperfeiçoamento
da raça de uma nação inteira por meio da implantação
de uma força de manufactura. A estagnação mental, moral
e física da população é interrompida quando uma grande
parte do aumento da população rural entra no mundo
da manufactura, quando as populações rurais de várias
zonas se misturam entre si e com a população manu-
factureira por meio de casamento. O movimento causado
pelas manufacturas e pelo comércio daí resultante entre
as várias nações e zonas traz sangue novo a toda a nação,
bem como às freguesias e famílias individualmente.
Uma influência não menos importante resulta do
surgimento da força da manufactura para o aperfeiçoa-
mento das raças dos animais. Onde quer que até agora
tenham surgido manufacturas de lã, a raça das ovelhas
melhorou rapidamente. Com a grande procura de boa
carne, causada pelo grande número de manufactores, o
agricultor tentará importar melhores raças de gado bovino.
A maior procura de cavalos de luxo leva ao enobrecimento
das raças de cavalos. Depois, já não se vêem aquelas

397
enfezadas raças ongmais de gado bovino, cavalos e
ovelhas que nasceram na agricultura atrofiada por falta
de cruzamento das raças, constituindo um merecido par
dos seus donos desajeitados.
Quanto não devem já as forças produtivas das
nações à importação de raças de animais estrangeiros, ao
melhoramento das raças de animais indígenas, e quanto
mais se poderia provavelmente alcançar a este respeito!
Todos os bichos da seda existentes na Europa têm ori-
gem em poucos ovos que, no reinado de Constantino,
alguns monges gregos levaram da China, onde a sua
. exportação era altamente proibida, em bengalas ocas para
Constantinopla. A França deve à importação da cabra do
Tibete uma bela produção industrial. É de lamentar que
o cruzamento e o enobrecimento dos animais tenham
sido feitos, até agora, preferencialmente apenas com vista
à satisfação das necessidades de luxo, e não à promoção
do bem-estar das grandes massas. Cronistas de viagem
dizem ter visto em alguns países da Ásia uma grande
raça de gado bovino que combina grande força de
tracção com uma grande velocidade do movimento, de
forma a poder ser usada, com vantagem idêntica à dos
cavalos, para a equitação e o transporte. Quantas vanta-
gens uma tal raça de gado bovino não poderia trazer aos
agricultores mais pequenos na Europa! Que aumento
significaria em produtos alimentares, força produtiva e
comodidade para as classes trabalhadoras do povo!
A força produtiva da espécie humana tem ·sido
aumentada pelo enobrecimento e transplante das plan-
tas, incomparavelmente mais do que pelo enobrecimento
e cruzamento das raças animais. Isto apenas salta aos

398
olhos quando comparamos as plantas originais, tal como
nascem do ventre d a natureza, com as enobrecidas. As
plantas originais das espécies de cereais e frutos, das
especiarias e das plantas oleaginosas - quão pouco se
assemelham, em forma e utilidade, aos seus descen-
dentes enobrecidos! Que quantidades de alimentos,
deleites e comodidades, e quantas ocasiões para aplicar
as forças humanas utilmente, resultaram daí! A batata, a
beterraba, a cultura de forragem em conjunto com os
adubos melhorados e as máquinas aumentaram dez
vezes o resultado da agricultura, como ela ainda hoje é
praticada pelos povos da Ásia.
Em relação à descoberta de novas plantas, e ao seu
enobrecimento, a ciência já tem conseguido muito, mas
os governos ainda não deram a devida atenção a este
assunto tão importante para a economia. Diz-se que
muito recentemente se descobriram, nas savanas da
América do Norte, espécies de ervas que permitem ao
solo mais pobre dar um rendimento mais alto do que as
forragens conhecidas nos solos mais ricos. É altamente
provável que nos ermos da América, da África, da Ásia
e da Austrália estejam a crescer, sem serem utilizadas,
grandes quantidades de plantas cujas transplantações
e enobrecimentos poderiam aumentar imensamente a
riqueza dos habitantes da zona de clima moderado.
É evidente que a maioria dos melhoramentos e
cruzamentos dos animais e vegetais, a maioria dos des-
cobrimentos feitos a este respeito, assim como todos os
outros progressos, inventos e descobrimentos favorecem
os países da zona moderada e, entre eles, preferencial-
mente os países de manufactura.

399
Décimo Nono Capítulo

A FORÇA DE MANUFACTURA
E AS FORÇAS INSTRUMENTAIS
(CAPITAIS MATERIAIS) DA NAÇÃO

A nação obtém a sua força produtiva das forças


mentais e físicas dos indivíduos, ou das suas situações e
instituições sociais, civis e políticas, ou dos recursos
naturais ao seu dispor, ou dos instrumentos em sua
posse, ou seja, dos produtos materiais de anteriores
esforços mentais e físicos (capital material agrícola,
manufactureiro e comercial).
Da influência das manufacturas sobre as três pri-
meiras fontes de força produtiva nacional já tratámos
nos dois capítulos imediatamente anteriores; o capítulo
presente e o próximo são dedicados à explicação da
última.
A Escola chama Capital ao que nós compreendemos
pela expressão forças instrumentais.
Não é muito importante a palavra com que se
designa um objecto, mais importante é que a palavra
escolhida designe sempre o mesmo e nunca mais ou
menos, em especial em discussões científicas. Cada vez,
portanto, que se fala dos diferentes tipos de urna coisa,
surge a necessidade da diferenciação. Agora, a Escola
entende sob a palavra Capital não apenas os materiais,
mas também os recursos mentais e sociais da produção.

401
Evidentemente, devia indicar em todos os sítios
onde se fala de capital, se se refere ao capital material,
ou seja, aos instrumentos materiais da produção, ou ao
capital mental, ou seja, às forças morais e físicas que
aderem à personalidade ou que os indivíduos tiram das
situações sociais, civis e políticas. A omissão desta dis-
tinção no lugar onde deveria ser feita necessariamente
causa ou encobre raciocínios errados. Como entretanto
não estamos muito interessados em criar uma nova ter-
minologia, antes em pôr a descoberto os erros cometidos
sob o manto de uina terminologia insuficiente, vamos
manter o termo Capital, mas distinguindo entre capital
mental e material, entre capital material agrícola, manu-
factureiro e comercial, entre capital privado e nacional.
Adam Smith aponta, por meio da expressão geral
de capital, o seguinte argumento contra a política comer-
cial protectora que até ao dia de hoje tem sido adoptada
por todos os seus alunos:

"Um país pode, de facto, através de tais medidas


[protectoras] criar um determinado tipo de manufactu-
ras mais cedo do que sem elas, sendo este tipo de manu-
facturas, depois de decorrido algum tempo, capaz de
produzir produtos baratos ou ainda mais baratos do que
o estrangeiro. Não obstante, embora seja possível, desta
maneira, conduzir a indústria nacional com sucesso para
aqueles canais, para onde teriam desembocado mais
tarde por eles próprios, isto não quer dizer de forma
alguma que a soma total da indústria ou dos rendimen-
tos da sociedade possa ser aumentada através qe tais
medidas. A indústria da sociedade pode ser aumentada ape-

402
nas na medida em que o seu capital cresce, e o capital da socie-
dade só pode crescer à medida das poupanças que ela Jaz gra-
dualmente nos seus rendimentos. Agora, o efeito imediato
destas medidas vai no sentido de reduzir estes rendi-
mentos da sociedade; mas certamente aquilo que reduz
estes rendimentos não pode aumentar o capital mais
rapidamente do que este teria crescido por si próprio, se
o tivesse deixado correr livremente a ele e à indústria." 1

Como prova deste argumento, o fundador da


Escola menciona o exemplo conhecido, e que refutámos
no capítulo anterior, sobre como seria absurdo querer
plantar vinhas na Escócia.
No mesmo capítulo ele diz: o rendimento anual da
sociedade não é mais do que o valor de troca das coisas
que a indústria nacional produza anualmente.
Este argumento contém a prova principal da Escola
contra a política comercial protectora. Ela admite que,
por meio das medidas protectoras, é possível fomentar
fábricas e tomá-las capazes de produzir produtos manu-
facturados tão ou mais barato do que se podem comprar
no estrangeiro; mas afirma que o efeito imediato destas
medidas é reduzir os rendimentos da sociedade (o valor
de troca daquelas coisas que a indústria nacional pro-
duza anualmente). Desta forma reduziria a sua capaci-
dade de obter capitais, pois são capitais formados pelas
poupanças feitas pela nação nos seus rendimentos
anuais; a soma dos capitais, contudo, condicionaria a soma

1 Nationalreichtum, Livro IV, cap. II.

403
da indústria nacional, e esta só poderia ser aumentad a
na proporção daquela. Por conseguinte, enfraqueceria a
sua indústria com estas medidas, por meio da promoção
duma indústria que, conforme a natureza das coisas,
teria surgido por ela própria, se se tivessem deixado
andar as coisas livremente.
Primeiro, é de contestar este raciocínio em que
Adam Smith utilizou a palavra capital com o significado
que os capitalistas ou comerciantes lhe dão na sua con-
tabilidade e nos seus balanços, ou seja, como soma prin-
cipal dos seus valores de troca, em oposição ao rendi-
mento daí resultante. Esqueceu que, na sua própria
definição de capital, entende sob este termo as capacida-
des mentais e físicas dos produtores.
Adam Smith afirma, erradamente, que os rendi-
mentos da nação seriam condicionados apenas pela
soma dos seus capitais materiais. A sua obra, no entanto,
contém milhares de provas de que estes rendimentos
são condicionados maioritariamente pela soma das suas
forças mentais e físicas e pelos seus aperfeiçoamentos
sociais e políticos (preferencialmente por meio de uma
divisão mais perfeita do trabalho assim como da confe-
deração das forças produtivas nacionais) e que, apesar
de as medidas protectoras exigirem durante algum
tempo o sacrifício de bens materiais, estes sacrifícios
serão recompensados centenas de vezes em forças, na
capacidade de adquirir valores de troca, constituindo,
pór conseguinte, adiantamentos da nação, investidos
reprodutivamente.
Adam Smith esqueceu-se de que a capacidade da
nação inteira de aumentar a soma dos seus capitais

404
. materiais existe sobretudo na capacidade de transformar
recursos naturais não utilizados em instrumentos valio-
sos e que garantam rendimentos, e de que na nação agrí-
cola há uma quantidade de recursos naturais que não
estão a ser utilizados ou são improdutivos e só podem
ser animados pelas manufacturas. Não tomou em consi-
deração a influência das manufacturas sobre o comércio
interno e externo, sobre a civilização e o poder da nação
e sobre a manutenção da sua autonomia e indepen-
dência, bem como sobre a capacidade daí resultante de
adquirir bens materiais.
Por exemplo, não teve em conta a grande massa de
capital que os Ingleses obtiveram por meio da sua colo-
nização (Martin estima a soma do mesmo em mais do
que dois e meio mil milhões de libras esterlinas).
Adam Smith, que noutras passagens prova com
tanta clareza que os capitais investidos no comércio
intermediário não se podem considerar pertencentes a
uma nação específica enquanto não forem incorporados
na terra, falha quando não leva em conta que a natura-
. lização de tais capitais se realiza mais convenientemente
por meio da protecção das manufacturas nacionais.
Não tomou em consideração que, sob o estímulo da
protecção do fabrico nacional, uma quantidade de capi-
tais estrangeiros, mentais e materiais, é atraída para
dentro do país.
Afirma erradamente que estas manufacturas teriam
surgido por si próprias no decorrer natural das coisas,
visto que em cada nação o poder político intervém no
sentido de dar a este chamado decorrer natural uma
orientação artificial que lhe seja especialmente favorável.

405
Adam Smith explicou o seu argumento baseando-se
numa palavra ambígua, portanto um argumento absolu-
tamente falso, explicado com um exemplo também abso-
lutamente errado, já que, com a frase de que seria tolo
querer plantar vinha de forma artificial na Escócia, pre-
tendia demonstrar que seria tolo implantar manufactu-
ras de forma artificial.
Reduz o processo da formação de capital na nação
à operação de um capitalista, cujo rendimento é determi-
nado pelo valor dos seus capitais materiais e que apenas
pode aumentar por meio de poupanças que, por sua
vez, adiciona ao capital.
Não torna em consideração que esta teoria da pou -
pança, certamente correcta no escritório do comerciante,
quando seguida por urna nação inteira haveria de
conduzir à pobreza, barbárie, falta de poder e dissolução
dá nação. Num país onde cada um poupa e dispensa o
máximo possível, não existe estímulo para a produção.
Num país onde cada um se interessa apenas por acumu-
lar valores de troca, a força mental necessária para a
produção desvanece. Urna nação composta de avarentos
tão dementes desistiria da própria defesa por medo dos
custos da guerra e só depois de todos os seus bens terem
sido vítimas da extorsão estrangeira, notaria que a
· riqueza das nações se alcança de outra forma, não à
maneira dum capitalista. O próprio capitalista, enquanto
pai de família, tem de seguir urna teoria totalmente dife-
rente da teoría de escritório dos valores de troca, aqui
explicitada. Pelo menos, para a educação dos seus her-
deiros, tem de usar os valores de troca necessários para
os capacitar a gerir os bens que serão deles no futuro.

406
A criação dos capitais nacionais materiais processa-
-se de forma completamente diferente do que o caminho
da mera poupança no caso do capitalista, ou seja, pro-
cessa-se corno nas forças produtivas em geral, por meio
da interacção entre o capital nacional mental e material e
entre o capital agrícola, manufactureiro e comercial.
O aumento dos capitais nacionais materiais está
dependente do aumento dos capitais nacionais mentais,
e vice-versa. A criação dos capitais agrícolas materiais
está dependente da criação dos capitais de manufactura
materiais, e vice-versa. O capital comercial material
intervém em todo o lado, mediando entre os doi~, aju-
dando e conciliando.
No estado rudimentar, no estado do caçador e do
pescador, os recursos naturais são quase tudo; o capital
é praticamente nulo. O comércio externo aumenta o
capital, mas precisamente com isto (por meio das armas
de fogo, da pólvora, do chumbo) destrói por completo a
produtividade do caçador. A teoria da poupança não
pode ser útil ao caçador, que ou perece ou se torna
pastor.
No estado pastoril, o capital material cresce rapi-
damente, mas só na medida em que os recursos naturais
fornecem voluntariamente alimento ao gado. O aumento
da população segue de perto o aumento do número de
cabeças de gado e dos meios de subsistência. Por um
lado, o número de reses e pastagem divide-se em partes
cada vez mais pequenas, por outro, o comércio externo
cria estímulos para o consumo. A teoria da poupança
seria pregada em vão ao povo pastoril, que ou se afun-
dava em pobreza ou avançaria para o estado agrícola.

407
Ao povo agrícola abre-se, através da utilização dos
recursos naturais improdutivos, um campo vasto, mesmo
assim limitado, de enriquecimento. O agricultor conse-
gue, para si próprio, amealhar alimentos, aumentar o
número das suas reses, mas o aumento dos meios de
subsistência resulta em todo o lado num aumento da
população. O capital material, ou seja, terras e gado, na
medida em que as primeiras fiquem mais férteis e o
segupdo aumente em número, divide-se por um maior
número de pessoas. Mas corno a superficie do solo não
pode ser aumentada por trabalho; corno com a falta de
equipamentos de transporte - que, corno mostrámos no
capítulo anterior, são imperfeitos apenas por falta de
relações neste estado - as terras não podem ser explora-
das conforme a sua qualificação natural; corno nas
nações de mera agricultura, em grande parte, há falta
dos instrumentos, conhecimentos, estímulos e aquela
energia e formação social que a nação obtém através das
manufacturas e do comércio daí resultante - o povo
meramente agrícola rapidamente chega a um ponto em
que o aumento do capital agrícola material já não conse-
gue acompanhar o aumento da população, em que, por
isso, a pobreza individual aumenta cada vez mais, ape-
sar de o capital total da nação continuar a crescer.
Numa tal situação, o produto mais importante da
nação são as pessoas, que, não conseguindo subsistência
suficiente no próprio país, emigram para outros. Para
um país nestas condições, não pode ser grande consolo
que a Escola considere as pessoas corno um capital acu-
mulado, porque a exportação de pessoas não ocasiona
fretes de volta e sim a saída improdutiva de sornas

408
significativas de valores materiais, na forma de equipa-
mentos, dinheiro, etc.
É óbvio que, num tal Estado, em que a divisão
nacional do trabalho não está devidamente desenvol-
vida, nem a aplicação nem a poupança podem levar ao
aumento do capital material (enriquecimento material
dos indivíduos).
Mas o país agrícola raramente está completo sem
comércio externo, e o comércio externo, na medida em
que existe, substitui a função das manufacturas internas
· em relação ao aumento de capital, pondo o manufactor
do país estrangeiro em contacto com o agricultor do
próprio país. Isto, porém, acontece apenas parcialmente
e de forma muito imperfeita: por um lado, porque este
contacto abrange apenas produtos especiais de grande
durabilidade, e apenas as regiões das costas marítimas e
rios navegáveis; e por outro, porque, em qualquer caso,
é muito irregular e muitas vezes interrompido por
guerras, flutuações do comércio e medidas comerciais,
colheitas ricas ou importação do exterior.
O aumento do capital agrário material só acontece
em grande escala, de maneira regular e sem fim quando,
no meio dos agricultores, surge uma força de manufac-
tura completa. A maior parte dos capitais materiais de
uma nação está de longe ligada ao solo. Em cada nação,
o valor das terras, das casas de habitação rurais e urba-
nas, das oficinas, fábricas, estações de água, minas, etc. é
dois terços e até nove décimos de todos os valores da nação.
Podemos, por conseguinte, adoptar como regra que tudo
o que aumenta ou reduz o valor dos bens imóveis,
aumenta ou diminui os capitais materiais da nação. Ora,

409
observamos que o valor capital das terras, com a mesma
produtividade natural, é incomparavelmente mais alto
junto a uma cidade pequena do que em zonas remotas,
que este valor é incomparavelmente maior nas redonde-
zas de uma cidade grande do que de uma cidade
pequena, e que em nações de manufactura estes valores
são incomparavelmente maiores do que em nações de
mera agricultura. Em contrapartida, observamos que o
valor dos edifícios urbanos para habitação e manufac-
tura, assim como terrenos de construção, habitualmente
sobe ou desce na mesma medida em que o comércio da
cidade com os agricultores se expande ou diminui, ou
em que o bem-estar dos agricultores avança ou recua.
Daí resulta que o aumento do capital agrícola é condi-
cionado pelo aumento do capital de manufactura e vice-
-versa.
Mas este efeito recíproco na transição do estado de
agricultura para o estado de manufactura é bastante
mais forte do lado das manufacturas do que do lado da
agricultura. Porque, da mesma maneira que o aumento
do capital na transição do estado de caçador para o
estado pastoril é efectuado principalmente pelo rápido
aumento do número de cabeças de gado - como o
crescimento de capital na transição do estado pastoril
para o estado agrário acontece prioritariamente pelo
rápido aumento de terra fértil e de excedente de pro-
dutos -, assim na transição do estado agrário para o
estado de manufactura o aumento do capital material da
nação é efectuado sobretudo por aqueles valores e forças
que são aplicados na criação de manufacturas, porque
deste modo uma massa de forças naturais e mentais, até

410
este ponto não utilizadas, é transformada em capital
mental e material. Longe de ser desfavorável à pou-
pança de capital material, o nascimento das manu-
facturas proporciona à nação os meios de aplicar as suas
poupanças agrícolas de forma económica, a agricultura
será estimulada para a poupança.
Nos órgãos legislativos da América do Norte tem
sido frequentemente mencionado que, por falta de
venda, os cereais apodreciam no colmo, sendo que o
respectivo valor não pagava os custos da colheita.
Conta-se que os agricultores da Hungria ficam quase
sufocados na fartura, enquanto os produtos manufac-
turados são três e até quatro vezes mais caros do que na
Inglaterra. Até a Alemanha se lembra de tais tempos .
. Por conseguinte, em estados de agricultura, nem todo o
produto agrícola excedente é capital material. Apenas
através das manufacturas, por meio do armazenamento,
se transforma em capital comercial e, por meio da venda
ao manufactor, em capital de manufactura. O que pode
ser reserva não utilizada na mão do agricultor trans-
forma-se em capital produtivo na mão do manufactor e
vice-versa.
A produção toma o consumo possível e o desejo de
consumir estimula a produção. A mera nação agrícola
está, no seu consumo, dependente de situações externas,
e se estas não lhe são favoráveis, morre a produção que
tivesse nascido devido ao estímulo para o consumo.
Porém, numa nação que reuna no seu território as
manufacturas com a agricultura, é constante o estímulo
mútuo e por conseguinte também é contínuo o aumento
da produção e do capital nos dois lados.

411
Visto que a nação agrícola-manufactureira, pelas
razões que temos vindo a desenvolver, é sempre incom-
paravelmente mais rica em capital material do que a
mera nação agrícola (como se vê a olho nu), nela a taxa
de juros é sempre muito mais baixa, o que permite que
os empresários tenham à sua disposição maiores capitais
e condições mais baratas do que na nação agrícola. Daí a
concorrência vitoriosa com as fábricas em desenvolvi-
mento na nação agrícola; daí a transferência contínua do
mercado de manufactura na nação agrícola; daí o endi-
vidamento constante da nação agrícola em relação à
nação de manufactura e, nos mercados da primeira,
flutuações permanentes nos preços dos produtos, artigos
manufacturados e do dinheiro, o que põe em perigo não
só a acumulação dos capitais materiais, mas também a
moralidade e rentabilidade da nação agrícola.
A Escola distingue entre capital fixo e capital a cir-
cular, incluindo no primeiro, da forma mais singular,
uma quantidade de coisas em circulação, sem fazer
nenhum uso prático desta distinção. Omite com silêncio
o único caso em que uma tal distinção pode ser valiosa.
Porque o capital material, assim como o mental, está em
grande parte ·ligado à agricultura ou às manufacturas,
ou ao comércio, ou a ramos individuais comerciais, até
muitas vezes às localidades individuais. Árvores de
fruto cortadas, aparentemente não têm para o manufac-
tor que as utiliza para trabalhos em madeira o mesmo
valor que lhes dá o agricultor, que as usa para a produ-
ção de frutos. Para o criador de ovelhas, estas, se tiverem
de ser abatidas em massa, como já aconteceu várias
vezes na Alemanha e na América do Norte, aparente-

412
mente não têm o mesmo valor que teriam como instru-
mentos de produção de lã. Vinhedos têm um valor
enquanto tal, que perdem quando usados como campo
arável. Barcos, usados como madeira para a construção
ou como lenha, têm um valor muito mais baixo do que
quando servem para o transporte. Para que servirão os
edifícios da fábrica, a queda de água, se a fábrica de fia-
ção cair em ruínas? Da mesma maneira, normalmente,
os indivíduos perdem a maior parte da sua força pro-
dutiva que se compõe de exercícios, hábitos e talentos,
quando são deslocados. A Escola dá a todas estas ·coisas
e propriedades o nome geral de capital, deslocando-as à
vontade, em virtude desta terminologia, de um ramo
alimentar para o outro. Assim, Say aconselha aos Ingle-
. ses aplicar o seu capital de manufactura na agricultura.
Não explicou em pormenor como se deva realizar este
milagre, o que para os estadistas ingleses terá ficado um
segredo até ao dia de hoje. Aparentemente, Say confun-
diu aqui capital privado com capital nacional. Um
manufactor ou comerciante pode retirar os seus capitais
das manufacturas ou do comércio, vendendo a sua
fábrica ou os seus barcos e comprando terrenos; uma
nação inteira, porém, só poderia realizar esta operação
sacrificando uma grande parte dos seus capitais mentais
e materiais. É compreensível porque é que a Escola enco-
bre coisas tão artisticamente claras. Se se chamar as coi-
sas pelo seu verdadeiro nome, compreende-se facilmente
que a transposição das suas forças produtivas de um
ramo alimentar para o outro está sujeita a dificuldades e
dúvidas, que nem sempre falam a favor do livre comér-
cio, mas bastantes vezes a favor da protecção nacional.

413
Vigésimo Capítulo

A FORÇA DE MANUFACTURA
E O INTERESSE DA AGRICULTURA

Se as medidas de protecção a favor das manufac-


turas internas fossem para a desvantagem dos consu-
midores de produtos manufacturados, contribuindo
somente para o enriquecimento dos manufactores, esta
desvantagem deveria cair sobretudo sobre os proprietá-
rios e agricultores, a mais numerosa e importante classe
de consumidores. Mas está provado que precisamente
para esta classe crescerem muito maiores vantagens do
surgir da manufactura do que para os próprios manu-
factores porque as manufacturas originam a procura de
uma maior diversidade e de maiores quantidades de
produtos agrários, sobe o valor de troca destes produtos,
toma-se possível ao agricultor utilizar melhor as suas
terras e as suas forças de trabalho. Disto resulta o
aumento da renda da propriedade, dos lucros e dos salá-
rios de trabalho, o aumento da renda e dos capitais con-
duzindo ao aumento do valor de troca da terra e do
trabalho.
O valor de troca da propriedade rural não é mais
do que a renda da terra capitalizada; depende, em geral,
por um lado, da quantidade e do valor da renda e, por
outro, das quantidades dos capitais mentais e materiais
existentes na nação.

415
Cada aperfeiçoamento individual e social, cada
aumento da força produtiva da nação, em geral, mas
sobretudo a força de manufactura, aumenta o valor
absoluto da renda enquanto a reduz proporcionalmente.
Numa nação agrícola, com população escassa e de
pouca formação, por exemplo, a Polónia, a percentagem
da renda constitui metade ou um terço do rendimento
bruto; na nação com formação, muita população e rica,
como, por exemplo, na Inglaterra, é apenas a quarta ou
quinta parte. Mesmo assim, a quantidade desta percen-
tagem pequena é incomparavelmente mais significativa
do que a quantidade daquela percentagem maior, sobre-
tudo em dinheiro, e ainda mais em produtos manufac-
turados, porque a quinta parte de 25 busher, a produção
média de trigo na Inglaterra, é 5 bushel - mas a terça
parte de 9 bushel, a produção média de trigo na Polónia,
é apenas 3 bushel; porque aqueles 5 bushel na Inglaterra
valem em média 25-30 xelins, enquanto que estes
3 bushel no interior da Polónia valem no máximo
8-9 xelins; porque, finalmente, os produtos manufactu-
rados na Inglaterra são, pelo menos, outro tanto mais
baratos do que na Polónia: o proprietário de terras
inglês pode comprar 10 côvados de tecido com os seus
30 xelins de renda em dinheiro, ao passo que o polaco,
com os seus 10 xelins de renda em dinheiro, consegue
apenas 2 côvados, o que mostra que o proprietário
inglês, com a quinta parte do rendimento bruto fica três
vezes mais bem servido como capitalista e cinco vezes
melhor como consumidor de produtos manufacturados

• Medida de capacidade.

416
do que o polaco com uma terça parte do rendimento
bruto. O facto de os rendeiros e trabalhadores agrários
na Inglaterra, consumidores de produtos manufactu-
rados, estarem em muito melhor situação do que na
Polónia, explica-se pelo facto dum rendimento de
25 bushel na Inglaterra serem 20 bushel para sementeira,
lavoura do campo, diária e lucros, dos quais metade,
ou seja 10 bushel, distribuídos aos dois últimos, têm
um valor médio de 60 xelins ou 20 côvados de tecido
(a 3 xelins o côvado), enquanto com o rendimento de
9 bushel na Polónia, apenas 6 bushel cabem à semen-
teira, lavoura do campo, lucro e diária, a metade dos
quais, ou seja 3 bushel, distribuída pelos dois últimos,
tem apenas o valor de 10-12 xelins ou 2 l/2 côvados de
tecido.
A renda é um dos principais meios para aplicar
capitais materiais de forma útil. Por isso, o seu preço
depende da quantidade dos capitais existentes na nação
e da relação entre oferta e procura. Quando há excesso
de capitais que se acumula na nação manufactureira
devido ao comércio interior e estrangeiro, etc., quando
existe aqui uma taxa de juro baixa, e atendendo a que na
nação de manufactura e comércio existe sempre um
grande número de indivíduos que ficaram ricos e pro-
curam investir o seu excedente de capital material em
terrenos, os preços de uma dada soma de renda de terra
são sempre incomparavelmente mais altos do que na
nação de mera agricultura. Na Polónia, a renda de solo
é vendida a um preço 10 a 20 vezes mais, na Ingla-
terra ao preço 30 a 40 vezes mais do que numa nação
agrícola .

417
O valor monetário da renda de propriedades é
mais alto na nação de manufactura e comércio do que na
nação agrícola na mesma proporção em que o valor
monetário dos terrenos é mais alto nos primeiros do que
no segundo. Sendo a produtividade natural dos terrenos
igual, o valor deles é 10 a 20 vezes mais alto na Ingla-
terra do que na Polónia.
É verdade que também Adam Smith observa, no
fim do nono capítulo do seu primeiro livro, que as
manufacturas influenciam o nível da renda e conse-
quentemente o nível do valor de troca dos terrenos, mas
apenas de passagem e sem realçar devidamente a
imensa importância das manufacturas neste contexto.
Nesse trecho, distingue as causas que exercem influência
directa sobre o aumento da renda, como, por exemplo, o
melhoramento das terras, o aumento do gado conforme
quantidade e valor de troca, daquelas que exercem uma
influência indirecta, nas quais inclui as manufacturas.
Desta forma, remete de tal maneira para o segundo
plano a causa principal do aumento da renda de propriedades
e do valor das terras, ou seja, as manufacturas, que mal se
nota, enquanto dá mais importância ou, pelo menos,
compara, aos melhoramentos das terras e ao aumento
do número de gado, que são eles próprios em grande
parte resultado das manufacturas e do comércio daí
resultante, por assim dizer, como causa principal. Adam
Smith e os seus alunos não reconheceram o valor das
manufacturas neste contexto, de forma nenhuma nas
suas verdadeiras proporções.
Vimos que, devido às manufacturas e ao comércio
relacionado com elas, o valor das terras na Inglaterra,

418
sendo a produtividade natural igual, é dez a vinte vezes
mais alto do que na Polónia. Se agora compararmos o
montante total da produção manufactureira inglesa e do
capital de manufactura inglês com o montante total da
produção agrária inglesa e do capital agrário inglês,
notamos que a maior parte da riqueza da nação se
exprime no valor, desta forma aumentado, das proprie-
dades.
MacQueen (ob. cit.) esboça a seguinte tabela da
riqueza nacional e do rendimento nacional ingleses:

I. Capita l nacional:

1. Investido na agricultura, terrenos, minas e pescas 2604 milhões


capital de exploração em gad o, equipamentos,
reservas e dinheiro ................... ................ .. .............. 655 ))
equipamentos d omésticos d os agricultores .. .... ... . 52 ))

3311 milhões

2. Investido nas manufacturas e no comércio:


manufacturas e comércio interno de produtos
manufacturados .......... ..................................... .. ....... 178'12 milhões
comércio de produtos coloniais ............................. . 11 ))
comércio externo de produtos manufacturados ... 16'12 ))
206 milhões

Mais acréscimo desde 1835, ano e m qu e se


realizou es ta estimativa .......................................... . 12 milhões
218 milhões

A seguir edifícios urbanos de todo o tipo e


edifícios d e manufactura ... ..................................... . 605 milhões
barcos ................................................................... ..... . 33Y2
pontes canais e caminhos-de-ferro .............. ........... 118 ))
cavalos não e mpregues na agricultu ra .......... ... ..... 20 ))
76'12 milhões

419
Montante de todo o capital nacional, com
excepção dos capitais investidos nas colónias,
em empréstimos estrangeiros e na dívida
pública inglesa ............................. .... ................ ..... 43051h milhões

11. Produção Nacional Bruta:


1. Agricultura, mina~ e pescas .............................. .. 539 milhões
2. Produção manufactureira ................................. .. 2591h
7981h milhões

Deste resumo conclui-se:


1. Que o valor das terras dedicadas à agricultura
é 26/43 de toda a riqueza nacional inglesa,
sendo cerca de doze vezes maior do que o
valor de todos os capitais investidos nas
manufacturas e no comércio;
2. Que todos os capitais aplicados na agricultura
se elevam a mais de três quartos do capital
nacional inglês;
3. Que o valor de toda a propriedade imóvel
inglesa da Inglaterra, ou seja, dos terrenos, etc. 2604 milhões
dos edifícios urbanos e de manufactura .......... . 605 ))
dos canais e caminhos-de-ferro ........................ .. 118 ))

3327 milhões

se eleva a mais do que três quartos da totalidade do capital nacional


inglês;
4. Que o capital manufactureiro e comercial, incluindo os barcos,
não é na sua totalidade mais do que 241 1f2 milhões, ou seja, não mais
do que aproximadamente 1/18 da riqueza nacional inglesa;
5. Que a totalidade do capital agrário inglês, que é de
3311 milhões, produz um rendimento bruto de 539 milhões, ou seja,
aproximadamente 16 por cento, enquanto o capital manufactureiro e
comercial, no valor de 228 milhões resulta numa produção bruta de
259 1h milhões anuais ou de 120 por cento.

Neste contexto, é de considerar sobretudo que os


218 milhões de capital de manufactura, com uma produ-

420
ção anual de 259 V2 milhões são a razão principal pela
qual o capital agrícola inglês foi capaz de crescer para a
imensa soma de 3311, e a sua produção anual para o
valor de 539 milhões. A maior parte do capital agrícola
consiste de longe no valor das terras e do gado. As
manufacturas, através da duplicação ou triplicação da
população do país, através do fornecimento dos meios
para um comércio externo gigante, para a aquisição e
exploração de um grande número de colónias e para
uma grande navegação, aumentaram na mesma propor-
ção a procura de produtos alimentares e matérias-pri-
mas, providenciaram aos agricultores os meios e o estí-
mulo para satisfazerem esta procura maior, aumentaram
o valor de troca destes produtos, influenciando assim o
aumento proporcional da quantidade e do valor de troca
da renda de propriedades, e por conseguinte o valor da
terra. Se se destruir estes 218 milhões de capital de
manufactura e de comércio, não se vê desaparecer ape-
nas os 259 V2 milhões de produção manufactureira, mas
também a maior parte dos 3311 milhões de capital agrí-
cola, e consequentemente dos 539 milhões de produção
agrícola. A produção nacional inglesa não perderia só
259 1f2 milhões (o valor da sua produção de manufac-
tura), o valor de troca das suas terras desceria ao nível
que tem hoje na Polónia, ou seja, para a décima ou vigé-
sima parte do seu nível actual.
Daí resulta que todo o capital aplicado, de forma
útil, pela nação agrícola em manufacturas, aumenta no
decorrer do tempo o valor da terra em dez vezes mais.
A experiência e a estatística confirmam em todo o lado
esta afirmação: vimos corno, na sequência do nascimento

421
das manufacturas, estes valores, tal como os do gado,
crescerem rapidamente. Compare-se a situação destes
valores na França (1789 e 1840), na América do Norte
(1820 e 1830) ou na Alemanha (1830 e 1840), como se
apresentaram quando há um nível baixo e um nível alto
das manufacturas, e se verá que a nossa observação é
confirmada por todo o lado.
A razão deste fenómeno reside na força produtiva
elevada, que resulta da divisão apropriada do trabalho e
da reforçada confederação das forças nacionais, da
melhor utilização das forças mentais, dos recursos natu-
rais à disposição da nação e do comércio externo.
São exactamente as mesmas causas e os mesmos
efeitos que notamos nos meios de transporte melhora-
dos, que não só por si proporcionam uma renda e, desta
forma, compensação pelo capital aplicado, mas também
promovem fortemente o aparecimento das manufacturas
e da agricultura, aumentando no decorrer do tempo o
valor das propriedades situadas na sua área para dez
vezes o capital material que foi investido nelas. Em
comparação com o empreendedor de tais obras, o agri-
cultor encontra-se na grande vantagem de poder, em
todo caso, contar com o lucro, dez vezes maior do que o
capital investido, e de obter este lucro sem nenhum
sacrifício, enquanto o empreendedor das obras tem de
arriscar todo o seu capital. Em situação igualmente favo-
rável se encontra o agricultor perante os empresários de
novas fábricas.
Mas, se este efeito das manufacturas sobre a produ-
ção agrícola, sobre a renda e, por conseguinte, sobre o
valor das propriedades for importante e tão vantajoso

422
para todos que estão interessados na agricultura: como é
que se pode afirmar que as medidas protectoras favore-
cem as manufacturas, à custa dos agricultores?
A riqueza material dos agricultores, como de todas
as outras pessoas privadas, está, em primeiro lugar,
condicionada pelo facto de o valor da sua produção
exceder o valor do seu consumo. Para o agricultor, por-
tanto, não se trata tanto do facto de os produtos manu-
facturados serem baratos, mas sobretudo do facto de
existir uma grande procura de produtos agrícolas diver-
sos e de terem um grande valor de troca. Se, então, o
efeito das medidas protectoras é mais o de fazer o agri-
cultor lucrar do melhoramento do mercados dos seus
produtos do que perder pelo aumento dos preços das
suas necessidades de produtos manufacturados, não se
pode falar, em relação a ele, de nenhum sacrilicio a favor
dos manufactores. Este efeito, porém, é inevitável em
todas as nações vocacionadas a criar uma força de manu-
factura própria, e manifesta-se nelas mais inequivoca-
mente no primeiro período do aparecimento das manu-
facturas próprias, porque nesta altura a maioria dos
capitais transitando para a indústria são aplicados na
construção de edifícios para habitação e fábricas, centrais
hidráulicas, etc. - aplicações que em grande parte bene-
ficiam o agricultor. Mas como já no princípio as vanta-
gens da maior venda de produtos e do maior valor do
produto mais do que compensam a desvantagem dos
preços mais altos dos produtos manufacturados, esta
relação favorável tem de se desenvolver cada vez mais a
favor do agricultor, porque o florescimento das fábricas
tem, no decorrer do tempo, cada vez mais o efeito de

423
fazer subir os preços dos produtos agrícolas e diminuir
os preços dos produtos de fábrica.
Em seguida, o bem-estar do agricultor e do pro-
prietário de terras é sobretudo condicionado pelo facto
de o valor do seu instrumento, ou seja, do seu terreno, se
manter pelo menos na sua existência habitual. Isto não é
só a condição principal do seu bem-estar, mas muitas
vezes de toda a sua existência económica. Porque não
acontece raramente que a produção anual do agricultor
exceda o seu consumo e mesmo assim ele esteja arrui-
nado. Este caso verifica-se quando o crédito geral flutua,
quando a sua propriedade responda por dívidas em
dinheiro; quando, por um lado, a procura de capital
financeiro é maior do que a oferta e, por outro, a oferta
de terrenos é maior do que a procura. Em tais casos,
propagam-se a renúncia geral de empréstimos finan-
ceiros e uma oferta geral de terrenos, por conseguinte, o
não valor da propriedade de terras e um grande número
dos agricultores mais empreendedores, activos e poupa-
dos, é arruinado, não porque o seu consumo tivesse sido
maior do que a sua produção, mas porque o seu ins-
trumento de produção, a sua propriedade de terras,
perdeu sob as suas mãos, devido a razões que estão fora
do seu controlo, uma significante parte do seu valor de
troca; também porque isto afectou o seu crédito e,
finalmente, porque a soma das dívidas financeiras pelas
quais a sua propriedade responde já não está em pro-
porção com o valor financeiro das suas propriedades
devido ao não valor generalizado de terras. Durante os
últimos cinquenta ;mos, tais crises têm acontecido na
Alemanha e na América do Norte mais do que uma vez,

424
tendo uma grande parte da aristocracia alemã perdido
bens e fortuna, sem que tenha percebido que, no fundo,
era a política dos seus irmãos na Inglaterra; dos bem-
-intencionados Tories, a responsável por este destino.
Totalmente diferente é, pelo contrário, a situação
do agricultor e proprietário de terras em países onde as
manufacturas estão em forte ascensão. Agora, pelo
aumento da capacidade produtiva dos terrenos, e dos
preços dos produtos, ganha não apenas a diferença entre
o valor da sua produção e o valor do seu consumo, mas,
na sua função de proprietário, ganha também o acrés-
cimo em rendas e o montante em capital do acr~scimo
das rendas. A sua fortuna em valores de troca duplica-se
e triplica-se, não porque esteja a trabalhar mais, ou
melhore os seus campos, poupe mais, mas sim porque o
valor de troca das suas propriedades cresceu devido às
manufacturas. Este efeito proporciona-lhe meios e estí-
mulo para um maior esforço mental e físico, para melho-
rar os seus campos, aumentar o número do seu gado,
poupar mais tendo um consumo maior. Com o aumento
do valor das suas terras, o seu crédito aumenta, e com
isso a capacidade de conseguir os capitais materiais
necessários para os melhoramentos.
Smith passa em silêncio estas situações do valor de
troca dos terrenos. Say, no entanto, opina que este valor
não é muito importante, visto que, independentemente
de estarem altos ou baixos, prestam sempre os mesmos
serviços. É triste ouvir da boca de um autor, a quem os
tradutores alemães dão o nome de professor dos povos,
opiniões tão radicalmente falsas sobre um assunto que
toca profundamente o bem-estar das nações. Nós pensa-

425
mos ter que afirmar, ao contrário, que não existe medida
mais segura do bem-estar da nação do que a subida e
descida do valor de troca da terra, e que as suas flutua-
ções e crises devem contar-se entre as mais nocivas de
todas as pragas.
Também a esta opinião errada, a Escola foi indu-
zida pela sua preferência pela teoria do comércio livre,
da forma como quer que esta seja entendida. Porque em
parte nenhuma as flutuações e crises no valor e preço da
propriedade de terra é maior do que nas nações agríco-
las que se encontram em comércio ilimitado com nações
de manufactura e de comércio ricos em dinheiro e
poderosos.
É verdade que também o comércio externo tem
efeito sobre o aumento da renda e do valor das terras,
mas incomparavelmente menos decisivo, uniforme e
duradouro do que o aparecimento das manufacturas
nacionais, o aumento contínuo e regular da produção
manufactureira e a troca de produtos manufacturados
nacionais contra produtos agrícolas nacionais.
Enquanto a nação possuir ainda uma grande
quantidade de terrenos não utilizados ou mal utilizados;
enquanto produzir artigos de armazenamento, que são
adquiridos pela nação de manufactura em troca de pro-
dutos manufacturados; enquanto estes artigos forem
fáceis de transportar; e enquanto a respectiva procura
for durável e capaz de crescer anualmente de modo ade-
quado ao crescimento das forças produtivas da nação
agrícola, não sendo interrompido por guerras e medidas
comerciais estrangeiras - o comércio estrangeiro tem
um efeito forte sobre o aumento da renda e do valor de

426
troca das terras. Mas assim que falte ou deixe de existir
uma destas condições, o comércio exterior pode causar
estagnações, até frequentemente retrocessos significati-
vos e persistentes.
O mais prejudicial nesta relação é o efeito da ins-
tabilidade da procura externa, quando devido a guerras,
má colheita, falta de fornecimentos por outras partes ou
devido a outras situações e acontecimentos, a nação
manufactureira necessita de grandes quantidades de
produtos alimentares e matérias-primas, em geral, ou de
artigos de armazenamento especiais, e quando a seguir a
maior parte desta procura volta a deixar de existir, por-
que voltou a haver paz ou boas colheitas ou maiores for-
necimentos vindos de outras zonas ou devido às medi-
das políticas. Se a procura dura apenas um curto espaço
de tempo, poderá resultar daí algum lucro para a nação
agrícola; mas se durar um ano ou uma série de anos,
controlará todas as condições da nação agrícola, todas as
economias privadas. O produtor acostuma-se a consu-
mir, os prazeres passam a ser necessidades. Baseando-se
no rendimento e valor crescidos da sua propriedade,
começa a fazer melhoramentos de culturas, construções,
compras que nunca teria feito. Compras e vendas, con-
tratos de arrendamento, empréstimos são concluídos
conforme as rendas e valores aumentados. O próprio
Estado tem problemas em aumentar as suas despesas na
medida do aumento do bem-estar dos privados. Porém,
se esta procura cessar de repente, surge um desequilíbrio
entre a produção e o consumo; um desequilíbrio entre os
valores reduzidos e as dívidas em dinheiro que recaem
sobre eles e cujo valor continua inalterado; desequilíbrio

427
entre as somas do arrendamento em dinheiro e a produ-
tividade em dinheiro; desequilíbrio entre rendimento
e despesas nacionais, e como resultado destes dese-
quilíbrios falências, apuros, desânimo, retrocesso no
desenvolvimento económico, mental e político. O efeito
da prosperidade da agricultura seria, pois, como a
estimulação por ópio ou bebidas fortes, excitante ape-
nas por um momento, mas enfraquecedor pela vida
toda - seria como o raio de luz de Franklin, o qual
durante um momento mostrava as coisas numa luz
brilhante, só para as mergulhar numa noite ainda mais
escura.
Uma prosperidade passageira na agricultura é uma
desgraça muito maior do que a pobreza uniforme e
contínua. Para a prosperidade poder trazer felicidade
aos indivíduos e às nações, tem de ser duradoura. Mas
só dura quando cresce lentamente, quando a nação está
na posse das garantias deste crescimento e desta dura-
ção. Um baixo valor de troca do solo é incomparavel-
mente melhor do que flutuações no valor de troca;
somente um crescimento lento, mas contínuo deste valor
garante à nação uma prosperidade permanente; e a
garantia de um aumento regular e constante, em nacio-
nalidades desenvolvidas, é a posse de uma força manu-
factureira própria.
Que são ainda pouco claras as ideias sobre o efeito
da força manufactureira própria na renda e no valor da
terra, comparado com o efeito do comércio externo sobre
a renda e valor da terra demonstra-o claramente o facto
de os proprietários das vinhas na França ainda se
julgarem prejudicados pelo sistema protector francês e

428
exigirem a maior liberdade possível de comércio com a
Inglaterra na esperança de fazerem subir a sua renda.
No seu relatório sobre as relações de comércio
existentes entre a Inglaterra e a França, baseado na ten-
dência de realçar a vantagem que uma maior importação
de fabricos ingleses e um aumento daí resultante da
exportação de vinho teria para a França, o Dr. Bowring
forneceu factos com que os . seus próprios argumentos
podem ser refutados de forma mais convincente.
O Dr. Bowring compara a importação de vinhos
franceses pelos Países Baixos (2 515 193 galões em 1829)
com a importação por ano de Inglaterra (431 509) para
mostrar que a venda de vinhos franceses para a Ingla-
terra seria capaz de grande expansão se houvesse comér-
cio mais livre.
Supondo que, embora seja mais do que imprová-
vel, os vinhos franceses não encontrassem obstáculos na
pre-ferência em Inglaterra por aguardentes, cervejas
fortes e vinhos fortes e baratos vindos de Portugal,
Espanha, Sicília, Tenerife, Madeira e do Cabo; supondo
que Inglaterra de facto aumentasse o seu consumo de
vinhos franceses na proporção dos Países Baixos/ a
venda poderia decerto subir para 5 ou 6 milhões de
galões, ou seja, dez a quinze vezes mais do que a sua
actual quantidade, o que, num olhar superficial, parece
de facto prometer uma grande vantagem para a França e
os proprietários das vinhas francesas.
Porém, examinando a questão a fundo, surge um
resultado bem diferente. Com a maior possível - não
queremos dizer com a total - liberdade do comércio,
embora seguindo o princípio e os argumentos de Bow-

429
ring devêssemos pressupor a última, não h á dúvida de
que os Ingleses apoderar-se-iam de grande parte do mer-
cado de produtos manufacturados franceses (nomeada-
mente no que toca à produção de lã, algodão, linho,
ferro e cerâmica). Seria de supor, no mínimo, que,
devido a esta produção manufactureira reduzida, nas
cidades francesas deveriam viver menos um milhão de
pessoas, ou que no campo deveria haver menos um
milhão de pessoas para fornecer aos habitantes das cida-
des m atérias-primas e produtos alimentares. Agora, o
próprio Dr. Bow ring calcula o consumo dos habitantes
rurais na França em 16 1h galões, e o consumo dos cita-
dinos no dobro, ou seja, 33 galões por cabeça. Conse-
quentemente, devido à redução da força de manufactura
interior originada pelo livre comércio, o consumo nacio-
nal de vinho deveria descer em 50 milhões de galões,
enquanto a exportação poderia subir apenas em 5 até 6
milhões de galões. Dificilmente, pois, operação para a
vantagem especial dos proprietários das vinhas france-
ses. Através da qual a procura interna de vinhos perderá
forçosamente dez vezes mais do que a externa poderá
possivelmente ganhar.
Numa palavra: comprova-se na produção do vinho,
como na produção da carne, como na produção dos
cereais, como na produção das matérias-primas e pro-
dutos alimentares, em geral, que numa grande nação,
destinada a criar a sua própria força manufactureira, o
fabrico interno de produtos manufacturados causa uma
procura dez a vinte vezes maior de produtos agrícolas
da zona moderada, ou seja, tem uma influência dez a
vinte vezes mais significativa sobre o aumento da renda

430
e o valor de troca dos terrenos d o que a mais florescente
exportação de tais produtos. A prova decisiva está, tam-
bém neste contexto, no rendimento em termos de renda
e no valor de troca das propriedades nas redondezas das
grandes cidades, em comparação com a situação dos
mesmos em províncias longínquas, mesmo quando liga-
dos à capital através de estradas e possibilidades de
comércio.
A lição da renda pode ser considerada ou do ponto
de vista dos valores ou do ponto de vista das forças
produtivas, pode ser vista também tomando em consi-
deração somente as situações privadas, ou seja, as rela-
ções entre proprietário, arrendatário e trabalhador, ou
tomando em conta principalmente as situações sociais e
nacionais. A Escola apenas tem compreendido esta dou-
trina do ponto de vista da economia privada. Tanto
quanto sabemos, por exemplo, nunca explicou que o
consumo da renda da nação é mais vantajoso quando se
dá perto do sítio da produção, antes que nos vários Esta-
dos é habitualmente consumida pela sede do soberano,
por exemplo, nas monarquias absolutas maioritaria-
mente na capital da nação, longe das províncias onde é
produzida, quer dizer da maneira menos favorável à a
agricultura, para os ofícios de utilidade comum e para o
desenvolvimento das forças mentais da nação. Quando a
nobreza rural não tem quaisquer direitos e nem influên-
cia política a não ser que viva na Corte ou detenha
cargos públicos, quando todo o poder público estiver
centralizado, as pessoas na posse de rendas deslo-
cam-se para este ponto central e aí usam esses meios
quase exclusivamente para a satisfação da sua ambição,

431
encontrando ocasião para gastar o rendimento das suas
terras de forma agradável; e quanto mais os capitalistas
se acostumam a viver na capital, menos a província lhes
oferece ocasião de manter relações sociais e prazeres
materiais e mentais mais sofisticados, mais a província
os repugna, mais a capital os atrai. Por este processo, a
província perde para a capital nacional todos os meios
de aperfeiçoamento mental provenientes do consumo
das rendas, nomeadamente as manufacturas e intelec-
tuais que teriam sido mantidos pela renda. É verdade
que a capital aparece agora com muito brilho, porque
reúne em si todos os talentos dos intelectuais e a maior
parte da produção de artigos de luxo. As províncias, no
entanto, são desta forma roubadas das forças mentais,
dos meios materiais e sobretudo dos ofícios que per-
mitem ao agricultor efectuar melhoramentos na agri-
cultura e estimulá-lo para tal. Estas condições são em
. grande parte a razão por que, na França, sob a monar-
quia absoluta, ao lado de urna capital que em espírito e
esplendor excedia todas as cidades do continente euro-
peu, a agricultura fazia poucos progressos e as provín-
cias careciam de cultura mental e ofícios de utilidade
comuns. Mas quanto mais a nobreza rural ganhar inde-
pendência da Corte em influência sobre legislação e
administração, quanto mais o sistema representativo e a
ordem administrativa ceder às cidades e províncias o
direito de administrar os seus próprios assuntos e de
participar na legislação e administração nacional, ou seja,
quanto mais prestígio e influência se puder adquirir na
província e através da província, ·tanto mais a nobreza
rural e a burguesia abastada e educada serão atraídas

432
para a localidade de onde recebe a sua renda, tanto mais
influência tem o consumo da renda sobre o desenvolvi-
mento das forças mentais e das instituições sociais, sobre
o desenvolvimento da agricultura e o crescimento na
província dos ofícios úteis para as grandes massas.
A prova desta observação é fornecida pelas condi-
ções económicas da Inglaterra. O facto de o proprietário
de terras inglês viver nas suas propriedades durante a
maior parte do ano, contribui, em diversas formas, para
a ascensão da agricultura inglesa: directamente, porque
o proprietário presente usa uma parte da sua renda para
efectuar, ele próprio, melhoramentos na cultura ou
apoiar os melhoramentos de culturas dos seus arrenda-
tários; indirectamente, porque o seu consumo apoia as
manufacturas e os intelectuais da vizinhança. Estas
situações fornecem também urna parte da explicação
da razão de, na Alemanha e na Suíça - não obstante
a falta de grandes cidades, de instituições de trans-
portes e instituições nacionais-, a agricultura e a cultura
serem geralmente muito mais elevadas do que na
França.
O maior erro, porém, que Adam Smith e a sua
Escola fizeram nesta matéria - que já explicámos ante-
riormente, mas teremos de explicitar mais nesta parte - é
não terem reconhecido claramente e não terem descrito
em toda a sua extensão, a influência das manufacturas
sobre o aumento da renda, dos valores de troca dos bens
imóveis e do capital agrícola, opondo a agricultura às
manufacturas de urna forma em que a primeira apa-
rece incomparavelmente mais importante para a nação,
sendo a riqueza causada pela agricultura incompara-

433
velmente mais duradoura do que as manufacturas e o
bem-estar dela resultante. Com isto, Smith não fez mais
do que continuar, embora de forma algo modificada, a
opinião errada dos fisiocratas. Aparentemente, foi indu-
zido neste erro pelo facto de - como também já mostrá-
mos através das situações estatísticas de Inglaterra - o
capital agrícola material, mesmo no país mais rico em
manufacturas, ser dez a vinte vezes mais significativo do
que o capital manufactureiro material, que até a produção
agrícola anual excede em muito o valor de todo o capital
de manufactura. Este mesmo facto pode ter induzido os
fisiocratas a exagerar o valor da agricultura em relação
às manufacturas. É verdade que, a um olhar superficial,
parece que a agricultura cria dez vezes mais riqueza e é
dez vezes mais importante do que as manufacturas. Mas
isto é apenas aparência. Quando examinamos as causas
desta prosperidade agrícola a fundo, encontramo-las
sobretudo nas manufacturas. São aqueles 218 milhões de
capital de manufactura que em grande parte criaram os
3311 milhões de capital agrícola. A situação é exacta-
mente a mesma das instituições de transportes: são os
custos de construção que tornam os terrenos situados na
área do canal mais valiosos. Se se destruir a capacidade
de transporte deste canal, se se usar a corrente de água
que até agora fora usada para o transporte para irrigar o
prado, por isso supostamente para o aumento do capital
agrícola, da renda agrícola, etc., e mesmo assumindo
que o valor destes prados subiria em milhões, esta
alteração aparentemente favorável à agricultura prejudi-
cará, não obstante, dez vezes mais o valor total das
propriedades situadas na zona do canal.

434
Visto deste prisma, haverá que tirar do facto de o
capital de manufactura total de um país ser tão pequeno
comparado com o capital agrícola total conclusões total-
mente diferentes das que a Escola dominante e a
anterior tiraram. A manutenção e o desenvolvimento da
força manufactureira parecem agora, até ao agricultor,
tanto mais valiosos quanto menos capital, em compara-
ção com a agricultura, são capazes de absorver e movi-
mentar. Aliás, deve ser agora evidente para os agriculto-
res, e nomeadamente para os capitalistas e proprietários
de terras dum país, que é do seu interesse implantar e
manter uma força manufactureira nacional, mesmo se
tivessem de arranjar o capital necessário para tal, gra-
tuitamente e sem esperança de uma retribuição directa,
da mesma maneira que seria do seu interesse construir
canais, caminhos-de-ferro e estradas ainda que estas
estruturas também não rendessem nenhum lucro. Se
olharmos, nos contextos mencionados, os ofícios mais
ligados à agricultura, mais indispensáveis e úteis, por
exemplo, os moinhos, não restarão dúvidas de que as
nossas opiniões são correctas. Compare-se o valor da
propriedade e da renda numa região, onde não há
nenhum moinho na vizinhança do agricultor, com o
valor das terras em regiões onde existe este ofício no
meio dos agricultores, e ver-se-á que já este único ofício
tem um efeito importante sobre os dois, que aqui, sendo
a produtividade natural dos terrenos igual, o valor total
das propriedades ganhou em valor não apenas o dobro,
mas dez ou vinte vezes mais do que foi o preço de cons-
trução do moinho, e que os proprietários ganhariam sig-
nificativamente com a construção do moinho, mesmo se

435
suportassem o custo da sua construção em comum e o
tivessem oferecido ao moleiro. Isto acontece, de facto,
todos os dias nos terrenos selvagens da América do
Norte, sendo que os proprietários das terras se prestam
a contribuir para a construção de equipamentos, através
de trabalhos manuais, transportes, disponibilização de
madeiras para construção e coisas semelhantes, se os
indivíduos que querem fundar um tal ofício não tiverem
o capital suficiente para construir tais equipamentos por
conta própria. Isto até tem acontecido, embora de forma
diferente, nos países de cultura antiga; sem dúvida deve
estar aí a origem de muitos direitos de monopólio local
de moinhos.
Tal como no caso do moinho de moer, assim é no
caso da serralharia, do lagar de azeite e do moinho de
. gesso, da fábrica siderúrgica: em todos os caso é fácil de
demonstrar que a renda e o valor das terras sobe na
mesma medida em que as propriedades estão situadas
mais perto deste ofícios, e em que, em geral, mantêm
relações recíprocas mais próximas ou mais distantes.
E porque não se passará o mesmo no caso dos moi-
nhos de lã, linho, cânhamo, papel e algodão, no caso de
todos os ofícios em geral? Vemos que, por toda a .parte,
renda e valor das terras sobem exactamente na mesma
medida quanto mais perto a propriedade se encontra da
cidade, quanto mais habitantes a cidade alberga e quanto
· mais ofícios tem. Se em tais círculos mais pequenos
calcularmos o valor dos terrenos e do capital neles
investido, assim como o valor do capital aplicado nos
ofícios, e compararmos os montantes totais, chegaremos
sempre à conclusão de que o primeiro é pelo menos dez

436
vezes maior do que o segundo. Seria tolice tirar daí a
conclusão de que é mais vantajoso para uma nação
investir os seus capitais materiais na agricultura do que
nas manufacturas, e de que aquela é mais favorável ao
crescimento do capital do que estas. O crescimento dos
bens capitais agrícolas materiais acontece, na sua maior
parte, devido ao crescimento dos bens capitais manufac-
tureiros materiais, e as nações que não percebem esta
verdade, por muito que a natureza as favoreça na
agricultura, não farão progressos em riqueza, população,
cultura e poder, antes andarão para trás.
Mesmo assim, os capitalistas e proprietários das
terras não raramente encaram as medidas que visam a
implantação duma força de manufactura própria como
privilégios que apenas servem para enriquecer os manu-
factores e cujos encargos eles suportam exclusivamente.
No começo da cultura, entendem muito bem as grandes
vantagens que lhes traz a construção na sua proximi-
dade de um moinho de trigo, de uma serralharia ou
ferraria, de forma que se lembram dos maiores sacri-
fícios para contribuir para a sua instalação; mas na
situação de uma cultura algo mais avançada, são inca-
pazes de compreender que uma indústria nacional
própria e perfeita traz incomensuráveis vantagens para
toda a agricultura do país e que o seu próprio bem exige
que aceitem os sacrifícios sem os quais não é possível
alcançar este fim. A razão é a que visão dos proprie-
tários rurais, embora com frequência capaz de perceber
nitidamente o que está perto deles, só em poucas e
muito instruídas nações é capaz de alcançar o que está
longe.

437
Neste contexto, não se pode esquecer que a teoria
dominante tem contribuído para confundir o juízo dos
proprietários. Smith e Say têm feito esforços para apre-
sentar, por toda a parte, como motivadas pelo interesse
privado as aspirações dos manufactores a medidas de
protecção, louvando, pelo contrário, a generosidade e o
altruísmo dos proprietários que estão longe de exigir
medidas iguais. Parece que só então notaram a sua tão
louvada virtude do altruísmo, tendo sido incitados a
livrarem-se dela. Porque em muitos e nos mais impor-
tantes Estados de manufactura também eles têm, nos
tempos mais recentes, exigido e conseguido medidas de
protecção, muito embora (como explicámos noutra parte
deste livro), para seu grande prejuízo. Se antigamente os
proprietários se sacrificaram para implantar uma força
manufactureira nacional própria, fizeram o mesmo que o
agricultor faz no desterro quando aceita sacrifícios para
que seja construído um moinho ou um martinete de
forja perto das suas terras. Se os proprietários também
exigirem agora protecção para a sua agricultura, fazem o
que aqueles agricultores fariam se, depois de o moinho
ter sido construído com a sua ajuda, exigissem do
moleiro que os ajudasse a lavrar os campos. Seria, sem
dúvida, uma exigência insensata. A agricultura só se
pode elevar, a renda e o valor das terras só podem cres-
cer na proporção em que as manufacturas e o comércio
florescem, e as manufacturas não podem florescer se o
abastecimento de matérias-primas e produtos alimenta-
res forem limitados. Isto também os manufactores senti-
ram por todo o lado. Mas que, mesmo assim, os pro-
prietários na maioria dos grandes Estados tenham conse-

438
guido obter medidas de protecção, tem uma razão
dupla.
Primeiro, nos Estados representativos, a sua influên-
cia sobre a legislação é predominante, e os manufactores
não têm coragem de se oporem persistentemente a esse
desejo tolo, por temerem que com isso pudessem levar
os proprietários a inclinarem-se favoravelmente ao prin-
cípio do livre comércio; preferiram transigir.
Segundo, a Escola sugeria aos proprietários que
seria tão tolo implantar manufacturas de forma artificial,
somo seria tolo no clima frio produzir vinho em estufas;
as manufacturas nasceriam por si mesmas no decorrer
natural das coisas, a agricultura daria incomparavel-
mente mais oportunidades para o crescimento do capital
do que as manufacturas; o capital da nação não poderia
ser aumentado por medidas artificiais, com leis e medi-
das públicas, apenas se lhe daria uma orientação menos
favorável para o aumento da riqueza.
Finalmente, quando não se podia deixar de admitir
a influência das manufacturas sobre a agricultura, pro-
curava-se não menos descrever esta influência o mais
fraca e indefinidamente possível. Claro, dizia-se, que as
manufacturas tinham influência sobre a agricultura, evi-
dentemente que tudo o que prejudicava as manufacturas
seria prejudicial para a agricultura e, portanto, pro-
vavelmente também teriam influência sobre a cres-
cimento da renda das terras, mas apenas influência indi-
recta. Uma influência directa sobre a renda, em contra-
partida, viria do aumento da população e do número do
gado, dos melhoramentos na agricultura, do aperfei-
çoamento dos equipamentos de transporte, etc. Ora, com

439
esta diferenciação entre influência directa e indirecta
passa-se o mesmo que em algumas outras situações em
que a Escola faz esta diferença (por exemplo, na produ-
ção intelectual), e também aqui se pode aplicar a compa-
ração que já uma vez fizemos; acontece o mesmo com o
fruto da árvore que manifestamente, no sentido da
Escola, é indirecto enquanto estiver no galho que é um
fruto do ramo, que é um fruto do tronco, que é um fruto
da raiz, que apenas ela é fruto directo do solo. Ou não
seria iguahnente um sofisma falar da população, do
gado, dos meios de transporte, etc., como causas directas
- das manufacturas, no entanto, como uma causa indi-
recta do aumento da renda, quando a evidência em cada
grande país de manufactura sempre ensina que as pró-
prias manufacturas são uma causa principal do cresci-
mento da população, do número de reses e dos meios de
transporte, etc.? E seria lógico e consequente coordenar
estes efeitos com a sua causa, as manufacturas, pondo-os
em primeiro plano como causas principais, pondo em
segundo plano as manufacturas como causa indirecta, por
assim dizer, como causa secundária? E que outra coisa
pode estar na base de um raciocínio tão errado, tão pouco
em conformidade com a natureza das coisas, numa mente
tão penetrante como A. Smith, do que a intenção de
menosprezar particularmente as manufacturas e a sua
influência sobre o bem-estar e o poder da nação, sobre o
aumento da renda Qas terras e o valor do solo? E por que
razão senão para evitar discussões cujos resultados,
falariam mais alto a favor das medidas protectoras?
De qualquer forma, desde A. Smith, a Escola não
tem sido feliz com as suas investigações sobre a natu-

440
reza da renda. Ricardo e depois dele Mill, MacCulloch e
oub:os são de opinião de que a renda está a pagar a capa-
cidade produtiva natural inerente aos terrenos. O pri-
meiro baseou um sistema inteiro nesta opinião. Se
tivesse feito uma digressão ao Canadá, poderia ter feito,
em cada vale e em cada colina, observações que o teriam
convencido de que a sua teoria estava construída sobre
areia. Mas como tinha na mente apenas as condições
inglesas, caiu na opinião errónea de que os campos e
prados ingleses, por cuja suposta produtividade natural
actualmente se pagam tão bonitas rendas, tinham sem-
pre sido os mesmos campos e prados. A produtividade
nah1ral original dos terrenos é manifestamente tão
insigrlificante e providencia a quem os utiliza um exce-
dente tão reduzido de produtos que a renda daí resul-
tante quase não é digna de menção. Todo o Canadá no
estado original, habitado apenas por caçadores, dificil-
mente daria uma renda suficiente em carne e peles para
pagar o ordenado a um único professor de economia
política de Oxford. A produtividade natural do solo de
Malta consiste em pedras, que provavelmente nunca
dariam uma renda. Se se segue o desenvolvimento de
nações inteiras e a sua transição do estado de caçador
para o estado de pastor, e deste para o estado de agri-
cultura, etc., fica-se, pelo contrário, facilmente conven-
cido de que a renda em todo o lado era originalmente
igual a zero e que cresceu, com o avanço da cultura, da
população e com o aumento dos capitais mentais e mate-
riais. Se se comparar a nação meramente agrícola com a
nação agrícola-manufactureira-comercial, vê-se que na
última vivem de rendas vinte vezes mais pessoas do que

441
na primeira. Conforme a estatística de Marshall sobre a
Grã-Bretanha, viviam na Inglaterra e na Escócia, por
exemplo, no ano de 1831, 16 537 398 pessoas, das quais
1 116 398 viviam de rendas. Dificilmente se encontra na
Polónia, na mesma área de terreno, a vigésima parte
deste número. Se se descer do geral para o particular,
examinando a causa da renda dos diferentes terrenos,
descobre-se que é em todos resultado duma produtivi-
dade, que não foi dada voluntariamente pela natureza
ao terreno, mas lhe foi conferida pelos trabalhos e capitais
mentais e materiais aplicados indirecta ou directamente
e pelo aperfeiçoamento geral da sociedade. É verdade
que há terrenos que dão renda sem que a mão do
homem alguma vez os tivesse tocado, como pedreiras,
areeiros, prados; mas esta renda não é mais do que um
efeito do aumento da cultura, do capital e da população
que rodeia os terrenos. Por outro lado, os terrenos que
proporcionam a maior renda são aqueles cuja produtivi-
dade natural foi totalmente destruída e que não têm
nenhuma utilidade senão deixar que as pessoas neles
comam e bebam, estejam sentadas, durmam ou andem,
trabalhem ou se divirtam, ensinem ou sejam ensinados,
isto é, os terrenos de construção.
A razão da renda é o proveito exclusivo que o
terreno proporciona aos indivíduos que o têm à sua
disposição exclusiva. O montante deste proveito é
determinado pela soma dos capitais mentais e mate-
riais existentes na sociedade, pela possibilidade que
a situação e o carácter particulares e os capitais ante-
riormente nele investidos para obter valores mate-
riais ou satisfazer necessidades ou prazeres mentais ou

442
físicos dão a quem tiver o direito de o utilizar exclu-
sivamente.
A renda são os juros dum capital aplicado num
recurso natural, ou um recurso natural capitalizado.
Porém, o território duma nação que tenha apenas
capitalizado os recursos naturais que servem para a
agricultura, e ainda por cima naquela forma incompleta
como é o caso do mero cultivo da terra, rende incom-
paravelmente menos do que o território duma nação que
reúne a força agrícola e a força da manufactura. Os seus
capitalistas vivem maioritariamente naquela nação que
lhes fornece produtos manufacturados. Daí que a nação
muito avançada na agricultura e na população, se
implantar a sua própria força de manufactura, capitalize
- como já mostrámos num capítulo anterior - não só as
forças naturais que servem às manufacturas e que até
agora estiveram por utilizar, mas também a maior parte
das forças manufactureiras que servem à agricultura.
O aumento da renda excede, por isso, incomensura-
velmente os juros dos capitais materiais necessários para
o desenvolvimento da força manufactureira.

443
Vigésimo Primeiro Capítulo

A FORÇA DA MANUFACTURA E O COMÉRCIO

Até agora, falámos apenas das relações entre a agri-


cultura e as manufacturas porque constituem os compo-
nentes básicos da produção nacional e, se não se tiver
uma ideia clara das respectivas relações, não será possí-
vel perceber correctamente a verdadeira função e posi-
ção do comércio. Certamente também o comércio é pro-
dutivo, como afirma a Escola, mas de uma forma
totalmente diferente da agricultura e das manufacturas.
Estes produzem mercadorias, o comércio apenas serve
de intermediário na troca das mercadorias entre agriculto-
res e manufactores, entre produtores e consumidores.
Daí resulta que devem ser os interesses e as necessidades
da agricultura e das manufacturas a regular o comércio,
e não o contrário.
A Escola, no entanto, praticamente adoptou esse
contrário ao escolher para lema a expressão do velho
Gournay: laissez faire, laissez passer - uma expressão que
soa tão agradavelmente ao comerciante como a ladrões,
vigaristas e gatunos, já por isso se tornando suspeita
como máxima. Esta perversão, que faz submeter os inte-
resses das manufacturas e da agricultura às pretensões
do comércio de movimentação totalmente livre, é uma
consequência natural da teoria que, visando sempre e só

445
os valores, nunca toma em conta as forças e olha o
mundo inteiro como uma única e indivisível república de
comerciantes. A Escola não percebe que o comerciante
também consegue alcançar o seu objectivo - obter valo-
res através da troca - à custa dos agricultores e dos
manufactores, à custa das forças produtivas e até da
autonomia e independência da nação. É-lhe indiferente,
e pela natureza do seu negócio e das suas aspirações
também não se pode preocupar com isso, o efeito que as
mercadorias que importa ou exporta têm sobre a morali-
dade, o bem-estar e o poder da nação. O comércio tanto
importa venenos como remédios. Enerva nações inteiras
com ópio e aguardentes. Se, com as suas importações e
contrabando, proporcionar emprego e sustento a cente-
nas de milhares ou os reduzir à miséria, ao negociante
isso não lhe interessa enquanto o seu balanço for posi-
tivo. Depois, quando aqueles que ficaram desemprega-
dos tentarem fugir à miséria na pátria através da imigra-
ção, o comércio ainda ganha valores de troca com o seu
transporte. Na guerra, fornece armas e munições ao ini-
migo. Se fosse possível vender campos e prados ao
estrangeiro, fá-lo-ia, e depois de ter vendido a última
parcela de terra, sentava-se no seu navio e exportava-se
a si próprio.
Fica desta forma evidente que o interesse dos
comerciantes individuais e o interesse do comércio de
uma nação inteira são coisas totalmente diferentes. Neste
sentido já Montesquieu dizia : "se o Estado limitasse o
comerciante individual, isto aconteceria no interesse do
comércio, sendo que os seus movimentos em nenhum
sítio seriam mais limitados do que em nações livres e

446
ricas, e em nenhum sítio menos do que em nações com
governos déspotas". O comércio n asce das manufacturas
e da agricultura, e qualquer nação que não tenha
desenvolvido estes dois ramos principais da produção a
um nível elevado, alcançará nos nossos dias um comér-
cio interno e externo importante. Em tempos antigos,
existiam, de facto, algumas cidades ou alianças de
cidades que através de manufactores estrangeiros e
agricultores estrangeiros chegaram a ser capazes de
estabelecer um grande comércio intermediário; mas
desde que surgiram os grandes Estados agrícola-manu-
factureiro-comerciais, a criação de um comércio inter-
médio, como o possuía a Liga Hanseática, está fora de
questão. Em todo o caso, este. comércio é de natureza tão
precária que, em comparação com aquele que se baseia
na produção própria, praticamente não merece conside-
ração.
As mercadorias mais importantes do comércio
interno são: produtos alimentares, sal, combustíveis e
materiais de construção, tecidos para vestuário, a seguir
a equipamentos para a agricultura e a manufactura e
instrumentos, assim como matérias-primas, em termos
de produtos agrícolas e mineiras, necessárias para as
manufacturas. O montante deste comércio interno é
incomparavelmente mais significativo numa nação em
que a força manufactureira conseguiu um desenvolvi-
mento muito alto, do que na nação de mera agricultura.
Nesta, em primeiro lugar o agricultor limita o seu con-
sumo em grande parte à sua própria produção. Por falta
de uma grande procura de produtos diferenciados e por
falta de meios de transporte, tem de produzir ele pró-

447
prio todas as suas necessidades sem tomar em conside-
ração a particular força produtiva dos seus terrenos; por
falta de valores de troca, tem de fabricar ele próprio para
satisfazer a maior parte das suas necessidades de pro-
dutos manufacturados. Combustíveis e materiais para a
construção, produtos alimentares e produtos mineiros
dispõem, por falta de equipamentos de transporte faci-
litados, dum mercado muito limitado, não podendo, por
causa disso, transformar-se em objectos de transporte de
longa distância. Tendo em conta a limitação do mercado
e da procura de tais produtos, não existe estímulo para
os armazenar, nem para a acumulação de capital. Por
esta razão, nas nações de mera agricultura, o capital
dedicado ao comércio interno é praticamente nulo; por
isso, todos os artigos produzidos que estão sujeitos às
oscilações do tempo apresentam enormes flutuações nos
preços; por isso, o perigo de carestia e do flagelo da
fome é tanto maior quanto mais a nação se limita à agri-
cultura.
Apenas em consequência e na medida do desenvol-
vimento das manufacturas nacionais, dos melhoramen-
tos causados pelas mesmas e do aumento da população,
surge e cresce o comércio interno até ter uma impor-
tância que excede o comércio interno da mera nação
agrícola entre dez e vinte vezes e o mais próspero
comércio externo entre cinco e dez vezes mais. Se
compararmos o comércio interno da Inglaterra com o da
Polónia ou Espanha, encontramos esta observação con-
firmada.
O comércio externo das nações agrícolas da zona
moderada não pode crescer para ganhar signific.a do

448
enquanto se limitar a produtos alimentares e matérias-
-primas:
Primeiro - porque a nação agrícola depende para a
sua venda de poucas nações manufactureiras, que exer-
cem elas próprias a agricultura e, devido às suas manu-
facturas e ao seu comércio extenso, de uma maneira
muito mais perfeita do que a nação de mera agricultura;
esta venda, por isso, nunca é segura nem homogénea.
O comércio de produtos é sempre um assunto de
extraordinária especulação, cujo proveito beneficia na
maior parte os comerciantes especuladores, mas não o
· agricultor e a força produtiva da nação agrícola.
Segundo - porque a troca dos produtos agrícolas
contra produtos · manufacturados estrangeiros é fre-
quentemente interrompida por medidas comerciais
estrangeiras e guerras.
Terceiro - porque a venda de produtos beneficia
principalmente só os países situados nas margens de
mares e rios, mas não o interior do país, ou seja, a maior
parte da superfície territorial da nação agrícola.
Finalmente, quarto - porque a nação de manufac-
tura estrangeira pode achar que é do seu interesse obter
os seus produtos alimentares e matérias-primas de
outros países e de novas colónias. Assim, a venda da lã
alemã na Inglaterra é diminuída pelos fornecimentos
vindos da Austrália, a venda de vinhos franceses e ale-
mães na Inglaterra pela entrada de vinhos de Espanha,
Portugal, Sicília, das ilhas espanholas e portugues~s e do
Cabo, a venda da madeira prussiana pelos abasteci-
mentos do Canadá. Já se têm tomado medidas para for-
necer a Inglaterra com algodão vindo em grande parte

449
das Índias Orientais. Se os Ingleses conseguirem resta-
belecer o velho caminho comercial, se o novo Estado do
Texas ficar forte, se as civilizações na Síria e no Egipto,
no México e nos Estados sul-americanos fizerem progres-
sos, então também os plantadores de algodão norte-ame-
ricanos chegarão à conclusão de que o mercado interno
proporciona a mais segura, regular e duradoura procura.
No clima moderado, a maior parte do comércio
externo resulta de longe das manufacturas internas e só
pode ser mantido e aumentado através da força manu-
factureira própria.
Apenas uma nação que produz todo'o tipo de pro-
dutos manufacturados aos preços mais baratos consegue
estabelecer relações comerciais com os povos de todas as
zonas e de todos os estádios culturais, satisfazer as
necessidades de todos ou, na falta das mesmas; criar
novas necessidades, e é capaz de aceitar matérias-primas
e produtos alimentares de toda a espécie para troca.
Apenas uma tal nação consegue carregar barcos com
uma diversidade de objectos, como um mercado longín-
quo e desprovido de produtos manufacturados internos
o exige. E só quando os preços da exportação já pagam
por si a viagem, se podem carregar os barcos com cargas
de retorno menos valiosas.
Os mais importantes artigos de importação das
nações da zona n1oderada são os produtos da zona
quente: açúcar, café, algodão, tabaco, chá, produtos para
tingir, cacau, especiarias e, em geral, aqueles artigos a
que se dá o nome de produtos coloniais. A maior parte
destes produtos é de longe paga com produtos manu-
facturados. Este comércio é a principal causa dos pro-

450
gressos da indústria nos países manufactureiros da zona
moderada e dos avanços de civilização e produção nos
países da zona quente. É esta a divisão de trabalho e a
confederação das forças produtivas na sua extensão
máxima, como ainda não existia na antiguidade, sur-
gindo apenas com os holandeses e os ingleses.
Antes do descobrimento do caminho da Rota do
Cabo, o Oriente superava muito a Europa no que res-
peita a manufactura. Com a excepção de metais precio-
sos e pequenas quantidades de tecido, pano de linho,
armas, produtos de ferro e alguns artigos de luxo, o
Oriente tinha pouco uso para valores europeus. O trans-
porte por terra encarecia os fretes de regresso tanto
como os de ida. Era impensável vender produtos agrí-
colas comuns e produtos de manufactura vulgares,
mesmo se um grande excedente tivesse sido produzido
em troca de tecidos de seda e algodão, açúcar e espe-
ciarias do Oriente. Por isso, o que quer que se leia sobre
a importância do comércio oriental naqueles tempos,
deve sempre ser visto só em termos relativos: foi
importante apenas para aquele tempo, mas insignifi-
cante em comparação com o que é hoje.
Mais importante se tornou o comércio com os
produtos da zona quente para a Europa através da
obtenção de grandes quantidades de metais nobres no
interior da América e do comércio directo com o Oriente
através do caminho da Rota do Cabo. Mas não podia
ganhar uma importância generalizada enquanto o Oriente
fornecia mais produtos manufacturados do que procurava.
Este comércio alcançou a sua actual importância
apenas por meio das colonizações dos europeus nas

451
Índias Orientais e Ocidentais e na América do Norte e
do Sul, por meio da plantação da cana-de-açúcar, do
cafezeiro, das plantas de algodão, arroz, índigo, etc., por
meio do tráfico dos negros como escravos para a Amé-
rica e Índias Ocidentais, a seguir por meio da bem suce-
dida concorrência dos europeus com os manufactores
das Índias Orientais e, em geral, por meio da expansão
do domínio holandês e inglês para partes longínquas do
mundo, sendo que estas nações - ao contrário dos Espa-
nhóis e dos Portugueses - procuravam e encontravam o
lucro mais na troca de produtos manufacturados por
produtos coloniais do que na extorsão.
Actualmente, este comércio ocupa a parte mais sig-
nificativa da grande navegação e do capital comercial e
de manufactura . da Europa dedicado ao comércio
externo, e todas as centenas de milhões de mercadorias
que todos os anos são deslocadas dos países da zona
quente para os países da zona moderada, são pagas, com
muito poucas excepções, em produtos manufacturados.
A troca de produtos coloniais contra produtos de
manufactura favorece de variadíssimas formas as forças
produtivas dos países da zona moderada. Estes produ-
tos, como, por exemplo, o açúcar, café, chá, tabaco, ser-
vem em parte como estímulos para a produção agrícola
e manufactureira, em parte como produtos alimentares;
a produção dos produtos manufacturados necessários
como pagamento dos produtos coloniais dá emprego a
um maior número de manufactores; as fábricas e os
negócios de manufactura podem ser geridos numa
escala muito maior, quer dizer, de forma mais vantajosa;
este comércio emprega um grande número de barcos,

452
· marinheiros e comerciantes; e através de um acréscimo
tão diversificado da população, a procura de produtos
agrícolas indígenas sofre um crescimento extraordinário.
Em consequência do efeito recíproco existente entre
a produção manufactureira e os produtos da zona
quente, os Ingleses consomem, em média, duas a três
vezes mais produtos coloniais do que os Franceses, três
a quatro vezes mais do que os Alemães, cinco a dez
vezes mais do que os Polacos.
Aliás, avalia-se até que ponto a produção colonial é
ainda capaz de expansão através de uma estimativa
superficial da área necessária para produzir os produtos
coloniais actualmente negociados.
Supondo que o consumo actual de algodão é de 10
milhões de meios Zentner, e o rendimento médio de um
acre (40 000 pés quadrados) é de apenas 8 Zentner, esta
produção não exige mais do que 1,25 milhões de acres
de terra*. .
Supondo que as quantidades de açúcar que entram
no mercado são 14 milhões de Zentner, e supondo que o
rendimento de um acre seja de 10 Zentner, toda esta
produção não existe mais do que 1 112 milhões de acres.

Se admitirmos que os restantes artigos (café, arroz,


índigo, especiarias, etc.) precisam da mesma área de solo
que os dois artigos principais, então todos os produtos
coloniais comercializados actualmente não precisam de
mais do que 7 a 8 milhões de acres - uma área que pro-

• Ver Aditamento.

453
vavelmente não chega a ser uma quinquagésima parte
da superfície da terra adequada para estas culturas.
Os Ingleses deram-nos recentemente provas fac-
tuais nas Índias Orientais da possibilidade de aumentar
estas produções de forma extraordinária; e o mesmo
fizeram os Franceses nas Antilhas, e os Holandeses em
Java e Sumatra.
Nomeadamente, a Inglaterra quadruplicou as suas
importações de algodão das Índias Orientais, e os jornais
ingleses afirmam com confiança que a Grã-Bretanha,
sobretudo, se conseguir apoderar-se do velho caminho
comercial para as Índias Orientais, depois de poucos
anos satisfaria todas as suas necessidades de produtos
coloniais das Índias Orientais.
Não se julgará exagerada esta esperança, quando se
tomar em consideração a imensa extensão do território
inglês das Índias Orientais, a sua fertilidade e os salários
baratos daqueles países.
Enquanto a Inglaterra estiver a explorar desta
forma as Índias Orientais, os avanços culturais dos
Holandeses progredirão nas ilhas, entrará na produção,
devido à dissolução do império turco, uma grande parte
de África e da Ásia Oriental e Central sujeitar-se-ão à
produção em consequência da dissolução do Império
turco, os texanos espalharão cultura norte-americana
por todo o México, governos regulares instalar-se-ão na
América do Sul, fomentando a expansão da incomensu-
rável produtividade daqueles países dos trópicos.
Se, desta maneira, os países da zona quente produ-
zirem quantidades incomparavelmente maiores de pro-
dutos coloniais do que até agora, ganham os meios com

454
que obtêm quantidades incomparavelmente maiores de
produtos manufacturados dos paises da zona mode-
rada, e desta maior venda de produtos manufacturados
advém a estes últimos a capacidade de consumir maio-
res quantidades de produtos coloniais. Como conse-
quência deste crescimento de produção e aumento dos
meios de troca, o comércio de troca entre os agricultores
da zona quente e os manufactores da zona moderada,
ou seja, o grande comércio mundial, crescerá no futuro
numa proporção muito maior do que tem crescido no
decorrer do último século.
Este desenvolvimento de agora, assim como ·o que
ainda se pode esperar, do comércio mundial deve-se em
parte aos grandes progressos da força produtiva da
manufactura, em parte ao aperfeiçoamento dos meios de
transporte por água e por terra, em parte aos aconteci-
mentos e desenvolvimentos políticos.
As máquinas e invenções destruíram a fabricação
imperfeita do Oriente a bem da força manufactureira
europeia, tornando-se esta última capaz de fornecer .aos
países da zona quente grandes quantidades de produtos
fabricados aos preços mais baratos, dando-lhes, desta
forma, motivos para aumentar as suas forças produtivas
e de trabalho.
Graças aos aperfeiçoamentos dos transportes, os
países da zona quente aproximaram-se grandemente dos
da zona moderada, as suas relações mútuas ganharam
infinitamente através da diminuição do perigo, da perda
do tempo e dos fret<:>s, assim como através da maior
regularidade, e ganhará de forma incalculável quando a
navegação a vapor estiver mais generalizada, quando os

455
sistemas de caminhos-de-ferro se estenderem até ao
interior da Ásia, da África e da América do Sul.
Depois da separação da América do Sul de Espanha
e de Portugal e depois da dissolução do Império Turco,
um grande número dos países mais produtivos da Terra
caíram em terreno livre, aguardando com impaciência
que as nações civilizadas da Terra os guiassem em con-
sentimento pacífico para o caminho da segurança legal e
da ordem, da civilização e do bem-estar, e não exigindo
mais do que o fornecimento de produtos manufactura-
dos e a aceitação dos produtos da sua zona como paga-
mento.
Fica claro que há aqui espaço suficiente para que
todos os países da Europa e da América do Norte,
vocacionados para desenvolver uma força manufactu-
reira a própria, possam levar a sua produção de manu-
factura ao florescimento, possam aumentar o seu con-
sumo de produtos vindos da zona quente e, na mesma
medida, expandir as suas relações directas com os países
da zona quente.

456
Vigésimo Segundo Capítulo

A FORÇA DA MANUFACTURA E A NAV EGAÇÃO,


O PODER MARÍTIMO E A COLONIZAÇÃO

As manufacturas, enquanto base de um grande


movimento interno e externo, são a condição principal
para uma navegação considerável. Visto que os trans-
portes internos mais importantes consistem em fornecer
os manufactores de materiais combustíveis e de constru-
ção, matérias-primas e produtos alimentares, no estado
de mera agricultura nem a navegação costeira e fluvial
pode florescer. Daí que nos países agrícolas falte a base
principal para a grande navegação marítima, pois a
navegação costeira é a escola e o reservatório dos mari-
nheiros, dos capitães de navio e da construção naval.
Como mostrámos no capítulo anterior, o comércio
internacional consiste principalmente na troca de pro-
dutos manufacturados por matérias-primas e produtos
naturais, de preferência pelos produtos da zona quente.
Porém, os países agrícolas da zona moderada têm de
oferecer aos países da zona quente apenas o que eles
próprios produzem ou aquilo de que não precisam,
nomeadamente matérias-primas e produtos alimentares;
assim, não faz sentido um comércio directo e, com isso,
numa navegação os países agrícolas da zona moderada e
os países da zona quente. O consumo de produtos colo-

457
niais tem de se limitar às quantidades que podem pagar
através da venda de produtos agrícolas e matérias-pri-
mas às nações de manufactura e de comércio; conse-
quentemente, têm de obter de outros estes artigos de
outros. Mas, no comércio entre urna nação agrícola e
urna nação de manufactura e comercial, a maior parte do
transporte marítimo terá que caber sempre à última,
mesmo que não esteja no seu poder garantir pelas leis a
parte de leão.
Para além do comércio interno e internacional, as
pescas marítimas empregam um número significativo de
navios; mas também deste ramo de actividade habi-
tualmente pouco ou nada cabe à nação agrícola, porq e
nela não pode haver nenhuma procura importante de
produtos marítimos, e as nações de manufactura e comér-
cio, por consideração pelo seu poder marítimo, costumam
reservar o mercado interno aos seus próprios pescadores.
A frota recruta os seus marinheiros e timoneiros d a
marinha privada, e por toda a parte a experiência tem
ensinado que marinheiros competentes não podem ser
treinados corno forças terrestres, têm de ser educados
pelo serviço na navegação costeira, na navegação marí-
tima internacional e nas pescas marítimas. O poder
marítimo das nações estará, pois, ao mesmo nível que
estes ramos das profissões marítimas. Daí que seja sem-
pre quase nulo na nação de mera agricultura.
A mais alta prosperidade da força rnanufactureira,
do decorrente comércio interno e externo, de urna nave-
gação significativa costeira e marítima e da grande pesca
marítima e finalmente de urna considerável potência
marítima, são as colónias.

458
A nação-mãe fornece a colónia com produtos de
manufactura, recebendo em troca o excedente de pro-
dutos agrícolas e matérias-primas; este movimento esti-
mula as manufacturas, aumenta desta forma a popula-
ção e a procura dos produtos agrícolas internos, engran-
decendo a sua navegação e o seu poder marítimo. A
força excedente da nação-mãe em população, capital e
espírito empreendedor, tem na colonização uma saída
benéfica, que lhe é restituída com juros pelo facto de
uma parte considerável daqueles que ganharam fortunas
na colónia trazer de volta ao seio da nação-mãe os capi-
tais acumulados ou nela consumir as rendas.
As nações agrícolas a que faltam os meios de criar
colónias também não possuem a força de se afirmarem.
Não podem dar às colónias aquilo de que elas precisam;
e o que lhes podem dar, já elas possuem.
A troca de produtos manufacturados por produtos
não elaborados é a condição base das relações coloniais
de hoje. Por isso os Estados Unidos da América do Norte
se separaram da Inglaterra, logo que sentiram a necessi-
dade e a força de serem eles próprios a fabricar, a dedi-
car-se à navegação e ao comércio com os países da zona
quente; por isso, uma vez chegado ao mesmo ponto,
também o Canadá se separará; por isso também nos
países da zona moderada da Austrália nascerão, no
decorrer do tempo, estados independentes de agricul-
tura, manufactura, comércio.
Mas esta troca entre os países da zona moderada e
os países da zona quente está fundamentada na natureza
para todos os tempos. Por isso, as Índias Orientais per-
deram, junto com a sua independência, a sua força de

459
manufactura, para a Inglaterra; por isso, todos os países
asiáticos da zona quente da Ásia e África se submeterão
passo a passo à tutela das nações manufactureiras-
-comerciais da zona moderada; por isso, as ilhas da zona
quente, que estão agora numa situação colonial, dificil-
mente se libertarão dela; por isso, os Estados sul-ameri-
canos se manterão sempre numa certa dependência das
nações de manufactura e de comércio.
O incomensurável domínio colonial da Inglaterra
deve-se apenas à sua preponderante força de manufac-
tura. No caso de outras nações europeias também quere-
rem participar no negócio lucrativo de cultivar países
selvagens e civilizar países bárbaros ou países de cultura
antiga que recaíram na barbárie, têm de começar por
formar as suas forças manufactureiras internas, a sua
navegação e o seu poder marítimo. E, no caso de serem
impedidas nestas aspirações pela supremacia de manu-
factura, de comércio e no mar, unir as forças é o único
meio de reduzir ao adequado tais pretensões inconve-
nientes.

460
Vigésimo Terceiro Capítulo

A FORÇA DA MANUFACTURA
E OS INSTRUM ENTOS DE CIRCULAÇÃO

Se é verdade que a experiência dos últimos vinte e


cinco anos comprovou, em parte, os princípios da teoria
dominante, estabelecidos em oposição aos conceitos do
chamado sistema mercantilista, acerca da circulação dos
metais nobres e sobre o balanço comercial, por outro
lado, mostrou claramente falhas significativas da Teoria
em relação às mesmas matérias.
A experiência demostrou várias vezes, especial-
mente na Rússia e na América do orte, que em nações
agrícolas cujo mercado de manufactura tenha estado
exposto à livre concorrência de uma nação chegada à
supremacia manufactureira, o valor da importação de
produtos manufacturados excede frequentemente o
valor dos produtos agrícolas, provocando às vezes uma
saída extraordinária repentina de metais nobres que
arruína a economia da nação agrícola e origina calami-
dades nacionais, sobretudo se o comércio interno se
baseia principalmente na circulação de papel-moeda.
A Teoria afirma que os metais nobres devem ser
obtidos da mesma maneira que todas as outras merca-
dorias, ou seja, que no fundo não faz diferença haver
grandes ou pequenas quantidades de metais nobres em

461
circulação, porque o que interessa é a relação mútua dos
preços, se uma mercadoria é barata ou cara; um câmbio
desigual funciona, por assim dizer, como prémio a favor
de maior exportação de mercadorias do país, que
momentaneamente favorece: por conseguinte, as finan -
ças, bem como o equilíbrio entre as importações e as
exportações e todas as restantes situações económicas da
nação, seriam reguladas de melhor forma e com maior
segurança, pela natureza das coisas.
Este raciocínio está completamente correcto no que
respeita à circulação nacional interna; dá bons resultados
no comércio entre cidades, entre cidade e campo, entre
províncias, assim como na União, entre Estados. Seria de
lamentar um economista que julgasse que o equilíbrio
das importações e exportações mútuas entre os vários
Estados da União americana ou alemã ou entre Ingla-
terra, Escócia e Irlanda, fosse mais fácil de regular com
leis e medidas do Estado do que com o comércio livre.
Se se pudesse acreditar na existência de semelhante
união entre os vários Estados e nações da Terra, o racio-
cínio da Teoria seria totalmente adequado à natureza
das coisas. Porém, nada é mais contrário à experiência
do que, nas actuais condições do mundo, supor que as
coisas nos movimentos internacionais se passam da
mesma forma.
As importações e exportações das nações indepen-
dentes são actualmente condicionadas não por aquilo
que a Teoria apelida de natureza das coisas, mas em
grande parte pela política comercial e o poder da nação,
através da sua influência sobre as relações mundiais,
países e povos estrangeiros, através da posse de colónias

462
e instituições de crédito internas, ou através da guerra e
da paz. Aqui, por conseguinte, todas as situações se pas-
sam de maneira diferente do que se verifica entre socie-
dades unidas por laços políticos, legais e administrativos
para manter uma paz permanente e uma unidade total
de interesses.
Olhemos, por exemplo, para as relações entre a
Inglaterra e América do Norte: se, por vezes, a Inglaterra
lança grandes quantidades de produtos manufacturados
para o mercado norte-ameri~ano; se a banca inglesa
fomenta ou limita de forma extraordinária, através do
desconto mais alto ou mais baixo de letras, a exportação
e a concessão de crédito para América do Norte; se com
isto contribuir para uma inundação tão pouco comum
do mercado americano de produtos manufacturados que
os produtos manufacturados ingleses sejam mais baratos
na América do Norte do que na Inglaterra; se por vezes
puderem mesmo ser adquiridos a preços inferiores aos
custos de fabrico; se desta forma a América do Norte
contrair uma dívida permanente para com a Inglaterra e
entrar numa relação de troca desfavorável - então,
numa situação de comércio ilimitado, esta desproporção
equilibrava-se facilmente por si própria. A América do
Norte produz tabaco, madeira para a construção, cereais
e produtos alimentares de todo o tipo incomparavel-
mente mais baratos do que a Inglaterra. Quanto mais
produtos manufacturados ingleses são exportados para
a América do orte, maiores serão para o colono ameri-
cano os recursos e incentivos para os produzir; quanto
mais crédito lhe for concedido, maior será a sua aspira-
ção de conseguir os meios de pagar as suas obrigações;

463
quanto mais desfavorável para a América do Norte for o
câmbio em relação à Inglaterra, maior será o incentivo
para a exportação de produtos agrícolas americanos,
tanto mais bem sucedida a competição do agricultor
americano com o inglês, no mercado de produtos ingleses.
Como consequência destas exportações, o câmbio
desequilibrado deveria rapidamente voltar ao normal,
nem seria até possível atingir um desequilíbrio signifi-
cativo, porque já a previsão e a certeza na América do
Norte de que a dívida contraída no decorrer do presente
ano pelas grandes importações de produtos manufactu-
rados seria saldada através de maior produção e de um
aumento da exportação no próximo ano, levaria a aco-
modações.
Assim seriam as situações no caso do comércio
entre os manufactores ingleses e o agricultor americano
ser tão pouco limitado, como é a troca entre o agricultor
inglês e o agricultor irlandês. Mas o estado das coisas é
diferente - e tem de sê-lo - quando a Inglaterra cobra
direitos de importação de quinhentos a mil por cento
para o tabaco americano, quando através das suas tarifas
aduaneiras torna impossível a importação de madeira
para a construção americana e admite os produtos ali-
mentares americanos apenas no caso de carestia: porque
nestas condições, a produção agrícola americana não se
pode equilibrar com respeito ao consumo de produtos
manufacturados ingleses, a dívida dos produtos manu-
facturados não pode ser liquidada em produtos agríco-
las, a exportação americana para a Inglaterra está condi-
cionada por estreitos limites. Enquanto a exportação inglesa
para a América do Norte for ilimitada, o câmbio entre os

464
dois países não se poderá equilibrar, a dívida da América
para com a Inglaterra terá de ser paga em dinheiro.
Estes pagamentos em dinheiro, no entanto, uma
vez que minam a base do sistema americano de circula-
ção de notas, conduzem necessariamente à queda do
crédito dos bancos americanos, por conseguinte, a
revoluções gerais nos preços das propriedades e dos
bens em circulação, e em geral àquelas confusões de
preços e créditos generalizados que destroem a econo-
mia da nação e, pelas quais, como observamos, os Esta-
dos livres norte-americanos são atormentados sempre
que não sabem equilibrar as importações com as expor-
tações através de medidas estatais.
Neste contexto, os Norte-americanos não podem
tirar grande consolação do facto de, devido às falências e
a uma redução dos consumos, as importações e exporta-
ções entre ambos os países mais tarde reencontrarem
uma relação sofrível. Porque as perturbações e convul-
sões no comércio e no crédito e as reduções no consumo
criam desvantagens para as forças produtivas, para o
bem-estar e a felicidade dos indivíduos e para a ordem
pública, das quais não se recupera rapidamente, e que,
no caso de se repetirem, acarretam forçosamente conse-
quências nocivas permanentes.
Ainda menos tranquilos podem ficar os americanos
do Norte, se a Teoria afirma ser indiferente circularem
grandes ou pequenas quantidades de metais nobres:
visto que apenas se trocam produtos por produtos, tanto
faz ao indivíduo que a troca se faça com grandes ou
pequenas quantidades de metal. De facto, pode ser indi-
ferente ao produtor ou proprietário de um bem que o

465
objecto da sua produção ou da sua posse valha 100 cên-
timos ou 100 francos, contanto que com 100 cêntimos
possa satisfazer as necessidades e os prazeres que satis-
faz com 100 francos. Contudo, só é indiferente que os
preços sejam altos ou baixos se se mantiverem iguais
durante muito tempo.
Por outro lado, se sofrerem flutuações frequentes e
fortes, os preços causam desequilíbrios que perturbam a
economia de cada indivíduo e da sociedade. Quem
comprou matérias-primas a preços altos não consegue,
através da venda a preços baixos dos produtos manu-
facturados, realizar a mesma soma de metais nobres que
despendeu para obter as matérias-primas. Quem com-
prou bens imóveis a preços altos e ficou a dever uma
parte do preço de compra perde a capacidade de paga-
mento e o próprio bem, porque com os preços agora
mais baixos, talvez o valor da propriedade não chegue a
alcançar o montante da hipoteca. Quem assinou acordos
de arrendamento a preços altos encontra-se arruinado
pela redução do preço ou pelo menos incapacitado para
cumprir os contratos de arrendamento. Quanto mais
pronunciada for a subida e a descida dos preços, mais
frequentemente acontecem as flutuações, mais desas-
trosa é a sua influência sobre a situação económica da
nação e nomeadamente sobre o crédito. Estas conse-
quências funestas da afluência ou da saída extraordiná-
rias saltam gritantemente à vista em países totalmente
dependentes de nações estrangeiras nÓ que respeita às
suas necessidades de produtos manufacturados e à venda
dos seus produtos, e cujo movimento de pagamentos se
baseia em grande parte na circulação de papel-moeda.

466
É sabido que a quantidade de notas bancárias que
um país pode pôr e manter em circulação depende do
montante do pecúlio que possui. Cada banco esforçar-se-
-á por expandir ou reduzir a circulação de notas e os
seus negócios na proporção das somas de metais nobres
existentes nas suas caves. Se a afluência de capitais
monetários próprios ou de depósitos for muito forte,
dará crédito em maior volume, aumentando através da
concessão deste crédito o dos seus devedores, aumen-
tando assim o consumo e os preços, sobretudo os preços
da propriedade imóvel. Se, no entanto, se sentir urna
saída de metais nobres, o banco limita os seus créditos,
causando, desta forma, limitações de crédito e de con-
sumo nos seus devedores e nos devedores dos seus
devedores, e assim por diante até àqueles que consu-
mem os produtos manufacturados importados. Em tais
países, pelos vistos, as saídas insólitas de numerário
atrapalham todo o sistema de crédito, os mercados de
manufacturados e de produtos, mas principalmente o
valor monetário dos todos os bens imóveis.
Tentou-se encontrar a razão da mais recente crise
comercial americana, corno aliás das anteriores, no sis-
tema bancário e de papel-moeda americanos. A verdade
é que os bancos contribuíram na forma acima descrita,
mas a razão principal é que, desde a introdução da
"Compromise bill", o valor dos produtos manufactura-
dos ingleses tem excedido em muito o valor dos produ-
tos americanos exportados, e por causa disso os Estados
livres têm ficado a dever aos Ingleses várias centenas
de milhões, que não conseguiram pagar em produtos.
A prova de que a importação desproporcional é res-

467
ponsável pela crise, está em que as crises ocorreram
sempre que, em consequência da paz ou das reduções de
tarifas aduaneiras, o influxo de produtos manufactu-
rados na América do Norte se tornou extraordinaria-
mente grande, e nunca enquanto o sistema de direitos de
importação mantinha o equilíbrio entre a importação e a
exportação.
Também se tentou atribuir a responsabilidade
destas crises aos grandes capitais supostamente investi-
dos na construção de canais e caminhos-de-ferro nos
Estados livres, em grande parte obtidos através de emprés-
timos na Inglaterra. A verdade é que estes empréstimos
só contribuíram para adiar a crise por vários anos e
alargá-la, mas os empréstimos em si foram manifesta-
mente originados pelo desequilíbrio existente entre
importação e exportação, e não teriam sido contraídos
nem poderiam ter sido contraídos sem o mesmo.
Devido ao facto de a América do arte, por causa
das grandes importações de produtos manufacturados,
ter ficado a dever grandes montantes que não podiam
ser saldados com produtos, somente em metais nobres,
os Ingleses conseguiram - usando a vantagem do câm-
bio e da taxa de juro desiguais- que este saldo lhes fosse
pago em acções americanas de caminhos-de-ferro, canais
e bancos ou em valores da fazenda pública americana .
Quanto mais a importação de produtos manufactu-
rados excedia a exportação de produtos, mais subia na
Inglaterra a procura de tais valores da fazenda pública e
tanto maior era o estímulo na América do Norte de se
meter em empreendimentos públicos. E quanto mais
capitais foram utilizados na América do Norte para tais

468
projectos, mais cresceu, por sua vez, a procura de pro-
dutos manufacturados ingleses e, ao mesmo tempo, o
desequilíbrio entre a importação e a exportação.
Se, por um lado, a importação de produtos manu-
facturados ingleses na América do Norte foi fomentada
pelos empréstimos concedidos pelos bancos americanos,
por outro, a banca inglesa, através dos seus empréstimos
e do baixo desconto, trabalhava no mesmo sentido. Está
provado pelo relatório oficial do Comité Inglês de
Comércio e Manufactura que a banca inglesa, devido a
estes descontos, reduziu o pecúlio na sua posse de 8
milhões para 2 milhões de libras esterlinas. Desta forma,
por um lado, enfraqueceu a eficácia do sistema protector
americano a favor da concorrência inglesa com as fábri-
cas americanas, enquanto, por outro, possibilitou e
encorajou a venda de acções e valores da fazenda
pública na Inglaterra.
Porque enquanto fosse possível obter o dinheiro em
Inglaterra a 3 por cento, os empreendedores e mediado-
res de empréstimos americanos, que ofereciam juros de
6 por cento, não podiam ter falta de compradores dos
seus papéis em Inglaterra.
Estas situações de troca apresentam o aspecto de
alta prosperidade, muito embora as fábricas americanas
fossem por elas estranguladas passo a passo. Porque os
agricultores americanos venderam aos trabalhadores
empregues nas obras públicas - pagas com capitais
ingleses - uma grande parte do excedente de produtos
que, com comércio livre para a Inglaterra ou com uma
protecção adequada das fábricas nacionais, teriam ven-
dido aos trabalhadores das fábricas nacionais. Porém,

469
não era possível, com diferentes interesses nacionais,
que uma situação pouco natural perdurasse por muito
tempo, e a ruptura tinha que ter para a América do
arte um efeito tanto mais negativo quanto mais tivesse
sido reprimida. Aconteceu aqui o mesmo que acontece
quando um credor pode manter o devedor durante
muito tempo através de novos créditos: a ruptura do
devedor no banco tem de ficar tanto maior quanto mais
tempo o credor o afundou com cada vez mais crédito
para continuar uma relação comercial desvantajosa.
A causa imediata da ruptura da banca americana
foi a saída insólita dos metais nobres da Inglaterra para
países estrangeiros, devido a colheitas insuficientes e
também aos sistemas protectores continentais. Nós
dizemos: devido aos sistemas protectores continentai ,
porque os Ingleses - se tivessem tido acesso livre aos
mercados da Europa continental - teriam pago as
extraordinárias importações de cereais do continente em
grande parte através de exportações extraordinárias de
produtos manufacturados ingleses para o continente, e
porque o dinheiro inglês..,;, se tivesse fluído para o conti-
nente - teria rapidamente encontrado o caminho de
volta para a Inglaterra, devido ao aumento da exporta-
ção de produtos manufacturados. Neste caso, teriam
sido sem dúvida as fábricas do continente a cair, vítimas
das operações comerciais anglo-americanas.
Mas, taJ como as coisas estavam, a banca inglesa só
conseguja ajudar-se a si própria se se limitasse aos cré-
ditos que concedia e aumentasse o seu desconto. Como
resultado desta medida, desceu não só a procura de
acções e dos valores da fazenda pública americanos na

470
Inglaterra: também o que destes papéis já estava em
circulação, entrava agora no mercado. Desta forma, os
Estados livres viam-se privados da possibilidade de
pagar o seu d éfice pela venda de papel, e toda a dívida
que tinham contraído perante a Inglaterra durante mui-
tos anos, através das vendas de acções e valores, acabou
por ser efectivamente retirada . Agora é que ficava evi-
dente que os dinheiros que circulavam na América per-
tenciam de facto aos Ingleses. Ainda mais: ficava claro
que os Ingleses podiam dispor a seu bel-prazer dos
dinheiros em cuja posse estava fundado todo o sistema
banqueiro e de valores dos Estados livres. Mas, se dis-
pusessem deles, o sistema desabaria como um castelo de
cartas, e com ele desmoronar-se-ia o fundamento sobre o
qual assentavam os preços dos terrenos e consequente-
mente a existência económica de uma grande parte dos
privados.
Os bancos americanos tentavam evi tar a queda dei-
xando de pagar em numerário, e isto era a única forma
de, pelo menos, suavizá-la; por um lado, era para tentar
ganhar tempo, para diminuir a dívida dos Estados
livres, por meio de rendimento da nova colheita de
algodão, e desta forma liquidá-la passo a passo; por
outro, esperavam, por meio da perturbação do crédito
associado, diminuir a importação de produtos manu-
facturados ingleses e no futuro equilibrá-la com a
exportação.
É, no entanto, duvidoso até que ponto a exportação
de algodão pode fornecer os meios para equilibrar a
importação dos produtos manufacturados. Porque há
mais de vinte anos que a produção tem excedido signifi-

471
cativamente o consumo, de forma que, devido ao
aumento da produção, os preços têm caído cada vez
mais. Acresce que, por um lado, a manufactura de algo-
dão acaba de ter forte concorrência na manufactura de
linho, muito aperfeiçoada pelas máquinas, enquanto,
por outro lado, os produtores de algodão sofrem gran de
concorrência das plantações de algodão do Texas, do
Egipto, do Brasil e das Índias Orientais. Em todo o caso,
é de ter em conta que a exportação de algodão da Amé-
rica do Norte é de menor proveito para os Estados que
costumam consumir mais produtos manufacturad os
ingleses.
Nestes Estados, ou seja, naqueles que obtêm da
cultura dos cereais e da criação de gado a maioria dos
meios para a aquisição de produtos manufacturados,
está agora a anunciar-se uma crise de tipo diferente.
Devido à grande importação de produtos manufactura-
dos ingleses, as manufacturas americanas foram aperta-
das. Por esta razão, todo o acréscimo de população e
capital foi empurrado para as novas colónias no Oeste.
No princípio, cada nova povoação aumenta a procura de
produtos agrícolas, mas depois de decorridos poucos
anos produz excedentes significativos. É o que já está a
acontecer actualmente. Os Estados do Oeste lançarão,
por isso, durante os próximos anos, enormes excedentes
de produtos nos mercados dos Estados do Este, através
dos canais e caminhos-de-ferro recentemente construí-
dos, enquanto nestes, devido à pressão da concorrência
estrangeira sobre as fábricas, o número dos consumido-
res desce e terá de descer continuamente no futuro. Daí
resultará forçosamente a perda de valor dos produtos e

472
das terras e, a não ser que a União tome rapidamente
medidas para tapar as fontes das crises de dinheiro
acima descritas, a bancarrota dos agricultores nos Esta-
dos cultivadores de cereais será inevitável.
Assim, as situações comerciais entre a Inglaterra e a
América do Norte, aqui descritas, ensinam o seguinte:

1. que uma nação, que fique muito atrás da inglesa


em riqueza de capital e força manufactureira, não pode
conceder aos ingleses nenhuma concorrência preponde-
rante no seu mercado de produtos manufacturados, sem
entrar permanentemente em dívida com eles, ficar
dependente dos seus bancos, e sem ser envolvida nas
suas crises agrícolas, manufactureiras e comerciais;
2. que o banco nacional inglês, através das suas
operações, consegue rebaixar os preços dos produtos de
manufactura ingleses nos mercados de produtos manu-
facturados americanos em proveito das fábricas inglesas
e para o prejuízo das fábricas americanas;
3. que o banco nacional inglês foi capaz de conse-
guir com as suas operações, que durante uma série de
anos os americanos do Norte consumissem valores
muito mais altos em mercadoria importada do que
podiam pagar com as suas exportações de produtos e
que os Americanos pagassem durante vários anos o seu
défice com a exportação de acções e valores de fazenda
pública;
4. que sob tais condições os Americanos geriram o
seu comércio interno e as suas operações bancárias e de
valores com dinheiros que a banca inglesa, em grande
parte, podia puxar para si sempre que lhe apetecia;

473
S. que as oscilações no mercado financeiro têm em
todas as circunstâncias efeitos muito nocivos sobre a
economia das nações, sobretudo em países onde um
extenso sistema bancário e de valores está baseado na
posse de certas quantidades de metais nobres;
6. que só é possível evitar as oscilações no mercado
financei ro e as crises daí resultantes, assim como criar
um sistema bancário sólido, quando as importações e as
exportações estão em equilíbrio;
7. que é tanto menos possível que este equilíbrio exista,
quanto mais facilmente os produtos manufacturados estran-
geiros puderem concorrer no mercado interno e quanto mais a
exportação de produtos agrícolas nacionais for limitada por
medidas comerciais estrangeiras; finalmente que é tanto
menos possível perturbar este equilíbrio, quanto menos a
nação, nas suas necessidades de produtos manufacturados e na
sua venda de produtos, for dependente de nações estrangeiras.

Estes ensinamentos são confirmados também pela


experiência da Rússia.
Lembremo-nos das convulsões a que o crédito
público estava sujeito no Império russo, enquanto o
mercado russo esteva aberto às inundações pelos pro-
dutos manufacturados ingleses; e lembremo-nos de que,
depois da introdução da tarifa aduaneira de 1821, já
nada semelhante não aconteceu.
Evidentemente, a Teoria dominante caiu no extremo
oposto aos erros do chamado sistema mercantilista. É
verdade que era falso quando se afirmava que a riqueza
das nações consistia apenas nos metais nobres; uma
nação só poderia ficar rica quando exportava mais do

474
que importava e o saldo da balança era liquidado pela
importação de metais nobres. Mas também é errado se a
Teoria dominante afirma, nas condições mundiais exis-
tentes, que não interessava quais as quantidades de
metais nobres - grandes ou pequenas - que circulavam
numa nação, que o medo de possuir metais preciosos a
menos seria frívolo, que se deveria, antes, insistir em que
sejam exportados do que fomentar a sua importação, etc.
Este raciocínio apenas está correcto quando se parte do
princípio de que todas as nações e todos os países estão
unidos sob a lei do direito; quando não existem limita-
ções comerciais de nenhum tipo contra a exportação dos
nossos produtos naquelas nações, cujos produtos manu-
facturados podemos pagar com os produtos da nossa
agricultura; quando as vicissitudes da guerra e da paz,
etc. não causam flutuações da produção e no consumo,
nos preços e no mercado financeiro; quando as grandes
instituições de crédito não tentam expandir a sua
influência a outras nações, no interesse particular da
nação a que pertencem.
Enquanto, porém, existirem interesses nacionais
separados, a prudência de Estado aconselha a cada
grande nação que se assegure, através do seu sistema
comercial, contra flutuações de dinheiro e revoluções de
preços, que abalam a economia interna, objectivo que só
alcançará se equilibrar de forma correcta a produção
manufactureira interna com a produção agrícola, assim
como as importações com as exportações.
A Teoria dominante, pelos vistos, não distinguiu
entre a posse dos metais nobres e o poder de disponibilidade
dos metais nobres no comércio internacional. Já nas rela-

475
ções privadas, a necessidade desta distinção é evidente.
inguém quer reter o dinheiro, todos pretendem levá-lo
fora de casa o mais rapidamente possível, mas todos
procuram que seja possível dispor em qualquer altura
das somas de que precisarem. A despreocupação em
relação à posse de dinheiro em numerário existe por
toda a parte na proporção da riqueza. Quanto mais rico
um indivíduo, tanto menos preocupado com a posse real
do dinheiro em numerário, desde que possa em qual-
quer altura dispor dos dinheiros que se encontram nas
caixas de outros indivíduos; em contrapartida, quanto
mais pobre o indivíduo, quanto menos lhe for possível
dispor dos dinheiros que se encontram em mãos alheias,
tanto mais ansiosamente tem de estar atento e ter à sua
disposição o que for necessário. O mesmo acontece com
as nações ricas ou pobres em indústrias. Se a Inglaterra,
normalmente, pouco se preocupa com quantas barras de
ouro ou de prata saem do país, sabe muito bem que uma
saída extraordinária de metais nobres causa, por um
lado, uma subida dos preços de metal e do desconto e,
por outro, uma descida dos preços dos produtos fabrica-
dos; e sabe que, através duma maior exportação de pro-
dutos manufacturados ou pela venda de acções e valores
de fazenda pública, conseguirá rapidamente reaver os
dinheiros necessários para o seu comércio. A Inglaterra é
o banqueiro rico que, sem ter um taler no seu bolso,
pode sacar seja que soma for de parceiros de negócios
que podem estar perto ou longe. Mas se, no caso de
nações de mera agricultura, acontecerem saídas extraor-
dinárias de dinheiros, estas não se encontram numa
situação igualmente favorável, porque os seus meios de

476
obter os dinheiros de que precisam são muito limitados,
não só por causa do reduzido valor de troca das suas
reservas de produtos e valores agrícolas, mas também
por causa dos obstáculos com que leis externas impedem
a sua exportação. Estas nações são o homem pobre que
não pode sacar letras sobre os seus parceiros de negó-
cios, sobre quem elas são sacadas quando o rico entrar
em apuros, e que, por assim dizer, nem pode chamar seu
o que tem de facto nas suas mãos.
É óbvio que a nação obtém o poder de disponibilidade
sobre a soma de dinheiros permanentemente necessária
para o seu movimento interno, sobretudo através da
posse ou da produção de mercadorias e valores, cuja
força de troca mais se assemelha àquela dos metais
nobres.
Nas suas considerações sobre o comércio interna-
cional, a Escola toma a diversidade desta propriedade da
força de troca dos vários objectos do comércio e da posse
tão pouco em conta como o poder de disposição sobre os
metais nobres. Se observarmos, neste contexto, os vários
objectos existentes nas relações privadas, apercebemo-
-nos de que muitos deles são fixados de tal forma que o
seu valor só pode ser obtido no próprio local e que
mesmo aí a venda está associada a grandes custos e difi-
culdades. A este grupo pertencem mais do que três
quartos de toda a propriedade nacional, ou seja, os bens
imóveis e os instrumentos fixados. Por grandes que
sejam os terrenos dum indivíduo, não pode mandar os
seus campos e prados para as cidades a fim de receber
dinheiro ou mercadorias por eles. É verdade que pode
hipotecar estes valores, mas para isto terá primeiro de

477
encontrar um credor e, por isso, quanto mais longe um
indivíduo se encontrar da sua propriedade, menor se
toma a probabilidade de poder satisfazer a sua necessi-
dade.
A seguir aos valores ligados ao local, a maioria dos
produtos agrícolas (com excepção dos produtos colo-
niais e alguns poucos artigos de muito valor) tem o
poder de troca maior em relação ao comércio internacio-
nal. A maior parte destes valores, como, por exemplo, os
materiais de construção e combustíveis, jaca, etc., fruta e
gado, só pode ser vendido nas proximidades, sendo
necessário, quando houver grandes excedentes, arma-
zená-la, para ser realizável. Na medida em que estes
produtos são exportados para países estrangeiros, a sua
venda está, outra vez, limitada para algumas nações de
manufactura e comércio, e também em relação a estes
está na maioria dos casos condicionada por tarifas de
importação e pelo maior ou menor resultado das suas
próprias colheitas. Os Estados do interior da América do
Norte podiam estar repletos de gado e produtos, mas,
mesmo assim, não lhes seria possível obter, através da
exportação deste excedente, grandes somas de metais
nobres da América do Sul ou da Inglaterra ou do con ti-
nente europeu. Em comparação, os valiosos produtos
manufacturados para uso comum têm uma força de
troca incomparavelmente maior. Em tempos normais,
podem ser vendidos em todos os mercados abertos do
mundo, e em tempos de crises extremas, com preços
rebaixados, também naqueles mercados cuja protecção
aduaneira se realiza apenas em tempos normais. Mani-
festamente, a força de troca destes valores é a que mais

478
se aproxima da dos metais nobres, e a experiência d a
Inglaterra mostra que, mesmo se ocorrerem crises finan-
ceiras devido a más colheitas, o aumento da exportação
de produtos manufacturados e de acções e valores de
fazenda públicos alheios rapidamente refazem o equilí-
brio. Os últimos, ou seja, as acções e os valores de
fazenda públicos estrangeiros, evidentemente os resul-
tados de anteriores balanços comerciais favoráveis con-
seguidos através da exportação de produtos manufactu-
rados, constituem nas mãos da nação rica em indústria,
letras a juro sobre a nação agrícola, que em tempos de
uma grande necessidade de metais nobres podem ser
sacadas, embora com prejuízo para os proprietários
individuais (como os produtos manufacturados em
tempos de crise financeira), mas mesmo assim com
imensa vantagem para a manutenção da situação nacio-
nal económica da nação rica em indústria.
Agora, por muito que a Escola despreze a Teoria da
balança comercial, observações como as acima descritas
dão-nos coragem para exprimir aqui a opinião de que,
entre nações grandes e independentes, deveria haver
algo parecido com uma balança comercial; que é peri-
goso para grandes nações estar durante um tempo pro-
longado em desvantagem significativa nessa balança
comercial; e que uma saída importante e contínua de
metais nobres teria sempre de ter como consequência
significativa revoluções no sistema de crédito e nas rela-
ções dos preços no interior da nação. Estamos longe de,
des ta forma, querer trazer outra vez à baila a Teoria da
balança comercial como existia no chamado sistema
mercantili sta e afirmar que a nação tinha de impedir a

479
exportação de metais nobres, ou que se tinham de fazer
contas rigorosas com cada nação, ou que nos movimen-
tos entre grandes nações importava a diferença de vários
milhões entre a exportação e a importação. A única coisa
que negamos é o seguinte: que uma nação grande e
independente, como Adam Smith afirma no fim do seu
capítulo dedicado a este assunto, "podia continuamente
importar todos os anos quantidades significativamente
maiores do que exporta de valores em produtos e pro-
dutos manufacturados, que as quantidades de metais
nobres existentes numa tal nação poderiam diminuir
significativamente de ano para ano, sendo substituídas
pela circulação de notas no interior, que uma tal nação
poderia deixar a sua dívida perante uma outra nação
aumentar e crescer continuamente, e que mesmo assim
poderia, todos os anos, fazer progressos na sua prospe-
ridade" .
É apenas esta opinião, proferida por Adam Smith e
desde então afirmada pela sua Escola, que declaramos
cem vezes refutada pela experiência, contrária ao enten-
dimento da natureza das coisas pelo senso comum, que
- para devolver a Adam Smith a sua própria expressão
enérgica -declaramos um absurdo.
Bem entendido, não estamos a falar de países que
exercem a própria produção de metais nobres com van-
tagem, nos quais, consequentemente, a exportação des-
tes produtos tem absolutamente o carácter de exportação
de produtos manufacturados. Também não se fala
daquela diferença na balança comercial que tem forço-
samente de aparecer quando a nação avaliar as suas
exportações e importações aos preços que têm nas suas

480
próprias cidades marítimas. É evidente e indiscutível
que, neste caso, em cada nação, o montante das importa-
ções tem de ser mais alto, no montante total dos seus
próprios lucros comerciais, do que as exportações - um
facto que não é prejudicial, mas sim vantajoso para ela.
Ainda menos queremos negar os casos excepcionais em
que uma exportação maior assinala antes uma perda de
valores do que lucros, como, por exemplo, quando valo-
res se perderem através de naufrágio. A Escola usou
muito bem todos estes enganos resultantes duma com-
paração e dum cálculo burocráticos dos valores das
exportações e importações, para nos dissuadir também
das desvantagens dum real, enorme e de facto existente
- permanente - desequilíbrio entre as importações e
exportações duma grande e independente nação, que
se exprime em somas tão incomensuráveis como, por
exemplo, o da França nos anos de 1786-1789, o da Rússia
nos anos 1820 e 1821, e o da América do Norte depois da
"Compromise bill".
Finalmente - e é importante observar isto -, não
queremos falar de colónias, nem de países dependentes,
nem de Estados pequenos, nem de certas cidades inde-
pendentes, mas de nações inteiras, grandes e indepen-
dentes, nações possuidoras de um sistema comercial
próprio, um sistema agrícola e industrial nacional, um
sistema nacional financeiro e de crédito.
Manifestamente, está na natureza das colónias que
as suas exportações podem, de forma significativa e
permanente, exceder as suas importações, sem que daí
possam tirar conclusões sobre a diminuição ou o
aumento da sua prosperidade. A colónia prospera sem-

481
pre na proporção em que o montante total das suas
exportações e importações cresce de ano para ano. No
caso de a exportação de produtos coloniais excederem as
importações de produtos manufacturados, muito e con-
tinuamente, a razão principal pode ser que os proprie-
tários da colónia vivem na pátria-mãe, recebendo a sua
renda na forma de produtos coloniais, em produtos ou
nos resultados financeiros da sua venda. Se, ao contrá-
rio, a exportação de produtos manufacturados para a
colónia excede em muito a importação de produtos
coloniais, a razão principal pode ser que todos os anos,
grandes quantidades de capitais vão para a colónia,
através de emigrações ou empréstimos. Esta última
situação é muito favorável para a prosperidade da coló-
nia. Pode continuar durante séculos, e as crises comer-
ciais são raras ou impossíveis nesta situação, porque a
colónia não corre perigo nem de guerras, nem de medi-
das comerciais inimigas, nem de operações do banco
nacional da pátria-mãe, porque não possui um sistema
comercial, de crédito e industrial próprio e indepen-
dente, sendo, ao contrário, em todas as ocasiões apoiada
e mantida pelas instituições de crédito e pelas medidas
políticas da pátria-mãe.
Uma tal relação tem existido, com vantagem,
durante séculos entre a América do Norte e a Inglaterra;
existe ainda hoje entre a Inglaterra e o Canadá, e existirá
provavelmente durante séculos entre a Inglaterra e a
Austrália.
Acontece, porém, uma mudança de base nesta rela-
ção no momento em que a colónia surge como nação
independente, com todas as reivindicações dos atributos

482
de uma grande e independente nacionalidade - quando
estabelece um poder e uma política próprios, com o seu
particular sistema comercial e de crédito. Agora, a ante-
rior colónia promulga leis para o especial favorecimento
da sua própria navegação e do seu próprio poder marí-
timo, estabelece um sistema próprio de tarifas aduanei-
ras, a favor da sua industria interna, funda um banco
nacional próprio, etc., contanto que a nação, saindo da
união colonial para a independência, sinta a vocação,
através dos seus recursos mentais, físicos e económicos,
de se tornar uma nação industrial e comercial. A pátria-
-mãe, por sua vez, limita a navegação, o comércio, a pro-
dução agrícola da anterior colónia, providenciando pelas
suas instituições de crédito exclusivamente a manuten-
ção da sua situação nacional-económica.
Mas são exactamente as colónias norte-americanas
como existiam antes das guerras americanas de inde-
pendência o exemplo com que Adam Smith quer provar
a frase acima mencionada, tão altamente paradoxal: que
um país com uma prosperidade crescente pode conti-
nuamente aumentar as suas exportações de ouro e prata,
reduzir a sua circulação de metais nobres, expandir a
sua circulação de notas e aumentar a dívida contraída
em relação a outra nação. Adam Smith bem teve a cau-
tela de citar o exemplo de duas nações que existem há
bastante tempo independentemente uma da outra, riva-
lizando nos seus interesses de navegação, de comércio,
de manufactura e de agricultura; como prova da sua
frase apenas nos mostra a relação duma colónia com a
sua pátria-mãe. Se tivesse vivido até hoje e escrito o seu
livro, só agora teria tido a cautela de citar o exemplo da

483
América do Norte, porque nos nossos dias este exemplo
mostra exactamente o contrário daquilo que com ele
quer provar.
Nestas condições - poder-nos-iam objectar -, seria,
para os Estados livres, no entanto, incomparavelmente
mais vantajoso voltar à situação duma colónia inglesa. A
isto, nós respondemos que sim! A não ser que a América
do Norte não saiba utilizar a sua independência nacional
para criar a sua própria indústria nacional e um sistema
de comércio e crédito autónomo e independente do exte-
rior. Então não se vê que na relação colonial nunca teria
havido uma lei do trigo inglesa, que a Inglaterra nunca
teria aplicado um imposto tão desmedido sobre o tabaco
americano, que grandes quantidades de madeiras para a
construção teriam continuado a ser exportadas dos
Estados livres para a Inglaterra, que a Inglaterra, longe
de se lembrar de fomentar a produção de algodão em
outros países, teria feito tudo para conseguir que os
Norte-americanos tivessem e mantivessem um monopó-
lio neste artigo; que, por isso, crises comerciais como a
América do Norte as tem experimentado nas últimas
décadas teriam sido impossíveis. Sim! Se os Estados
livres não manufacturam, se não criam o seu próprio
sistema de crédito duradouro, não querem ou podem
estabelecer um poder marítimo, então os cidadãos de
Boston deitaram o chá em vão no mar, então todo o seu
palavreado sobre independência e futura grandeza
nacional é vão, então fariam melhor se retornassem o
mais rapidamente possível a dependência colonial inglesa.
Então, a Inglaterra ajudá-los-á, em vez de os limitar,
oprimirá antes os concorrentes dos Norte-americanos no

484
cultivo do algodão e na produção dos cereais, etc., em
vez de fazer todos os esforços para lhes criar novos
concorrentes. O banco nacional inglês estabelecerá filiais
na América do Norte, o governo inglês fomentará as
emigrações e as saídas de capitais para a América do
Norte, e através da destruição total das fábricas ameri-
canas, assim como através do favorecimento da exporta-
ção de matérias-primas e produtos agrícolas americanos
para a Inglaterra, terá o cuidado paternal de evitar crises
comerciais na América do Norte e manter as importa-
ções e exportações da colónia sempre em equilíbrio.
Numa palavra, os negreiros e plantadores de algodão
vêem os seus melhores sonhos tornarem-se realidade.
De facto, uma tal relação tem sido há algum tempo
mais inteligível ao patriotismo, aos interesses e neces-
sidades destes plantadores do que a independência
nacional e grandeza da América do Norte. Somente na
primeira exaltação da liberdade e independência se entu-
siasmaram com a independência industrial. Mas logo fica-
ram mais frios, e desde há um quarto de século detestam
a prosperidade manufactureira do Estados Centrais e
Orientais, tentam provar no Congresso que a prosperi-
dade da América tem a sua origem no domínio indus-
trial da Inglaterra sobre a América do Norte. O que é que
isto quer dizer senão que a América do Norte seria mais
rica e mais feliz se voltasse à situação duma colónia inglesa?
Em geral, parece-nos que os defensores do comér-
cio livre seriam muito mais coerentes, no que respeita às
crises financeiras, à balança comercial e à indústria
manufactureira, se aconselhassem sem rodeios todas as
nações a submeterem-se aos Ingleses, exigindo em troca

485
as vantagens das colónias inglesas, estado de submissão
que seria, no que respeita à economia, manifestamente
bastante mais favorável do que o estado de insuficiência
em que vivem as nações que, sem manterem um sistema
independente industrial, comercial e de crédito, ainda se
querem gerir como independentes em relação à Ingla-
terra. Então não se vê o que Portugal teria ganho se,
desde o Acordo de Methuen, fosse governado por um
vice-rei inglês, se a Inglaterra tivesse implantado as suas
leis e o seu espírito nacional em Portugal e tivesse
tomado este país, como os impérios das Índias Orientais,
totalmente sob a sua protecção? Não se percebe quão
vantajosa uma tal relação seria para a Alemanha - para
todo o continente europeu?
É verdade que as Índias Orientais perderam a sua
força manufactureira p,a ra a Inglaterra, mas não terá
ganho imensamente na sua produção agrícola interna e
na exportação dos seus produtos agrícolas? Não acaba-
ram as guerras entre os seus ricaços? Não é verdade que
os príncipes e reis das Índias Orientais se encontram
maravilhosamente bem? Não salvaram os seus grandes
rendimentos privados? Não estão totalmente dispensa-
dos das graves preocupações de governar?
De resto, é notável - embora na maneira dos que,
como Adam Smith, têm o seu ponto forte em afirmar
frases paradoxais - que este famoso autor, depois de
todos os seus argumentos contra a existência de uma
balança comercial, mesmo assim defenda a existência de
uma coisa que apelida de equilíbrio entre o consumo e a
produção duma nação, mas que, bem visto, não é mais
do que a nossa balança comercial real. Uma nação, cujas

486
exportações são mais ou menos equilibradas com as suas
importações, pode estar certa de que, no que toca ao seu
movimento nacional, não consome significativamente
mais valores do que produz, enquanto uma nação, que
durante uma série de anos importa quantidades maiores
de valores em produtos manufacturados estrangeiros do
que exporta em valores de produtos próprios, como a
América do Norte recentemente, pode estar certa de que,
no que toca ao comércio internacional, consome signifi-
cativamente maiores quantidades de valores estrangeiros
do que produz valores nacionais. Ou que outra coisa
mostraram as crises da França (1786-1789), da Rússia
(1820-1821) e da América do Norte desde 1833?
Para concluir este capítulo, devemos tomar a liber-
dade de dirigir algumas perguntas a quem inclui toda a
Teoria da balança comercial entre os velhos contos de
fadas:
Por que razão acontece que uma balança comercial
acentuada e permanentemente desvantajosa era, nos
países em desvantagem (com excepção das colónias),
sempre e sem excepção acompanhada de crises de
comércio internas, revoluções de preços, apuros finan-
ceiros, falências generalizadas, tanto nas instituições de
crédito públicas como nos comerciantes, manufactores e
agricultores individuais?
Por que razão naquelas nações para as quais a
balança comercial era decididamente vantajosa, sempre
se observavam fenómenos opostos, e as crises comerciais
em países com os quais estas nações mantinham relações
comerciais apenas poderiam ter um efeito negativo que
passava rapidamente?

487
Por que razão a balança comercial da Rússia, desde
que ela própria produz para a maior parte das suas
necessidades de produtos manufacturados, lhe é deci-
dida e permanentemente favorável, desde então nunca
mais se ouviu falar de convulsões económicas na Rússia
e a prosperidade interna deste império tem aumentado
de ano para ano?
Por que razão nos Estados livres norte-americanos
sempre se têm sentido os mesmos efeitos das mesmas
causas?
Por que razão nos Estados livres norte-americanos,
com a grande importação de produtos manufacturados
depois da "Compromise bill", a balança comercial esteve
durante uma série de anos tão acentuadamente negativa,
sendo este fenómeno acompanhado de tão grandes e
contínuas convulsões na economia interna da nação?
Por que razão, neste momento, vemos os Estados
livres tão apinhados de produtos agrícolas de toda a
espécie (algodão, tabaco, gado, cereais, etc.), que os pre-
ços em todo o lado desceram para metade e, ao mesmo
tempo, estes Estados não são capazes de equilibrar as
suas exportações com as suas importações, de saldar a
dívida que contraíram perante a Inglaterra e repor a
solidez do seu sistema de crédito?
Se não há balança comercial, se não importa que
seja favorável ou desfavorável, se não interessa se saem
muitos ou poucos metais nobres para o estrangeiro, por
que razão a Inglaterra, no caso de más colheitas (o único
caso em que a balança se torna para ela desfavorável),
compara, ansiosa e estremecendo, as exportações com
as importações, calcula cada grama de ouro ou prata

488
importado ou exportado, o seu banco nacional está
ansiosamente empenhado em travar a exportação e
fomentar a importação de metais nobres? Por que razão
- perguntamos -, se a balança comercial é uma exploded
fallacy, não se pode em tais tempos ler nenhum jornal
inglês que não se fale desta exploded fallacy como o
assunto mais importante do país?
Por que razão, na América do Norte, as mesmas
pessoas que antes da "Compromise bill" falavam da
balança comercial como exploded fallncy, não param,
desde a assinatura da "Compromise bill", de falar desta
exploded fallacy como um dos assuntos mais importantes
do país?
Por que razão, se a própria natureza das coisas for-
necer a cada país sempre a quantidade de metais nobres
que precisa, o Banco da Inglaterra tenta tornar a seu
favor esta chamada natureza das coisas através da limi-
tação dos seus créditos e do aumento do seus descontos,
e os bancos americanos se vêem obrigados de vez em
quando a parar com os pagamentos em numerário até se
ter restabelecido um equilíbrio sofrível entre as importa-
ções e as exportações?

489
Vigésimo Quarto Capítulo

A FORÇA DA MANUFACTURA E O PRINCÍPIO


DA CONSTÂNCIA E CONTINUIDADE DA OBRA

Se investigarmos a origem e o desenvolvimento dos


vários ramos de ofícios, vemos que foi passo a passo que
chegaram a ter melhores procedimentos, máquinas, edi-
fícios, vantagens de produção, experiências, talentos e
todos aqueles conhecimentos e conexões que lhes asse-
guram o acesso vantajoso às suas matérias-primas e a
venda vantajosa dos seus produtos. Convencemo-nos de
que, em regra, é incomparavelmente mais fácil aperfei-
çoar e expandir um negócio já iniciado do que fundar
um novo. Por todo o lado se vêem negócios antigos, que
se mantiveram durante uma série de gerações, a serem
explorados com maiores vantagens do que os novos.
Observamos que é mais difícil pôr em movimento um
novo negócio quando, na mesma nação, há poucos
negócios semelhantes: neste caso, é necessário começar
por formar ou atrair de fora empresários, capatazes,
trabalhadores, e a rentabilidade do negócio ainda não é
suficientemente comprovada para instigar nos capita-
listas confiança no seu sucesso. Se compararmos a situa-
ção de ramos inteiros de indústria duma nação em dife-
rentes períodos, chegamos à conclusão de que, a não ser
que causas específicas os tenham perturbado, fizeram

491
consideráveis progressos de geração em geração, não
apenas em relação a preços acessíveis, mas também no
que respeita à quantidade e qualidade. Por outro lado
damo-nos conta de que, na sequência de causas externas
perturbadoras, como, por exemplo, guerras e devasta-
ções de terras, etc., ou de medidas governamentais e de
finanças opressivas tirânicas e fanáticas (como por
exemplo a revogação do Édito de Nantes), nações inteiras
viram alguns ramos ou toda a sua indústria sofrerem
retrocessos de séculos, acabando ultrapassadas por nações
em relação às quais tinham antes um grande avanço.
Numa palavra, salta à vista que, como em todos os
empreendimentos humanos, também na indústria as
grandes obras se baseiam numa lei da natureza - que
tem muito em comum com a lei natural da divisão das
operações de manufactura e da aliança das forças
produtivas - cuja essência consiste em que gerações
sucessivas, por assim dizer, unem forças para atingir o
mesmo objectivo, dividindo entre si os esforços necessá-
rios para tal.
Trata-se do mesmo princípio que torna a monar-
quia hereditária incomparavelmente mais favorável à
manutenção e ao aumento das forças da nacionalidade
do que a instabilidade das famílias governantes.
É em parte esta lei da natureza que garante aos
povos que desde há muitÓ tempo tenham vivido sob
uma forma de governo constitucional bem interpretada,
com tão grandes sucessos na indústria, no comércio e na
navegação.
E é também essa lei que explica, em parte, a
influência da escrita e da imprensa sobre os progressos

492
humanos. A escrita tornou possível, numa forma muito
mais perfeita do que a tradição oral, a transmissão dos
conhecimentos humanos e da experiência de cada gera-
ção para a seguinte.
Ao entendimento desta lei da natureza deve-se,
sem dúvida, em parte, a divisão em castas nos povos da
Antiguidade, bem corno a norma dos Egípcios de que o
filho tinha de continuar o ofício do pai. Antes da inven-
ção e divulgação generalizada da escrita, estas institui-
ções deveriam parecer indispensáveis para a manuten-
ção e desenvolvimento das artes e dos ofícios.
Também as corporações devem ter nascido, em
parte, desta visão. A manutenção e o desenvolvimento
das artes e das ciências e a sua transmissão duma gera-
ção para a seguinte devem-se principalmente às castas
de sacerdotes de povos antigos, aos mosteiros e às uni-
versidades. Que poder e influência não conseguiram as
ordens de sacerdotes e de ordens cavalheirescas, ou a
Santa Sé, devido ao facto de, durante séculos, apenas se
aspirar a um objectivo, o de a geração seguinte continuar
a obra exactamente onde a anterior a tinha deixado.
Ainda mais claro se torna a importância deste prin-
cípio se observamos as obras materiais. Cidades, mostei-
ros e corporações individuais têm produzido obras cujos
custos totais excedem talvez o valor de todo o seu
património da altura. Apenas se conseguiram os meios
porque urna série de gerações aplicou as suas poupanças
num único grande fim.
Consideremos o sistema de canais e diques da
Holanda: contém os esforços e as poupanças de muitas
gerações. Só uma série de gerações é capaz de construir

493
sistemas inteiros de transporte nacional e um sistema
inteiro de fortalezas e obras de defesa.
O sistema de crédito do Estado é uma das mais
belas criações da nova arte de governar e uma benção
para as nações, na medida em que é um meio de distri-
buir entre várias gerações os custos das obras e aspira-
ções de cada geração que favorecem a nacionalidade
para todos os tempos futuros, garantindo-lhe existência,
crescimento, grandeza e aumento da força produtiva. Só
se torna maldição no caso de servir o consumo nacional
fútil - não fomentando os progressos de futuras gera-
ções e mais do que isso roubando-lhes antecipadamente
os meios para a produção de grandiosas obras nacionais
-, ou quando o ónus do pagamento dos juros da dívida
nacional recai sobre o consumo das classes trabalhado-
ras em vez de recair sobre o capital.
Dívidas do Estado são letras sacadas pela geração
actual sobre a geração futura, o que pode acontecer no
interesse particular da geração actual, no interesse parti-
cular da geração futura ou no interesse comum. Só é
condenável no primeiro caso; todos os casos em que se
trate de manter e fomentar a nacionalidade, na medida
em que os meios necessários para tal excedem as forças
da actual geração, pertencem à última categoria.
Nenhum esforço da geração actual visa promover
tão decidida e preferencialmente o proveito particular
da futura geração como o do melhoramento dos meios
de transporte, tanto mais que tais equipamentos, para
além de aumentarem extraordinariamente e em progres-
são contínua as forças produtivas das gerações futuras,
no decorrer do tempo geram juros suficientes e ainda

494
rendem dividendos. Por conseguinte, não só é legítimo
que a geração actual lance sobre os ombros da geração
futura os custos do capital e os juros, enquanto não
forem suficientemente lucrativos, corno procederá de
forma injusta, contra si própria e contra os verdadeiros
princípios da economia nacional, se suportar nos seus
próprios ombros esta carga ou urna parte significativa
dela.
Se, nas nossas considerações sobre a continuação
da obra, voltarmos aos ramos principais de alimentação,
salta-nos à vista que têm de facto muita influência na
agricultura, mas que estão incomparavelmente menos
sujeitas a interrupções do que nas manufacturas, e que
na agricultura as interrupções são muito menos fatais,
sendo mais rápido e mais fácil reparar as suas conse-
quências prejudiciais do que nas manufacturas.
Por muito grandes que sejam as perturbações, as
necessidades próprias e o consumo próprio do agricul-
tor, a propagação generalizada dos talentos e conheci-
mentos necessários, a simplicidade das suas manipula-
ções e equipamentos fazem com que a agricultura nunca
seja totalmente abandonada.
Mesmo depois de ter sido devastada pela guerra,
levanta-se outra vez rapidamente. Nem o inimigo nem o
concorrente estrangeiro podem levar consigo o principal
instrumento da agricultura, o solo, e seria preciso opri-
mir várias gerações para transformar campo arável em
deserto ou fazer com que os habitantes dum país per-
dessem a capacidade de cultivar a terra .
No que respeita às manufacturas, no entanto, a
mais curta e ligeira perturbação tem um efeito paralisa-

495
dor, e a mais prolongada é fatal. Quanto mais arte e
talento um ramo de manufactura exigir, quanto maiores
forem as somas de capitais necessárias, quanto mais
estes capitais forem fixados ao particular ramo de
indústria em que foram investidos, mais prejudicial é a
interrupção. Máquinas e equipamentos tornam-se obso-
letos ou viram lenha, os edifícios ficam em ruínas, os
trabalhadores e técnicos mudam-se para outras terras ou
procuram trabalho na agricultura. Desta forma, perde-se
em pouco tempo um conjunto de forças e coisas que só
tinha sido possível construir com os esforços e o empe-
nho de várias gerações.
Da mesma forma como na fundação e continuação
da indústria um ofício causa, puxa, apoia e faz florescer
o outro, também na decadência a ruína de um ramo de
indústria é sempre o prenúncio da ruína de muitos
outros e, no fim, da base da força manufactureira.
Foi a convicção dos grandes efeitos da continuação
da obra e dos prejuízos irrecuperáveis da interrupção
que abriu a porta à ideia da protecção aduaneira para a
manufactura, e não as lamentações dos manufactores ou
os seus pedidos egoístas de privilégios.
Quando a protecção aduaneira não é capaz de aju-
dar, ou seja, quando as fábricas sofrem de falta de ven-
das externas, e o governo não consegue remediar a
interrupção, vemos muitas vezes que os fabricantes
continuam a produção com perdas reais, procurando, na
esperança de melhores tempos, evitar os irreparáveis
prejuízos da interrupção da obra.
No sistema de livre concorrência, é não raras vezes
a esperança de obrigar o concorrente a interromper a

496
obra que faz com que o manufactor e fabricante vendam
os seus produtos abaixo do preço e muitas vezes com
prejuízo. A intenção é não só evitar que o próprio tenha
de interromper a obra, mas ainda obrigar outros a
darem este passo, na esperança de, mais tarde, através
de melhores preços, poder compensar-se das perdas
sofridas.
Evidentemente, a aspiração ao monopólio é ine-
rente à natureza da indústria manufactureira. Mas este
facto não contraria, antes favorece a política protectora,
porque, limitada ao mercado interno, esta aspiração leva
a preços mais baratos e progressos na arte da produção e
no bem-estar nacional, ao passo que, se pressionar a
indústria interna irresistivelmente do exterior, tem como
consequência a interrupção da obra e a ruína da indús-
tria nacional.
O facto de a produção manufactureira, sobretudo
desde que tem o apoio tão extraordinário das máquinas,
não ter limites a não ser a posse de capital e as vendas,
proporciona à nação - através da continuação da obra
mantida durante alguns séculos, através da acumulação
de imensos capitais, através do extenso comércio mun-
dial, através do controlo do mercado financeiro por
grandes instituições de crédito (que têm o poder de bai-
xar os preços dos produtos manufacturados e instigar os
manufactores de exportar) - a capacidade de declarar
guerra de extermínio às manufacturas dos outros países.
Em tais circunstâncias, é completamente impossível que,
noutras nações, devido aos progressos na agricultura
"no curso natural das coisas", como se exprime Adam
Smith, nasçam grandiosas manufacturas e fábricas ou se

497
possam manter as geradas "no curso natural das coisas"
pelas interrupções comerciais devido à guerra.
A razão disto é a mesma que faz com que, na luta
greco-romana; uma criança ou um jovem dificilmente
possa ganhar ou sequer oferecer resistência a um homem
adulto. As fábricas da supremacia comercial e de manu-
factura (inglesa) dispõem de mil vantagens em relação
às fábricas recém-nascidas ou meio crescidas de outras
nações. Estas incluem, por exemplo, um maior número
de operários talentosos e treinados a trabalhar com
salários mais baixos, os melhores técnicos, as máquinas
mais perfeitas e baratas, as maiores vantagens na
compra e venda, nomeadamente os meios de transporte
mais baratos para as matérias-primas e os produtos
manufacturados, grande crédito dos fabricantes nas
instituições financeiras a juros mais baixos; experiência,
equipamentos, edifícios, plantas, ligações como só é
possível juntá-los e criá-los no decorrer de várias gera-
ções; um imenso mercado interno e, o que é o mesmo,
um igualmente imenso mercado colonial, ou seja, sob
todas as condições a certeza de, se operar bem, poder
vender grandes quantidades de produtos manufactu-
rados; por conseguinte, a garantia da continuação e
meios suficientes para durante anos no futuro ter cré-
dito, se se quiser conquistar um mercado estrangeiro de
manufactura.
Se examinarmos estas vantagens artigo por artigo,
chegamos à conclusão de que é um disparate, perante
uma tal potência, ter esperanças «no curso natural das
coisas» com livre concorrência em países onde é neces-
sário formar primeiro os operários e técnicos, onde a

498
manufactura em fábricas e as instalações de transporte
ainda estão a criar-se, onde o manufactor nem sequer
tem o mercado interno garantido - para não falar de
exportação significativa -, onde o crédito do fabricante,
no mais feliz dos casos, é limitado ao mínimo, onde não
há um único dia em que se possa ter a certeza de que,
devido a crises inglesas de comércio e operações bancá-
rias, não sejam lançadas grandes quantidades de pro-
dutos estrangeiros para o mercado interno a preços
quase insuficientes para pagar as matérias-primas, assim
perturbando durante anos a continuação do negócio de
manufactura.
Seria em vão, se tais nações resolvessem subjugar
para sempre à supremacia manufactureira inglesa e
contentar-se com o modesto destino de lhe fornecer
o que não conseguissem produzir ou obter de outros
sítios. Também nesta subjugação não encontrariam a
salvação. De que serve aos americanos do Norte, por
exemplo, sacrificarem o bem-estar dos mais bonitos e
desenvolvidos dos seus Estados, dos Estados do traba-
lho livre, até talvez a futura grandeza da sua nação, à
vantagem de fornecer a Inglaterra com algodão? Isto
impede a Inglaterra de tentar obter este material noutras
zonas do mundo? Os Alemães contentar-se-iam em vão
com satisfazer as suas necessidades de produtos manu-
facturados ingleses em troca da sua fina lã de ovelhas;
com isso, dificilmente impediriam que nos próximos
vinte anos a Austrália inundasse toda a Europa com lã
fina .
Ainda mais triste se mostra uma relação tão subor-
dinada, quando se considerar que estas nações podem

499
perder, por causa da guerra, as suas vendas de bens
agrícolas e com isso os meios de comprar os produtos
manufacturados do estrangeiro. Agora é que todas as
considerações e sistemas económicos passam para segundo
plano; é o princípio da autoconservação, da defesa, que
impõe às nações transformarem elas próprias os seus
produtos agrícolas, dispensando os produtos manufac-
turados do inimigo. As perdas que um tal sistema de
proibição causado pela guerra acarreta já não contam
nesta situação. Porém, por muito grandes que sejam os
esforços e os sacrifícios com que a nação agrícola cria
fábricas e manufacturas durante os tempos de guerra, a
concorrência da supremacia manufactureira que volta a
actuar quando houver outra vez paz, vem destruir tod as
estas construções de emergência. Em suma, é uma alter-
nância permanente entre construir e destruir, de prospe-
ridade e calamidade, naquelas nações que não aspirem
assegurar-se das vantagens da continuação da obra de
geração em geração, através da divisão nacional do tra-
balho e da confederação das forças produtivas.

500
Vigésimo Quinto Capítulo

A FORÇA DA MANUFACTURA E OS INCENTIVOS


PARA A PRODUÇÃO E O CONSUMO

Ser produtivo na sociedade não é só criar directa-


mente produtos ou força produtiva, é também produzir
estímulos para a produção e o consumo ou ainda para a
criação de forças produtivas.
O artista, através das suas obras, age primeiro
sobre o enobrecimento da mente humana e sobre a força
produtiva da sociedade; mas, corno o prazer da arte
pressupõe a posse dos bens materiais com que deve ser
pago, o artista também estimula a produção material e a
poupança.
Os livros e os jornais actuam sobre a produção
mental e material através dos seus ensinamentos, mas
adquiri-los custa dinheiro, e sob este prisma também o
prazer que proporcionam é um estímulo para a produ-
ção material.
A educação da juventude enobrece a sociedade;
mas quantos são os esforços que os pais fazem para
obter os meios para oferecer urna melhor educação aos
seus filhos?
Que imensos trabalhos na produção mental corno
na produção material não se devem à aspiração de se
mover na melhor sociedade!

501
Pode-se viver tão bem numa cabana de madeira
como numa moradia; por poucos florins, uma pessoa
pode proteger-se da chuva e do frio tão bem como com a
roupa mais bela e elegante; adornos e equipamentos de
prata e ouro não contribuem mais para o conforto do
que os de ferro e estanho - mas a distinção ligada a esta
propriedade estimula o esforço do corpo e da mente,
leva à ordem e à poupança, e a este estímulo a sociedade
deve uma grande parte da sua produtividade.
Até o capitalista que apenas se preocupa em man-
ter, aumentar e consumir o seu rendimento, tem um
efeito múltiplo sobre a produção mental e material : pri-
meiro, porque, através do seu consumo, apoia a arte e a
ciência e as manufacturas artificiais; segundo, porque
exerce, por assim dizer, a função de manter e aumentar o
capital material da sociedade; e finalmente porque atra-
vés da sua ostentação faz com que todas as outras clas-
ses da sociedade o queiram imitar. Da mesma maneira
como as tarefas às quais são atribuídos prémios incitam
uma escola inteira, embora sejam poucos a ganhar os
melhores prémios, também a posse de grandes bens e a
correspondente ostentação actua sobre a sociedade bur-
guesa. Naturalmente, este efeito acaba quando os gran-
des bens são o resultado de usurpação, chantagem ou
fraude, ou quando a posse dos mesmos e a fruição dos
seus frutos não podem ser mostrados publicamente.
A produção manufactureira produz instrumentos
produtivos ou meios para a satisfação de necessidades
vitais ou meios de ostentação. Frequentemente, as duas
últimas propriedades estão juntas. Em toda a parte, as
várias classes hierárquicas da sociedade se distinguem

502
pela maneira como vivem e pelo sítio onde moram,
como mobilam as suas casas, ou como se vestem, pela a
preciosidade das suas carruagens ou pela qualidade,
quantidade e aprese!ltação da criadagem. Se a produção
manufactureira se encontra num nível baixo, esta distin-
ção é insignificante, ou seja, quase todos moram mal e se
vestem mal; em nenhum sí tio se vê imitação. Esta nasce
e cresce na medida em que os ofícios florescem. Em paí-
ses de manufactura prósperos, toda a gente mora bem e
se veste bem, embora na qualidade do consumo dos
produtos manufacturados haja uma variadíssima gra-
duação. inguém que sinta ter ainda alguma força para
poder trabalhar quer aparecer com aspecto miserável.
As manufacturas fomentam a produção da sociedade
através de estímulos que a agricultura, com a sua fabri-
cação caseira comum, suas matérias-primas e produtos
alimentares, não consegue oferecer.
Existe, no entanto, uma grande diferenciação entre
os produtos alimentares, e é agradável para todos comer
e beber bem. Mas não se come publicamente, e um pro-
vérbio alemão diz com razão: vê-se como estou vestido,
não se vê o que como. Se em jovem se consumir comida
rude, raramente se deseja comer coisa melhor. O con-
sumo de produtos alimentares tem limites muito estrei-
tos se for limitado à produção das imediações. Esses
limites só são expandidos nos países da zona moderada
pela obtenção dos produtos da zona quente em grandes
quantidades e de tal forma que toda a população do país
pode partilhar estes prazeres; no entanto, a obtenção
destes produtos apenas é possível através do comércio
eJ<:terno com produtos manufacturados.

503
Manifestamente, os produtos coloniais, na medida
em que não sejam matéria-prima para a fabricação, fun-
cionam mais como estímulos do que como alimentos.
Ninguém negará que café de cevada sem açúcar seja tão
nutritivo como café de Moca com açúcar. E mesmo
admitindo que estes produtos contenham algum ele-
mento nutritivo, o seu valor neste respeito é de tal
maneira insignificante, que mal podem ser tomados em
conta como sucedâneo de produtos alimentares nacio-
nais. No que respeita às especiarias e ao tabaco, decidi-
damente são só estimulantes, ou seja, têm somente um
efeito útil sobre a sociedade na medida em que aumen-
tam os prazeres da massa da população, incitando-a ao
trabalho mental e físico .
Em alguns países existem conceitos muito errados,
entre os que vivem do salário ou de rendas, sobre o que
costumam chamar o luxo das classes baixas: fica-se
escandalizado pelo facto de os trabalhadores beberem
café com açúcar, e louva-se o tempo em que se contenta-
vam com papa de aveia; lamenta-se que o camponês
tenha trocado o seu mísero uniforme, a roupa de cotim,
por roupa de tecido de lã; tem-se medo de que em breve
já não se possa distinguir a criada da senhora da casa;
louvam-se as regras do vestuário de séculos passados.
Mas, se compararmos o trabalho do operário nos países
onde come e veste como o homem de posses, com o tra-
balho do mesmo onde ele se contenta com a comida e
roupa mais rude, descobrimos que o aumento do prazer
ali não aconteceu à custa da riqueza geral, mas sim a
favor das forças produtivas da sociedade. O resultado
do trabalho diário dos operários é lá duas ou três vezes

504
maior do que aqui. Regras do vestuário e limitações de
gastos mataram a imitação na grande massa da socie-
dade, beneficiando apenas a preguiça e o desleixo.
Evidentemente, os produtos têm de ser criados
antes de serem consumidos, e neste sentido a produção
tem necessariamente de dar prioridade ao consumo em
geral. Porém, na economia do povo e da nação, muitas
vezes o consumo precede a produção. As nações manu-
factureiras, apoiadas por grandes capitais e menos limi-
tadas na sua produção do que os povos de mera agri-
cultura, regra geral concedem a estes povos emprés-
timos sobre o rendimento das suas futuras colheitas, e
eles consomem antes de produzirem: produzem mais
tarde, porque já consumiram antes. O mesmo fenómeno
acontece numa escala muito maior na relação entre
cidade e campo: quanto mais perto o manufactor estiver
do agricultor, tanto mais aquele dará a este estímulo e
meios para o consumo, tanto mais este se sentirá moti-
vado a produzir.
De entre os estímulos, os mais importantes são
aqueles que a ordem burguesa e política oferece: onde
não for possível elevar-se, através do trabalho e da
riqueza, de uma classe do povo a outra, da mais baixa à
mais alta; onde quem tem posses tem de ter medo de
mostrar a sua riqueza publicamente ou de usufruir os
frutos da mesma, porque tem de estar preocupado com
os riscos que os seus bens possam correr, ou com receio
de ser acusado de presunção e de inconveniência; onde
as classes da lavoura são excluídas do respeito público,
da participação na administração, na legislação e da
jurisdição; onde trabalhos extraordinários na agricul-

505
tura, na indústria e no comércio não conduzem também
ao respeito público e à distinção social e burguesa - aí
faltam os motivos mais importantes tanto para o con-
sumo como para a produção.
Cada lei, cada instituição pública tem um efeito
fortalecedor ou enfraquecedor sobre a produção ou o
consumo ou as forças produtivas.
A garantia de registar uma patente é uma questão
incitadora para a mente inventiva . A esperança de
ganhar o prémio estimula as forças mentais dando-lhes
uma orientação dirigida para os melhoramentos indus-
triais. Confere honra sobre o espírito inventivo na socie-
dade, eliminando o preconceito a favor de velhos hábi-
tos e procedimentos, que é tão prejudicial entre povos
pouco desenvolvidos. Faz com que aquele que apenas
possui as propriedades mentais para novas invenções
possa também ter os meios materiais necessários, sendo
que os capitalistas são incentivados a suportar o inven-
tor através da garantia de uma quota-parte das vanta-
gens a esperar.
Tarifas aduaneiras proteccionistas estimulam todos
os ramos da indústria interna que o estrangeiro fornece
melhor do que o próprio país, mas que o país é capaz de
produzir. São uma recompensa - para o empresário e
operário, de adquirir novos conhecimentos e talentos -
para o capitalista nacional e estrangeiro, de aplicar os
seus capitais por um certo tempo, de uma maneira
especialmente lucrativa.

506
Vigésimo Sexto Capítulo

A TARIFA ADUA EIRA COMO MEIO PRINCIPAL


PARA CRIAÇÃO E PROTECÇÃO DA FORÇA
DE MANUFACTURA INTERNA

ão é nossa intenção tratar dos meios de fomento


da indústria interna sobre cuja eficácia e aplicabilidade
não existem dúvidas. esta categoria cabem, por exem-
plo, as instituições de ensino, nomeadamente as escolas
técnicas, exposições de manufacturas, trabalhos premia-
dos, melhoramentos de transportes, leis de patentes etc.,
em geral todas as leis e instituições que servem para
fomentar a indústria e facilitar e regulamentar o comér-
cio interno e externo. Neste capítulo, limitamo-nos a
falar da legislação aduaneira como meio de educação
industrial.
De acordo com o nosso sistema, só excepcional-
mente se pode falar de proibições de exportação e de
taxas aduaneiras sobre as exportações, podendo em todo
o lado a importação de produtos originais ser carregada
com receitas aduaneiras de importação, nunca a fim de
proteger a produção agrária interna - são em estados
de manufactureiros principalmente os produtos de luxo
da zona quente, não as necessidades comuns de subsis-
tência como, por exemplo, trigo, gado, etc., objecto de
receitas aduaneiras de importação - devem os países da

507
zona quente, ou países de reduzida população ou redu-
zido território, ou países ainda não suficientemente
povoados, ou que estão ainda bastante atrasados em
termos de civilização e nas suas instituições sociais e
políticas, cobrar os produtos manufacturados importa-
dos apenas com receitas aduaneiras de importação.
Porém, as taxas aduaneiras de importação em toda
a parte deviam ser tão moderadas que não prejudicas-
sem grandemente a importação e o consumo, porque o
resultado nesse caso não seria apenas o enfraquecimento
da força produtiva interna, mas também o fracasso do
objectivo financeiro.
Medidas de protecção podem ser justificadas somente
para fomentar e proteger a força manufactureira interna,
e apenas em nações que, devido a um território extenso
e bem delimitado, a uma grande população, à posse de
recursos naturais, a uma agricultura já muito avançada,
a um alto grau de civilização e formação política, estão
vocacionadas para defender o mesmo nível que as
primeiras nações agrícola-manufactureiro-comerciais, que
as maiores potências marítimas e territoriais.
A protecção é dada ou pela total proibição de certos
artigos manufacturados, ou por altas taxas aduaneiras
que equivalem a uma proibição total ou, pelo menos,
parcial, ou por taxas aduaneiras de importação modera-
das. Nenhuma destas formas de protecção é absoluta-
mente boa ou absolutamente condenável, dependendo
das condições particulares da nação e do estado da sua
indústria, qual delas deve ser aplicada.
A guerra é que tem uma grande influência na
escolha do sistema de protecção, porque provoca um

508
sistema proibitivo forçado. Na guerra, a troca entre os
países beligerantes cessa, tendo cada nação que tratar de
contentar-se consigo própria, sem consideração pelas
suas condições económicas. Isto leva, por um lado, a que
a indústria, na nação manufactureira menos avançada, e,
por outro, a produção agrícola, na nação mais avançada
em manufactura, sejam desenvolvidas de forma extraor-
dinária e nomeadamente de tal maneira que- sobretudo
se o estado de guerra se manteve durante uma série
de anos - parece aconselhável que, da parte da nação de
manufactura menos avançada, a interdição relativa-
mente àqueles artigos de manufactura em que ainda não
consegue aguentar a livre concorrência com a nação
manufactureira mais avançada, continue durante certo
período de tempo após o fim da guerra.
A França e a Alemanha encontravam-se nesta situa-
ção depois da paz geral. Se a França, no ano de 1815,
tivesse admitido a concorrência inglesa como fizeram a
Alemanha, a Rússia e a América do orte, teria também
experimentado o mesmo destino: a maior parte das suas
fábricas que nasceram durante a guerra teria perecido;
de maneira nenhuma se poderia ter pensado em pro-
gressos como se fizeram depois daquele tempo em todos
os ramos da fabricação, no melhoramento dos meios de
transporte internos, no comércio externo, na navegação a
vapor, fluvial e marítima, no aumento do valor da terra
(que, aliás, durante aquele tempo, subiu para o dobro na
França) e no aumento da população e das receitas do
Estado. aquele tempo, as fábricas da França ainda se
encontravam na sua infância (eram incipientes), ainda o
país dispunha de poucos canais, ainda as minas eram

509
pouco exploradas, ainda as convulsões políticas e as
guerras não tinham deixad o que se acumulasse capital
significativo, que houvesse formação técnica suficiente,
que houvesse uma classe operária competente, que sur-
gisse um espírito industrial e de iniciativa; ainda estava
o espírito da nação mais virado para a guerra do que
para as artes da paz; ainda se aplicavam os poucos
capitais que se tinham conseguido formar durante a
guerra preferencialmente na agricultura que estava muito
arruinada. Só agora a França conseguia ver quão grandes
progressos a Inglaterra tinha feito durante a guerra; só
agora podia importar da Inglaterra máquinas, técnicos,
capitais e espírito empreendedor; agora é que a consoli-
dação exclusiva do mercado interno para o bem da
indústria interna tinha de utilizar todas as forças e apli-
car todos os recursos naturais. Os efeitos deste isola-
mento estão à vista; só o cosmopolitismo cego os pode
negar e afirmar que com a livre concorrência a França
teria feito progressos maiores. Pois a experiência da
Alemanha, da América do Norte e da Rússia são prova
irrefutável do contrário.
Se é a nossa opinião que o sistema proibitivo foi útil
à França a seguir a 1815, não queremos com isto defen-
der nem os seus erros nem os seus exageros, nem afir-
mar que a sua manutenção seja útil e necessária. Foi um
erro a França ter limitado a importação de matérias-pri-
mas e produtos agrícolas (ferro em bruto, hulha, lã,
cereais, gado) através de direitos de importação; um erro
seria, se a França, depois de a sua capacidade manufac-
tureira ter ganho forças, não mudasse gradualmente
para um sistema de protecção moderado, se através da

510
admissão duma concorrência limitada não tentasse inci-
tar os seus manufactores à emulação.
Em relação às taxas protectoras, tem de se distin-
guir sobretudo se uma nação quer transitar do estado da
livre concorrência para o sistema protector, ou se quer
deixar o sistema proibitivo e adoptar um sistema pro-
tector moderado: no primeiro caso, as taxas aduaneiras
têm de ser baixas no princípio e subir gradualmente; no
segundo caso, têm de ser altas no princípio e descer
lentamente.
Uma nação que anteriormente não estava suficien-
temente protegida por taxas aduaneiras, mas que se
sente vocacionada para maiores progressos nas manu-
facturas, tem de pensar sobretudo em desenvolver
aquelas manufacturas que produzem artigos de uso
comum. Primeiro, porque o montante total do valor de
tais produtos manufacturados é incomparavelmente
mais alto do que o montante total dos artigos de luxo
muito mais caros. Por isso, esta fabricação movimenta
grandes quantidades de forças produtivas naturais,
mentais e pessoais, originando - porque requer grandes
capitais - uma poupança significativa de capitais e a
atracção de capitais estrangeiros e forças de toda a espé-
cie. Daí o desenvolvimento destes ramos de fabrico ter
um efeito forte sobre o aumento da população, a prospe-
ridade da agricultura interna e sobretudo sobre o cres-
cimento do comércio externo, porque países menos cul-
tivados precisam principalmente de produtos manufac-
turados de utilização comum, sendo possível aos países
da zona moderada, sobretudo através da produção
destes artigos, entrar em comércio directo com os países

511
da zona quente. Um país que importa, por exemplo, fio
de algodão e produtos de algodão, não pode estar em
comércio directo com o Egipto, a Louisiana ou o Brasil,
porque não consegue fornecer a estes países as suas
necessidades de produtos de algodão e não lhes pode
comprar o seu algodão em bruto. Para além disso, estes
artigos, devido à importância do seu valor total, servem
principalmente para manter as exportações da nação
num razoável equilíbrio com as suas importações,
mantendo e proporcionando sempre à nação a soma de
meios de circulação que precisa. Então, é sobretudo
através do desenvolvimento e da manutenção destes
ramos importantes de manufactura que se conquista e
defende a independência industrial da nação, sendo que
perturbações do comércio, como resultam de guerras,
têm pouca importância se apenas impedirem a obtenção
de artigos de luxo, mas, pelo contrário, resultam em
grandes calamidades se levarem à falta e ao encare-
cimento dos produtos manufacturados comuns e à
interrupção de vendas, antes importantes, de produtos
agrícolas. Por último, é de recear muito menos que se
defraudem a taxas protectoras através do contrabando e
da declaração de valores demasiado baixos e também é
muito mais fácil evitar isto nestes produtos do que nos
produtos caros de luxo.
As manufacturas e as fábricas são sempre plantas
de crescimento lento, e cada protecção aduaneira que
interrompe subitamente relações de comércio existentes
tem de ter efeitos negativos para a nação a favor da qual
é introduzida. As taxas aduaneiras não devem subir
mais do que na medida em que os capitais, os talen tos

512
de manufactura e o espírito empreendedor internos cres-
cem ou afluem de fora, na medida em que a nação se
torna capaz de transformar por si própria os excedentes
de matérias-primas e produtos base que antes exportava.
É de particular utilidade que a escala dos direitos de
importação crescentes seja definida antecipadamente,
para que se possa oferecer uma recompensa segura aos
capitalistas, técnicos e operários formados no interior
da nação ou que podem ser atraídos do estrangeiro.
É indispensável manter estas taxas inalteráveis, não as
reduzindo antes do tempo, porque só o medo de que o
prometido possa não ser cumprido destruiria em grande
parte o efeito desta oferta de recompensa.
Não é possível definir teoricamente até que ponto
podem subir os direitos de importação na transição da
livre concorrência para o sistema protector, e até que
ponto podem cair na transição do sistema proibitivo
para o sistema protector moderado: depende das situa-
ções particulares e das relações mútuas entre a nação
menos avançada e a nação mais avançada. Os Estados
Unidos da América do Norte, por exemplo, têm de levar
em particular consideração a sua exportação de algodão
em bruto para a Inglaterra e de produtos agrícolas e
marítimos para as colónias inglesas, assim como os salá-
rios altos existentes no seu país, podendo em troca ter o
. proveito de poder contar mais do que qualquer outra
nação com a entrada de capitais, técnicos, empreendedo-
res e operários ingleses.
Em geral, poderá partir-se do princípio de que num
país onde uma indústria manufactureira não conseguir
surgir com uma protecção, ao princípio, de 40 a 60 por

513
cento, e não se conseguir manter com uma protecção
continuada de 20 a 30 por cento, faltam as condições
base para uma força manufactureira.
Poderá ser mais ou menos fácil eliminar as causas
duma tal incapacidade: as que são fáceis de eliminar
incluem a falta de meios de transporte internos, a falta
de conhecimentos técnicos, de operários experientes e de
espírito empreendedor industrial; entre as que são mais
difíceis de eliminar contam-se a falta de espírito tra-
balhador, de informação, ensinamento, moralidade e
sentido de justiça no povo, falta de uma lavoura com-
petente, ou seja, de capital material, mas sobretudo ins-
tituições públicas deficientes e a falta de liberdade civil e
segurança judicial, finalmente a falta de um território
bem delimitado, o que torna impossível evitar o comér-
cio de contrabando.
Menos consideração e a mínima protecção mere-
cem manufacturas que produzem apenas artigos de luxo
caros: primeiro, porque a sua produção já exige um alto
grau de formação técnica; segundo, porque o seu mon-
tante total em relação com toda a produção nacional é
insignificante e as importações podem facilmente ser
pagas em produtos agrícolas e matérias-primas ou em
produtos manufacturados de utilização comum; terceiro,
porque a interrupção da sua importação em tempos de
guerra não causa incómodos perceptíveis; e finalmente,
porque altos direitos de importação nestes artigos são os
mais fáceis de evitar através de contrabando.
As nações que ainda não fizeram grandes progres-
sos na técnica e na fabricação de máquinas deveriam
deixar entrar toda a maquinaria complicada sem cobrar

514
direitos ou, pelo menos, cobrar apenas uma taxa adua-
neira muito baixa, até estarem em condições de conse-
guir tanto como a nação mais avançada. Fábricas de
máquinas são, de uma certa forma, fábricas de fábricas,
sendo cada taxa aduaneira sobre a importação de
máquinas estrangeiras uma limitação da força de manu-
factura interna. Mas como - devido à sua grande
influência sobre a totalidade da força manufactureira - é
da maior importância que a nação não esteja dependente
das vicissitudes da guerra em relação às suas máquinas,
este ramo de manufactura tem um direito especial de
contar com o apoio directo do Estado no caso de não
poder aguentar a concorrência com taxas aduaneiras
moderadas. O Estado devia, pelo menos, cuidar das
fábricas de máquinas próprias e apoiá-las directamente
na medida em que a sua manutenção e o seu desenvol-
vimento são necessários, para no princípio poder forne-
cer as necessidades mais prementes em tempos de
guerra e para, no caso de interrupções mais duradouras,
servir de modelo para as fábricas de máquinas a cons-
truir de novo.
A devolução do imposto, sobre a matéria-prima impor-
tada, aquando da exportação do produto manufacturado pode-
-se aplicar, segundo o nosso sistema, somente no caso
em que os produtos semi-manufacturados que ainda
entram do estrangeiro, por exemplo, fio de algodão, têm
de ser sujeitos a uma taxa protectora significativa, para
possibilitar ao país, passo a passo, a produção própria.

Prémios são reprováveis como medida permanente


para possibilitar a exportação e concorrência das fábricas

515
nacionais com as fábricas de nações mais avançadas nos
mercados de nações terceiras; mas ainda mais reprová-
veis como meio para conquistar os mercados de manu-
facturas internos de nações que elas próprias já fizeram
progressos nas manufacturas.
No entanto, existem casos onde podem ser justifi-
cados como medidas de encorajamento temporárias,
nomeadamente quando o espírito empreendedor ador-
mecido duma nação precisa de ser estimulado, necessi-
tando de apoio apenas no primeiro período do seu
recrudescimento, para criar uma forte e duradoura pro-
dução e exportação para países que não possuem manu-
facturas florescentes próprias. Mas também neste caso
é de considerar se não é melhor o Estado proporcionar
a vários empreendedores adiantamentos sem juros e
demais vantagens, ou se não seria mais adequado pro-
ceder à criação de companhias com o fim de tais primei-
ras tentativas, adiantar a tais companhias da tesouraria
pública, uma parte do capital necessário em acções e dar
aos privados que participam precedência em relação aos
juros do seu capital aplicado. Como exemplos de tais
casos indicamos: ensaios de comércio e navegação para
países longínquos, até aonde o comércio dos privad os
ainda não se estende, a criação de linhas a vapor para
regiões longínquas do mundo, a fundação de novas
colónias, etc.

516
Vigésimo Sétimo Capítulo

OS DIREITOS ALFANDEGÁRIOS E A ESCOLA DOMINANTE

Em relação à eficácia das medidas protectoras, a


Escola dominante não distingue entre a produção básica
e a produção de manufactura; do facto de estas medidas
só terem em toda a parte um efeito prejudicial para a
produção básica, retira o argumento falso de que exer-
cem um efeito igualmente pernicioso sobre a produção
de manufactura.
Em relação à implantação de uma força manufactu-
reira, a Escola não distingue entre as nações que não
estão para isso vocacionadas e as que estão devido à
natureza do seu território, à sua agricultura aperfei-
çoada, à sua civilização e aos seus direitos, às garantias
da sua futura prosperidade, da sua continuidade e do
seu poder.
A Escola não reconhece que, numa concorrência
totalmente livre com nações manufactureiras mais avan-
çadas, uma nação menos avançada, embora vocacio-
nada, não pode, sem medidas protectoras, chegar a ter
uma força manufactureira totalmente desenvolvida, não
pode nunca alcançar a completa independência nacional.
Não toma em consideração a influência da guerra
sobre a necessidade de um sistema protector, nomeada-

517
mente não percebe que a guerra provoca um sistema
proibitivo necessário e que as tarifas aduaneiras são
urna continuação necessária desse sistema proibitivo da
guerra.
A Escola quer fazer valer os benefícios do livre
comércio interno corno prova de que as nações só
podem alcançar a máxima prosperidade e o máximo
poder através da liberdade absoluta do comércio inter-
nacional, enquanto a História, por todo o lado, prova
exactamente o contrário.
A Escola afirma que as medidas proteccionistas
dariam um monopólio aos rnanufactores nacionais e
conduziriam à indolência, quando, por todo o lado, a
concorrência interna, de facto, estimula bastante os
rnanufactores para se esforçarem.
Quer fazer-nos crer que os direitos proteccionistas
favorecem os rnanufactores à custa dos agricultores,
quando, ao contrário, a agricultura interna retira corn-
provadarnente vantagens imensas duma força rnanu-
factureira interna, em comparação com as quais são
insignificantes os sacrifícios que tem de fazer por causa
do sistema proteccionista.
Num dos argumentos principais contra as tarifas
proteccionistas, a Escola dominante quer fazer valer os
custos dos sistemas de tarifas aduaneiras e os problemas
do comércio contrabandista. Estes problemas não podem
ser negados; mas devem ser tornados em consideração,
quando se trata de medidas com tão grande influência
sobre a existência, o poder e a prosperidade da nação?
Os males dos exércitos permanentes e da guerra são
razão para a nação desistir da sua defesa? A ideia de que

518
tarifas aduaneiras muito mais altas do que os prémios de
seguro contra o comércio contrabandista apenas servi-
riam para favorecer este último em vez das manufactu-
ras internas, só poderá ser válido com as más institui-
ções alfandegárias, em relação a territórios mal definidos
e pequenos, ao consumo na fronteira e a direitos altos
sobre artigos de luxo não muito volumosos. Porque a
experiência ensina por toda a parte que havendo insti-
tuições alfandegárias competentes, tarifas aduaneiras
adequadas em territórios grandes e bem delimitados, o
objectivo das tarifas proteccionistas não pode ser gran-
demente afectado pelo contrabando. E no que respeita
aos custos dos sistemas alfandegários, uma grande parte
deles é, em todo o caso, necessário para a cobrança dos
impostos de rendimento - e que seja possível as gran-
des nações dispensarem os impostos de rendimento, isso
nem a Escola afirma.
Mesmo assim, a Escola não condena toda a protec-
ção alfandegária. Adam Smith permite a protecção espe-
cial da indústria interna em três casos. Primeiro, como
medida de retaliação contra alguma nação estrangeira que
esteja a limitar as nossas exportações e se houver espe-
rança de que, com represálias, possa ser levada a anular
as medidas de limitação; segundo, como defesa nacional,
no caso de as manufacturas precisas para este fim não
poderem ser produzidas no interior se houver livre con-
corrência; terceiro, como meio de conseguir um equilíbrio,
se os produtos estrangeiros tiverem que suportar direi-
tos maís baixos do que os nacionais. Say condena a pro-
tecção em todos estes casos, mas aceita-a num quarto, o
de um ramo de indústria que, no decurso de alguns

519
anos, fique previsivelmente tão lucrativo que já não pre-
cise de protecção.
É, portanto, Adam Smith quem quer introduzir o
princípio da retaliação na política comercial, um prin-
cípio que conduziria às medidas mais disparatadas e
prejudiciais, ainda mais quando as represálias, como
exige Smith, seriam abandonadas logo que a nação
estrangeira concordasse em desistir das suas medidas
limitativas. Supondo que a Alemanha exercesse represá-
lias contra a Inglaterra por causa da limitação da sua
exportação de cereais e madeira, excluindo os produtos
de manufactura ingleses das suas fronteiras, e que, atra-
vés destas represálias, criava artificialmente uma força
de manufactura própria, será que a Alemanha deve dei-
xar perecer outra vez esta força criada com imensos
sacrifícios, caso a Inglaterra se deixe persuadir a reabrir
as suas fronteiras aos cereais e à madeira alemães? Que
disparate! Teria sido dez vezes melhor se a Alemanha,
em vez de fomentar a sua evolução, tivesse aguentado
calmamente todas as medidas de limitação inglesas e
tivesse criado obstáculos ao desenvolvimento sem pro-
tecção aduaneira da força manufactureira como resul-
tado das proibições inglesas de importação.
O princípio da retaliação apenas é razoável e apli-
cável se coincidir com o princípio da educação industrial
da nação, se, por assim dizer, servir de apoio a esta.
Sim! É razoável e vantajoso, que outras nações res-
pondam às limitações de importação dos seus produtos
agrícolas por parte dos ingleses, mas apenas quando estas
nações estão vocacionadas para plantar a sua própria força de
manufactura e defendê-la para sempre.

520
Com a segunda excepção, Adam Smith justifica,
de facto, não só a necessidade de proteger as manu-
facturas que satisfazem as necessidades mais directas da
guerra, como, por exemplo, as fábricas de armas e
pólvora, mas também todo o sistema proteccionista
como nós o entendemos; porque a implantação duma
força de manufactura particular duma nação tem efeito
sobre o aumento da sua população, das suas riquezas
materiais, das suas máquinas, da sua independência e de
todas as forças mentais, consequentemente sobre os
meios para a defesa nacional num grau imensamente
mais alto do que apenas pela fabricação de armas e
pólvora.
O mesmo se pode dizer da terceira excepção. Se os
impostos que pesam sobre a nossa produção podem ser
uma razão para que os produtos do estrangeiro, sujeitos
a menos impostos, sejam carregados com tarifas adua-
neiras proteccionistas, então as outras desvantagens que
a nossa produção manufactureira sofre em relação à
estrangeira não deveriam também ser motivo para pro-
teger a indústria interna contra uma concorrência pre-
dominante da estrangeira?
J. B. Say bem sentiu a contradição desta excepção,
mas aquela com que a substitui não é de maneira
nenhuma melhor. Porque numa nação vocacionada por
natureza e educação para criar uma força manufactu-
reira, praticamente qualquer ramo de indústria que
gozar duma protecção contínua e forte tornar-se-á
lucrativo, e é ridículo dar a uma nação poucos anos para
aperfeiçoar um grande ramo da indústria nacional ou
toda a indústria nacional da mesma forma como se dá

521
poucos anos a um aprendiz de sapateiro para aprender a
fazer sapatos.
Nas suas permanentes declamações sobre as enor-
mes vantagens da liberdade comercial absoluta e as des-
vantagens da protecção aduaneira, a Escola costuma
referir-se aos exemplos de alguns povos: a Suíça deve
servir para provar que a indústria pode florescer sem
protecção aduaneira, e que a liberdade absoluta do
comércio internacional é a base mais segura da riqueza
da nação. Através do destino da Espanha, pretende
mostrar um exemplo assustador dos efeitos perniciosos
da protecção aduaneira a todas as nações que procuram
a mesma ajuda e salvação. A Inglaterra, que, como
demostrámos num capítulo anterior, se presta tão per-
feitamente para servir de exemplo a todas as nações com
vocação para desenvolver uma força de manufactura, é
referida pelos teóricos apenas para comprovar a afirma-
ção de que a capacidade da produção manufactureira é
um dom natural pertencente exclusivamente a certos
países (a capacidade da Borgonha de produzir vinhos,
ou a Inglaterra, antes de todos os restantes países da
Terra, ter recebido da natureza a vocação de se dedicar
às manufacturas, às fábricas e ao grande comércio).
Vejamos agora estes exemplos um pouco mais em por-
menor.
Em relação à Suíça, a primeira coisa a dizer é que
não é uma nação, pelo menos não é uma nação normal,
grande, mas apenas um conglomerado de municípios.
Sem costa marítima, entalada entre três grandes nações,
está eliminada qualquer aspiração a criar navegação
própria, a manter comércio directo com os países da

522
zona quente, toda a pretensão de formar um poder
marítimo e de fundar ou adquirir colónias. A Suíça
construiu os alicerces da sua riqueza actual, aliás muito
modesta, num tempo em que ainda fazia parte do
império alemão. Desde então, praticamente não sofreu
guerras internas, os capitais podiam multiplicar-se de
geração em geração, porque os governos municipais
praticamente não lhes exigia impostos. o meio das
vagas do despotismo, do fanatismo, das guerras e das
revoluções que têm sacudido a Europa nos últimos
séculos, a Suíça oferecia asilo a todos os que queriam
proteger os seus capitais e os seus talentos, adquirindo,
desta forma, significativos meios do exterior. A Alema-
nha não se tem fechado com muito rigor contra a Suíça,
e uma grande parte dos produtos manufacturados desta
desde sempre, tem saído para aí. A indústria suíça, aliás,
nunca foi uma indústria nacional abrangendo os artigos
de uso comum, tem sido principalmente uma indústria
de luxo, cujos produtos são fáceis de contrabandear ou
transportar para zonas longínquas do mundo 1 . Além
disso, o país tem uma localização extremamente favorá-
vel e em parte privilegiada, para o comércio intermediá-
rio. Já a boa oportunidade de conhecer as línguas, as leis,
instituições e situações das três nações vizinhas traziam
consideráveis vantagens aos Suíços no comércio inter-
mediário e em todos os outros aspectos. A liberdade

a margem do exe mpl ar por ele publicado (proprie-


tário von Pacher-Theinburg), List acrescentou à mão para a
nova edição: "A Suíça fez progressos relevantes em trabalho
manual, não em ramos onde a máquina é o mais importante."

523
civil e religiosa e a educação generalizada fomentaram a
actividade e o espírito empreendedor que, devido às
limitações da agricultura interna e das fontes de sustento
internas, levaram os Suíços para países estrangeiros
onde, como soldados, através de comércio e de todo o
tipo de ofício, acumularam riquezas para as trazerem
de volta à pátria. Se, em condições tão especiais, se
acumularam capitais materiais e mentais suficientes
para fundar alguns ramos de indústria de luxo, se estas
indústrias conseguiram aguentar-se sem protecção
alfandegária, através da venda para o exterior, daí não
se conclui que grandes nações sob condições totalmente
diferentes possam seguir uma política semelhante. A
Suíça possui uma vantagem nos seus impostos baixos que
grandes nações só poderiam ter se - como a Suíça - se
dissolvessem em municípios, expondo desta forma a sua
nacionalidade a ataques estrangeiros.
Que a Espanha não agiu de forma muito inteligente
quanto proibiu a exportação dos metais preciosos, tanto
mais que ela própria produzia um excedente tão grande
desta mercadoria, qualquer pessoa sensata tem de
admitir. É errado, porém, atribuir a decadência da
indústria e da riqueza nacional de Espanha às suas
limitações da importação de produtos manufacturados.
Se a Espanha não tivesse expulso os mouros e os judeus
e não tivesse tido uma Inquisição, se Carlos I tivesse
permitido a liberdade da religião em Espanha, os padres
e monges teriam sido transformados em educadores do
povo e as suas enormes propriedades teriam sido secu-
larizadas ou pelo menos reduzidas ao necessário, a
liberdade civil teria ganho terreno, devido a tais medi-

524
das a nobreza feudal teria sido transformada e a monar-
quia teria sido contida. uma palavra, a Espanha teria
tido, na sequência de uma Reforma, o mesmo desenvol-
vimento político que a Inglaterra teve, e o mesmo espí-
rito se teria expandido nas suas colónias - as medidas de
proibição e protecção teriam tido o mesmo efeito em
Espanha que tiveram na Inglaterra, e ainda mais, porque
no tempo de Carlos I os Espanhóis iam à frente dos
Ingleses e Franceses em todos os aspectos, sendo a Espa-
nha superada somente pelos Países Baixos, cujo espírito
de indústria e comércio poderia ter sido transferido para
Espanha através da protecção aduaneira, contanto que
as situações espanholas tivessem estimulado talentos e
capitais estrangeiros para imigrar, em vez de empurrar
os próprios para o estrangeiro.
Mostrámos no nosso quarto capítulo as causas a
que a Inglaterra deve a sua supremacia manufactureira e
comercial.
Foram sobretudo a liberdade intelectual e civil, a
constitu-ição e a excelência das instituições políticas em
geral que permitiram à política comercial inglesa explo-
rar as riquezas naturais do país e desenvolver as forças
produtivas da nação. Mas quem quer negar às outras
nações a capacidade de se elevarem ao mesmo nível da
liberdade? Quem quer afirmar que a natureza tenha
negado às outras nações os recursos necessários para a
manufactura?
Em relação ao último ponto, muitas vezes se indi-
cou a grande riqueza da Inglaterra em carvão de pedra e
ferro como a razão pela qual os Ingleses estão preferen-
cialmente vocacionados para a manufactura. É verdade

525
que neste aspecto a Inglaterra se encontra, de facto,
muito favorecida pela natureza: porém, contra isto se
pode argumentar que a natureza, no que respeita a estes
recursos naturais, também não tratou nada mal os
outros países, que na maioria dos casos é apenas a falta
de equipamentos de transporte competentes que impede
a sua utilização plena, que outros países possuem força
hidráulica não utilizada em excesso, mais barata do
que a força a vapor, que poderiam, se fosse necessário,
compensar a falta de carvão de pedra com outros
combustíveis, que muitos países têm à sua disposi-
ção recursos inesgotáveis para a fabricação de ferro, e
que é possível obter estas matérias-primas através da
troca.
Finalmente temos que mencionar ainda os acordos
comerciais sobre concessões alfandegárias mútuas. A Escola
condena-os como desnecessários e perniciosos, ao passo
que nos parecem a nós o meio mais eficaz de atenuar·
passo a passo as limitações mútuas do comércio e
lentamente conduzir as nações ao comércio mundial
livre. No entanto, o que o mundo até agora tem visto de
tais acordos não instiga muito a imitá-los. Em capítulos
anteriores mostrámos os estragos causados em Portugal
pelo Acordo de Methuen e em França pelo Acordo de
Éden. Parece que são estes desastrosos efeitos das dimi-
nuições dos direitos alfandegários mútuos que estão na
origem da aversão da Escola, em geral, a contratos
comerciais. Manifestamente, o seu princípio de liber-
dade comercial absoluta foi por eles desmentido na prá-
tica, visto que, por este princípio, aqueles acordos deve-
riam ter efeito benéfico para ambas as nações, em vez de

526
levar uma à ruína e trazer incalculáveis vantagens para a
outra. Porém, se examinarmos as origens deste efeito
desigual, encontramo-las no facto de Portugal e França,
na sequência destes acordos, renunciarem, a favor da
Inglaterra, aos progressos que já tinham alcançado e aos
que poderiam vir a alcançar nas suas manufacturas, com
o objectivo de aumentarem a exportação de produtos-
-base para a Inglaterra; e no facto de, por conseguinte, as
duas nações, devido aos acordos assinados, descerem
dum nível mais alto de cultura para um mais baixo. No
entanto, daí resulta apenas que uma nação age dispara-
tadamente quando, através de acordos <:omerciais, sacri-
fica a sua força de manufactura à concorrência estran-
geira e desta forma se compromete a permanecer para
sempre num nível baixo de agricultura; e de modo
algum resulta que esses acordos sejam prejudiciais e
condenáveis quando através deles se promove a troca
mútua de produtos agrícolas e matérias-primas ou a
troca mútua de produtos manufacturados.
Já anteriormente explicámos que o comércio livre
com produtos agrícolas e matérias-primas beneficia todas
as nações, em todos os níveis da sua cultura, daí decor-
rendo que qualquer acordo comercial capaz de atenuar
impedimentos e limitações antes existentes terá que ter
um efeito benéfico sobre as duas nações contratantes:
por exemplo, um acordo entre a França e a Inglaterra
segundo o qual se fomenta a troca mútua de vinhos e
aguardente contra ferro em bruto e carvão de pedra, ou
um acordo entre a França e a Alemanha sobre a troca
mútua de vinho, azeite e frutos secos contra cereais, lã
e reses.

527
Segundo as nossas anteriores deduções, a protecção
favorece a prosperidade da nação apenas na medida em
que permaneça adequada ao grau da formação indus-
trial da nação - qualquer exagero de protecção é preju-
dicial, só passo a passo as nações podem alcançar uma
força de manufactura perfeita. É também por esta razão
que duas nações, que se encontram em níveis diferentes
de formação industrial, podem fazer concessões contra-
tuais uma à outra com vantagens para ambas na troca
de produtos manufacturados diversos. A nação menos
avançada, embora ainda não esteja capaz de fabricar ela
própria, com vantagem, produtos manufacturados mais
finos - por exemplo, produtos finos de algodão e seda -,
pode muito bem fornecer à nação mais avançada uma
parte das suas necessidades de produtos manufactura-
dos mais grosseiros.
Ainda mais admissíveis e úteis poderiam ser tais
acordos entre nações que se encontram sensivelmente
no mesmo nível de formação industrial, entre as quais,
portanto, a concorrência não se mostra desmedida,
destruidora, opressora, monopolizadora do lado duma
delas, antes - como no comércio interno - estimula a
procura de imitação, o aperfeiçoamento e a redução
dos preços mútuos. É o caso da maioria das nações
continentais. A França, a Áustria e a União Aduaneira
alemã, por exemplo, só poderiam esperar efeitos bené-
ficos de tarifas protectoras razoavelmente baixas, e tam-
bém entre estes países e a Rússia poderiam fazer-se
concessões mútuas com vantagem para todos. A única
coisa que terão de temer sempre é a supremacia
inglesa.

528
Assim parece, vistas as coisas também deste ângulo,
que a supremacia daquela ilha, nas manufacturas, no
comércio, na navegação e na posse de colónias, é de
momento o impedimento maior para urna aproximação
maior de todas as nações, embora se tenha de reconhecer
que a Inglaterra, na sua aspiração para chegar a esta
supremacia, aumentou incomensuravelmente a força
produtiva de toda a humanidade e continua ainda a
aumentá-la diariamente.

529
TERCEIRO LIVRO

OS SISTEMAS
Vigésimo Oitavo Capítulo

OS ECONOMISTAS ITALIANOS

Na economia política, na prática como na teoria, a


Itália está à frente de todas as nações modernas. O
Conde Pecchio traçou, com muita aplicação, um esboço
deste ramo da literatura italiana, sendo de criticar no seu
livro apenas o facto de se ter guiado de forma dema-
siado servil pela Teoria dominante sem esclarecer sufi-
cientemente as causas principais da ruína da indústria
nacional italiana - a falta de unidade nacional no meio
de grandes nacionalidade unidas pela monarquia here-
ditária, o clericalismo e a degradação da liberdade civil
nas repúblicas e nas cidades. Se tivesse investigado
estas razões mais profundamente, dificilmente deixaria
de descobrir a verdadeira tendência de O Príncipe de
Maquiavel, caso em que não o teria mencionado apenas
de passagem.
A observação de Pecchio de que Maquiavel, numa
carta ao seu amigo Guicciardina (1525), teria proposto a
unificação de todas as potências contra o estrangeiro, e
de que esta carta teria sido dada a conhecer ao Papa
Clemente VII, contribuindo de forma importante para a
fundação da Santa Liga (1526), conduziu-nos a descon-
fiar que O Príncipe poderia basear-se na mesma tendên-
cia. Tendo o próprio livro na mão, vimos esta suspeita

533
confirmada de imediato. Manifestamente, O Príncipe,
escrito em 1513, tem o objectivo de injectar nos Mediei a
ideia de que a casa deles estaria destinada a unir toda a
Itália sob uma dinastia, e indicar-lhes os meios através
dos quais este objectivo poderia ser alcançado 1 •
O título e a maneira como se apresenta o livro,
como se tratasse da natureza do governo absoluto em
geral, foram, sem dúvida, escolhidos apenas por razões
de prudência. Dos príncipes herdeiros e governos só se
fala de passagem. Por toda a parte, Maquiavel vê apenas
um usurpador italiano. Afirma que os principados
devem ser subjugados, as dinastias exterminadas, a
nobreza feudal oprimida, a liberdade nas repúblicas
destruída. Diz que o usurpador utilizará as virtudes do
céu assim como as artes do inferno, inteligência e ousa-
dia, valentia e traição, sorte e acaso, ou seja, utilizará,
empregará e tentará tudo para fundar um império ita-
liano. A seguir, é-lhe comunicado um segredo cuja força
três séculos mais tarde tem sido suficientemente posta à
prova: devia ser criado um exército nacional, cuja vitória
teria de ser garantida por uma nova disciplina, armas e
manobras ainda por inventar2 •

1
Durante a viagem que fez à Alemanha, quando este
livro já estava em impressão, o autor soube que os senhores
Dr. Ranke e Dr. Gervinus partilham o mesmo ponto de vista
sobre O Príncipe.
2 Tudo o que Maquiavel escreveu antes e depois de O

Príncipe prova que na sua mente dava voltas a tais planos. De


que outra forma se poderia explicar que ele - um civil, um
cientista, um diplomata e funcionário público, que nunca se
deu ao ofício das armas - se ocupasse tanto com a arte da

534
Se a universalidade da argumentação ainda dei-
xasse espaço para dúvidas acerca da particular tendência
do autor, estas seriam eliminadas pelo último capítulo.
Sem rodeios Maquiavel declara: as invasões estrangeiras
e a discórdia interna seriam as causas fundamentais de
todo o infortúnio existente na Itália; a Casa dos Mediei,
em cujas mãos felizmente se encontra a Toscânia e o
Vaticano, estaria destinada pela própria Providência a
conseguir a grande obra; agora, é o melhor momento e a
melhor ocasião para introduzir novas formas; agora,
deveria nascer um novo Moisés para libertar o seu povo
das algemas egípcias; nada traz a um príncipe mais
prestígio e fama do que grandes empreendimentos.3
A melhor prova de que a tendência deste livro é
para ser lido nas entrelinhas também nos restantes
capítulos, está na forma como o autor, no nono capítulo,
fala do Estado da Igreja. Seguramente ironiza, quando
diz que os sacerdotes têm países e não os governam, que

guerra que foi capaz de escrever uma obra sobre este tema que
despertou a admiração dos melhores heróis de guerra do seu
tempo?
o seu Anti-maquiavel, Frederico, o Grande vê O Príncipe
como uma dissertação científica sobre os direitos e obriga-
ções do príncipe, em geral. No entanto, é digno de observação
que, refutando Maquiavel capítulo por capítulo, não men-
ciona de maneira nenhuma o último, ou seja o vigésimo
sexto capítulo chamado: "Apelo para libertar a Itália dos
estrangeiros", inserindo, em compensação, um capítulo total-
mente alheio à obra de Maquiavel, com o ~itulo "Sobre as
várias formas de negociações e das razões justas para declarar
a guerra".

535
têm domínios e não os defendem; que os países mais
felizes de todos seriam protegidos directamente pela
Providência divina; que seria atrevimento julgá-los.
Manifestamente, queria apenas dar a entender, sem se
expor, que neste terreno um ousado conquistador não
teria grandes obstáculos a superar, ainda por cima um
Mediei, cujo parente da parte do pai era Papa. Mas,
tendo em conta a maneira de pensar republicana de
Maquiavel, como se explicam os conselhos que dá ao
seu usurpador com respeito às repúblicas? Poder-se-ia
atribuir pura e simplesmente à intenção de se insinuar
junto do príncipe, a quem o seu livro é dedicado, e de
ganhar privilégios privados, quando ele, o fervoroso
republicano, o grande pensador e literato, o mártir
patriótico, aconselha ao futuro usurpador a destruição
da liberdade das repúblicas até à raiz?
Não se pode negar que Maquiavel vivia na pobreza
no tempo em que escreveu O Príncipe, olhava o futuro
com preocupação, ansiava e esperava por colocação e
apoio dos Mediei. Uma carta datada de 10 de Outubro
de 1513 que escreveu, da sua pobre granja, ao amigo
Vettori, em Florença, afasta todas as dúvidas a este
respeito 4 •
No entanto, existem razões importantes para pen-
sar que, com o livro, não queria apenas insinuar-se junto
dos Mediei e alcançar objectivos privados, mas pretendia
a execução de um plano de usurpação - um plano que

4 Reproduzida pela primeira vez na obra Pensieri intorno


alio scopo di Niccolà Macchiavelli nel Libro ii Príncipe, Milão, 1810.

536
de maneira nenhuma contradiz as suas ideias republi-
cano-patrióticas, muito embora a moralidade dos nossos
tempos tenha de o declarar condenável e ímpio. As suas
escritas e o seus trabalhos no serviço público provam
que Maquiavel conhecia a História de todos os tempos,
as situações políticas de todos os Estados de raiz. Mas
um olho que conseguia ver um passado tão remoto e
com tanta clareza em seu redor, tinha também que ver
o futuro distante. Uma mente que, no princípio do
século XVI, se apercebeu das vantagens do armamento
nacional, também tinha que ver que o tempo das peque-
nas repúblicas acabara, que o período das grandes
monarquias tinha chegado, que as nacionalidades naque-
les tempos só se conseguiam formar através da usur-
pação e manter através do despotismo, que as oli-
garquias, como então existiam nas repúblicas italianas,
eram os maiores obstáculos à unidade nacional, tendo por
isso que ser destruídas, e que a liberdade nacional iria,
mais tarde, renascer da unidade nacional. Obviamente
Maquiavel, queria sacrificar ao despotismo a liberdade
desgastada de algumas cidades na esperança de obter,
através dele, a unidade nacional, garantindo assim às
futuras gerações a liberdade numa forma maior e mais
nobre.
A primeira obra publicada sobre economia politica,
nomeadamente na Itália, é de António Serra de Nápoles,
sobre os meios de proporcionar "aos reinos" um exce-
dente de ouro e prata (1613).
Say e MacCulloch parecem não ter visto ou lido
mais do que o título deste livro; ambos o põem elegante-
mente de lado com a observação de que tratava apenas

537
do dinheiro e que já o título provava que o autor tinha
incorrido no erro de considerar os metais preciosos os
únicos objectos de riqueza. Se tivessem lido mais um
pouco e tornado o conteúdo em conta, talvez tivessem
retirado daí proveitosas lições. Embora António Serra
tenha cometido o pecado de considerar o excedente de
ouro e prata corno sinal de riqueza, tem urna noção bas-
tante clara das razões dela. É verdade que põe as minas
em primeiro lugar, corno a fonte directa dos metais pre-
ciosos; mas depois faz plena justiça aos meios indirectos
de os obter. Segundo a sua opinião, a agricultura, as
manufacturas, o comércio e a navegação são as fontes
principais da riqueza nacional. A fertilidade do solo é
urna fonte segura de riqueza, mas fonte incomparavel-
mente mais rica são as manufacturas, por várias razões,
sobretudo porque são a base dum comércio extenso. O
rendimento destas fontes é determinado pelas proprie-
dades das pessoas (ou seja, se são aplicadas, activas,
empreendedores, poupadas, etc.) e as condições naturais
e locais (por exemplo, urna cidade bem localizada para o
comércio marítimo). Acima de todas estas razões, Serra
coloca a forma de governo, a ordem pública, a liberdade
civil, as garantias políticas, a estabilidade das leis.
"Nenhum país pode prosperar, diz ele, se cada novo
regente pode fazer novas leis; por essa razão, os países
do Santo Padre não podiam ser tão ricos corno os países
cujo governo e legislação desfrutava de maior estabili-
dade. Em comparação, veja-se que efeito tem sobre a
riqueza pública em Veneza urna ordem e legislação
existente durante séculos". Isto é a quinta-essência dum
sistema de economia política que se distingue sobretudo

538
pela naturalidade e o juízo sensato, não obstante parecer
ter corno objectivo somente a aquisição dos metais pre-
ciosos. Manifestamente, a obra de J. B. Say, embora
desenvolva conceitos e matérias da economia política
dos quais António Serra ainda não tinha ideia. fica muito
atrás dele nos pontos principais e nomeadamente na
apreciação correcta das condições políticas em relação à
riqueza das nações. Se Say tivesse estudado Serra em
vez de o pôr de lado, dificilmente teria afirmado na pri-
meira página do seu sistema da economia política "que a
constituição dos países não pode ser tornada em consi-
deração na política económica; que se tem visto países
ficarem ricos e ficarem pobres sob todas as formas de
governo; que só importa se um país tem urna boa admi-
nistração".
Estamos longe de querer afirmar a superioridade
absoluta de urna forma de governo sobre a outra. Basta
olhar os Estados do sul da América para ficar conven-
cido de que, com povos que não estão para isso madu-
ros, as formas de governo democráticas podem causar
significativos retrocessos na riqueza pública. Basta olhar
para a Rússia para perceber que povos que ainda se
encontram num nível baixo de cultura podem fazer os
mais importantes progressos na sua riqueza nacional sob
a monarquia absoluta . Mas isto não confirma minima-
mente que se tenha visto povos ficarem ricos sob todas
as formas de governo, ou seja, alcançarem o mais alto
nível de riqueza económica. A História ensina que este
grau de riqueza pública, ou seja, a prosperidade das
manufacturas e do comércio, só foi alcançado em países
cuja constituição política, não importa se república

539
democrática ou aristocrática ou monarquia limitada,
garanta aos seus cidadãos um alto grau de liberdade
pessoal e de segurança da propriedade, e à sua admi-
nistração um alto grau de actividade e força para a
obtenção dos fins da sociedade e continuidade nesta
aspiração. Porque na situação de cultura bem avançada
importa menos que haja uma boa administração durante
certo período de tempo do que haja uma administração
contínua e uniformemente boa, que a Administração
seguinte não venha estragar o que a anterior fez de bom,
que a Administração de trinta anos de Colbert não seja
seguida de urna revogação do Édito de Nantes, que
durante séculos se siga o mesmo sistema, se aspire ao
mesmo fim. Como observa António Serra correctamente,
só através de constituições, nas quais os interesses da
nação estão representados, e não através do poder
absoluto, sob o qual a Administração se modifica em
qualquer altura conforme a individualidade do gover-
nante, se pode garantir a constância da Administração.
No entanto, existem certamente situações culturais em
que a Administração do poder absoluto pode - e muitas
vezes é - ser incomparavelmente mais favorável aos pro-
gressos económicos e culturais da nação do que a Admi-
nistração constitucionalmente limitada. É o período de
escravidão e servidão, da barbárie e da superstição, da
fragmentação nacional e dos privilégios de casta. Porque
nesta situação, a constituição garante a continuação não
apenas dos interesses da nação, mas também dos males
existentes, enquanto está no interesse e na natureza da
forma de governo absoluta de a destruir, enquanto atra-
vés dela existe a possibilidade de um soberano dotado

540
de força e inteligência chegar ao poder, que faça progre-
dir a nação séculos, assegurando existência e progresso à
sua nacionalidade para sempre.
É por isso um lugar-comum contendo apenas uma
verdade limitada, o argumento com que J. B. Say tencio-
nava separar a sua doutrina da política. Certamente
importa sobretudo que a Administração seja boa, mas
a competência da Administração está dependente da
forma de governo e manifestamente a melhor forma de
governo é a que se adequa às condições morais e mate-
riais duma dada nação assim como aos seus futuros
progressos. Têm-se visto povos a progredir sob todas as
formas de governo, porém, um elevado grau de desen-
volvimento económico foi possível alcançar nos países
em que a forma de governo garantia um elevado grau de
liberdade e poder, constância das leis e da política e
instituições competentes.
António Serra vê a natureza das coisas como ela é,
não sob o aspecto de sistemas passados ou de um único
princípio que quer defender e realizar. Compara as
condições dos vários Estados italianos e encontra o mais
elevado grau de riqueza no país onde está o grande
comércio, no país onde existe força de manufactura
desenvolvida, no país onde há liberdade civil.
O opinião de Beccarias, ao contrário, já está domi-
nada pelas teses erradas dos fisiocratas. É verdade que
este autor descobriu ou encontrou nos escritos de
Aristóteles o princípio da divisão do trabalho antes ou
pelo menos ao mesmo tempo que Adam Smith; até o
desenvolve mais do que Adam Smith, não se ficando
como este na divisão das operações de uma única

541
fábrica, mas mostrando corno da divisão dos membros
da sociedade em diferentes categorias de nutrição nasce
a riqueza pública. Mesmo assim, não hesita em, junto
com os fisiocratas, afirmar a não-produtividade dos
rnanufactores.
As opiniões do grande filósofo de direito, Filan-
gieri, são as mais limitadas. Dominado por um cosmo-
politismo errado, está convencido de que a Inglaterra,
através da sua política comercial limitativa, só premiou
o comércio contrabandista, enfraquecendo o seu próprio
comércio.
Verri, na sua condição de funcionário público prá-
tico não podia perder-se tanto; admite a necessidade de
proteger a indústria interna contra a concorrência estran-
geira, mas não vê ou não podia ver que esta política está
condicionada pela grandeza e unidade da nacionalidade.

542
Vigésimo Nono Capítulo

O SISTEMA INDUSTRIAL

(Erradamente chamado Sistema Mercantil pela Escola)

Qu_ando surgiram as grandes nacionalidades em


consequência da unidade de povos inteiros, conseguida
pela monarquia hereditária, e da centralização do poder
público, manufacturas, comércio e navegação e, com
eles, riqueza e poder marítimo encontravam-se, como
mostrámos, na maior parte, nas mãos de repúblicas
municipais e de alianças de tais repúblicas. Porém,
quanto mais as instituições destas grandes unidades
nacionais se desenvolveram, tanto mais evidente se tor-
nava a necessidade de implantar aquelas principais
fontes de poder e riqueza no próprio território. Tendo a
sensação de que essas só podiam lançar raízes e florescer
no solo da liberdade civil, o poder real fomentava a
liberdade municipal e a criação de corporações, nas
quais reconhecia simultaneamente um contrapeso contra
a aristocracia feudal que aspirava a independência e era
hostil à unidade nacionaL Mas esta medida não parecia
suficiente: primeiro, porque a soma das vantagens que
os indivíduos desfrutavam nas cidades e repúblicas
livres era muito maior do que a soma das vantagens que
as monarquias podiam ou deviam oferecer às suas cida-
des municipais; depois, porque com livre concorrência é

543
muito difícil, senão impossível, para um país que desde
sempre tem praticado principalmente a agricultura, des-
pojar dos seus bens aqueles que desde há séculos têm a
posse de manufacturas, do comércio e da navegação;
finalmente, porque nas grandes monarquias, as institui-
ções feudais estavam a impedir o desenvolvimento da
agricultura no interior e por conseguinte também o pro-
gresso das manufacturas internas. Desta forma, a natu-
reza das coisas levava as grandes monarquias àquelas
medidas políticas que visavam dificultar a importação
de manufacturas estrangeiras, o comércio e a navegação
dos estrangeiros e promover o desenvolvimento das
manufacturas próprias, do comércio próprio e da nave-
gação própria.
Em vez de, como antigamente, cobrar os direitos,
sobretudo sobre as matérias-primas que saíam do país,
agora entravam maioritariamente impostos sobre os
produtos manufacturados. Os privilégios oferecidos
desta maneira fizeram com que os comerciantes, nave-
gantes e manufactores de cidades e países mais avança-
dos emigrassem com os seus capitais para as grandes
monarquias e estimulassem o espírito empreendedor
dos seus próprios cidadãos. O nascimento da indústria
nacional tinha como consequência imediata o nasci-
mento da liberdade nacional. A aristocracia feudal viu-
-se obrigada, no seu próprio interesse, a fazer concessões
à população industrial e comercial bem como à popula-
ção agrícola. Disso e do nascimento da indústria e do
comércio próprios resultaram progressos na agricultura,
que por sua vez tiveram efeitos positivos sobre os dois
outros factores da riqueza nacional. Mostrámos como a

544
Inglaterra, devido a este sistema e favorecida pela
Reforma, tem progredido de século para século no
desenvolvimento da sua força produtiva, da sua liber-
dade e do seu poder. Explicámos como na França este
sistema foi imitado durante algum tempo com sucesso,
mas fracassou porque as instituições do feudalismo, do
clero e da monarquia absoluta ainda não tinham sidos
reformadas. Provámos como a nacionalidade polaca pere-
ceu, porque a monarquia electiva não possuía influência
e perseverança suficientes para, por meio desta política,
criar uma burguesia forte e reformar a aristocracia
feudal.
Em resultado desta política, a cidade comerciante e
manufactureira e a província agrícola, que na maioria
dos casos se mantinha fora da sua união política, foram
substituídas pelo estado agrícola-manufactureiro-comer-
cial, pela nação perfeita em si própria - constituindo um
todo harmonioso e completo - , na qual, por um lado, as
dissonâncias antes existentes entre monarquia, aristocra-
cia feudal e burguesia se dissolveram num acordo har-
monioso e, por outro, a agricultura, as manufacturas e
o comércio entraram na mais estreita relação e acção
recíproca. Era uma comunidade imensamente mais per-
feita do que a que tinha existido, porque alargava a força
de manufactura que antes, na república municipal, tinha
sido limitada a um espaço restrito de uma vasta área;
punha à sua disposição todos os recursos nela existentes;
efectuava a divisão do trabalho e a confederação das
forças produtivas nos diversos ramos da manufactura e
na agricultura numa escala infinitamente maior; esta-
belecia a ligação política e comercial entre a numerosa

545
classe de agricultores e os manufactores e comerciantes,
criando desta forma, por assim dizer, a paz permanente
entre eles; tornava permanente o efeito recíproco entre
força agrícola e força de manufactura e assegurava para
sempre que finalmente os agricultores participassem em
todas as vantagens civilizacionais relacionadas com as
manufacturas e o comércio. O estado agrícola-manufac-
tureiro-comercial é uma cidade estendida sobre um
império inteiro ou um país elevado a cidade. Na mesma
medida em que através desta união a produção material
foi promovida, as forças mentais tinham forçosamente
de se desenvolver, as instituições políticas tinham de
ficar mais perfeitas, os rendimentos do Estado, as forças
militares nacionais e a população tinham de crescer. Por
esta razão vemos hoje a nação que foi a primeira a
desenvolver por completo o estado agrícola-manufactu-
reiro-comercial liderar todas as restantes nações em
todos estes assuntos.
O sistema industrial não foi um sistema escrito,
apenas inventado pelos autores - era um sistema exe-
cutado na prática, com excepção de Steuart, que o abs-
traía em grande parte da prática inglesa, da mesma
maneira como António Serra tinha abstraído o seu da
observação das condições de Veneza. Mas esta publica-
ção não tem o mérito duma obra científica. A sua maior
parte é dedicada ao dinheiro, aos bancos, à circulação de
notas, às crises de comércio, à balança comercial e à teo-
ria demográfica - de cuja discussão, é verdade, ainda
nos nossos dias se podem tirar muitos ensinamentos,
mas é apresentada de forma muito pouco lógica e
incompreensível e repetindo a mesma ideia dez vezes.

546
As restantes partes da economia política são tratadas de
forma superficial ou totalmente omitidas. Nem as forças
produtivas nem os elementos do preço das coisas são
discutidos a fundo. O autor visa apenas as experiências e
as situações da Inglaterra. Numa palavra, este livro tem
todas as vantagens e desvantagens da prática inglesa e
de Colbert. As vantagens do sistema industrial relativa-
mente aos sistemas posteriores são: 1. que reconhece
claramente o valor das manufacturas próprias e o seu
efeito sobre a agricultura interna, sobre o comércio e a
navegação, sobre a civilização e o poder da nação e se
pronuncia francamente sobre o assunto; 2. que geral-
mente escolhe as medidas correctas, através das quais a
nação suficientemente madura para implantar uma força
manufactureira consegue atingir uma indústria nacio-
nal!; 3. que parte do conceito da nação e, considerando
as nações como unidades, toma em conta em todos os
assuntos os interesses e situações nacionais.
Em contrapartida, este sistema padece dos seguin-
tes defeitos principais: 1. em geral não reconhece clara-
mente o princípio da educação industrial da nação, assim
como as condições sob as quais deve ser aplicado;

1 Steuart diz B.l. Cap. XXIX: ln order to promote industry


a statesman must act, as well as permit and protect. Could ever
the woollen manufacture have been introduced into France
from the consideration of the great advantage England had
drawn from it, if the King had not undertaken the support of
it, by granting many privileges to the undertakers and by
laying strict prohibitions on ali foreign cloths? Is there any
other way of establishing a new manufacture anywhere?

547
2. como consequência disto, induz povos que vivem
numa região desfavorável às manufacturas, ou Estados e
povos pequenos e não civilizados, a imitarem errada-
mente o sistema proteccionista; 3. quer estender a pro-
tecção, para desvantagem própria da agricultura, tam-
bém a esta e às matérias-primas, embora a agricultura
esteja já suficientemente protegida pela natureza das
coisas contra a concorrência estrangeira; 4. a desfavor da
agricultura e ilegalmente quer favorecer as manufac-
turas dificultando a exportação de matérias-primas;
5. não ensina a nação que alcançou a supremacia manu-
factureira e comercial a proteger os seus manufactores e
comerciantes contra a indolência, admitindo a livre
concorrência nos seus próprios mercados; 6. seguindo
exclusivamente objectivos políticos, interpreta mal as
situações cosmopolitas de todas as nações, os objectivos
de toda a Humanidade, levando consequentemente os
governos a aplicar o sistema proibitivo onde o sistema
proteccionista era o suficiente, ou a cobrar direitos alfan-
degários que equivalem a uma proibição onde tarifas
aduaneiras proteccionistas moderadas iriam condizer
melhor com o fim; finalmente, 7. devido à total má
interpretação do princípio cosmopolita não reconhece a
futura união de todas as nações, a conquista da per-
manente paz e a liberdade geral do comércio como
sendo o objectivo, para o qual todas as nações devem
aspirar e ao qual de devem aproximar cada vez mais.
As Escolas posteriores, porém, acusaram este sis-
tema erradamente de considerar somente os metais pre-
ciosos como objectos de riqueza, quando seriam, como
todas as outras coisas de valor, apenas uma mercadoria,

548
e de ter a intenção de vender o máximo possível a outras
nações, comprando o mínimo possível delas. No que
respeita à primeira acusação, não se pode dizer nem da
Administração de Colbert nem da Administração
inglesa, desde Jorge I, que tenham atribuído um valor
demasiado alto às importações de dinheiro. A orientação
da sua política comercial que certamente padeceu de
alguns erros, mas de maneira geral produziu resultados
significativos, era aumentar as manufacturas internas, a
sua própria navegação e o seu comércio externo. Vimos
que os Ingleses, desde o Acordo de Methuen (1703),
exportavam anualmente grandes quantidades de metais
nobres para as Índias Orientais, sem considerar um mal
esta exportação. Quando os ministros de Jorge I, em
1721, proibiram a importação dos produtos de algodão e
seda vindos das Índias Orientais, não disseram que isto
acontecia porque uma nação deve vender tanto quanto
possível ao estrangeiro e comprar o mínimo possível do
estrangeiro - este disparate foi atribuído ao sistema
industrial por uma Escola posterior; disseram que seria
óbvio que uma nação só poderia alcançar riqueza e
poder através da exportação dos produtos manufacturados
próprios e da importação de matérias-primas e produtos ali-
mentares estrangeiros. A Inglaterra tem seguido esta
máxima de Estado até ao dia de hoje, e assim tem-se
tornado rica e poderosa; esta máxima de Estado é a
única verdadeira para uma nação de velha cultura, cuja
agricultura já acabou de alcançar um alto grau de desen-
volvimento.

549
Trigésimo Capítulo

O SISTEMA FISJOCRATA OU AGRÍCOLA

Tivesse a grande tentativa de Colbert tido sucesso;


não ocorresse a revogação do Édito de Nantes; se o amor
ao luxo e a falsa ambição de Luís XIV e o desleixo e
esbanjamento dos seus sucessores não tivesse sufocado à
nascença a semente espalhada por Colbert; fosse então a
França um país rico em manufactura e comércio; se um
destino favorável tivesse transmitido à burguesia as
possessões do clero francês; tivesse surgido, como
resultado destes progressos, uma sólida Câmara Baixa e,
através dela, sido reformada a aristocracia feudal fran-
cesa - o sistema fisiocrata teria dificilmente visto a luz
do mundo. Manifestamente, foi um sistema abstraído
das condições temporárias na França, calculado só para
estas condições.
Na altura em que surgiu na França, a maior parte
da terra estava nas mãos do clero e da nobreza. Foi
construído através de camponeses submersos em servi-
dão e famélico servilismo pessoal, em superstição, igno-
rância, preguiça e pobreza. Atrás de coisas fúteis, aque-
las em cuja propriedade se encontravam os instrumentos
produtivos, não tinham disposição nem interesse pela
agricultura; mas os que andavam com o arado não
tinham meios nem culturais nem materiais para melho-
ramentos da agricultura. A pressão sobre a produção

551
agrícola era reforçada pelas instituições feudais através
de insaciáveis exigências da monarquia aos produtores,
que eram tanto mais exorbitantes quanto o clero e a
nobreza dispunham de isenção de impostos. Nestas
condições, era impossível prosperarem as principais
indústrias, nomeadamente aquelas que se baseiam na
produção da agricultura interna e no consumo da
grande massa de população; só reagiriam os que pro-
duzem objectos de luxo para as classes privilegiadas.
O comércio externo era limitado pela incapacidade dos
produtores materiais de consumir grandes quantidades
de produtos da zona quente e pagá-los com o excedente
dos seus produtos; as alfândegas provinciais abafavam o
comércio interno.
Nestas condições, nada poderia ser mais natural do
que homens pensantes, nas suas investigações sobre as
causas da miséria e necessidades dominantes, chegas-
sem à convicção de que o bem-estar nacional não pode
melhorar enquanto a agricultura não se libertar daquelas
correntes, enquanto os proprietários das terras e do
capital não se interessarem pela agricultura, enquanto
os camponeses permanecerem afundados na submissão,
na superstição, na preguiça e ignorância, enquanto os
impostos não diminuírem e forem distribuídos igual-
mente, enquanto as limitações internas do comércio se
mantiverem e o comércio externo não florescer.
Só que estes homens pensantes eram médicos do
monarca e da corte, protegidos, amigos e confidentes da
nobreza e do clero; queriam tanto entrar em guerra con-
tra o poder absoluto corno contra a nobreza e o clero. Só
lhes restava camuflar o seu meio de informação, os seus

552
planos de reforma no escuro dum sistema profundo, tal
corno antes e depois ideias políticas e religiosas de
reforma foram envolvidas na roupagem de sistemas
filosóficos. Seguindo os filósofos do seu tempo e do seu
país que, perante a ruína total das condições da França,
procuravam consolo no vasto campo da filantropia e
cosmopolitismo, mais ou menos corno o pai da casa que,
por desespero por causa da destruição da sua casa pro-
cura distracção na taberna, os fisiocratas caíram no prin-
cípio cosmopolita da liberdade do comércio corno pana-
ceia através da qual todos os males dominantes se
curavam. Quando tinham encontrado o seu ponto de
referência à superfície, cavaram mais fundo e encontra-
ram no revenu net do solo ·urna base que correspondia às
suas ideias. Imediatamente se seguiu a montagem do
sistema: "Só o solo dá um rendimento puro, a agricul-
tura é, portanto, a única fonte de riqueza", urna frase da
qual se podiam tirar maravilhosas consequências: pri-
meiro, era preciso que o sistema feudal caísse a favor
dos proprietários da terra; depois, todos os impostos
deviam cair sobre o solo corno fonte de riqueza - por-
tanto, liberdade de impostos para a nobreza e clero;
finalmente, os manufactores eram urna classe improdu-
tiva que não tinha de pagar impostos, mas também não
podia exigir protecção do Estado - e com isso caiu tam-
bém a alfândega.
Em resumo, através de argumentos e afirmações
sem sentido, chegou-se à prova das verdades que se
tinha a intenção de provar.
Da nação, das condições e relações nacionais
perante outras nações, já não se falava pois que- a Ency-

553
clopédie Méthodique prova-o- "o bem-estar do indivíduo
é condicionada pelo bem-estar de toda a Humanidade" .
Aqui não havia, portanto, nenhuma nação, nenhuma
guerra, nenhumas regras de comércio externo; a História
e a experiência tinham de ser ignoradas ou distorcidas.

A maior vantagem neste sistema era que se criava a


aparência de combater o si_stema de Colbert e o privilé-
gio dos manufactores a favor dos proprietários da terra,
quando os golpes eram principalmente dir~gidos a estes
últimos. O pobre Colbert tinha de suportar toda a culpa
da diminuição da agricultura francesa, apesar de todos
saberem que a França só tinha uma grande indústria
desde Colbert e o mais pequeno senso comum perceber
que as manufacturas são o principal meio de elevar a
agricultura e o comércio.
A revogação do Édito de antes, as guerras levia-
nas de Luís XIV, os gastos inúteis de Luís XV foram
completamente ignorados.
Quesnay nos seus escritos apresentou e rebateu
ponto por ponto as críticas feitas ao seu sistema; fica-se
admirado com tanto saudável bom senso que ele põe na
boca dos seus opositores e com a quantidade de dispa-
rates místicos que apresenta como raciocínio próprio
contra as críticas. Contudo, estes disparates foram acei-
tes como sabedoria pelos contemporâneos do reforma-
dor, porque a tendência do seu sistema correspondia às
condições de momento na França e à orientação filan-
trópica e cosmopolita do século.

554
Trigésimo Primeiro Capítulo

O SISTEMA DE VALOR DE TROCA

(Pela Escola erradamente chamado Sistema Industrial)

Adam Smith

A doutrina de Adam Smith, no que respeita às


condições nacionais e internacionais, é urna mera conti-
nuação do sistema fisiocrata. Corno este, ignora a natu-
reza da nacionalidades, exclui a política e o poder do
Estado quase completamente, pressupõe a paz eterna e a
união universal, ignora o valor duma manufactura nacio-
nal e os meios de chegar lá, exige a liberdade de comér-
cio absoluta.
Também Adam Smith, exactamente no mesmo
caminho que antes dele os fisiocratas seguiram, caiu
nestes erros fundamentais, nomeadamente por conside-
rar a liberdade absoluta do comércio internacional urna
exigência da razão e não investigar a fundo o desenvol-
vimento histórico desta ideia.
Dugald Stewart, o inteligente biógrafo de Adam
Smith, relata-nos: Smith, já 21 anos antes de aparecer a
sua obra (1776), nomeadamente no ano de 1755, ocupou-
-se, numa sociedade literária, da prioridade da liberdade
do comércio com as seguintes palavras:
"O Homem é normalmente considerado · pelos
homens de Estado e projectistas corno o material duma

555
espeCie de trabalho manual político. Os projectistas
perturbam a Natureza nas suas operações sobre assun-
tos humanos, enquanto se deve deixá-la a si própria e
agir livremente para atingir o seu objectivo final. Para
erguer um Estado da mais baixa barbárie ao mais alto
nível de riqueza só é preciso paz, uma ordem moderada
e uma boa justiça; tudo o resto segue, por si, o caminho
natural das coisas. Todos os governos que se opõem a
este curso natural, que querem levar os capitais para
outros canais, ou travar o progresso da sociedade, agem
contra a natureza e tornam-se, para se manter, agresso-
res e tiranos."

Adam Smith partiu desta perspectiva de base e


todos os seus trabalhos posteriores tinham o objectivo de
prová-la e esclarecê-la. Esta maneira de ver foi reforçada
mais tarde através de Quesnay, Turgot e os outros cori-
feus da Escola Fisiocrata que ele conhecera no ano de
1765 numa viagem a França.
Nitidamente, Smith considerava a ideia da liber-
dade de comércio uma descoberta intelectual que devia
provar a sua fama literária. É pois natural que na sua
obra procurasse ~fastar e refutar tudo o que surgisse no
caminho desta ideia, que se considerasse o advogado da
liberdade de comércio absoluta e pensasse e escrevesse
neste espírito.
Que seria de esperar de tais maneiras de ver pre-
concebidas senão que Smith avaliasse coisas e pessoas, a
História e a estatística, as normas políticas e os seus
autores consoante correspondessem ou contradissessem
o seu princípio fundamental?

556
Na passagem acima citada de Dugald Stewart está
contido in nuce todo o sistema de Adam Smith. O poder
estadual não pode nem deve fazer nada mais além de
aplicar o direito e cobrar, tanto quanto possível, poucos
impostos. Homens de Estado que ambicionam criar uma
força de manufactura, elevar a navegação, fomentar o
comércio externo, protegê-lo com o poder marítimo e
criar colónias ou consegui-las são, para este projectista,
um impedimento para o progresso da sociedade. Para
ele, não existe nação mas só sociedade, isto é, indivíduos
que vivem em conjunto. Os indivíduos é que sabem
melhor que ramos alimentares são mais vantajosos para
eles, e eles são os melhores a escolher para si próprios os
meios que levam ao seu bem-estar.
Este aniquilamento completo da nacionalidade e do
poder do Estado, este levantar do indivíduo a iniciador
de toda a força criadora, só podia ser plausível tornando
objecto principal da investigação não a força criadora
mas o produzido, a riqueza material, ou melhor, o valor
que o produzido tem na troca. O materialismo tinha de
ser posto ao lado do individualismo, para encobrir as
somas incomensuráveis de forças que resultam, para os
indivíduos, das nacionalidades, da unidade nacional e
da confederação nacional das forças produtivas. Tinha
de se fazer valer uma mera Teoria do valor como eco-
nomia nacional, porque só os indivíduos produzem
valores, e o Estado, incapaz de criar valores, tem de
limitar a sua actividade a suscitar, proteger e fomentar
as forças produtivas dos indivíduos. Nesta combinação,
a quinta essência da economia política apresenta-se
assim: a riqueza consiste na posse de valores e troca .

557
Valores de troca surgem através de trabalho individual
em relação com a força da natureza e capitais. Através
da divisão do trabalho a sua produtividade aumenta. Os
capitais formam-se pela poupança - pelo facto de a pro-
dução ultrapassar o consumo. Quanto maior a soma dos
capitais, maior a divisão do trabalho, portanto a capaci-
dade de produção. O interesse privado é o melhor estí-
mulo para o trabalho e poupança. A mais alta sabedoria
do poder do Estado consiste, portanto, em não colocar
nenhuma barreira à actividade privada e cuidar apenas
da segurança e da justiça. É, portanto, insensato obrigar
os funcionários do Estado através de medidas estatais a
produzirem eles próprios o que podem conseguir mais
barato no estrangeiro.
Devia surgir, na falta de outro, um sistema tão con-
sequente que, aparentemente, mostrasse a riqueza nos
seus elementos, o processo de produção de riqueza de
forma clara, e os erros das Escolas anteriores. Só que o
erro estava no facto de o sistema, no fundo, não ser mais
do que um sistema de economia privada de todos os indiví-
duos do país ou também de toda a Humanidade, como ele sur-
giria e apresentaria se não houvesse quaisquer Estados especí-
ficos, nações e interesses nacionais, quaisquer constituições
especificas e situações culturais, qualquer guerra e paixões
nacionais; em que não era outra coisa senão uma Teoria
do valor, uma teoria de escritórios e de comerciantes,
não uma doutrina que ensina como as forças produtivas
de toda uma nação são acordadas, alargadas,- mantidas e
defendidas para vantagem especial da sua civilização,
do seu bem-estar, do seu poder, da sua continuidade e
independência.

558
Este sistema vê tudo na perspectiva do comer-
ciante. O valor das coisas é a sua riqueza, só quer ganhar
valores. A implantação de forças produtivas, deixa-a ao
acaso, à natureza e ao novo Senhor Deus, como se qui-
ser; só que o Estado não deve ter nada a ver com isso, a
política não se deve misturar no negócio de acumulação
de valores. Compra onde pode ter os produtos mais
baratos, que não faz mal que as importações arruinem as
suas fábricas. As nações estrangeiras estabelecem um
prémio de exportação para os seus produtos manufactu-
rados - tanto melhor, compram-se mais baratos. Só
aqueles que produzem valores de troca são, para este
sistema, produtivos. Vê, sim, que a divisão do trabalho
em detalhe fomenta os negócios, mas não vê nada na
divisão do trabalho ao nível nacional. Só através da
poupança individual multiplica os capitais e só na
medida do seu aumento de capital pode aumentar os
seus negócios; não dá qualquer valor ao alargamento
das forças produtivas como consequência do apareci-
mento de fábricas nacionais e do crescimento do comér-
cio externo e do poder nacional daí resultante. O que no
futuro acontecerá à nação toda, é-lhe indiferente, desde
que os indivíduos particularmente ganhem em valores
de troca. Conhece a renda da terra, mas não o valor da
terra; não vê que a maior parte da riqueza duma nação
consiste no valor das terras e a propriedade a elas ligada .
Não se preocupa absolutamente nada com a influência
do comércio externo sobre o valor e preço das terras e as
flutuações e calamidades daí resultantes. Em resumo,
este sistema é o mais rígido e consequente sistema mer-
cantilista e não se entende como se podia dar este nome

559
ao sistema de Colbert, cuja tendência principal consiste
num sistema industrial, isto é, um sistema que, sem con-
siderar o lucro ou perda actual em valores de troca, só
tem em vista implantar uma indústria nacional, um
comércio nacional.
Com isto não queremos de forma alguma negar os
grandes méritos de Adam Smith. Foi o primeiro a intro-
duzir, com sucesso, o método analítico na economia polí-
tica. Através deste método e um grau não habitual de
perspicácia, trouxe luz aos principais ramos da ciência
que estavam completamente na escuridão. Antes de
Adam Smith, havia só uma prática; só com os seus tra-
balhos tornou-se possível criar uma ciência da política
económica e ele forneceu para tanto maior quantidade
de materiais que todos os seus antecessores e sucessores.
Precisamente nas características do seu espírito,
pelas quais Adam Smith forneceu coisas tão importantes
na análise das várias peças da economia política, esteve
a razão de não ver a globalidade da sociedade, de não
conseguir harmonizar o individual com o todo, que, de
tantos indivíduos, não conseguia ver a nação, que
devido à preocupação, pela actividade livre do produtor
individual tenha perdido a visão dos objectivos da nação
inteira. Reconhecendo de forma tão clara as vantagens
da divisão do trabalho na fábrica individual, Adam
Smith não vê que o mesmo princípio é aplicável com o
mesmo valor a províncias e nações completas.
Esta opinião está completamente de acordo com o
que Dugald Stewart diz dele. Sabia avaliar com perspi-
cácia extraordinária características individuais; mas
quando dava uma opinião sobre a globalidade de um

560
carácter ou de um livro, não se podia ficar suficiente-
mente admirado com a unilateralidade e distorção das
suas opiniões. Sim, não sabia mesmo avaliar correcta-
mente o carácter daqueles com quem tinha vivido mui-
tos anos na mais familiar amizade. "O quadro", diz o
biógrafo, "era sempre vívido e impressionante e tinha
forte semelhança com o original, quando comparado sob
um certo ponto de vista, mas nunca dava uma ideia
completa em todas as dimensões e relações."

561
Trigésimo Segundo Capítulo
(Continuação)

JEAN-BAPTISTE SA Y E A SUA ESCOLA

No conjunto, este autor pretendeu somente pôr


num sistema os materiais que Adam Smith acumulou de
forma desordenada, explicá-los e propagá-los, o que
conseguiu completamente na medida em que possuía
em alto grau o dom da sistematização e da exposição.
Nos trabalhos que publicou, não se encontra nada de
novo e original, excepto reclamar que o trabalho inte-
lectual é produtivo, o que Adam Smith negava. Só que
esta maneira de ver, muito correcta segundo a Teoria
das forças produtivas, está em contradição com a Teoria
do valor de troca, e declaradamente Smith é mais coe-
rente do que Say. Os trabalhadores intelectuais não pro-
duzem directamente nenhum valor de troca, antes dimi-
nuem pelo seu consumo a soma dos rendimentos e pou-
panças e, portanto, da riqueza material. E além disso a
razão pela qual Say atribui produtividade ao trabalho
intelectual, nomeadamente por ser compensado em
valor de troca, é uma razão nula, pois este valor já está
produzido antes de ir para as mãos dos trabalhadores
intelectuais: apenas muda de dono, a sua quantidade
não aumenta pela troca. O trabalho intelectual só pode
ser considerado produtivo quando se consideram como
riqueza nacional as forças produtivas da nação e não a

563
posse de valor de troca . Say, neste aspecto, estava
perante Smith na mesma situação em que Smith se tinha
encontrado perante os fisiocratas. Para atribuir produti-
vidade aos manufactores, Adam Smith teve de alargar a
noção de riqueza e Say, por seu lado, não tinha outra
escolha senão adoptar o disparate que os trabalhadores
intelectuais não eram produtivos, tal como lhe tinha
transmitido Adam Smith, ou então alargar a noção de
riqueza nacional, tal como tinha sido alargada por Adam
Smith relativamente os fisiocratas, alargá-lo à força pro-
dutiva e dizer: a riqueza nacional não consiste na posse
de valores de troca, mas sim na posse de força produ-
tiva, como a riqueza dum pescador não está na posse de
peixes, mas sim na capacidade e nos meios de constan-
temente pescar o peixe de que precisa.
É interessante e tanto quanto sabemos não geral-
mente conhecido, que Jean Baptiste Say tivesse um
irmão cujo simples e saudável bom senso viu completa-
mente a imperfeição da Teoria do valor, e que o próprio
J.-B. Say, perante as dúvidas do irmão, exprimisse ele
próprio dúvidas sobre a correcção da sua doutrina.
Louis Say de Nantes achava que na economia polí-
tica se tornou dominante uma terminologia com que se
faz um jogo desleal e de que o seu irmão não está livre 1 •
Na sua opinião, a riqueza das nações não consiste em
bens materiais e no seu valor de troca, mas na capaci-
dade de produzir estes bens co nstantemente. A Teoria do
valor de troca de Adam Smith e de J. B. Say olha a
riqueza somente do lado limitado dum comerciante, e

1
Louis Say, Études sur la richesse des nations, Préface pag. IV.

564
este sistema, que quer reformar o chamado Sistema Mer-
cantilista, não é ele próprio outra coisa senão um sistema
mercantilista lirnitado 2 . Sobre estas dúvidas, J. Baptiste
responde ao irmão: "os seus [de J. Baptiste] métodos
[métodos?!], nomeadamente a Teoria do valor de troca,
não será certamente a melhor, a dificuldade está, con-
tudo, em encontrar urna rnelhor" 3 .
Corno? Corno encontrar uma melhor? Então não a
encontrou o irmão Louis? Não! A dificuldade aberta-
mente consistia em que não possuía perspicácia sufi-
ciente para compreender a ideia do irmão expressa natu-
ralmente nem para a desenvolver, ou consistia também
no facto de não querer dissolver outra vez a Escola já
fundada e ensinar precisamente o contrário daquilo com
que tinha ganho celebridade.
Nos escritos de Say apenas é peculiar a forma do
sistema, onde ele, nomeadamente, apresentava a eco-
nomia política como a doutrina que explicava a maneira

2 São estas as próprias palavras de Louis Say, p. 10: "la


richesse ne consiste pas dans les choses qui satisfont nos besoins
ou nos gouts, mais dans !e pouvoir d' en jouir annuellement".
Ferner, p. 14 a 15: "!e faux systeme mercantile fondé sur la
richesse en métaux précieux a été remplacé par une autre
fondé sur la richesse en valeurs vénales ou échangeables, qui
consiste à n'évaluer de qui compose la richesse d'une nation
que com me !e fait un marchand" . - Note page 14: "l'école
moderne gui réfute !e systeme mercantile, a elle-même créé un
systeme qui lui-même doit être appelé le systeme mercantil e".
3
Jbid. p. 36, pala vras de J.-B. Say: "que cette méthode
était loin d'être bonne, mais que la difficulté était d'en trouver
une meilleure".

565
de as riquezas materiais serem produzidas, divididas e con-
sumidas. Com nada mais do que esta classificação e o seu
acabamento, Say fez a sua sorte e a sua Escola. Não
admira; pois aqui tudo era óbvio, tão claro e compreen-
sível, Say sabia explicar o processo de produção especial
e as forças individuais aí ocupadas, tão claro tornava ele
o princípio da divisão do trabalho dentro do seu limi-
tado círculo, tão explicitamente explicava o comércio dos
indivíduos. Cada oleiro, cada merceeiro podia percebê-
-lo e percebê-lo tanto melhor quanto menos o senhor
J.-B. Say lhe dizia coisas novas e desconhecidas. Pois já
antes era sabido que no oleiro se tinha de ligar as mãos e
a habilidade (trabalho) com o barro (matéria natural)
para, através do torno do oleiro, do forno e da lenha, etc.
(capital) produzir potes (produtos com valor, valores de
troca) : só que não se designavam estas coisas com ter-
mos técnicos e não se generalizava através deles. Tam-
bém seria raro haver em qualquer sítio merceeiros que
não soubessem antes de J.-B. Say que na troca ambas as
partes podem ganhar e que quem manda produtos n o
valor de 1000 táleres para o estrangeiro e, por isso,
recebe do estrangeiro 1500 táleres, ganha SOO táleres. Já
antes se sabia que o trabalho enriquece e a preguiça traz
miséria, e que o interesse privado pessoal é a mais pode-
rosa espora para a actividade e que para ter galinhas
novas não se podem comer os ovos. É claro que não se
sabia que tudo isto é economia política, mas ficava-se
contente em ser iniciado de forma tão ligeira nos maio-
res segredos da ciência, em libertar-se dos odiados tri-
butos que tanto encarecem os nossos amados prazeres, e
em receber a paz eterna, irmandade mundial e o império

566
dos mil anos. Também não é de admirar que tantas pes-
soas cultas e funcionários do Estado se incluíssem na fila
dos admiradores de Smith-Say; pois que o princípio de
laissez Jaire, laissez passer exige algum esforço em sagaci-
dade àqueles somente que primeiro o apresentaram e
desempenharam - os escritores que lhes seguiram não
tinham mais que repetir o argumento, decorá-lo e torná-
lo claro; mas quem não teria o desejo e a capacidade de
ser um grande homem de Estado, quando nada mais
tem para fazer do que cruzar os braços?
É uma coisa singular com os sistemas: basta conce-
der nas primeiras frases, caminhar confiante e crente
pela mão do autor ao longo de alguns capítulos, e está-se
perdido. Digamos então ao senhor Jean-Baptiste Say,
logo ao princípio, que a economia política não é uma
ciência que, só por si, ensina como valores de troca são
produzidos pelos indivíduos, divididos entre eles e con-
sumidos por eles; digamos-lhe que o homem de Estado,
além disso, ainda quer saber e tem de saber: como as
forças produtivas duma nação inteira são despertadas,
multiplicadas, protegidas; o que as enfraquece, ou ador-
mece ou mesmo mata; de que modo, através das forças
produtivas nacionais, se exploram da melhor forma os
recursos nacionais; qual a maneira mais adequada de
produzirem existência nacional, independência nacional,
força nacional, cultura nacional e futuro nacional.
Este sistema passou dum extremo, que o Estado
pode e deve regular tudo, para o extremo oposto, que
não pode nem deve fazer nada e que o indivíduo é tudo
e o Estado, nada. A noção do senhor Say da omnipotên-
cia do indivíduo chega ao ridículo. Onde não pode dei-

567
xar de louvar a eficiência de Colbert para a educação
industrial da França, exclama: "Quase não era de acre-
ditar num tão alto grau de sabedoria numa pessoa só."
Passando do sistema para o autor, vemos nele um
homem que, sem conhecimento de grande alcance da
História, sem conhecimento profundo das ciências do
Estado e da administração do Estado, sem olhar político
ou filosófico, com uma única ideia na cabeça adoptada
de outro, rebusca a História, a política, a estatística, as
relações comerciais e industriais para encontrar provas e
factos que lhe possam servir para seu uso. Leia-se a sua
maneira de ver a navegação, o Tratado de Methuen, o
sistema de Colbert, o Tratado de Éden, etc., e encontrar-
-se-á esta opinião confirmada. Não lhe vem à ideia
perseguir a História do comércio e da indústria das
nações no seu conjunto. Say concede que as nações se
fortaleceram e enriqueceram sob a protecção alfande-
gária; só que, segundo a sua opinião, isto aconteceu ape-
sar da protecção e não como consequência da protecção, e
exige que acreditemos à letra nesta sua afirmação. Os
Holandeses, diz ele, viram-se obrigados a comunicar
directamente com as Índias Orientais pelo facto de Filipe
II lhes ter proibido os portos portugueses: como se uma
tal proibição fosse justificada pelo sistema proteccio-
nista, como se os Holandeses não encontrassem o seu
caminho para as Índias Orientais mesmo sem aquela
proibição. Com a estatística e com a política, o senhor
Say vive ainda em maior discórdia do que com a Histó-
ria, sem dúvida porque produzem factos desagradáveis,
"que se mostram muitas vezes rebeldes contra o seu
sistema" e porque nada percebe nada delas. Não conse-

568
gue parar de advertir os sofistas contra os dados estatís-
ticos e de lembrar que a política não tem nada a ver com
a economia política, o que mais ou menos soa como se se
quisesse afirmar que o estanho não tem nada que ser
tomado em consideração quando se está a observar um
prato de estanho.
Primeiro comerciante, depois fabricante, depois polí-
tico acidentado, Say agarra a economia política como se
agarra uma nova empresa quando a antiga já não quer
funcionar. Temos a sua própria confissão para tal, que ele
ao princípio tinha dúvidas sobre se se devia declarar parti-
dário do chamado sistema mercantilista ou do sistema de comér-
cio livre. O ódio ao Sistema Continental, que lhe destruiu
a fábrica, e ao seu autor, que o baniu do tribunato, destina-
ram-o a abraçar o partido do comércio livre absoluto.
A palavra liberdade, seja em que relação for, tem na
Erança, desde há 50 anos, um efeito mágico. Acresce que
Say, tanto no Império como na Restauração, pertencia à
oposição e pregava permanentemente a poupança. E
assim os seus escritos tornaram-se populares por razões
completamente alheias ao seu conteúdo. Ou seria com-
preensível que esta popularidade continuasse após a
queda de Napoleão, numa altura em que seguir o sis-
tema seria infalivelmente a ruína das manufacturas fran-
cesas? A sua insistência rígida no sistema cosmopolita
em tais condições revela a visão política que o homem
tinha. Como ele conhecia o mundo, testemunha a sua fé
firme nas tendências cosmopolitas de Canning e Huskis-
son. À sua fama, só faltou Luís XVIII e Carlos X não lhe
terem entregue o Ministério do Comércio e Finanças.
Sem dúvida que nesse caso o seu nome seria citado, na

569
História, ao lado do de Colbert - este criador de indús-
tria nacional, a ele como seu destruidor.
Nunca um escritor com tão poucos meios exerceu
um tão grande terrorismo científico como J.-B. Say; a
menor dúvida sobre a infalibilidade da sua doutrina era
expiada com o estigma do obscurantismo, e mesmo
homens como Chaptal temiam o anátema deste papa
político-económico. A obra de Chaptal sobre a indústria
francesa não é outra coisa, do princípio ao fim, senão
uma exposição dos efeitos do sistema proteccionista
francês; ele diz expressamente, fala abertamente, que n as
actuais relações mundiais só há esperança de salvação
para a França sob o sistema proteccionista. Não obstante,
tenta Chaptal, em contradição com toda a tendência do
seu livro, através dum louvor à liberdade do comércio,
obter por meio de lisonja o perdão para a sua heresia da
Escola de Say. Com excepção do Índex, Say imita D
papado. Com efeito, não proíbe escritos heréticos pelo
nome; avisa a juventude político-económica para que
não leia muitos livros, poderia muito facilmente ir por
caminhos errados; devia ler poucos mas bons livros, por
outras palavras: "só a mim e a Adam Smith devem vocês
ler, mais nenhum". Mas que da adoração dos jovens,
nenhuma grande parte fosse para o pai eterno da Escola,
disso tratou o seu lugar-tenente e o tradutor cá da terra;
pois, segundo Say, os livros de Adam Smith estão cheios
de confusão, imperfeições e contradições, e dá a enten-
der de forma clara que só dele se podia aprender "como
se deve ler Adam Smith".
Todavia, quando Say estava no auge da sua fama,
surgiram jovens heréticos que o atacaram de forma tão

570
eficiente e destemida que ele preferiu chamar-lhes à aten-
ção em privado e desviar-se brandamente da discussão
pública; entre eles, Tanneguy du Châtel, depois, e agora
de novo, ministro, era o mais violento e o mais genial.
"Selon vous, mon cher critique" - dizia Say ao
senhor du Châtel numa carta particular -, "il ne reste
plus dans mon économie politique que des actions sans
motifs, des faits sans explication, une chaine de rapports
dont les extrémités manquent et dont les anneaux les
plus importants sont brisés. Je partage donc !'infortune
d' Adam Smith dont un des nos critiques a dit qu'il avait
fait rétrograder l'économie politique" 4 •

Num pós-escrito a esta carta, acrescenta muito in-


génuo: "dans le second ar ti ele que vous annoncez, il est
bien inutile de revenir sur cette polémique, par laquelle
nous pouvions bien ennuyer le public".
Agora a Escola Smith-Say está dissolvida em
França, e ao rígido e apagado domínio da Teoria do
valor de troca seguiu-se uma revolução e uma anarquia
que nem o senhor Rossi nem o senhor Blanqui conse-
guem conjurar. Os Saint-Simonistas e Fourieristas, com
alguns talentos à frente, em vez de reformarem a antiga
doutrina, puseram-na completamente de lado e cons-
truíram um sistema utópico. Só recentemente os mais
geniais entre eles tentaram relacionar a sua doutrina
com a da antiga Escola e ligar as suas ideias com as con-
dições existentes. Dos seus trabalhos, nomeadamente
dos do talentoso Michel Chevalier, esperam-se coisas

4
Say, Cours complete d'économie politique, VII, p. 378.

571
importantes. O que estas novas doutrinas têm de verda-
deiro e aplicável nos nossos dias é na maior parte expli-
cável pelo princípio da confederação e da harmonia das forças
produtivas. Destruição da liberdade individual e auto-
nomia é o seu lado fraco; nelas o indivíduo é completa-
mente absorvido pela sociedade, em oposição directa à
Teoria do valor de troca onde o indivíduo é tudo e o
Estado nada. Pode ser que a tendência do espírito mun-
dial esteja orientada para o surgir de situações corno
estas seitas as sonham ou calculam; mas, de qualquer
modo, creio que será necessária urna série de séculos
para as tornar possível. Não vive nenhum mortal que
pudesse calcular os progressos de séculos futuros em
invenções e condições sociais. Nem mesmo um espírito
corno o de Platão conseguiu suspeitar que, após milhares
de anos, os escravos da sociedade fossem fabricados de
ferro, aço e latão; nem um espírito corno o de Cícero
conseguiu prever que a imprensa tornaria possível o
alargamento do sistema representativo a impérios intei-
ros, até talvez a partes completas do Mundo e a toda a
Humanidade. Apesar de ser concedido a alguns grandes
espíritos prever certos progressos de futuros milénios,
corno Cristo previu o fim da escravatura, cada época é
confrontada com a sua tarefa específica. Mas a tarefa da
época em que vivemos não parece ser desmoronar-se a
Humanidade em Phalansteres de Fourier, para colocar os
indivíduos o mais iguais possível nos seus prazeres
culturais e corporais, mas sim aperfeiçoar a força pro-
dutiva, a cultura mental, as condições políticas e o poder
de nacionalidades completas e, através de urna situação
tão igual quanto possível, preparar a união universal.

572
Pois suponhamos que nas condições actuais do mundo,
através daquelas Phalansteres que os seus apóstolos pre-
tendem, o primeiro objectivo era alcançado: qual seria o
efeito sobre o poder e autonomia das nações? Como não
correria a nação esmoronada em Phalansteres o perigo de
ser dominada por nações que continuavam nas antigas
condições e de verem destruídas as suas criações pre-
maturas com toda a sua nacionalidade?
Actualmente, a Teoria do valor de troca caiu em tal
impotência que quase só se ocupa com análises sobre a
natureza da renda, e que Ricardo nos seus "principies of
politicai economy" podia dizer: "A tarefa principal da
economia política é estabelecer as leis segundo as quais o
rendimento do solo é distribuído por proprietários,
arrendatários e trabalhadores."
Enquanto uns são da ousada opinião de que esta
ciência está completa e não há nada de essencial a acres-
centar, afirmam aqueles que lêem estes escritos com uma
visão filosófica ou prática: ainda não existe nenhuma
economia política, esta ciência ainda está por construir;
até agora, é mera astrologia, mas é possível e desejável
que dela saia uma Astronomia.
Finalmente queremos lembrar, para não sermos
mal-entendidos, que a nossa crítica dos escritos de J.-B.
Say, assim como dos seus antecessores e sucessores, só
se refere às relações nacionais e internacionais e que não
nos ocupamos do seu valor em relação à formação de
doutrinas secundárias. É claro que um autor pode trazer
valiosas maneiras de ver deduções sobre cada um dos
ramos da ciência, não obstante a base do seu sistema ser
completamente errónea.

573
QUARTO- LIVRO.

A POLÍTICA
Trigésimo Terceiro Capítulo

A SUPREMACIA INSULAR E AS POTÊNCIAS CONTINENTAIS

América do Norte e França

Em todas as épocas houve cidades ou países que se


distinguiram dos outros na indústria, comércio e nave-
gação, mas uma supremacia como a dos nossos dias
nunca o mundo viu.
Em todas as épocas, nações e potências ambiciona-
ram a hegemonia mundial, mas nenhuma construiu o
seu sistema de poder sobre tão largos fundamentos. Que
fúteis nos parecem as ambições dos que quiseram basear
o seu domínio universal no mero poder das armas, con-
frontados com a grande tentativa da Inglaterra de elevar
todo o seu território a uma incomensurável cidade de
manufactura, comércio e portuária e passar a ser, entre
os países ricos da terra, o que é uma grande cidade
perante os campos fora dos seus limites: a essência de
todas as indústrias, artes e ciências de todo o grande
comércio e riqueza, de toda a navegação e poder marí-
timo; uma metrópole que fornece manufactura a todos
os países e, em contrapartida, é fornecida de matérias-
-primas e produtos agrícolas por cada país, oferece o que
a sua natureza tem de útil e aceitável; uma despensa de
todos os grandes capitais; uma banqueira de todas as
nações, que dispõe dos meios de circulação de todo o

577
mundo e, através de empréstimos e rendas, torna todos
os povos da terra tributáveis.
No entanto, sejamos justos perante esta potência e a
sua ambição. O mundo não parou, antes foi imensa-
mente impulsionado pela Inglaterra no seu progresso.
Transformou-se em exemplo e modelo para todas as
nações na política interna e externa como nos grandes
inventos e empreendimentos de todo o género, no aper-
feiçoamento da indústria e meios de transporte como na
descoberta e desbravamento de terras não cultivadas,
em especial na exploração de riquezas naturais de zona
quente e na civilização de povos bárbaros ou caídos na
barbárie. Quem sabe quanto o mundo teria ficado para
trás se não tivesse havido uma Inglaterra? E se tivesse
deixado de existir, quem consegue medir até que ponto
a Humanidade seria atirada para trás? Alegremo-nos,
pois, com os progressos incomensuráveis daquela nação,
desejemos-lhe prosperidade para sempre.
Mas devemos, por isso, desejar também que crie um
reino universal sobre as ruinas das outras nacionalida-
des? Só um cosmopolitismo inaudito ou uma estreiteza
mercantil poderiam responder afirmativamente. Expu-
semos nos capítulos anteriores as consequências de uma
tal desnacionalização e mostrámos que a cultura da
Humanidade só pode surgir de uma igualdade de mui-
tas nações em cultura, riqueza e poder; que, assim como
a própria Inglaterra se lançou de uma situação de barbá-
rie para o seu nível actual, à frente de outros países abre-
-se o mesmo caminho; e que actualmente mais do que
uma nação é chamanda a aspirar ao mais alto objectivo
da cultura, da riqueza e do poder. Reunamos aqui de

578
forma sumária as máximas de Estado através das quais a
Inglaterra chegou à sua actual grandeza; resumidamente
são elas:
- dar sempre preferência à importação de força
produtiva em relação às mercadorias 1;
- tratar e proteger cuidadosamente o advento da
força produtiva;
- importar apenas matéria-prima e produtos agrí-
colas e exportar apenas manufacturas;
- utilizar o excedente em força produtiva na colo-
nização e submissão de nações bárbaras;
- reservar exclusivamente à metrópole o forneci-
mento de manufacturas às colónias e países submetidos
e, em compensação, comprar, de preferência a esses
países, matérias-primas e em especial os seus produtos
coloniais;
- navegação costeira, navegação entre a metrópole
e as colónias feita exclusivamente pela Inglaterra, cuidar
da pesca através de prémios e conseguir a máxima parti-
cipação possível na navegação internacional;

1
Mesmo uma parte da produção inglesa de lã deve-se a
esta máxima. Eduardo VI importou com concessões especiais
3000 ovelhas de Espanha, onde era proibida a exportação da
ovelha, e distribuiu-as entre as freguesias com a ordem de não
matar ou castrar nenhuma durante 7 anos. (Essay sur le
commerce d'Angleterre, Tome I, p. 379.) Após ter alcançado o
objectivo desta medida, a Inglaterra retribuiu as concessões
do governo espanhol com uma proibição da lã espanhola.
A eficácia desta proibição, ilegal como era, pode ser tão pouco
contestada como a da proibição da importação de lã de
Carlos II (1672 e 1674).

579
- criar desta forma uma supremacia dos mares, e
com isso alargar constantemente o comércio externo e o
domínio colonial;
- consentir liberdade no comércio colonial e na
navegação apenas na medida em que haja mais a ganhar
do que a perder; exigir direitos de navegação mútuos
quando há vantagem para o lado inglês, quando outros
países possam, por isso, ser impedidos de introduzir
limites à navegação a seu próprio favor;
- fazer concessões a outros países relativamente à
importação de produtos agrícolas apenas no caso de
assim conseguir concessões respeitantes à exportação de
produtos manufacturados;
-quando não for possível conseguir tais concessões
por contrato, atingir o objectivo através do comércio de
contrabando;
- fazer guerras e alianças tomando exclusivamente
em consideração os interesses da manufactura, comércio,
navegação e colónias; ganhar com amigos e inimigos,
interrompendo com estes o seu comércio marítimo,
arruinando as manufacturas daqueles através de subsí-
dios pagos na forma de produtos manufacturados
ingleses.

Estas max1mas foram peremptoriamente enuncia-


das no passado por todos os ministros e oradores parla-
mentares. Da forma mais franca, os ministros de Jorge I
declararam em 1721, por ocasião da proibição de impor-
tação de produtos fabricados nas Índias Orientais: é
claro que uma nação só pode vir a ser rica e poderosa
importando matéria-prima e exportando manufacturas.

580
Ainda no tempo dos Lordes Chatham e North não se
tinham abstido de dizer abertamente no Parlamento: não
se deve admitir que na América do Norte se fabrique um
único cravo de ferradura.
Só com Adam Smith apareceu uma nova máxima a
acrescentar às supracitadas: encobrir a verdadeira política
da Inglaterra através de palavras cosmopolitas e argumentos
encontrados por Adam Smith para evitar outras nações de
imitar esta política.
É uma regra de bom senso que, chegando ao cimo,
se retira a escada pela qual se subiu para não deixar aos
outros o meio de treparem a seguir a nós. Aqui está o
segredo da teoria cosmopolita de Adam Smith, das ten-
dências cosmopolitas do seu conterrâneo William Pitt e
de todos os seus sucessores na administração pública
britânica. Uma nação que, através de medidas protec-
cionistas e limitações à navegação, desenvolveu a sua
manufactura e navegação a tal ponto que nenhuma
outra nação consegue entrar em livre concorrência com
ela, não pode fazer nada mais inteligente do que arre-
messar a escada da sua altura, pregar às outras nações as
vantagens da liberdade do comércio, reconhecer, arre-
pendida, que estivera até ao presente no caminho do
erro e que só agora chegara ao conhecimento da ver-
dade.
William Pitt foi o primeiro homem de Estado inglês
a perceber para que servia afinal a teoria cosmopolita de
Adam Smith, e não era por acaso que trazia sempre con-
sigo um exemplar da obra sobre a riqueza nacional. O
seu discurso do ano de 1786, que não era dirigido nem
ao Parlamento nem à nação, mas manifestamente aos

581
homens do Estado da França sem qualquer experiência e
conhecimento político e com o único objectivo de os per-
suadir das vantagens do Tratado de Eden, é um modelo
da dialéctica de Smith. Por natureza, dizia ele, a França
não pode prescindir da agricultura e da vinicultura,
como a Inglaterra da manufactura: estas duas nações
comportam-se uma com a outra como dois grandes comer-
ciantes que fazem comércio em ramos diferentes e se
enriquecem mutuamente através de troca de mercado-
rias2. Nem uma palavra sobre a velha máxima inglesa de

2 "A França" dizia Pitt, "tem vantagens sobre a Inglaterra

no que respeita ao clima e outras aptidões naturais, e por isso é


superior em artigos em bruto, ao passo que a Inglaterra tem
vantagem sobre a França no que respeita a artefactos." Os
vinhos, aguardentes, óleos e os vinagres da França, em especial
os dois primeiros, são artigos de tal valor e importância que o
valor dos nossos produtos naturais não se conseguem com-
parar com eles (?); mas, por outro lado, também é verdade que
a Inglaterra produz alguns produtos manufacturados em
exclusivo, e que noutros apresenta vantagens que, sem dúvida,
podem desafiar a concorrência da França. Isto é a condição
mútua e base sobre as quais se devia fundar uma ligação
vantajosa entre as duas nações. Como cada uma delas tem os
produtos de grande duração próprios, cada uma possui o que
falta à outra, comportam-se uma perante a outra como dois
grandes comerciantes que comercializam em dois ramos dife-
rentes e que, pela troca mútua dos seus produtos, se podem
tornar igualmente úteis um ao outro. Tomemos ainda em
consideração a riqueza da nação com que temos um tráfego de
vizinhança, a sua grande população, a sua proximidade e as,
daí derivada, vendas rápidas regulares - quem poderá ainda
protelar por um momento o apoio ao sistema da liberdade e

582
que uma nação no comércio externo só pode alcançar
um mais alto nível de riqueza e poder através da troca
de produtos manufacturados por produtos agrícolas e
matérias-primas. Esta máxima foi, e mantém-se a partir
de agora, um segredo de Estado inglês; nunca mais
foi pronunciada publicamente, mas foi cada vez mais
observada.
Aliás, se a Inglaterra, depois de William Pitt, tivesse
realmente deitado fora o seu sistema proteccionista
como uma muleta inútil, estaria muito mais elevada do
que está hoje, teria ficado muito mais perto do seu
objectivo de monopolizar a força manufactureira de todo
o mundo.
Manifestamente, o momento mais oportuno para
alcançar este objectivo ocorreu após a instalação da paz
geral. O ódio contra o sistema continental abriu a porta
à teoria cosmopolita em todas as nações do continente.
A Rússia, todo o Norte europeu, a Alemanha, a Penín-
sula Ibérica e os Estados Unidos da América do Norte
julgar-se-iam felizes se trocassem os seus produtos agrí-
colas e matérias-primas com produtos manufacturados
ingleses. A própria França seria capaz de se afastar do
seu sistema proibitivo através de algumas concessões

não desejaria com grande dedicação e impaciência o acelarar


da sua consolidação. A posse de um mercado tão alargado e
seguro daria um impul so extraordinário ao nosso comércio e
os impostos alfandegários que então passariam das mãos dos
contrabandistas para o Tesouro, seriam benéficos para as
nossas finanças, por conseguinte seriam duas fontes principais
mais lucrativas da riqueza britânica e do poder britânico."

583
visíveis em relação aos seus vinhos e produtos de seda.
Tinha, assim, chegado o tempo em que - como Priestley
dissera do Acto de Navegação - "seria tão inteligente
acabar com o sistema protector inglês, como antes fora
inteligente introduzi-lo".
Na sequência de uma tal política, fluiria todo o
excedente de matérias-primas e produtos agrícolas para
a Inglaterra, e todo o mundo se teria vestido com tecidos
ingleses; tudo contribuiria para aumentar a riqueza e
poder da Inglaterra. Nestas condições, seria difícil, ao
longo do corrente século, que os Americanos ou os
Russos chegassem à ideia de introduzir um sistema
proteccionista - ou os Alemães uma união comercial.
Dificilmente se tomaria a decisão de sacrificar vantagens
do momento à esperança de um futuro longínquo.
Mas providenciou-se que as árvores não crescessem
até ao céu. Lord Castlereagh pôs a política comercial da
Inglaterra nas mãos da aristocracia rural, e esta matou a
galinha dos ovos de ouro. Se tivesse permitido que os
manufactores ingleses monopolizassem o mercado de
todas as nações, que a Grã-Bretanha se transformasse
perante o mundo naquilo que é, uma cidade de manu-
factura em relação ao campo que a rodeia, todo o terreno
do reino insular estaria coberto de casas e fábricas ou
seria utilizado para construção de jardins de recreio, de
hortas ou frutos, ou para produção de leite ou carne, ou
para produzir plantas comerciais, ou culturas em geral
como surgem somente junto às grandes cidades. Estas
culturas seriam muito mais lucrativas para a agricultura
inglesa do que a cultura de cereais e, por consequência,
trariam, com o tempo, rendas muito mais altas à aristo-

584
cracia rural inglesa do que a exclusão do mercado
interno de cereais do estrangeiro. Contudo, a aristocracia
rural, só tendo em vista a vantagem do momento, prefe-
ria, com a ajuda das leis do trigo, manter as suas rendas
no alto nível a que tinham chegado através da exclusão
involuntária do mercado inglês de matérias-primas e
cereais devido à guerra, obrigando com isso as nações
continentais a procurar o seu bem-estar por um outro
caminho que não a troca livre de produtos agrícolas por
produtos fabricados ingleses, nomeadamente fazendo
prosperar a própria força de manufactura. As leis ingle-
sas de exclusão funcionaram, assim, da mesma maneira
que o Bloqueio Continental napoleónico, só que um
tanto mais devagar.
Quando Canning e Huskisson chegaram ao poder,
já a aristocracia tinha provado demasiado do fruto proi-
bido para poder ser levada, por motivos racionais, a
prescindir do prazer. Estes homens de Estado estavam
na difícil situação de resolver uma tarefa impossível,
uma situação em que o ministério inglês ainda hoje se
encontra.
Deviam convencer as nações do continente das
desvantagens do comércio livre e, todavia, manter os
limites à importação de produtos agrícolas de países ter-
ceiros a favor da aristocracia rural inglesa. Era assim
impossível que o seu sistema se desenvolvesse de forma
a que fossem justificadas as esperanças dos defensores,
em ambos os continentes, do comércio livre. Apesar de
toda a generosidade com as frases filantrópicas e cos-
mopolitas que pronunciavam nas discussões gerais
sobre o sistema comercial da Inglaterra e outros países,

585
não achavam inconsequente, falando tanto da alteração
de cada uma das tarifas aduaneiras, apoiar os seus
argumentos no principio da protecção. Na verdade,
Huskisson baixou muitas tarifas alfandegárias mas nunca
se esqueceu de demonstrar que, mesmo com tarifa mais
baixa, as fábricas nacionais ainda estavam suficiente-
mente protegidas. Assim, seguia mais ou menos as
regras do Waterstaat; onde as águas sobem alto, a partir
de fora, os serviços políticos constroem altos diques,
onde sobem pouco constroem baixos diques. Deste
modo, a reforma da política comercial inglesa, apresen-
tada com tanta pompa, reduz-se a um equilibrismo poli-
tico-económico. Quis-se fa zer valer a descida das tarifas
inglesas sobre os produtos de seda como prova da libe-
ralidade inglesa, sem ponderar que com isso a Inglaterra
só queria controlar o contrabando deste artigo a favor
das suas finanças e sem desvantagem para as suas pró-
prias fábricas de seda, o que conseguiu completamente.
Mas se uma tarifa alfande-gária de 50 a 70% (incluindo a
sobretaxa, é o que pagam ainda hoje os produtos de seda
de países terceiros na Inglaterra) deve valer como prova
de liberalidade, então a maior parte dos países antecipa-
ram-se à Inglaterra, não a seguiram.
Visto que as demonstrações de Canning-Huskisson
eram essencialmente calculados para ter efeito na França
e América do Norte, não deixa de ter interesse lembrar a
maneira como fracassaram em ambos os países.
Como no ano de 1786, também desta vez os ingle-
ses encontraram muitos aderentes entre os teóricos e no
partido liberal da França. Seduzido pela grande ideia da
liberdade do comércio mundial e pelos argumentos

586
superficiais de Say, por oposição a um governo odiado e
apoiado pelas cidades marítimas, pelos produtores de
vinho e fabricantes de seda, o partido liberal, exigia
impetuosamente o alargamento do comércio com a
Inglaterra como único meio de promover o bem-estar
nacional.
O que quer que se critique à Restauração, teve para
a França um mérito que a posteridade não pode negar:
não se deixou desencaminhar nem pelos estratagemas
ingleses nem pela gritaria dos liberais no que respeita à
política comercial. Para o senhor Canning, o assunto era
tão importante que foi ele próprio a Paris para conven-
cer o senhor Villele da excelência das suas medidas e
persuadi-lo a imitá-las. Mas o senhor Villele era um
homem demasiado prático para não ver o essencial deste
estratagema, e terá respondido ao senhor Canning: se a
Inglaterra no seu estado adiantado da indústria permite
uma maior concorrência externa, então esta política cor-
responderá ao bem entendido interesse da Inglaterra. De
momento é, contudo, do bem entendido interesse da
França garantir às ainda não completamente formadas
fábricas a protecção imprescindível para este fim. Che-
gasse, contudo, o momento em que a fabricação francesa
pudesse ser mais fomentada através da aceitação da
concorrência de terceiros do que o seu impedimento,
assim ele, Villele, não perderia a ocasião de tirar vanta-
gem do exemplo do senhor Canning.
Furioso com esta recusa, Canning, ao voltar, gabou-
se perante o Parlamento de que, com a intervenção
espanhola, tinha pendurado uma mó no pescoço do
governo francês, de onde se deduz que o cosmopoli-

587
tismo e o liberalismo europeu do senhor Canning não
eram tão sérios como os bons liberais do Continente
gostariam de crer. Porque, como podia o senhor Can-
ning (se lhe tivesse minimamente interessado a questão
do liberalismo no Continente) abandonar a Constituição
espanhola à intervenção francesa com o mero objectivo
de pendurar uma mó no pescoço do governo francês?
A verdade é que o senhor Canning era todo ele um
inglês e sentimentos filantrópicos ou cosmopolitas só o
impressionavam se lhe pudessem servir para solidificar
e alargar a supremacia industrial e comercial inglesas ou
para deitar poeira aos olhos dos rivais da Inglaterra na
indústria e no comércio.
No entanto, o senhor Villele não precisava de muita
perspicácia para se aperceber da armadilha posta pelo
senhor Canning. Na experiência da vizinha Alemanha,
que, após suspensão do sistema continental na sua
indústria, cada vez recuava mais, encontrava ele uma
prova eloquente do verdadeiro valor do princípio d a
liberdade de comércio como era entendido pela Ingla-
terra. Também a França se encontrava na altura dema-
siado bem com o sistema adoptado desde 1815 para se
sentir tentada- como o cão na fábula - a deixar escapar
a substância e tentar agarrar a sombra. Homens com
uma visão profunda da essência da indústria, como
Chaptal e Charles Dupin, tinham-se pronunciado de
forma inequívoca sobre os sucessos deste sistema.
A obra de Chaptal sobre a indústria francesa não é
mais que uma cobertura da política comercial francesa e
uma exposição dos seus sucessos na totalidade e nos
pormenores. A tendência desta obra fica clara nesta pas-

588
sagern: "Em vez de nos perdermos no labirinto de abs-
tracções metafísicas, mantenhamos o existente, tentemos
aperfeiçoá-lo. Urna boa legislação aduaneira é um bom
baluarte da indústria manufactureira; aumenta ou dimi-
nui os direitos de importação conforme as circuns-
tâncias; equilibra as desvantagens de salários altos e
preços altos de combustíveis; protege as artes e indústria
no berço até estarem suficientemente consolidadas para
aguentar a concorrência de terceiros; consegue a inde-
pendência industrial da Fança e enriquece a nação atra-
vés do trabalho que é, corno já observei várias vezes, a
fonte principal da riqueza."J
Charles Dupin, no seu livro "sobre as forças pro-
dutivas da França e os progressos da indústria francesa
de 1814 até 1827", tinha lançado um olhar tão esclarece-
dor sobre a política comercial da França desde a Restau-
ração, que um ministro francês não podia ter pensado
em trocar esta obra de meio século, tão cara em sacrifí-
cios, tão rica em frutos e em esperanças prometedoras,
pelo brilho dum Tratado de Methuen.
A tarifa americana do ano de 1828 foi urna conse-
quência natural e necessária do sistema de comércio
inglês de afastar das suas fronteiras madeiras, cereais,
farinha e outros produtos agrícolas e matérias-primas
dos americanos e só permitir algodão em troca dos seus
produtos manufacturados.
Desta forma, do comércio com a Inglaterra, só era
fomentado o trabalho agrícola dos escravos americanos;
ao contrário, os Estados mais livres da União, mais

3 Chaptal, De /'industrie françai se, vol. II, p . 247.

589
esclarecidos e poderoso~, viram-se completamente deti-
dos no seu progresso económico e reduzidos a enviar
para o oeste selvagem o excedente em população e
capital.
O senhor Huskisson conhecia muito bem esta
situação; era publicamente sabido que o enviado de
Inglaterra em Washington o tinha informado mais do
que uma vez das consequências inevitáveis da política
inglesa. Fosse ele realmente o homem por quem se que-
ria fazer passar no estrangeiro, e teria utilizado a publi-
cação da tarifa americana como uma bem-vinda ocasião
para fazer compreender à aristocracia inglesa o insen-
sato das suas leis do trigo e a necessidade da sua aboli-
ção. Mas o que fez o senhor Huskisson? Encolerizou-se
(ou pelo menos fingiu) contra os americanos, na sua
excitação dizia coisas cuja inexactidão era conhecida por
qualquer plantador americano, e permitia-se ameaças
que o tornavam ridículo. Dizia que as exportações dos
ingleses para a Amércica do Norte perfaziam somente
um sexto de todas as exportações inglesas, enquanto as
exportações dos americanos para a Inglaterra perfaziam
metade de todas as suas exportações. Com isso, queria
demonstrar que os americanos estavam mais nas mãos
dos ingleses do que estes na mão daqueles, e que os
ingleses teriam relativamente menos interrupções de
comércio a temer, nonintercourse, etc., do que os ameri-
canos. Se se observam apenas os números dos valores de
importação e exportação, o argumento do senhor Hus-
kisson parece bastante plausível. Mas se se observa a
natureza das importações e exportações dos dois lados,
então parecerá necessariamente incompreensível como é

590
que o senhor Huskisson poderia apresentar um argu-
mento que provava o contrário daquilo que pretendia
provar. A maioria ou todas as exportações dos america-
nos do norte para a Inglaterra consistem precisamente
em matérias-primas cujo valor é decuplicado pelos
ingleses, que eles não podem dispensar nem conseguem
adquirir muitas regiões do Mundo, pelo menos nas
quantidades necessárias, enquanto todas as importações
dos americanos do Norte vindos da Inglaterra consistem
em artigos que ou eles próprios produzem ou podem
adquirir de outras nações. Se se observarem agora os
efeitos de uma interrupção de comércio entre as duas
nações, segundo a teoria do valor, parecem efectiva-
mente desvantajosos para os americanos, ao passo que
se forem considerados segundo a teoria das forças pro-
dutivas só podem trazer desvantagens imponderáveis
aos ingleses.
Isto porque dois terços de todas as fábricas de lã
inglesas parariam e cairiam na ruína, e a Inglaterra per-
deria, como por magia, um recurso cujo rendimento
anual em valor ultrapassaria em muito o valor de todas
as exportações; as consequências duma tal perda para a
tranquilidade, riqueza, crédito, comércio e poder da
Inglaterra são incalculáveis. Mas quais seriam as conse-
quências de tais medidas para os norte-americanos?
Obrigados a produzirem eles próprios aquelas manu-
facturas que até agora adquiriam dos ingleses, ganha-
riam dentro de poucos anos o que os ingleses tivessem
perdido. Sem dúvida, uma tal medida, como antes o
Acto de Navegação entre a Inglaterra e a Holanda, tinha
que ter corno consequência uma luta de vida ou de

591
morte, mas talvez tivesse o mesmo resultado que ante-
riormente a luta no canal. É desnecessário imaginar aqui
as consequências uma rivalidade que, segundo nos
parece, mais cedo ou mais tarde, pela natureza das coi-
sas, terá que explodir. O que dissemos chega para escla-
recer a nulidade e perigo dos argumentos de Huskisson
e para mostrar a forma imprudente como a Inglaterra
agiu ao obrigar os norte-americanos, através das suas
leis do trigo, a fabricarem eles próprios. E que prudente
teria sido da parte do senhor Huskisson se, em vez de
brincar com argumentos nulos e perigosos, tratasse de
afastar as causas da tarifa americana de 1828.
Para demonstrar aos norte-americanos que lhes era
útil o comércio com a Inglaterra, o senhor Huskisson
chamou à atenção para a subida extraordinária das
importações inglesas de algodão; mas este argumento
também os norte-americanos o sabiam reconhecer. Há
mais de dez anos que a produção de algodão na Amé-
rica do Norte ia tanto à frente do consumo e da procura
que os preços tinham descido quase na mesma propor-
ção em que a exportação tinha subido, de tal maneira
que no ano 1816 os americanos tinham recebido 24
milhões de dólares por 80 milhões de libras de algodão,
enquanto no ano de 1826 receberam 25 milhões por 204
milhões de libras de algodão.
Finalmente, o senhor Huskisson ameaçou os norte-
americanos com a organização de um grande comércio
de contrabando pelo Canadá. É verdade que, nas actuais
condições, um sistema protector americano não pode
receber maior ameaça do que a dos meios indicados pelo
senhor Huskisson. Mas o que resulta daí? Espera-se

592
porventura os americanos deponham o seu sistema aos
pés do parlamento inglês e humildemente aguardam o
que ele se digne deliberar de ano a ano acerca da sua
indústria? Que insensato! Daí resulta somente que os
americanos agarram no Canadá e o unificam com a sua
União, ou têm de o ajudar a ficar independente logo que
o comércio de contrabando canadiano se torne insupor-
tável. Mas não significa que a medida transborda de
insensatez quando uma nação que chegou à supremacia
industrial e comercial é a primeira a obrigar uma nação
agrícola a si estreitamente ligada pelo sangue, pela lín-
gua e pelos interesses, a tornar-se numa nação manu-
factureira e depois - para evitar que siga o impulso que
lhe fora imposto à força - a constrange a ajudar as suas
próprias colónias a tornarem-se independentes?
Depois da morte de Huskisson, o senhor Poulett
Thompson assumiu a direcção dos interesses comerciais
ingleses. Seguiu o seu famoso antecessor na política tal
como o tinha sucedido no cargo. No entanto, pouco
ficou para ele fazer no que respeita à América do Norte,
porque, neste país, sem grande esforço dos ingleses, sob
a influência dos plantadores de algodão e por iniciativa
do Partido democrático, já através da chamada Com-
promise bill (1832), houve uma modificação da tarifa
anterior que, se bem que melhorasse os erros e exageros
e erros e também continuasse a dar bastante protecção às
fábricas americanas no que respeita a artigos semi-
acabados de algodão e lã, fazia todas as concessões que
os ingleses desejassem sem que a Inglaterra se sentisse
obrigada a fazer, por sua vez, quaisquer concessões.
Desde aquela bill, as exportações dos ingleses para a

593
América subiram de forma colossal e desde então ultra-
passam em muito as suas importações da América do
Norte, de tal forma que, em qualquer altura, está nas
mãos da Inglaterra atrair a si a quantidade que achar por
bem do metal nobre que circula na América do Norte e
com isso provocar crises de comércio nos Estados Uni-
dos tantas vezes quantas se encontre em apuros monetá-
rios. O mais estranho aqui é que aquela Compromise bill
tinha como autor Henry Clay, o mais prestigiado e judi-
cioso defensor dos interesses da manufactura americana.
Tinha de tal maneira provocado o ressentimento dos
plantadores de algodão na sequência da prosperidade
dos fabricantes americanos após a tarifa de 1828, que os
Estados do Sul ameaçavam com a dissolução da União
caso a tarifa de 1828 não fosse modificada. O próprio
governo da União submetido ao Partido democrático
tinha-se posto ao lado dos plantadores do Sul por razões
puramente partidárias e eleitorais, e ganhou os agricul-
tores dos Estados do Centro e do Oeste que pertenciam
ao partido. Estes últimos perderam a anterior simpatia
pelos interesses fabris em consequência dos elevados
preços dos produtos, que na maior parte resultaram da
prosperidade das suas fábricas e das muitas construções
de canais e caminhos de ferro . E também tinham, na
realidade, de temer que os Estados do Sul, passando a
vias de facto, levassem tão longe a sua oposição que
chegassem à dissolução da União e à guerra civil. Ao
mesmo tempo, era do interesse do partido dos demo-
cratas dos Estados do Centro e Este não desperdiçar as
simpatias dos democratas nos Estados do Sul. Na
sequência destes movimentos, a opinião pública a favor

594
do comeroo livre com a Inglaterra tinha sido tão
influenciada que era de recear que todos os interesses da
manufactura do país pudessem ser totalmente entregues
à livre concorrência com a Inglaterra. Nestas condições,
a Compromise bill de Henry Clay surge como o único
meio de salvar, pelo menos em parte, o sistema de pro-
tecção. Através desta bill, uma parte da fabricação ame-
ricana - nomeadamente a de artigos mais finos e mais
caros - foi sacrificada à concorrência estrangeira, para
salvar urna outra parte, a saber, a fabricação de artigos
semi-acabados e menos caros.
Entretanto, todos os sinais dão a entender que o
sistema de protecção na América do Norte, ao longo dos
próximos anos, tornará a levantar-se e a fazer novos
progressos. Por mais que os ingleses se esforcem por
reduzir ou abrandar as crises comerciais na América do
Norte, por mais importantes que sejam os capitais que
vão para a América do Norte na forma de acumulação
de depósitos e empréstimos ou através da emigração da
Inglaterra, a desproporção existente e sempre crescente
entre o valor das exportações e o das importações não
pode ser assim equilibrada; terão de surgir horríveis e
cada vez mais importantes crises comerciais, e os ameri-
canos acabarão por ter a percepção das fontes do mal e
por ser conduzidos à decisão de as tapar.
Neste caso, é da natureza das coisas que o número
dos adeptos do sistema proteccionista torne a subir e o
dos do comércio livre torne a descer.
Até agora os preços dos produtos agrícolas manti-
veram-se a um nível invulgarmente alto, em parte
devido a más colheitas, mas principalmente pela subida

595
da procura de produtos alimentares em consequência da
anterior prosperidade das fábricas, da construção de
grandes edifícios públicos, do grau de produção de
algodão; mas pode prever-se com segurança que os pre-
ços ao longo dos próximos anos se colocarão abaixo da
média do mesmo modo como até agora estiveram acima
dela. A maior parte do acréscimo de capital americano
foi para a agricultura a partir da publicação da Compro-
mise bill e só agora começa a tornar-se produtivo.
Enquanto, com isso, a produção agrícola subiu enorme-
mente, a procura tem, por outro lado, descido extraordi-
nariamente: primeiro, porque as fábricas públicas não
são accionadas na mesma extensão de antes; em
segundo lugar, porque a população das fábricas não
pode crescer mais de forma significativa devido à con-
corrência externa; em terceiro lugar, porque a produção
de algodão vai de tal maneira adiante do consumo que
os plantadores de algodão, devido aos baixos preços do
algodão serão obrigados a produzir eles próprios aque-
les víveres que até agora compravam aos Estados do
Centro e do Oeste. Se vierem ainda colheitas ricas, então
os Estados do Centro e do Ocidente padecerão de novo
de excedente de produção, como lhes aconteceu antes da
tarifa de 1828. Mas as mesmas causas terão de produzir
outra vez os mesmos efeitos, isto é, os agricultores dos
Estados do Centro e do Oeste têm de chegar à mesma
conclusão, de que a procura de produtos agrícolas só
pode aumentar através do alargamento da população
manufactureira do país, e de que só através do alarga-
mento do sistema de produção é possível aquele alar-
gamento. Enquanto, deste modo, o partido do sistema

596
de protecção diariamente sobe em número e em influên-
cia, o partido oposto diminuirá na mesma proporção,
porque os plantadores de algodão, perante situações tão
alteradas, chegarão necessariamente à conclusão de que
o alargamento da população manufactureira do país e o
crescimento da procura de produtos agrícolas e maté-
rias-primas são do seu pleno interesse.
Visto que, como mostrámos, os plantadores de
algodão e os democratas na América do Norte estavam
por si muito empenhados em apoiar os interesses
comerciais da Inglaterra, não surgia, por enquanto, deste
lado ocasião para o senhor Poulett Thompson mostrar a
sua arte na diplomacia comercial.
Na França, a situação era outra: continuou-se a
reter o sistema proibitivo. Sem dúvida que muitos fun-
cionários do Estado e deputados dedicados à teoria se
inclinavam para o alargamento da relação comercial
entre a Inglaterra e a França, e a aliança existente com a
Inglaterra tinha trazido alguma popularidade a esta
maneira de ver: mas estava-se menos de acordo e de
nenhum dos lados de forma clara, quanto ao modo de
atingir este objectivo. Parecia evidente e incontestável
que direitos alfandegários altos para víveres e matérias-
primas estrangeiros e a exclusão de carvão de pedra e
ferro em bruto ingleses tinham efeitos muito negativos
sobre a indústria francesa e que um alargamento da
exportação de vinhos, aguardentes e produtos de seda
seria extremamente vantajoso para a França. Mas agar-
rar especialmente nisto nesta altura pareceu, pelo
menos, desaconselhável dado que o Governo de Julho
encontrava um dos seus principais apoios na burguesia

597
rica, que, na maior parte, participava nas grandes
empresas fabris.
Nestas circunstâncias o senhor Poulett Thompson
desenvolveu um plano operacional que honrava a sua
subtileza e habilidade diplomática . Enviou para França
uma pessoa muito versada em comércio e indústria e na
política comercial francesa, e muito conhecida pela sua
posição liberal, um erudito extremamente fluente na
pena, o Dr. Bowring, que viajou por todo o país e mais
tarde pela Suíça para recolher argumentos contra o
sistema proibitivo e a favor da liberdade de comércio.
O Dr. Bowring cumpriu esta missão com habilidade e
destreza. Principalmente, explicou muito bem as van-
tagens acima focadas do comércio livre entre ambas as
nações tomando em consideração o carvão de pedra, o
ferro em bruto, os vinhos e aguardentes. No relatório
que publicou, reduz a sua argumentação a estes artigos;
no respeitante aos outros ramos da indústria, fornece
apenas notas estatísticas, sem entrar em provas ou
propostas, como podem ser melhorados mediante o
comércio livre com a Inglaterra.
O Dr. Bowring orientou-se completamente pela
instrução redigida com extraordinária habilidade e astú-
cia pelo senhor Poulett Thompson, que lha entregou e
inseriu no início do seu relatório. Aí o senhor Thompson
manifesta os princípios mais liberais, pronuncia-se com
muito cuidado em relação aos interesses fabris franceses,
sobre a improbabilidade de se esperar um sucesso
importante das negociações previstas com a França. Esta
instrução era completamente apropriada para acalmar
os interesses da indústria francesa de algodão e de lã que

598
se tinham tornado muito poderosos. Segundo o senhor
Thompson, será insensatez exigir concessões em relação
a estas. Pelo contrário, dá indicação de que, tomando em
consideração artigos "menos importantes", se poderia
chegar mais facilmente ao objectivo. Estes artigos menos
importantes são na realidade nomeados na instrução,
mas a experiência posterior da França revelou de forma
bem clara o que o senhor Thompson queria dizer com
isso. Menos importante era nomeadamente, na altura
desta instrução, a exportação da Inglaterra para França
de fio de linho e tecidos de linho.
O governo francês, induzido pelas moções e expo-
sições do governo inglês e seus agentes, e na ideia de
fazer uma concessão pouco relevante à Inglaterra que ao
fim seria vantajosa para a França, baixou de tal maneira
as tarifas sobre o fio e tecidos de linho que, perante os
grandes melhoramentos que os ingleses tinham feito
neste ramo, já não garantiam protecção à indústria fran-
cesa; de forma que, já nos anos seguintes, a exportação
da Inglaterra para a França deste produto subiu enor-
memente (1838: 32 milhões de francos), e a França,
devido ao avanço da Inglaterra, corria o perigo de per-
der toda a sua indústria de linho no valor de muitas
centenas de milhões, com o maior prejuízo da sua agri-
cultura e do bem-estar de toda a população agrícola, se
não tomasse providências para travar a concorrência
inglesa através de uma subida tarifária.
Que a França foi enganada pelo senhor Poulett
Thompson, é evidente. Pelos vistos ele já tinha previsto
em 1834 a prosperidade da fabricação de linho da
Inglaterra nos próximos anos como resultado das novas

599
invenções, e já contava com a ignorância por parte do
governo francês em relação a estas invenções e às suas
claras consequências. Na verdade, agora os autores
desta descida tarifária pretendem fazer crer que apenas
se quis fazer uma concessão à fabricação de linho
belga. Mas isso justifica a falta de conhecimento dos pro-
gressos ingleses e de previsão das suas consequências
evidentes?
Seja como for, é evidente que a França, sob pena de
perder para a Inglaterra a maior parte da sua fabricação
de tecido de linho, tem que a proteger de novo e que a
primeira tentativa dos últimos tempos para alargar a
liberdade de comércio entre a Inglaterra e a França está
aí como um monumento indelével à esperteza inglesa e
à inexperiência francesa - como um novo Tratado de
Methuen, corno um segundo Tratado de Eden.
Mas o que fez o senhor Poulett Thompson quando
se apercebeu das queixas dos fabricantes de tecido de
linho franceses e da inclinação do governo francês para
remediar os erros cometidos? Fez o que o senhor Hus-
kisson fizera antes dele, ameaçou - ameaçou com a
exclusão dos vinhos franceses e produtos de seda. É isto
o cosmopolitismo inglês! A França deve deixar escapar
urna indústria de mil anos intimamente ligada a toda a
economia das camadas baixas da população e nomea-
damente com a agricultura, cujos produtos estão entre as
primeiras necessidades de todas as camadas sociais,
perfazendo no total trezentos a quatrocentos milhões,
para conseguir o privilégio de vender mais alguns
milhões de vinho e produtos de seda do que até agora
vendia à Inglaterra. Independentemente deste desequilí-

600
brio no valor, há que tomar em consideração a situação
em que a França ficaria se, na sequência duma guerra, as
relações comerciais entre ambas as nações fossem inter-
rompidas, nomeadamente no caso de a França não
poder vender à Inglaterra o excedente em produtos de
seda e vinhos e, ao mesmo tempo, tivesse falta de algo
tão importante como o tecido de linho.
Se se pensar nisso, ver-se-á que a questão do tecido
de linho não é só um problema do bem-estar económico,
mas - como tudo o que se refere à força de manufactura
nacional - é uma questão da independência e poder da
nação.
Na realidade, é como se o espírito de invenção no
aperfeiçoamento da fabricação de tecido de linho se atri-
buísse a tarefa de explicar às nações a natureza da essên-
cia da manufactura, a sua relação com a agricultura e a
sua influência na independência e poder dos Estados e
realçar os argumentos erróneos da teoria.
Como se sabe, a Escola afirma: cada nação possui
nos vários ramos da alimentação vantagens próprias
proporcionadas pela natureza ou através da sua forma-
ção, etc., e que se equilibram no comércio livre. Num
capítulo anterior demonstrámos que este argumento é
válido na agricultura, onde depende, na maior parte, do
clima e da produtividade do solo, não na indústria
manufactureira, para a qual todas nações de clima
moderado têm vocação desde que possuam os necessá-
rios recursos materiais, mentais, sociais e políticos. A
Inglaterra fornece aqui o exemplo mais concludente. Se
alguns povos, através das suas experiências, através de
esforços e de recursos naturais, são preferencialmente

601
vocacionados para o fabrico de tecido de linho, então
são-no os alemães, os belgas, os holandeses, os franceses
do Norte.
Há mil anos que estão na posse dele. Os ingleses,
ao contrário, fizeram notoriamente tão poucos progres-
sos até metade do século passado, que importavam do
estrangeiro uma grande parte das suas necessidades em
pano de linho. Nunca teriam conseguido, sem os impos-
tos aduaneiros que estabeleceram para esta indústria
naquele período, fornecer o seu mercado interno e as
suas colónias com pano de linho de produção própria.
É sabido como os Lordes Castlereagh e Liverpool apre-
sentaram no Parlamento a prova de que, sem protecção
as manufacturas de tecido de linho da Irlanda não con-
seguiam confrontar-se com a concorrência alemã. Mas
hoje vemos que, em consequência das suas invenções, os
ingleses ameaçam monopolizar o fabrico de pano de
linho de toda a Europa, apesar de ainda há cem anos
serem os piores fabricantes de tecido e linho em toda a
Europa; tal como, desde há 50 anos, monopolizam o
mercado do algodão das Índias Orientais, apesar de há
cem anos não suportarem a livre concorrência com os
fabricantes de algodão das Índias Orientais, nem sequer
no seu próprio mercado.
Actualmente, discute-se em França como foi possí-
vel que a Inglaterra nos últimos tempos tenha feito tan-
tos progressos na fabricação do pano de linho, dado que
Napoleão criou, em primeiro lugar, um prémio para a
invenção duma máquina de fiar algodão e os mecânicos
e fabricantes franceses se ocuparam mais cedo com este
objecto do que os ingleses. Investiga-se se os ingleses ou

602
os franceses teriam mais talento mecânico. Dão-se todas
as explicações, excepto as correctas e naturais. É tolice
conceder aos ingleses maior talento para a mecânica e
mais inclinação e habilidade para a indústria em geral
do que aos alemães ou franceses.
Antes de Eduardo III, os ingleses eram os primeiros
arruaceiros e mandriões da Europa; nessa altura não
vinha à ideia compará-los com os italianos ou os belgas
ou com os alemães no que respeita a talento mecânico e
habilidade industrial. Desde então, o seu governo levou-
os à escola e, assim, chegaram ao ponto de poderem
abdicar dos seus mestres. Se os ingleses na maquinaria
da fabricação de pano de linho nos últimos vinte anos
fizeram progressos mais rápidos do que as outras
nações, e em especial os franceses, isso só deriva de:
1. na mecânica estarem mais avançados em geral; 2. esta-
rem em especial mais adiantados na fiação e tecelagem
de algodão tão parecidas com a fiação e tecelagem do
linho; 3. como resultado da sua anterior política comer-
cial, estarem em poder de maiores capitais do que os
franceses; 4. como consequência da sua política comer-
cial, o seu mercado interno para produtos de linho ser
muito mais vasto que o francês; e finalmente 5. os seus
impostos aduaneiros ligados às condições descritas ofe-
recerem ao talento mecânico do país um maior incentivo
e mais meios para se dedicarem ao aperfeiçoamento
deste ramo de indústria.
Os ingleses, em relação aos princípios que indicá-
mos e debatemos atrás - que na manufactura todos os
ramos estão em íntima acção recíproca, que o aperfei-
çoamento de um ramo também prepara e fomenta o

603
aperfeiçoamento do outro, que não se pode descuidar
nenhum sem descuidar todos os outros, que, numa
palavra, a força de manufactura total duma nação é urna
globalidade inseparável -, em relação a estes princípios
os ingleses, pelos seus últimos resultados na indústria
do pano de linho, fornecem um exemplo convincente.

604
Trigésimo Quarto Capítulo

A SUPREMACIA INSULAR E A UNIÃO COMERCIAL ALEMÃ

O que é nos nossos dias urna grande nação se não


tiver urna política comercial capaz, e o que pode vir a ser
se a tiver, a Alemanha experimentou-o em si própria nos
últimos vinte anos. A Alemanha era o que Franklin certa
vez disse do Estado de Nova Jersey: um barril furado e
esvaziado em todos os sítios pelos vizinhos. A Ingla-
terra, não contente com ter arruinado a maior parte das
fábricas alemãs e com fornecer-lhes quantidades inco-
mensuráveis de produtos coloniais e de lã e algodão,
rejeitava nas suas fronteiras cereais e madeira alemães e,
às vezes, até lã alemã. Houve um tempo em que a venda
de manufactura inglesa na Alemanha era dez vezes
superior à vendida ao tão elogiado reino das Índias
Orientais; todavia o ilhéu - que tudo monopoliza - não
queria conceder ao pobre alemão sequer aquilo que
permitia ao submetido hindu, pagar com produtos agrí-
colas o que compra em produtos manufacturados. Em
vão se rebaixavam os Alemães aos Britânicos como
aguadeiros e lenhadores; tratavam-nos pior do que a um
povo subjugado. As nações, tal como os indivíduos,
deixam maltratar-se primeiro por um, em breve deixam-
-se escarnecer por todos, e por fim são a troça das crian-
ças. A França, não contente por vender à Alemanha

605
quantidades incomensuráveis de vinho, óleo, seda e
artigos de moda, ainda lhe atrofiava a venda de gado,
cereais e linho. Sim, uma pequena província marítima
outrora alemã e habitada por alemães, que se tornou rica
e poderosa através da Alemanha e que só com a Alema-
nha e pela Alemanha poderá existir sempre, cortou
durante uma meia vida humana a melhor corrente
alemã, com o subterfúgio de um jogo miserável de pala-
vras. Para cúmulo da ironia, ensinava-se em centenas de
cátedras como as nações só podem chegar à riqueza e
poder através da liberdade de comércio geral.
Foi assim, e como é agora? A Alemanha, em dez
anos, progrediu um século em bem-estar e indústria, em
dignidade e força nacionais. E através de quê? Que caís-
sem as barreiras que separaram os alemães dos alemães,
foi já bom e saudável, mas seria de pouco consolo para a
nação se a sua indústria nacional ficasse exposta à con-
corrência estrangeira. Foi principalmente a protecção
que o sistema da união aduaneira garantia aos artigos de
consumo comum que provocou este milagre.
Concedamos - o Dr. Bowring mostrou-o incontes-
tavelmente1 - que a tarifa da União não aplica somente,
como foi alegado, receitas alfandegárias, que se não
limita a 10 a 15% como Huskisson acreditava; digamos
abertamente que, em relação aos artigos manufacturados
de consumo comum, proporciona direitos proteccionis-
tas de 20 a 60%.

1
Relatório sobre a União Aduaneira alemã para o Lorde
Viscount Palmerston de John Bowring.

606
Mas como agiram estes direitos proteccionistas? Os
consumidores pagam pelos seus produtos manufactura-
dos alemães 20 a 60% mais do que pagava pelos estran-
geiros, como deveriam fazer segundo a teoria? Ou estes
produtos são piores que os estrangeiros? De modo
nenhum. O próprio Dr. Bowring apresenta testemunhos
de que os produtos manufacturados protegidos pelas
altas tarifas são melhores e mais baratos do que os
estrangeiros. A concorrência interna e a segurança
perante a concorrência destruidora do estrangeiro levou
àquele milagre de que a Escola nada sabe nem quer
saber. Não é assim verdade o que a Escola afirma, que a
protecção aduaneira encarece os produtos nacionais
tanto quanto o direito alfandegário. Poderá provocar por
pouco tempo o encarecimento, mas em cada nação voca-
cionada para a manufactura, a concorrência interna, na
sequência da protecção, deve em breve levar os preços a
um nível mais baixo do que seriam em importação livre.
Ou sofreria a agricultura sob estes impostos adua-
neiros altos? De forma alguma. Ganhou nestes últimos
dez anos. A procura de produtos agrícolas aumentou, os
respectivos preços subiram por todo o lado; é notório
que unicamente em consequência do aparecimento de
fábricas nacionais, o valor dos terrenos subiu por todo o
lado de 50 a 100%, por todo o lado se pagam melhores
jornas, em todas as direcções melhoramentos em curso
ou projectados nos transportes. Experiências tão bri-
lhantes tinham que encorajar a progressos no sistema
iniciado; também vários Estados propuseram avanços à
União, mas não o conseguiram ainda porque, como
parece, alguns outros Estados da União esperam a salva-

607
ção da abolição dos impostos aduaneiros sobre cereais e
madeira - porque, como se afirma, homens influentes
ainda acreditam no sistema cosmopolita e desconfiam da
própria experiência. O relatório do Dr. Bowring dá-nos
os mais importantes esclarecimentos tanto sobre as con-
dições do sistema da união Aduaneira alemã como sobre
a táctica do governo inglês. Tentemos percebê-lo.
Primeiro que tudo, temos de mostrar a posição a
partir da qual o relatório foi escrito. O senhor Labonchere,
presidente comercial no ministério Melbourne, tinha
enviado para a Alemanha o Dr. Bowring com a mesma
intenção com que o senhor Poulett Thompson o tinha
mandado em 1834 para França: assim como os France-
ses, através de concessões em relação aos vinhos e
aguardentes, também os Alemães, através de concessões
em relação aos cereais e madeira, deveriam ser induzi-
dos a abrir o seu mercado interno aos produtos manu-
facturados ingleses; só que havia uma grande diferença
nas duas missões: as concessões oferecidas aos Franceses
não estavam sujeitas a protestos na própria Inglaterra,
enquanto as oferecidas aos Alemães tinham de ser con-
quistadas.
A tendência de ambos os relatórios havia assim de
ser muito diferente. O relatório sobre as relações comer-
ciais entre a França e a Inglaterra era exclusivamente
dirigido aos Franceses, a quem se podia dizer que Col- ·
bert, com as suas medidas proteccionistas, não tinha
conseguido nada de considerável; e a quem se podia
pretender fazer crer que o Tratado de Eden era útil para
a França e enormemente prejudicial o sistema continen-
tal assim como o actual sistema proibitivo. Em resumo,

608
apoiando-se completamente na teoria de Adam Smith,
os sucessos do sistema proteccionista podiam ser com-
pletamente contestados.
No último relatório, não era assim tão simples; pois
já se pretendia falar simultaneamente com proprietários
rurais ingleses e com o governo alemão. Àqueles devia
dizer-se: vejam aqui uma nação que como consequência
de medidas proteccionistas já fez progressos incomensu-
ráveis na sua indústria e que, na posse de todos os
recursos necessários avança a passos largos a dominar
todo o seu mercado interno e concorrer com a Inglaterra
em mercados estrangeiros; isto, ó Tories da Câmara dos
Lordes, isto, ó fidalgos rurais, é a vossa infame obra; isto
foi o que conseguiram as vossas irracionais leis do trigo,
pois mantiveram baixos os preços dos alimentos, das
matérias-primas e salários na Alemanha, e as fábricas
alemãs ficaram em vantagem em relação às inglesas.
Apressem-se, ó Tories, a revogar estas leis do trigo.
Assim prejudicarão as fábricas alemãs duas e três vezes:
primeiro, na medida em que os preços dos alimentos,
matérias-primas e salários na Alemanha subirão e na
Inglaterra descerão; em segundo lugar, na medida em
que pela exportação de cereais alemães para a Inglaterra
a exportação dos produtos manufacturados ingleses
para a Alemanha é beneficiada; em terceiro lugar, por-
que a União Alfandegária alemã se mostrou inclinada a
baixar os direitos aduaneiros sobre produtos ordinários
de algodão e lã na mesma proporção em que a Inglaterra
favorece a importação de cereais e madeira alemães.
Assim, nós, britânicos, não podemos deixar de destruir
as fábricas alemãs. Mas a coisa tem pressa. A cada ano

609
que passa, os interesses das fábricas ganham maior
influência na União, e se vocês hesitam, a abolição das
leis do trigo virá tarde demais. Que não demore muito, e
o fiel da balança vira. Em breve as fábricas alemãs cria-
rão uma tão grande procura de produtos agrícolas, que a
Alemanha não terá mais trigo para vender ao estran-
geiro. Que concessões querem vocês então oferecer ao
governo alemão para o levar a ter mão nas suas próprias
fábricas, para os impedir que fiem elas próprias a lã e,
além disso, prejudiquem os vossos mercados estran-
geiros?
Tudo isto devia e teria o relator de explicar aos
proprietários rurais no parlamento. As formas da admi-
nistração de Estado britânicas não permitem relatórios
de chancelaria secretos. O relatório do Dr. Bowring tinha
que ser público, tinha, portanto, de ser apresentado aos
Alemães em tradução e sínteses. Por isso, não se podia
usar uma linguagem que pudesse levar os Alemães a
reconhecer os seus verdadeiros interesses. Por isso, a
cada meio destinado a fazer efeito no parlamento, havia
que juntar um antídoto para o governo alemão: que fun-
ção de medidas proteccionistas correu muito capital
alemão em canais falsos; os interesses agrícolas na Ale-
manha eram prejudicados pelo sistema proteccionista; o
interesse agrícola, por seu lado, só podia orientar a sua
atenção para mercados estrangeiros; a agricultura é, na
Alemanha de hoje, o ramo alimentar preponderante,
pois três quartos dos habitantes da Alemanha são agri-
cultores; é puro palavreado quando se fala em protecção
para os produtores; o interesse manufactureiro em si só
pode existir através de concorrência estrangeira; a opi-

610
nião pública na Alemanha aspira a liberdade comercial;
a inteligência na Alemanha está demasiado propagada
para a pretensão de altos direitos aduaneiros poder ser
aceite; os homens mais perspicazes do país são a favor
duma redução de impostos alfandegários sobre tecidos
ordinários de lã e algodão, "no caso de os direitos adua-
neiros ingleses sobre cereais e madeira serem redu-
zidos".
Numa palavra, este relatório fala duas linguagens
completamente diferentes que se combatem como dois
inimigos. Qual delas será a verdadeira: a dirigida ao
parlamento ou a que fala para o governo alemão? A
decisão não é difícil; tudo o que o Dr. Bowring apresenta
para conseguir convencer o parlamento a reduzir os
impostos aduaneiros sobre a importação de cereais e
madeira é justificado por factos estatísticos, contas,
documentos; tudo o que apresenta para convencer o
governo alemão a deixar o sistema de protecção limita-
-se a afirmações superficiais.
Vejamos em pormenor os argumentos pelos quais o
Dr. Bowring mostra ao parlamento que, no caso de não
ser posto termo aos progressos do sistemas de protecção
alemão na forma que ele propõe, o mercado de produtos
manufacturados da Alemanha terá de estar irremedia-
velmente perdido para a Inglaterra.
O povo alemão, diz o Dr. Bowring, caracteriza-se
pela frugalidade, parcimónia, diligência e inteligência.
Dispõe de ensino generalizado. Escolas politécnicas
excelentes divulgam conhecimentos técnicos por todo o
país. A arte do desenho é até mais cultivada do que na
Inglaterra. O forte aumento anual da população do gado

611
em especial o ovino, demostra como a agricultura se está
a elevar (a subida do valor dos bens é um momento
principal, mas aqui tão pouco vem mencionada a subida
de preços dos produtos). Os salários subiram nas fábri-
cas em 30%; o país tem excedente de força hidráulica
não utilizada, a mais barata de todas as forças motoras.
As minas prosperam por todo o lado como nunca antes.
De 1832 a 1837 subiram2 :
a importação de algodão em bruto
de ......................... 118 000 Zentner* para 240 000 Zentner

a exportação de produtos de algodão


de ......................... 26 000 Zentner 75 000

o número d e teares de algodão na Prússia


de (1825) .. ......... .. 22 000 32 000 (1834)

a importação de lã de ovelha
de. ..... ................... 99 000 Zentner " 195 000 Zentner

a exportação de lã de ovelha
de ......................... 100 000 " 122 000

a importação de roupa de lã
de ........................ . 15 000 18 000

a exportação de roupa de lã
de ............... ......... . 49 000 69 000

A tecelagem de linho teve uma difícil luta contra os


altos impostos alfandegárias na Inglaterra, França e Itá-

2
Aqui apresentamos só números arredondados.
* Zentner =50 kg.

612
lia e não tem subido; em contrapartida, a importação de
fio de linho subiu 30 000 Zentner (1835), principalmente
através do fornecimento da Inglaterra que ainda está a
aumentar;
de índigo foram gastos 12 000 Zentner em 1831 e
24 000 Zentner em 1837 - uma prova clara do cresci-
mento da indústria alemã;
a exportação de louça de barro mais do que dupli-
cam de 1832 a 1836;
a importação de cerâmica desceu de 5000 Zentner
para 2000 Zentner e a sua exportação subiu de 4000
Zentner para 18 000;
a importação de porcelana diminuiu de 4000 Zent-
ner para 1000 Zentner e a exportação de 700 Zentner
subiu para 4000 Zentner;
a produção de carvão de pedra subiu de 6 milhões
de toneladas prussianas (1832) para 9 milhões (1836);
em 1816 contavam-se na Prússia 8 milhões de ove-
lhas, em 1837, 15 milhões;
em Sachsen havia, em 1831, 14 000 máquinas de
fazer meias, em 1836, 20 000;
entre 1831 e 1837 o número de fábricas de fiação de
fio de lã e de fusos em Sachsen cresceu para mais do
dobro;
por todo o lado surgiram fábricas de máquinas, e
muitas delas em condições prósperas;
resumindo, em todos os ramos da indústria, na
medida em que foi protegida, a Alemanha fez progres-
sos incomensuráveis, em especial nos produtos de lã
e algodão de utilização vulgar e cuja importação da
Inglaterra acabou completamente. Não obstante, o

613
Dr. Bowring reconhece em consequência dum parecer
merecedor de crédito que lhe foi apresentado, "que o
preço dos tecidos prussianos era decididamente mais
baixo que o inglês; que, realmente, algumas cores fica-
vam atrás dos ingleses, mas que noutros eram comple-
tamente insuperáveis; que o fiar, tecer e todos os proces-
sos preparatórios estavam completamente ao nível dos
britânicos; que, na verdade, no acabamento se reconhe-
cia um atraso evidente, mas que as deficiências ainda
existentes desapareceriam com o tempo".
É particularmente fácil de compreender como atra-
vés de tais exposições o parlamento inglês pode final-
mente ser levado a distanciar-se das suas leis do trigo
que desde então agiram sobre a Alemanha como um sis-
tema de protecção; mas parece-nos altamente difícil de
compreender que a União alemã, que na sequência do
sistema de protecção fez progressos tão incomensurá-
veis, devesse ser afastada de um sistema tão rendoso
através deste relatório.
O Dr. Bowring garante-nos que a indústria nacional
da Alemanha é protegida à custa da agricultura; mas
como podemos nós dar crédito a essa garantia, se vemos
a procura de produtos agrícolas, os preços dos produtos,
os salários, as rendas, o valor das fazendas subirem por
todo o lado sem que o agricultor tivesse mais do que
antes pelas suas necessidades em manufacturas?
O Dr. Bowring mostra-nos um cálculo segundo o
qual há na Alemanha três agricultores para um manu-
factor; mas, com isso, convence-nos precisamente de que
o número de manufactores alemães ainda não está na
relação correcta com os agricultores e não se vê como

614
estabelecer um equilíbrio a não ser alargando a protec-
ção àquelas indústrias que ainda agora, na Inglaterra,
são exercidas, para o mercado alemão, por pessoas que
consomem produtos agrícolas ingleses em vez de pro-
dutos agrícolas alemães.
O Dr. Bowring afirma que a agricultura alemã só
pode olhar para o estrangeiro se quiser aumentar a sua
venda de produtos. Mas a experiência da Inglaterra
ensina-nos que só se consegue. grande procura de pro-
dutos agrícolas através duma força manufactureira flo-
rescente, e o próprio Dr. Bowring o diz implicitamente
quando apresenta no seu relatório o receio de que, se a
Inglaterra demora ainda algum tempo com a abolição
das leis do trigo, a Alemanha não terá para vender ao
estrangeiro nem cereais nem madeira.
O Dr. Bowring tem razão em sustentar que o inte-
resse da agricultura é ainda preponderante, mas preci-
samente por isso, por ser preponderante, terá que, corno
demonstrámos nos capítulos anteriores, tratar de esta-
belecer, através duma elevação dos interesses da manu-
factura, um equilíbrio correcto com esta, porque a pros-
peridade da produção agrícola assenta num equilíbrio
com os interesses da manufactura e não num sobrepeso
da agricultura.
O relator parece estar completamente errado quando
afirma que o próprio interesse manufactureiro alemão
desafia a concorrência estrangeira nos mercados ale-
mães, porque as manufacturas alemãs, logo que esti-
verem em condições de fornecer os mercados alemães,
terão de entrar em concorrência com os manufactores
dos outros países com a produção excedente; essa con-

615
corrência é que só se poderá aguentar com produtos
baratos, e a produção barata contradiz a essência do
sistema proteccionista, que ambiciona garantir preços
altos aos manufactores. Neste argumento, há tantos
erros e falsidades como palavras. O Dr. Bowring não
pode negar que o fabricante pode estabelecer os seus
preços tanto mais baratos quanto mais fabricar, que uma
manufactura, portanto, que tenha um mercado de ante-
mão mais barato pode . trabalhar para o estrangeiro.
A prova disto encontrá-la-á na mesma tabela que apre-
sentou sobre os progressos da indústria alemã; pois, na
proporção em que as fábricas alemãs tomaram posse do
seu mercado interno, subiu também a exportação dos
produtos manufacturados. Então, a última experiência
da Alemanha ensina, tal como a velha experiência da
Inglaterra, que preços altos da manufactura de forma
alguma são uma consequência necessária da protecção.
Finalmente, a indústria alemã está ainda muito longe de
fornecer o mercado interno. Para lá chegar, terá de fabri-
car primeiro os 13 000 Zentner de produtos de algodão,
os 18 000 Zentner de produtos de lã e os 500 000 Zentner
de fio de algodão, de fio de seda e de linho que actual-
mente são importados da Inglaterra. E uma vez atingido
esse nível, terá de importar só em algodão em bruto
mais meio milhão de Zentner do que até agora, e p or-
tanto de desenvolver mais trocas directas com os países
da zona quente e pagar parte, senão tudo, com produtos
manufacturados próprios.
A maneira de ver do relator de que na Alemanha a
opinião pública é a favor da liberdade de comércio, terá
que ser reajustada na medida em que, desde a fundação

616
da União Comercial, se chegou à maneira mais clara de
perceber o que na Inglaterra no fundo se entendia pelas
palavras liberdade de comércio; pois que, desde então,
como ele próprio diz, "a sensação da índole nacional
alemã mudou do campo da esperança e fantasia para o
campo dos interesses positivos e materiais" .
O relator tem razão quando diz que a inteligência
está muito divulgada na Alemanha: por isso mesmo se
deixou, na Alemanha, de depender de sonhos cosmopo-
litas, agora pensa-se aqui por si próprio, confia-se mais
na opinião própria e na própria experiência, no saudável
senso comum, do que em sistemas unilaterais contradi-
zendo todas as experiências. Começa-se a perceber por-
que é que Burke declarou confidencialmente a Adam
Smith que "uma nação não deve ser regida por sistemas
cosmopolitas mas sim por um conhecimento investigado
profundamente dos seus interesses nacionais específi-
cos"; desconfia-se dos conselheiros que falam de duas
maneiras diferentes; sabe-se dar valor às vantagens e
propostas de concorrentes industriais; finalmente recorda-
-se, sempre que se fala das ofertas dos ingleses, a conhe-
cida máxima das ofertas feitas pelos gregos.
Precisamente por estas razões, há que duvidar que
homens de Estado alemães tenham seriamente dado ao
relator a esperança de que a Alemanha cederia à Ingla-
terra a sua política proteccionista a troco da miserável
concessão de exportar alguns cereais e madeira para a
Inglaterra. De qualquer maneira, a opinião pública da
Alemanha devia ter as suas dúvidas em incluir tais
homens de Estado no número dos pensadores. Para
ganhar este predicado, hoje, na Alemanha, não chega ter

617
decorado as formas e argumentos banais da escola cos-
mopolita; exige-se que um homem de Estado conheça as
forças e necessidades da Nação, independentemente dos
sistemas de ensino, e se esforce por desenvolver aquelas
e satisfazer a estas. Mas um imenso desconhecimento
daquelas forças e necessidades trairia aquele que não
soubesse que se exigem enormes esforços para elevar
uma indústria nacional àquele grau que a Alemanha já
alcançou hoje; que não consegue prever mentalmente a
grandeza do futuro; que tanto frusta a confiança que os
industriais alemães depositam na sabedoria dos gover-
nos e de tal forma magoa o espírito empresarial da
nação; que não consegue distinguir a maneira de ver
elevada duma nação manufactureira de primeiro plano
da maneira de ver inferior duma nação exportadora de
cereais e madeira; que não sabe avaliar que precário é
um mercado estrangeiro de cereais e madeira mesmo em
tempos normais, quão facilmente tais concessões podem
ser retiradas e que convulsões estão aliadas com a inter-
rupção deste comércio provocada por guerras ou medi-
das adversas; que, finalmente, com o exemplo de outros
grandes Estados, não aprendeu até que ponto a existên-
cia, a autonomia e o poder da nação são condicionados
pela posse de força manufactureira própria e desenvol-
vida por todo o lado.
Realmente, é preciso ter dado pouca atenção ao
espírito de nacionalidade e de unidade surgido na Ale-
manha desde 1830 para acreditar no que diz o relator-
que a política de união siga os interesses da Prússia na
medida em que dois terços da população da união são
prussianos; mas os interesses da Prússia precisam de

618
exportação de cereais e madeira para a Inglaterra; o seu
capital aplicado na manufactura seja irrelevante; que a
Prússia, por isso, por-se-ia contra todo o sistema que
impeça a importação de manufactura estrangeira e que
todos os chefes de departamento prussianos sejam da
mesma opinião.
Contudo, o relator diz no princípio do seu relatório:

"a união comercial alemã é a personificação da


ideia de unidade nacional divulgada largamente neste
país. Se esta união for bem dirigida, teria de ter como
consequência a fusão de todos os interesses alemães
numa união comum. A experiência dos seus benefícios
tornaram-na popular. É o primeiro passo para a germa-
nização do povo alemão. Através de interesses comuns
nas questões do comércio, preparou o caminho da
nacionalidade política e colocou um novo e mais forte
elemento de índole alemã."

Mas não se percebe como se coaduna esta observa-


ção correcta com estas: a Prússia sacrificará a indepen-
dência e futura grandeza da nação a baixas considera-
ções movidas por pretensos interesses, aliás apenas
momentâneos; a Prússia não compreenderá que a Ale-
manha com a sua política comercial subirá ou descerá tal
como a própria Prússia sobe ou desce com a Alemanha.
Como coincide a afirmação de que os chefes de depar-
tamento prussianos são contra o sistema proteccionista
com o facto de os elevados direitos aduaneiros sobre
produtos de lã e algodão terem sido da iniciativa da
própria Prússia? E estas contradições e o facto de o

619
relator apresentar de forma tão brilhante a situação e
progressos da indústria saxónia não nos terão de levar a
suspeitar que ele próprio queira activar a inveja parti-
cular da Prússia? Seja como for, será sempre esquisito
que o Dr. Bowring dê tanto valor às manifestações parti-
culares dos chefes de departamento, ele, um publicista
inglês, que devia conhecer o poder da opinião pública e
saber que hoje um dia as maneiras de ver particulares
dos chefes de departamento, mesmo em Estados não
constitucionais, pouco valor têm quando contestam a
opinião pública e os interesses materiais de toda a nação
e pretendem recuos que põem em perigo toda a nacio-
nalidade. O próprio relator se apercebe disto quando
concede, na página 98, que o governo prussiano, tal
como o inglês na abolição das leis do trigo da Inglaterra,
percebe perfeitamente que as opiniões dos serviços
públicos não conseguem penetrar em todo o lado; por
isso, seria de considerar se não se devia aceitar nos mer-
cados ingleses cereais e madeira alemães mesmo sem
concessões prévias por parte da União alemã, porque
assim o caminho dos produtos manufacturados ingleses
para os mercados alemães ficavam automaticamente
preparados. Esta posição é certamente correcta. O Dr.
Bowring vê bem que as leis do trigo criaram a indústria
alemã, que a indústria alemã nunca se fortaleceria sem
aquelas leis e, portanto, que a abolição das leis do trigo
trava progressos da indústria alemã e deverá fazê-la
recuar - partindo do princípio de que a legislação alemã
aduaneira, neste caso, se mantém como está. É pena que
os Britânicos não tenham percebido o valor deste argu-
mento vinte anos antes. Mas agora, depois de a própria

620
legislação inglesa ter levado à sepatação da agricultura
alemã da manufactura inglesa, depois de a Alemanha ter
seguido desde há vinte anos o caminho do aperfeiçoa-
mento da indústria e ter feito sacrifícios incomensurá-
veis para tal, a Alemanha revelaria cegueira política se,
com a abolição das leis do trigo inglesas, deixasse de
continuar, de qualquer forma, o seu grande caminho
nacional. Sim, nós estamos convencidos de que, num
caso destes, a Alemanha deveria elevar os direitos adua-
neiros na mesma relação em que as fábricas inglesas
ficam em vantagem perante a Alemanha através da abo-
lição das leis do trigo. A Alemanha, durante muito
tempo, não poderá seguir outra política contra a Ingla-
terra que não a de uma nação manufactureira pouco
avançada que aspira com todas as forças a pôr-se ao
mesmo nível da nação manufactureira mais avançada.
Qualquer outra política ou medida envolverá uma
ameaça à nacionalidade alemã. Precisem os Ingleses de
cereais ou madeira estrangeiros, que vão buscá-los à
Alemanha ou onde quiserem, a Alemanha não aspirará
menos a proteger os progressos realizados até agora na
indústria e a fomentar os futuros . Os Britânicos não que-
rem saber dos cereais e madeira alemães? Tanto melhor:
mais depressa a indústria, a navegação e o comércio
externo da Alemanha levantarão a cabeça, mais depressa
o sistema de transporte interno da Alemanha se aperfei-
çoará, e a nacionalidade alemã conseguirá de forma mais
indubitável a sua base natural. Talvez que a Prússia,
desta forma, não valorize tão depressa os cereais e a
madeira das suas províncias do mar Báltico, como se de
repente a Inglaterra lhe estivesse aberta. Com o aperfei-

621
çoarnento dos meios de transporte internos e a procura
interna de produtos agrícolas criada pelas manufacturas,
crescerá de forma suficientemente rápida a venda daque-
las províncias para o interior da Alemanha, e qualquer
progresso destas províncias, que se baseia na venda
interna dos seus produtos agrícolas, terá sido conse-
guido para todo o futuro; não cambalearão, corno até
agora, de urna década para a outra entre calamidade e
prosperidade. Mas a Prússia ganhará, corno poder, em
força intensiva através desta política no interior da Ale-
manha, o cêntuplo do que sacrifica agora ou antes
empresta ao futuro em valores nas províncias marítimas.
Manifestamente, o objectivo principal do ministério
inglês com este relatório conseguir é a admissão de pro-
dutos de lã e algodão ordinários, em parte pela suspen-
são ou alteração das tarifas por peso, em parte pela
diminuição das tarifas, em parte pela admissão de
cereais e madeira alemães nos mercados ingleses. Com
isto, pretende-se abrir a primeira brecha no sistema de
protecção alemão. Estes produtos de consumo comum
são de longe os mais importantes, corno já expusemos
em capítulos anteriores; são o elemento-base da indús-
tria nacional.
Dez por cento de direitos ad valarem, como mani-
festamente a Inglaterra tenciona, iam, com a ajuda de
certas correntes de declaração de menor valor, abando-
nar à concorrência inglesa a maior parte da indústria
alemã, nomeadamente quando, na sequência de crises
comerciais, os rnanufactores ingleses fossem incitados de
quando em vez a vender a qualquer preço os seus esto-
ques de mercadorias. Não é pois exagerado afirmarmos

622
que a tendência das propostas inglesas aponta para nada
menos que a queda de todo o sistema alemão de protec-
ção, para fazer recuar a Alemanha para a condição de
urna Colónia agrícola inglesa. Para este objectivo final
chama-se à atenção da Prússia quanto a sua agricultura
poderia ganhar com a descida dos direitos ingleses sobre
cereais e madeira e que irrelevantes são os seus inte-
resses rnanufactureiros. Com esta intenção, abre-se à
Prússia a perspectiva duma descida dos direitos alfan-
degários sobre a aguardente. E para os outros Estados
não ficarem sem nada, promete-se que os direitos adua-
neiros sobre produtos de Nuremberga, brinquedos, água
de Colónia e outras bagatelas, serão diminuídos em 5%.
Isto satisfaz os pequenos Estados e não custa muito.
Em seguida, com o relatório apresentado, quer-se
convencer o governo alemão de que é vantajoso para a
Alemanha que a Inglaterra lhe fie algodão e linho. Não
há nenhuma dúvida de que até agora a política da União
de apoiar a tipografia e depois a tecelagem e de importar
fio médio e fino foi correcta. Daí não se conclui de forma
alguma que permaneça correcta para sempre. A legisla-
ção aduaneira tem de avançar com a indústria nacional
se quer preencher a sua finalidade. Já se referiu que as
fábricas de fiação, independentemente da sua importân-
cia própria, têm as vantagens incomensuráveis de nos
porem em relações de troca directa com países da zona
quente; por isso exercem uma influência enorme na
nossa navegação e exportação de manufactura e apoiam
mais as nossas fábricas de máquinas do que qualquer
outro ramo de produção. Corno não há nenhuma dúvida
de que a Alemanha não é impedida de praticar ela pró-

623
pria esta grande e produtiva indústria, seja por falta de
força hidráulica e trabalhadores capazes, seja por falta
de capital material ou inteligência, não se compreende
por que razão não deveremos proteger os tecidos, um
atrás do outro, de tal forma que ao longo de 5 ou 10 anos
fiemos a maior parte das nossas necessidades. Por maio-
res que se considerem as vantagens de exportação dos
cereais e madeira, nunca se aproximarão das vantagens
que nos advêm da fiação. Não hesitamos em supor que
se pode provar de forma irrefutável, através do cálculo
do consumo crescente em produtos agrícolas e florestais
a partir da fiação, que deste ramo da manufactura ape-
nas surgirão muito maiores vantagens aos donos da
terra alemães do que o mercado estrangeiro lhes ofere-
cerá e pode oferecer.
O Dr. Bowring duvida que Hanôver, Braunsch-
weig, as duas Mecklenburg, Olderburg e as cidades
hanseáticas se liguem à União a não ser que esta desça
os seus direitos aduaneiros de importação de forma
radical. Mas, por enquanto, nem se fala nos meios suge-
ridos porque seria muito pior do que o mal que se pre-
tende ajudar a afastar. A nossa confiança na fecun-
didade do futuro alemão não é de forma alguma tão
fraca como a do relator. Assim como a Revolução de
Julho foi salutar para a União Comercial alemã, também
o próximo grande acontecimento mundial deverá fazer
desaparecer todas as hesitações secundárias pelas quais
estes pequenos Estados foram impedidos de ceder às
exigências da nacionalidade alemã. O valor da unidad_e
comercial para a nacionalidade e o que, independen-
temente dos interesses materiais, é nela útil ao governo

624
alemão, foi suficientemente posto à prova quando em
França se tomou pública a exigência da fronteira do Reno.
De dia para dia, os povos e governos da Alemanha
devem chegar à opinião de que a unidade nacional é a
rocha sobre a qual se deve construir o edifício do seu
bem-estar, da sua honra, do seu poder, da sua segurança
actual e da sua futura grandeza. Assim, a cada dia que
passa, o abandono dos pequenos Estado da Costa da
União Comercial aparecerá, não só aos Estados unifica-
dos, mas também a eles próprios, à luz dum escândalo
nacional que deve ser corrigido a qualquer preço. Tam-
bém, bem vistas as coisas, as vantagens materiais da
unificação são, para aqueles Estados, maiores do que os
sacrifícios exigidos. Quanto mais a indústria manufactu-
reira, o sistema de transportes interno, a navegação e o
comércio externo da Alemanha se desenvolverem como
se podem desenvolver e têm de desenvolver, de acordo
com os recursos da nação e com uma política comercial
inteligente, mais crescerá neles o desejo de participar
directamente nestas vantagens, mais se desabituarão do
mau costume de esperar salvação e benção do estran-
geiro. No que respeita às cidades hanseáticas em espe-
cial, o espírito imperial burguês de independência das
paróquias soberanas de Hamburgo não abala de forma
alguma as nossas esperanças. Naquelas cidades vive,
segundo o próprio testemunho do relator, um grande
número de homens que entende que Hamburgo, Bremen
e Lübeck são e têm de ser para a nação alemã, o que
Londres e Liverpool são para os Ingleses, Nove Iorque,
Boston e Filadélfia para os Americanos - homens que
entendem que a união comercial traz vantagens para as

625
suas ligações mundiais, as quais compensam em muito
as desvantagens da submissão às disposições da União,
e que uma prosperidade sem garantia de continuidade é
no fundo uma vida meramente aparente.
Que habitante razoável daqueles portos marítimos
poderia realmente alegrar-se com o aumento constante
do seu número de toneladas, com o alargamento cons-
tante das suas relações comerciais, quando pensa que
duas fragatas saídas da Helgolândia lançam âncora na
foz do Weser e Elba e estão em condições de destruir em
24 horas esta obra de um quarto de século? Mas a União
garantirá para sempre a prosperidade e o progresso em
parte pela construçãó duma frota própria, em parte por
meio de alianças. Tratará da sua pesca, alcançará vanta-
gens especiais para a navegação, através dum orçamento
apreciável de consulado e tratados, conseguirá proteger
e fomentar as suas relações comerciais externas em todos
os portos e zonas mundiais.
Em parte por seu intermédio, criará novas colónias
e, através delas, explorar o comércio colonial. Pois que
uma união estatal de 35 milhões de pessoas (será o
número da União, pelo menos, quando estiver completa)
que com um aumento populacional anual de, em média,
1V2 por cento pode dispensar facilmente por ano 200 a
300 000 pessoas, cujas províncias regurgitam de habi-
tantes com a particularidade de terem conhecimentos e
serem instruídos, com tendência a tentar a sua sorte e
fixar em terras longínquas onde terras selvagens podem
ser urbanizadas, esta associação de Estados está vocacio-
nado, por natureza, para se pôr na primeira fila das
nações colonizadoras e divulgadoras de cultura.

626
O sentimento da necessidade do tal acabamento da
União está na Alemanha tão generalizado, que o relator
não pode deixar de anotar: "mais costas, mais portos,
mais navegação, uma bandeira da União, posse de mari-
nha de guerra e mercante, são desejos geralmente divul-
gados entre os adeptos da União Comercial. Mas há
poucas perspectivas de a União poder surgir contra a
crescente frota russa e contra a marinha mercante da
Holanda e das cidades Hanseáticas". Contra elas claro
que não, tanto mais, portanto, com elas e através delas.
Está na natureza de qualquer poder dividir para domi-
nar. Depois de o relator ter exposto porque seria insen-
sato que os Estado da costa se juntassem à União,
separa, também para sempre, os grandes portos do
corpo nacional alemão ao falar de armazéns de Altona
que teriam de ser perigosos para os armazéns de Ham-
burgo, como se um tão grande império colonial não
pudesse encontrar meios de pôr ao seu serviço os arma-
zéns de Altona. Não seguimos o autor nas suas perspi-
cazes deduções, dizemos só que elas, aplicadas à Ingla-
terra, demonstrariam que Londres e Liverpool podiam
fomentar extraordinariamente a sua prosperidade comer-
cial se se separassem do corpo de Estado inglês. O
espírito deste argumento é explicitado sem rodeios no
relatório do cônsul inglês em Roterdão:

"Para os interesses comerciais da Grã-Bretanha, diz


o senhor Alexander Ferrier no fim do seu relatório,
parece ser da maior importância que não se deixe de
tentar qualquer meio para impedir os referidos Estados e
também ·a Bélgica de entrarem na União Aduaneira, por

627
razões que são claras de mais para precisarem de ser
explicitadas."

Quem levaria a mal que o senhor Ferrier fale assim,


que o senhor Bowring fale assim e que os ministros
ingleses procedam como eles falam? O instinto nacional
inglês fala por eles e actua através deles. Mas esperar
salvação e benção de sugestões que vêm de tais fontes
significa deveras ultrapassar as medidas da benevolência
nacional.
"Aconteça o que acontecer", acrescenta o senhor
Ferrier às palavras supracitadas, "a Holanda terá de ser
sempre considerada como o canal principal das ligações
da Alemanha do Sul com outros paises." Declarada-
mente o senhor Ferrier entende por outros países apenas a
Inglaterra, e manifestamente ele quer dizer: se a supre-
macia da manufactura inglesa perdesse as suas testas de
ponte alemãs no Mar do Norte ou no Mar Báltico, fica-lhe
ainda a grande testa de ponte da Holanda para dominar o
mercado de manufactura e produtos coloniais do Sul da
Alemanha. Contudo, do nosso ponto de vista nacional,
dizemos e afirmamos: a Holanda é, pela sua situação
geográfica como pelas suas condições comerciais e
industriais e pela origem e língua dos seus habitantes,
uma província alemã separada da Alemanha por ocasião
de desavenças alemãs. Sem a sua reintegração na União
alemã, a Alemanha é comparável a uma casa cujas por-
tas pertencem a um estranho. A Holanda pertence tanto
à Alemanha como a Bretanha e a Normandia pertencem
à França, e enquanto a Holanda quiser criar o seu pró-
prio reino, a Alemanha pode chegar tão pouco à auto-

628
nomia e poder quanto a França lá chegaria se aque-
las províncias permanecessem nas mãos dos ingleses.
O poder comercial da Holanda decaiu por culpa da
insignificância do país; e, não obstante a prosperidade
das suas colónias, continuará e terá de continuar a
decair, porque o país é demasiado fraco para suportar
os custos incomensuráveis duma potência terrestre e
marítima .
Com o esforço de afirmar a sua nacionalidade, a
Holanda, independentemente da prosperidade colonial,
afundar-se-á cada vez mais em dívidas. É e ficará um
país dependente da Inglaterra e só reforça a supremacia
inglesa com a sua aparente independência. Esta a razão
oculta pela qual a Inglaterra defendeu no Congresso de
Viena a reconstituição da independência aparente da
Holanda. Acontece o mesmo que aconteceu com as
cidades hanseáticas. Mas, ao lado da Inglaterra, a
Holanda é um escudeiro da frota inglesa; é o condutor
do poder marítimo alemão incorporado na Alemanha.
Na situação actual, a Holanda não pode de forma
alguma explorar tão bem o seu domínio colonial como
poderia se fosse parte integrante da União alemã, até
porque é muito fraca no que respeita aos elementos
necessários à colonização, pessoas e forças intelectuais.
Além disso, a exploração das suas colónias, na medida
em que se efectuou até agora, está em grande parte
dependente da benevolência alemã, ou melhor, do des-
conhecimento dos Alemães dos seus próprios interesses
comerciais nacionais; dado que todas as outras nações
concedem preferências às suas colónias e aos países a ela
submetidos nos seus mercados de produtos coloniais,

629
aos Holandeses, para os próprios excedentes destes pro-
dutos, só resta o mercado alemão.
Quando os Alemães perceberem que aqueles que
lhes fornecem produtos coloniais também percebem
que têm de lhes comprar preferencialmente produtos
manufacturados, ficará claro que está na sua mão obri-
gar a Holanda a aderir à União aduaneira alemã. Esta
União traria a ambos os países a maior vantagem. A
Alemanha forneceria à Holanda os meios para, não só
explorar muito melhor as suas colónias, como para ins-
talar e comprar novas colónias. A Alemanha favoreceria
a navegação holandesa e hanseática e concederia vanta-
gens especiais aos produtos coloniais holandeses nos
mercados alemães. A Holanda e as cidades hanseáticas,
por sua vez, exportariam preferencialmente produtos
fabricados alemães e aplicariam preferencialmente o
excedente de capital em fábricas alemãs e na agricultura
do interior da Alemanha.
A Holanda, desceu da sua altura como potência
comercial, porque - mera fracção duma nação - se que-
ria fazer valer como um todo, porque procurava a sua
vantagem na opressão e enfraquecimento das forças
produtivas da Alemanha em vez de basear a sua gran-
deza na prosperidade nos países do Hinterland, com os
quais qualquer Estado da costa se mantém ou cai, por-
que procurava tornar-se grande separando-se da nação
alemã em vez de se unir a ela. Essa Holanda só pode
recuperar a antiga prosperidade através da União alemã
e duma ligação íntima. Só através desta União será
possível fundar uma nação agrícola-manufactureira-
-comercial de primeira grandeza.

630
O Dr. Bowring reúne no seu quadro as importações
e exportações da União Comercial alemã com as cidades
hanseáticas, com a Holanda e com a Bélgica, e com esse
quadro esclarece até que ponto todos estes países estão
ainda dependentes da indústria manufactureira inglesa,
e até que ponto podiam incomensuravelmente ganhar
na sua força produtiva global através da unificação.
Calcula as importações destes países da Inglaterra em
19 842 121 libras esterlinas oficiais ou 8 550 347 de valor
declarado, as exportações dos mesmos países para a
Inglaterra, por sua vez, só em 4 804 491 libras esterlinas
que incluem, claro, as importantes quantidades de café
de Java, queijo, manteiga, etc., que a Inglaterra recebe da
Holanda. Estas quantidades são eloquentes. Nós agrade-
cemos ao doutor a composição tabelar; que signifique
em breve uma política!

631
Trigésimo Quinto Capítulo

A POLÍTICA CONTINENTAL

A mais alta finalidade da política nacional é, como


expusemos no segundo livro, a união das nações sob o
direito- um objectivo que só se pode alcançar através da
maior igualdade possível entre as nações mais impor-
tantes da Terra em cultura, bem-estar, indústria e poder,
através da transformação das antipatias e conflitos em
simpatia e harmonia. A solução desta tarefa, contudo, é
uma obra de progresso extremamente lento.
Actualmente, as nações afastam-se e estão longe
umas das outras pelas mais variadas razões. Na primeira
linha, estão os conflitos territoriais. A divisão territorial
das nações europeias ainda não corresponde à natureza
das coisas. Sim, nem mesmo em teoria se está de acordo
sobre os princípios duma divisão territorial natural. Uns
querem ver o seu território- sem consideração pela lín-
gua, comércio, origem, etc. - concentrado segundo as
necessidades da sua capital, de tal forma que a capital
esteja no centro e o mais possível defendida de ataques
de estrangeiros: exigem rios e fronteiras. Outros acham-
e parece que com razão - que litoral marítimo, monta-
nhas, língua, origem são melhores fronteiras que rios.
Ainda há nações que não possuem aquelas fozes e litoral
marítimo imprescindíveis para a formação das suas rela-
ções mundiais e do seu poderio marítimo.

633
Se cada nação se encontrasse na posse do território
necessário para o seu desenvolvimento interno e para a
afirmação da sua independência política, industrial e
comercial, então cada usurpação contradiria urna polí-
tica saudável, porque com o alargamento não natural do
território se provocaria e alimentaria o ressentimento da
nação prejudicada e, em consequência, os sacrifícios que
o país agressor teria de suportar para a manutenção de
tais províncias seriam maiores do que as vantagens
ligadas à sua posse. Mas actualmente não se pode
ainda pensar numa divisão territorial razoável, porque
esta questão é atravessada por urna grande variedade de
interesses de outra natureza. Não obstante, não se pode
ignorar que a ordenação territorial faz parte das prin-
cipais necessidades das nações, que a aspiração a essa
ordenação é legítima e que até em alguns casos a guerra
se justifica.
Outras causas da antipatia entre nações são actual-
mente: a diversidade de interesses em relação às manu-
facturas, o comércio, a navegação, poder marítimo e
posse colonial, a diversidade dos estádios de desen-
volvimento, da religião e das situações políticas. Todos
estes interesses são de forma variada contrariados por
relações dinásticas e de poder.
As causas da antipatia são, por outro lado, origens
de simpatia. Os menos poderosos simpatizam entre si
contra os mais poderosos, os ameaçados contra os con-
quistadores, as potências territoriais contra a supremacia
dos mares, os pobres em indústria e comércio contra os
que pretendem um monopólio industrial e comercial,
os civilizados contra os menos civilizados, os regidos

634
monarquicamente contra os menos governados no total
ou em parte democraticamente.
Actualmente, as nações prosseguem os seus inte-
resses e simpatias através de alianças entre iguais ani-
mados dos mesmos sentimentos contra os interesses e
tendências que se lhes opõem. Mas, como estes interes-
ses e tendências se cruzam de forma muito diversa, as
alianças são inconstantes. As nações hoje amigas podem
amanhã tornar-se inimigas e vice-versa, conforme esti-
ver em causa precisamente um dos grandes interesses
ou princípios pelos quais se sentem atraídas ou se afas-
tam uma da outra.
A política percebeu há muito que a posição de
igualdade das nações é a sua tarefa limitada. Aquilo que
se chama manutenção do equilíbrio europeu é, desde longa
data, nada mais que a aspiração dos pouco poderosos de
travar o domínio dos muito poderosos. Mas a política
não raramente tem confundido o seu objectivo mais
próximo com o afastado e vice-versa .
A próxima tarefa da política consiste em reconhecer
de forma clara quais dos vários interesses, alianças e
igualdades, são mais urgentes, e esforçar-se para que,
até esta igualdade se alcançar, todas as outras questões
sejam suspensas e passem para segundo plano.
Quando os interesses dinásticos, monárquicos e
aristocratas da Europa se aliaram, com o enterro de
todas as considerações de poder e comércio, contra as
tendências revolucionárias de 1789, a sua política era a
correcta.
Também foi correcta quando o império se inclinou
para a conquista em vez da revolução.

635
Napoleão queria, com o seu sistema continental,
fundar um bloqueio continental contra a supremacia
marítima e comercial inglesa; mas, para ter sucesso,
teria primeiro de tirar às nações continentais o receio
de serem conquistadas pela França. Falhou porque
nestas nações o medo perante a supremacia por terra
era superior ao que sentiam perante a supremacia dos
mares.
Com a queda do império terminou o sentido da
aliança. As potências continentais já não estavam amea-
çadas nem pelas tendências revolucionárias nem pela
mania de conquista da França; em compensação, a pre-
ponderância da Inglaterra em manufactura, navegação,
comércio, posse colonial e domínios dos mares tinha
crescido incomensuravelmente durante as lutas contra a
revolução e a conquista. Agora, era do interesse das
potências continentais aliarem-se com a França contra a
hegemonia comercial e marítima. Mas, por medo dos
despojos do leão morto, as potências continentais não se
aperceberam do leopardo vivo que até então tinham
combatido nas suas fileiras. A Santa Aliança foi um erro
político.
Este erro foi castigado pela revolução de Julho. A
Santa Aliança tinha provocado uma oposição que já não
existia e que por muito tempo não reapareceria sem
necessidade. Por sorte para as potências continentais, a
dinastia de Julho conseguiu acalmar a tendência revolu-
cionária da França . A França fez aliança com a Inglaterra
no interesse da dinastia de Julho e da consolidação da
monarquia constitucional; a Inglaterra fê-la no interesse
da manutenção da sua supremacia comercial.

636
A aliança franco-inglesa acabou logo que a dinastia
de Julho e a monarquia constitucional se sentiram sufi-
cientemente consolidadas, mas os interesses da França
em relação à supremacia dos mares, navegação, comér-
cio, indústria e posse no exterior apareceram de novo em
primeiro plano. Manifestamente, a França tem nestas
questões os mesmos interesses das outras potências
continentais, e a fundação duma aliança continental
contra a supremacia dos mares da Inglaterra parece vir a
estar na ordem do dia, contanto que a dinastia de Julho
consiga estabelecer em França uma unidade completa de
vontade entre os vários órgãos do Estado, passar para
segundo plano a questão territorial trazida pelas tendên-
cias revolucionárias e tirar por completo às potências
continentais monárquicas o medo das tendências revo-
lucionárias e de conquista da França.
Mas nada está agora tanto no caminho de uma
estreita união do continente europeu como o facto de o
seu centro ainda não ocupar a posição que naturalmente
lhe pertence. Em vez de mediador entre o Oriente e o
Ocidente do continente europeu em todas as questões da
divisão do território, do princípio constitucional, da
autonomia nacional e do poder- para o que tem vocação
por causa da sua situação geográfica, da constituição
federativa que exclui todo o medo de conquista pelas
nações vizinhas, pela sua tolerância religiosa e suas ten-
dências cosmopolitas, finalmente, pelos seus elementos
culturais e de poder-, este centro actualmente é o pomo
da discórdia pelo qual o Oriente e o Ocidente se deba-
tem, porque de ambos os lados se tem esperança atrair
para o seu lado a potência do meio enfraquecida por

637
falta de unidade nacional e sempre incerta, oscilando
dum lado para o outro. Se, ao contrário, a Alemanha,
com as respectivas margens, com a Holanda, Bélgica e
Suíça, se constituísse como unidade comercial e política
forte, este corpo nacional poderoso com os existentes
interesses monárquicos dinásticos e aristocráticos fundi-
ria as instituições do sistema representativo, na medida
em que são compatíveis entre si, e assim poderia a Ale-
manha garantir ao continente europeu a paz por longo
tempo e ao mesmo tempo formar uma aliança conti-
nental duradoura.
É evidente que o domínio dos mares da Inglaterra
ultrapassa em muito o de outras nações, se não em
número de velas em poder militar, e que por isso as
nações menos poderosas no mar só podem contrabalan-
çar a Inglaterra através da união das suas forças milita-
res. Daqui segue que cada nação mais fraca está interes-
sada na manutenção e prosperidade do poder marítimo
de todas as outras nações fracas; e também que fracções
de outras nações, que, até agora separadas, não tinham
nenhum ou pouco poder marítimo, se constituem como
uma potência marítima unificada. Perante a Inglaterra,
perdem a França e a América do Norte, se o poder marí-
timo da R~ssia desce e vice-versa. Todos ganham se a
Alemanha, a Holanda e a Bélgica constituírem uma
potência marítima comum; pois que, se separadas, as
últimas são os escudeiros da Inglaterra, unidas reforçam
a oposição de todas as nações mais fracas contra a
supremacia.
Nenhuma das potências marítimas menores possui
uma marinha mercante que ultrapasse as relações do seu

638
próprio comércio internacional; nenhuma destas nações
possui manufactura que se possa impor sobre os outros
com peso significativo, portanto nenhuma delas tem de
ter medo da concorrência das outras. Ao contrário, todas
têm o interesse comum de se defenderem da concorrên-
cia destruidora da Inglaterra, todas estão interessadas em
que a força manufactureira preponderante da Inglaterra
perca as testas de ponte (Holanda, Bélgica e cidades
hanseáticas) através das quais a Inglaterra até agora
dominava os mercados continentais.
Como os produtos da zona quente são pagos prin-
cipalmente com os produtos manufacturados da zona
moderada, e por isso o consumo de tais produtos é
condicionado pela venda de produtos manufacturados,
e portanto cada nação manufactureira pretende entrar
em contacto directo com os países da zona quente, e
assim, se todas as nações manufactureiras de segunda
categoria compreendem os seus interesses e agem nesse
sentido, nenhuma nação pode conseguir uma posse
colonial preponderante na zona quente. Conseguisse a
Inglaterra o que actualmente pretende, produzir nas
Índias Orientais para as suas necessidades em produtos
coloniais, então a Inglaterra só podia comerciar com as
Índias Ocidentais na medida em que tivesse ocasião de
vender para outros países os produtos coloniais que
recebe de lá em troca dos seus produtos manufactura-
dos. Mas, se não conseguisse vendê-los noutro sítio, as
suas relações com as Índias Ocidentais seriam inúteis;
não teria outra escolha senão deixá-las cair completa-
mente ou dar livremente o comércio a outros países
manufactureiros. Daqui deriva que todas as nações

639
rnanufactureiras, potências marítimas menores, têm um
interesse comum em seguir esta política e em se apoia-
rem nisso mutuamente; daqui se conclui que nenhuma
destas nações perde com a ligação da Holanda à União
Comercial alemã e com as relações estreitas da Alema-
nha com as colónias holandesas.
Desde a emancipação das colónias espanholas e
portuguesas na América do Sul e Índias Ocidentais, não
é mais necessário que urna nação rnanufactureira possua
colónias próprias na zona quente para estar em condi-
ções de trocar directamente produtos rnanufactureiros
por produtos coloniais. Corno o mercado destes países
tropicais é livre, qualquer nação rnanufactureira que
consiga manter concorrência nestes mercados livres
pode entrar em movimento directo de trocas com elas.
Mas estes países tropicais livres só podem produzir
muitos produtos coloniais e consumir grandes quanti-
dades de produtos manufacturados se neles se instala-
rem bem-estar e costumes, sossego e paz, ordem legal e
tolerância religiosa. Todas as nações potências marítimas
menores, principalmente as que não têm colónias ou só
insignificantes colónias, têm um interesse comum em
criar tal situação através duma união de forças. A supre-
macia comercial não tem interesse na situação destes
países, porque é fornecida ou espera ser suficientemente
fornecida pelos seus mercados fechados e dependentes
nas Índias Orientais e Ocidentais.
A tão relevante questão dos escravos deveria ser
considerada deste ponto de vista. Longe de desconhecer
que muita filantropia e sentido de justiça estão na base
do que a Inglaterra prossegue na libertação dos negros,

640
que esta dedicação é muito honrosa para o carácter da
nação inglesa, não nos podemos libertar da ideia de que
também está em jogo a política e o interesse comercial,
se tornarmos em consideração os efeitos imediatos das
medidas tornadas pela Inglaterra neste assunto. Estes
efeitos são nomeadamente: 1. que através da emancipa-
ção imediata dos negros, pela passagem rápida dos
mesmos de um estado de submissão quase animal e
despreocupação para um alto grau de autonomia indi-
vidual, a criação de produtos coloniais dos países tropi-
cais sul-americanos e das Índias Ocidentais será muito
enfraquecida e ao cabo até reduzida a zero, corno o
exemplo de Santo Domingo mostra incontestavelmente,
na medida em que desde a expulsão dos franceses e
espanhóis a protecção diminuiu de ano para ano e con-
tinua a diminuir; 2. que os negros livres tentam cons-
tantemente subir os seus salários enquanto limitam o seu
trabalho a satisfazer as necessidades mais imediatas, que
a sua liberdade primeiro oferece a ociosidade; 3. que, ao
contrário, a Inglaterra tem nas Índias Orientais todos os
meios para fornecer todo o mundo com produtos colo-
niais. Corno se sabe, os hindus, com muita aplicação e
destreza, são extremamente sóbrios nos seus alimentos e
outras pretensões, até por causa das regras religiosas
que lhes proíbem o consumo de carne. Acresce a falta de
cap~tal dos indígenas, a grande produtividade do solo
em vegetais, a obrigação de divisão por castas e a grande
concorrência dos que procuram trabalho. Tudo isto tem
corno resultado que o salário nas Índias Orientais é, sem
qualquer comparação, mais barato que nas Índias Oci-
dentais e América do Sul, as plantações podem ser

641
exploradas por negros livres e por escravos; que por isso
a produção das Índias Orientais, depois de o comércio
ser livre e passarem a dominar princípios de administra-
ção, tem de aumentar em incrível progressão e não está
longe o tempo em que a Inglaterra não só passará a
comprar todas as suas necessidades em produtos colo-
niais nas Índias Orientais como poderá atrair grandes
quantidades para outros países, não podendo perder,
mas ganhar, quando for preponderante a produção
colonial das Índias Orientais, cujo mercado fornece
exclusivamente com produtos manufacturados. Final-
mente, 4. afirma-se que com a emancipação dos escravos
a Inglaterra quis pôr uma espada por cima da cabeça dos
Estados de escravos norte-americanos, que é tanto mais
ameaçador quanto mais a emancipação se propagar e
criar nos negros norte-americanos o desejo de participar
em liberdades semelhantes. Considerando à luz dos
factos uma experiência filantrópica de êxito tão duvi-
doso, deverá aparecer àqueles, para vantagem de quem
foi feita por altruísmo geral, àquelas nações que depen-
dem da troca com a América do Sul e Índias Ocidentais,
nada menos que vantajoso, e, não sem razão, poderiam
fazer as perguntas: se uma transição rápida de escrava-
tura para a liberdade não será mais prejudicial para o
próprio negro do que a manutenção das condições
actuais; se não será preciso uma série de gerações para
educar um negro habituado a submissão quase animal
em trabalho livre e eficiência; se não seria mais ade-
quado fazer a transição da escravatura para a liberdade
através da introdução duma servidão branda, em que
primeiro se concedia ao servo algum direito à terra que

642
ele cultiva e urna módica participação nos frutos do seu
trabalho e, ao contrário, ao proprietário direitos sufi-
cientes para conter o servo em diligência e ordem. Urna
tal condição não seria mais desejável que a de miserável,
alcoólico, hordas pedintes de chamados negros livres,
comparado com os quais a miséria irlandesa, na sua
mais abjecta forma, ainda se pode chamar bem-estar e
cultura? Se nos quisessem fazer crer que o impulso dos
ingleses de fazer participar o que há na Terra do grau de
liberdade em que eles se encontram é tão grande e
indomável que seja de perdoar esquecerem que a Natu-
reza não dá saltos, aí nós poríamos a questão: a situação
das castas hindus mais baixas não será mais miserável
e rejeitável do . que a dos negros americanos? Corno é
que o espírito filantrópico dos ingleses nunca se agitou
para estes miseráveis mortais? Corno é que a legislação
inglesa nunca interveio a favor deles? Corno é que a
Inglaterra é zelosa em tirar utilidade para a sua riqueza
destas miseráveis situações sem pensar numa acção
directa?
A política inglesa para as índias orientais leva-nos à
questão oriental. Afastemos da política do dia tudo o
que tem actualmente relação com conflitos territoriais,
interesses dinásticos, monárquicos, aristocráticos e reli-
giosos e com as relações de poder: aí é inequívoco que as
potências continentais têm um interesse económico
comum na questão oriental. Por bem sucedida que seja a
pretensão das potências de, por um momento, pôr esta
questão em segundo plano, ela ressurgirá constante-
mente com nova força em primeiro plano. Para todo o
homem razoável, é claro que urna nação minada na sua

643
base religiosa e moral, na sua base social e política, corno
a turca, é semelhante a um cadáver que, com o apoio dos
vivos, se poderá manter de pé por algum tempo, mas
que, por isso, não apodrece menos. Com os Persas passa-
se exactamente o mesmo que com os Turcos, com os Chi-
neses, corno com os hindus e todos os outros povos
asiáticos- por todo o lado, onde a cultura apodrecida da
Ásia entra em contacto com o ar fresco da Europa, des-
faz-se em átomos, e a Europa cedo ou tarde encontrar-
se-á na necessidade de tornar em mãos a educação e
assistência de toda a Ásia corno as Índias Orientais já
foram tornadas pela Inglaterra. Em todo este caos de
países e povos, não há uma única nacionalidade capaz
de se manter ou ressuscitar. A dissolução completa das
nacionalidades asiáticas parece, por isso, inevitável e o
renascimento da Ásia só é possível através duma infusão
de força de vida europeia, pela introdução gradual da
religião cristã e costume e ordem europeus, pela imigra-
ção europeia e tutela europeia de governos.
Se pensarmos no caminho que possivelmente um
tal renascimento podia tornar, saltam logo à vista os
recursos ricos com que natureza dotou a maior parte do
Oriente, produzindo para as nações rnanufactureiras da
Europa grandes quantidades de matérias-primas e ali-
mentos de toda a espécie, mas em especial frutos da
zona quente e, em compensação, abrindo a estes merca-
dos incomensuráveis aos seus produtos manufactura-
dos. Com isto, parece que a natureza deu um sinal de
que este renascimento, e em geral a cultura dos povos
bárbaros, deverá seguir o caminho da livre troca de pro-
dutos agrícolas contra produtos manufacturados. Assim

644
os países europeus deveriam, primeiro que tudo, reter o
princípio de que nenhuma nação europeia em nenhuma
parte da Ásia devia conceder monopólios comerciais e
de forma alguma uma nação devia ser mais beneficiada
que outra. Seria especialmente vantajoso para o alarga-
mento deste movimento se os lugares de comércio do
Oriente fossem constituídos em cidades livres em que à
população europeia fosse concedida administração autó-
noma contra um pagamento anual acordado aos gover-
nos locais. A estes deveriam ser atribuídos, de acordo
com os processos da política anglo-índias orientais,
agentes cujos conselhos teriam de ser seguidos pelos
governos locais, no que respeita à segurança, ordem e
civilização.
Todas as potências continentais têm interesse comum
em que ambos os caminhos do Mediterrâneo para o Mar
Vermelho e para o Golfo Pérsico não estejam em posse
exclusiva da Inglaterra nem que fiquem inacessíveis
devido à barbárie asiática. Manifestamente, a entrega da
guarda destes importantes pontos à Áustria daria a
todas as nações da Europa as melhores garantias.
Então, todas as potências continentais têm um inte-
resse comum com a América do Norte na afirmação do
princípio "barco livre, mercado livre" - e só seria de
respeitar um verdadeiro bloqueio de portos individual-
mente, mas não uma mera declaração de bloqueio con-
tra costas completas dos neutrais. Finalmente, no inte-
resse comum das potências continentais, o princípio da
ocupação de países selvagens e não habitados parece
necessitar duma revisão. Hoje sorri-se pelo facto de
antigamente o Santo Padre se arrogar oferecer ilhas e

645
partes do mundo, com urna penada dividir o mundo em
dois, cortar urna parte para um outro e outra para outro.
Mas será mais razoável reconhecer a posse de toda urna
parte do mundo àquele que primeiro espetar um pau
com um pano de seda num sítio qualquer da Terra? Que
quando se trata de ilhas de dimensão limitada se res-
peita o direito do descobridor, pode parecer razoável;
mas quando se trata de ilhas tão grandes corno um
império grande europeu, corno a Nova Zelândia ou um
continente maior que toda a Europa, corno a Austrália,
aí é razoável conceder a posse e o direito exclusivo de
posse através da colonização e só para o território
realmente colonizado, e não se percebe porque é que os
Alemães e Franceses não devem ter o direito de criar
colónias em regiões do mundo que são pontos afastados
das feitorias inglesas.
Observemos os interesses incomensuráveis comuns
às potências continentais perante a supremacia marí-
tima, e chegaremos à conclusão de que não há necessi-
dade maior do que a união e que nada será mais desas-
troso que guerras continentais. A História do último
século também ensina que cada guerra que as potências
continentais conduzem urnas contra as outras só serviu
para aumentar a indústria, a riqueza, a navegação, a
posse colonial e o poder da supremacia insular.
Assim, não se pode contestar que, na base do sis-
tema continental napoleónico, está a compreensão cor-
recta das necessidades e interesses do continente, se bem
que não se possa aceitar que Napoleão quisesse executar
esta ideia, em si correcta, duma maneira que contradizia
a independência e interesses das outras potências conti-

646
nentais. O sistema continental napoleónico tinha três
fraquezas principais. Queria substituir a supremacia
inglesa dos mares pela supremacia francesa do conti-
nente, em vez de se apoiar na elevação e na colocação
das outras nações continentais em pé de igualdade, pre-
tendia o rebaixamento ou destruição e dissolução de
outras nacionalidades no continente a favor da França.
Em seguida, a França fechou-se contra os outros países
do continente, enquanto exigia neles concorrência livre.
Finalmente, pretendeu destruir quase completamente o
comércio entre os países manufactureiros do continente
com os países da zona quente - viu-se obrigada a
remediar a perturbação do comércio mundial com suce-
dâneos.
Que a ideia do sistema continental sempre se repe-
tirá, que a necessidade da sua realização incomodará as
nações continentais tanto mais quanto mais subir a pre-
ponderância inglesa na indústria, riqueza e poder, é
agora evidente e será ainda mais. Mas também não é de
duvidar que uma aliança continental só pode ter sucesso
se a França souber evitar os erros de Napoleão.
É assim insensato da parte da França, contra todo o
direito e natureza das relações, levantar reivindicações
de fronteira contra a Alemanha e, com isso, obrigar
outras nações continentais a ligarem-se à Inglaterra.
É insensato da parte da França falar do Mediterrâ-
neo como dum mar interior francês e ambicionar
influência no Levante e América do Sul.
Um sistema continental eficiente só pode surgir
duma união livre dos poderes continentais e só pode ter
sucesso se pretender e alcançar igualdade de situação

647
perante as vantagens que daí surgirem. Porque só assim
e não de outra maneira podem as potências marítimas
de segundo plano impor-se à supremacia inglesa, de tal
modo que esta, sem apelar ao poder das armas, ceda a
todas as exigências legítimas dos menos poderosos. Só
através duma aliança as potências continentais manu-
factureiras podem manter a sua relação com os países da
zona quente e impor-se e manter os seus interesses no
Oriente e no Ocidente.
Mas deveria ser difícil, para os Britânicos tão
sequiosos de supremacia, ver como nações continentais
elevaram mutuamente a sua força de manufactura atra-
vés de facilidades comerciais e de contratos, como refor-
çam a sua navegação e poder marítimo, como na civili-
zação e colonização de países bárbaros e selvagens e no
comércio com zonas quentes reivindicam a parte que a
natureza lhes concede; mas um olhar para o futuro
deveria consolá-los suficientemente sobre estas imaginá-
rias desvantagens.
É que as mesmas causas que elevaram a Grã-Breta-
nha ao nível actual, levarão a América unificada - pro-
vavelmente já ao longo do próximo século - a uma
grande indústria, riqueza e poder que ultrapassará o
nível em que está agora a Inglaterra, como a Inglaterra
agora ultrapassa a pequena Holanda. Com o andar das
coisas, a América do Norte ao longo deste período alar-
gará a sua população a cem milhões de pessoas, lançará
a sua população, as suas instituições, a sua cultura e o
seu espírito sobre a América Central e do Sul, como já
lançou nos últimos tempos sobre as provindas fronteiri-
ças do México - o cordão da confederação compreenderá

648
todos estes países incomensuráveis - , e explorará um
continente com várias centenas de milhões, que ultra-
passa enormemente em extensão e riqueza natural o
continente europeu - o poder marítimo do Ocidente
ultrapassará tanto o poder marítimo da Inglaterra como
as suas costas e rios ultrapassam os britânicos em exten-
são e grandeza.
Assim como se impõe agora aos Franceses e Ale-
mães a fundação de uma aliança continental contra a
supremacia britânica, num futuro não muito longínquo,
impor-se-á aos Britânicos fundar uma coalizão europeia
contra a supremacia da América. Então, a Grã-Bretanha
terá de procurar e encontrar na hegemonia das potências
europeias unidas protecção, segurança e prestígio contra
a supremacia da América e substituição para a suprema-
cia perdida.
Portanto, é bom para a Inglaterra que se treine para
tempos de resignação, que com a abdicação a tempo
ganhe a amizade das potências continentais, que se
habitue a tempo a ser a primeira entre os seus pares.

649
Capítulo Trigésimo Sexto

A POLÍTICA COMERCIAL DA UNIÃO ADUANEIRA ALEMÃ

Se há nação vocacionada para o lançamento de


uma força manufactureira nacional, é a alemã: pela posi-
ção que mantém na ciência e nas artes, na literatura e
educação, na administração pública e nas instituições de
interesse público; pela sua moralidade e religiosidade;
pelo carácter laborioso e eficiência, pela perseverança e
insistência nos negócios e pelo espírito inventivo; pela
dimensão e competência da sua população e pela dimen-
são e natureza do seu território, da sua agricultura
avançada e dos recursos físicos, sociais e mentais em
geral.
Se há nação com sistema proteccionista adaptado à
sua situação que espere colher frutos para a implantação
das manufacturas internas, para o alargamento do
comércio externo e navegação, para o aperfeiçoamento
dos meios de transporte internos, para o florescimento
da agricultura assim como para a afirmação da indepen-
dência e alargamento do seu poder para o exterior - é a
nação alemã.
Sim, atrevemo-nos a afirmar que a existência, a
independência e futuro da nacionalidade alemãs assen-
tam no desenvolvimento do sistema proteccionista ale-
mão. Só no solo do bem-estar geral o espírito nacional se

651
enraíza, floresce e dá fruto; só da unidade dos interesses
materiais resulta a força mental e de ambos a força
nacional. Governantes ou governados, nobres ou bur-
gueses, cultos ou iletrados, soldados ou civis, agriculto-
res ou comerciantes, que valor têm as nossas aspirações
sem nacionalidade e sem garantia para a continuidade da
nossa nacionalidade?
Mas o sistema proteccionista alemão atingirá o seu
objectivo de forma muito incompleta, enquanto a Ale-
manha não satisfizer por si própria as necessidades em
fio de algodão e de linho, enquanto não adquirir os pro-
dutos coloniais de que necessita directamente aos países
da zona quente, pagando-os com produtos manufactu-
rados próprios, enquanto não fizer comércio com navios
próprios, enquanto não conseguir dar protecção à sua
bandeira~ enquanto não possuir um sistema completo
de transporte fluvial, de canais e caminhos-de-ferro,
enquanto a União Aduaneira alemã não se alargar a
todas as costas alemãs, à Holanda e à Bélgica. Tratámos
estes assuntos de maneira detalhada em várias passa-
gens deste livro, e, portanto, basta abordá-los agora de
forma resumida.
Se importamos algodão em bruto do Egipto, Brasil
ou América do Norte, pagamo-lo com produtos manu-
facturados próprios; mas se importamos fio de algodão
da Inglaterra, pagamos com matérias-primas e produtos
alimentares que nós próprios podemos trabalhar ou con-
sumir de forma mais útil, ou em dinheiro que ganhámos
noutro sítio ou com que podemos comprar matérias-
-primas estrangeiras para elaborar os produtos coloniais
para consumo próprio.

652
A implantação de fiação mecânica de linho traz-nos
meios não só para aumentar o consumo interno de
tecido de linho e melhorar a agricultura, mas ainda para
alargar de forma incomensurável o nosso comércio com
os países da zona quente.
Nos dois ramos industriais supracitados, assim
como no fabrico de lã, estamos tão bem favorecidos
como qualquer outro país de força hidráulica não usada,
alimentos baratos e salários baixos. Falta-nos apenas a
garantia para os nossos capitalistas e técnicos de que
estão protegidos contra perda de capital e o desemprego.
Já um imposto aduaneiro moderado que ao longo dos
próximos cinco anos subisse cerca de 25%, se mantivesse
alguns anos a este nível e depois caísse de novo para 15
a 20%*, serviria completamente este objectivo. Tudo o
que os defensores da Teoria do valor apresentaram con-
tra estas medidas foi impugnado por nós. Em compen-
sação, há que dizer a seu favor que estes grandes ramos
de indústria oferecem principalmente os meios para a
construção de largas fábricas de máquinas e para forma-
ção de uma classe de técnicos eruditos e eficientes e de
técnicos práticos.
No comércio de produtos coloniais, a Alemanha, a
França e a Inglaterra têm de seguir o princípio de que
damos vantagens àqueles países da zona quente que
compram os nossos produtos manufacturados dadas as
nossas necessidades naqueles produtos ou, em poucas
palavras, compramos àqueles a quem vendemos. É o

• Nas 1.ª e 2.ª edições os números eram 15% e 5 a 10 %.

653
caso do nosso comércio com as Índias Ocidentais e com
a América do Norte e do Sul.
Mas não é ainda o caso do nosso comércio com a
Holanda, que nos fornece quantidades incomensuráveis
dos seus produtos coloniais, mas em contrapartida
recebe quantidades relativamente pequenas dos nossos
produtos manufacturados.
Não obstante, a Holanda está dependente do mer-
cado alemão para urna grande parte das suas vendas de
produtos coloniais, urna vez que a Inglaterra e a França
se fornecem, ma maior parte, de tais produtos nas suas
próprias colónias ou em países dependentes onde pos-
suem, em exclusivo, o mercado de produtos manufactu-
rados e, portanto, só admitem pequenas quantidades de
produtos coloniais holandeses.
A Holanda não tem produção rnanufactureira
importante, mas tem urna grande produção colonial que,
nos últimos tempos, subiu e pode ainda subir incomen-
suravelmente. Mas a Holanda é injusta para a Alemanha
e age contra os seus verdadeiros interesses, na medida
em que vende a maior parte dos seus produtos coloniais
à Alemanha, mas satisfaz as necessidades em manufac-
tura onde lhe apetece. Isto é urna política míope, que só
aparentemente lhe é vantajosa; pois que se a Holanda,
na nação-mãe corno nas colónias, desse preferência aos
produtos manufacturados alemães, iria aumentar a pro-
cura da Alemanha por produtos coloniais holandeses na
mesma medida em que aumenta a venda de produtos
manufacturados alemães à Holanda e suas colónias. Por
outras palavras, a Alemanha poderia comprar tanto
mais produtos coloniais quanto mais produtos rnanu-

654
facturados vendesse à Holanda; e venderia tanto mais
produtos coloniais à Alemanha quantos mais produtos
manufacturados comprasse à Alemanha. Este intercâm-
bio é perturbado pela Holanda quando vende os pro-
dutos coloniais à Alemanha mas satisfaz na Inglaterra as
necessidades em produtos manufacturados, porque a
Inglaterra, venda os produtos manufacturados que ven-
der à Ho landa, obterá sempre a maior parte em pro-
dutos coloniais das suas colónias ou de países que lhe
estão subordinados.
O interesse alemão exige assim, ou que se consiga
um imposto diferencial da Holanda a favor da sua pro-
dução manufactureira através do qual lhe está seguro o
mercado de produtos manufacturados na Holanda e
suas colónias; ou -em caso de recusa - que introduza ela
própria um imposto diferencial em relação à importação
de produtos coloniais a favor dos produtos da América
Central e do Sul e dos mercados livres das Índias Oci-
dentais.
Esta última medida seria também um meio eficaz
de dar motivos à Holanda para entrar na União Adua-
neira alemã.
o estado em que as coisas estão, a Alemanha não
tem nenhum motivo para sacrificar as suas próprias
fábricas de açúcar de beterraba ao comércio com a
Holanda. Só se pudesse pagar esta mercearia fina com
produtos manufacturados próprios, teria mais vantagens
na troca com países da zona quente do que na produção
própria.
Assim, por enquanto, a atenção da Alemanha deve
ser dirigida para o alargamento do comércio com a

655
mente e na posse de algum capital, tem a maior espe-
rança de fundar a sua riqueza de forma estável no Oci-
dente da América do Norte, devemos manifestar a
opinião de que a emigração para a América Central e do
Sul, se tivesse lugar com uma boa orientação, em gran-
des dimensões e em termos nacionais, promete à Ale-
manha muito mais vantagens do que a emigração para a
América . De que serve à nação alemã que os que vão
para a América do Norte fiquem muito felizes, se a sua
personalidade se perde para sempre para a nacionali-
dade alemã e mesmo da sua produção a Alemanha só
pode esperar frutos insignificantes? É pura ilusão pensar
que, entre os alemães que vivem nos Estados da União, a
língua se mantém e que aí criam Estados alemães com-
pletos. Nós próprios participámos nesta ilusão, mas
depois de dez anos de observação no próprio local,
afastámo-nos dela. Faz parte do espírito de cada nacio-
nalidade, e mais ainda do da América do Norte, assimi-
lar a língua, a literatura, a administração e legislação, e é
bom que assim seja. De tantos alemães que vivem agora
na América do Norte, não há com certeza um único cujo
bisneto não vá preferir a língua inglesa à alemã, e isto
também por razões completamente naturais: porque o
inglês é a língua dos cultos, a língua da literatura, da
legislação, da administração, dos tribunais, do comércio
e da comunicação. Com o alemão na América do orte
acontece o mesmo que com o Huguenote na Alemanha e
com os franceses na Louisiana: misturar-se-ão e terão de
misturar-se naturalmente com a população dominante,
uns mais cedo, outros mais tarde, conforme vivem mais
ou menos com pessoas d a mesma origem.

658
Ainda há menos que esperar por um comércio
animado entre a Alemanha e o alemão que foi para o
Ocidente da América do Norte. O primeiro colonizador
é sempre obrigado pela necessidade a fabricar ele pró-
prio a sua roupa e aparelhos e em grande parte herda-se,
por necessidade, os hábitos até à segunda e terceira
gerações. Acresce que a América é um poderoso país de
indústria manufactureira em crescimento, que anseia
cada vez mais ganhar o mercado interno de manufactura
da própria indústria.
Aliás, não queremos afirmar com isto que o mer-
cado de produtos manufacturados da América não seja,
em geral, para a Alemanha um mercado importante e a
observar. Pelo contrário, somos da opinião de que esse
mercado é um dos mais importantes para bens de luxo e
produtos manufacturados fáceis de transportar, em que
o salário é factor principal do preço, e que deveria tor-
nar-se de ano para ano mais importante para os produ-
tos indicados. Afirmamos apenas o seguinte: que aque-
les alemães que emigram para o Ocidente da América
do Norte não contribuem de forma significativa para
aumentar a procura de produtos manufacturados ale-
mães e que neste aspecto a emigração para a América
Central e do Sul precisa mais de protecção directa e bem
a merece.
Os últimos países citados, com inclusão do Texas,
estão em grande parte dependentes da produção de
artigos coloniais: nunca poderão nem irão muito mais
longe com a indústria manufactureira; aqui está um
muito novo e rico mercado de produtos manufacturados
a dominar; quem consegue aqui boas ligações pode ficar

659
para o futuro na sua posse. Estes países, sem força moral
própria para alcançarem um nível elevado de cultura,
instalar governos bem organizados e solidificá-los, irão
chegar cada vez mais à conclusão de que é preciso ter
ajuda do exterior, através da imigração. Aqui os Ingleses
e Franceses são odiados pela sua independência nacio-
nal, e os Alemães, pela razão oposta, estimados. Os
Estados unificados deveriam, assim, dedicar a maior
atenção a estes Estados.
Devia ser criado um valioso orçamento consular
e de emissários alemães e corresponderem entre si.
Deviam incentivar-se jovens investigadores da natureza
a viajar por estes países e a apresentarem os seus relató-
rios independentes, jovens comerciantes a observar a
região, jovens médicos a exercer ali. Deveriam criar-se,
participar com acções e proteger de forma especial
companhias que se formem nas cidades marítimas
alemãs e comprem grandes superfícies de terreno
naqueles países; povoá-los com plantadores alemães -
sociedades comerciais e de navegação marítima com o
objectivo de abrir novos mercados para produtos manu-
facturados alemães e para criar linhas de navegação a
vapor -, sociedades mineiras com o objectivo de uti-
lizar conhecimentos e aplicações alemães na exploração
de grandes riquezas minerais daqueles países. Os
Estados unificados deviam tentar de todas as formas
ganhar a simpatia das populações locais e mais ainda
dos governos e conseguir, através deles, fomentar a
segurança pública, os meios de comunicação e da
ordem pública em geral; sim, não se devia temer, caso
se consiga com isso vincular os governos daqueles

660
países, enviar-lhes corpos auxiliares importantes para os
apoiar.
A mesma política deveria ser seguida em relação ao
Oriente, à Turquia europeia e aos países do baixo Danú-
bio. A Alemanha tem um interesse incomensurável em
que nestes países a segurança e a ordem se estabeleçam,
e neste campo a emigração de alemães é fácil de condu-
zir pelos indivíduos e é vantajosa para a nação. Um
habitante do alto Danúbio podia deslocar-se, com um
quinto dos gastos em tempo e dinheiro com que está
ligada a sua emigração, para as margens do lago de Erie,
para o Lutava ou Valáquia ou para a Sérvia ou também
para as margens do Sudoeste do Mar Negro. O que atrai
mais para lá do que para aqui é o elevado grau de liber-
dade, segurança e ordem. Nas condições actuais da Tur-
quia, não deveria ser impossível aos Estados alemães em
relação com a Áustria agir na maneira de melhorar as
condições públicas daqueles países, que o colonizador
alemão não se sinta mais afastado, nomeadamente se os
próprios governos fundam companhias de colonização,
de participar nisso e lhe desse constantemente a sua
protecção especial.
Entretanto, é claro que tais colónias têm um efeito
benéfico sobre a indústria dos países unidos, em especial
se não houver obstáculos à troca de produtos manufac-
turados alemães por produtos agrícolas dos colonizado-
res e se for fomentada com preços baixos e meios de
comunicação rápidos. Assim, é do interesse dos Estados
unificados que a Áustria facilite ao máximo o trânsito
comercial no Danúbio, que a navegação a vapor no
Danúbio acorde para uma vida activa, que, consequen-

661
temente, no prinop10 seja realmente apoiada pelos
governos. Em geral, seria muito desejável que, mais
tarde, após a indústria dos países unificados se ter
desenvolvido ainda mais e a Áustria se ter tornado mais
semelhante, a União Aduaneira e a Áustria façam con-
cessões mútuas contratuais em relação aos seus produ-
tos manufacturados.
Após tal contrato, a Áustria e os Estados unificados
teriam o mesmo interesse em explorar as províncias
turcas com vantagem para a sua indústria manufactu-
reira e comércio externo.
Na expectativa da ligação das cidades marítimas
alemãs e da Holanda à União Aduaneira, seria de dese-
jar que a Prússia começasse já a criar uma bandeira mer-
cante, que começasse com a fundação duma futura frota
alemã e tentasse ver se seriam de colocar colónias alemãs
na Áustria ou Nova Zelândia ou noutras ilhas daquela
quinta parte do Mundo.
Os meios para tais experiências e começos e para os
apoios e empresas que propusemos atrás deveriam ser
conseguidos da mesma maneira que a Inglaterra e a
França ganham os meios para apoio do seu comércio
externo e colonização e para suportar a sua poderosa
frota, nomeadamente através de imposto sobre os pro-
dutos coloniais que entram. Unidade, ordem e energia
podiam ser postos nestas regras se os Estados unificados
entregassem a sua direcção à Prússia no que respeita ao
Norte e relações ultramarinas e à Baviera no que respeita
ao Danúbio e relações orientais. Um complemento de
10% dos actuais impostos de importação de manufactura
e produtos coloniais, daria já à União um milhão e meio

662
anuais. Como função do crescimento constante da
exportação de produtos manufacturados espera-se com
certeza que, com o tempo, o consumo de produtos colo-
niais nos Estados unificados passe para o dobro ou triplo
do actual e, portanto, que as receitas aduaneiras subam
na mesma relação. E assim a satisfação das necessidades
indicadas estará garantida se os Estados unificados esta-
belecerem o princípio de que, além dos 10% comple-
mentares exigidos, uma parte do crescimento futuro de
impostos que entram seja posta à disposição do governo
prussiano para aplicação naqueles objectivos.
No que diz respeito ao estabelecimento dum sis-
tema de transporte alemão, nomeadamente dum sistema
de caminho-de-ferro alemão, remetemos para o nosso
estudo sobre este assunto. Este grande melhoramento
paga-se a si próprio, e tudo o que para isto é preciso por
parte dos governos resume-se a uma palavra: Energia.

663
Aditamento

Pág. 309: quanto ao texto: "assim cada género de


fábricas só floresce etc." .
Quanto a este argumento, as fábricas de máquinas
fornecem o mais convincente exemplo. Em lado nenhum
o fabrico de máquinas pode ser levado a um elevado
grau de perfeição onde a fábrica individual, para sobre-
viver, tem de fazer ela própria as mais variadas máqui-
nas e ferramentas. Para produzir de forma perfeita e o
mais barato possível, tem de haver no país uma procura
tão grande que cada fábrica de máquinas só produza
num único ramo ou só em poucos, por exemplo, máqui-
nas de algodão ou fio de linho, máquinas a vapor, etc.;
pois só assim a fábrica pode obter ferramentas tão com-
pletas quanto possível, pode fazer-lhes melhoramentos,
formar na empresa os trabalhadores mais habilidosos e
os melhores técnicos. Por falta desta divisão de trabalho
é que as fábricas de máquinas não alcançaram a altura
das inglesas na sua formação . Mas a razão por que esta
divisão de trabalho na Alemanha ainda não existe é
devido ao facto de as múltiplas variedades de fábricas
de fiação, pelas quais surge a maior procura de máqui-
nas, ainda não estarem a prosperar entre nós. Pela
importação de fio estrangeiro é mantido baixo o mais
importante ramo de fabrico, aquele que fabrica máquinas.
Da mesma importância de trabalho e qualquer outro

665
ramo de fábricas. Fábricas de fiação, fábricas de tecidos e
tipográficas por exemplo, só podem fornecer um pro-
duto perfeito e o mais barato possível se a procura as
põe em condições e produzir só a espécie específica de
fio e tecidos.

Pág. 453: quanto ao texto "Supondo que o consumo


actual de algodão, etc.".
A produtividade das plantações de algodão é
muito variada: oscila entre 2 a 3 Zentner e 8 a 12 Zentner
por acre. Recentemente foi descoberta uma espécie de
semente de algodão que, nas terras mais ricas, dará 15
Zentner por acre (40 000 pés quadrados) . Aliás, a nós
parece-nos ser uma avaliação muito alta um rendimento
médio de 8 Zentner. Pelo contrário, o rendimento médio
do açúcar de 10 Zentner parece-nos demasiado baixo,
dado que já terrenos normais dão uma colheita média
entre 10 a 20 Zentner. Mas seja qual for o cálculo do
rendimento médio por acre de todos os produtos da
zona quente, o nosso argumento, que esta produção
ainda podia subir incomensuravelmente, não é afectado
por isso.

Pág. 655: quanto ao texto "para o alargamento do


seu comércio com a América do Norte, Central e do
Sul etc.".
Se não nos enganamos, a Inglaterra usufrui actual-
mente no Brasil ainda da vantagem dum imposto adua-

666
neiro diferencial de 17 por cento em relação às suas
importações de produtos manufacturados, função dum
acordo que termina no ano de 1842. Seria por isso dese-
jável que os Estados da União Aduaneira Alemã dessem,
em tempo útil, os passos necessários para que este
acordo não seja outra vez renovado.

667
ÍNDICE

NOTAS PRÉVIAS SOBRE A HISTÓRIA DA OBRA ......... 5


PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA...... ....................... 23
PREFÁCIO .... ... ....................... ................ ....... .... ..................... 39
INTRODUÇÃO ...................................................................... 85

PRIMEIRO LIVRO- A HISTÓRIA

Primeiro Capítulo- Os Italianos .............. ....................... ... 117


Segundo Capítulo - As Hansas ... ....................................... 129
Terceiro Capítulo - Os Holandeses ············· ·········:············ 149
Quarto Capítulo- Os Ingleses ............................................ 159
Quinto Capítulo- Os Espanhóis e os Portugueses ...... 187
Sexto Capítulo- Os Franceses .................................... ........ 201
Sétimo Capítulo -Os Alemães ...... .. .................... ....... ........ 211
Oitavo Capítulo -Os Russos ........................... .................. . 229
Nono Capítulo- Os Norte-Americanos ........................ .. . 235
Décimo Capítulo - As Lições da História ...................... 253

SEGUNDO LIVRO -A TEORIA

Décimo Primeiro Capítulo - A Economia Política e a


Economia Cosmopolita ............................ .... .............. 267
Décimo Segundo Capítulo - A Teoria das Forças
Prod utivas e a Teoria do Valor .... .......................... 285

669
Décimo Terceiro Capítulo - A Divisão Nacional do
Negócio e a Confederação das Forças Produtivas
Nacionais ...... oooooo•· · ·ooooooo•••oooooooooooooooooooooooooooooooooo•oo•••oooo• 307

Décimo Quarto Capítulo - A Economia Privada e a


Economia Nacional oo oooooooooooooooooo OOoo OOoo oo oooooo oooo oooooo ooooooo 325
Décimo Quinto Capítulo - A Nacionalidade e a Economia
da Nação ............................................................ ........... . 339
Décimo Sexto Capítulo - Economia do Povo e do
Estado, Economia Política e Nacional 0000000000000000000000 349
Décimo Sétimo Capítulo - A Força da Manufactura e
as Forças Produtivas Nacionais, Pessoais, Sociais e
Políticas oooooooo•····•oooo•••oooo · ··•oooooo••oooo•••oooo•···oooooo • • • •• ooooooo . . 367

Décimo Oitavo Capítulo - A Força de Manufactura e


as Forças Produtivas Naturais da Nação 0000 00000000000 383
Décimo Nono Capítulo - A Força de Manufactura e
as Forças Instrumentais (Capitais Materiais) da
Nação o o o o • · · · · · o o • o o ooo ooooooooooooooooo· · · o o oo oooooo oo oooo oooo•••oooo o o o o • · · · o o · 401
Vigésimo Capítulo - A Força de Manufactura e o
Interesse da Agricultura OOOO OO OOOOOO OOOOOOOOOOOOOOoooooooooooooooo• 415
Vigésimo Primeiro Capítulo - A Força da Manufactura
e o Comércio 0 0 0 0 00 0 0 0 0 0 0 00 00 0 0 0 0 00 00 0 0 00 0 0 0 0 0 0 00 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 00 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 445
Vigésimo Segundo Capítulo -A Força da Manufactura
e a Navegação, o Poder Marítimo e a Colonização. 457
Vigésimo Terceiro Capítulo - A Força da Manufactura
e os Instrumentos de Circulação OOOOOOooOOOOoooooooooooooo oo oo• 461
Vigésimo Quarto Capítulo - A Força da Manufactura e
o Princípio da Constância e Continuidade da
Obra ooooooooooooooooooooooooooooooo••oooooo oooo oo · · · oooo ooo oooo••·•oooooooo •• oo.oo 491
Vigésimo Quinto Capítulo - A Força da Manufactura e
os Incentivos para a Produção e o Consumo oooooooooo . 501

670
Vigésimo Sexto Capítulo - A Tarifa Aduaneira como
meio Principal para Criação e Protecção da Força
de Manufactura Interna ... .............. ............................. 507
Vigésimo Sétimo Capítulo - Os Direitos Alfandegários
e a Escola Dominante ........................... ....................... 517

TERCEIRO LIVRO -OS SISTEMAS

Vigésimo Oitavo Capítulo- Os Economistas Italianos.... 533


Vigésimo Nono Capítulo- O Sistema Industrial.............. 543
Trigésimo Capítulo- O Sistema Fisiocrata ou Agrícola ... 551
Trigésimo Primeiro Capítulo -O Sistema de Valor de
Troca ........... ........ .. ..... ......... :... ..... ...... ............................ 555
Trigésimo Segundo Capítulo - Jean Baptiste Say e a
sua Escola.............................................................. ........ 563

QUARTO LIVRO -A POLÍTICA

Trigésimo Terceiro Capítulo - A Supremacia Insular e


as Potências Continentais........... ................................. 577
Trigésimo Quarto Capítulo- A Supremacia Insular e a
União Comercial Alemã ... ........................................... 605

Trigésimo Quinto Capítulo- A Política Continental.. ..... 633

Trigésimo Sexto Capítulo - A Política Comercial da


União Aduaneira Alemã............................... .............. 651
Aditamento ............................................................................ 665

671
Esta edição de
Sistema Nacional da Economia Politica
foi impressa e encadernada
na Imprensa de Coimbra, Lda - Coimbra
para a Fundação Calouste Gulbenkian.
A tiragem é de 1000 exemplares encadernados.
Fevereiro de 2006

De pósito Lega l n." 238541 /06

ISBN 972-31 -1140-3

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