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ALEMANHA: ASPECTOS GERAIS

Em grandes linhas pode-se definir as bases da sociedade alemã, no que toca suas
estruturas economica e sócio-política, segundo quatro grandes eixos apontados por
Augustu Cornu:
I. Estados cujo caráter se definiram por serem puramente agrários; nestes
a influência francesa fora muito pequena e, politicamente predominava, quase de
forma absoluta o sistema despótico feudal, geral e geograficamente situados no
nordeste
II. Estados da Prússia ou de caráter dito prussiano, aonde, sob reformas
que beneficiaram tão somente a burguesia, favoreceu-se o desenvolvimento,
tanto da indústria, quanto da agricultura, isto segundo e sob os moldes
capitalistas.
III. Estados do centro-sul, nos quais a ideologia francesa havia deitado
profundas raízes e, destarte o predomínio de um liberalismo moderado, posto
que tais zonas eram predominantemente agrárias e, com efeito, não possuíam
uma base social muito profunda, nem mesmo muito revolucionária na qual se
arvorar; visto que as exigências desta monta e também estás áreas eram em sua
essência rurais e de esparsa e diminuta população; porque está última e seus
crescimento são: “um pressuposto e em parte consequência e, em todo caso um
fenômeno concomitante à industrialização”1 e, por fim:
IV. As áreas na quais liberalismo havia estabelecido bases mais sólidas,
em razão de seu caráter e das arraigadas relações estabelecidas com a França
imperial, consequência da sua ocupação, bem como pelo acelerado
desenvolvimento da indústria e da classe burguesa.
Apesar dos combates travados pelos príncipes alemães, múltiplas conquistas da
Revolução Francesa se impuseram em seus territórios; podemos, a título de exemplo,
destacar o desenvolvimento dos meios intelectuais que, se por um lado: “destruíram o
Antigo Império alemão, abalaram o sistema feudal e semearam ideias revolucionárias
por tida Alemanha”2, por outro lado expressaram as aspirações da burguesia
democrática liberal, todavia, ainda incipiente mas que já reclamava, reivindicava,
exigia3 e buscava impor, por meio de seus discursos, tanto a necessidade de liberdades,
1
IDEM, P.217
2
Cornu, A, p.15
3
Hartog, F. O Espelho de Heródoto... Regimes de Historicidade
individuais, políticas, etc., quanto o igualitarismo político entre classes e/ou estamentos.
Não obstante, seu caráter nacionalista, foi o propulsor e, ao mesmo tempo a pedra de
toque dos Levantes que ocorreram em 1813, por toda a Alemanha.
Sucintamente, podemos caracterizar estes levantes como uma ampliação das
insatisfações com os desdobramentos que aconteciam após a conquista francesa de parte
da Alemanha. Devido aos continuum e sempre crescentes impostos de e para guerra, a
população começou, paulatinamente insatisfazer-se com o domínio francês; isso levou a
organização dos intelectuais em Associações Estudantis, as Burschenchaften. Estes
estudantes eram os mais ardorosos e radicais representantes do movimento de
resistência. Tratou-se de movimentos políticos dos jovens cuja resistência havia forjado-
se na “Guerra de Libertação”. Como demonstrativo da ‘igualdade” entre eles, vestiam-
se com uniformes cinzas dirigiam-se uns aos outros pelo primeiro nome, algumas
expressões da igualdade burguesa predicada dentre estes. Predicavam a igualdade, não
somente entre classes, mas sobretudo dentro das muitas fronteiras regionais da
Alemanha. Não, necessariamente eram anti-monarquistas, entretanto, o que
predominava e predicavam, tais jovens, era a Unidade da Nação tanto no que tange às
dinastias monárquicas quanto aos príncipes.4
Estas “sociedades” eram importantes, pois nelas é que se desenvolviam, mais
livremente, os pensamentos acerca dos problemas sociais alemães, para se ter uma clara
noção de como operavam e qual a sua preeminência quando se trata dos assuntos
políticos, cabe ressaltar, que o próprio pai de Karl Marx, Heinrich Marx, destacada
personalidade, não somente enquanto advogado mas sobretudo como uma espécie de
porta-voz das reivindicações das classes cultas da época, não só fazia parte de uma
dessas “sociedades”, a Sociedade do Cassino - chamada assim pelo longo e amplo salão
em que haviam diversos periódicos estrangeiros e, aonde as pessoas de certa cultura
crítica se reunião - senão que pronunciou um discurso, inflamado acerca das condições
da cidade e das dietas provinciais, apesar de sua linguagem “moderada”, conquanto
criticamente caustica, como depreende-se da “resposta” do ministro da Justiça, que
chegou a considerar tais sociedades subversivas e, inclusive perigosas à ordem vigente.
Resposta esta, que reproduzimos a seguir:

A cidade de Trier deu o primeiro exemplo de como as tais


sociedades de encontros diurnos, organizadas por pessoas privadas
e reunidas por meio de inscrições, tomaram a liberdade de

4
HEINRICH, P.82-3
ressaltar e reprovar - de maneira ignorante e sem autorização de
fazê-lo - as negociações, e até princípios, votações e o
comportamento de membros individuais, de uma assembleia pela
qual a majestade, o rei, é a única e exclusivamente responsável.
Uma expressiva maioria dos deputados da assembleia provincial
já não se considera simples deputados da assembleia provincial,
representantes das instâncias regionais da Alemanha, mas sim,
representantes do povo, sendo inclusive incentivados pelo público
nessa loucura, na medida em que fazem e ouvem discursos em
tavernas, como na Inglaterra, sobre seus méritos na assembleia,
sobre perigos e planos que a ameaçam ou que foram evitados por
ela, recebendo a coroa cívica das mãos do público.5

Mesmo o pai de Marx, não sendo tão fustigador e provocativo quanto seu filho
demonstraria ser, ao longo de sua vida e, ainda que Heinrich Marx não fosse um
fervoroso defensor do republicanismo, podemos inferir alguns pressupostos de sua
personalidade, que com toda certeza se estenderia a outros membros da sociedade
alemã, quiçá uns mais outros menos revoltosos. Heinrich Marx, não demonstra,
necessariamente uma posição republicana, não obstante, tampouco deixa transpassar
essencialmente, em seu discurso - ou o que dele podemos inferir pela resposta do
Ministro Von Kamptz - uma posição anti-monarquista. Ele ainda esperava que as
devidas transformações sociais, economicas etc., viessem “de cima”, ou seja, de uma
monarquia esclarecida.
Como é de fácil percepção, a palavra que melhor define as propriedades da
“Alemanha” de então pode ser expressa em toda sua amplitude pelo conceito de
Heterogeneidade, ou se se preferir Multifacetado, visto que tal fenômeno corresponde
não só a “época moderna (aonde) há a contemporaneidade de diversas fases do
desenvolvimento que se manifesta nas diferenças entre as regiões de um mesmo
continente”6 mas, neste caso, o caso da Alemanha, se dava de maneira ainda mais
precisa e hermética.
No caso de nosso objeto de nossa exposição, tal afirmação pode soar ainda mais
desconcertante, por que as características, aspectos qualitativos e quantitativos, por
vezes diametralmente opostos aparecem e pululam a olhos vistos, apesar de sua
amplitude geográfica territorial, não em um continente, senão nas bases constitutivas do
que viria a forma uma só e mesma nação.
Passemos agora a uma exposição que visa privilegiar os dois extremos, isto é,
uma breve, todavia esclarecedora exposição comparativa investigativa acerca dos dois

5
Heinrich, m. p.94
6
KOSELLECK, R. P.247
extremos entre as margens Ocidental e Oriental alemãs. Dito de outro modo,
compararemos, as características intrínsecas da região da Renânia - por ser uma das
mais desenvolvidas industrialmente e revolucionárias politicamente à época - tanto as
contradições engendradas a partir dela mesma, o que não raro acontecia entre sistemas
economicos, políticos e culturais, por exemplo, que permeavam-na nos seus mais
diversos momentos históricos e, por outro lado, tentaremos privilegiar as margens mais
a leste, ou seja, a Prússia, principal e precipuamente suas margens orientais, nas quais,
por vezes se demonstrava o maior atraso em relação ao desenvolvimento da sociedade
capitalista que ocorria mundialmente. Cabe salientar, como bem observou Koselleck,
em âmbito global, mas que responde e caracteriza muito precisamente nosso objeto de
estudo, que está divisão Leste-Oeste onde: “a consolidação de ambas posições - la das
potências liberais no oeste e as potências contrarrevolucionárias no leste -, entre as quais
a Prússia sustentava uma postura vacilante, influiu, por sua vez, na situação geral da
política exterior e com isso no restante dos países da Europa” 7 não só no que viria a
configurar a “Alemanha” per si, ou melhor, entendida aqui não em stricto sensu, ou
seja, enquanto unidade nacional territorial moderna, mas em um sentido mais amplo, ou
seja, uma “unidade” mesmo que díspar em seus pressupostos, ideias, distintos
posicionamentos políticos que, mais tarde viriam a formar, se é que assim poderíamos
designar e definir a “identidade unitária alemã”.

7
KOSELLECK, P.257

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