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TRADUÇÃO: Vitor Medina dos Santos Oliveira

O Jogo da Credibilidade

Douglas Allchin

RESUMO

A negação da ciência, a desinformação e a ciência vigarista/charlatã estão em


ascensão. Somos atormentados por anti-vacinas, opositores das mudanças
climáticas, promotores de dietas de moda ineficazes e curas médicas. O cidadão ou
consumidor alfabetizado cientificamente (scientifically literacy) precisa de habilidades
para diferenciar a boa ciência e as fontes confiáveis ​dos impostores. Aqui, apresento
uma série de atividades centradas no aluno que ajudam os alunos a investigarem a
natureza da credibilidade (credibility) e os problemas de expertise, conhecimento
mediado e comunicação científica. Abro com um divertido jogo de adivinhação sobre
“animais fantásticos” relatados no século XVI e, em seguida, sigo com exemplos
mais modernos. Depois, descrevo uma versão científica de “To Tell the Truth”, um
exercício reflexivo sobre “Finding the Expert” e, em por fim, os alunos têm a
oportunidade de explorar estratégias enganosas (deceptive strategies) tentando
blefar com notícias falsas sobre ciência com seus colegas. Todos eles desenvolvem
conceitos básicos de alfabetização científica midiática (science media literacy) e
preparam os alunos para uma investigação mais séria sobre uma controvérsia
científica contemporânea.

Palavras-chave: divulgação científica; alfabetização midiática (media literacy);


credibilidade (credibility); expertise.
A negação da ciência (science denial), a desinformação (misinformation) e a
ciência vigarista/charlatã (science con-artists) estão em ascensão (para resumos em
ABT, consulte Allchin 2012a, 2015, 2018; Dean, 2017; Proudfit, 2020). Somos
atormentados por anti-vacinas, opositores das mudanças climáticas, terraplanistas,
promotores de dietas de moda ineficazes e curas médicas. O cidadão ou
consumidor alfabetizado cientificamente precisa de habilidades para diferenciar a
boa ciência e os especialistas confiáveis ​dos impostores (Scientific Practice 8, NGSS
Lead States, 2013, vol. 2, pp. 64–65). Ou seja, o que é uma fonte confiável e por
quê? Como podemos ajudar os alunos com esta lição essencial?
O desafio não é tanto entender o que torna a ciência “ciência”. Em vez disso,
trata-se de diferenciar relatórios autênticos de falsos. A maioria dos imitadores
empresta conscientemente os símbolos e marcadores da boa ciência para “conjurar”
a ilusão de autoridade (Toumey, 1996). Eles se esforçam para parecer científicos. O
problema central é, portanto, reconhecer a fraude versus o conhecimento genuíno,
muito mais do que apreciar a natureza da ciência (nature of science) em si (Allchin,
2020).
Tradicionalmente, o ceticismo (skepticism) tem sido uma marca registrada da
ciência. Claro, queremos que os alunos estejam alertas e cautelosos. Mas hoje em
dia, os interesses monetários e ideológicos alavancam o ceticismo (skepticism) para
semear a dúvida e a incerteza e para descartar a ciência legítima (Markowitz &
Rosner, 2002; Michaels, 2008; Oreskes & Conway, 2010; Kenner, 2015).
Ironicamente, os alunos precisam antes de tudo entender a confiança (trust). Eles
precisam aprender sobre a arquitetura social (social architecture) que justifica o que
(ou quem) confiar (Allchin, 2012b, c; Oreskes, 2014, 2019).
Na sociedade moderna, o conhecimento é distribuído. Todos nós
dependemos uns dos outros para obter conhecimento, seja sobre direito, medicina,
reparos domésticos, notícias ou ciência. Todo o conhecimento especializado de que
dependemos é inevitavelmente mediado (Figura 1). Contraintuitivamente, talvez, no
discurso público, a comunicação científica seja tão essencial quanto a própria
pesquisa científica original. Os relatórios levantam suas próprias questões sobre
confiabilidade (reliability). Assim, os alunos precisam entender a dimensão
epistêmica da mídia (e também das mídias sociais). Eles precisam de uma
perspectiva “panorâmica” de como a informação científica flui (e é transformada) de
laboratórios e locais de campo para o público (Höttecke & Allchin, 2020). Como o
conhecimento confiável é estabelecido, ao longo do caminho “dos tubos de ensaio
ao YouTube” ou “dos locais de campo aos sites”? Vários conceitos parecem
essenciais (ver Tabela 1).
Em um nível mais prático, o desafio na sala de aula é elaborar atividades que
ajudem os alunos a explorarem o fluxo de informações especializadas e a refletir
sobre o que torna qualquer afirmação científica específica confiável ou não. Como
sempre, essas atividades são idealmente (1) centradas no aluno, (2) ativas, (3)
baseadas em investigação e (4) autênticas. Ou seja, mesmo que o objetivo seja que
os alunos desenvolvam (em parte) uma visão sistemática da divulgação científica,
deve-se abordar o tema a partir da perspectiva dos próprios alunos (considerando
idade, valores relevantes, temas locais etc.). As atividades também devem envolver
os alunos a fazer algo, em vez de apenas ouvir e rabiscar notas. No entanto, eles
não devem receber apenas instruções e planilhas em branco para preencher. Eles
devem levantar questões importantes para orientar sua própria investigação e
coletar informações que possam motivar discussões convincentes. Finalmente, os
casos devem ser reais, não inventados. Embora muitas “lições” sobre alfabetização
midiática (media literacy) já estejam disponíveis, poucas adotam os ideais
educacionais da pedagogia construtivista ou da investigação. Aqui, apresento um
punhado de atividades mais frutíferas que podem ajudar os alunos a investigar os
conceitos fundamentais de credibilidade (credibility) sobre afirmações científicas na
mídia. Os dois primeiros são principalmente motivacionais e projetados para trazer
preconceitos à tona. Os próximos três exploram várias dimensões do problema:
expertise, consenso (consensus), honestidade (honesty), credibilidade (credibility) e
credenciamento (credentialing) e estratégias de fraude (strategies of deceit) .

Figura 1. Um olhar panorâmico da comunicação científica, como base para a alfabetização


midiática (media literacy).

Tabela 1. Inventário de conceitos para alfabetização científica midiática


(science media literacy) (de Höttecke & Allchin, 2020).

Estrutura Social da expertise e comunicação

Conhecimento distribuído
Dependência Epistêmica
Verdade Epistêmica
Expertise
Credibilidade
Credenciais
Revisão por pares
Robustez
Consenso

Mídia
Mediação
Mídia Gatekeeping
Conflito de Interesses

Como os cidadãos-consumidores envolvem a mídia e as mídias sociais

Confirmação de viés
Raciocínio Motivado
Câmera de Eco
Filtros de Bolha
Espiral do Silêncio
Falso Consenso

Todos os visuais e slide do navegador da web (e guias do professor) estão


disponíveis em formato eletrônico em http://shipseducation.net/credibility

● Enquadrando o problema da credibilidade (Jogo 1): Maravilhas e


Monstros

A atividade de abertura é principalmente para orientação: um “teaser” para


motivar a questão central da credibilidade (credibility). (Portanto, é um pouco mais
orientada do que as outras.) Embora o objetivo final da alfabetização midiática
(media literacy) seja capacitar os alunos para abordar a controvérsia científica
contemporânea, essa atividade começa com casos menos controversos e mais
divertidos.

Figura 2. Rinoceronte, de Albrecht Dürer


(1515).
Figura 3. Um crocodilo na capela de Oiron, França. Figura 4. Vaso de Ovo de Avestruz, séc. XVI

Figura 5. Um baiacu coletado por Ulisse Aldrovandi no século XVI.

Aqui está o seu possível "script". Convide seus alunos de volta à história, ao
século XVI, quando os navegadores europeus viajaram pelo mundo, trazendo
histórias (ou às vezes espécimes reais) de animais fantásticos (Allchin, 2007).
Compartilhe com eles imagens (consulte os recursos on-line) de gado blindado com
grandes chifres no nariz (Figura 2)! Enormes salamandras de focinho pontiagudo
com dentes viscosos (Figura 3)! Ovos do tamanho de um pão (Figura 4)! Peixe
coberto com espinhos semelhantes ao porco-espinho (Figura 5)! Os alunos devem
estar preparados para perguntar: Em que você poderia acreditar?
Pergunte: “Que papel desempenham as evidências?” Conceda a eles que
eles podem descartar os grifos como mitológicos, mas e se alguém lhes mostrasse
uma garra de grifo (veja os visuais on-line)? “Você também pode considerar os
unicórnios uma fantasia medieval, mas e se alguém deixar você tocar num chifre de
unicórnio (para dar sorte)?” Claro, você não deve acreditar em tudo que vê. O
naturalista Ulisse Aldrovandi alertou seus leitores sobre um “dragão do mar”
fraudulento que ele comprou, que na verdade era uma raia que havia sido cortada,
remodelada e seca. Os casos históricos ilustram para os alunos a necessidade de
perguntar: em que você deve acreditar – e por quê?
Esse período também foi marcado pelo surgimento da imprensa. Os
enciclopedistas compilaram todos os tipos de relatórios de todos os lugares,
imprimiram em livros e os distribuíram amplamente. E então outros os copiaram e os
espalharam ainda mais (soa familiar?). Aqui, você não tem mais acesso direto às
evidências físicas. O conhecimento é mediado (um conceito central; Tabela 1). Você
tem que confiar no autor. Incentive os alunos a acompanhar a mudança de ênfase:
em quem você deve confiar – e por quê?
Esta atividade explora duas obras em profundidade. O primeiro é um mapa de
1539 de Olaus Magnus, um bispo escandinavo que queria informar o papa sobre
seus fiéis seguidores no extremo norte. Mostre aos alunos o mar do mapa, cheio de
criaturas maravilhosas. “Sem a experiência direta, em que você deveria acreditar – e
por quê? Um peixe com presas de pescoço franjado do tamanho de um navio, com
tripulantes fazendo fogo em suas costas (Figura 6a)? Se descartarmos isso, também
estaríamos justificados em rejeitar o bastante improvável “Ursi albi”, ou urso branco,
flutuando em um bloco de gelo (Figura 6b)? Hoje, podemos rebater o enorme
monstro marinho atacando outro (Figura 6c), mas os rótulos “Balena” e “Orca”
referem-se claramente ao que conhecemos hoje como uma baleia de barbatana e
uma orca. Mas uma serpente marinha de 300 pés de comprimento (Figura 6d)? (Há
mais casos a serem considerados aqui – veja imagens e notas de ensino on-line.)
Como alguém no século XVI avaliaria as alegações sobre esses organismos? Se
você já soubesse a resposta, não haveria problema. Mas o problema é que, neste
momento, ainda não sabemos, e todo o nosso enigma é determinar: o que é credível
e o que não é? Os alunos devem refletir: Como conseguimos isso?
Uma segunda série de casos para os alunos considerarem é de um livro de
1575 de “Monstros e Prodígios”, do cirurgião francês Ambroise Paré. Em outro lugar,
ele estabelece sua credibilidade (credibility) ao descrever instrumentos cirúrgicos e
seu uso, e ao desenhar animais que podemos reconhecer hoje – um elefante, uma
morsa, um tucano – mesmo que tosco. Mas seu foco principal aqui são os
“monstros” humanos. Paré apresenta um homem com outro corpo saindo de sua
barriga (Figura 7). Você deve acreditar nisso, sim ou não? E quanto a um monstro
de duas cabeças (Figura 8a)? Essas imagens também podem ser encontradas em
igrejas, mas elas são mais reais do que as gárgulas (Figura 8b, c)? (Mais casos
estão incluídos on-line. Consulte as notas de ensino.)
(a)

(b)

(c)
(d)
Figura 6. Imagens da Carta Marina de Olaus Magnus (1539).

Um panfleto de 1523 de Martinho Lutero e Philip Melancthon apresentou um


“monge-bezerro” e um “papa-burro” como presságios de Deus: eles eram reais? O
que se deve fazer com uma pintura de um homem em um manto cortês, com um
rosto completamente peludo de “lobisomem” (capa da ABT, novembro de 2007)?
(Dizem que ele nasceu na selva de Tenerife, mas agora vive na corte francesa!)
Mais uma vez, os alunos devem articular seus preconceitos e começar a pensar
mais a fundo: Qual é a base para a credibilidade (credibility)?
A conta acima abre muitas perguntas sem resposta. Estas são as incógnitas
para envolver os alunos em uma investigação mais aprofundada. As respostas
podem ser reveladas eventualmente, mas o cerne da atividade é a discussão, onde
os alunos identificam os fatores que habitualmente orientam seus (nossos)
julgamentos do conhecimento mediado. Os alunos podem mencionar fatores como
plausibilidade, crenças anteriores, analogias, “intuição”, confiança na autoridade do
orador, bem como evidências, expertise e credenciais. Você pode compilar uma lista
crescente no quadro. Estes são os preconceitos brutos (numa abordagem
pedagógica construtivista). O desafio para as atividades subsequentes é explorar
quais desses fatores são bem justificados e quais podem refletir disposições
cognitivas que podem nos enganar e nas quais podemos desejar aprender a não
confiar totalmente.
Figura 7. De Monstros e Prodígios de Paré (1575)

Figura 8. Monstros de duas cabeças.


● Indagação Motivadora (Jogo 2): Animais Fantásticos

Na sequência (ou alternativa) uma atividade – também projetada para


aumentar a conscientização e motivar novas investigações – situa o mesmo
problema de “animais fantásticos” no ambiente de mídia de hoje – agora, com uma
internet sem aparato crítico (em vez de livros impressos) e a perspectiva de gráficos
de computador que podem produzir imagens altamente realistas, mas falsas. Mais
uma vez, esses exemplos divertidos são projetados para envolver os alunos antes
de entrar em qualquer questão sociocientífica pesada ou possivelmente controversa
(e alienante). As reivindicações são mediadas e a mídia pode ser manipulada. Os
alunos podem estar mais conscientes da mediação em si e de seus riscos
potenciais?
Considere um conjunto de seis mamíferos estranhos (Figura 9, a-f). Se você
quer saber o que é real e o que é imaginário, como você decide? Sem conhecimento
prévio especializado, que critérios você usa para avaliar o que é apresentado? O
objetivo, aqui, não é chegar a respostas científicas definitivas, mas refletir sobre o
problema dos relatos mediados, a legitimidade das imagens e os métodos que
podem ser usados ​para avaliá-las (pura confiança no conhecimento preexistente?
plausibilidade? proveniência? sentimento? inclinação para que algo favorável seja
verdadeiro? fonte midiática?).
Repita com seis mamíferos fofos, seis pássaros estranhos e outras criaturas
estranhas (veja as ilustrações on-line). Os alunos devem refletir: Como você decide
o que é confiável e o que não é? Este é um tipo de jogo de adivinhação, mas os
quebra-cabeças envolventes podem ajudar os alunos a refletir sobre a natureza de
acreditar nos relatórios da mídia e o que serve como justificativa. Aqui, o contexto “e
se” minimiza o risco de estar “errado” e permite que os alunos se concentrem e
comentem mais livremente sobre o processo de raciocínio. Mais uma vez, o objetivo
é abrir a curiosidade sobre a credibilidade (credibility), sem ainda incutir nenhum
conceito específico.

Figura 9. Animais fantásticos: quais são reais, quais imaginários? (a) uacari, (b) antílope saiga, (c)
macaco-narigudo, (d) erumpente, (e) okapi africano, (f) jackalope.
● Jogo de Credibilidade 3: “Dizer a Verdade”

Tendo introduzido a questão central, pode-se


começar a explorar mais detalhes. O objetivo
deste exercício é focar no problema de em
quem acreditar. Todos nós podemos confiar nos cientistas. Mas quem é um
cientista? Quem pode falar em nome da ciência ou da comunidade científica como
um todo?

A inspiração/estrutura é o game show dos anos 1960 To Tell the Truth (Figura
10), revivido pela ABC em 2016. Imagine o locutor: “Esses três indivíduos afirmam
representar a ciência das mudanças climáticas. Apenas um é um verdadeiro
cientista. Os outros dois são impostores. Você pode determinar quem está dizendo a
verdade?”

Figura 10. O game show da década de 1960, To Tell the Truth, como um veículo para investigação de
conhecimento e comunicação honesta de consenso científico.

Aqui está uma amostra. Em quem se pode confiar como um cientista


confiável?

● Steve Milloy, autor de Junk Science Judo: Self-Defense against Health Scares
and Scams; estudioso adjunto no Cato Institute; editor do site
junkscience.com, classificado como “Hot Pick” pela revista Science em 1998 e
um frequente comentarista científico no rádio e na televisão?
● James Inhofe, senador por quatro mandatos e ex-presidente do Comitê de
Meio Ambiente e Obras Públicas? ou
● Phil Jones, ex-chefe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas, cujos e-mails hackeados revelaram que ele discutiu a supressão
da liberação de dados e os “truques” usados ​para representar graficamente
as mudanças de temperatura a longo prazo?

Este caso é uma ocasião para articular o conceito central de expertise (Tabela
1). Podemos ser facilmente influenciados pelo prestígio, títulos impressionantes,
posturas confiantes e estilo elegante, mas em termos de conhecimento
especializado, essas características não importam (Allchin, 2012a). A posição de
Phil Jones indica seu status de líder para outros cientistas especialistas. Ele é um
cientista real e praticante. Destes três, só ele pode ser confiável epistemicamente.
Ou seja, posições de autoridade e liderança (ou status de celebridade) fora da
ciência por si só não substituem a experiência apropriada sobre alegações
científicas.
Comparações subseqüentes de impostores e fontes confiáveis ​(ver material
on-line) permitem enfatizar mais conceitos centrais (Tabela 1): (1) o papel da
expertise relevante, não apenas qualquer cargo de doutorado ou pesquisa em
ciências; (2) o papel do consenso (consensus), não apenas a interpretação pessoal
de um cientista; e (3) o papel do conflito de interesses (conflict of interest), que pode
promover a falta de relatórios honestos. Estes casos ajudam a transmitir uma
mudança fundamental de princípios epistêmicos, de especialistas científicos – onde
o foco principal é a evidência e sua qualidade – para fora da comunidade científica,
onde a preocupação principal é expertise, credenciais (credentials) e honestidade
(honesty). Buscamos evidências de um tipo diferente: O que pode justificar a
confiança na competência e integridade de alguém ao relatar o consenso científico
especializado?

● Jogo da Credibilidade 4: Ache o Expert

Tendo destacado a importância da expertise na ciência, pode-se aprofundar o


próprio conceito de expertise e como se verifica isso. O problema não se limita à
ciência. Contamos com a expertise de encanadores, mecânicos de automóveis,
dentistas e advogados também. Em qual você pode confiar? (Goldman, 2001). O
enigma, novamente, é que a avaliação da experiência parece depender
completamente de você mesmo ser um expert. Um expert pode testar ou avaliar a
expertise de outra pessoa. Mas e um não especialista? A confiança epistêmica
(epistemic trust) é essencial. É inevitável (Tabela 1). Como alguém avalia isso?
Aqui, os alunos podem formar grupos para discutir e desenvolver critérios (de
Zemplén, 2009). Primeiro, eles selecionam uma forma de expertise. Os estudantes
podem querer considerar encontrar alguém que é um expert em reparar telefones
celulares, ou fornecer um teste de gravidez, ou consultar sobre doenças
sexualmente transmissíveis (ou talvez apenas quem deve ser confiável para saber
as respostas sobre o dever de casa de ciências!). Em seguida, identifique os
critérios para avaliar essa experiência. Os grupos devem então comparar suas
estratégias na discussão de toda a classe. O objetivo é envolver os alunos no
problema da expertise e nos conceitos de dependência epistêmica (epistemic
dependence) (e confiança epistêmica (epistemic trust)). Eles podem propor métodos
como perguntar a amigos, perguntar a outros experts, procurar credenciais ou
treinamento, experiência, participação em organizações profissionais, examinar o
desempenho passado (o histórico (track records)) ou testando a expertise em um
pequeno assunto ou contra uma segunda opinião. Talvez envolva a elaboração de
um sistema social de licenciamento ou validação por pares profissional (como o
exame da OAB ou conselhos médicos)? Talvez revisões on-line (mas você pode
confiar nos revisores?). No geral, os alunos devem analisar cada método para
avaliar a expertise em termos de confiabilidade (reliability) - ou as condições em que
trabalham ou que os qualificam. Finalmente, convida-se os alunos a considerar
como esses critérios se aplicam aos cientistas, aos jornalistas de ciência e a outros
que fazem afirmações científicas públicas (talvez até nas mídias sociais). Como seus
princípios de expertise, interpretação de expertise e institucionalização da confiança
em expertise são transferidos para outro contexto?

● Jogo da Credibilidade 5: “Blefe o ouvinte”

Expertise é apenas um fator de credibilidade (credibility). Honestidade


(honesty) ou integridade (integrity) (versus conflito de interesses (conflict of interest))
é outra. A retórica e as emoções também desempenham um papel na conquista da
confiança (trust), mesmo que nem sempre estejam correlacionadas com a
confiabilidade epistêmica (epistemic trustworthiness). Esta atividade permite que os
alunos se divirtam, usando sua própria “fraude” para explorar estratagemas para
persuadir os outros. É baseado no jogo "Bluff the Listener" da National Public Radio
Wait, Wait, Don't Tell Me.
Os alunos formam grupos de três. Cada um encontra uma história científica
estranha ou incrível. (As fontes podem incluir o Ig Nobel Awards / Annals of
Improbable Research / Journal of Irreproducible Results, "News of the Weird" ou
"Believe It or Not!®" de Ripley.) O grupo então inventa duas outras histórias sobre o
mesmo tema. Eles os apresentam à turma. Os alunos votam no que acham que é
verdade (pontos extras se enganarem o professor?). Então vem a parte mais
importante da aula: discussão com toda a classe sobre o que tornou cada história
convincente quando você não tem acesso direto às evidências? Os fatores podem
incluir plausibilidade, emoção, linguagem, histórias, humor ou qualidade vocal. As
ciências vigaristas/charlatãs, sabemos, ganham confiança por meio de estilo,
disfarce, emoções sociais, conjurando dúvidas e inundando a mídia (Allchin, 2012a).
Como suplemento, os alunos podem consultar o “Disinformation Playbook” publicado
pela Union of Concerned Scientists (2018).
Pesquisas indicam que conscientizar as pessoas sobre os métodos de
engano os inocula e ajuda a neutralizar seus efeitos (Cook et al., 2017; Nuccitelli,
2017). Você pode ajudar a “imunizar” seus alunos contra vigaristas da ciência.

● Mais Jogos & Além dos Jogos

Embora essas atividades possam ser divertidas e lúdicas – com o objetivo


imediato de envolver os alunos – seu objetivo pretendido é, obviamente, bastante
sério: promover a alfabetização científica na mídia. A mudança climática pode ser
uma “piada da neve” para o senador Inhofe, mas não é uma piada para os
informados pela boa ciência. Essas aulas adotam um modo de investigação para
ajudar os alunos a desenvolver conceitos por conta própria e, assim, internalizar o
conhecimento sobre a credibilidade das fontes e os riscos da divulgação científica.
Uma vez que os alunos tenham trabalhado nesses exercícios preliminares, eles
devem estar bem situados para desafios mais profundos, semelhantes aos que
encontrarão mais tarde como cidadãos e consumidores. Por exemplo, em 2012, a
Suprema Corte italiana decidiu que um autor receberia indenização porque um
telefone celular causou seu tumor cerebral (Alimenti, 2012). (Surpreso? Basta
assistir a este vídeo alarmante!: https://www.youtube.com/watch?v=V94shlqPlSI.) Os
telefones celulares causam câncer? Isso é verdade? Aqui, os alunos podem ficar à
vontade na internet para avaliar essa afirmação por conta própria (individualmente
no início, talvez, mas, em última análise, coletivamente). Ou pode-se selecionar
qualquer reivindicação controversa apropriada para uma classe específica. Este é
um ensaio para verificação de credibilidade em ação. Os alunos podem ler como os
verificadores de fatos on-line realizam seus negócios de verificação de fatos
(Jackson & Jamieson, 2007).
Essas atividades são apenas um começo. Convido outros a adaptá-las – ou a
inventar seus próprios jogos! (E então compartilhe-os no ABT!). Também encorajo
outros, de acordo com as melhores práticas pedagógicas, a planejar suas atividades
(conforme observado acima) centradas no aluno, ativas, baseadas em
questionamentos e autênticas.
O campo está bem aberto. Em particular, o desafio da alfabetização midiática
(media literacy) vai muito além do que pude abordar aqui. Por exemplo, lições
adicionais podem destacar os papéis na mídia dos “gate-keeping” (tradicionalmente,
jornalistas científicos), os próprios filtros cognitivos do cidadão-consumidor (viés de
confirmação, raciocínio motivado), a internet (filtros de bolhas, anonimato de sites
patrocinados, falta de proveniência), ou a dinâmica das redes sociais e mídias
sociais (câmaras de eco, pressão dos pares, espirais de silêncio, falso consenso)
(Figura 1 e Tabela 1). Com uma educação eficaz, talvez, a boa ciência prevalecerá
consistentemente.

REFERÊNCIAS

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