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TEMA ARGUMENTATIVO 54 – CESGRANRIO –

COMENTADO
O crescimento mundial do movimento contra a vacinação
como reflexo de uma atitude anticientífica

ANTES DE MAIS NADA:

O gênero dissertativo-argumentativo exige a produção de um texto


com um ponto de vista (tese) sobre um tema. Esse ponto de vista
deve ser defendido com argumentos.

1 - SOBRE O TEMA / SOBRE A FRASE TEMÁTICA

Hoje em dia, há uma gama de teorias ligadas ao movimento con-


tra a vacinação, como a ideia de que vacinas implantam chip no cére-
bro ou que causam câncer1. O movimento, porém, remete a origens
mais antigas: no ano de 1998, o médico britânico Andrew Wakefield
publicou um artigo em que afirmava categoricamente que a vacina era
a causa do autismo de seus pacientes2.

Anos depois, descobriu-se não apenas que a pesquisa era uma


fraude, com todos os dados e prontuários alterados, como também o
doutor havia sido financiado por um advogado que pretendia lucrar
milhões processando os fabricantes da vacina. Além disso, ele mesmo
tinha ambição de patentear uma nova vacina para substituir
aquela que supostamente causava autismo3.

A frase temática, no entanto, não indica a discussão do movi-


mento antivacina de maneira geral, ela sugere que esse fenômeno seja
relacionado a uma atitude anticientífica. Na frase temática, por-

1
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-20/chip-na-vacina-virar-jacare-e-outros-mitos-criam-pande-
mia-de-desinformacao-na-luta-contra-a-covid-19.html
2
https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/por-que-o-movimento-antivacina-nao-tem-um-
pingo-de-sentido/
3
Idem.

@prof.aristocrates
tanto, já está contida a tese de que há uma relação entre o cresci-
mento do movimento contra a vacinação e a atitude anticientífica (o
primeiro é reflexo da segunda). Não à toa, logo após a frase temática,
reforça-se que o redator “justifique sua opinião com argumentos”.

Assim, a tarefa, nesse tema, é a elaboração de argumentos


que defendam um ponto de vista em torno de uma tese já contida
no tema: “O crescimento mundial do movimento contra a vacinação
como reflexo de uma atitude anticientífica”. Nesse sentido, faz-se im-
portante ter em mente o conceito de “anticiência”, que seria, em suma,
a negação dos valores geralmente atribuídos à ciência (ou o questi-
onamento à sua positividade)4. E o que seria “ciência”? Resumida-
mente, é o tipo de conhecimento que busca compreender verdades
ou leis naturais para explicar o funcionamento das coisas e do
universo em geral5.

Link para se inteirar mais: https://www.unicamp.br/unicamp/in-


dex.php/ju/artigos/peter-schulz/o-filosofo-e-anticiencia

2 – DUAS TESES E ARGUMENTOS POSSÍVEIS

ATENÇÃO!

Os exemplos aqui apresentados têm caráter principalmente ilustra-


tivo. Uma tese é um ponto de vista, razão pela qual o leitor não pre-
cisa concordar com os exemplos aqui expostos. Ressalta-se também
que os argumentos em defesa das teses apresentadas não se esgo-
tam aqui, assim como um mesmo argumento pode servir para a
defesa de mais de uma tese.

2.1 – EXEMPLO DE TESE I:


O desconhecimento científico transforma boas características
em ignorância.

4
https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/CSO/article/view/7852
5
https://canaltech.com.br/ciencia/o-que-e-ciencia-metodo-cientifico-e-divulgacao-cientifica-155693/

@prof.aristocrates
A) Primeiro argumento em defesa da tese: o ceticismo é uma ca-
racterística importante.

Como aponta a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,


na década de 1980, o astrônomo e divulgador científico Carl Sagan
cunhou o termo “ceticismo científico”. De acordo com Sagan, a ciência
é “mais do que um conjunto de conhecimentos”, “é uma forma de pen-
sar, de interrogar o universo ceticamente com um conhecimento
profundo das falhas humanas”.

Em termos gerais, o ceticismo significa descrença, increduli-


dade e uma capacidade de duvidar de tudo. Ainda segundo Sagan,
as pessoas estariam vulneráveis à ação de “charlatões políticos ou re-
ligiosos” se não fossem capazes de “fazer perguntas céticas”, de
serem “céticas em relação às autoridades” e de “interrogar aqueles
que nos dizem que algo é verdade”.

Link para se inteirar mais: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/o-


que-e-o-ceticismo-cientifico-e-por-que-ele-e-necessario/

B) Segundo argumento em defesa da tese: [mas] o ceticismo deve


ser acompanhado do método científico.

O método científico, de acordo com o Canal Tech, é um con-


junto de regras para se realizar uma experiência, com o objetivo de
produzir um novo conhecimento, além de corrigir conhecimen-
tos preexistentes. Essas regras são necessárias, aponta o portal, jus-
tamente para coibir a subjetividade, de forma a direcionar a pes-
quisa para a produção de conhecimentos válidos — em suma, ci-
entíficos6.

Nesse mesmo sentido, o professor de física Marcelo Knobel, em


um artigo publicado em jornal da Unicamp em 2003, afirma que:

O importante é que as teorias sejam comprovadas seguindo


critérios rígidos, metodologias adequadas e publicadas em pe-
riódicos de circulação internacional, para que outros pesquisadores
possam tentar repetir os experimentos e modelos. Se algo novo
é proposto ou descoberto, o primeiro passo do cientista é tender ao

6
https://canaltech.com.br/ciencia/o-que-e-ciencia-metodo-cientifico-e-divulgacao-cientifica-155693/

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ceticismo, repetir o experimento, verificar possíveis falhas, bus-
car explicações alternativas. Ter um espírito crítico aguçado, mas
sempre com algumas janelas abertas para enfrentar algo completa-
mente novo e desconhecido, ainda inexplicado, mas não necessari-
amente inexplicável7.

Em suma, o desconhecimento das corretas metodologias torna


uma característica positiva, a tendência a desconfiar, em uma ignorân-
cia, o negacionismo, que é o questionamento de fatos legítimos8.
Esse tipo de atitude, anticientífica, gera resultados catastróficos, como
o movimento antivacina e suas consequências descritas no texto mo-
tivador.

Link para se inteirar mais: https://fadepe.org.br/2021/06/16/me-


todo-cientifico-definicoes-aplicacoes-principais-tipos-e-etapas/

2.2 – EXEMPLO DE TESE II:


Para combater os movimentos contra a vacinação, é preciso
melhorar a forma como a ciência chega às pessoas

A) Primeiro argumento em defesa da tese: é preciso entender de


que maneira o negacionismo se torna atrativo.

Como publicado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, o pes-


quisador Wedencley Alves observou que o fluxo constante de informa-
ções falsas não é bem sucedido somente devido à produção de fake
news, mas também porque encontra terreno fértil entre a popula-
ção:

As pessoas aderem ao discurso porque ele está em sintonia com


outras coisas que acreditam; elas se realizam e se reconhecem
no ambiente que está reforçando e disseminando o negacionismo.
Precisamos de mais pesquisas para investigar os modos de iden-
tificação dessas pessoas: quais são os argumentos que res-
soam para elas, de que maneira elas se percebem, qual é a imagem
que fazem de si mesmas, da ciência, da saúde, da política. Somente
quando compreendermos essas pessoas em sua própria lógica,
poderemos imaginar alguma saída do negacionismo9.

7
http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/o-que-e-o-ceticismo-cientifico-e-por-que-ele-e-necessario/ (gri-
fos nossos).
8
https://www2.ufjf.br/noticias/2021/06/19/o-negacionismo-mata/
9
Idem (grifos nossos).

@prof.aristocrates
Link para se inteirar mais: https://www2.ufjf.br/noti-
cias/2021/06/19/o-negacionismo-mata/

B) Segundo argumento em defesa da tese: o ensino da ciência na


educação básica precisa ser aprimorado.

Como apontado por Deborah Foguel, coordenadora de Educação


da Rede Nacional de Ciência para Educação, e divulgado pelo Correio
Braziliense, geralmente busca-se saber qual é a colocação das institui-
ções escolares no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ou no ves-
tibular. Isso é um bom indicador da qualidade do ensino, mas é impor-
tante também saber como é o ensino de ciência para além das pro-
vas.

Deborah acrescenta que vale a pena descobrir como os labora-


tórios das escolas são usados, nos casos das instituições que dis-
põem desse recurso, e quais projetos de pesquisa se desenvolvem
neles. “Isso tudo é importante para que os estudantes se tornem pes-
soas mais questionadoras [...]”, observa.

“Tem de ser algo que instigue e desafie os alunos, além de o


transformar em um ser perguntador e capaz de responder aos pró-
prios questionamentos”, reforça10. Assim, é preciso que as escolas
eduquem as crianças e jovens no método científico para que não re-
jeitem atitudes anticientíficas, como a antivacinação.

Link para se inteirar mais: https://www.correiobrazili-


ense.com.br/app/noticia/escolhaaescola/2018/2018/09/27/noticias-
escolhaaescola2018,708765/a-ciencia-alem-da-prancheta.shtml

3 – EXEMPLO DE REDAÇÃO

ATENÇÃO!

10
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/escolhaaescola/2018/2018/09/27/noticias-esco-
lhaaescola2018,708765/a-ciencia-alem-da-prancheta.shtml (grifos nossos)

@prof.aristocrates
O exemplo de redação tem caráter principalmente ilustrativo. Todos
são livres para manifestar um ponto de vista (tese) e elaborar argu-
mentos próprios em sua defesa.

1 Atitudes anticientíficas não são novidades na história humana.


2 Atualmente, porém, esse tipo de posicionamento vem novamente ga-
3 nhando força e trazendo consequências nefastas, a exemplo de um novo
4 surto de sarampo no Brasil, fruto de movimentos contra a vacinação.
5 Isso demonstra que o desconhecimento científico transforma boas ca-
6 racterísticas em ignorância, pois o ceticismo é uma ferramenta impor-
7 tante, mas torna-se negativo quando desacompanhado da ciência.
8 Primeiramente, é preciso entender o ceticismo como uma quali-
9 dade indispensável dos seres humanos. Na década de 1980, o cientista
10 Carl Sagan cunhou o termo “ceticismo científico”. Segundo ele, as
11 pessoas estariam vulneráveis à ação de políticos ou religiosos se não
12 fossem capazes de serem céticas em relação às autoridades. Nesse
13 sentido, a ciência é uma forma de pensar e de interrogar o universo
14 ceticamente com um conhecimento profundo das falhas humanas.
15 No entanto, esse ceticismo transforma-se em negacionismo se
16 não levar em conta os métodos corretos. Nesse cenário, entende-se o
17 método científico como um conjunto de regras para se realizar uma
18 experiência, com o objetivo de produzir um novo conhecimento, além de
19 corrigir conhecimentos preexistentes. Diante dessa definição, é possível
20 perceber que movimentos contra a vacinação utilizam argumentos que
21 não consideram profundamente os caminhos percorridos para se chegar

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22 ao desenvolvimento das vacinas. Assim, os questionamentos à vacina-
23 ção baseiam-se em meias verdades ou em afirmações completamente
24 infundadas, como a de que vacinas servem para implantar “chips”.
25 Portanto, não há dúvidas de que o crescimento mundial do mo-
26 vimento contra a vacinação é reflexo de uma atitude anticientífica.
27 Desacompanhados do conhecimento científico, os questionamentos
28 transformam-se em negacionismo e tornam a humanidade mais vulne-
29 rável às doenças. Em suma, se a ciência não puder vencer a ignorância,
30 o mundo prosseguirá refém de retrocessos históricos.

@prof.aristocrates

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