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Uma cartografia da

Zona Sul do Rio


Doutoranda Natalí Garcia (nov/2023)

Apresentação de trabalho de conclusão para disciplina ART2210 - Tópicos


Especiais em Design X: Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade- BioDesign
Profs. Carlo Franzato, Cláudio Magalhães e Jorge Santos
Cartografia
Inicialmente, uma proposição de Deleuze e Guattari -
(Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia).

Não busca a representação de um objeto estático...


é um acompanhar processos (linhas) estando implicado
nessa complexidade.

não-​linear. rizoma, multiplicidade, heterogênese,


várias entradas, roteiros...
é inventiva, cria agenciamentos...

não parte de objetivos apriorísticos,


se transforma enquanto navega.
Cartografia
Referências teóricas:
1. Deleuze e Guattari
2. Suely Rolnik
3. Pistas do Método da Cartografia, vol. 1 e 2
(Kastrup, Escossia e Passos)
4. Luciano Bedin da Costa - ética cartográfica
5. Foucault

No contexto de minha tese, faz sentido buscar


aproximações com:
1. Bruno Latour
2. Regenesis Group
3. Teorias de Sistemas (Vivos) - Capra, Luhmann,
Miller, etc?
"Mapa dos afetos, fluxos, caminhos, percursos que nos fazem trilhar "O que faz de uma
e ocupar diferentes territórios" cartografia uma
cartografia é o
"Tornada palavra, tenta dar conta de apresentar, exibir, fazer ver um caminhar na corda
território percorrido em suas forças, e não em suas estases." bamba daquilo que
nos toca e nos fere"
"Encontros, a cartografia como um meio de criar territórios, enxergar
esses territórios" "Narrativa. Fluidez.
Andanças."
"Penso em forças, potências, movimentos que agenciam os
processos de vida. "Cartografar é
alçar voo."
"Se colocar neste movimento: o cartógrafo só cartografa ao estar de
corpo inteiro imerso no que se pesquisa. "

A cartografia tal como nós a vemos - Poema coletivo. In A cartografia parece ser mais uma ética (e uma política) do que uma metodologia de pesquisa.
Luciano Bedin da Costa. 2020
Cartografia
Referências Projetuais: Outros:

Nova Cartografia Social Da Amazônia 1. Tese Ana Paula Silveira e


Cartografia Da Percepção Popular Do Dissertação Coral
Orçamento Participativo Em Belo 2. Artigos e Teses X, Y, Z
Horizonte 3. Alguns mapas sistêmicos (design
Story of Place (Regenesis) sistêmico, ANT/EmE, Luhmann)
Subjective Atlas of Cities 4. Cartografias ecológicas (relevo,
Floresta2 hidrografia, etc)
Dissertação Natalí 5. Google Maps e derivações (ex:
Cartografias visuais Sampa+Rural)
http://novacartografiasocial.com.br/
https://opbh.cartografia.org/
https://www.subjectiveeditions.org/
https://regenesisgroup.com/services/story-​of-​place
https://www.academia.edu/43499596/floresta_
http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/12014
Zona Sul, Rio de Janeiro
É impressionante o magnetismo das formações rochosas da zona sul da
cidade do Rio de Janeiro. Tais rochas e morros impõem-​se na paisagem,
gerando em nós um sentimento de reverência, atração e assombro. O
maciço da Tijuca têm grandes ícones do Rio de Janeiro, como o Corcovado
e o Morro Dois Irmãos. De quase qualquer ponto da zona sul avistamos
estes altos picos. É a natureza bruta e amaciada ao longo de milhões de
anos, concentrando história de movimentos geológicos e atraindo a vida -
flora, fauna e ação antrópica.
A paisagem se faz entre morros e vales, entre a floresta e as águas (dos
rios, lagoa e oceano). As formações rochosas são feitas especialmente de
gnaisse facoidal, inclusive a Pedra do Arpoador.
No maciço da Tijuca temos o Parque Nacional da Tijuca, onde temos a
primeira floresta replantada do mundo. É onde também se encontra o
Corcovado com a famosa escultura do Cristo Redentor.
O Morro Dois Irmãos se encontra entre as comunidades Rocinha e
Vidigal e o bairro da Gávea.
Ao sul do Maciço da Tijuca temos os bairros que
compõem a Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro.
Se formos considerar as áreas mais "centrais" temos
Gávea, Leblon, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa,
Arpoador e Copacabana.
Ainda temos outros bairros como a Urca (onde está o
famoso Pão de Açúcar), o Botafogo, entre outros.
Estes bairros compõem o dito "coração metropolitano"
do Rio de Janeiro, reunindo os principais pontos
turísticos da cidade.
Fotos página anterior:
1 - Vista desde Lagoa, sentido Arpoador
2 - Vista da Floresta da Tijuca desde Trilha Pq Lage - Corcovado
3 - Vista do Morro Dois Irmãos e Pedra da Gávea, desde Arpoador

Fotos à direita:
1 - Ilustração do mapa da Zona Sul. Autoria desconhecida.
2 - Vista da Lagoa e arredores, desde Cristo Redentor/Corcovado
No "coração metropolitano" do Rio temos então a Lagoa Rodrigo de Freitas
(chamada de Piraguá inicialmente), que sofreu uma grande transformação na
paisagem por ação do homem. Hoje tem cerca de 2 milhões de m2, metade do que
havia originalmente de espelho d'água. Boas porções foram aterradas, por
exemplo, a região onde se encontra o Jockey Club, sendo a Praça Santos Dumont
uma região que era a margem à esquerda da Lagoa (talvez aterro). É, em
verdade, uma laguna, pois possui conexão com o mar (Ipanema). Em sua história
entendemos como a colonização portuguesa dizimou e apagou os povos originários
(indígenas Tamoios), que eram os mais antigos habitantes da região - e foram 1 - Panorama desde a Lagoa, com
expulsos e mortos - pelas guerras e pelas doenças disseminadas intencionalmente. Corcovado/Cristo ao centro.
ciclistas feiras na praças festas de aniversario Comunidades
economicamente
Projeto
trabalhadores na lagoa
(carrinhos) moradores de rua desfavorecidas
quiosques na orla da praia
custo de vida elevado trabalho no
ruas arborizadas comércio legal
diversidade Turismo
bikes do itaú descanso e informal

na praia esportes ciclistas Lazer táxis,


aluguéis surf arpoador Exercício físico veículos uber
caríssimos bares na lagoa comlurb

cachorros na praia do diabo trânsito de carros e ônibus


avenidas da praia fechadas para
bares com pessoas nas calçadas carros aos domingos e feriados
Linhas e forças de...

Zona Sul, Projeto Ocupação


Imagens da página anterior:

1 - Mapa com espelho d'água original da Lagoa. Autoria desconhecida.


2 - "O Último Tamoio" (1883), obra de Rodolfo Amoedo
3 - Captura de instagram @projetopiragua, mostrando foto da Lagoa nos anos 60 - Av. Epitácio
Pessoa, altura do "Corte do Cantagalo" (Av. Henrique Dordsworth)
Para ocupar a Zona Sul e transformá-​la em cartão postal do
Rio de Janeiro, o homem branco realizou muitas intervenções na
paisagem. Entre aterros e cortes e túneis nos morros, foi-​se
moldando a paisagem e substituindo um ecossistema por outro -
muito mais social. Também a população mais economicamente
desfavorecida ocupou as margens da Lagoa e seus morros. Em
meados do século XX, algumas comunidades foram expulsas e
morros desfeitos pela prefeitura, substituídos por grandes edifícios
- um processo de gentrificação que só se acentuou com os anos.

1 - Imagem do documentário "Entre Morros e Mares" mostrando o túnel que liga


Copacabana à Ipanema. Fonte: https://www.youtube.com/watch?​v=nYKN9OI8NTo
2 e 3 - "A Favela da Catacumba foi removida em 1970 pelo antigo governador da
Guanabara, Negrão de Lima. A Catacumba contribuía com o esgoto in natura que era
despejado direto na Lagoa Rodrigo de Freitas. A comunidade tinha cerca de 15 mil
habitantes. Não existia serviço de água potável na comunidade. Foi substituída pelo
Parque da Catacumba, hoje o mais importante parque de esculturas ao ar livre existente
na cidade do Rio de Janeiro." Fonte: https://zeluizfotos.wordpress.com/tag/sacopa/
Linhas e forças de...

Zona Sul, Desigualdade


Fotos da página anterior:

1 - Vista de passagem para Rua Francisco Otaviano desde Arpoador


2 - Vista para a comunidade do Morro Cantagalo desde esquina de R. Souza
Lima com Rua Raul Pompéia, Copacabana
3 - Vista para Morro Cantagalo desde Rua Bulhões Carvalho
4 - Arte na rua, Praia de Ipanema. Artista Fábio (?) / Artista desconhecido
Há forte convivência de pessoas de repertórios e características sociais
bem diferentes. Enquanto pessoas de condições econômicas mais
favorecidas e turistas curtem, uma grande quantidade de trabalhadores
se esforçam para manter o comércio funcionando (o legal e o informal).
Há ainda, como reflexo dessa desigualdade, moradores de rua e pedintes.
Mas, pelo menos uma vez na semana, as praias e orlas ficam cheias de
diversidade - onde há uma coexistência - ora pacífica, ora conflituosa -
entre ricos e pobres.
A Polícia Militar e Guarda Municipal são bem presentes, em pontos da
orla da praia e entradas de comunidades nos morros, no intuito de
minimizar conflitos e oferecer segurança, sobretudo, aos turistas.
Ainda assim, não é incomum acontecer "arrastões" nas praias.

1 - Homem vasculha lixo no Arpoardor


2 - Placa de passeios de helicóptero na Lagoa, em que um passeio de 15min tem o
valor aproximado de um salário mínimo - R$ 1.240/pessoa.
Linhas e forças de...

Zona Sul, Eco-​turismo


Fotos da página anterior:

1 - Praia do Arpoador
2 - Placa no Parque Lage, informando as muitas trilhas do Parque Nacional da Tijuca
3 - Fungos, desde a Trilha Parque Lage - Corcovado
4 - Palmeiras imperiais do Jardim Botânico
O Maciço da Tijuca é o mais importante em termos históricos com relação
à evolução urbana do Rio de Janeiro. É também o que possui algumas das
mais interessantes formações rochosas que deram fama ao Rio de Janeiro
assim como tem grande importância ecológica por causa de todos os
setores e trilhas do Parque da Floresta da Tijuca que se estendem sobre
este maciço, sendo um elo de ligação entre a cidade e a natureza.
A natureza e paisagens exuberantes da Zona Sul do Rio atraem pessoas de
todas as partes do mundo. E é notável o esforço em manter parques, vias e
praias limpas e atraentes, fortalecendo o apelo turístico da cidade.

"Nothing can be more striking than the effect of these huge rounded masses of naked
rock rising out of the most luxuriant vegetation." - Darwin, 1889 - Chapter II

1- Fragmentos do Maciço e Floresta da Tijuca e a cidade


2 - Placa avisando sobre o trânsito de Capivaras na área de Renaturalização da Lagoa
3 - Macaquinho interagindo com turistas no Corcovado
Linhas e forças de...

Zona Sul, Corpos em Movimento


Fotos da página anterior:

1 - Lagoa
2 - Tenda de Escola de Surf na Praia do Arpoador/Ipanema
3 - Grupo treinando funcional na Praia de Copacabana
4 - Praia de Ipanema
O exercício físico está muito presente nas atividades
percebidas da Zona Sul. Há práticas de esportes desde
futevôlei até surf e canoagem. Ao redor da Lagoa há pista
para pedestres e ciclistas e algumas quadras. Muitos
moradores e turistas correm, praticam Ioga, atividades
aeróbicas, futebol, basquete, andam de bicicleta, entre outros.
A prática do ciclismo é bastante incentivada pelas bikes do
Itaú presentes em todos os lugares e pelas ciclovias ligando
as orlas das praias e a Lagoa.
Também aos domingos e feriados, as avenidas da praia
ficam fechadas para o trânsito de carros e motos, e as
pessoas as ocupam para corrida, caminhadas e lazer.

1 - Avenida da praia de Leblon/Ipanema fechada para carros e motos.


2 - Bikes do Itaú na Lagoa.
3 - Prática de Ioga na Lagoa.
Apresentação 28/11
Para a apresentação final do trabalho propus uma
atividade que fosse além de uma apresentação
expositiva, ou seja, que, a partir dos insumos produzidos
por mim, pudéssemos discutir sobre a Zona Sul do Rio
com pessoas que ali moram ou estudam. Percebo que
essa socialização é importante no método da Cartografia,
para além da construção de artefatos.
(Importante ressaltar que a atividade foi apenas
ilustrativa do processo idealmente dialógico e
participativo da cartografia).
O encontro durou 2 horas e iniciou com uma
contextualização do método e ética da cartografia. Em
seguida, realizamos uma atividade de aquecimento, onde Foto da realização de atividade no DaD/PUC-​Rio, durante
foi solicitado aos participantes que desenhassem de período de aula em 28/11/2023.
memória o mapa da Zona Sul do Rio, e que também
apontassem lugares e sentimentos relacionados a estes.
Havia no encontro participantes de diferentes bairros da Zona Sul (Leblon,
Botafogo, Flamengo, Vidigal, Jd Botânico, Gávea, Copacabana, Rocinha,...), e
estes compartilharam suas memórias e relações afetivas com o lugar.

Cada representação visual ficou diferente uma da outra. Alguns, por


exemplo, destacaram vias de acesso - avenidas e estradas , mas a maioria
demonstrou lembrar-​se do território principalmente a partir de marcos da
paisagem (como a Lagoa, Arpoador, Morro Dois Irmãos, Corcovado, etc).

Participantes mencionaram a estreita relação com a natureza que há na


região, onde a sua contemplação assume uma grande importância na
qualidade de vida.
Durante a apresentação do meu percurso cartográfico individual, os participantes
foram comentando e adicionando as suas percepções aos temas.

Foram abordados temas como o contraste social, a desigualdade, trânsito pesado


em determinadas regiões, histórico de governos ruins, entre outros.

Os participantes reforçaram que precisam redescobrir e se reencantar pela


cidade, pois com a rotina e os inúmeros problemas - como a violência e a
pobreza, fica difícil admirar o lado bom da região.

Para isso, propuseram entender a fundo possíveis linhas e forças de comunicação


e colaboração entre diferentes comunidades (ex: Leblon e Vidigal), bem como,
quebrar a rotina e engajar-​se com atividades físicas mais ligadas à natureza.
"A troca de conhecimento é fonte de inovação, inspiração e riqueza!" -
participante 1, sobre atividade.

"Foi bem legal a oficina.


Penso na palavra FERTILIDADE" - participante 2, sobre atividade.

"Eu percebi como é chato e cansativo a gente sempre só olhar pra


coisas ruins que tem no Rio. Isso já era um pensamento que já vinha
tendo, de tentar enxergar de um outro ângulo a cidade pra coisas
ficarem mais leves. E acho que o encontro que tivemos ontem me
ajudou mais ainda nesse exercício de enxergar a cidade de outro jeito
não tão pessimista" - participante 3, sobre atividade.

"A minha reflexão foi o quanto gosto da minha cidade e fico triste em
vê-​la tão maltratada. Tenho muitos amigos que foram embora por
violência e eu mesmo não saio muito de casa atualmente -
diferente de quando estou em outros lugares. Gostaria de ver o Rio
bem governado" - participante 4, sobre atividade.
Insights
No contexto de um projeto de Design Regenerativo, é fundamental criar
um processo que explore a participação tanto de designers e
especialistas, como de moradores e pessoas que vivenciam o lugar.
Para isso proponho de explorar a intersubjetividade, ou seja,
cartografar individual e coletivamente, e fazer encontrar e ver
múltiplas perspectivas.

Um caminho possível para uma inclusão e representatividade maior


nos dados e insumos gerados é criar círculos de trabalho. Inspirada
pela Sociocracia, entendo ser pertinente ter um representante de cada
comunidade e microrregião que possa conduzir o processo com pares e
ser o porta-​voz em um grupo mais diverso (que também detenha a
governança do projeto e atue ativamente nas tomadas de decisão).

Isso poderia minimizar a dominância de determinados públicos e


perfis na construção da cartografia e possíveis desdobramentos,
como iniciativas propostas.
Insights
Para a atividade também se pretendia eleger uma controvérsia e possíveis caminhos de ação e então criar novamente um
mapa da Zona Sul, desta vez, coletivamente.

No entanto, visto o curto período de engajamento dos participantes (2h), e o fato de não ser um projeto de base real (para
o qual se pretende dar continuidade às iniciativas pensadas), optou-​se por encerrar com comentários e reflexões sobre o
processo.

Idealmente, o processo da Cartografia para um Design Regenerativo, deveria explorar as sensibilidades e


intersubjetividades e explorar cenários de uma realidade alternativa. Ou seja, resultado deste trabalho não são
apenas ações planejadas mas a própria comunicação e expressão que possa estabelecer reflexões e discussões
críticas sobre o território nas ecologias do meio ambiente, das relações sociais e das subjetividades (ou cultura).

Entendo que tal iniciativa foi satisfatória, na medida em que ofereceu uma oportunidade para discutirmos e fazer sentido
dos insumos gerados apenas individualmente, porém, destaco que em contexto de aplicação em projeto, este processo
deveria ser participativo do início ao fim e ter uma duração e engajamento estendidos.
Natalí Garcia
Um percurso cartográfico da Zona Sul, Rio de Janeiro.
Fotos e texto de Natalí Garcia (2023).

Projeto para: ART2210 - Tópicos Especiais em Design X:


Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade- BioDesign
Profs. Carlo Franzato, Cláudio Magalhães e Jorge Santos

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