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PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
2011
1
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DE MINAS GERAIS
PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
2011
2
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DE MINAS GERAIS
PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
FICHA DE APROVAÇÃO
2011.
___________________________________________
PROF. Dr. GREGORIO BAREMBLITT
Professor Orientador
____________________________________________
MARGARETE A. AMORIM
Coordenadora do Curso
_____________________________________________
........
Coordenador da Pós-graduação Lato Sensu
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a:
Gregorio Baremblitt
Margarete Amorin
Silvia Chagas
Patrícia Ayer
Milton Bicalho
Jorge Bichuetti
Muito Obrigado!
4
De que serve afirmar a legitimidade das aspirações das massas se o desejo
é negado em todo lugar onde tenta vir à tona na realidade cotidiana?... “A
introdução de uma energia suscetível de modificar as relações de força não
cai do céu, ela não nasce espontaneamente do programa justo, ou da pura
cientificidade da teoria. Ela é determinada pela transformação de uma
energia biológica – a libido – em objetivos de luta social”... “Pois na
ausência de desejo a energia se autoconsome sob a forma de sintoma, de
inibição e de angústia..” “Os enunciados continuarão a flutuar no vazio,
indecisos, enquanto agentes coletivos de enunciação não forem capazes de
explorar as coisas na realidade, enquanto não dispusermos de nenhum
meio de recuo em relação à ideologia dominante que nos gruda na pele,
que fala de si mesma em nós mesmos, que, apesar da gente, nos leva para
as piores besteiras, as piores repetições e tende a fazer com que sejamos
1
sempre derrotados nos mesmos caminhos já trilhados.” .
(Guattari, Félix, 1985: p.15)
1
GUATTARI, Félix. Revolução Molecular: pulsações política do desejo, 1985, p15.
5
RESUMO
Mas, o que se quer dizer com Despertar nas Paixões? Partimos de uma
questão muito simples: como as relações entre paixões (corpos e ideias) podem
dispor de ocasião em que algo afirmativo aconteça? Essa mudança não será só pela
reunião entre corpos e ideias, mas porque se trata de paixões que resultam em um
aumento da capacidade de expressar e agir dos envolvidos, no acontecimento em
questão. A esse aumento de capacidade, Spinoza/Deleuze chama de alegria. As
alegrias se tornam afetos ativos e nos conduzem melhor para o conhecimento; que a
tristeza, que são afetos passivos e tendem a nos aprisionar na desrazão ou no
conhecimento inadequado. Essa passagem dos afetos passivos aos afetos ativos,
do conhecimento inadequado para um adequado, da tristeza às alegrias: chamamos
Despertar nas Paixões.
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SUMÁRIO
1) INTRODUÇÃO.......................................................................................................08
2) REALIDADE/REALTERIDADE E COTIDIANIDADE..............................................11
6) BIBLIOGRAFIA......................................................................................................56
7
DESPERTAR NAS PAIXÕES
“Será que não dá a pensar que devir um klínico esquizoanalista não passa
pelos títulos que legitimam ou autorizam essa condição, mas muito mais por
um modo de klinicar, por um modo de viver desejante, produtivo,
revolucionário?”
1) INTRODUÇÃO
2
Termo criado por Prof. Gregorio Baremblitt, em função da orientação desse monografia.
8
atualização, seja de realização. Tendemos, assim, a um aspecto de tonalidades em
que se expressão as predominâncias: A de superfície de produção de produção
desejante, sempre inventiva, revolucionária, ativa e afirmativa. A superfície de
registro-controle, sempre repetitiva, especialmente perceptível na realidade de uma
cotidianeidade prevalentemente alienada, em a que prevalece em regime da
produção de reprodução e anti-produção. E, por fim, há a terceira superfície, de
produção de consumo e consumação, que diz de um modo de uso-fluição dos bens
produzidos e destaca o apogeu de um processo de atualização. Tais distinções
serão referencias esquizoanalíticas e esquizodramáticas (segundo trabalhos de Prof.
Gregorio Baremblitt), onde pretendemos nos introduzir ao que seja o Despertar nas
Paixões, a partir d e uma leitura de Spinoza e de Deleuze.
Mas, o que se diz com Despertar nas Paixões? Partimos de uma questão
muito simples: como as relações entre paixões (corpos e ideias) podem dispor de
ocasião em que algo afirmativo aconteça? Nesse momento, estamos no regime da
produção de produção, onde algo muda. Essa mutação não será só pela reunião
entre corpos e ideias, mas porque se trata de paixões que resultam em um aumento
da capacidade de expressar e agir dos envolvidos, no acontecimento em questão. A
esse aumento de capacidade, Spinoza chama de alegria. As alegrias se tornam
afetos ativos e nos conduzem melhor para o conhecimento, que a tristeza, que são
afetos passivos e tendem a nos aprisionar na desrazão ou no conhecimento
inadequado. Essa passagem dos afetos passivos aos afetos ativos, do
conhecimento inadequado para um adequado, da tristeza às alegrias: chamamos
Despertar nas Paixões.
9
Assim, o problema afirmativo aparece: como a klínica do Despertar nas
Paixões, na estratégia esquizodramática, pode vir a ser um dispositivo de produção
de sentido? Para trabalhar essa questão apresentaremos dois anexos, um projeto
de intervenção, outro, um diagrama para ilustrar os diferentes momentos da
formação de noções comuns, que pode ser compreendido como platôs que se
repetem, diferenciando os movimentos dentro de um esquizodrama.
10
2) REALIDADE/REALTERIDADE E COTIDIANIDADE
Um, seria notar que realidade e realteridade diferem por natureza. Coexistem.
São como duas linhas paralelas, mas que não possuem os mesmos atributos,
nem os mesmos enementos (“n” de elementos ao infinito. Baremblitt, 2010). A
realidade é formal, é extensa e atual, é causal, tem efeitos, se realiza em
quantidades e qualidades, diz-se das afecções, das relações entre corpos, de
forças, dos graus de potência, das ideias de ideias. Essa é uma linha, que
fixada, enquadra e forma a cotidianidade que resulta em consciência alienada
ou limitada. A outra, enquanto realteridade é virtual, se compõe de
singularidades, intensidades, diferenças puras que individuam, dramatizam,
diferenciam e, assim, atualizam. Aqui não se trata da consciência, mas do
inconsciente onde se dá a mudança, surge o novo, o revolucionário, a
11
produção desejante. O que implicará na formação de outra consciência ou
regime de conscientização.
12
a anti-produção, que instaura o medo e a reatividade, formando, segundo Nietzsche,
a má consciência ou as relações de tristeza, na perspectiva de Spinoza.
A realidade é uma ideia formal, mas tem sua circunstância virtual. A realidade
é como uma cena que tem seu cenário virtual. Toda realidade se produz e se mostra
em sua realteridade. Porém, o que muda são as formas de preponderância ou
dominância nas relações entre realidade e realteridade. Nesse sentido, a relação
entre realidade e cotidianidade alienada é um recorte psicológico da relação
ontológica de realidade e realteridade. Por isso, dizemos que a cotidianidade
limitante, restritiva, representativa, tende a impedir a produção desejante, a
atualização. Isso se faz, seja para criar estoques, seja para imprimir sujeições.
Mentalidades ou consciências alienadas são resultantes desses tipos de montagens.
Problematizar as relações entre realidade e realteridade e realidade e cotidianidade,
nos remetem a um tipo de intervenção Klínica, que vamos chamar de Despertar nas
Paixões. Veremos isso mais adiante.
3
Estamos realizando um paralelo que mostraremos a seguir entre ideia objetiva, representação, ideia
formal, as coisas em si mesmas, de modo que as misturas entre corpos e ideias formam um
movimento de passagem de um estado a outro, onde surgem os afetos intensivos. Assim, a
realteridade corresponde ao afeto ou fenômenos de passagens, a ideia formal a realidade e a ideia
objetiva, a cotidianidade.
14
era desconhecido. Nunca tínhamos experimentado passar por ali. Como nosso
corpo é afetado? Que relações de pensamento nos ocorre? Entre tantas
possibilidades, duas coisas, ao menos, podem acontecer: Ou, nos colocamos
assustados e passamos a enquadrar tudo. Buscar o cotidiano em tudo. Nos situando
a partir das semelhanças, das igualdades que se mostram e nos estabilizam
afetivamente, reduzindo o medo, acalentando a insegurança. Assim, estamos
imprimindo a cotidianidade como modelo de exploração, de entendimento, de
relação. Aqui, nossa consciência está formada no modo de reprodução ou anti-
produção, procedimentos limitantes e repulsivos de tudo que não pode ser
enquadrado ou capturado.
Andamos por entre coisas, corpos e ideias. Se coisas e ideias puderem ser
compreendidas como corpos, poderíamos dizer: nos movemos ou repousamos entre
corpos. Se as relações entre coisas, corpos e ideias são decodificadas por
esquemas habituais, por semelhanças, analogias, representações, vivemos pouco o
encontro, o passeio. Teremos falsas alegrias, já que só sentiremos prazer quando
encontrarmos algo igual, esperado, previsto, enquadrado, fixado, modelado a uma
forma padrão de coisas, corpos e ideias. Diferente se andarmos curiosos. Atento as
pequenas mudanças. As formas mais particulares. Os esquemas menos
conhecidos. Estaremos mais abertos para aprender e sentir o novo nos atualizando.
Não se trata de erudição. De inteligência. De sofisticação. Mas, da simplicidade de
acolher o imprevisto, o improvável, o revolucionário.
15
Dizíamos que enquanto a realidade se atualiza nas suas relações com a
realteridade, a realidade se realiza com suas relações com a cotidianidade.
Suponhamos que agora aquele lugar ali nos seja familiar, já vivemos tempos
diversos e repetidamente, que nos sentimos habituados com esse ali. O que
aconteceu? Duas coisas ao menos: ou conseguimos eliminar tudo que seja novo e
traçamos uma única linha (molar) pelo qual apreendemos e conhecemos a vida que
ali acontece. Fixando-as, limitando-as. O que quer dizer que não conhecemos o
lugar, mas que tornamos o ali num lugar já conhecido. Enquadramos. Regime da
reprodução e anti-produção. Ou, formaremos uma nova cotidianidade. Mas, nesse
caso nós também não seremos os mesmos. Pois, essa cotidianidade se deu pelas
composições de relações em que nós fomos ativos em buscar compreender o como
nos afetam as coisas, os corpos e as ideias que ali se expressam. Observamos que
não se trata da mesma cotidianidade. Nem formam a mesma consciência. Outra
consciência, agora implicada por escolhas, por opção participativa. Por composição
ativa. Por atualizações criativas.
16
por hábitos, bom senso, senso comum, no qual se perde o acesso a realteridade e
com isso ignoramos ou resistimos aos processos de atualização. Realizamos o
enquadramento e perdemos as singularidades de produção. Disso resulta a
consciência alienada, reativa, ressentida. Diferente é quando a vida se renova ao
abrirmo-nos para a realidade, levando em conta as singularidades, as individuações,
as dramatizações e as diferenciações, dando abertura para o devir atualização.
17
3) DESPERTAR NAS PAIXÕES: pontos de uma cartografia spinozista
Partiremos das seguintes questões: O que são ideias? O que são paixões? O
que é afeto? O que diferencia a ideia do afeto? O que diferencia ideia-paixão de
ideia-noção comum? Como tais conceitos podem nos ajudar a pensar a Klínica do
Despertar nas Paixões?
Deleuze nota que não dá para sentir sem uma ideia. Mesmo confusa,
obscura, é necessário uma ideia para fazer surgir o afeto. Com isso mostra que há
uma anterioridade da ideia em relação ao pensamento não representativo, que é o
afeto. Mas, “que o afeto pressupõe a ideia, isto, sobretudo, não quer dizer que ele se
reduz à ideia ou a combinações de ideias” (1978: p.6). Mesmo para querer, amar,
desejar temos que ter uma ideia, vaga pelo menos, mas a representação do objeto
que se quer não se reduz a condição de querer, de amar e desejar, que são afetos,
incorpóreos, intensivos. Veremos que se trata de duas formas de pensamento que
diferem por natureza, embora a ideia seja primeira em relação ao afeto, ela não a
determina. Em outras palavras, a realidade objetiva é anterior a realteridade afetiva,
mas não a determina.
20
O exemplo dado por Deleuze ilustra bem. A ideia da ideia de Deus é diferente
da ideia da ideia de rã. Uma rã se representa extrinsecamente de modo diferente da
representação de Deus. Da mesma forma se pode dizer da ideia como realidade
formal intrínseca de Deus, não tem a mesma ideia intrínseca de rã. Vemos que tanto
extrínseca como intrinsecamente, a ideia de Deus tem um grau de realidade objetiva
e formal mais perfeita, que a ideia de rã. Isso mostra que há diferentes graus de
realidade ou cada realidade é um grau de perfeição.
Se as ideias são o que compõe nossa mente num dado momento, o são
porque estão sempre se sucedendo. Em movimento ou repouso, estamos sempre
alterando a realidade seja do corpo ou no pensamento. É dizer, em nós e nas
coisas, as ideias se sucedem continuamente no extenso9, no espaço. Quer dizer, se
estamos a todo tempo passando de uma ideia a outra, de uma realidade a outra, de
um grau de perfeição a outro, nossa atualidade se revela pelas ideias que se põe.
Isso é importante: para Spinoza, não somos nós que possuímos as ideias, mas as
ideias que em nos se afirmam. Somos “automaton”. Estamos expostos ao extenso,
ao espaço, ao encontro com outros corpos e outras ideias que com o nosso corpo e
nossas ideias se misturam, nos afetam e, assim, podem vir a nos compor, trazendo-
nos a alegria ou pode nos decompor, legando-nos a tristeza.
Mas, de um lado, temos que ter em conta que essas mudanças de estado, de
uma ideia formal a outra, de um modo de afetação a outro, aparece a variação. É
toda nossa vida, nossa existência, que é uma variação continua. De outro, essa
variação continua revela outra superfície que difere em natureza da ideia formal.
Trata-se de uma passagem. Há uma passagem de um estado a outro. Essa
passagem revela a mudança de grau de perfeição ou de realidade. Essa passagem
é temporal, essa passagem é o que define o afeto. O afeto é um acontecer da
duração10. Não se trata mais de forma, mas de intensidade. Daí, Deleuze mostrará,
para Spinoza, nosso corpo, nossa realidade, está sob variação continua11, porque
estamos sempre em movimento ou repouso. Variação de quê? Da força de existir
(vis existendi) ou da potência de agir (potentia agendi).
9
Spinoza Livro II PROPOSIÇÃO VII - A ordem e a conexão das ideias é a mesma que a ordem e a
conexão das coisas. P. 20 ou na PROPOSIÇÃO XIII O objeto da ideia que constitui a Mente humana
é o Corpo, ou, um certo modo da extensão existente em ato, e nada mais. P. 23
10
Spinoza Livro II Explicação V. Duração é a continuação indefinida do existir. P.18.
11
Essa variação contínua que a cotidianidade alienada perde ou nos faz perder. Daí, não
compreendermos o que de fato nos afeta, somo efeitos, sem percepção de causas. Mas, causa em
Spinoza, são as intensidades afetivas e não as ideias formais.
22
Notemos que o afeto ganha uma definição real12 e não mais nominal.
Enquanto definição nominal, afeto dizia ser o modo de pensamento não
representacional. Agora, isso se aprofunda: o afeto é o que efetua a afecções. Que
são os graus de potência de um corpo sobre outro. As afecções são graus de
potências em ato, instantâneo13. Desde então, há uma aumento ou diminuição da
força de existir, da potência de agir, de acordo com os estado pelo quais se passa.
Voltando ao fenômeno de passagem. Vimos que a transição vivida definia o afeto. O
afeto não é de passagem, mas se dá na passagem de um estado a outro. Essa
passagem pode ser favorável ou não. Pode vir a compor ou decompor relações.
Pode aumentar ou diminuir a potência. Serão, igualmente, afetos o que ocorre nas
passagens, seja da diminuição ao aumento ou do aumento à diminuição do grau de
perfeição, de realidade, de potência de agir ou força de existir. Nossas afecções, a
força de um corpo ou de uma ideia sobre nosso corpo e nossas ideias, são sempre
instantâneas. Trata-se de relações diretas com o vivido, com a circunstância, com o
aqui e agora, de cada momento. Daí, para Spinoza no livro II – PROPOSIÇÃO VIII
“O esforço pelo qual cada coisa se esforça por perseverar em seu ser envolve, não
um tempo finito, mas um tempo indefinido.” Isso porque a todo instante estamos
expostos ao acaso dos encontros, onde um novo acontecimento pode fundar uma
nova duração. Segue na PROPOSIÇÃO IX “A Mente se esforça em perseverar no
seu ser por uma duração indefinida, tanto enquanto tem ideias claras e distintas,
como enquanto tem ideias confusas, e ela tem consciência deste esforço.”(p.42). Isso
significa que a cada momento, em cada instante, as afecções instantâneas estão em
ato, são efetivada plenamente, seja com maior ou menor grau de realidade. Isso
caracteriza a condição de variação contínua14.
Notemos que não se trata de uma comparação entre essa ideia que dispomos
no agora e outra que vem depois. Não é uma simples relação do espírito, mas um
12
Deleuze dirá: “chamo a definição real à definição que mostra, ao mesmo tempo que ela define a
coisa, a possibilidade dessa coisa” (Deleuze: 1978: p. 9).
13
Spinoza Livro II - PROPOSIÇÃO XI -A primeira coisa que constitui o ser atual da mente humana é
a ideia de uma coisa singular existindo em ato. P. 23 e no Corolário -Disso se segue que o homem é
constituído de Mente e Corpo e que ele existe tal qual o sentimos. p.24
14
Podemos dizer que a ideia enquanto representa forma a cotidianidade alienada, por se compor de
um menor grau de perfeição, logo, tendem a separar as forças de existir ou a potência de agir, do que
elas podem.
23
acontecer direto em ato. É sempre algo do vivido que muda na realidade formal, que
deixa a condição do que era para ser outra coisa. Nessa mudança, opera-se uma
passagem. Nessa transição entre ideias e corpos, de um estado a outro, aparece o
afeto.
A realidade é formal. Vivida a cada instante. Mas, nossa vida, nosso corpo
está sob uma variação continua. Mudamos, mas não mudamos só de grau de
afecção, senão de afetos ou de natureza afetiva, a cada momento, em cada estados
pelos quais passamos. Em movimento ou repouso, nossa vida muda, nosso poder
de afetar se atualiza, a força de existir se transforma. Quando no encontro as
relações entre realidade de ideias e de corpos, ocorre o aumento de nossa
capacidade de existir ou nossa potencia de agir, estamos em alegria. Ao contrário,
quando no encontro nossa perfeição ou nossa realidade diminui, estamos em estado
de tristeza. Com isso podemos inferir que a cotidianidade alienada é um estado de
tristeza, já que as potência de agir estão separadas do que podem, por fixação,
limitação.
Ate aqui vimos que afeto se diz pela variação da potencia de agir, pela
passagem que muda as relações de forças de existir. Para tanto, notamos que a
noção de ideia, corresponde a um modo de realidade. A ideia objetiva, extrínseca,
se diz inadequado porque resulta de um modo de pensar por representação. E a
24
ideia formal, intrínseca é adequada, já que fala da coisa em si. É o real não
representado, mas vivido, no qual revela-se os graus de perfeição. Por fim, a
passagem, própria a esse segunda realidade composta por ideias formais, mostraria
duas coisas: uma, que as ideias se sucedem, outra, que entre uma ideia e outra algo
muda, há uma variação, onde surge a passagem no qual se nota o aumento ou
diminuição de potências, de realidades ou grau de perfeição. Esse é o afeto.
Finalmente, a composição pode produzir alegrias ou tristezas. Será alegria quando o
encontro de corpos e ideias se tornarem mais potentes, e será tristeza quando um
dos corpos sofrer redução de suas capacidades. O que quer dizer que toda alegria
da testemunho de uma composição feliz e toda tristeza revela uma decomposição
triste.
Agora Deleuze quer nos conduzir a pensar que existem três tipos de ideias
que caracterizariam três tipo de conhecimento, que revelará três tipos de
consciência: as ideias paixões, as ideias noções e as ideias essências. Para esse
monografia, tomaremos mais a passagem das ideias paixões para ideias noções,
como condição para introduzir a Klínica do Despertar nas Paixões.
O Despertar nas Paixões não é a paixão como afeto, mas que das peixões
em certas condições se pode chegar a formar um terceiro: as noções comuns. Como
não se chega as noções comuns sem passar pelas paixões passivas, temos que
supor que há um modo em que as paixões deixam de ser passivas e se tornam
ativas. Esse movimento ativo, alegre, entendemos como um despertar. Despertar,
mas não das paixões, já que não são as paixões que despertam, mas a partir de
paixões alegre é que algo se desperta. Esse despertar é chamado como segundo
nível de conhecimento porque os afetos afetam a si mesmo, dando condições de
apropriação, de aprendizado. Da formação de um outra consciência. Ou, a saída da
cotidianidade alienada e retomada da relação entre realidade e realteridade, na
formação de uma ontologia de vida. Isso não é um caminho, mais uma direção, um
endereçamento seja do corpo, como do pensamento.
15
Vemos isso no AXIOMA I “Todos os corpos ou se movem ou estão em repouso.” E no AXIOMA II
“Cada corpo se move, ora mais lentamente, ora mais rapidamente.” Daí o lema I “Os corpos se
distinguem em razão do movimento e do repouso, da rapidez e da lentidão e não em relação à
substância. P.24
16
Spinoza, Baruch. ÉTICA. Coleção Universidade de bolso. Tradução: Lívio Xavier. Ediouro. Sem
data de publicação. p. 28
26
Poderíamos apresentar uma imagem a título de ilustração: o corpo sente que
a mente pensa, tanto quanto a mente pensa o que o corpo sente, mas não há
determinismo, mas coexistência de duas linhas ao infinito. Seja a linha dos corpos
como extensão, seja a linha do pensamento como duração. Assim, podemos definir,
com Deleuze, que um corpo, segundo Spinoza, se compõe de um conjunto
complexo de relações de movimento e repouso que se estendem ao infinito, sendo
um modo, uma maneira de ser, que possui, por isso, seu poder de afetar e ser
afetado. Como os afetos efetuam as afecções, no movimento de transição vivida, os
corpos se prolongam tanto na extensão onde se realizam, como na duração onde se
atualizam. Entendendo que as relações constitutivas de um corpo, sua composição
singular, se mantém apesar de todas as mudanças acorridas em seus graus ou
níveis de afetação, ao acaso dos encontros. Mudamos, mas não de grau de
potência, mas de intensidade em que se efetuam nossas potência. Daí, alegrias
para os aumentos e tristezas para a redução de intensidade nas composições entre
corpos e ideias.
Como vimos. Os afetos são intensidades que efetuam as potências na
passagem de um estado a outro, seja no nível das ideias ou das relações entre
corpos. Esses conceitos fazem parte da ética para Spinoza, que a defina como uma
ontologia pura, diferente da moral que sempre supõe valores oriundos de ideias
inadequadas de transcendência17. O Uno superior ao ser. Ao contrário. Na ética,
não há nada superior ao Ser, não há hierarquia no plano de imanência. Deleuze
expõe que o Ser, para Spinoza, é a substância infinita18 de Deus. Já nós existentes
somos finitos e mortais, logo nós “no seremos seres, seremos maneira de ser de esa
sustância.19” Um grau de potência, uma relação, um existente, é um modo ou
maneira de ser. Não se trata de essência, mas de grau de potência o que nos
constitui. Enquanto tal, estamos expostos aos acasos dos encontros. Isso se justifica
17
A cotidianidade alienada é compostas por valores transcendentais, de modo que segue a princípios
de competências de sábios ou sacerdotes, que ditam o que é o dever que cada um deve seguir para
realizar suas potências, de acordo com suas essências, numa representação ideal e objetivo de
melhor sociedade possível.
18
Spinosa, Ética, livro I Sobre Deus – Definições: III. Por substância entendo o que é em si e se
concebe por si: isto é, aquilo cujo conceito não precisa do conceito de outra coisa para se formar. P.2
segue-se da definição VI. Por Deus entendo o ser absolutamente infinito, isto é, uma substância
composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita.
19
Deleuze. G “Em Medio de Spinoza” editora Cactus, Buenos Aires, 2° edição, (2008). p.70
27
porque nosso corpo mantém relações ao acaso dos encontros com outros corpos e
ideias que vem de fora. É o lado extrínseco de nossa vida. Nossas relações com o
fora20 relativo, essas que formam em nós essa cotidianidade alienante. Objeto de
nossa intervenção.
E essa maneira de ser se faz em duas linhas, corpo e ideia, extenso e
duração, atual e virtual. De um lado, os diferentes graus de potência dos existentes
atuais e, de outro, a oposição de afetos nos modos de existência virtuais. Há um
paralelismo, um existente que se define por um grau de potência, um corpo, não
aparece sem que o modo de existência, a intensidade, que são as maneiras de
afetar e ser afetado, já estejam aí. Coexistência de duas superfície. Dirá Deleuze:
“Los existentes o los entes son em el desde dos puntos de vista simultáneos, desde
el punto de vista de una oposición cualitativa de los modos de existencia e y desde
el punto de vista de una escala cuantitativa de los existentes. Es enteiramente el
mundo de la inmanencia21”.
Até aqui vemos que a natureza das paixões surge da coexistência de duas
superfícies que são condições de qualquer realidade, seja na forma de extensão
atual, seja no modo de duração virtual22. Mas, a realidade objetiva encontra-se
limitada de acesso a dimensão das intensidades, isso porque se compõe de
representação ou de ideias de ideias. Assim, as natureza das paixões se mostra nas
relações diretas entre os corpos formando realidades. O que nos ensina que
estamos expostos aos acasos dos encontros, já que conhecemos (mesmo que
inadequadamente) as coisas pelas misturas de corpos e de ideias.
20
Baremblitt nos alerta da importância de diferenciarmos o fora relativo, que diz da realidade objetiva,
representacional, extrínseca, do fora absoluto, que se entende ao infinito, sendo mais distante que
todas as distancia e mais próximo que toda a interioridade. É o complexo realidade/realteridade com
suas três superfícies. Nos diz: “ todo dispositivo tem um fora relativo, que é simplesmente seu
exterior, e um fora absoluto (que pode ser-lhe interno e/ ou externo) que nada mais é que sua
realteridade, seu diagrama de forças, sua porção de superfície produtiva desejante” (Baremblitt 2010: p. 44)
21
Deleuze, Gilles Em Medio de Spinosa. Cactus. Série Clases. Buenos Aires 2008. 2° edición.
Classe III Las distinción ética de los existentes. Potencia y afecto. P.72
22
Baremblitt, G. Introdução à Esquizoanálise: coleção esquizoanális e esquizodrama – FGB/IFG –
2010: diz, ao se referir à produção desejante na pragmática universal da esquizoanálise que
“sintetizei suas ideias acerca do que poderíamos chamar de ontologia da realidade (assim, como de
uma realidade outra, a realteridade)”. Remetendo-nos a pensar que a totalidade da realidade se
compõe do complexo realidade/realteriade que se refere a existência de três e não duas, superfícies
imanentes entre si: a superfície produção de produção, a superfície produção de reprodução e anti-
produção e a superfície de produção de consumo/consumação. Isso foi objeto de dialogo no ponto
anterior. p.43
28
Aqui vemos um tipo de consciência, a mais simples, que se definirá por esse
tipo de relação entre corpos e ideias que se chamará, em Spinoza, de paixão. A
paixão é o efeito de um corpo sobre outro corpo. Um corpo apaixonado só conhece
a realidade que lhe sobrevém através das afecções pelos quais passa. Mas, essas
afecções, por serem remetidas a modelos representacionais, não lhe lega as
verdadeiras causas, trazendo ao corpo apaixonado uma consciência alienada. A
consciência alienada conhece a realidade nos limites dos efeitos que outros corpos
ou outras ideias, operam sobre o seu. É um conhecimento primário ou rudimentar.
São três tipos de conhecimento que Deleuze irá depurar da Ética em Spinoza.
No texto, “Spinoza e os Signos” comporá um glossário a respeito dos conceitos da
obra, onde trata do verbete conhecimento, ao qual inicia afirmando que “O
conhecimento não é a operação de um sujeito, mas a afirmação da ideia na alma. –
não somos nós quem afirma ou nega algo de uma coisa, mas é ela própria que em
nós afirma ou nega algo de si mesma.23” Não há distinção entre entendimento e
vontade, porque o conhecimento é auto afirmação da ideia que se coloca à
consistência como causa ou como efeito. O espantoso é que o conhecimento assim
posto, não é o que se adquire, não é o que se domina ou conquista, mas o que nos
23
Deleuze, G. Spinoza e os Signos. RÉS Editora Limitada. Coleção substância. Tradução Abílio
Ferreira. 1970. P.61
29
envolve, o que nos possui. Isso quer dizer que aprender não é algo da ordem de um
exercício intelectual, mas de um esforço (conatus), uma vivência. Implica
experimentações, onde os corpos e ideias se afetam, onde somos atravessados por
movimentos ou forças que nos mudam nosso modo de existir. As ideias, mais que
dizer nos dizem, nos mostram, nos compõe ou decompõe, nos favorecem ou
desfavorecem.
30
assim formado, estabelece relações num movimento de sucessão de imagens
afecções que nos afetam, que nos conduzem, que nos freiam, de tal sorte que
percebemos uma passagem de um estado a outro, tanto nas misturas entre corpos,
como entre ideias. Ainda, compreendemos que o afeto surge nessa transição, nessa
relação entre um estado e outro. Essa passagem que define o afeto, efetua as
afecções paixões. Por isso toda afecção paixão envolve um afeto, mas lembremos
que afeto e afecção são de natureza diferentes. Um diz do espaço outro do tempo,
um fala da extensão outro da duração, um é objetiva outro possibilita a subjetivação,
uma é atual outra virtual.
Por fim, notamos que quando um corpo ou uma ideia, encontra outro corpo ou
outra ideia vinda de fora, do exterior, resulta em relações apaixonadas. Essas
relações apaixonadas são sempre inadequadas, porque não sabemos as causas,
mas só nos ligamos a elas por seus efeitos. Sentimos, mas não conhecemos o que
nos faz sentir, por isso estamos sempre exposto ao acaso dos encontros. Conforme
nos mostra Spinoza no Livro II na PROPOSIÇÃO IV “Uma coisa só pode ser
destruída por uma causa externa.” Ou na PROPOSIÇÃO V “Coisas são de natureza
contrária, isto é, não podem estar no mesmo sujeito, enquanto uma possa destruir a
outra.” Essas relações entre forças contrárias defini a paixão. Como mostra o Escólio
“Vemos que as paixões se referem à Mente enquanto ela tem algo que envolve
negação, ou enquanto é considerada como uma parte da natureza que, por si e sem
as outras, não pode ser percebida de forma clara e distinta.” (Spinoza: p.41).
Do exposto, podemos concluir que as paixões surgem dos encontros entre
corpos, no qual só podemos conhecer ou tomar consciência de seus efeitos. Assim,
destaca-se dois efeitos das misturas de corpos. Duas paixões de base: a alegria e a
tristeza24. Quando nas relações entre corpos, as mistura se fazem de modo que
diminua a capacidade de agir e de expressar, de uma ou do todo de nossas partes
constitutivas, estamos nas paixões tristes. É o regime das tristezas. Ao contrário:
24
Spinoza Livro II – “Vemos que a Mente pode padecer de grandes mudanças e passar ora a uma
perfeição maior, ora a uma perfeição menor. Estas paixões correspondem aos afetos de Alegria e
Tristeza. Por Alegria (Laetitiae) entenderei, no que se segue, uma paixão pela qual a Mente passa a
uma perfeição maior. Por Tristeza (Tristitiae) [entenderei] uma paixão pela qual ela passa a uma
perfeição menor.
31
quando nas misturas ou encontros, as relações aumentam25 a capacidade de agir e
de expressar, estamos nas paixões alegres. É o regime da alegria. Lembremos que
se trata dos afetos, das passagens que envolve as misturas que nos conduzem a
aumentar ou diminuir nossas relações características de ser. Elas podem nos convir
ou não. Isso fará a diferença para compreendermos as condições em que se pode
pensar o Despertar nas Paixões.
Da mesma forma que das paixões alegres, que envolvem nossa mente e
nosso corpo, passamos para o prazer ou contentamento, nas paixões triste que
envolve igualmente a mente e o corpo, podemos evoluímos para a dor ou a
melancolia. Mas, Spinoza faz uma especificação importante ainda nos escólios:
“deve-se notar que o Prazer e a Dor se referem ao homem quando uma de suas
partes é mais afetada do que as demais, ao passo que o Contentamento e a
Melancolia [se referem a ele] quando todas as partes são igualmente
afetadas”(Spinoza: p.43). Mantemos o prazer da alegria mesmo quando temos pequenos
maus estar, ou que estamos com certos constrangimentos que não nos afetam por
inteiro. Nosso corpo se encontra em um estado em que as alegrias preponderam
sobre as partes em que se mostram tristes. Porém, só evoluiremos para algo mais
intenso, quando todas as parte de nosso corpo são tomadas por afetos onde a
alegria nos remete ao contentamento e a dor evolui à melancolia. Mais do que bons
ou maus encontros, a qualidade e sua intensidade positiva fazem a diferença.
Vivemos ativos e alegres ou sucumbimos na dor da tristeza.
Seja como for, se afecções são os estados pelos quais nosso corpo passa
pela ação de outros corpos ou ideias, no qual surge as paixões como efeitos de
afetos que sentimos, quando nos relacionamos com o que vem de fora (relativo).
Nessas condições, sabemos mais dos corpos afetados, do que dos corpos
afetantes. Percebemos as paixões, mas não compreendemos o que sentimos, nem
por que sentimos. Por isso formam, em todos os casos, ideias inadequadas, porque
resultam de misturas, no qual não sabemos as causas26, só sentimos os efeitos de
25
Spinoza, Livro II - PROPOSIÇÃO XI – “A ideia de qualquer coisa que aumenta ou diminui, ajuda
ou limita a potência de agir de nosso Corpo, também aumenta ou diminui, ajuda ou limita a potência
de pensar de nossa Mente.” P. 43
26
Lembremos que Baremblitt nos ensinará que a realidade realiza em torna de relações entre causa
e efeito. Sim! Mas, em Spinoza, nos parece, implica o afeto, as passagens de um estado a outro, o
32
prazer e de dor. Deleuze se reporta aos exemplos de Spinoza a respeito da ação do
sol sobre a argila e a cera. Num caso, a argila endurece com a ação do sol, no outro,
a cera se liquefaz. Duas afecções diferentes de corpos diferentes. Percebemos essa
mudança de estado, essas reações dos corpos, mas não sabemos como, onde, por
quê isso se dá assim, aqui, agora. Sob tais condições se formam nosso primeiro
nível de conhecimento. Por isso nossa consciência inicial é alienada, limitada,
inadequada, porque resultado dos encontros das paixões. Tristes ou alegres as
paixões, como misturas dos corpos, formam conhecimento inadequado por
ignoramos as causas reais do que nos afeta.
Aqui vemos a positividade de Spinoza com sua filosofia prática,
compreendendo a potência de existir e de agir, de pensar e de conhecer, como
caminhos que devem ser trilhados via experimentação. Mas, na prática, o corpo
supera a ideia que se tem dele, daí a questão central em Spinoza “O que pode um
corpo?” Da mesma forma o pensamento, esse vai muito além da consciência que
dele se tem. No dizer de Deleuze:
que dá luz a dimensão outra que não a realidade formal, mas, sim, de uma realteridade intensiva.
Daí, a diferença ser possível de compreensão, se levada em conta essas pequenas reformulações.
33
à ideia de que é consciência”. (Deleuze 1970: p. 64). A consciência tende a se formar no
nível da representação, por isso a consciência é, inicialmente, compostas de ideia
da ideia. Isso forma a cotidianidade alienada que referimos a cima.
Essa outra experiência com o que vem de fora possibilita bons encontros,
alegrias, mesmo alienadas, mas que desvela um núcleo positivo nas ideias
inadequadas da consciência que sofríamos até então, no qual se pensa poder
buscar as experiência das noções comuns. Daí, a consciência se torna um lugar de
passagem de um grau menor a um grau maior de potência. Aumenta nossas forças
de existir. Esse núcleo pode “servir de principio regulador para um conhecimento do
.
inconsciente”(Deleuze 1970: p. 66) Nessa passagem ativa, situamos o movimento que
pode ser lido como Despertar nas Paixões. O terceiro, o ontológico se expressa.
27
Deleuze, Gilles. Em Medio de Spinosa. Cactus. Série CLases. Buenos Aires 2008. 2° edición.
Classe VII - Las pertenencias de la essência. p.244.
34
Avancemos um pouco mais. Deleuze se interroga: como chegarmos as ideias
adequadas se nós, naturalmente, somos determinados pelas ideias inadequadas?
Aqui se forma outro tipo de conhecimento, de segundo nível, por isso essa “forma da
ideia não se procura do lado duma consciência psicológica, mas do lado de uma
potência lógica que ultrapassa a consciência.” (Deleuze 1970: p. 87) . Desde então, a ideia
deixa de representar para se tornar em conteúdo expressivo, no qual a ideia reenvia
a outra ideias, no modo formal e material, no qual reúnem-se “na autonomia do
atributo pensamento e no automatismo da mente que pensa”. Isso mostra que se as
ideias adequadas resultam da potência de compreender, algo se torna ativo, no qual
somos a própria causa dessa ideia e dos afetos que daí resultam. “Ou melhor, ela
substitui os afetos passivos por afetos ativos que se desprendem da noção
comum...É esse o objetivo do segundo gênero de conhecimento” (Deleuze 1970: p. 66).
28
Deleuze, Gilles. Em Medio de Spinosa. Cactus. Série CLases. Buenos Aires 2008. 2° edición.
Classe VII - Las pertenencias de la essência. p.245
35
Os afetos ativos do segundo nível de conhecimento são os que possibilitam a
duplicação ou a substituição de afetos passivos, correspondentes ao primeiro nível
de conhecimento, o que nos remete a pensar essa passagem como um Despertar
nas Paixões. Diz Deleuze, (1970, p. 63):
“quando encontramos corpos que convêm com o nosso, não temos ainda a ideia
adequada desses outros corpos, nem mesmo de nós mesmo, mas sentimos
paixões alegres (aumento de nossa potência de agir) que pertencem ainda ao
primeiro gênero, mas que nos induzem a ter a ideia adequada do que é comum
entre tais corpos e o nosso. Por outro lado, a noção comum, em si mesma,
estabelece harmonias complexas com as imagens confusas do primeiro nível, e
29
apóia-se em certos traços da imaginação. ”.
29
Deleuze, Gilles. Espinosa e os signos. RÈS editota limitada. Coleção substância. 1970. P.63
36
“Quando a Mente imagina coisas que diminuem ou limitam a potência de agir do
Corpo, ela se esforça, na medida em que pode, em recordar coisas que lhes
excluam a existência”. Seguida do escólio: “Disso entendemos claramente o que são
o Amor (Amor) e o Ódio (Odium)”. Pois “o Amor é a Alegria concomitante à ideia de
uma causa externa e o Ódio é uma tristeza concomitante à ideia de uma causa
externa”. Ainda “Vemos que quem ama se esforça necessariamente por ter presente
e conservar aquilo que ama e, ao contrário, quem odeia se esforça por se afastar ou
destruir aquilo que odeia.” (p.44).
Assim, compreendemos como nossa potência é reduzida pelas relações que
não nós convém. Algo em nós se endurece, petrifica, como um estado de tensão, e
nos mobiliza para que passemos a investir nas forças negativas que nos decompõe
para buscar sobrepô-la, reduzir a dor ou impedir que nos destrua por completo, nos
jogando na melancolia. Deleuze lembrará que a tristeza é arma dos impotentes,
esses que tomam o poder. Daí a cotidianidade alienada, ser o exercício de poder
sobre corpos e ideias. Como o homem do ressentimento e da má consciência de
Nietzsche, os senhores do poder precisam injetar a tristeza para reinar sobre
escravos e os escravos, por suas vez, precisa do regime de diminuição de potência:
“arrependa-se, odeie alguém, se não tiver ninguém para odiar, odeie-se a si
mesmo”(Deleuze: 1980: 64)
Já na alegria tudo é diferente. Dirá “porque quando as relações se compõem,
as duas coisas cujas as relações se compõem, formam um individuo superior, um
terceiro individuo que engloba e as toma como partes.”(Deleuze: 1980: 63). Mais adiante
ele fala de que Nietzsche é spinozista nesse ponto, já que para ambos o que importa
é o aumento da potência: “aumentar sua potência é precisamente compor as
relações tais que a coisa e eu, que compomos as relações, não somos mais que
duas subindividualidades de um novo individuo, um novo individuo formidável”
(Deleuze: 1980: 63).
37
são ainda tristezas, dores, senão caminho para a melancolia. Isso é o
compensatório do vivente medíocre, a vingança, a correção, a doutrina, a
adequação, o condicionamento, a adaptação.
Há, ainda, um terceiro nível da captação das essências, um conhecimento
mais profundo, que fala da beatitude, “lo definirá como la coexistência – pero interior
– de três ideas: la ideia de mi, la ideia del mundo e la ideia de Dios30”, mas agora já
implica outra paisagem, muito mais complexa. Penso que o Despertar nas Paixões
pode se comprometer com as passagens do primeiro nível de conhecimento para
um segundo, das paixões para as noções comuns, das misturas inadequadas à
formação do individuo terceiro, onde não se trata mais das misturas entre corpos e
ideias que vem de fora, de afetos paixões, mas das potências implicadas nas
relações entre forças que se compõe, que se convém, que se acrescentam, que
constituem uma abertura ou oportunidade, para compor uma nova consciência. As
noções comuns. Experimentar o devir, mas num nível ainda de desconstrução,
demolição, raspagem das tristezas e das dores, antes que essas tomem todo um
individuo ou grupo, levando a decomposição geral, na melancolia.
Claro que é possível pensar a imersão nas relações ativas das noções
comuns, de modo a avançar até as essências, as cousas sui, em si mesmo, dando
espaço para a criação, a inovação, mas isso já é outra pesquisa que aguarda nova
oportunidade.
Para o momento, fiquemos nesse contexto. Cabe agora pensar como o
Despertar nas Paixões pode ser tratado como uma Klínica com K. Depois intuir, sem
aprofundar, como o dispositivo do esquizodrama se mostra adequado para essa
prática.
30
Deleuze, Gilles. Em Medio de Spinosa. Cactus. Série CLases. Buenos Aires 2008. 2° edición.
Classe VII - Las pertenencias de la essência. p.245
38
4) AS KLÍNICAS COM K: Um Horizonte para a Prática do Despertar nas Paixões.
Ate aqui buscamos mostrar que é possível pensar uma prática com o contexto
Despertar nas Paixões. Sabendo que Despertar nas Paixões se refere a dois
movimentos de passagem: um que é diferenciar as paixões e nessas as alegrias e
tristezas, afirmando o encontro alegre, de composição, que aumenta a capacidade
de agir e expressar dos envolvidos; outro, partir das paixões alegres, ainda
compostas por encontros inadequados, porque limitados aos efeitos, avançar com
estratégias interventivas, no caso o esquizodrama, para a formação do terceiro, que
é a noção comum. Como isso se supõe não só a passagem de um primeiro a um
segundo nível de conhecimento, mas aposta-se na mudança de uma consciência
alienada para uma relação mais construtiva e afirmativa, na relação entre realidade
e novos modos de vida.
Disso decorre que devemos trabalhar a noção de Despertar nas Paixões
como uma Klínica com K, entendendo que não são as paixões o alvo do trabalho,
mas a intensificação afetiva dos corpos e ideias, que possibilita o dispositivo
esquizodrama, onde surge as passagens do devir e da atualização. Cabe nos inserir
dentro do que o prof. Gregorio Baremblitt chama de Klínica com K, depois descrever
traços do que seja o esquizodrama, buscando apresentar um diagrama de uma
prática possível, dentro da intervenção que chamamos de Despertar nas Paixões.
No livro “ Introdução a Esquizoanálise”, prof. Gregorio Baremblitt dispõe um
capitulo que vai tratar “As klínicas Esquizoanalíticas”. O texto afeta. Apresenta uma
posição ético-político-estética de pensar as Klínicas e nelas, surge algo do que
seriam as práxis da esquizoanálise. Sempre multiplicitárias, complexas e singulares.
Iniciaremos por esse texto e depois saltaremos para artigos inéditos, que fazem
parte do livro em construção sobre Esquizodrama, como material de circulação
interna da Fundação Gregório Baremblitt31.
31
Curso de Lato Sensu Análise Institucional, Esquizoanálise e Esquizodrama: Clínica de Indivíduos,
Grupos, Organizações e Redes Sociais, ministrado pela Fundação Gregório Baremblitt de Minas
Gerais, em parceria com a Fundação Educacional Lucas Machado - Faculdade de Ciências Médicas
de Minas Gerais – 2009 -2011.
39
O artigo “As klínicas Esquizoanalíticas”, inicia por colocar um problema antigo
a psicanálise, porém, redirecionado. Agora, fala das condições em que se coloca o
transmissibilidade de saberes e modos de fazeres, em relação a esquizoanálise. É
possível transmitir a esquizoanálise? É possível ensinar um saber fazer? A
esquizoanálise não estaria mais próxima de uma prática com relação aos diferentes
modos de vida? Como a esquizoanálise, aberta a diferença e a repetição da
diferença como atualização, pode entregar toda sua condição multiciplitária, seu
funcionamento rizomático, aos limites de uma visão específica? Como separar a
obra de Deleuze e Guattari de suas infinitas possibilidades de construção e
composição, que são as condição da própria apreensão e da compreensão da obra?
Seja como for, o prof. Gregorio Baremblitt opta por vislumbrar um horizonte
surpreendente, que seria o de perceber como uma obra rizomática, passaria a vir a
ter a necessidade de que indique um certo passo-a-passo. Desses que informam um
início, seguido de uma continuidade, que recobriria toda a obra, com apenas uma
linha. Vamos por aqui, depois ali, assim chegamos lá e depois acolá, e assim até um
suposto fim. Será que tal procedimento não poderia vir a se tornar uma
generalização, como se um modo de apreensão sobrepusesse as outras leituras
possíveis? Com isso será que não romper-se-ia com a realidade da obra, seu
funcionamento cartográfico? A autonomia de cada platô? A multiplicidades que
reúne cada capitulo? A indiferença de início ou de um fim? O que aparece é a
insistência em mostrar que as relações na diferença são sempre diferenciais,
positivas e afirmativas, por isso a criação, o novo, a atualização, são condições que
fazem o texto funcionar como uma máquina de produção desejante. Não uma, mas
“n” leituras. Composições, acessos e criações livres!
Baremblitt partirá do fato de que diversos formas de pesquisas, em diferentes
campos, como na filosofia, na ciências, na sociológica, na psicologia, na história, etc.
vamos encontrar fortes segmentos que dialogam com os textos de Deleuze/Guattari,
para pensar sua disciplina ou compor suas pesquisas. Mas, o risco é que uma leitura
muito especializada pode querer se outorgar definitiva, sobre toda a complexidade
da proposta da esquizoanálise. Nessa hipótese, Baremblitt busca nos mostrar que o
risco de uma tal tentativa - captar a esquizoanálise através de um ponto de vista
muito especifico -, ligados a uma forma de produção de pensamento - por mais
40
sistematizada que venha a ser - , não deve vir a autorizar a ninguém a dizer que
disse tudo da obra de Deleuze e Guattari. Por quê? simplesmente porque não tem
um tudo para ser dito, mas máquinas e mais máquinas, ferramentas e mais
ferramentas, para intervir em formas de dominação, em condições reprodutivas e
anti-produtivas, que caracterizam a subjetividade preponderante num mundo
globalizado pela lógica do capitalismo mundial integrado, que, por sua vez, opera um
rebatimento das produções sociais sobre as produções desejantes, a ponto de fazer
das produções desejantes separarem-se do que podem. A cotidianidade alienada é
um exemplo. Essa separação das forças que compõe uma singularidade ou
coletividade (individual, de grupo ou institucionais), são objetos de klínicas, no qual a
esquizoanálise propõe duas tarefas: um negativa de raspagem, de destruição, outra,
positiva, de agenciamento de criação e inovações.
De fato, cada leitura é uma aventura que acontece de atualizar no momento
em que se realiza. São recursos que “que podem ser utilizadas sem sistematicidade
alguma, por partes ou por totalizações, aleatórias, por quem queira e possa fazê-las”
(Baremblitt 2010: p. 45). Sempre impar e aberta. Mas, do ponto de vista em que o prof.
Baremblitt se coloca, em relação aos diferentes propostas de diálogos (de diversos
segmentos de pesquisa), de um lado, dão provas de que o saber e o fazer em
esquizoanálise, revela-se como uma obra rizomática, mas, de outro, o que se torna
inconveniente, são certas insistências em “leituras feitas desde um ponto de vista
muito específico” (2010:p.103) levadas ao imaginário mercadológico de que é
definitiva ou melhor ou mais adequada. Ao contrário, instiga, que cada um, em sua
incursão sobre a esquizoanálise “dê à sua cartografia o nome que lhe pareça mais
original e expressivo, já que terão percorrido sempre itinerários únicos e não
repetíveis” (2010:p.103). Dessa afirmação nos aventuramos a pensar o Despertar
nas Paixões.
Para captar essa condição rizomática da esquizoanálise, que conecta com
tudo, há como que uma exigência de que se atenha a ela por ela mesma “Não sair
da esquizoanálise mesma”. (2010: p.103). Mas, isso não é algo próprio da
esquizoanálise, mas de todo seu modo de colocar os problemas que lhe concernem,
da leitura das linhas cartográficas de forças atuantes na realidade/realteridade, no
movimento ativo de captar os micros acontecimentos, de viver as forças e as
41
intensidades do que nos afeta e de como afetamos. De toda a sorte, o professor nos
lembra que na viagem a esquizoanálise, na obra de Deleuze e Guattari, é inevitável
a passagem pelos dois tomos da obra “Capitalismo e Esquizofrenia”, Anti-Édipo e
Mil Platô. Nesses textos platôs, teremos a materialidade do que se constituirá em
klínicas cruciais.
Mas, como pensar em klínicas cruciais, dando alguma preferência ou
propondo predominâncias, num contexto esquizoanalítico em que o funcionamento é
rizomático, em que não há limites externos, onde os enementos são intensidades,
afetos, que não aparecem sem que a natureza dos corpos e ideias envolvidas,
mudem de natureza? Responde Baremblitt32:
“denominamos Klínicas cruciais, apenas porque, afins perseguido pelo
esquizodrama, elas configuram uma espécie de área de concretação móveis.
Passar por elas, escolhendo uma cartografia que transite, não é em absoluto uma
obrigatoriedade, mas nossa experiência nos tem mostrado que elas são, na nossa
maneira de encarar o esquizodrama, especialmente permeáveis, transitáveis e
conectivas com outras.” (Baremblitt 2011: p. 6).
32
Texto inédito do livro em construção sobre o esquizodrama, disponível aos alunos do curso de pós
da Fundação Gregorio Baremblitt.
42
Exemplos das Klínicas cruciais, essas que nos remetem diretamente ao complexo
realidade/realteridade, são: Klínica do Caos, Caosmo e Cosmo, Klínica da Ordem e
Desordem, Klínica da Diferença e Repetição, Klínica do Corpo sem Orgão, Klínica
do Acontecimento-devir e klínica da rostidade. Se notarmos, por cima, observamos
que o entrelaçamento dessas Klínicas nos remetem a uma máquina de
intensificação ontológica, onde a imanência ou a variação continua, no qual brota os
afetos, encontram a oportunidade de atualizar os acontecimentos-sentidos,
colocando os corpos e ideias em puro devir.
Isso quer dizer: uma Klínica é algo que se constrói, se monta com
ferramentas que devem servir para realizar um modo de intervenção. Nunca
repetível, mesmo que certas ferramentas sejam novamente usadas, o dinamismo e
a dramatização, nunca serão os mesmos. Cada acontecimento conserva sua
especificidade, sua originalidade, sua condição de ser não repetível. Por isso, o texto
fala no plural: klínicas esquizoanalíticas ou esquizodramáticas.
Detalhando mais. No texto encontramos as diversas nomenclaturas que
aparecem referindo a esquizoanálise ou a pragmática universal. O autor nos relata
a existência de outros nomes como, “ecosofia, ecopráxis, micropolítica, uma cura,
uma vida”(2010: p. 107), que aparecem com a mesma intensidade designativa de
esquizoanálise. Frente a diversidade e pluralidade de modos de expressão que esse
“esquizoema33” esquizoanálise assume, no decorrer dos textos de Deleuze Guattari,
Baremblitt propõe que se leia esquizoanálise como acontecimento, na condição de
nome próprio, uma hecceidade, que pode ser expresso no sentido plural: “Os efeitos
Deleuze Guattari, esquizoanálise, 1968, Paris.”
Notamos aqui, que cada platô, na obra que expõe a esquizoanálise, pode se
tornar uma Klínica. Não é necessário outro platô para compreender e operar a
Klínica em questão. Embora possamos usar mais de uma Klínica, como quem usa
mais de uma ferramenta para efetuar uma intervenção, cada klínica deve ser um
acontecimento que promova relações de forças num processo de intensificação que
33
Em seu texto em memória a Gilles Deleuze, Baremblitt (2010: p. 41) comenta: “Em absoluta
coerência com a ontologia, a gnosiologia, a ética e a estética de Deleuze, tem como valor supremo a
Invenção, tanto de conceitos filosóficos, como e funções científicas, como de variações artísticas e de
saberes espontâneos e da transmutação de uns em outros...denomino a todos esses termos de
esquizoemas.”
43
produz um dinamismo dramatizável, que faz de uma individuação diferenciar-se por
atualização. Sempre uma experiência única, singular e não repetível.
Chega o momento em que nos leva a perguntar, mas porque escrever klínica
com K? Baremblitt34 dirá que Klinica com K está relacionada com dois vocábulos
gregos, que segundo os atomistas, os epicúreos e os estóicos, diz da realidade focal
ou geral, que se constitui de átomos. Esses:
“que caem no vazio segundo trajetória retas. Quando um deles se “desvia” e
entra em colisão com outro, num mínimo de tempo pensável, cria-se um
novo elemento do real, inexistente até o momento, que constitui uma
35
invensão. A esse “desvio” se lhe denomina Klinamen. (Baremblitt: 2011)
34
O texto em que nos referenciamos para essa e outras citações, reporta-se a artigos ou capítulos do
livro Esquizodrama, inédito, que foi gentilmente cedidos pelo prof. Gregório Baremblitt para seus
alunos de pós-graduação no ano de 2011.
35
Baremblitt. G : As Klínicas do Esquizodrama. Texto de circulação interna da Fundação Gregorio
Baremblitt e do Instituto Félix Guattari, capitulo inédito2011).
36
Também encontramos esse modo de referência a Klínica com K, em vários outros capitulo de
Introdução a Esquizoanálise, entre elas Klinamen seria um “desvio produtivos num queda do átomo,
que segundo os atomistas, os epicúreos e os estóicos, gerava um encontro de trajetória que criava o
novo.” E mais adiante, enfatiza que “ Tais Klínicas, que pouco e nada tem a ver como clinos (o
paciente deitado, reclinado, passivo)”, (Baremblitt, 2010: p. 105 e 115).
44
Efeito, dispositivos, são outros modos de referir-se a klinica com K, mas
temos que levar em conta duas coisas importantes:
a) O dinamizador, o esquizoanalista, o esquizodramatista, deve usar-se de
qualquer uma das klínicas já inventadas, como dispositivo ou para produzir
efeitos, podendo e devendo inventar outras tantas que achar necessário ou
que vierem a se formular na singularidade de um encontro; seguindo essa
dica é que estamos propondo a Klínica do Despertar nas Paixões. Ainda:
b) Não é necessário prescindir do verbal, lembrando a lógica psicanalítica que
trabalha a partir do significante; reforça dizendo que o corpo e os artefatos
não lingüísticos são de enorme importância para as efetuações de uma
klínica, a linguagem verbal pode aparecer e deve ser considerada sempre
como um discurso menor, não condicionado, seja para a expressão, como
para possibilitar a produção de sentido, na compreensão de qualquer
acontecimento inusitado da prática klínica.
Para fechar esse ponto, partiremos da ideia de que as klínicas são como
dispositivos que visam promover efeitos de diferenciação, com a produção de
subjetivações inusitadas, aberto ao novo e a criatividade, no qual evoca, para sua
prática, a composição de uma caixa de ferramenta que revela um modo de
intervenção, sempre singular e renovável, com abertura para promover o devir
atualização.
Vimos que as klínicas podem ser encontradas e compreendidas como sendo
presente em cada platô da obra “capitalismo e esquizofrenia”, no qual o prof.
Gregório Baremblitt nos alerta que em cada capitulo é um modo de intervenção,
onde Deleuze e Guattari cumprem com as tarefas ao qual se propõe a
esquizoanálise: as negativas de raspagem, questionamento, demolição das
superfícies de registro e controle, protagonizada, entre outros, pelo Estado e pelo
modelo do capital mundial integrado. Mas, também, as tarefas positivas, que
buscam promover as atualizações, os devires, as singularizações, a emergência do
novo, no qual aponta que não basta só fazer acontecer, devemos reconhecer e
assumir tais acontecimentos como meio de manter a continua passagem do devir
esquizoanalista, nas práticas esquizodramáticas. Daí, se podermos aceitar uma
sugestão do prof. Gregório Baremblitt (2010; p. 107) em relação a prática ético-estético-
45
política, nos diz, “que outra coisa podemos fazer, os klínicos esquizoanalíticos, que
continuar reinventando esse trabalho?”
Conclui esse ponto nos lembrando da beleza e da força agenciadora,
presente em cada platôs e em todas as cartografias proposta pela pragmática
universal. São inúmeras klínicas realizadas por Deleuze e Guattari, em sua
monumental obra “Capitalismo e Esquizofrenia”. Diante delas, nos alerta Baremblitt:
“são capítulos maravilhosos que narram “o que se passou”, mas não o que “está se
passando”, nem o que “está por vir”.(Baremblitt, 2010: p. 107). Há que seguir, pois, como diz
Fernando Pessoa, “navegar é preciso, viver não é preciso”.
Assim exposto, sentimos que há um espaço para uma prática em que a
Klínica Despertar nas Paixões encontra a oportunidade de expressão, buscando
trabalhar os afetos nas passagens propiciada pelas intensificações afetivas do
esquizodrama. Mas, ainda não temos nada que nos ajude a ligar o Despertar nas
Paixões, ao dispositivo dramático proposto por Baremblitt. Tentaremos traçar
algumas noções que marquem esse projeto de intervenção, sem a pretensão
conclusiva ou mesmo definitiva.
46
5) NOÇÕES ELEMENTARES PARA PENSAR O ESQUIZODRAMA
37
Baremblitt, Gregório, DEZ PROPOSIÇÕES DESCARTÁVEIS ACERCA DO ESQUIZODRAMA.
Publicação interna da Fundação Gregório Baremblitt, p.1.
47
realidades que se sucedem no extenso. Mas, nessa sucessão há os encontros entre
corpos e ideias. Nesses encontros, se dá a passagem de um estado a outro: aqui
vemos surgir os afetos. Tais afetos, são resultado da relação direta com a máquina
abstrata de cada participante, seu modo de pensamento, suas relações com os
corpo. Respondendo as suas misturas, suas composições, remete a sua consciência
à circunstância da intervenção, que são as relações em ato dentro da Klínica
proposta. A realidade em plenos movimentos e repousos, compondo a variação
continua, por onde se faz o afeto como intensidade que muda. De fato, as afecções
ou modos de afetação, proposto visam:
48
Parece-nos ser o que o professor Gregório nos ensina, “Favorecer a
atualização de máquinas abstratas virtuais imanentes a tais dispositivos”. Essa
máquina abstrata são os conceitos que são afetos ou melhor, as afecções que
envolve um afeto, numa realidade dada. Com isso passa a “ativar seu diagrama de
forças e constituir o corpo sem órgãos de seu plano de consistência”39. A
esquizodramatização, em seu funcionamento, aparece como abertura ao corpo sem
órgão, ao terceiro, que pode ganhar consistência produtiva, produzindo
realteridades. No dizer do autor, “Denominamos cada uma dessas realteridades
(neologismo proveniente de alter: outra) um inconsciente produtivo, desejante,
revolucionário, bricoleur, cujos componentes têm como nota em comum o fato de
não terem nada em comum40. Os graus de potências como singularidades se
mostram em condições de se compor. Essa composição pode vir a aumentar a
capacidade de agir e de expressar, segundo movimentos de implicação. Esse é um
caminho prático.
39
Idem, p.1
40
Idem, p.1
41
Idem, p.1
49
O esquizodrama pode e deve se propor a produzir a afetação (affectio), não o
afeto. O esquizodrama não é o devir, mas abre-se para o encontro com esse. O
afeto é o que deve aparecer na relação entre, nessa passagem entre um estado e
outro das relações dos corpos que o esquizodrama dispõe. Dramar não é só tramar
nem costurar, nem amarrar. É, também! Porém, antes de tudo, Dramar como
construir uma imagem coletiva e transversal, em que ocorre a evocação de afeto.
Seja ele qual for. Isso porque o esquizodrama não é um todo fechado, mas uma
parte ao lado, junto com outras partes abertas a compor e/ou decompor segundo
modos de afetação. Mas, isso não diz nada da forma ou do modo de ser que esse
afeto vai usar para aparecer. Há uma abertura, algo como um campo de
possibilidades, de revivencência, no qual pode, não necessariamente, surgir o devir
como afeto não representado, mas vivido. Isso, em nossa leitura, é algo do que
pode o esquizodrama. É algo que se espera conquistar, também, com a Klínica do
Despertar nas Paixões.
50
afeto, mas um maneira de promover afetação que contém afeto aberto a passagens.
Criar cenário é criar condições de afetação das cenas. Compor paisagem é pintar
afetos. Apresentar ambientes é fazer vibrar a afetação num movimento em que algo
acontece. O que acontece? O que se dá? é a emergência do afeto. Esse durará seu
tempo, mas uma vez acontecendo, sempre será algo disponível para a memória
evocar através das lembranças. Talvez o esquizodrama não se efetue em função do
imediato, embora seja imediato o que ele possibilita a cada vez que intensifica um
afeto. O dramar é viver e não representar.
Por um lado, vimos que a moral se mostra como um sistema de valor. Para
julgar precisamos de elementos valorativos. Sendo assim, a moral é um sistema de
julgamento, no qual o dever é um valor. Julgamos, valoramos pelo dever. Se o
51
dever é um valor, quem define o que é dever e qual seu valor? Os moralistas, os
sábios... É com esse valor que julgam e que passam a dispor para que cada um de
nós faça seus julgamentos de si e do próximo e do todo. Oh! Impotência de vida!
Injetar a dor e a melancolia como modo de dominação. oh! Tristeza de existir!
A ética difere. Se há um ser, esse é do devir. Nosso corpo, sendo definido por
um grau de potência, numa relação que o caracteriza como um modo de ser, que
existe em si e por si mesmo, como resultado da reunião de muitos outros. As
relações que constituem um corpo são sempre complexas. O corpo se compõem,
interna e externamente, a partir das relações que estabelece, tendo como horizonte
de fundo as relações entre realidade e realteridade. E diferenciando, das relações
entre realidade e cotidianidade alienada. Em relação a relação sob imanência não
há hierarquia. Somos múltiplos de uma substancia única. Somos coletivos,
complexos, plurais e não Uno e Individual. Não somos essência. Somos graus de
potência que pode sofrer aumento ou diminuição da capacidade de expressar e de
agir. Somos maneiras de afetar. Relações de forças. Somos o melhor que podemos
quando estamos sendo, mas podemos ser sempre mais ou menos do que estamos
sendo. Podemos mudar, se atualizar, devir. Na ética, o esquizodrama não julga, não
interpreta, não porque não tenha valores, mas por valorizar todos os valores. Cada
valor no seu grau de potência, sua real importância, sua consistência de ser do
devir.
53
Penso que o esquizodrama tem a possibilidade de promover, através das
intensificações dos afetos, a passagem de um primeiro nível ao segundo nível de
conhecimento. É o que chamamos de Despertar nas Paixões. Propiciar encontros
em que surjam linhas de fugas, enementos de composição de sentido, no dizer do
prof. Baremblitt (2010: p. 7) “Denominamos encontros às sínteses conectivas que
operam, entre os “participantes” de um esquizodrama, processos de afetar e ser
afetado, às “entreações” (neologismo que provém do advérbio entre) e
transmutações ante os efeitos favoráveis que assim se geram”.
Uma coisa é sofrer as transições afetivas, sempre como dor, angustia, medos,
faltas, ansiedades, imposições, sujeições, coerções. Uma passagem que se faz
54
passiva, que significa, redução de potência, de sujeição, de alienação, de
reatividade e de ressentimento, até sua efetiva interiorização, como má consciência
(Nietzsche) ou melancolia (Spinoza).
A noção comum foi o ponto por onde se buscou pensar o Despertar nas
Paixões, que a partir de agora se quer como parte de uma das klínicas do
Esquizodrama. Sendo essa nossa contribuição que responder a tarefa de
monografia, como quesito parcial da formação no pós-graduação do Curso de Lato
Sensu Análise Institucional, esquizoanálise e Esquizodrama: Clínica de Indivíduos,
Grupos, Organizações e Redes Sociais, ministrado pela Fundação Gregório
Baremblitt de Minas Gerais, em parceria com a Fundação Educacional Lucas
Machado - Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – 2009 -2011.
55
6.) BIBLIOGRAFIA
6.1) Baremblitt, G. Introdução à Esquizoanálise: coleção esquizoanális e
esquizodrama – FGB/IFG – 2010
6.2) Baremblitt, Gregório, DEZ PROPOSIÇÕES DESCARTÁVEIS ACERCA
DO ESQUIZODRAMA. Publicação interna da Fundação Gregório
Baremblitt,
6.3) Baremblitt. G : As Klínicas do Esquizodrama. Texto de circulação interna
da Fundação Gregorio Baremblitt e do Instituto Félix Guattari, capitulo
inédito2011).
6.4) Deleuze, Gilles. Espinosa e os signos. RÈS editora limitada. Coleção
substância. 1970.
6.5) Deleuze. G “Em Medio de Spinoza da editora Cactus, Buenos Aires, 2°
edição, (2008).
6.6) Curso de Gilles Deleuze. Tradução Emanuel Angelo da Rocha Fragosoe
Hélio Ribeiro Cardoso Jr.”
6.7) GUATTARI, Félix. Revolução Molecular: pulsações política do desejo,
1985
6.8) Spinoza, Baruch. ÉTICA. Coleção Universidade de bolso. Tradução: Lívio
Xavier. Ediouro.
6.9) Spinoza, Baruch. ÉTICA. Coleção Universidade de bolso. Tradução: Lívio
Xavier. Ediouro. Sem data de publicação.
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ANEXOS
57
Anexo I: KLÍNICA DO DESPERTAR NAS PAIXÕES
1) Tema ao Esquizodrama
1.1) Proposta:
2. Contextualização da Proposta
3. Problematização
A vida de uma pessoa é muito mais que uma unidade. É uma multiplicidade
que sente, que fala, que age, que reprime, que ataca e que se defende. A vida se
mistura com tudo que a atravessa. A vida é interação, é relação, é composição com
42
Não se trata de um intervenção teórica, mas de colocação de um problema prático. Daí a linguagem
responder as condições mais simples de entendimento.
58
outras vidas, com outras forças, com outras intensidades. Ativa ou passiva, a vida é
sempre apaixonada. Seja como for, de amante ou amado, a vida transborda por
todos os lados. Em um indivíduo, em um grupo, com outros ou mesmo consigo
fechado. A vida extravasa, irrompe, atravessa, flui, afeta. Assim, na vida comunitária
o amor tece ou se amortece. Experimentar a diferença do Amor´Tecido na Vida
comunidade é um problema questão da Klínica esquizodramática do Despertar nas
Paixões.
A vida cotidiana não é a rotina. Rotina é o cotidiano sem vida. São os efeitos
das obrigações, das necessidades, das opressões, das repressões, das limitações
reais e imaginárias, que tornam nossa vida amortecida. Mas, a vida cotidiana pode
ser tecida. Essa diz de outra realidade.
O amor tem sua história. Surge, inicialmente, como um tipo de deus: Eros.
Segue desdobrando-se como amor amigo: Filos. Por fim, como amor à vida: Ágape.
Tais pontos e contrapontos nos ajudaram a compor um cenário em que se poderá
intensificar modos de afetação do Amor`tecido na vida comunitária, como
agenciamento de uma Klínica do Despertar nas Paixões.
59
nunca dois mortais poderão ser a parte faltosa da outra. A resposta aparece
na ideia de que o amor sexual é falho, por realizar-se entre duas partes que
não são complementares, mas que vem um ao encontro do outro, para
apaziguar, diminuir a dor da espera. Do verdadeiro amor que não vem, do
Eros como falta, aprendemos que nascemos como parte separadas, numa
vida marcada para dor e sofrimento pela ausência do amor, tanto ao amante
como a amada. Os filhos aparecem como resposta. Se amor entre o amante e
a amada não se faz perfeito, isso não pode ocorrer com a realidade familiar.
“O amor de mãe, o amor de algo que é parte do seu corpo, do seu sangue, da
sua vida, esse sim, pode ser pleno e verdadeiro como Eros”. E vemos que a
ilusão do amor familiar, no sentido de plenitude, acaba por direcionar a perda
ou morte da vida do amor. A mulher se apaga, a criança não cresce, a vida se
mostra enfeitiçada pela angústia, pelo medo da perda, pelo controle, pelo
domínio, pela ausência de autonomia, pela falta de singularidade, pela
tristeza de querer outra coisa que não ser amortecido pela vida aprisionada, a
um amor ilusão de plenitude acabada.
60
(André Comte-Sponville, 1999:175)
Eis que surge o amigo. O filos. Esse não parte da falta. Não responde a uma
ausência. Não completa uma carência. Não inteira nenhuma metade. Filos é
aquele que se aproxima. Que vive em volta. Que contorna, mas nunca se
fecha ou se prende. Está pela composição, não é parte nem todo, mas
inclusão. Não é razão, mas sensação. Não é unidade, mas consentimento.
Amigos são sempre mais de um, dois, três...vários. O amigo não sou eu, nem
é tu, sempre um ele. Quando falamos, falamos em nós. O amigo é mortal. O
amigo é outro, semelhante e diferente, igual e díspare. Próximo e distante. O
amigo é amor, não é amada e nem amante. É criado a cada instante, em
cada momento, com vários elementos, onde o acontecimento resulta de
composição. O amigo é uma construção, uma conjunção e uma manutenção.
Tudo junto, mas cada um como vários, já que ninguém é amigo só de si
mesmo, mas junto a outros. O que seria da vida quando fria, cruel e com dor,
se não fosse o amor do amigo acolhedor? A amizade é o que reuni. Na
família e os estranhos, os conhecidos e os desconhecidos. O amigo sempre é
uma ponte entre aqui e ali, entre você e outros, e nós e eles, entre, no meio,
por caminhos, juntos, eis mais que o amigo, um espaço da amizade. Diferente
de Eros, o filos, o amigo é uma amor tecido em comunidade. Mas, ainda é
humano, só entre humanos e, por vezes, demasiado humano.
Porque o amor nos falta (Eros), porque o amor nos regozija (Filos): ágape
também é um objeto ou um horizonte para Eros e Filos, que proíbe que um e outro
permaneça prisioneiro de si, satisfeito de si, que sempre os obriga.
3) Cronograma
63
dicas, sugestões. Promover um debate sobre o tema e colher o material para
o momento seguinte. (Platô ou terceiro coletivo;
11h – retorno aos subgrupos para compor uma raspagem. (2° Platô ou
terceiro subgrupo. Repetição diferenciante); expressar essa produção;
12h - Encerramento.
64
Anexo II: DIAGRAMA DE MOVIMENTOS POSSÍVEIS NO ESQUIZODRAMA
c) Em cada subgrupo, abre-se o debate a respeito de como tal tema afeta. Cada
um entra com suas singularidades e passam a formar um platô, com as
65
singularidades dos participante no subgrupo. Esse platô pode se compor com
misturas ou com noções comuns. Ainda não é o caso de intervir, mas deixar
expressar como acontece.
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da expressão de cada grupo, agora, há uma parada para realizar uma
compreensão. Isso é uma forma de intensificação.
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Diagrama dos momentos em que ocorre a formação e diferenciação dos platôs ou do
terceiro.
70
Anexo III: CALIFICACIÓN Y COMENTARIOS
Apreciado Profesor:
Pido su licencia para escribir este comentário en español porque sé que para
Ud. eso no será inconveniente, dado que buena parte de la bibliografía citada en
éste trabajo suyo esta inédita y escrita en esa lengua.
Gregorio Baremblitt
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