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TÁ CHOVENDO CEO, Graci Rocha

Capa: Magnifique ♛ Design


Diagramação: Brenda Ripardo
Revisão: Graci Rocha

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes — tangíveis ou
intangíveis — sem autorização por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98,
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Kesha - TiK ToK
Taylor Swift - Bad Blood ft. Kendrick Lamar
Meghan Trainor - All About That Bass
Indila - Dernière Danse
Pink - Fuckin' Perfect
LMFAO ft. Lauren Bennett, GoonRock - Party Rock Anthem
Jennifer Lopez – Papi
Bishop Briggs – Dream
Indila - Parle à ta tête
Raffa Torres - Ferra Minha Vida
Raffa Torres - Culpa Sua
Raffa Torres - Nessas Horas
TONES AND I - DANCE MONKEY
Governors – Is This Love
Dermot Kennedy - Moments Passed
Dermot Kennedy - Power Over Me
Heavy - Linkin Park (feat. Kiiara)
Bryan Behr, Calum Scott - da primeira vez (from the first time)
Johnny Cash – Hurt
Mad Hatter's Daughter - Hurt (Johnny Cash / Nine Inch Nails Cover)
Derek Preston é um babaca arrogante que não tem a menor paciência
com as pessoas, na verdade, ele não gosta de pessoas, ainda mais as que
tentam roubar seu taxi.
Eva Harris é inteligente, atrapalhada e linguaruda. A secretária
executiva passou os últimos anos nutrindo um amor platônico pelo chefe,
mas quando ele anuncia que está de casamento marcado, ela fica muito
arrasada.
Enviada para uma convenção cheia de CEOs, ela se vê em uma
encrenca danada depois de salvar uma velhinha de ser atropelada em uma
noite chuvosa.
Eva acredita que homens bonitos e importantes não se interessam de
verdade por uma garota plus size como ela, mas talvez o destino tenha planos
para ensiná-la a se amar e se enxergar como a linda, criativa e genial mulher
que é, mesmo quando os outros não fazem isso.
Entre fugir de engravatados enfeitiçados e se apaixonar pelo homem
mais rabugento que já conheceu em sua vida, ela vai descobrir que ser quem
ela é, é mais importante do que estar com quem não a merece.
Tá Chovendo CEO é uma comédia romântica sobre aceitação, amor e
perseverança, ah, e também é sobre dar uns amassos no bonitão do quarto ao
lado.
Este é um ROMANCE HOT.
Mais uma coisa, há linguagem imprópria para menores de 18 anos, bem
como descrições do corpo humano e das relações sexuais.
A história foi escrita com técnicas de ficção e de maneira a ser natural e
fluida, então, o que pode soar como erro para alguns, foi, na verdade,
pensado como uma ferramenta para deixar o livro gostoso de ler, respeitando
ao máximo o novo acordo ortográfico e as regras de gramática, mas
permitindo certa liberdade em nome de um texto que a entretenha.

Agora, sim, boa leitura!


Depois do sucesso de “GREEN CARD – Um Magnata em minha
vida” e, também, de “Socorro, o CEO é virgem”, eu praticamente vi minha
vida mudar da água para o vinho. Quem acompanha a minha trajetória sabe
que comecei com os romances, passeei pela fantasia que amo, e voltei aos
HOT, principalmente as comédias românticas, pelas quais sempre fui muito
apaixonada.
Eu sonhava que um dia escreveria essas comédias, mas o medo, o
preconceito, a insegurança (não só minha, mas do meu círculo profissional)
me paralisavam e eu não saía do lugar. Depois de muito ouvir o Polaco
(marido) e a Brenda e a Katy (melhores amigas), eu finalmente dei o primeiro
passo.
Fiz cursos, aprendi a vender meus livros, comecei a ter ideias para
divulgar, enquanto ainda estava dando os primeiros passos. Sabe, eu até já
tinha alguma coisa na linha (“A Esposa do Conde” e “A Violinista”), mas
eram apenas treinos e não tinham bem o estilo que eu queria.
Sabe aquela insegurança que temos quando estamos descobrindo algo
novo? Eu estava dando os primeiros passos no desconhecido, e isso me
assustava pra caramba, e o que me ajudou nesse processo foi ver que outras
autoras estavam conseguindo. Segui várias, mas a mensagem que me marcou
pra valer e me fez seguir com força total, foi de três em especial.
Então este livro eu dedico com todo meu amor às escritoras que mais
tocam meu coração, seja com sua escrita, seus personagens marcantes ou com
a mensagem que passam.
Brenda Ripardo, Kel Costa e Mari Sales, vocês são minhas divas,
minha inspiração e espero um dia fazer por outras autoras o que vocês
fizeram e fazem por mim. Muito obrigada por serem essas maravilindas que
encantam, conquistam e inspiram.
E para as minhas leitoras super fofas que estão me ajudando a trilhar
esse caminho, só digo o seguinte: Obrigada, amo vocês demais!!!!
“Metade do meu coração só quer te ver de novo
E a outra só pensa em você
Não tem nenhum espaço pra eu amar alguém de novo
Em mim só existe você.”
(Nessas horas de Raffa Torres)
São Francisco/ Califórnia

Se a vida fosse exatamente como a gente quer, talvez fosse pior do


que quando tudo acontece sem querer. Pelo menos era o que eu tentava me
convencer até este momento. Parada, com a maior cara de tacho, diante do
meu chefe sexy, gostoso e poderoso, por quem tenho uma paixonite platônica
há três anos. Sim, é totalmente platônica, porque embora eu babe por ele
como um cachorrinho faminto baba por um filé, ele nunca me enxergou.
E agora eu sei por quê.
Não que eu seja o tipo dele, estou totalmente fora dos padrões e agora
está mais claro do que nunca que, Robert Sampson, meu chefe CEO, gosta
justamente do padrão.
A mulher ao lado dele é o completo oposto de mim, loira de nariz
arrebitado, queixo fininho, olhos claros e cabelos lisos sem um único fio fora
do lugar. E o sorriso dela é perfeito, lábios delicados e bem desenhados.
Pra piorar tudo, Lara é bem simpática. Tanto que chega a ser irritante.
Por que é que as mulheres super magras e lindas não podem ser
apenas umas megeras antipáticas? Pelo menos assim ficaria mais fácil odiá-
las.
Odiá-la.
Ela e o maldito anel de diamante que exibe com um sorriso que me
faz remexer no lugar, rangendo os dentes da mais pura inveja.
— Você me ouviu, Eva? — Robert pergunta e eu saio do transe quase
me engasgando de susto.
— Sim, convenção em Miami.
Robert me encara com uma expressão de pena, como se eu fosse
algum tipo de alienígena que não entende o nosso idioma.
— Você vai no meu lugar, porque acabo de ficar noivo e vamos
passar o final de semana nos Hamptons, em Nova York, para contar para as
nossas famílias.
— Entendi. — Trinco os dentes.
Entendi que ele acaba de ficar noivo de uma mulher rica como ele,
linda e super magra, que pode usar qualquer roupa que ainda assim vai ficar
perfeita, ao contrário de mim, que estou dez quilos acima do peso e com
peitos que mais parecem melões, ou seja, camisas fechadas, só se eu não me
importar de me sentir presa à balões.
Entendi que nunca vou ter a chance de amá-lo de verdade ou de ser
amada por ele.
Ele vai se casar.
E eu? Eu vou na porcaria da convenção de empresários do ramo de
segurança bélica e armamentista, ou seja, convenção de CEOs lindos,
babacas e que não enxergam uma garota como eu.

Coloco as minhas roupas na mala como se estivesse enchendo um


saco de soco com muita raiva, ansiando por pendurá-lo e cair matando nas
pancadas.
Olivia, minha melhor amiga e colega de casa, me lança um olhar de
quem não está gostando nada da forma como estou arrumando as coisas,
como se adivinhando tudo que se passa dentro de mim.
— Você sabe que a mala e as roupas não têm culpa de nada, não
sabe?
Bufo, mas não dou qualquer resposta. Afinal de contas, o que eu teria
para dizer? O homem por quem estive apaixonada nos últimos anos da minha
vida está noivo e jamais será capaz de me enxergar.
E eu vou na maldita convenção.
Maldita convenção de CEOs. Malditos CEOs.
Malditos homens!
— Será que você pode parar por um minuto? — Olivia segura minha
mão e me faz olhá-la de frente. — Eu sei que você tá chateada, mas vamos
pensar com calma.
— O que tem pra pensar, Liv? Ele vai se casar e eu vou morrer
sozinha, sem amor. Homens como Robert Sampson não olham pra mulheres
como eu, você sabe disso.
— Não vem com essa, o que eu sei é que você é linda, forte,
linguaruda e cheia de vida. Se o imbecil do seu chefe não viu isso em três
anos, ele que vá á merda.
Começo a rir e deixo que minha melhor amiga me puxe para um
abraço.
— Ele não merece você, Eva. — diz e eu suspiro.
— Eu sei, mas então quem é que me merece? Será que nunca vou
encontrar um cara que realmente me queira.
— Vai, eu sei que sim. — Ela beija minha bochecha. — Vai ser um
cara lindo, carinhoso e com uma paciência infinita.
— Você é quem precisa de um homem com muita paciência, eu sou
um anjinho, super fácil de lidar — retruco séria, mas isso só a faz rir alto.
— Sei.
— Que tal você parar de rir da minha cara e me ajudar com a mala? Já
que tenho que ir naquela porcaria de convenção de CEOs, pelo menos vou
bem-vestida.
— Isso, e vai atacar o frigobar, porque se tem algo que aquele seu
chefe cretino merece é um rombo no bolso.
— E pagar um quarto bom, num hotel bom. — Pisco e ela concorda.
Olivia e eu nos conhecemos desde o primeiro ano na escola, na
verdade, desde o dia em que ela e seus pais se mudaram para a casa ao lado
da minha, nós tínhamos uns seis anos ou menos. Foi um tipo de amor à
primeira vista e, no dia seguinte à sua chegada ao bairro, já éramos
inseparáveis.
Fomos de mãos dadas para o primeiro dia na escola.
Ela era pequena, tinha um cabelão cacheado que ia até quase à cintura
e olhos escuros que reluziam no rosto pequeno. Enquanto eu era a menina
gordinha, com olhos azuis que me destacavam como a mais diferente da
turma. Para piorar, eu sempre gostei de me vestir com brilhos e sempre
escolhia os maiores óculos que encontrasse para combinar com o conjunto.
E por mais que Olivia sempre fosse a menina meiga e linda da nossa
dupla, era também a que sofria bullying por ser do tipo nerd e por usar roupas
que ela mesma pintava com estampas de super-heróis ou com borrões de
tinta, que ela chama até hoje de sua arte de expressão. Enquanto isso, eu era a
que ia para a diretoria por bater nos idiotas que faziam minha melhor amiga
chorar.
Sempre foi assim e provavelmente sempre será. Olivia é a outra
metade da minha alma, a companheira com quem vou envelhecer e contar
memórias dos supostos bons tempos e dos tempos de merda também. E até
quando estivermos gagás, ainda estaremos de mãos dadas.
— No que está pensando? — ela pergunta, empurrando os óculos para
cima do nariz.
— Que tenho sorte de ter você na minha vida. Então se eu não achar
um homem que me ame, fique ciente que você terá de me aturar até na
menopausa.
— E depois também, já disse que vou com você para o mesmo
túmulo. — Ela ri.
— Olha, isso é meio mórbido, mas eu gostei.
— Porque somos duas doidas mórbidas — ela diz e empurra outra vez
os óculos nariz acima.
— Certo, vamos encarar a porcaria da convenção de CEOs. Se você
pode me aturar até depois da morte, eu posso aturar alguns dias em uma
convenção idiota.
— Eu gostaria de ir com você, mas a minha editora me mata se não
entregar o artigo sobre aquele riquinho idiota até o final da semana.
— Riquinho idiota e gostosão — completo com um aceno solene.
— Ainda assim é um riquinho idiota. — Ela range os dentes. —
Nunca mais pego trabalho de meia temporada, o que eu ganho não vale o
desgaste, não vejo a hora desse contrato ridículo acabar e eu pegar um avião e
ir para um sítio arqueológico. Minhas múmias não me enchem o saco.
Olivia se formou em arqueologia, mas até conseguir uma nomeação
como pesquisadora chefe ou pesquisadora efetiva, ainda precisa pegar uns
contratos de trabalho temporário quando está na cidade.
Ano passado ela trabalhou em uma loja de perfumes, vivia com
sinusite, por isso esse ano decidiu arriscar uma vaga para uma coluna de
fofocas em uma revista conhecida, acabou conseguindo o trabalho e
descobrindo que odeia celebridades e fofocas.
— Então, você pode se demitir e vir comigo. Os CEOs não me
enxergam, mas não quer dizer que nós duas não podemos enxergá-los e babar
um pouco.
Olivia suspira e estala a língua.
— Prometa uma coisa, quando você não estiver naquelas palestras e
apresentações chatas, você vai se divertir.
— Claro, como se fosse possível. — Cruzo os braços sobre o peito,
lembrando do anel de diamante e do sorriso de Lara Jensen, a noiva do
Robert.
— Chega Eva, não aguento mais seu mau-humor. Aquele seu chefe
idiota e abusado não merece que você fique sofrendo. Você vai se divertir ou
vai ter que lavar a louça pelo resto da vida. E acredite, eu vou saber se tentar
me enganar.
— Certo, certo, mandona. Vou me divertir.
— Ótimo, agora eu vou arrumar essa mala, porque você fez uma
bagunça.
Los Angeles/ Califórnia

— Eu odeio você! — esbravejo, porque é exatamente isso que sinto


nesse momento. — Odeio quando faz essas coisas.
James, meu único amigo e agente, me lança um olhar que deixa bem
claro que ele não acredita em nada do que estou dizendo, ou que não se
importa. Provavelmente as duas coisas.
— Se eu não marcar esses eventos quem é que vai fazer isso? Você?
— ele retruca, afrouxando o nó da gravata, seu olhar astuto me diz que ele
não se importa com o fato de as reuniões que sempre fazemos quase sempre
acabam comigo o mandando à merda.
— Ninguém — respondo com rispidez.
— Olha, nós somos amigos há muitos anos e Deus sabe o quanto eu
sou paciente com esse seu temperamento azedo, Derek, mas como seu
agente, meu papel é zelar por sua carreira e isso significa...
— Significa me obrigar a ir em eventos idiotas com gente cretina que
pensa que sabe tudo sobre mim, quando na verdade não faz ideia de quem eu
sou.
— Exato. — Ele dá de ombros, reclinando a cadeira para trás,
satisfeito.
— Droga — resmungo e meu agente ri.
— Agora me diga uma coisa: que porra de ideia foi essa de voltar a
morar em São Francisco?
Bufo e olho os arredores.
O escritório de James é arrojado, com uma parede de pedras de um
lado e uma vista de Los Angeles que deixaria qualquer aspirante a famoso de
queixo caído às suas costas.
Com móveis de alguma marca importante e um estilo minimalista, o
lugar é uma mistura de tons discretos e requintados. Mas não se engane, o
luxo e a frieza do escritório não dizem nada a respeito da personalidade do
meu agente. Ele é uma fera e graças ao seu talento como agente, eu me tornei
um roteirista de sucesso ainda jovem.
Para um garoto cujas raízes são as ruas de São Francisco, não posso
deixar de ser grato por tudo o que ele fez por mim.

É claro que trabalhei duro, começando em salas de roteiristas[1] e


ganhando uma ninharia, para ter o que comer enquanto escrevia roteiros e
mais roteiros, aprendendo o que podia sem poder sequer abrir a boca. Mesmo
quando tinha certeza de que as decisões da sala eram, no mínimo, clichês da
pior espécie.
Enquanto ia aprendendo com nomes de peso do cinema e das séries,
também ia escrevendo pilotos, sinopses, argumentos, criando bíblias de
séries[2] e treinando tanto quanto possível. Foi a época em que mais li
roteiros, livros de técnica e coisas aleatórias também.
Assim que aprendi a estrutura e compreendi o que eu queria fazer e
aonde queria chegar, comecei a participar dos mais importantes concursos de
roteiros do país. Por vezes, precisei decidir entre pagar uma taxa de inscrição
e comprar comida para a semana, ou seja, passei muitos dias comendo pão
seco e tomando água da torneira. Uma vez até fiquei sem luz...
James esteve lá em todos os momentos, apoiando, me ajudando com
as inscrições e abrindo portas em salas de roteiro que provavelmente nunca
aceitariam um João Ninguém como eu. Então, por mais que eu o odeie nesse
momento, isso vai passar.
Nós crescemos juntos no ramo e, enquanto ele passou a encher seu
catálogo de roteiristas e escritores talentosos, eu comecei a acumular prêmios
e me tornei uma pessoa de interesse.
Tudo ia bem até agora. Já ganhei dinheiro o bastante para duas ou três
vidas, prêmios que guardo em uma caixa no sótão e ajudei instituições
suficientes para me tornar embaixador de alguma sigla de apoio humanitário.
Mas tudo mudou, porque eu tinha que ganhar a porcaria de um Oscar de
melhor roteiro original.
Por que é que tinham que me dar aquela maldita estatueta?
Até esse prêmio sair eu conseguia sair nas ruas de Los Angeles sem
um monte de gente me enfiando diante dos olhos seus roteiros que eu jamais
vou ler para não ser acusado de plágio, e por não ser a porra de um agente.
— Porque estava insuportável andar nas ruas, as pessoas não me dão
sossego — reclamo e James sacode a cabeça de um lado para o outro. — A
cada passo que eu dou alguém tenta me fazer ler o melhor roteiro da minha
vida.
Meu agente ri, sabendo que mesmo para ele as coisas ficaram mais
agitadas depois que eu ganhei o Oscar. Queria nunca ter ido lá pegar o
prêmio, nunca ter escrito aquele roteiro.
— Você mereceu o prêmio, foi um grande filme, você mereceu cada
um dos que recebeu ao longo dos anos — ele diz, mas eu não respondo. —
Agora tem mais, fica difícil pegar outros contratos com você em São
Francisco.
— Duvido muito — digo, levantando da cadeira. — Pra que me serve
a porra de um Oscar se não puder morar em qualquer lugar do estado?
Qualquer lugar do país...
— Mas precisava ser em São Francisco?
— Eu cresci lá — rebato.
— Tudo bem, senhor espertinho, more onde quiser, mas se acostume
a ficar passeando de avião, porque vai continuar chovendo ofertas para
eventos e trabalhos. Todo mundo quer um vencedor do Oscar como roteirista
principal de algum novo grande sucesso de Hollywood.
Rimos os dois.
— Agora eu sou escritor de livros, lembra?
— Sei. — James cruza os braços sobre o peito. — Até quando você
tiver outra ideia para um roteiro incrível...
— Bom, tem apenas algumas semanas que o livro saiu e já estamos
em primeiro, talvez eu me torne um escritor em tempo integral.
— E viver em leituras e lançamentos? Eu gostaria de ver isso.
— Merda! Eu gostava mais quando ninguém dava bola para quem eu
era.
— Eu sei, e é por isso que você vai para Miami. As pessoas querem
conhecer o autor mais vendido do momento, e o roteirista que ganhou o
Oscar.
— Nãooooo! — resmungo num quase choramingo, que seria
vergonhoso se eu não estivesse desesperado para fazê-lo mudar de ideia.
— Não importa a carreira que você escolher, as pessoas sempre vão
querer ver essa sua cara de coitado. — James se levanta da cadeira e vai até o
aparador se servir de uma dose de whisky.
— Eu posso me aposentar.
— E vai fazer o quê? Pescar? Não, espere, você vai ser um daqueles
velhos com gatos, plantas e livros por toda a casa, que não atende a porta e
fura a bola das criancinhas só por ser um cara mau. Você não vai acabar com
sua carreira só porque não gosta de pessoas.
— Pessoas e amor, não se esqueça — roubo o whisky que ele acaba
de servir e tomo um gole grande. — Tudo bem, vou na porcaria do seminário
de carreira, na apresentação e tudo mais, mas nunca mais me peça nada.

— Pode esquecer, já agendei três programas e um morning show[3].


— Eu odeio mesmo você.
Miami/ Flórida

Cruzo a porta externa do aeroporto internacional de Miami e uma


onda de calor me esbofeteia o rosto e me envolve numa aura sufocante. Olho
para o casaco do terno pendurado no meu braço e sinto as gotas de suor
brotarem rápidas nas minhas costas, me arrependendo imediatamente de ter
me vestido com tanta formalidade.
Quem é que não sabe que Miami, mesmo no final do verão, ainda é
quente pra caramba?
Aparentemente eu não sei.
As pessoas passam por mim apressadas, entrando no ar fresco do
aeroporto e ignorando a vida frenética do lado de fora e o azul vivo que
decora o céu. Todos querem escapar dos trinta graus que parecem se
intensificar por causa do asfalto na frente do embarque e desembarque de
taxis.
Respiro fundo e dou alguns passos, puxando minha mala de rodinhas.
Há um tipo de organização social em forma de fila que eu respeito só por
obrigação. Pessoas de todos os tipos, a maioria vestida com algo bem mais
agradável do que eu, erguendo a mão e chamando o próximo taxi ou
esperando o carro de aplicativo.
Espero pacientemente enquanto afrouxo a gravata, sem saco para
procurar meu celular em algum lugar da mala e pedir um uber. Pois é, enfiei
aquela merda dentro da mala quando descobri que só assim me veria livre das
mensagens e ligações.
Isso tudo porque minha vida virou de cabeça para baixo nos últimos
meses.
Enquanto o filme que me rendeu o Oscar estava em produção, passei
um tempo sem qualquer inspiração, e não, não tem a ver com o que me fez
odiar o amor e todos os seres humanos do mundo. Bom, eu não odeio todos,
só ela. Principalmente ela.
Estive mergulhado em um bloqueio estressante por quase dois meses
e meio, nem rascunhos bobos ou exercícios de escrita criativa estavam
rolando e eu já estava à beira de uma crise de nervos quando James olhou
bem sério para a minha cara e disse: “escreva qualquer merda, eu vendo até
pedra”.
Naquela mesma noite, eu me sentei na frente do computador e
comecei a escrever o que seria considerado meu primeiro romance. Bom, o
primeiro publicado, porque se for para ser bem honesto, já escrevo histórias
desde que me lembro de existir.
Depois que mostrei as primeiras páginas para o meu agente, ele não
me deixou mais em paz, empolgado com a trama e achando que o fato de o
protagonista ser um vendedor vigarista, capaz de vender até pedra, se dava
por inspiração a ele, um excelente agente capaz de vender qualquer roteiro,
mesmo os ruins. Não que James seja um vigarista, longe disso, ele é um dos
homens mais íntegros e corretos que conheço. Mas de certa forma, ele tinha
razão, foi sua fala maluca que apertou o gatilho da inspiração em mim.
Em três semanas conclui o primeiro rascunho do livro e levei apenas
mais uma semana e meia para reescrevê-lo como achei que deveria ficar, com
um final trágico e digno do meu temperamento ruim. Foi rápido, insano, e
como prometido por James, foi vendido por um adiantamento gordo em um
tipo de leilão literário. Para um agente de roteiristas, ele fez um ótimo
trabalho com meu livro.
O que eu não imaginava é que no tempo de o livro ser vendido para a
editora e impresso, eu acabaria ganhando um Oscar e me tornando o escritor
recluso mais queridinho do país. Logo eu que odeio gente, me vi sendo
abordado pelas criaturas mais estranhas de Los Angeles.
Para a minha carreira de roteirista não há nada melhor do que um
prêmio tão popular, e para o livro, com certeza isso ajudou a colocá-lo em
primeiro lugar nas listas de mais vendidos em apenas uma semana desde seu
lançamento, mas para o meu humor, a merda não poderia ser maior.
Aceno para o taxi quando percebo que finalmente chegou a minha
vez. O automóvel para alguns passos à minha frente e eu caminho até a porta,
abrindo-a e me preparando para afundar no banco de trás com mala e tudo.
— Ei, ei, ei — escuto e viro para o lado.
É quando a vejo.
Um furacão ruivo de peitos e quadris corre na minha direção,
balançando um vestido florido e cheio de brilhos, sacudindo a mão erguida
com um celular, fazendo uma careta e praticamente arrastando uma mala e
uma bolsa do jeito mais louco do mundo.
— Ei, ei, ei — repete, passando por mim e me empurrando pelo
caminho.
Ela entrega sua mala para o taxista que, do nada, está parado perto do
porta-malas aberto e suspira, olhando pra mim com impaciência, como se eu
estivesse no seu caminho. No caminho de ambos.
A ruiva de boca vermelha entra no carro, jogando sua bolsa para o
lado e suspirando.
— Obrigada — diz, com a maior cara de pau.
— Como é? — pergunto, enquanto ela puxa a porta do taxi. Eu me
abaixo até o vidro aberto e encaro os olhos azuis, confuso. — Com licença,
moça, mas esse taxi é meu.
— Seu? Não mesmo, eu pedi esse taxi.
— Não — coloco a mão na janela e o rosto dela baixa na direção dos
meus dedos, quando volta a me encarar, seu olhar endiabrado me diz que
cutuquei a onça com vara curta. Foda-se. — Eu estava aqui esperando na fila,
como uma pessoa educada faria. Então esse taxi é meu.
— E eu estava ali, esperando como uma pessoa educada e chamei
esse aqui primeiro. — Ela ironiza e aperta os lábios carnudos, me fazendo
sentir um arrepio quente na espinha. — Agora, a não ser que você queira
dividir ou fazer um escândalo, não vou sair do meu taxi.
— Merda! — digo, puxando a mão, me afastando e deixando que o
taxista dê a partida e leve a ruiva embora na porra do meu taxi.
Assim que me viro, vejo surgir outro taxi e me apresso a estender o
braço e caminho na direção dele. O taxista estaciona bem na minha frente.
Aliviado, abro a porta do banco de trás, mas então sinto um vento suave
balançar minha mala.
Viro meus olhos rapidamente e percebo que está tudo ok, mas quando
volto a me preparar para entrar no taxi, uma velhinha sorridente me encara.
Como é que ela foi parar entre mim e o taxi sem que eu tenha notado um
único movimento sequer?
— Muito obrigada, meu rapaz, você é muito gentil.
— Esse taxi é meu — ranjo meus dentes, mas a velhinha, que parece
uma cigana com sua saia frisada e a blusa de babados, dá um passo até mim e
leva sua mão ossuda ao meu rosto.
— Você é um bom homem, Derek — diz e entra no taxi, acenando
sorridente assim que se vai.
Ela me chamou de Derek ou eu alucinei?
Porra, que dia louco.
Respiro fundo e volto para o meu lugar, de jeito nenhum vou para o
fim da fila depois de literalmente ter meus dois taxis roubados, primeiro por
uma ruiva linda e cara de pau e depois por uma velhinha cigana que sabia
meu nome.
Para minha sorte, menos de dois minutos depois, um taxi estaciona no
local demarcado e consigo caminhar até ele sem maiores incidentes. Claro,
até que abro a porta.
Ao mesmo tempo em que levo minha mão até a maçaneta do carro,
sinto dedos grossos fazerem o mesmo. Um homem duas vezes maior do que
eu me encara com um misto de curiosidade e indignação.
— Não! Não mesmo, esse taxi é meu. — Explodo, empurrando o
grandalhão para longe e o ameaçando com os punhos erguidos. — Meu taxi!
Ele se afasta, chocado com a minha fúria repentina, que de repentina
não tem nada, afinal.
Entro praticamente aos tropeços no carro, puxo minha mala e meu
terno comigo e bato a porta com força.
— Vai! Vai! Vai! — grito, vendo o homem do lado de fora vir na
minha direção.
O taxista se assusta com meus gritos e minha cara de desesperado.
— Vai, vai logo! — continuo acenando para o homem que me olha
confuso. — Vamos, tá esperando o quê? Vai! Vai! Vai!
Ele leva seus olhos de mim até o lado de fora e nota o grandalhão
guinchando e me xingando de ladrão de taxis e outros palavrões, assustado, o
motorista do taxi pisa no acelerador e sai em disparada para avenida.
Porra, que dia insano mesmo. Agora, além de odiar pessoas, meu
agente e ela, também odeio taxis.
E odeio ruivas e velhas ciganas que roubam taxis.

Enquanto o motorista dispara de uma avenida para a outra, dirigindo


para o hotel em que James reservou um quarto pra mim e onde vou participar
de dois eventos, um sobre a carreira de roteirista e escritor e outro para falar
do sucesso do meu livro, cavo dentro da minha mala e pego o celular.
Revoltado, digito uma mensagem para o meu agente.
Derek: Odeio você com todas as minhas forças. Quase fui espancado
por causa de um taxi.
James: Não seja dramático e use o aplicativo como todo mundo.
Derek: Foda-se o aplicativo.
James: Foda-se o universo. Agora chega de drama e vá trabalhar.
Não esqueça de se divertir também.
Derek: ok!
Me divertir? Sei, com o meu temperamento piorado desde que ela fez
o que fez, diversão não é bem a palavra que eu daria para o que quer que vá
acontecer aqui em Miami. Provavelmente vou me enfiar no quarto e encher a
cara, até ter certeza de que a ressaca vai me impedir de pensar em qualquer
coisa, pensar nela e em tudo o que me fez passar, principalmente.
O taxista para diante do hotel e eu desço puxando minha mala e
carregando o casaco do meu terno que já está todo amarrotado. O homem
parece ávido por dar o fora, então, depois de pagá-lo, caminho para dentro do
saguão do hotel sem me demorar demais.
O lugar é legal, do tipo que carrega algumas estrelas no nome e
oferece um bom serviço de quarto, pelo menos é o que espero.
Paro na frente do balcão e a atendente, uma garota de no máximo
vinte anos vestida num desses terninhos femininos ergue os olhos e abre um
sorriso.
— Bom dia, senhor — diz, numa voz sonora que exala mais
felicidade do que estou acostumado a ver num ano inteiro.
— Tenho uma reserva em nome de Derek Preston — digo, sem
rodeios porque tudo o que mais preciso nesse momento é ir para o quarto e
tomar um banho frio.
Ela acena e começa a digitar no computador.
— O senhor veio para a Convenção no Centro de Eventos aqui perto?
— pergunta, animada de um jeito que está começando a me deixar irritado.
— Não — respondo seco.
— Ah, tudo bem, o senhor pode me repetir seu nome? Não estou
encontrando sua reserva.
— Derek Preston.
— Derek Preston, certo — ela volta os olhos para a tela do
computador. — Derek Preston o escritor?
Bufo e não respondo.
— Infelizmente não tem nenhuma reserva nesse nome — diz, com um
olhar de quem já percebeu minha impaciência.
— Procure de novo — peço, mas em um tom que de pedido não tem
absolutamente nada.
— Tudo bem — diz, e começa a digitar tudo de novo. — Nada.
— Então me veja um quarto, qualquer um — resmungo e ela me dá
um olhar de vitória, como se ganhasse algum jogo dentro da sua própria
mente.
— Infelizmente estamos lotados por causa da convenção no centro de
eventos aqui na rua e por causa de um evento grande que teremos aqui
mesmo no hotel.
— E esse evento por acaso seria um seminário sobre carreiras em
Hollywood?
— Isso mesmo.
— É para esse evento que estou aqui.
— Então o senhor é mesmo o Derek Preston escritor? — ela aperta as
sobrancelhas, mudando o olhar jovial para algo mais profundo.
— Sim e eu preciso de um quarto.
— Certo, certo, vou ver o que posso fazer, só um momento.
Depois de quase meia hora de pé na frente do balcão e tentando fazer
o check in, a recepcionista finalmente descobre que eu tenho uma reserva,
mas que algum imbecil escreveu Perek Preston ao invés de Derek Preston.
E o meu dia só piora.
Pego o cartão magnético e puxo minha mala para dentro do elevador.
Resmungando mais do que um velhinho rabugento.
Como se as coisas não pudessem ficar piores, assim que coloco meu
pé para dentro, dou de cara com um casal que parece prestes a arrancar as
roupas.
A garota é bonitinha, embora a aparência comum me faça achá-la sem
nada de sal, sem curvas, cabelo loiro demais e quase nada de peitos. Que
graça tem ficar com uma garota em que você não pode enfiar a cara nos seios
e se perder neles?
Resmungo comigo mesmo, mal-humorado por causa da porcaria do
meu dia. Espero a porta do elevador se fechar quando escuto um som que faz
todo meu corpo retesar.
— Ei, ei, ei. — Merda, não pode ser. Não de novo. — Segura o
elevador.
A ruiva ladra de taxis corre toda esbaforida, se equilibrando em saltos
altos demais para sua pequena maratona, arrastando a mala, a bolsa, celular,
cartão do quarto e um copo de café pra viagem. Merda.
— Ei, ei, ei, segura por favor.
Finjo que não estou escutando, mas confesso que desviar os olhos do
furacão de boca vermelha é bem difícil. Se a situação fosse outra e eu não
estivesse estupidamente estressado e ela não fosse uma ladra de taxis tão cara
de pau, com certeza estaria rindo nesse momento, porque ver aquele par de
peitos fartos vindo na minha direção, sacudindo os braços e fazendo careta é
a imagem perfeita para desmontar qualquer cara comum.
Linda e doida. Combinação perigosa.
A loira ao meu lado percebe a corridinha desajeitada da ladra de taxis
e se apressa a apertar o botão do elevador. Penso que a porta vai se fechar,
mas assim que os dedos finos da beijoqueira tocam o botão, a porta volta a se
abrir.
Sorrindo, a ruiva acena para a loira.
— Obrigad... — ela está dizendo ao entrar no elevador, mas então seu
rosto redondo e rosado perde o brilho quando ela se dá conta de alguma
coisa. Seu salto trancou em algo e ela está caindo.
Tudo se passa lentamente, mas não o bastante para que eu tenha uma
reação. Num minuto estou olhando para o azul penetrante dos olhos dela e no
outro, ela está voando para cima de mim, com bolsa, mala e café.
Tento segurar a ruiva, mas ela me puxa junto para o chão, me fazendo
cair de bunda no elevador, com ela em cima de mim. Foi preciso apenas um
passo para essa garota doida estragar ainda mais meu dia.
— Porra! — Solto, estatelado no chão, banhado de café gelado e com
uma ruiva desajeitada em cima do meu pau, que por sinal parece ter gostado
da confusão, porque acaba de dar indícios de que está vivinho da silva dentro
das calças.
Era só o que me faltava, além de toda a situação vergonhosa, ainda
vou ter que lidar com uma ereção inesperada e inconveniente por causa de
uma ruiva peituda que está se esfregando ao tentar sair de cima de mim.
— Des-desculpa — ela diz, vermelha como um tomate.
— Nem todo mundo nasceu para usar saltos — digo, irritado, confuso
e bancando o imbecil como faço sempre que possível.
Assim que fica de pé, ela me olha com aquele mesmo olhar
endiabrado de quando nos vimos mais cedo, no aeroporto.
— E nem todo mundo nasceu cretino arrogante, mas alguns parecem
ter vindo com dose extra — diz, juntando o copo, a bolsa e endireitando a
mala de rodinhas.
Tudo bem, eu mereci.
— Você está bem, querida? — pergunta a loira, tocando na ruiva com
delicadeza.
— Estou sim, obrigada por perguntar.
— Qual seu andar? — o homem de terno que estava dando uns
amassos na loira pergunta.
— Oitavo, por favor — ela diz e ele aperta o botão, fazendo a porta se
fechar.
A garota me lança um último olhar antes de virar para frente.
— Me mande a conta, faço questão de pagar a lavanderia —
resmunga e eu bufo.
— Não preciso que mandem lavar minhas roupas — retruco.
— Certo, então lave você mesmo — diz e cruza os braços sobre os
peitos, juntando-os ainda mais dentro do decote.
Desaforada, a ladra de taxi não volta a olhar para mim. Ela é o caos
em forma de peitos e salto e mesmo assim não consigo desviar os olhos dessa
confusão deliciosa de mulher.
Vai ser uma semana infernal, pode apostar.
Eu devia ter deixado o babaca do aeroporto roubar meu taxi. Ah, se eu
soubesse que esse motorista além de ter instinto suicida, voando pelas ruas e
quase topando com vários carros, ainda é a porcaria de um tagarela, eu
realmente teria dado de presente para aquele engomadinho que teve a cara de
pau de insinuar que eu não era educada e ele sim.
A má sorte dele é que, apesar de ser lindo, eu estou numa fase em que
odeio absolutamente todos os homens de terno. Não estou nem aí se ele é ou
não CEO, onde eu vejo uma gravata e um terno eu crio ranço no mesmo
instante, uma raiva que só não é mortal porque, como disse para Olivia, eu
sou um anjinho em forma de mulher.
— Você se importa de baixar um pouco o rádio? — pergunto e o
taxista leva um tempo para calar a boca e entender que estou falando com ele.
— O que a senhora disse?
— O rádio, tem como baixar?
— Ah, sim, sim — ele responde e baixa o barulho chato. — Eu
mantenho o rádio ligado porque é preciso ter a cabeça informada hoje em
dia...
E lá vai ele, tagarelando outra vez.
— A política é um exemplo, como a gente vai conhecer quem vai
mandar no nosso país sem se informar, não é mesmo...?
Esfrego minhas têmporas e fecho os olhos. Em outro momento eu
teria deixado o homem falar e teria conversado sobre o país, o tempo, a vida
na América, mas hoje tudo o que eu mais quero é me enfiar no quarto de
hotel e dormir, bom, não dormir, o que eu quero mesmo é me embebedar para
esquecer tudo que rolou desde que descobri que meu chefe vai se casar.
Ele vai se casar.
Merda.
O taxista segue por todo o percurso discursando num tipo de
monólogo em que ele argumenta consigo mesmo, sem se importar se exprimo
um único ruído sequer. Deixo que, aos poucos, minha mente vague para o
fundo de mim, tentando não pensar na coisa toda do casamento, na noiva
simpática do meu chefe, no meu amor não correspondido e na confusão com
aquele quase ladrão de taxi. Sem contar que esse taxista maluco parece que
vai dar a volta na cidade toda, antes de me levar ao meu hotel.
Por mim tudo bem, não sou eu que vou pagar a conta mesmo.
Rabugenta, fico remoendo as coisas que minha melhor amiga disse,
sobre me divertir e me abrir para um novo relacionamento, mas não sei se
estou pronta para ter meu coração partido por outro homem, com ou sem
terno, não depois de passar anos suspirando por um homem que nunca me
notou e nem vai notar.
Fecho os olhos outra vez e quando volto a abrir, o carro está parado
na frente de um hotel de aparência duvidosa. Desço e o taxista me entrega
minha mala e espera que eu o pague.
Enquanto meus dedos correm para dentro da bolsa, em busca do
dinheiro, meus olhos escapam para a entrada do hotel. Não parece nem um
pouco com a imagem que eu vi na internet ao fazer a reserva para Robert.
Com certeza, se ele chegasse aqui e visse o lugar caindo aos pedaços, a tinta
descascando perto da porta de vidro e o aspecto de descuido ao redor, eu
receberia uma ligação enfurecida.
Ainda com os olhos espantados por causa da fachada do hotel, sinto o
homem pegar o dinheiro da minha mão, viro e o vejo indo bem rapidinho
para o seu lugar dentro do carro.
— Ei, ei... moço, eu acho que não é aqui.
— É sim, você me deu o endereço, se errou o problema é seu.
— Ou você estava tagarelando demais e se confundiu — retruco e ele
devolve com um gesto de mão, como se dispensando minha resposta.
O homem mergulha dentro do carro e dá a partida, antes de eu poder
sequer pensar a respeito da situação estranha em que estou.
Com passos um pouco assustados, vou subindo os degraus para entrar
no suposto hotel. É quando noto a placa ao lado. Não tenho coragem nem de
pronunciar os palavrões pichados nela, que por sinal tem escrito um nome
bem diferente do hotel que eu reservei. Com certeza estou no lugar errado.
Muito errado.
Desço os degraus e paro no meio da calçada. O meu taxi já está longe
e eu não faço nem ideia de que caminho devo seguir.
Ligo os dados do celular e começo a digitar com rapidez, começando
a sentir o suor correr em gotas quentes por minhas costas.
Porcaria, estou há quase seis quadras do hotel certo.
Tento pedir um carro de aplicativo, mas não há nenhum a disposição
agora, então viro para o outro lado e começo a caminhar. Merda. Merda.
Merda.
Um passo de cada vez, percorro cada uma das seis quadras com as
costas banhadas em suor e as pernas raspando uma na outra. Maldita hora que
decidi viajar de vestido, uma calça me deixaria com menos brotoejas e menos
mau humor.
Pelo menos encontro uma cafeteria no caminho e peço um latte
macchiato[4] de caramelo, gelado, muito gelado mesmo.
Finalmente subo as escadas e entro pela porta do hotel certo. Tudo
bem, vai, o café gelado deu uma melhorada no meu astral, mas os saltos
acabaram com meus pés, então mancar é meu novo estilo.
Caminho até uma recepcionista linda e sorridente que me atende
super bem, fazendo sumir um pouco a sensação de “estou tendo a porcaria de
um dia de merda”.
Enquanto a moça que me atende digita no computador, um homem
mais ao lado discute com outra recepcionista. Ele está quase aos berros,
reclamando de que algum imbecil escreveu o nome dele errado. Grande
coisa, senhor estressadinho.
— Que homem grosseiro — digo em voz baixa para a recepcionista
que me atende.
Ela me lança um sorriso amarelo depois de olhar de relance para sua
colega, que está vermelha e parece prestes a cair no choro.
— Parece que é algum tipo de famoso — responde aos cochichos.
— Isso não é motivo pra tratar os outros assim.
— Me desculpe por isso. — Ela suspira assim que o homem se afasta.
— Não é culpa sua e obrigada por me atender tão bem, de hoje em
diante sempre vou hospedar meu chefe aqui quando estiver na cidade.
A recepcionista abre um sorriso grande e me entrega o cartão
magnético. Dou um tchauzinho atrapalhado, pegando meu celular e dando
uma espiada rápida nos meus e-mails.
Então escuto o som do elevador e, cansada de tudo no meu dia, decido
correr para não ter que esperar o próximo, como se meus pés fossem de ferro
pra suportar mais esse castigo. Prometo, pezinhos, vou colocar vocês de
molho, na verdade vou colocar todo meu corpo de molho numa banheira
cheia de sais de banho.
A merda da porta do elevador está fechando, o engomadinho que
estava discutindo na recepção tenta fingir que não me viu, desgraçado, vai me
fazer esperar pelo próximo só pra não segurar.
— Ei, ei, ei — grito, sacudindo a mão. — Segura o elevador.
Corro, tentando equilibrar minha mala, meu café gelado, o celular, o
cartão magnético... droga. Que dia infernal.
Aceno para um casal que está dando o maior amasso dentro do
elevador, talvez eles não sejam tão babacas quanto o cara, que só faz piorar
minha implicância com homens de terno.
— Ei, ei, ei, segura por favor.
A loira bonitona dá um sorrisinho pra mim e aperta o botão que faz a
porta abrir novamente. Coloco o pé para dentro, acenando em agradecimento
quando sinto que algo não está certo,
— Obrigad... — tento dizer, mas sou impedida pelo meu pé cansado e
o maldito salto que trancou em alguma coisa.
Meu Deus, como se as coisas não pudessem ficar piores, sinto todo
meu corpo sendo puxado pela porcaria da gravidade e eu vou com tudo.
Mas o pior não é ir de cara no chão e sim cair em cima do
engomadinho e o arrastar comigo.
Ele cai sentado de bunda, comigo no seu colo, derramando café na
roupa cara e quase enfiando meus peitos nas partes íntimas dele.
Caramba, ele é lindo e está me olhando com uma cara de que acaba de
ver um extraterrestre. Eu devo estar um caos.
— Porra! — Ele solta, muito bravo. Seus olhos praticamente me
fuzilam e eu preciso conter a vontade de rir. Eu sei, é vergonhoso,
embaraçoso, constrangedor, mas gente, é engraçado pra caramba.
Sem querer, acabei de me vingar do babaca que estava brigando na
recepção, se tivesse sido de caso pensado não teria dado tão certo o plano de
estragar a roupa elegante ou estragar o dia dele.
Contenho a vontade de me virar para as recepcionistas, imaginando
que agora elas devem estar soltando fogos de artifício em minha homenagem.
Firmo as mãos no chão para impelir meu corpo, roçando de leve no
meio das pernas do... não, não pode ser, ele está ficando duro?
Caramba, e a coisa parece grande.
— Des-desculpa — digo, sentindo minhas bochechas corando por
descobrir que a situação vergonhosa em que me meti fez o homem ficar em
uma saia justa.
— Nem todo mundo nasceu para usar saltos — ele diz, irritado.
Assim que fico de pé, lanço um olhar indignado para o cretino, pelo
menos é o que tento, porque sinceramente, a expressão no rosto dele me faz
pensar que estou fazendo uma careta engraçada, como se ele estivesse se
contendo para não rir.
— E nem todo mundo nasceu cretino arrogante, mas alguns parecem
ter vindo com dose extra — retruco, me colocando em movimento e juntando
o copo, a bolsa e, por fim, arrumando a coitada da mala.
— Você está bem, querida? — a loira pergunta, tocando de leve no
meu braço.
— Estou sim, obrigada por perguntar. — Tento sorrir, mas sou
vencida pelo cansaço e estresse e acho que o que sai é outra careta engraçada.
— Qual seu andar? — o namorado dela pergunta. Pelo menos eu acho
que são namorados, a forma como estão próximos... sim, eles estão
apaixonados.
— Oitavo, por favor — respondo quando finalmente a porta se fecha.
Mal posso esperar pelo meu quarto, meu banho de espuma e um
porre. Sim, vou tomar um porre.
Mas antes... dou uma última olhada no bobão respondão e me viro pra
frente.
— Me mande a conta, faço questão de pagar a lavanderia —
resmungo e ele solta a respiração numa lufada que me diz que está irritado.
— Não preciso que mandem lavar minhas roupas.
— Certo, então lave você mesmo. — Devolvo no mesmo tom,
cruzando meus braços e encerrando qualquer contato, porque mesmo ele
sendo lindo de morrer, me soando muito familiar, não sou obrigada a aturar
nada.
O elevador para no sexto andar e o casal apaixonado desce, a loira me
dá um aceno e eu sorrio, dando um tchauzinho exagerado porque ou eu faço
isso ou falo um palavrão por eles estarem me abandonando por mais dois
andares com esse cretino arrogante.
Assim que o som do elevador apita, mostrando que cheguei ao meu
andar, dou um pulinho de susto. Respiro fundo.
— Só tente não tropeçar de novo — o homem de terno diz.
— Posso fazer isso — retruco, com um sorriso cínico, depois me viro
para sair do elevador. — E você pode tentar não ser tão cretino e arrogante,
mas acho que não vai conseguir.
Saio sem voltar a olhar para na sua direção. Pra minha surpresa, ele ri
alto e começa a caminhar. Escuto seus passos seguindo os meus, mas forço
todo meu corpo para não virar. Se ele estiver pensando que vai me intimidar
por me seguir, vai descobrir que fiz seis anos de karatê, dois anos de defesa
pessoal, além de outras artes marciais e sou muito boa em chutar bolas.
Paro diante da minha porta, mas o idiota do elevador segue
caminhando, ele passa por mim e eu bufo, tentando não sentir o cheiro
gostoso do seu perfume amadeirado. Malditos CEOs!
— Parece que vamos ser vizinhos de quarto — ele diz ao parar na
porta seguinte, me olhando com uma expressão que transita entre o cinismo,
o deboche e o divertimento.
— É, pelo jeito não é meu dia de sorte — retruco e ele me encara. —
Mas você pode voltar na recepção e brigar por outro quarto, parece que gosta
disso.
— Não, vou ficar com esse mesmo — diz, então abre a porta, entra e
bate, antes que eu responda qualquer coisa.
Ótimo, acabou a interação com ele, do mesmo jeito que acabou meu
delicioso latte macchiato de caramelo.

Depois de entrar no quarto e chutar para longe os saltos que quase


esfolaram meus pés e ainda me meteram numa situação constrangedora com
aquele cara chato, liguei o aplicativo de músicas e coloquei Years & Years
para tocar.
Senti que começava a relaxar e por isso me levei direto para um
banho quente e cheio de espuma. Depois deitei na cama enorme e afundei sob
as cobertas, me deixando embalar pela voz aveludada de Olly Alexander em
Eyes Shut e apaguei.
Estava muito bom, até agora, quando meu celular decide que está na
hora de me acordar.
Levanto da cama e me espreguiço, depois de ver as horas, corro para
me arrumar. Batom, corretivo, um pouco de blush sobre a base e uma boa
escovada nos meus cabelos. Deixo o vestido de lado visto uma saia de
tubinho preta e uma blusa vermelha de seda, com um babadinho delicado que
acompanha o decote em V.
Assim que me sinto preparada, abro a porta do quarto e adivinha só
qual é a primeira coisa que eu vejo quando boto a cara para fora. Ele mesmo,
o babaca do elevador, que está mais bonito do que ontem vestindo uma
camisa preta bem cortada e uma calça jeans. Ele me parece tão familiar, será
que já o vi em algum desses eventos?
Espero que não.
Ele está passando pela porta e vira o rosto na minha direção, erguendo
uma sobrancelha e me esquadrinhando por completo. É rápido, porque ele
continua andando sem desviar do seu caminho nem por um milímetro, mas é
quente pra caramba e todo meu corpo parece reagir a esse simples olhar.
Droga de homem gostoso.
Fecho a porta e espero cinco minutos antes de ter coragem de voltar a
abri-la, olho para todos os lados e então, sentindo que estou livro da
arrogância sexy do babaca do elevador, decido tomar meu rumo.
O que me leva ao assunto seguinte.
A Convenção que tenho que ir acontece todo ano, sempre em algum
estado comercialmente grande, na maioria das vezes é em Washington DC,
por ser a cidade mais importante do nosso país. É um evento promovido pela
Indústria Bélica e companhias de segurança privada, então sempre tem
alguém importante, agentes do governo e muitos CEOs do ramo, em busca de
grandes negócios e de novidades na área.
Fui apenas em uma, acompanhando Robert, no ano em que comecei a
trabalhar com ele, depois disso, ele focou em ir aos eventos e eu cuidei da sua
agenda, sua vida, suas coisas particulares (presentes para namoradas, rolos de
uma noite e possivelmente amantes) e, também, mantive a empresa
funcionando nas suas ausências, relacionando departamentos e lidando com
os problemas mais emergenciais.
Esse não era bem o meu projeto de vida, ser um tipo de quebra-galho,
uma faz tudo cujo cargo no contrato de trabalho diz apenas: secretária
executiva. Mas se for para ser honesta, não sei bem o que eu quero, ainda
não.
Eu sei, eu sei, já passei da hora de descobrir, mas desde que Robert
Sampson entrou na minha vida, não me sobrou tempo para mais nada.
Enfim, hoje vou encarar uma série de seminários de segurança e
tecnologia. Estou ansiosa para assistir ao evento de uma empresária de Nova
York, dizem que ela é tão genial que criou um tipo de inteligência artificial
que deixa no chinelo até o mais poderoso software de segurança do governo.
Adoro mulheres poderosas.
Além do mais, já que estou aqui, não vou perder por nada no mundo a
chance de ver essa mulher que estampou por meses as revistas e sites de
fofocas, desde que se tornou esposa do magnata mais gostoso do país.
Saio da suíte com humor renovado, satisfeita por ter escolhido um par
de sapatilhas sem salto para encarar o dia corrido e me deleitar com o sucesso
feminino. Só preciso muito de um café.
Feliz da vida, quase saltito pelo corredor, cantarolando baixinho até
me dar conta de quem está parado diante da porta do elevador, os braços
cruzados e um olhar que me diz que ele já está azedo as nove da manhã. Isso
mesmo, o cretino arrogante do elevador.
Merda, vai ser um dia daqueles.
Ok, eu poderia ter ido de escada, mas resolvi esperar a porcaria do
elevador, achando que logo outros estariam aqui, mas já faz quase cinco
minutos e nada. E para piorar, a ruiva doidinha está chegando, exalando sua
alegria com uma musiquinha sussurrada e um cheiro de perfume gostoso.
Assim que me vê, o semblante dela muda por completo, como se eu já
não tivesse notado que ela bateu a porta assim que me viu, há poucos
minutos, quando eu estava vindo pegar o elevador.
Mas não posso culpá-la por me odiar, fui um pé no saco ontem. Eu
sei, poderia ter deixado pra lá a coisa do roubo do taxi, ainda mais porque
consigo perceber que ela não me reconheceu, mas a confusão na recepção me
deixou com um humor horrível. Humor que parecia ter melhorado, até a
porcaria do elevador me deixar todo esse tempo aqui esperando.
— Parece que estou com sorte — declaro, sem saber bem o motivo
por querer provocar a ruiva.
Ela me lança um olhar de esguelha, as duas sobrancelhas erguidas
numa interrogação que a deixam com um olhar de pura curiosidade, linda,
brava e curiosa. Muito interessante.
— Hoje você não está segurando um café — digo e consigo perceber
o momento em que ela entende a que estou me referindo. — E sem saltos
também.
Os olhos dela vão para os seus pés e quando retornam na direção dos
meus, aquele olhar endiabrado que me diz que vou receber uma boa resposta.
— Não posso dizer o mesmo de mim.
— Sobre...?
— Sorte.
É a minha vez de ficar curioso, ela suspira e aperta o botão que chama
o elevador, depois volta a me olhar, conjecturando se vai responder ou não.
— Eu estou sem café e sem saltos, você, pelo contrário, continua com
toda a arrogância e babaquice de ontem.
— É, acho que mereci essa. — Rio e levo uma das minhas aos
cabelos, empurrando-os como se os penteasse.
A porta do elevador se abre e eu caminho até ele, entro e me viro, mas
vejo que a ladra de taxis continua parada.
— Quer que eu segure? — pergunto e ela acena que não.
Mesmo assim aperto o botão que mantém o elevador de porta aberta e
aceno para ela entrar. Os olhos grandes e vivos me encaram com
desconfiança.
— Vamos, este aqui demorou mais de cinco minutos, só Deus sabe
quando virá o próximo.
Ela entra rangendo os dentes.
Assim que a porta do elevador começa a fechar, vejo o olhar intrigado
da ruiva, como se esperando por mais alguma alfinetada. Fico em silêncio,
mas não consigo desviar os olhos de cima dela. A forma como os seios fartos
sobem e descem com a respiração tensa, o jeito como troca o peso do corpo
de um pé para outro, tentando não trazer seus olhos pra mim.
É, talvez eu não seja o único a sentir algo rolando aqui. Acho que a
coisa está começando a ficar interessante.
Depois que chegamos ao térreo, a ruiva mal espera a porta abrir e
some das minhas vistas, misturando-se ao fluxo de gente entrando e saindo
do hotel. Não sei o que é, mas algo nessa garota peituda e atrapalhada mexe
demais comigo. Algo nela me faz querer bancar o idiota só para ouvir uma
resposta malcriada.
— Com licença, senhor... — uma mulher de meia idade para diante de
mim, seu rosto me esquadrinha lentamente, enquanto tento ver para onde a
garota mais desafiadora e linguaruda que conheci nos últimos dias foi parar.
— Você é Derek Preston, o escritor?
— Sim — respondo, simplesmente.
— Será que pode me dar um autógrafo?
— Claro, mas eu não sou tão famoso assim — brinco, pegando meu
livro das mãos dela e abrindo-o. — Para quem dedico?
— Mary Anne, por favor.
Escrevo uma breve dedicatória e entrego o livro para ela, que sorri
como uma menininha diante de um grande doce.
— Sabe... não consegui parar de ler o seu livro, mas tenho que
confessar que fiquei um pouco triste com o final.
Sorrio com simpatia para Mary Anne, que faz mais algumas
explanações sobre suas impressões do meu primeiro livro, e, então se vai.
Caminho até a recepção e paro para pedir algumas informações.
Assim que me vê, a mesma recepcionista que me atendeu ontem me
lança um olhar aflito. Coitada, eu fui péssimo.
— Bom dia — digo, pensando em como ser menos idiota, não fui
justo com a garota e ela não tinha culpa por terem escrito meu nome errado.
— Você me atendeu ontem...
Ela acena que sim e eu suspiro. Não sou dado a pedidos de desculpas,
mas também não costumo ser um cretino total, não tanto quanto ontem.
— Me desculpe por ontem, sei que não é justificativa, mas tive um dia
de merda.
— Tudo bem, posso ajudar em algo mais? — ela pergunta, num tom
de frieza que deixa claro que ainda não fui perdoado.
— Não, era só isso.
Saio do hotel a caminho do centro de convenções, não sou muito dado
a esse tipo de evento, mas não tenho nada para fazer até o dia da minha
palestra, então é ir nessa convenção ou ir pra praia. Convenção, sem sombra
de dúvidas.
Fico zanzando por algum tempo, escapando de esbarrões com caras
que parecem armários. Se eu sou alto e forte, eles são praticamente
brutamontes, com toda certeza fazem parte daquelas equipes de segurança
privada, ou quem sabe sejam mercenários.
Mercenários, hein. Talvez a dona inspiração esteja dando as caras
outra vez, não seria um tema ruim para um filme ou um livro, e eu ainda
poderia dar uma de Tarantino e escrever algumas cenas para lá de
sanguinárias. Hum...
De repente, meu dia ganha ares completamente novos e o tédio, o
mau humor e a habitual rabugice dão lugar para meu lado criador. Num
momento estou tentando não esbarrar nos passantes da convenção, no outro,
estou deixando que todos esses estímulos me rodeiem e despertem a
criatividade.
Até que a placa da apresentação de uma palestra sobre segurança
digital chama minha atenção. É, pelo jeito, essa viagem não vai servir apenas
para estragar meu terno feito sob medida, talvez eu tire algo de bom, como o
tema do meu próximo livro.
E quem sabe, eu esbarre naquela ruiva cheia de curvas que parece me
odiar.
Afundo na cadeira, me sentindo como se fosse um grande alvo
vermelho no meio desse monte de ternos escuros e gravatas chiques. Mal
posso esperar para ver a empresária falando, é muito bom ver uma mulher
mostrando que sabe mais e que pode mais que muitos desses engravatados.
Acho que estou um pouco despeitada, não vou negar, mas enfim, poder
feminino, uhul, é o que há.
Não, eu não dou um gritinho e nem jogo meu punho no ar, como se
comemorasse por ter marcado ponto em algum esporte. Mas se eu pensei em
fazer isso, pensei, não consigo evitar, é meu jeito maluco.
Finalmente as luzes se apagam e um foco no palco se acende. Ai, meu
coração vai na boca, tenso, ansioso, cheio de expectativa.
O silêncio é total, até que uma voz feminina soa pelo microfone.
— Oscar, acender as luzes para a apresentação.
As luzes se acendem, mas não forte demais, só o suficiente para
vermos com clareza o palco lá na frente do auditório. No centro dele, uma
mulher pequena e linda nos observa.

— Bom dia, senhoras e senhores, meu nome é Camila Bitencourt[5] e


eu sou a fundadora da Faces, a empresa de segurança digital que mais cresce
neste país. Podem me chamar de Mila e por favor, fiquem confortáveis, pois
teremos uma conversa interessante. Oscar, apresente-se.

— Meu nome é Oscar[6] e eu sou a inteligência artificial criada por


Mila, sou o mais rápido processador de dados que existe e sou capaz de
proteger qualquer rede em que esteja, além de ser capaz de descobrir até seus
segredos mais escondidos. — A voz da IA é masculina e bem fluida e eu me
animo, essa apresentação vai agitar as coisas, mal posso esperar.
Mila é uma mulher absurdamente linda, ainda mais pessoalmente do
que pelas imagens dela que estamparam por meses as revistas e sites de
fofocas. Ela anda confiante pelo palco, transpirando poder e inteligência,
ignorando seu sotaque brasileiro carregado e explicando sobre sua empresa e
sobre o Oscar.
É impressionante.
— Uma demonstração, Mila — alguém grita do meio da plateia.
O olhar maroto da empresária me deixa cheia de curiosidade. O que
será que ela vai fazer?
— Oscar, quem é a pessoa mais estressada deste auditório?
— Pelos níveis de cortisol, colesterol, glicemia e outros marcadores,
pela lista de receituários de remédios para ansiedade, depressão e calmantes,
o senhor sentado na terceira cadeira da quarta fileira da esquerda é, com
certeza, a pessoa mais estressada deste ambiente. Devo dizer seu nome,
senhor?
Todo mundo faz ohhhh espantado com a afirmação. O homem
mencionado pela IA Oscar bufa e gesticula com a mão, resmungando algo
que não escuto e arrancando uma grande gargalhada das pessoas ao redor.
— Não será necessário, Oscar, o senhor em questão já confirmou.
Os murmúrios enchem o auditório e Mila permanece em silêncio,
observando a repercussão da sua grande invenção. Ela sabe o quanto é
poderosa e genial, posso ver no seu olhar. E tenho que dizer, a velocidade
com que Oscar averiguou os níveis de estresse de um auditório com mais de
duzentas pessoas é incrível.
— O Oscar é responsável por diversas prisões, ajudou o Governo
Americano a desmantelar uma rede de ciberterroristas e salvou minha vida —
ela diz, num tom calmo. — Inclusive é o responsável pela segurança digital
da rede bancária Howard...
— Mostre mais, Mila — uma voz feminina grita do fundo do salão.
— Isso, quem é a pessoa mais rica? — outro pede.
— Não, a mais inteligente....
— Eles estão curiosos, Mila — Oscar diz, quase como se estivesse se
divertindo ou como se pensasse por si só.
Olhando para a mulher pequena e inteligente no centro do palco, eu
não duvido nada de que ela realmente seria capaz de criar uma IA consciente.
Seria muito legal, ou assustador se considerar todos os filmes que já vi em
que as máquinas dominam o mundo e acabam com a raça humana. Melhor
não.
— Então vamos dar mais um gostinho para eles. O que foi que você aí
atrás perguntou mesmo?
— Quem é a pessoa mais inteligente aqui... — a voz masculina
responde.
— Oscar... — Mila fala.
— Você, Mila, com um QI de 183 pontos ou 99 percentil. Você é um
gênio, com todas as habilidades desenvolvidas, exceto a sociabilidade... —
Oscar responde e Mila sorri.
— Você não pode me culpar por odiar as redes sociais e a mídia,
afinal, eles quase me fizeram ser deportada.
Eu caio na gargalhada junto com o auditório inteiro.
— E depois de mim, Oscar, será que temos mais algum gênio aqui?
— Mila pergunta e eu mal posso esperar para ver a resposta. Deve haver pelo
menos mais um gênio no meio de todos esses CEOs da indústria bélica e da
segurança. Ou algum cara do governo, eles sempre são espertos.
— Com QI avaliado em 148, a senhorita sentada na cadeira do
corredor, na oitava fileira da esquerda é a segunda pessoa mais inteligente
aqui, seu nome é Eva Louise Harris. A propósito, boa escolha de vestimentas,
senhorita Harris, o vermelho ressalta a cor dos seus olhos e cabelo.
Puta merda, sou eu.
Não, não pode ser eu.
Todo mundo se vira na minha direção e eu afundo mais na cadeira,
morrendo de vergonha. Faz anos que fiz um teste de QI, mais por desafio do
que por levar a sério essa coisa de pessoas muito inteligentes, também é
verdade que eu penso demais, falo demais e, tirando a Olivia, não converso
com quase ninguém.
— Por favor, levante-se senhorita Harris — Mila pede e eu respiro
bem fundo, com dificuldade de pensar direito. — É verdade que seu QI é
148?
— Foi o que disse meu teste de QI — me vejo dizendo. — Mas você
tem que levar em consideração que os testes de QI padronizados deixam de
avaliar diversas habilidades e capacidades que são muito importantes para a
sociedade, como a empatia e generosidade, a criatividade para artes e o gosto
pela música, então, não acho que esse seja um bom jeito de avaliar as
pessoas. Oscar, você já ouviu falar de Gardner[7]? Ele defende uma teoria
chamada múltiplas inteligências...
— Eis a prova, senhores — diz Mila, sorrindo e olhando direto pra
mim.
— Ainda assim a senhorita é a segunda pessoa mais inteligente —
Oscar responde. — Apesar de ser uma secretária executiva, a senhorita Harris
também se destaca na habilidade de empatia, preocupação com o meio
ambiente e com as pessoas necessitadas, e ela sempre curte vídeos de filhotes
de gatos e cães, bebês, idosos e plantas nas suas redes sociais e faz 30% mais
doações para caridade do que a média geral neste auditório. — Oscar me
mata de vergonha.
— Você é um xereta — retruco, quase botando a língua para fora
como uma criança birrenta.
— Interessante. — Mila fala, sem desviar os olhos de mim.
Sentindo minhas bochechas pegando fogo, me preparo para voltar a
me sentar, mas antes, viro o rosto para o outro lado do corredor, como se algo
me puxasse, e sinto todo o sangue fugir da minha cabeça. Adivinha só quem
é que está me encarando com um olhar de pura curiosidade?
Ele mesmo, o cretino que vive cruzando meu caminho. E eu ainda
acho que o conheço de algum lugar, só espero que ele não seja um desses
CEOs que negociam com meu chefe, não suportaria ter que conviver com
esse cara também no meu emprego. Uma convenção, um corredor de hotel e
dois passeios de elevador já são mais do que suficientes pra mim.
Sabe aquela máxima de que quem não é visto não é lembrado?
Então, passo o restante da apresentação toda em silêncio, afundada na
cadeira e tentando não ser nem vista, nem lembrada, nem mais nada. Tudo o
que quero é sumir, evaporar no ar.
Assim que a apresentação chega ao fim e vejo as pessoas começando
a sair na direção da porta, aproveito para escapar sem chamar muita atenção,
o que é bem difícil se considerar que sou a única com uma blusa vermelha de
bazar num auditório de ternos escuros, bem cortados e caros.
As pessoas se aglomeram na sala adjacente ao auditório, conversando
sobre a espantosa criação da dona da Faces, que por sinal, sai da sala de
apresentação alguns instantes depois, acompanhada de ninguém mais e
ninguém menos que Josh Howard[8], o magnata lindo pra caramba que a
rodeia como um sistema solar ao redor do seu sol. Eles são lindos e posso ver
de longe o quanto se amam.
Não é preciso de esforço para perceber isso, o jeito como se olham e
como ele pega em sua mão, todo protetor quando outros homens a abordam
com seus cartões de visita e olhares curiosos.
Um nó se forma na minha garganta com a sensação de que talvez eu
nunca seja capaz de encontrar um amor assim, que não ligue para mais nada
no universo além de mim. Um amor de cinema, de livros, ou apenas um
amor, mesmo com as coisas boas ou ruins.
Viro para a máquina de café e coloco a nota de cinco dólares, mas a
porcaria da máquina decide me deixar ainda mais rabugenta. Por que não
pode simplesmente funcionar e me entregar o bendito café?
— Vamos, sua máquina teimosa, me dê o meu café — resmungo,
dando uma pancadinha na sua lateral. Droga.
— Para a segunda pessoa mais inteligente desta convenção, você foi
vencida facilmente pela cafeteira — a voz dele me faz tomar um susto.
Depois de dar um pulinho e um gritinho vergonhoso, viro com a mão
no peito e encaro um olhar de uma única sobrancelha erguida.
— O Oscar errou — retruco, meio atrapalhada.
— Então você não é tão inteligente assim? — ele pergunta, tomando
meu lugar e começando a mexer na bendita máquina de café.
— Ah, sim, eu sou inteligente, mas com certeza aquele velhinho não
era a pessoa mais estressada aqui, esse lugar é seu — retruco e ele ri de um
jeito rouco que é sexy e desconcertante, fazendo uma onda de calor percorrer
meu corpo e se alojar bem no ponto sensível entre minhas pernas.
Contenha-se Eva Harris, esse CEO lindo, cheiroso e charmoso é, na
verdade, um babaca arrogante e cretino.
Eu sei, eu tento evitar, mas depois de sentir ele endurecer no elevador
por minha causa, pelo menos eu acho que foi por mim, não consigo deixar de
pensar o quanto ele pode ser ardente, meu Deus, lindo, arrogante, gostoso e,
aparentemente, bem-dotado. Combinação dos infernos.
O cretino gostoso me entrega o café, porque pra variar a máquina de
cafés decidiu funcionar sem qualquer problema para ele, eu pego, sentindo
minhas bochechas queimando.
— Obrigada — falo baixo, quase engasgando.
— Desculpe, o que você disse? — ele provoca, fingindo que não
ouviu e abrindo um sorriso de covinhas que me deixa sem saber onde enfiar
meu nervosismo.
Eu sei, eu deveria odiar esse homem, mas ele é tão lindo e... tem
alguma coisa nele, uma coisa que mexe com meu estômago e com minha pele
que se arrepia só por causa da proximidade. Não sei explicar, acho que minha
revolta contra os CEOs pode acabar sendo traída pela minha tara por esse
homem.
Mas também pudera, até o cabelo escuro e bagunçado dele me faz
querer enfiar as mãos e penteá-lo com os dedos.
— OBRIGADA — falo bem alto e algumas pessoas ao redor me
encaram, confusas.
— De nada — ele diz, sem desviar os olhos de mim. — Então, acho
que começamos com o pé esquerdo.
— Só se você tiver dois pés esquerdos, porque foi pior do que bem
ruim. — Eu sei, não consigo me controlar, mas ele também pede, né?!
— Eu mereço isso, banquei o babaca, mas em minha defesa, você
primeiro roubou meu taxi e depois me deu um banho de café — ele responde,
um olhar astuto fixo em mim.
Então, como se minha cabeça estalasse, eu compreendo por que ele é
tão familiar, o cretino arrogante também é o babaca do aeroporto. Droga,
agora faz todo o sentido.
— Agora você me reconheceu — ele declara, um sorrisinho suave nos
lábios.
— Pro seu governo, não roubei seu taxi.
— Podemos esquecer isso?
— Depende, você vai ser menos babaca comigo e com o mundo ao
redor?
— Posso tentar.
— Certo, então posso tentar não chamar você de cretino arrogante ou
babaca do aeroporto a cada cinco segundos.
Ele estende a mão para mim e eu a aperto sem pensar.
— Derek.
— Eva, mas você já sabe.
— Eva Louise Harris, a ruiva gênia que rouba taxis — diz e eu aperto
os lábios tentando me segurar, mas o olhar bobo dele me faz cair na
gargalhada.
— Falando assim parece que eu sou praticamente o Lex Luthor dos
taxis.
— Eu não duvidaria disso, com seu enorme QI.
Bufo e ele sacode a cabeça, como se esperando por essa reação
minha.
— QI não é tudo, você ouviu, sou só uma secretária executiva.
— Isso não quer dizer nada — ele declara. — Então, não vai tomar
seu café?
— Ah, sim. — Bebo um gole grande e fecho os olhos, deixando o
líquido dos deuses percorrer o caminho da minha boca para o meu estômago,
esquentando tudo e me fazendo suspirar. — Tudo bem, você está perdoado.
— Perdoado?
— Sim, você foi muito babaca, mas como salvou meu dia com o café,
está perdoado.
— Certo. — Arqueia as sobrancelhas e o olhar dele faz minha pele
esquentar. Não, não posso pensar nesse homem assim. Ele é um CEO, Eva,
não se esqueça que você odeia todos os CEOs do universo.
Isso, não se esqueça Eva, você odeia todos os CEOs do mundo.
Mas por que esse tinha de ser logo o mais sexy dessa convenção? E
por que é que ele tinha que me olhar desse jeito, como se estivesse apenas
esperando a oportunidade para me devorar?
Droga, não seja tão boba.
Ele é só um cara... rico, sexy, gostoso, charmoso... e com um olhar
que me faz esquentar toda.
— O que foi, Eva? — A voz grave dele me faz suspirar.
Até o tom de voz desse homem é de arrepiar.
— Não foi nada, só estou decidindo se ainda odeio todos os CEOs do
universo e se coloco você num tipo de lista de exceções.
— Exceções? — Ele aperta os olhos, curioso.
— Isso, acho que vai ser a lista dos engravatados que eu não odeio.
— E tem muita gente nessa lista de engravatados que você não odeia?
— Você seria o primeiro, mas ainda não estou certa disso.
— Então vou criar uma lista também e podemos fazer um acordo —
ele cruza os braços, quase emburrado de um jeito engraçado. — Lista das
ladras de taxis que eu não odeio. Você me coloca na sua e eu coloco você na
minha.
Rio, porque apesar de ele ser um cretino, é um pouco fofo.
Não. Não. Não. Você tem que odiar ele, odiar todos os CEOs do
mundo. Certo é isso. Não posso gostar de Derek, então por que eu
simplesmente não resisto?
— Certo, temos um acordo — me vejo dizendo e mordendo o lábio
quando ele sorri torto.
Que merda foi essa de: “temos um acordo”?
O que deu em você Eva Harris?
Eva Louise Harris é um nome bonito, quase tanto quanto seu sorriso
de lábios carnudos e a curva cheia dos seios. Penso, observando enquanto ela
revira a bolsa. O toque do aparelho é tão peculiar quanto ela mesma, animado
e cheio de vida.
Isso seria irritante, se a dona do celular não fosse a pessoa mais
intrigante que conheci em anos e eu não estivesse doido pra saber mais dela.
Fazia muito tempo que não me sentia desafiado por uma mulher, digo,
desafiado mentalmente por alguém que não apenas é comprovadamente mais
inteligente do que eu, como tem a língua muito mais afiada do que a minha.
Pois é, acho que o Derek Babaca Preston vai dar lugar para o Derek
Curioso Preston assumir por algum tempo.
Isso, se ela achar o celular dentro da confusão que parece ser sua
bolsa.
— Que tal se eu segurar isso pra você? — pergunto, pegando o copo
de café e uns panfletos que ela tenta equilibrar.
— Maldito celular, parece que decidiu se esconder só pra me fazer
perder a paciência.
— Talvez se você carregasse menos coisa aí — provoco e ela ergue
os olhos claros e ao invés de me xingar, acaba concordando com um aceno.
Então, como se me surpreender a todo momento não fosse o bastante,
ela começa a tirar todas as coisas da bolsa e empilhá-las nos meus braços de
qualquer jeito. Batom, creme para mãos, carteira, agenda, canetas de todos os
tipos, um bloco de papel, um caderninho. Meu Deus, é um poço sem fundo.
— Desculpe, só mais isso — diz, colocando nada menos e nada mais
que o exemplar do meu livro em cima da confusão. — Achei. Seu
bandidinho... — diz, sacudindo o celular, animada. — Alô!
Eva me deixa com tudo nos braços, enquanto ouve pacientemente a
pessoa do outro lado da linha. Ela abre um sorrisinho pra mim, como se
estivesse recebendo um grande segredo, mas que estivesse prestes a me
contar.
Seu jeito doido e espontâneo mexe comigo e me faz não ter qualquer
ideia de como agir. Inclusive quando preciso equilibrar uma pilha de coisas
vindas de uma bolsa feminina, com meu livro encabeçando o topo.
Algo me diz que ela não ligou meu nome e meu rosto com a foto na
contracapa. Vai ser interessante.
Depois de alguns instantes esperando pela tagarela, ela finalmente
desliga e vem em minha direção, abrindo a bolsa e começando a guardar as
coisas.
— Me desculpe por isso, minha melhor amiga tem estado meio
superprotetora ultimamente.
— Aconteceu alguma coisa pra ela estar assim?
— Talvez, mas não quero falar disso.
— Então talvez você possa me dizer o que está achando do livro.
— Livro? — pergunta, confusa.
— Esse que você enfiou de qualquer jeito na bolsa.
Os olhos dela se iluminam de um jeito radiante e sexy que me faz
querer esquecer que sou um homem direito e avançar sobre a boca gostosa e
os peitos. Meu Deus, ela tem peitos que me fariam perder o juízo.
Tento não virar meus olhos tarados para o decote dela, é possível que
ela me bata, já vi a loucura que mora nessa mulher, melhor não arriscar.
— Então, sobre o livro, recomenda a leitura?
— Estou no começo, li apenas quatro capítulos, mas estou gostando
muito. O Alex, personagem principal é um picareta que deixa a gente com
uma dúvida enorme.
— Dúvida?
— Sim, a gente não sabe se ama ou odeia ele.
— Interessante.
— Ele não é um protagonista típico, mas eu espero que ele tenha um
final feliz. Algo me diz que não vai ser assim. — Ela faz uma carinha de
triste e então dá de ombros. — Tenho esperanças que o lado romântico do
autor me surpreenda com um final feliz.
— Mas a vida nem sempre tem final feliz.
Ela me encara com as duas sobrancelhas apertadas.
— Eu sei, e é por isso que leio ficção, porque ao contrário da vida que
volta e meia dá uma rasteira na gente, a ficção é invenção da cabeça de
alguém e pode muito bem ter final feliz.
— Justo — respondo, contendo a vontade de sorrir. — Então você
acha que o autor é romântico? Pelas críticas que vi por aí, eu o vejo mais
como alguém que não gosta nada do amor.
— Bobagem, é só você perceber bem, a forma como ele escreve,
como constrói as cenas. Pode até estar com o coração partido, mas no fundo,
ele é um romântico. Ou é um cínico, também é possível.
— Falou a gênia que rouba taxis — resmungo, mas ela não nota o tom
amargurado da minha voz e sorri abertamente, desenhando uma grande meia
lua com os lábios vermelhos.
— Não me provoque, Derek, ou vou tirar você da minha lista de
exceções e vou mandar você direto para a lista dos CEOs malvados que eu
odeio.
— E você odeia os CEOs?
— Exato!
— Por quê?
— Quem sabe um dia eu te conto.
— Você não vai me odiar então se eu não for um CEO?
— Se você não fosse, não, se bem que você me deu motivos... — ela
ri e eu acompanho seu riso fácil. — Tudo bem, talvez você não seja tão mau
assim, mas não vamos esquecer que você usa terno, está numa conferência de
CEOs babacas e foi bem cretino. Hum... talvez eu esteja me precipitando ao
tirar você da lista dos bad boys de terno.
— Você é muito interessante — digo sem pensar, porque essa garota
é como um furacão que arrasta e transforma, tirando tudo do lugar. Neste
momento, nem sei mais meu nome.
— Bom, pelo menos você não disse que sou simpática — ela
resmunga.
— Não disse que você é simpática porque você é linguaruda —
declaro, solene. — Mas não posso dizer que não é interessante.
Ela suspira e não sei o que fiz para deixá-la com esse olhar estranho.
Será que falei algo errado?
É possível, até provável, porque mesmo quando tento ser legal acabo
sendo um babaca.
— Bom, boa sorte com sua apresentação ou o que for fazer, nossa, tão
cedo não quero entrar em uma sala com CEOs, não importa quantos cafés
eles me deem.
Ela se afasta, puxando a bolsa e me dando uma última olhada. Não sei
o que acontece comigo, porque dou um passo na sua direção sem pensar,
quase no automático, começando a sentir uma estranha sensação no
estômago, como um vazio.
— Eva... eu não sou... — tento dizer, mas o toque maluco do celular
recomeça e ela o atende.
— Ah, oi, sim senhor, estou aqui, acabei de sair de uma palestra de
segurança digital, mais tarde envio o resumo via e-mail. — Ela me olha e dá
de ombros. Gesticulando com os lábios sem deixar o som sair: “Meu chefe”.
— Tudo bem, posso providenciar sim, qual é o presente? O quê? Hunrum,
sim. Ok.
Ela arregala os olhos e então suspira pesado.
— Tudo bem, vou ver isso hoje à noite, sem falta. — Acena com um
tchauzinho, se vai, sem voltar a me olhar outra vez.
Seja o que for que o chefe pediu parece que a deixou bastante
chateada. Aposto que foi algum presente indecente. Não duvido, mas não
vejo Eva como o tipo de secretária que deixaria um chefe abusar... hum,
tenho muito o que descobrir ainda.
Vejo uma última mecha do cabelo acobreado balançar antes de ela
sumir das minhas vistas. E foi sem saber que não sou um CEO e sim um
roteirista. Roteirista e agora escritor, do tipo que daria um braço para não
precisar aparecer em eventos assim.
Até agora.
Uma maldita lingerie. É para isso que eu sirvo agora?
Comprar café, flores, vinhos caros, marcar viagens românticas para
meu chefe com suas namoradas... nossa, eu deveria ter previsto que chegaria
a esse ponto. Num sábado, ele me liga no meio da madrugada para pedir
flores e cesta de café da manhã para ele e uma companhia. Numa terça, me
pede pra comprar chocolates para a mãe de alguém, depois champagne do
mais caro... caramba.
Que tipo de homem pede pra secretária comprar os mimos das suas
mulheres?
No começo eu achava romântico, um homem que fica mandando
mimos sem ser algum tipo de data comemorativa, mas quando os pedidos
começaram a vir em horários inapropriados ou finais de semana, foi que eu
entendi no que estava me transformando.
Por que é que eu aguentei todo esse tempo?
Por que deixei chegar ao ponto de ter que comprar uma lingerie sexy
para a noiva do meu chefe?
Ah, sim, porque estou apaixonada pelo imbecil.
Merda! A verdade é que a imbecil sou eu, que achei que um dia ele
me enxergaria.
Abro o frigobar e tiro todas as garrafinhas de vodca que encontro.
Despejo tudo dentro de um copo grande daquele tipo de taça em que as
pessoas colocam balas bonitas para enfeitar as coisas, então me sento na
cama, depois de jogar os sapatos para longe e pego o controle remoto.
Deixo a televisão ligada com o volume baixo, está passando um filme
antigo do Keanu Reeves, onde ele salva a mocinha enquanto ela dirige um
ônibus em alta velocidade. Eu adoro esse filme, mas hoje, tudo o que eu
menos quero é ficar babando por outro homem lindo.
Estou com muita raiva de homens lindos e bem-sucedidos. Acabo de
estender minha ira de contra os CEOs para todos os demais homens da face
da Terra. Absolutamente todos eles.
Com exceção, talvez, de Derek, que por mais irritante que seja, ainda
é um pouquinho gostoso demais e um pouco intrigante demais também. Mas
só talvez, porque ele me disse que sou “interessante” o que é só mais um
sinônimo para: gordinha legal, mas não gostosa para eu levar para cama.
Enquanto bebo minha superdose de vodca, abro a tela do meu laptop,
resmungando comigo mesma porque, no fundo, espero que Derek ter me
chamado de interessante seja isso de fato que queira dizer. Interessante. Não
o que eu e todas as mulheres imaginamos quando ouvimos um cara bonito
dizer isso.
Afasto os pensamentos do bonitão de terno, a quem conheço como o
cretino do elevador e foco em encontrar um bom site de comprar, para achar
uma lingerie tamanho P, que seja sexy o suficiente, mas que não pareça
vulgar.
Merda de emprego.
Está na hora de começar a cuidar da minha vida.
Entre um clique e outro, tomo um gole e mais outro da vodca,
começando a sentir meu corpo aquecer e minha mente se soltar.
Escolho vários modelos e mando prints para o meu chefe, com uma
mensagem que diz para ele escolher, porque se depender de mim vou
comprar todas pra ela.
Acho que ele não entende meu tom raivoso, porque devolve a
mensagem com uma porção de kkkk, deixando claro sua risada animada e
completando com um: ok, compre tudo.
Merda.
Termino de preencher os dados e escrevo um cartão sexy para que a
entrega leve com as cinco peças íntimas que comprei com o cartão do meu
chefe. Fecho a tela do laptop e tomo outro grande gole da bebida.
Por falar em cartão do meu chefe...
Assim que termino minha vodca, meu corpo inteiro está pesando uns
dez quilos a menos e eu quase posso flutuar. Quer saber, quero mais disso.
Pego o cartão magnético que abre o quarto, o cartão de crédito do
meu chefe... ah, sim, são muitos cartões, posso até confundir e acabar usando
o de crédito para comprar mais vodca e quem sabe alguns petiscos, de
repente me deu uma fome.
Rindo com a minha maluquice, calço os sapatos e saio carregando
apenas os dois cartões.
Não sei quanto tempo levo do meu quarto até a rua, mas quando me
dou conta, estou debaixo de chuva, sacudindo e rindo, enquanto tento chegar
à uma loja de conveniências ou supermercado, o que aparecer primeiro.
A noite quente e abafada só não me incomoda mais por causa dos
pingos grossos que banham meu rosto e bagunçam minha maquiagem. Eu
poderia dançar aqui, deixar que a água leve essa tristeza e dor que estão me
tirando a paz.
Dou mais alguns passos pela calçada, tentando não tropeçar com
meus saltos e completamente arrependida de não ter colocado um par de
tênis, quando ouço um som que se sobrepõe ao da chuva. Viro só a tempo de
sentir a água ser jogada em cima de mim.
Um carro em alta velocidade acabou de me enxarcar ainda mais?
— Filho da mãe! — grito e tento espanar da roupa algumas
sujeirinhas que vieram com a água da poça que o carro fez questão de me
jogar. — Aposto que se fosse uma garota magra você teria parado ao invés de
me jogar água.
Vamos ser honestas, o que tem de babaca nesse mundo não é pouco.
Mas eu não troco meu corpo, minhas curvas, meu estilo por nada, nem por
um manequim trinta e seis. Infelizmente a maioria dos homens gostosos não
ligam para o fato de eu ser inteligente, ter personalidade, ser criativa. A
maioria das pessoas não enxerga além da aparência e pelo jeito, minha vida
vai ser resumir a amores platônicos por chefes que nunca me notam.
É a porcaria de um mundo injusto.
Por falar em mundo injusto... me preparo para atravessar a rua quando
vejo uma velhinha de bengala atravessando bem devagarinho e sem guarda-
chuva.
Na outra ponta da rua, um par de faróis brilha em meio das gotas nos
meus cílios, embaçando minha visão, mas me deixando uma certeza: se essa
velhinha não andar logo, vai acabar atropelada.
— Ei, senhora! — grito, mas a velhinha não dá nem bola. Começo a
sacudir meus braços, tentando chamar a atenção dela. — Ei. Ei. Ei. A senhora
tem que sair daí.
Como a velhinha dá um único passo, bem vagaroso e então se vira pra
mim, eu saio correndo para o meio da rua.
Eu sei, sou doida, vou acabar me machucando, mas não posso deixar
essa velhinha morrer sem fazer nada.
Corro para o meio da rua, me equilibrando sobre os saltos e tentando
ver o asfalto escuro debaixo da chuva que só aumenta.
— A senhora precisa sair, olha o carro — falo aos gritos e ela sorri.
— Meu Deus! Precisamos sair.
Pego no braço da velhinha e começo a puxá-la. Ela me olha e sorri,
mas não apressa o passo. Meu Deus, nós vamos morrer.
Abraço ela quando vejo as luzes crescerem para cima de nós.
— Meu Deus! — me vejo gritando quando os faróis transpassam a
gente e a buzina soa forte. — Estamos vivas.
Aliviada porque o carro passou ao nosso lado e não em cima de nós,
suspiro alto, levando a velhinha comigo para o outro lado da rua.
— Nossa, essa foi por pouco. — Solto, aliviada, e ela finalmente
ergue o rosto na minha direção. — Pensei que íamos morrer.
Os olhos da velhinha são grandes e muito escuros e seus cílios piscam
devagar, percebo que ela me analisa de baixo para cima e o princípio de um
sorriso começa a desenhar seu rosto enrugado.
— Você é uma boa garota.
— Obrigada, a senhora tá bem?
— Sim, sim, minha jovem, mas me ajude a sentar ali. — Ela aponta
para uma mureta baixa que contorna um canteiro quadrado do outro lado da
rua.
A chuva para e eu a guio até a mureta que sob uma enorme árvore, e
nós nos sentamos juntas, a velhinha permanece segurando minhas mãos nas
suas, os cílios ainda batendo lentamente.
— Como você se chama? — ela pergunta e eu sorrio de leve, sentindo
que estou completamente sóbria desde a nossa quase morte.
— Eva e a senhora?
— Cleópatra.
— Legal, nome de rainha — digo e ela sorri. — Então, Cleo, qual o
problema? Por que a senhora não saiu quando o carro veio pra cima?
— Eu sou velha, minha querida, não ando tão rápido como as
jovenzinhas como você.
Tento pensar em algo carinhoso pra dizer, essa velhinha pode quase
ter matado a gente, mas não posso negar que ela tem um sorriso doce e
curioso, além de que é estilosa, sua blusa de babado deixa os ombros cheios
de pintinhas à mostra, num tom florido com detalhes em dourado que é
simplesmente lindo, e a saia frisada me lembra aquelas ciganas dos filmes
antigos e das novelas latinas.
— Bom, já passou.
Ela acena concordando.
— E o que você estava fazendo na rua numa noite tão chuvosa? —
Cleo apoia a mão sobre a bengala. — Não tem um bom rapaz à sua espera em
algum lugar?
— Não, nem aqui nem em São Francisco, onde eu moro.
— Por quê? Uma moça tão linda como você deveria ter uma fila de
rapazes atrás.
Baixo um pouco meus olhos, como explicar para uma senhorinha tão
querida que os homens que fazem parte do meu convívio dificilmente se
interessam por uma garota fora do padrão em todos os sentidos, desde o
corpo até a mente e a língua afiada?
Cleo leva seus dedos enrugados ao meu queixo e me faz olhá-la de
frente.
— Ninguém no mundo tem o direito de fazê-la se sentir mal por ser
quem é.
— Mas eles não me enxergam, sou muito diferente.
— É aí que mora a graça, imagine só se todo mundo fosse igual, que
tédio seria.
Aceno concordando e soltando o ar dos pulmões com força.
— Me diga, qual é o problema, afinal?
— Me apaixonei por um CEO, sabe, um empresário bem-sucedido.
Ele é meu chefe, mas nunca, nem uma única vez ele me notou, pra ele, não
passo de um tipo de faz tudo, alguém pra quem ele liga no meio da noite pra
pedir pra comprar um presente pra namorada da vez. Só que agora ele ficou
noivo de uma mulher incrivelmente linda e simpática e por isso me mandou
pra essa convenção de CEOs. Você pode imaginar, Cleo, um monte de CEOs
lindos, poderosos e ricos me fazendo lembrar que o amor não é pra uma
garota como eu?
— Mas por que CEO? — ela pergunta com uma voz altiva. — Não
pode ser algum outro tipo de homem? Um padeiro, um escritor, um
cabeleireiro por exemplo?
— Sim, pode, mas o meio que eu mais convivo só tem homens desse
tipo. E eles não me notam, a não ser que seja pra pedir café.
— E você quer ser notada? — algo na forma como ela mexe os olhos
me diz para tomar cuidado com essa pergunta. Sem tempo pra pensar direito
e precisando muito desabafar, eu me pego acenando que sim.
— Tudo bem, uma boa garota como você merece um pouco de
agitação. A partir de amanhã, todos esses CEOs vão enxergar você como a
mulher mais incrível do mundo, vão querê-la como querem ar pra respirar.
Mas tem uma coisa, querida, você mais do que qualquer outro ser humano, é
quem tem que se enxergar, tem que ver seu valor e amar o que é, quem é.
— Eu sei, você está certa, só queria saber como — suspiro outra vez,
isso está virando rotina. — Espere aí, o que você disse?
A mulher bufa, sacudindo a cabeça impaciente.
— Eu disse que... esqueça, logo você vai descobrir.
— Ok.
— Você é uma boa garota, vai aprender a lição antes do que pensa. —
Ela declara, acenando com o dedo enriste, e então eu a abraço apertado. — E
não se preocupe, eles vão esquecer de tudo depois.
— Acho que foi Deus ou o Universo que mandou você, Cleo,
obrigada por conversar comigo, já me sinto muito melhor.
— Foi você quem salvou minha vida, Eva, não o contrário.
Acordo com uma leve dor de cabeça, nada que uma aspirina e um
banho demorado não resolvam. A chuva de ontem me pegou em cheio, mas
acho que não vou ficar gripada, pelo menos isso, já que todo o resto da minha
vida está uma grande porcaria.
Depois que pulo da cama, abro minha necessaire e tiro uma dupla
infalível contra dores e gripes causadas por banhos de chuva inesperados:
aspirina e vitamina C.
Puxo na memória a última coisa que me lembro sobre a noite de ontem.
Cleo. A velhinha que quase nos matou, mas que também me fez sentir melhor
do que estava quando comecei a encher a cara.
Tudo bem, é hora de começar o dia.
Tomo os comprimidos usando a água da torneira do banheiro para
empurrá-los garganta abaixo e volto correndo para o quarto, quando escuto
alguém batendo na porta. Certo, espero não estar em alguma encrenca.
Ignorando completamente a aparência louca do meu cabelo e o fato de
eu estar usando apenas uma camiseta, que termina nas minhas coxas grossas,
abro a porta e dou de cara com um sorriso de cabelo bagunçado e covinhas
sensuais que me arrepiam da cabeça aos pés.
Meu pai do céu, se esse homem não fosse um CEO, definitivamente
ou provavelmente, eu estaria agora me apaixonando por ele. Pela aparência
dele, porque o temperamento ainda me irrita.
— Bom dia — ele diz, quando abro mais a porta e me viro, indo me
sentar na cama e deixando que ele entre no meu quarto.
Me colocando em risco com um estranho?
Pior do que o que fiz ontem, acho difícil.
— Fale por você — resmungo, e ele abre mais o sorriso, estendendo
uma das mãos para mim e me entregando um copo grande de café. — Bom,
pelo jeito agora vai melhorar.
— Você gosta mesmo de café, hein — ele diz, bebendo o seu.
— Depois de Olivia, café é meu melhor amigo, pelo menos na maior
parte das vezes, ontem foi a vodca.
— Vodca, é? Gostaria de ter visto isso.
Levanto da cama e me aproximo do homem de mais de um metro e
oitenta que me encara com olhos desafiadores, como se esperando por
alguma coisa travessa. Deus do céu, tudo que menos posso pensar nesse
momento é em alguma travessura com esse homem.
— O que você quer?
— Quero desfazer a péssima primeira impressão que deixei.
— Por quê?
— Porque você é a pessoa mais interessante que conheci em anos.
Bufo, controlando minha vontade de mandá-lo enfiar essa palavra
naquele lugar. Eu, interessante? Essa é uma daquelas expressões do tipo: “ela
é tão bonitinha de rosto”, “você é tão simpática”, só falta a pessoa me mandar
fazer dieta, porque meu corpo e meu rosto não combinam. Odeio essa merda
de padrão de beleza. Foda-se.
Sim, estou rabugenta.
— Por que você sempre faz essa cara quando digo que é interessante?
— Que cara?
— Cara de quem quer devorar meu fígado no café da manhã, com
muito molho picante.
Rio da comparação, mas entendo o que ele quer dizer, essa minha
cara sempre entrega como me sinto e Olivia vive reclamando quando faço
essa expressão.
— Minha amiga Olivia diz que essa é minha cara de zumbi devorador
de cérebro.
— Faz sentido. — Ele gargalha de um jeito rouco e sexy que me faz
sentir a região mais sensível do meu corpo esquentando. Sim, essa mesma
que você está pensando. — Então, qual o problema no fato de eu achar você
uma mulher interessante.
— Bom, interessante é só não é pior que simpática e bonitinha.
— Ainda não entendi.
— Deixa pra lá. Então, qual é a sua ideia? De jeito nenhum vou entrar
em uma apresentação cheia de CEOs idiotas que ficam vendendo armas e
achando que entendem mais do que eu de segurança corporativa, só porque
não coço o saco.
— Uau, você odeia mesmo esses caras.
— Desculpe, não tem nada a ver com você, é... pessoal.
— Tudo bem, não me atingiu — ele diz, e eu me pergunto se Derek
está escondendo alguma coisa ou apenas se divertindo às minhas custas. —
Talvez um dia você me conte.
— Vai sonhando.
— Tudo bem, está pronta ou vai sair assim?
— Qual o problema com o que estou vestindo?
— Por mim nenhum, mas essas suas coxas são meio difíceis de
ignorar... vou acabar esquecendo o motivo de vir até aqui.
Não sei se ele tentou ser sexy, mas conseguiu e minhas bochechas
queimam com a sensação de que ele poderia me devorar, começando pelas
minhas coxas. Quem sabe até me fazer ver estrelas.
— Tudo bem, espera um pouco. — Largo meu copo na penteadeira,
pego minha necessaire de maquiagem e corro para o banheiro, apanhando, no
caminho, um vestido azul de alças grossas e decote quadrado que está
pendurado nas costas da cadeira.
Tomo um banho rápido, coloco meu vestido, dando uma empinada
nos peitos, depois dessa coisa com as coxas, que até pode ser fruto da minha
imaginação tarada, não vou arriscar. Passo perfume, batom e penteio meus
cabelos. Coloco uma sandália baixinha porque não sei o que me espera,
então... melhor ir preparada.
Assim que saio do banheiro, pego meu café e o levo aos lábios,
apreciando o fato de que, apesar de não estar bem quente, ainda está gostoso.
Sinal de que não demorei demais no banho.
Derek está sentado na minha cama, com as costas na cabeceira e as
pernas esticadas, uma sobre a outra. Ele me olha com ares de divertimento e
apesar de eu o achar um abusado por ter se jogado na minha cama sem
permissão, não posso negar que vê-lo ali é como apertar num botão
interruptor, que faz meus peitos ligarem os faróis e arrepiam partes que
insistem em gostar do cretino do elevador.
— Pronta, linda?
— Mais do que pronta. — Pego minha bolsa do armário e confiro
minhas coisas dentro. E então o encaro, esperando que ele nos diga qual seu
plano mirabolante. — E aí, pra onde vamos?
— Dar uma volta por Miami.
— Ah, não — resmungo.
— Prefere ir à Convenção?
— Volta por Miami, aí vamos nós.

Derek abre a porta do carro, que acaba de estacionar e corre para o


meu lado, enquanto tiro meu cinto de segurança, ele abre a porta pra mim e
me brinda com um sorriso daqueles que mexem com algo dentro da gente,
sabe, nem escancarado demais, nem sem graça, do tipo que faz a gente sentir
que tem algo mais por trás da fachada rabugenta que ele exibe por aí.
— Então, aonde vamos?
— Dar uma volta na praia.
— Legal, amo praias — digo, tentando ser irônica, mas provocando
apenas um riso bobo dele.
— Qual o problema em ir à praia? — Ele bate com cuidado a porta
depois que saio.
— Nenhum, é que eu não trouxe roupa de banho.
— Hum... — Ele esquadrinha meu corpo inteiro e provoca uma onda
elétrica que me deixa ansiosa e quente. — Talvez você possa não usar nada.
Rio da provocação, mas decido não responder, porque embora eu
esteja louca pra fazer isso, prefiro apreciar o fato de que ele acaba de sugerir
que quer me ver sem roupas.
Será que estou sendo paquerada?
Derek me pega pela mão e me puxa pela beira mar, um calçadão
bonito e cheio de vida, com canteiros bem cuidados e pessoas andando de
skate, bicicleta e até patins, quase me sinto na cena de um filme ou uma série,
só falta um CSI[9] para investigar um crime.
Começamos a caminhar e eu deixo que o ar fresco e a maresia entrem
fundo no meu peito e aliviem a tensão que estive sentindo desde que descobri
sobre meu chefe.
— Nossa, faz muito tempo que não sinto esse cheiro de mar. —
Respiro fundo e ele vira seus olhos para o mar, assentindo como se me
dizendo que para ele é a mesma coisa.
Depois de andar por quase uma hora no calçadão da praia de
Hollywood Beach, de ter comprar um sorvete cheio de confetes e de ouvir
pouco sobre a misteriosa vida de Derek, decido que é o momento de sentar
em um banco e apreciar os arredores.
— Você não fala muito sobre si, não é? — pergunto, olhando Derek
direto nos olhos.
— Na minha profissão precisamos aprender a ouvir mais e falar
menos, acho que é o hábito.
— Faz sentido — concordo, mas espero por ele para continuarmos a
conversa.
— E você, Eva, quais os planos?
— Como assim? — Mordo o sorvete e sinto meus dentes doerem. —
Merda.
— Do jeito que você parece odiar executivos, é estranho o fato de ser
uma secretária executiva — ele diz, levando seu sorvete de chocolate aos
lábios.
Suspiro, porque a resposta é um tanto quanto complicada e o fato de
ele estar se deliciando com o sorvete também não me ajuda a focar no que
devo dizer.
— Eu ainda não sei o que realmente quero, gosto de várias coisas,
mas não consigo me ver fazendo uma única para o resto da vida.
— Como eu disse antes, interessante. — Ele acena com a mão livre,
para que eu continue falando. — Me fala mais.
— Eu sou boa com números, tenho minhas reservas para o futuro e
gosto de trabalhar, experimentar coisas novas até que, quem sabe um dia, eu
consiga descobrir o que me deixa feliz pra valer, o que eu seria capaz de fazer
para o resto da vida sem nunca enjoar. O problema é que já estou
experimentando essa profissão de secretária há três anos e é tempo demais.
— E por que você não sai? Pela ligação de ontem, acho que ele não
parece ser grande coisa.
— Porque toda vez que tento me demitir ele me dá um aumento.
Além do drama de que não conseguiria viver sem mim.
Derek solta uma dessas suas risadas roucas e eu remexo no lugar,
tentando manter o foco.
— Sabe o que eu quero mesmo? — pergunto e os olhos dele parecem
se iluminar, como se tivesse o fisgado com essa simples pergunta.
— O quê?
— Gostaria de viajar pelo mundo, conhecer alguns castelos, sabe,
castelos de verdade.
— Não imaginei que você fosse do tipo romântica, não me diga que
também está esperando por um príncipe encantado.
— Não, mas eu amo história, então, conhecer um castelo, tocar em
suas paredes de pedra, seria quase como tocar o próprio passado.
— Gosto mais da ideia de você ser um tipo de princesa — ele solta e
eu resmungo. — O que foi que eu disse de errado, agora?
Levanto e começo a andar com passos lentos, terminando meu sorvete
e limpando meus dedos com o guardanapo.
— Então... — insiste e eu me irrito.
— Você pode parar de me sacanear? — Paro e levo minhas mãos à
cintura.
— Não estou sacaneando você. Falei sério.
— Princesas são magras, ricas e completamente dentro do padrão —
cruzo os braços sobre o peito, emburrada. — E como você pode ver eu estou
fora do padrão, e gosto disso. Gosto de ser exatamente assim como eu sou e
ponto final.
Derek dá um sorrisinho sem vergonha, os olhos mergulhando
descaradamente dentro do meu decote, depois ele leva a cabeça atrás de mim,
olhando... não! Ele não está fazendo isso, está?
— Você está olhando minha bunda?
— Definitivamente eu gosto do fora do padrão.
Sinto minhas bochechas corando pela milionésima vez hoje. Como
ele consegue ser o babaca do aeroporto, o cretino arrogante do elevador e
esse cara lindo, sexy e com esse olhar safado que me faz imaginar coisas, ao
mesmo tempo?
— Então, me fala de você — tento disfarçar minha excitação. — Você
trabalha com quê? Digo, em qual ramo da indústria de segurança ou
armamentos você atua?
— Digamos que sou um freelance — ele declara, pensativo.
— Isso é algum tipo de código para desempregado?
— É, talvez. Você pode considerar assim se quiser. De qualquer forma,
eventualmente eu trabalho.
— Não entendi — declaro, porque ele soa tão misterioso.
— Transição de carreira, eu acho.
— Ah! Então não sou a única que não sabe o que quer, hein —
defino, satisfeita por não ser a única a bancar a doida varrida que quer viajar
pelo mundo tocando pedras de castelos mais velhos que todas as gerações da
minha família.
— Não diria isso, mas eu viajaria para conhecer alguns castelos — ri
e eu sacudo a cabeça, negando a ideia maluca de me imaginar com ele em um
avião ou em um castelo.
Voltamos a andar, desta vez na direção do carro alugado de Derek.
— Você notou isso? — ele pergunta, olhando para um carro que
acaba de passar por nós e eu nego com a cabeça.
— O quê?
— Você é algum tipo de celebridade?
— Não tô entendendo.
— Deixa pra lá — ele responde, com um sorriso confuso e meio sem
jeito.
— Pra um cara que me chamou de mal-educada por causa de um taxi,
até que você tem um sorriso legal. — Afundo no banco do carona depois que
ele abre a porta pra mim.
— Como eu disse, você é muito interessante.
Derek entra no carro e coloca a chave na ignição, seus olhos me
esquadrinham e por um instante não consigo sequer respirar. Eu sei, eu odeio
CEOs, mas este aqui é difícil de não gostar, ainda mais quando me olha como
se estivesse prestes a me devorar.
Mas será que quero ser devorada por ele?
Cada minuto que passo com Eva me pego pensando mais e mais em
como é fácil simplesmente ficar ao seu lado, a conversa flui com facilidade,
embora ainda acredite que sou um empresário, e ela odeie homens de terno,
parece se divertir comigo, mesmo com o jeito rabugento.
Sem contar que pela forma como olha pra minha boca e meu corpo,
eu apostaria um dedo polegar e um indicador (muito importantes para um
roteirista barra escritor iniciante) que está atraída por mim.
Eu sei, estou bancando o imbecil ao não falar a verdade sobre quem
eu sou e o que estou fazendo aqui, mas assim é mais fácil. Quando as pessoas
me conhecem de verdade, quando sabem que eu sou o Derek Preston o
roteirista que ganhou o prêmio da Academia há algum tempo e escritor de um
recente best seller, as coisas sempre se complicam.
Dizer adeus quando você acha que a pessoa faz parte do grupo que
você não gosta, pode ser mais fácil. Pelo menos eu acho que é. Então por que
estou incomodado com o fato de que Eva acabou de me dar tchau e está indo
assistir a última apresentação da manhã na Convenção?
— Ei... Eva — chamo, mas uma coisa maluca está acontecendo. Será
que não apenas eu estou fingindo ser algo que não sou? Será que Eva está
escondendo que é algum tipo de celebridade da internet? — Vamos almoçar?
Tento acenar, mas ela não está mais visível.
Eva está sendo rodeada por uma porção de homens, todos vestidos em
ternos com bons cortes, provavelmente mais caros que meu guarda-roupa
inteiro (não me entenda mal, eu gosto de um bom terno, mas uma camiseta e
um jeans não precisam custar o preço do PIB de um pequeno país, e como eu
gosto mais de camisetas e jeans, então...).
— Derek?! — escuto-a me chamar, sua mão de unhas vermelhas
tentando buscar o alto, para acenar pra mim. — Derek! Acho que preciso de
ajuda... socorro!
Pelo menos uns quarenta homens a rodeiam, falando, discutindo e
posso jurar que acabo de ouvir um eu te amo nesse meio. Começo a me
aproximar, buscando a ruiva linguaruda que está me pedindo para salvá-la.
Uma princesa indefesa.
Droga, isso desperta uma coisa em mim.
Vou empurrando um por um, buscando a mão dela, mergulhando
numa confusão de ternos, perfumes masculinos que pinicam meu nariz,
atacando minha sinusite.
— Porra, que merda é essa? — pergunto, dando um encontrão em um
idiota mais alto do que eu que está dizendo para Eva que a idolatra.
Idolatra?
Que santa maluquice é essa?
— Derek! — ela chama de novo e eu forço mais ainda meu corpo
para dentro do amontoado de homens. Quando em minha vida reclusa e mal-
humorada eu iria imaginar que mergulharia em uma pilha de homens para
salvar uma mulher que me chamou de cretino?
Jamais.
Mas aqui estou, empurrando um e mais outro e depois outro, tentando
achar uma brecha para salvar a garota que está em apuros e eu nem sei o
porquê.
— Eva! Estique a mão — grito e vejo as mãos dela escapando por
uma fresta entre dois sujeitos grandalhões que parecem vindos direto de um
ringue de luta livre.
Encontro a mão dela e a puxo com força, trazendo os seios grandes
para baterem direto contra o meu peito.
Tudo bem, salvar uma garota em apuros tem suas vantagens.
— No que foi que você se meteu, ruiva?
— Não faço ideia — ela diz, respirando fundo e erguendo os olhos
para mim, seus cílios se movem devagar e o peito dela sobe arfando. Algo no
gesto dela é tão sensual que alerta meus instintos, meu pau dá sinal de vida
dentro da calça e eu me vejo puxando-a para longe da confusão. — Mas...
mas alguém apertou a minha bunda.
Olho por cima do ombro de Eva, ainda abraçada a mim e com os
peitos deliciosos ainda colados ao meu, e percebo que vem devagar, quase
como se estivessem enfeitiçados, eles se viram e me encaram como se eu
fosse algum tipo de monstro que está prestes a devorar a mocinha do filme.
Porra, eu quero devorar Eva, mas não quero ser estripado por um bando de
loucos de terno.
— Eva.
— Hum — ela suspira.
— Eva, corre! — Pego-a pela mão e a puxo por um corredor. —
Merda!
— Meu Deus, o que está acontecendo? — Ela aperta minha mão e me
acompanha com facilidade, mas sua voz está apavorada.
— Me diz você, é atrás de você que estão.
— Eu não sei — ela geme, quando a puxo para um armário no fim do
corredor.
Bato a porta e coloco uma porção de caixas para impedir que os
malucos entrem.
— No que foi que você se meteu, ruiva? — pergunto e encaro os
olhos vivos e apavorados me observando, quase em pânico.
— Pra começo de conversa eu não sou ruiva, meu cabelo é cobre
escuro. — Cruza os braços sobre o peito, empinando-os mais só para meu
tormento.
Eu deveria ter transado antes dessa viagem, estou muito perto de
parecer um tarado.
— E eu não fiz nada, isso deve ser alguma brincadeira de mal gosto,
pra me fazer odiar ainda mais os CEOs do universo e até fora dele.
Quando estou prestes a fazer um comentário sarcástico, alguém
começa a espancar a porta e gritar do lado de fora.
— Meu Deus, estou vivendo em um apocalipse zumbi. — Eva solta,
começando a andar de um lado para o outro.
Levo meu indicador ao lábio e faço um som baixo de shiiii, que ela
responde com um aceno silencioso de cabeça.
Ficamos em silêncio por uns quinze minutos, então eu abro a porta e
espio o lado de fora.
— Tudo livre, vamos.
Pego Eva pela mão, só porque gosto de como me sinto fazendo isso e
não porque a estou protegendo de nada, e começo a guiá-la pelo corredor.
Saímos direto no saguão, que pra variar está absolutamente lotado de
gente. Tudo bem, a maluquice já passou, é o que penso, até me dar conta de
que todos os homens estão se virando na nossa direção.
— Derek... — ela solta um chiado consternado. — Acho que...
— Corre! Corre! — crispo, puxando-a.
Começamos a correr na direção da porta do centro de convenções,
com uma loucura de homens atrás de nós. Eles chamam por ela, gritando
coisas como: minha linda, preciso de você, querida, meu amor... isso está me
dando nos nervos. Juro que quem inventou essa brincadeirinha não sabia o
quanto podia ser irritante.
Um homem tenta puxar Eva, mas eu aperto meus dedos nos dela e a
puxo com mais força para fora. Estamos quase na saída quando dois homens
se postam na nossa frente.
— Largue-a! — um grita, erguendo os punhos.
— Isso é sério? — pergunto, puxando Eva para mim e enfrentando o
babaca. — Vai à merda, não vou largar coisa nenhuma.
— Querida, você precisa vir comigo. — Um deles dá um passo para a
nossa direção e estende a mão para Eva, que arregala os olhos, totalmente
aturdida. — Vou fazer você feliz, ele não vai conseguir.
— Meu pai do céu, que loucura é essa? — ela pergunta, dando um
tapa na mão boba do cara. — Sai pra lá, seu doido.
— Assim que eu disser, você corre — sussurro no ouvido dela e Eva
suspira.
— Certo.
Solto a mão de Eva, com um apertinho no coração por me distanciar.
Eu sei, pareço um adolescente vivendo uma aventura de filme com uma
garota por quem acha que está se apaixonando. Não é esse o caso, mas é
como me sinto quando, furioso com os dois idiotas, me lanço pra cima deles
com toda a força do meu corpo.
— Corre, Eva — grito e ela sai correndo porta afora.
— Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. Ai, meu Deus — ouço-a gritando
enquanto corre.
Caio em cima dos dois caras e eles ficam meio confusos, como se
recuperando a sanidade de repente e sem entender nada do que está
acontecendo. É uma verdadeira loucura.
— Sai de cima de mim, imbecil! — Um deles me empurra, e eu nem
perco meu tempo, me levantando com agilidade e saindo do centro de
eventos.
Do lado de fora, Eva está estapeando um homem. Ele a puxa para um
abraço, ela bate no seu peito com soquinhos que não parariam nem uma
criancinha do jardim de infância.
— Não quero machucar você, então se afaste. — Ela range os dentes
e ele tenta de novo.
Estou correndo pra ir salvá-la outra vez, porque isso parece que acaba
de virar meu passatempo ou uma missão, quando a vejo segurar a mão do
bastardo e dar um tipo de golpe ninja, mandando a cabeça do cara direto para
a porta de um carro que está estacionado na rua.
Caído por causa da pancada, ele apaga.
— Eu avisei! — Eva diz, cruzando os braços.
— Uau, além de ladra de taxis você também é ninja? O que mais vou
descobrir sobre você?
— Lembra que falei que gosto experimentar coisas? Quando eu era
menina, vivia me metendo em brigas na escola, por causa do bullying que
faziam com a Olivia e comigo, então, cresci experimentando esportes de luta,
como Karatê, kung fu, defesa pessoal, fiz até algumas aulas de Jiu-jitsu.
— Você é uma caixinha de surpresas, ruiva... ops, desculpe, quero
dizer, cabelo cobre escuro.
Eva ri da minha provocação e eu gosto do som do seu riso, solto, leve,
verdadeiro.
— Será que eu o matei? Não era a minha intenção.
Vejo os sinais vitais do cara, ele geme, comprovando que Eva não é
uma assassina.
— Está mais vivo do que nunca, só apagado.
— Certo, então vamos dar o fora, antes que ele volte com aquele papo
de café da manhã em uma cobertura que ele tem em Paris.
— Não é toda garota que dispensa uma fugidinha à Paris.
Ela bufa, começando a caminhar do meu lado.
— Que dia louco. Juro que vou dar um soco na pessoa que resolveu
me zoar.
Pego na mão dela outra vez e sorrio quando os olhos vivos da ruiva
vão das nossas mãos unidas até meu rosto. Linda e doidinha. Combinação
capaz de virar a cabeça de um cara turrão como eu.
— Nunca vi nada assim, mesmo pra uma brincadeira, você tem que
concordar que é insano. Parece que você foi enfeitiçada ou alguma coisa
assim.
Ela para, os lindos olhos azuis arregalados.
— Puta merda! É isso, eu fui enfeitiçada pela Cleo, aquela velhinha
danada!
— Cleo?
— É, Cleópatra, mas eu a chamo de Cleo. Droga, é isso. Só pode ser.
Tento não rir, porque Eva está muito pensativa e séria, será que ela
está achando mesmo que foi enfeitiçada pela tal de Cleo? Se bem que isso
explicaria todos os caras de terno que passaram de carro por nós hoje mais
cedo, pareciam prestes a perder a cabeça. Bom, agora perderam mesmo.
Eva começa a dar pequenos beliscões nos braços, me deixando ainda
mais confuso.
— O que você está fazendo?
— Me beliscando pra ter certeza de que não estou sonhando.
Rindo, coloco minha mão na sua lombar e a guio pela rua, estamos
perto do hotel e, ainda que eu não queira me distanciar muito dessa ruiva que
só se mete em encrencas, preciso tirá-la da rua, antes que algum outro maluco
venha pra cima outra vez.
— Eu não estou sonhando — declara e eu concordo.
— Não mesmo. A minha babaquice é bem real.
Ela bufa e dá mais alguns passos.
— Então estou mesmo enfeitiçada. Aquela cigana aprontou uma
comigo, hein.
— Cigana?
— É, Cleo parecia uma cigana com todos aqueles colares e anéis, e
com aquela roupa, tenho certeza de que era, mas não perguntei realmente,
estava ocupada demais tentando não deixar ela ser atropelada.
— Como assim?
— Eu bebi um pouco ontem, estava irritada, decidi sair pra comprar
mais bebida, e aí começou a chover e aquela velhinha estava no meio da rua e
vinha um carro. Eu gritei, mas ela nem deu bola, então corri. Chuva,
velhinha, noite, carro. Ia ser uma tragédia.
— E você se colocou em risco por ela?
— Não foi exatamente assim...
— Eva, você correu para o meio da rua pra salvar uma velhinha
cigana, meio surda que ia ser atropelada por um carro no meio da chuva, você
se colocou em risco.
— Tá, pode ser.
— E depois de ajudá-la acabou enfeitiçada?
— É, falando assim parece estranho. — Ela morde o lábio e eu fico
louco pra morder também, morder seu lábio carnudo e vermelho, apetitoso
pra caramba.
Eva é um caos, uma confusão de mulher que acredita mesmo que foi
enfeitiçada e por mais maluca que essa situação seja, eu não consigo nem
cogitar em deixar pra lá essa atração que sinto.
Se fosse em qualquer outro momento, qualquer outra mulher, eu já
teria virado as costas e dado o fora, mas Eva desperta alguma coisa em mim,
um instinto que eu achei que estava adormecido ou que se quer existia.
Eva e seus peitos que parecem me chamar como imãs.
Eu sei, eu sei, fiquei louco, mas... foda-se, quero levar essa mulher
direto para a minha cama, mal posso esperar para ver do que essa
encrenqueira é feita.
Que dia dos infernos. Primeiro, acordo com dor de cabeça porque
além de beber bastante na noite passada, resolvi bancar a heroína de
velhinhas ciganas indefesas, e agora isso, enfeitiçada ou amaldiçoada, ou o
que quer que seja essa insanidade que está acontecendo comigo.
Por que todos os homens de terno resolveram me perseguir? Não,
espere, não só os de terno, mas todos são CEOs. E todos estão agindo feito
doidos, me perseguindo como se eu fosse um lindo e delicioso cérebro e eles
fossem zumbis famintos.
Aperto o botão de chamada do elevador, tentando não olhar para
ninguém ao redor e sentindo o calor da palma da mão de Derek nas minhas
costas. Eu sei, não é nada demais, mas esse simples gesto desse homem tão
lindo me faz sentir toda a minha pele quente, quase pegando fogo.
— Quer um café? — Derek sussurra no meu ouvido, fazendo com que
eu me vire de imediato na sua direção.
— Como é?
— Um café... — Os olhos marotos dele me prometem uma
provocação. — Quem sabe você derruba em alguém e melhora esse humor,
acho que prefiro você me chamando de cretino arrogante do que assim tão
quieta.
Solto uma risada alta e desengonçada, do tipo que faço quando sou
pega desprevenida com algo realmente engraçado. E essa provocação é, no
mínimo, um pedido pra uma resposta malcriada.
— É, mas se bem me lembro, da última vez você acabou bastante
irritado.
— Foi mais do que isso — ele sussurra outra vez, para que só eu
escute, arrepiando também os pelos da minha nuca. — Irritado e excitado.
Pronto, meu rosto todo fica quente e aposto que estou vermelha como
um tomate maduro, o centro quente e vibrante do meio das minhas pernas
reage, mostrando que eu estou mesmo muito a fim desse homem gostoso.
— É, você lembra — ele diz, mas não soa abalado, só divertido.
A porta do elevador se abre e eu entro, sacudindo a cabeça devagar
para tentar afastar a lembrança de como Derek ficou duro quando caí em
cima dele, com café e tudo mais. Naquele momento, achei que pudesse ser
coisa da minha cabeça, agora sei, com absoluta certeza, que não foi apenas a
minha imaginação me pregando peças. E tenho certeza de mais uma coisa:
ele me quer.
Um pouco menos rabugenta e animada com a mínima possibilidade
de acabar meu dia na cama com esse homem gostoso pra caramba, deixo que
minha mente fique vagando, tentando evitar de sorrir tão descaradamente.
— Você está imaginando, não é? — ele diz e eu mordo o lábio
inferior, tentando não responder de um jeito que me mate de vergonha, mas a
verdade é única: eu estou imaginando sim, muito mais do que gostaria.
Droga. — Tá na sua cara, Eva.
— Não consigo evitar — sussurro e é a vez de ele rir.
— Vamos resolver isso — ele soa confiante e eu bem que poderia
responder com uma alfinetada, mas quero mesmo isso, não consigo mentir
pra mim mesma.
Um casal entra no elevador, a mulher está vestida com uma roupa
elegante, com calça pantalona branca e uma blusa preta colada, que desenha
seus seios empinados e termina em uma única alça. O homem, pra variar, está
de terno, claro.
Assim que eles entram, de mãos dadas, sinto a mudança do clima. E
não é só isso. Antes mesmo de a porta fechar, o homem larga a mão da
morena bonita e vem direto pra mim. Seu rosto se ilumina e eu sei, sem
qualquer dúvida, que estou mesmo enfeitiçada.
— Oi, linda, ainda bem que você tá aqui — o estranho diz e eu não
faço ideia do que fazer.
O elevador não sai do lugar e tudo parece levar um século para
desenrolar. Puta merda, estou numa enrascada.
— Você a conhece Frank? — a mulher pergunta, confusa.
— Sim, ela é o amor da minha vida — ele responde, sem tirar os
olhos de mim. — Tudo nela é perfeito, o cabelo, a voz, o sorriso, os olhos.
Ela é a deusa do universo, da minha vida. Minha rainha, minha futura esposa.
— Frank? O que está acontecendo? Você e ela estão juntos? — a
mulher está com os olhos arregalados, sem fazer ideia do que está
acontecendo.
— Não, nunca o vi — asseguro, vendo ela girar o anel de noivado no
dedo, nervosa. — Ele está delirando.
— Não, princesa, nunca. Você é minha vida.
— Pare de brincadeira, Frank, ou vou acabar tudo.
— Tudo bem — ele declara e ela arregala os olhos.
— Ela está acompanhada. — Derek se coloca no meio de nós,
afastando a mão boba do tal de Frank antes de elas alcançarem meu corpo.
— Frank! — A morena coloca a mão na boca, chocada com a cena
toda. Acredite, não estou menos chocada do que você, fico tentada a dizer,
mas resolvo amenizar.
— Desculpe por isso, é que fomos hipnotizados em uma das
apresentações, depois ele volta ao normal.
— Ah, que susto — ela diz, aliviada de verdade. Coitadinha. — Ele
realmente está agindo feito louco.
— Não estranhe, logo passa, na verdade um monte de gente foi
hipnotizada lá e estou tendo um dia do cão por causa do apresentador que
resolveu fazer piada com a gente, não é Derek?
— Sim, nos escondemos em um armário, fugimos do centro de
convenções e a senhorita ruiva aqui ainda teve de bater em um cara três vezes
o tamanho dela. — Derek acena, solene.
Tenho que admitir que pra um cretino arrogante ele consegue ser
muito mais fofo do que a maioria das pessoas. Ainda mais ao me ajudar a
salvar o relacionamento dessa moça, que não tem culpa de eu ter cruzado
com uma cigana que gosta de enfeitiçar pessoas.
— Ele não era tão alto assim — resmungo e ele ri.
— Nossa, que horror. — A mulher cobre os lábios com as mãos. —
Isso deveria ser proibido.
— Pois é — digo e ela acena. — Me desculpe por isso, estou tentando
resolver. — Que tal a gente ir de escada?
Pergunto olhando para Derek que concorda com um meneio, mas não
temos tempo, pois as últimas três pessoas entram no elevador, se
posicionando entre Frank e nós e as portas se fecham.
Frank tenta se desvencilhar das pessoas e vir pra cima de mim, me
fazendo sentir como se estivesse presa em uma jaula com um leão faminto.
Derek está com os punhos fechados, ameaçando partir pra cima do cara,
enquanto o casal de idosos e a outra mulher que entrou por último não
compreendem nada dessa confusão toda.
A morena o segura pelos braços, assustada e um pouco irritada por
causa do olhar fulminante que ele dá quando ela o impede de vir até mim.
Caramba, aquela velhinha maluca me meteu numa bela confusão.
Assim que a porta se abre no quinto andar, a noiva de Frank o
empurra porta afora, com a ajuda de Derek que o ameaça novamente com os
punhos erguidos. Confuso e totalmente fora de si, ele se ajoelha do lado de
fora do elevador, olhando com ares suplicantes pra mim.
— Linda, eu te amoooooo — é a última coisa que escuto, conforme a
porta vai se fechando.
— Ai, que merda de dia — digo, arrancando um risinho de Derek.
O casal de idosos me olha, confusos e curiosos.
— Hipnose, o coitado foi hipnotizado pra me amar — resmungo e
eles acenam, se acreditando ou não, eu não sei, mas pelo menos essa desculpa
garante que a felicidade de Frank não vai acabar por minha causa.
— Ótima ideia essa da hipnose, eu não teria inventado uma melhor —
Derek cochicha no meu ouvido, arrepiando tudo, outra vez.
— Estou acabada — Sinto que me meti na pior confusão da minha
vida.
— Tô começando a acreditar nessa coisa de feitiço — ele diz
baixinho para que só eu escute.
E então, algo estala na minha cabeça. Se todos os CEOs se sentem
apaixonados, atraídos ou loucos por mim quando me veem, por causa do
feitiço, então Derek também está.
Justo quando achei que era possível que um cara gostoso estivesse
mesmo a fim de mim, me dou conta de que ele é só mais uma vítima da
armação de Cleo. Juro, nunca mais tento salvar ninguém.
Saímos do elevador e caminhamos lado a lado até a porta do meu
quarto. Remoendo que ele está enfeitiçado e morrendo de raiva de mim
mesma por me meter nessa confusão, sigo em silêncio.
Paramos diante da porta do meu quarto, Derek se aproxima de mim,
roçando os dedos de leve pelo meu braço, conforme leva os lábios até minha
bochecha.
— Jantar? — sussurra no meu ouvido e eu me sinto aquecer nos
lugares mais óbvios do mundo, aqueles que não deveriam ficar assim por
causa de um homem enfeitiçado.
— Não posso. — Dou um passo para o lado, tentando me recuperar
da proximidade, do seu cheiro e de como me sinto por causa do seu toque
sexy no meu braço.
Ele levanta os olhos, esperando por uma explicação, já que está bem
óbvio como me sinto quando ele está assim tão perto.
— Acabei de perceber que, você sendo um CEO, também deve estar
enfeitiçado. Sinto muito por isso, mas não sou do tipo que se aproveita de
alguém indefeso por causa da porcaria de um feitiço.
— É só um jantar Eva, não um casamento — ele diz e seu sorriso
maroto desenha o rosto dele, me obrigando a morder o lábio para conter meu
ímpeto de morder sua boca gostosa.
Droga, estou excitada.
— Te pego as oito. — Ele se aproxima e beija o lóbulo da minha
orelha, dando uma mordidinha de leve que é como brasa pro incêndio no
meio das minhas pernas. — Nem pense em me dar um bolo, posso ser muito
chato se eu quiser.
— No seu normal, você me odeia — tento argumentar, mas ele não
cede. — Você está enfeitiçado.
— Tudo bem, posso lidar com isso — diz e se afasta. — As oito,
ruiva, nem um minuto a mais.
— Ok — digo, vencida.
Sei que deixar Eva pensando que estou enfeitiçado é uma babaquice
da minha parte, mas não consegui evitar. Tudo aconteceu muito rápido, e do
nada ela tirou suas próprias conclusões, além do quê, algo me diz que se
naquele momento eu tivesse contado que menti sobre a minha profissão, ela
me daria um chute na bunda, ou um dos seus golpes ninjas e me mandaria
para o inferno.
Ah sim, ela faria isso com certeza.
Se bem que não menti realmente, só a deixei acreditar no que ela bem
quis. Certo, isso não é desculpa.
Antes de convidá-la para sair, deveria ter esclarecido as coisas, ainda
mais porque estou realmente interessado em levá-la para a minha cama
depois do jantar. A forma como a senhorita ladra de taxis reage quando estou
perto, como a sinto remexer no lugar ou o jeito como morde aquele lábio
carnudo, me dizem que ela quer isso tanto quanto eu.
Não, eu não tenho a menor pretensão de engatar um relacionamento
com ninguém, nunca mais, e mesmo que essa ruiva de cabelo cobre escuro
não tenha culpa do que passei, ela não vai ser minha exceção. Podemos nos
divertir, aproveitar o momento e um sexo que parece que vai ser quente pra
caralho, mas não vai ser mais do que isso.
Talvez eu deva continuar com a farsa e só revelar se for realmente
muito necessário, caso isso signifique conseguir o que quero.
Babaca? E quem não é hoje em dia?
Só os trouxas que descobrem na véspera do casamento que suas
noivas estão dormindo com seu amigo. Eu já fui um trouxa desses. Nunca
mais.
Eu termino de me arrumar com um terno. Irônico, não é? Eu sei, mas
é o que tem pra hoje. Passo perfume, arrumo o cabelo e me preparo para
deixar o quarto.
Dou alguns passos e paro diante da porta de Eva, ela está falando alto
e consigo ouvir alguma coisa sobre estar em um tipo de enrascada, mas não
entendo bem o que é que ela diz ou com quem fala.
Bato na porta e espero.
Impaciente, tenso, com um tesão acumulado que não consigo nem
lembrar desde quando, fico trocando o peso do corpo de pé.
Faz um tempo desde que estive com uma mulher para descarregar
minhas energias e meu péssimo humor em parte é por causa disso e, também,
a causa disso.
A verdade é que faz muito tempo que eu não me sinto tão interessado
por uma mulher, atraído, sim, mas há muito tempo que uma garota não
acende em mim essa ânsia de querer sentir o toque de alguém, de sentir a
boca ou imaginar meu pau entrando e saindo de um corpo ardente até me
acabar de prazer.
Eva e seus peitos me deixam louco, me fazem imaginá-la gemendo,
chamando meu nome, fincando as unhas nas minhas costas enquanto me
afundo com força entre suas coxas grossas.
Algo me diz que ela é muito ardente e só de pensar nisso, meu pau
reage. Ele realmente gosta da ruiva encrenqueira que parece nem perceber o
quanto é linda e radiante além de um pouco/muito linguaruda e maluca, claro.
Tenho que admitir que essa história de feitiço meio que combina com
a minha nova ladra de taxis favorita, mesmo sendo a coisa mais bizarra em
que já me permiti acreditar.
Bato na porta outra vez e espero.
Um minuto depois, ela a abre para que eu entre, está sem calçado e
um olhar intrigado na minha direção. Linda pra caramba, num vestido preto
rodado nas coxas, que acentua suas curvas e faz seus seios fartos me
brindarem com uma visão apetitosa, o contorno cheio deles sob o decote é
tudo que preciso para ligar meu pau que está parecendo um tarado por causa
dela.
— Ainda não acho que é uma boa ideia — diz, rangendo os dentes e
dando uma balançada nas ondas do cabelo.
— Não, você não acha isso — devolvo, convencido. — Pode até
querer achar, mas no fundo você quer sair pra jantar comigo e...
— Você está enfeitiçado, isso é errado da minha parte — ela me
interrompe e eu estou começando a achar que vou ter que abrir a boca e me
arriscar a falar a verdade ou vou acabar transando com Eva só na minha
imaginação.
Minha imaginação é boa, mas nada se compara com a realidade e a
promessa de um sexo gostoso que o olhar dela transpira.
Certo, estou ficando louco, mas não vou deixar pra lá. Quero Eva e
ela me quer, então...
— É só um jantar, digamos que eu vou servir como seu guarda-costas.
— Você sabe que eu posso me defender sozinha — ela diz,
começando a calçar as sandálias de tiras com brilhos. — Mas vamos jantar, tô
morrendo de fome mesmo.
— Ótimo, eu também estou com fome. — Mordo o lábio inferior,
porque minha fome é dela, tenho fome de chupar esses peitos, fome de Eva.
— Nossa, você é um safado. — Ela coloca as mãos na cintura e eu
corto a nossa distância e pego seu rosto entre as minhas mãos, fazendo-a me
olhar nos olhos.
— Não vou fazer enrolação, Eva, eu quero você na minha cama se for
o que quer — Percebo o azul dos olhos dela ficar profundo e dilatado. —
Quero você gemendo enquanto passo a minha língua por todo o seu corpo.
Mas você também tem que querer.
Ela solta um gemido manhoso e eu me obrigo, com muito esforço,
muito mesmo, a esperar por ela.
— Você me quer, Eva?
— Não posso — ela resmunga e se afasta, deixando um vazio no meu
estômago, que empurro para o fundo com força, para me impedir de xingar
alto. Eva é forte, decidida e... tem algo mais, mas não sei dizer. — Mas
vamos jantar, Kevin Costner.
— Kevin Costner?
— Isso, daquele filme do guarda costas.
— Ah — respondo, rindo. — Não achei que você fosse tão velha.
— E não sou, mas gosto de filmes. Gosto muito.
— E qual seu filme favorito? — pergunto, enquanto meus olhos
correm pelo quarto, absorvendo as cores, os brilhos das roupas penduradas
aqui e ali, observando a intensidade da presença dela no ambiente. Droga,
Eva é mesmo um furacão ruivo.
— Todos os filmes românticos do Keanu Reeves — diz e eu não
consigo imaginar uma resposta melhor ou mais a sua cara. — O que foi?
Surpreso?
— Um pouco, mas não totalmente. Você tem cara de que curte um
cabeludo.
Ela ri de um jeito meio estranho, esganiçado, mas eu não ligo, algo na
forma como os lábios se desenham numa meia lua, me faz querer mais disso.
— Então, tem certeza que consegue lidar com o feitiço? — Ela me
lança um olhar astuto, pegando a bolsa. Aceno que sim e ela suspira. —
Então vamos. E seja o que o universo quiser.
— Só tem uma coisa que eu queria saber antes — pergunto,
lembrando de ouvi-la falando sozinha antes de entrar no seu quarto.
— E o que é?
— Você fala sozinha?
— Geralmente não, por quê?
— Porque ouvi sua voz, parecia indignada, antes de eu bater.
— Ah, passei uma hora numa videochamada com a Olivia, minha
melhor amiga, tentando explicar a confusão do feitiço, mas ela ainda não
acredita e acha que estou doida.
— Depois do que eu vi hoje, não duvido de mais nada.

O caminho do quarto de Eva até o restaurante do hotel é um inferno.


Cruzamos com dois caras vestidos informalmente, mas que com certeza são
CEOs, porque assim que eles passam por nós, viram e começam a nos seguir.
Droga, achei que a maluquice tinha ficado para trás. Só que não.
Meu primeiro instinto é pegar Eva pela mão, ela não impõe
resistência, mas posso sentir que está tensa enquanto andamos pelos
corredores, tentando não sair correndo numa fuga alucinada.
— Eles estão atrás de nós, não é? — pergunta, sem se virar.
Dou uma espiada de relance por cima do ombro e tomo um
verdadeiro susto, parando de súbito e virando totalmente para a direção de
onde viemos.
— Porra! — Solto e ela se vira no mesmo instante, levando as mãos
aos lábios e comprimindo um grito de espanto.
Há pelo menos dez homens nos seguindo em fila, surgidos nem sei de
onde, dois deles encaram-se com raiva, como se um desafiasse o outro para
uma luta livre, e todos eles suspiram quando notam que Eva os está
observando. Ela está enfeitiçada, não tem outra explicação. Isso ou foi todo
mundo hipnotizado de fato. Que loucura.
— Meu Deus! — ela diz, tentando conter o pânico.
— Oi linda — um deles grita.
— Meu amor — outro cantarola, mas o próximo da fila o cutuca com
a mão e uma cara de galo de briga.
— Seu amor, coisa nenhuma — o galo de briga crispa. — Ela é
minha, meu amor.
— Nem pensar — o cutucado devolve e sei que está na hora de irmos,
antes que a coisa piore e eu me veja numa confusão com um bando de
homens. Tudo o que menos quero é isso, prefiro me meter em Eva e não em
confusões com caras enfeitiçados.
— Vamos. — Eu a puxo discretamente quando eles se atracam e
viram uma massa disforme de ternos, braços e gravatas.
Guiar Eva pelos corredores do Hotel é quase uma maratona, do tipo
corrida com obstáculos. Neste caso, os obstáculos são homens importantes,
que dirigem as empresas de segurança privada e de armas mais ricas do país.
Não duvido nada que a maioria desses malucos ande armada o tempo todo e
que a qualquer momento percam a cabeça e isso tudo vire um tipo de
massacre da serra elétrica, só que com armas e CEOs loucos.
Estamos caminhando para o elevador, depois de dar duas voltas no
andar, fugindo dos encrenqueiros que abandonaram a briguinha generalizada
e vieram atrás de nós, quando a porta se abre e um homem de pelo menos
dois metros direciona seus olhos para Eva, seu rosto carrancudo se
transforma num sorriso babão, confirmando a minha teoria de que ou está
todo mundo hipnotizado ou o nosso mundo é mais maluco e mais mágico do
que um cínico como eu poderia acreditar.
— Derek... — Eva aperta minha mão na sua.
— Merda! — Solto, tomando o caminho da porta que leva para a
escadaria.
— Meu amor, não vá, me deixe levar você pra casa... para o altar... —
o cara grita com uma voz que me lembra a do próprio Arnold
Schwarzenegger em Exterminador do Futuro.
— Caramba, precisamos dar um jeito nisso — resmungo, enquanto a
puxo escada abaixo.
— Nem me diga.
Assim que alcançamos o andar térreo, eu abro a porta com cuidado e
espio, me certificando de não ver uma gravata ou terno por perto. A esta hora,
a maioria das pessoas está vestida informalmente e eu não saberia diferenciar
se é apenas um cara ou um CEO, mas ainda assim, dou outra espiada e a
puxo para o saguão.
— Vamos linda — digo e ela suspira. Estacando no lugar.
— Acho que eu deveria ter ficado no meu quarto — Eva resmunga e
eu sorrio.
— Bom, podemos voltar se quiser. — Provoco, olhando sem qualquer
pudor para a curva dos seios que tanto me chamam.
— Meu Deus! Ou você para ou vou bater em você, Derek.
Rindo, acabo acenando.
— Não tenho culpa se seus peitos me atraem... consigo me imaginar
chupando seus mamilos até que eles fiquem vermelhos — continuo a
provocação num sussurro ao pé da sua orelha, apreciando pra valer a forma
como ela fica vermelha e como seu peito sobe e desce com força. Ela me
quer. Ótimo, eu a quero também. — Acho que eu posso me perder aí dentro,
se você deixar.
— Derek... — ela geme e eu me aproximo mais, mordisco de leve o
lóbulo da orelha e o chupo.
A pele de seu pescoço arrepia e eu perco o juízo, puxando-a de volta
para o corredor das escadas e fechando a porta às minhas costas.
Encosto Eva na parede e com meus braços apoiados ao lado do seu
corpo, eu a prendo dentro do meu espaço, quase como uma fera que cerca sua
presa.
Eu sei, ela não tem nada de presa indefesa, mas, mesmo assim, me
sinto um animal prestes a abocanhá-la.
— Quero você, Eva — digo, olhando faminto o azul infinito dos seus
olhos. — Quero ver você derreter enquanto me enterro bem fundo entre suas
pernas.
Ela geme de novo e eu não resisto, abocanhando seus lábios quentes e
carnudos.
Os braços de Eva vêm para o meu pescoço e ela puxa meu corpo para
o seu, enquanto abre a boca e permite a minha entrada.
Mordisco o lábio inferior, sentindo o gosto do brilho labial e me
deliciando com a maciez. Esfomeado, invado-a com a minha língua,
deixando que a sensação poderosa de tesão e descoberta me guiem.
Eva também se rende aos seus instintos, cravando as unhas na minha
nuca e me arrancando um arquejo sedento. Não é um beijo rude, mas é forte e
brusco e não tem nada de delicado, entre nós só há fome e sede um do outro.
Nossas línguas se encaixam com perfeição, como se tivessem
esperado demais por esse encontro e agora explodissem por causa do desejo.
O fogo queima as minhas entranhas e eu quero Eva mais do que
pensei que pudesse querer qualquer coisa.
— Você tem um gosto tão bom — sussurro no seu ouvido, mordendo
de leve e começando a passar a língua na pele quente e arrepiada do pescoço
dela. Ao mesmo tempo, levo uma das minhas mãos até sua cintura e aperto os
quadris, puxando-a contra mim e encostando meu pau duro e pulsante no
ventre de Eva.
Na sequência vou subindo devagar pela cintura, até chegar na curva
dos seios. Aperto-o por cima da roupa e Eva geme alto, me deixando mais
louco ainda.
— Vamos voltar para o quarto? — pergunto e a sinto amolecer um
pouco mais.
Isso linda, derreta, mal posso esperar para comê-la todinha.
Vamos, Eva, você sabe que me quer.
Beijo a curva dos seus seios e ela geme baixinho, segurando a minha
nuca e esfregando os quadris em mim, excitada.
Eva suspira e sinto que vai se render, mal posso esperar para me
perder nas suas curvas e experimentar o sabor da sua boceta, só de pensar,
meu pau pulsa ansioso, quase implorando para entrar nela.
Para minha surpresa, ela me afasta com as duas mãos espalmadas no
meu peito. Seus olhos estão sérios e algo me diz que vou perder a batalha.
— Não posso.
— Pode — insisto em seu ouvido e ela suspira.
— Eu não sou desse tipo, Derek, não me aproveito das pessoas — Ela
limpa o batom dos meus lábios com um olhar triste que me faz sentir um
vazio no estômago. — Acredite, você é meu tipo, mesmo quando banca o
idiota, mas está enfeitiçado e eu não vou usar isso pra dormir com você.
— Não estou enfeitiçado — digo, mas ela apenas acena, discordando.
— Até pouco tempo você me odiava.
— Eu nunca te odiei, bom, eu sou naturalmente um babaca, mas eu
me senti atraído desde o momento em que a vi, correndo para roubar o meu
taxi.
Eva me pega pela mão, decidindo ignorar minha explicação.
— O que acha de abandonarmos o jantar no restaurante e sairmos
para dar uma volta? — pergunta e eu concordo, ainda que muito chateado e
com um pau inchado e faminto dentro da calça.
— Só preciso de um momento — digo e olho para o volume na minha
calça.
Eva baixa os olhos e suas bochechas coram quase que
instantaneamente. O jeito como ela morde o lábio é demais para a minha
sanidade.
Passo a mão pelos meus cabelos e me viro para um lado e outro,
tentando pensar em qualquer outra coisa que não seja a imagem de Eva nua
na minha cama, com as pernas abertas e a minha boca fazendo-a gemer.
Merda. Tá difícil.
— Por que está com essa cara de dor de barriga? — pergunta e eu
resmungo.
— Estou tentando esfriar, pra não dar vexame ao sair daqui, mas está
muito difícil, porque seu cheiro está em mim e só penso em entrar em você.
— Ah, desculpe. Talvez eu possa ajudar você — murmura e eu solto
uma risada e uma lufada de ar que soam irônicas, ou meio irritadas, depende
de como ela for interpretar. — É sério, quero ajudar, como eu faço? O que
digo?
— Merda, falando assim eu só penso em sacanagem.
Eva ri e eu me sinto um adolescente perto da garota de quem está a
fim, com um pau duro e nenhum jeito de me livrar do vexame. Vencido,
escondo minha ereção o melhor que posso e respiro fundo.
— Vamos sair daqui, mais um minuto e não respondo por mim.
Não, eu definitivamente não posso voltar atrás e ir para cama com
Derek. Mesmo com meu cérebro, meu corpo e tudo em mim querendo muito
isso. Não.
Não.
Não.
Que droga, por que ele foi me tocar daquele jeito? Praticamente
derreti na boca dele, sentindo a ânsia que sei que ele tem por mim. E aquelas
coisas que ele disse?
Ai minha nossa senhora, aquele homem é muito safado. Imagina só o
que ele faria comigo na sua cama. Só de imaginar já fico quente.
Preciso parar de pensar assim, já estou toda molhada por causa do
beijo e dos amassos que demos na escadaria e, agora, toda vez que ele me
lança um olhar de esguelha, sinto que tudo esquenta novamente.
Assim que Derek se sente um pouco menos exposto, o que eu traduzo
como menos duro ou apenas sem conseguir mais esperar, escapamos por uma
saída lateral do hotel, mais discreta. Ele pega o carro que alugou para não ter
que brigar por causa de taxis com mais ninguém. Eu sei, ele é doido, mas eu
meio que gosto desse seu jeitão carrancudo que resmunga à toa.
Agora, enquanto está estacionando, eu me pego admirando a agilidade
das suas mãos e braços ao manobrar o carro, sua concentração e olhar. Meu
Deus, ele é mesmo muito gostoso e tem esse jeito todo inteligente que me
atrai muito. O que posso fazer se eu gosto de um desafio?
E esse homem é um belo, sarado e rabugento desafio.
Não, Eva, você não pode. Ele é só uma vítima do feitiço daquela
velhinha danada que resolveu me pregar uma peça.
— No que está pensando, ruiva?
— Em como você é gostoso — digo, sem pensar e Derek ergue uma
sobrancelha na minha direção. — Espero que você esqueça disso depois que
o feitiço passar.
Ele ri.
— Tomara que não, porque gosto mesmo de ouvir você dizendo que
me acha gostoso. — Ele para o carro, mas não descemos, mantendo nossos
olhares por um tempo. — É claro que eu preferiria ser gostoso na sua cama,
fazendo você gozar, mas em todo caso...
— Meu Deus, você é um safado — digo, rindo.
— Você prefere um homem casto? Puritano...
— Não, eu prefiro exatamente assim, que diz o que gosta e o que quer
fazer.
— Tudo bem, gosto de como você rebola essa bunda firme pra cá e
pra lá, se equilibrando naqueles saltos fininhos, e como seus seios ficam
desenhados nesse decote, é apetitoso demais. — Ele suspira, mas não parece
pronto para se calar. — Gosto como você fincou as unhas na minha nuca
quando nos beijamos. Você tem um cheiro gostoso que me deixa com muito
tesão, e não consigo parar de pensar que você deve ter um daqueles mamilos
grandes e rosados, que enchem os olhos e a boca de um cara.
Fico pasma com a facilidade como ele despeja tudo isso, seu olhar
devasso me faz remexer no banco do carro e posso apostar que ele, mesmo
enfeitiçado, está gostando muito de como está me deixando.
— Tem mais... — diz e eu não consigo exprimir um único ruído
sequer. — Gosto como consigo notar que você tá excitada e louca pra desistir
de ser uma boa moça e se render pra mim. Eu não vou forçar, sou um cara
decente. Pelo menos tento ser, mas eu realmente quero que você desista e me
deixe fazer você gozar a noite inteira.
— Nossa, tá quente aqui. — Começo a me abanar e ele liga o ar-
condicionado, deixando bem claro que não vamos a lugar nenhum ainda.
Droga, vai ser difícil escapar disso.
— Eu não estou enfeitiçado, na verdade, acho que foi todo mundo
hipnotizado, menos eu — diz e eu resmungo.
Derek pega minha mão e a leva ao seu pau por cima do terno chique.
O volume me faz gemer baixinho e ele vem até mim, seus olhos estão cheios
de desejo e eu me perco neles. É a perdição de uma mulher, esse olhar, esse
toque, esse volume nas calças, meu pai amado, alguém me abana, tô pegando
fogo.
— Eu a quero nua na minha cama, Eva, quero me enterrar no meio
das suas pernas e sentir seu gosto quando gozar na minha boca, mas vou
esperar quando estiver pronta — declara solene e dá um selinho casto nos
meus lábios.
— Você é um cretino — crispo e saio do carro, batendo a porta.
Derek sai e vem até mim, confuso.
— O que foi? — pergunta e seus olhos me esquadrinham, buscando
uma resposta. — Achei que gostasse de quem fala o que pensa.
— Eu gosto, tanto que estou me forçando a não mudar de ideia. E
esse é o problema, é difícil resistir.
— Então não resista.
— Não posso.
— Sim, você pode — ele retruca, emburrado, encostando no carro
com os braços cruzados.
— Que espécie de pessoa eu seria se levasse um cara enfeitiçado pra
cama? É como um cara que se aproveita de uma garota meio bêbada no bar
— cruzo meus braços sobre o peito também, tentando parar de pensar nas
coisas que ele me disse há poucos instantes.
— Desculpe, não foi minha intenção fazer você se sentir assim.
Vamos, quero compensá-la.
— Como?
— Me comportando como um bom rapaz, casto, puro e tímido.
Rio e o sigo, sabendo que de casto, puro e tímido Derek não tem
nadica de nada. Meu Deus, ele vai ser a minha perdição.
Com cachorros-quentes nas mãos, caminhamos pela Ocean Drive,
uma importante e super movimentada avenida em South Beach, um bairro de
Miami. A temperatura amena é agradável e a brisa bagunça um pouco as
ondas que levei quase uma hora para fazer no meu cabelo, e que Derek
praticamente desmantelou em alguns minutos na escadaria do hotel.
Ele dá uma mordida grande e me olha daquele jeito maroto que chega
a ser um crime quando ainda me sinto tão excitada.
— Estou enchendo a boca pra não falar besteira — diz de boca cheia
e um olhar divertido que me faz perder a postura rígida. — Come.
Dou uma mordida grande e ele sorri, satisfeito com a constatação de
que não estou chateada. Seguimos, desviando das pessoas que se exercitam a
noite ou que, assim como nós, só estão passeando sem um destino ou
objetivo.
Derek me puxa pela rua que já está toda iluminada com as muitas
cores dos bares da outra calçada, onde um monte de gente vestida para a noite
se prepara para entrar em seus destinos ou espera nas filas.
Comemos sentados em um banco, observando o movimento e
conversando sobre diversas aleatoriedades.
— Então, quando é que você vai me contar por que odeia tanto
CEOs?
Suspiro, pensando em como responder essa questão. Não é fácil
admitir que estive apaixonada por anos e anos por alguém que nem nota a
minha existência a não ser que precise que eu compre algum presente para
suas garotas, ou, agora, para sua noiva.
— É uma longa história.
— Tudo bem, temos tempo e já que não vou me ocupar na sua ou na
minha cama, você pode me entreter com uma boa história.
— Uma boa história, é? — ergo as sobrancelhas, sentindo uma onda
de ansiedade percorrer meu corpo.
— Eu adoro boas histórias — ele responde com simplicidade e posso
ver que está sendo sincero.
— Tudo bem. — Respiro fundo e termino meu cachorro quente. —
Meu chefe vai se casar e decidiu me mandar nesta convenção, como se eu
não tivesse mais nada pra fazer.
— E por que você não disse não?
Dou de ombros, sem uma resposta que não me exponha ou humilhe
como a gordinha rejeitada pelo chefe. Não quero que Derek me veja assim,
mesmo que seja como eu me sinto por dentro.
— Você está apaixonada? — ele pergunta num tom sério.
— Eu... — Aceno em negativo, mas não engano nem a mim mesma.
— Eu só não soube dizer não.
— Vamos trabalhar isso, não é saudável que você se sacrifique por
um cara que nem note que você o ama.
— Eu não disse que o amo.
— Se você diz. — É a vez de ele dar de ombros.
— Mas e você? Não vai me contar nada da sua vida?
— Não.
E simples assim, me vejo rindo da cara emburrada de Derek. Não faço
ideia de porque ele ficou assim, mas mal posso esperar para ouvir a
explicação.
— Uma volta na praia? — ele pergunta, tentando me dissuadir da
conversa, mas algo pula na minha cabeça quando olho para o outro lado da
rua.
— Não, nós vamos dançar. — Eu o pego pela mão e o puxo para
atravessarmos a rua.
— Não, dançar, não. — Ele choraminga e eu estalo a língua nos
dentes.
— Sim, dançar, sim.
Eva só pode estar querendo me matar com esse rebolado.
E os últimos dez minutos estão sendo infernais.
Quando me recusei a entrar na boate cubana que ela cismou em
conhecer, a ruiva ladra de taxis me encarou com toda firmeza e declarou:
— Ou você entra na merda da casa noturna ou vai me contar a história
da sua vida, desde que era um bebezinho melequento até o motivo por odiar o
universo todo.
— Certo, vamos entrar na porra da boate.
Vencido, deixei ela me guiar por entre um amontoado de gente
colorida que não parava de dançar no ritmo caliente da América Latina.
Assim que encontramos uma mesa eu estacionei, pedi uma cerveja pra mim e
um drink colorido que Eva escolheu, e decidi não sair do lugar.
— Já faz tempo que estamos parados, vamos dançar? — Eva falou
alto para eu conseguir escutá-la. Sacudi a cabeça, resmunguei, mas ela fez
pouco caso e me puxou para a pista.
Desde então estou aqui, vendo-a rebolar, sacudindo o vestido rodado
e exibindo parte das belas coxas, tentando não morrer de tesão, não
enlouquecer e não matar nenhum desavisado que volta e meia tenta tirar ela
para dançar.
— Vamos, Derek, sacode o corpo pelo menos — ela diz, os olhos
brilhando enquanto requebra de um jeito sexy.
— Não posso — sussurro no seu ouvido e ela me lança aquele olhar
curioso que me diz que está analisando minha expressão, tentando descobrir
o que escondo. — Só consigo pensar em coisas safadas pra dizer, você tá
gostosa demais.
Eva joga a cabeça para trás e lança os braços para o meu pescoço,
minhas mãos correm direto para a sua cintura e quando dou por mim, estou
dançando no ritmo da minha ruiva enfeitiçada.
Colamos nossos corpos e eu sinto meu pau pulsar dentro da calça
quando o cheiro de morango dos cabelos dela me acerta em cheio. Eva dança
e a aura sensual ao nosso redor não demora nada para se instalar entre nós e
ao redor.
A música animada, os demais corpos dançando com toda a
sensualidade dos cubanos, a luz mais baixa e colorida, a vontade louca que
estou de levar Eva para o meu quarto e comê-la a noite toda... tudo isso só me
faz ter certeza, preciso contar a ela que não posso estar enfeitiçado porque
não sou um CEO, sou apenas um roteirista e aspirante a escritor.
Eu preciso ter essa delícia de mulher, custe o que custar.
— Vamos sair daqui? — pergunto, puxando Eva para os meus braços
e mergulhando meu nariz no seu pescoço. Minha baixinha peituda é uma
perdição.
E seu olhar ardente me deixa louco.
— Vamos, não seja má, quero tirar mais uma lasquinha de você
enquanto posso — quase choramingo no ouvido dela, tentando falar baixo,
mas meio que aos gritos por causa do som alto.
— Não podemos.
— Sim, podemos. — E eu a puxo pela nuca e obrigo seus lábios a se
grudarem aos meus.
Eva me quer, posso sentir como é um esforço pra ela, como está
lutando contra a vontade de se entregar a mim.
Saímos meio aos tropeços da boate cubana, depois que pago as nossas
únicas duas bebidas, nos beijando como malucos, mas tentando manter as
mãos longe um do outro.
— Por que isso tem que ser tão bom? — ela pergunta, depois de
entrar no banco do passageiro do Tesla que aluguei para não ter de disputar
mais taxis com ninguém, enquanto coloca o cinto.
Eu a ajudo, porque ela está toda atrapalhada, puxando o cinto que
literalmente emperrou.
— Porque sim — digo e assim que o cinto dela se prende, puxo seu
rosto ao encontro do meu e a beijo outra vez. — Porque você é irresistível e
tem um gosto muito bom. E esse cheiro de morango...
— É o meu shampoo.
— Eu gostei, acho até que vou comprar um pra mim, só pra me
lembrar de você.
— Meu pai amado, você é o próprio pecado encarnado. — Geme, mas
não se afasta, pelo contrário, ela mordisca meu lábio, brincando com os
cabelinhos da minha nuca e me deixando fazer a festa com a minha língua na
sua boca.
— Você é má — reclamo, quando Eva me afasta, recobrando a
postura e o medo de estar abusando de mim.
Abusando de mim?!
Dou a partida e viro no primeiro sinal de trânsito, tentando esfriar e
não pensar em todas as coisas safadas que me imagino fazendo com essa
delícia de mulher.
— Então, por que você estava tão bravo quando o conheci?
— Porque eu não queria fazer essa viagem, mas como você, não
soube dizer não.
— Quem diria. Se você tivesse sido mais teimoso, como parece que é,
teria ficado em casa e se livrado desse feitiço.
— E não teria beijado você — retruco. — Foi a melhor decisão que
tomei: ceder e vir pra Miami. E... sobre isso, tem algo que eu quero conversar
com você.
— Para o carro Derek!
— É sério, Eva....
— Para agora — ela grita e antes mesmo que eu estacione ela desce e
sai correndo.
Pela janela aberta consigo ver Eva correndo e acenando com aquele
seu jeito doido para uma velha que parece muito com a outra ladra de taxis do
aeroporto, a velha que, de algum modo, sabia meu nome.
Estaciono, desço e vou atrás dela, mas no caminho encontro Eva
voltando, toda murchinha.
— Era ela, mas a danada fugiu de mim. Sabe o que é pior? Ela me
viu, acenou e deu no pé, do nada evaporou. — Eva suspira e vem para os
meus braços, meu primeiro instinto é abri-los e aconchegá-la ao meu peito.
— Me leva pro hotel?
— Claro, linda, vamos.
— Certo, mas você tem que se comportar, não sei se consigo lidar
com sua safadeza agora, ou melhor, não sei se resisto.
— Essa é a ideia — digo, rindo e abrindo a porta do carro para que ela
volte para dentro.
Seguimos o percurso até o hotel conversando sobre várias coisas,
filmes favoritos, bandas, livros, religião. Uma coisa leva a outra e a conversa
flui com uma facilidade surpreendente. Eva tem um humor irônico e ácido, ao
mesmo tempo que tem um jeito doce que bagunça a minha cabeça.
Se o meu plano era me divertir por algumas noites com essa garota
sexy e depois dar o fora como se tudo não passasse de uma consequência do
tal feitiço, de repente não consigo me imaginar saindo de fininho ou não
ouvindo sua tagarelice.
Então, uma pontada de desapontamento fisga minha mente. Eu sou
mesmo um idiota, como pude deixar Eva pensando, todo esse tempo, que sou
um CEO que está influenciado pelo tal feitiço da velha que ela salvou?
E como é que eu vou contar?
Depois de ver o olhar triste dela, quando perseguiu a tal velha e não a
alcançou, a forma como ela se mantém firme na convicção de não abusar de
uma pessoa que está indefesa. Essa garota é um caos, mas é também uma
surpresa boa que cruzou meu caminho.
A pegação recomeça no elevador. Eva é dura na queda, mas eu posso
ser um bastardo teimoso quando quero. Eu sei, eu sei, tenho que achar um
jeito de contar a verdade, mas não é o momento, ela está tensa e sexy e eu
estou louco por ela.
Só consigo pensar em enfiar minha mão por dentro desse vestido e
sentir suas curvas, sua pele, seu gosto. Pronto, de pau duro outra vez.
— Você está duro de novo? — Eva sussurra, se afastando da minha
língua que insiste em invadir a sua com uma fome de outro mundo.
— Não consigo evitar — respondo, um pouco sem jeito.
— Droga. — Ela geme, me puxando para a sua boca e indo com a
mão direto na minha ereção.
Eu sabia, tem uma mulher ardente escondida atrás da linguaruda ladra
de taxis. E ela pode lutar o quanto quiser, mas eu sei, sem qualquer dúvida,
ela me quer.
O elevador apita e nós dois saímos, mas sem tirar as mãos um do
outro. Guio Eva, ainda grudado aos seus lábios, até a primeira parede que
encontro e a prenso.
Com uma das minhas mãos aperto o seio dela e com a outra, levanto
um pouco do vestido e mergulho na sua coxa, apertando a bunda dela e a
fazendo gemer na minha boca.
Esse gesto é como fogo, me acende ainda mais.
Percorro o seu pescoço com a língua, mordiscando a pele arrepiada e
a fazendo estremecer.
— Eva... — sussurro e ela solta outro gemidinho involuntário.
Com a mão que aperto sua bunda farta, investigo a pele quente por
dentro do vestido, indo roçar no tecido de sua calcinha úmida.
— Você tá molhada pra mim, linda?
— Estou — ela diz, totalmente entregue.
Continuo beijando Eva, uma das mãos dela na minha nuca me aperta,
cheia de sede, a outra raspa as unhas por dentro da minha camisa, no meu
abdômen, os quadris mexendo de leve para frente e para trás e me deixando
ainda mais arrebatado, então enfio meu dedo pela fresta lateral da calcinha,
sentindo a pele quente e enxarcada. Devagar acaricio a boceta, tomando o
cuidado de encontrar o ponto que a faz derreter de vez.
Eva geme, me impelindo mais na investigação, então enfio um dedo
dentro dela. Quente, molhada, gostosa.
— Você tá me deixando louco — digo, na sua boca, depois de engolir
um gemido ansioso dela.
O elevador solta um bipe assim que a porta se fecha, tirando nós dois
do transe. Me afasto só o suficiente para olhar Eva nos olhos e depois beijá-la
de um jeito mais comportado.
Ela suspira, excitada demais para resistir e, mesmo que eu soe como
um idiota, eu me sinto poderoso. Com todo esse bando de empresários a
disputando, é pra mim que ela está gemendo, vai ser no meu pau que vai
gozar.
Pego Eva com uma das minhas mãos e a guio pelo corredor. No meio
do caminho não resisto a provocá-la mais. Então paro e levo meu dedo que
esteve em sua boceta até a boca e o chupo.
— Você tem mesmo um gosto delicioso.
Eva fica vermelha, sua respiração pesada sobe e desce, fazendo-a
arquejar.
— Sabe o que é pior? — pergunta e eu aceno que não. — É que eu sei
que vou me arrepender muito do que vou fazer agora, ainda mais porque você
tem um tanquinho que eu adoraria lamber todo.
— Vai se arrepender? — Estaco diante da porta do quarto dela,
completamente sem entender.
— Boa noite, Derek — ela diz, pegando o cartão chave de dentro da
bolsinha minúscula que nem me dei conta de que esteve carregando todo esse
tempo.
— Boa noite — resmungo e a beijo na bochecha.
Antes de me afastar demais, paro e sorrio.
— Se mudar de ideia, estou aqui do lado, pensando em você enquanto
bato uma.
Meu Deus, achei que ia morrer, meu coração foi nas alturas e voltou
no tempo de uma única batida. Derek é o ser humano mais erótico que eu já
conheci e com certeza eu seria capaz de me desmanchar, acho que seria capaz
até de gritar de prazer.
E o que foi aquilo de chupar o dedo que estava melado por ter entrado
dentro de mim? Foi muito difícil resistir, por um momento pensei mesmo em
chutar o balde e cair nos braços dele, mas eu não posso fazer isso.
Se eu não gostaria que um homem se aproveitasse de alguma
vulnerabilidade minha, por que faria isso com algum deles?
Tiro minha roupa e me enfio debaixo do chuveiro, com a água quase
gelada. Preciso muito esfriar, aquele homem delicioso ligou o turbo em mim
e agora não consigo parar de pensar nele.
Mergulho na água e fecho os olhos, eu tento, mas a imagem dele, o
gosto da sua boca, a sensação dele me tocando bem no meu centro excitado,
nada disso sai da minha cabeça e quando dou por mim, estou apertando um
seio com uma mão e me tocando com a outra.
Todas as coisas que ele me disse explodem em minha mente,
elevando minha excitação a um nível que não experimento há muito tempo.
Em poucos instantes estou revivendo mentalmente todas as vezes que nos
beijamos e tocamos esta noite.
Solto um gemido involuntário quando encontro o ápice da onda de
prazer, vendo nitidamente os olhos do meu vizinho de hotel, o babaca, o
arrogante, o gostoso que quer me levar pra cama, Derek. Ele é todos e um só.
E eu estou louca por ele, definitivamente.
Depois do banho, escovo os dentes e visto uma camisola branca
estampada com cerejas e morangos e isso me lembra, no mesmo instante, a
voz de Derek falando do cheiro do meu shampoo. Será possível que agora
tudo vai me fazer pensar nele?
Pego o telefone e faço uma chamada de vídeo com Olivia.
— Pensei que teria que mandar a polícia a sua procura — minha
amiga reclama ao atender a chamada. — Te liguei duas vezes.
— Desculpe, esqueci o celular no hotel.
— E, aí, quais as novas?
— Sai pra jantar com o Derek.
— O cara do taxi e do elevador? — Ela abre um sorrisinho maroto. —
Então está perdoada por não ter atendido. Mas e como foi?
— Quente — respondo e ela ri.
— Ele está mesmo a fim de você.
— Mas isso é culpa do feitiço daquela velha doida.
— Você tem que parar com isso, Eva, está começando a me soar bem
maluca.
— Eu sei — resmungo e sacudo a cabeça. — Mas é verdade, minha
vida está uma loucura, há algumas horas vários caras partiram pra briga por
minha causa.
Olivia ri outra vez, me deixando um tantinho irritada.
— Tudo bem, vejamos o que nós sabemos: são CEOs e eles ficam
meio retardados quando você está perto, achando que amam você? Certo?
— Sim.
— E esse Derek parece o mais sensato de todos, certo?
— Sim.
— Então talvez ele não esteja enfeitiçado, e sim a fim mesmo de
você.
— Um cara como ele não estaria a fim de mim — choramingo,
lembrando do tanquinho delicioso.
— Você já se olhou no espelho, amiga? Você é linda, inteligente e
tem essa boca carnuda que dá inveja em todas as mulheres que te vem com
seu batom vermelho... tá na hora de parar de achar que é inadequada, você é
maravilhosa.
— Eu sei, mas homens como ele só gostam das mulheres magras, tipo
top model.
— Homens como ele?
— Sim, ridiculamente bonito.
— Quer dizer que ele é gato, então?
— Gato é apelido, ele é lindo, gostoso, tem um tanquinho todo cheio
de gominhos e é um safado.
Olivia alteia as sobrancelhas, desconfiada.
— Como você sabe que ele tem um tanquinho? Nãoooooo! Você
andou averiguando? Me conta tudo.
— Eu não sou de ferro, ele estava com a mão na minha bunda, depois
na minha... você sabe onde, é claro que eu tirei uma lasca também.
— Ai, meu Deus, você deu uns amassos no cara do elevador?! De
zero a dez, quanto é o beijo?
— Vinte.
— Ai, amiga — Ela sacode na cadeira, esperando por mais detalhes.
— E safadeza? Muita?
— De zero a dez? — pergunto e ela acena que sim, do outro lado da
tela.
— Mil.
— Caramba.
— Se ele não estivesse enfeitiçado... nossa, você não faz ideia de
todas as coisas que ele me disse.
— E você tá esperando o que pra ir lá e ter uma noite quente e safada
com seu bonitão?
— Estou esperando achar aquela velha doida e acabar com esse papo
de feitiço, não posso abusar dele.
— Mesmo ele querendo?
— Mesmo assim, ele está em desvantagem, a Cleo me colocou nesse
rolo, ela vai ter que arrumar essa bagunça.
— Tudo bem, mas assim que der jeito, você vai direto pra cama dele,
entendeu?
— Se ele ainda quiser, não vou sair dela tão cedo.
— Essa é a minha garota.
Conversamos mais um pouco sobre o que tem acontecido por lá e
sobre quando minha melhor amiga vai voltar para o Egito, para sua expedição
em busca de múmias milenares. Depois eu desligo e afundo nas cobertas.
Eu não vou pensar em Derek.
Eu não vou pensar em Derek.
Eu não vou... merda, por que é que ele tinha que ser tão gostoso
assim?
De pau duro, é assim que estou na última meia hora. O cheiro dela
impregnou em mim, e toda vez que penso que estive com meu dedo dentro de
Eva e que ela estava bem molhada pra mim, eu fico duro outra vez e isso não
passa nunca.
Merda. Como é que eu vou dormir se não consigo parar de pensar no
gosto dela, nos seus gemidinhos manhosos e nas suas unhas passeando pelo
meu abdômen?
Tiro toda a minha roupa e vou tomar um banho frio que não adianta
de nada, porque assim que volto para o meu quarto, penso que a ruiva está na
porta ao lado e que seria muito fácil ir lá, implorar para entrar e a provocar
até ela se render.
Mas eu não posso fazer isso, não posso ser um cretino, eu preciso
contar a verdade, só que a porra da minha coragem fez as malas e foi pro
outro lado do mundo, deixando espaço só pro tesão que sinto por Eva.
Me jogo na cama depois de colocar a cueca e pego meu laptop. Tudo
bem, se não posso transar, vou apenas trabalhar.
Só que não.
Quase uma hora se passa e a única coisa que consigo fazer é ficar
stalkeando as redes sociais da ruiva, vendo seu perfil no linkedin e fuçando
no Instagram.
As fotos são as mais diversas, Eva quase sempre está sorrindo, sua
boca carnuda em várias cores de batom e brilhos, me fazendo querer provar
cada um deles.
Em uma das fotos ela está com a tal melhor amiga, Olivia. As duas
sorriem enquanto apontam para a fachada de um museu. É, mesmo que ela
não diga, essa é só mais uma prova da sua enorme inteligência. Aquela IA da
Faces não poderia ter encontrado ninguém melhor.
Em outra foto ela está com um par de óculos redondos com hastes que
lembram purpurina, tem um lápis na mão e um olhar compenetrado para uma
folha de papel sobre a mesa. Aposto que foi a amiga que tirou essa foto, Eva
distraída é uma verdadeira obra de arte.
Continuo bisbilhotando sem nem saber por que, só sei que não
consigo parar, isso até que chego em um vídeo. Abro e o espanto me toma
por completo. Eva está cantando uma música country do Johnny Cash, um
dos meus cantores favoritos, sua voz é espetacular e mexe com as coisas
dentro de mim. Ela está cantando a mesma música que passei dias inteiros
ouvindo, quando tive meu coração destroçado.
Eu me machuquei hoje
Para ver se eu ainda sinto
Eu me concentro na dor
A única coisa que é real

A agulha abre um buraco


A velha picada familiar
Tento eliminar tudo isso
Mas eu me lembro de tudo

O que eu me tornei
Minha mais doce amiga?
Todos que eu conheço vão embora
No final

E você poderia ter isso tudo


Meu império de sujeira
Eu vou te decepcionar
Eu vou te ferir

Eu uso essa coroa de espinhos


Sobre meu trono de mentiras
Cheio de pensamentos quebrados
Eu não posso consertar...

Escuto-a várias vezes, sentindo um nó se apertar e desfazer, em


seguida, dentro de mim. Talvez eu esteja mesmo enfeitiçado, porque tudo que
quero nesse momento é ir buscar aquela mulher e apertá-la tão forte junto a
mim que nunca mais serei capaz de deixá-la partir.
Deixo o laptop de lado, com a voz rouca de Eva embalando meus
pensamentos. Nunca imaginei que alguém pudesse ter um timbre tão
marcante. Nunca cogitei que uma garota pudesse me fazer sentir esse arrepio
na espinha com apenas uma música, a música que marcou o pior momento da
minha vida.
Com uma dor agulhando meu peito, fecho os olhos e tento afastar as
lembranças daquele dia. Eu sei, eu deveria desligar o laptop e não ouvir mais
a voz de Eva, talvez assim eu conseguisse impedir essa sensação dolorosa de
se instalar, mas não consigo.
Não quero expurgar nada, por mim mandaria para os quintos dos
infernos essa dor que me rasga de dentro pra fora, mas ainda assim, continuo
aqui, ouvindo de novo e de novo, Eva cantando Hurt, com sua voz rouca que
me faz sentir o corpo inteiro vibrar. Cutucando e curando. Machucando com
a voz, acariciando com o olhar. Afundando no meu peito e fazendo as coisas
se torcerem por dentro.
Merda. Como é que eu vou voltar ao meu mundo depois disso?
E ela continua:
Sob as manchas do tempo
Os sentimentos desaparecem
Você é outra pessoa
Eu ainda estou bem aqui

O que me tornei
Minha mais doce amiga?
Todos que eu conheço vão embora
No final

E você poderia ter tudo isso


Meu império de sujeira
Eu vou te decepcionar
Eu vou te ferir.

É isso. Eva, com aquele seu olhar intrigante, sua voz rouca e o jeito
espevitado bagunçou tudo dentro de mim.
Absolutamente tudo.
Depois de tomar café da manhã e almoçar no quarto, aproveito para
colocar as demandas do escritório em dia durante uma boa parte da tarde.
Quem diria que a internet do hotel podia ser tão boa, hein?!
Finalmente resolvo encarar a maldita convenção, ou meu chefe vai
acabar me demitindo, afinal de contas, pra que eu iria em um evento desses
se não fosse para levar novidades na volta?
Me inscrevi em uma apresentação de tecnologias para o mercado
armamentista, sobre programas administrativos com proteção extra contra
hacker. Muito animador (sim, estou sendo irônica).
O problema é que, enquanto desço de elevador, uma sensação de
apreensão toma conta de mim, como é que vou fazer pra me livrar da
perseguição dos CEOs?
Antes de sair do quarto, coloquei um conjunto de terninho social todo
em xadrez, com uma blusa preta discreta, um lenço ao redor do pescoço e dos
cabelos, que domei com muita dificuldade (eu sei, tá um calor danado, mas
preciso me esconder) e um par de óculos escuros grandes que ocupam quase
todo meu rosto.
Olho para a imagem diante do espelho do elevador e rio. Meu Deus,
estou terrível, tão terrível quanto alguém pode ficar ao tentar se disfarçar. Pra
ficar pior do que estou preciso só de um bigode daqueles dos bandidos dos
filmes de faroeste.
Sim, um bigode, ou seja, não falta muito.
Se bem que... com esse lenço eu quase pareço uma mulher dos anos
60. Até que não é tão ruim. Só uma ajeitadinha aqui e ali e sou a versão plus
size da própria Jackie Kennedy[10]. Tudo bem, não é para tanto.
Resmungando com a minha maluquice, espero a porta abrir e me
esgueiro pelo saguão, escapando para a rua antes que alguém me note.
Caminho com pressa, desta vez o salto baixo me dá alguma vantagem.
O centro de convenções é na mesma quadra do hotel, na verdade é há
poucos metros de distância e tão logo o avisto, me apresso a entrar e cobrir
melhor meu rosto, transformando o lenço numa versão fajuta de burca.
Assim que piso dentro do saguão sinto uma onda de ansiedade
percorrer meu corpo, o que eu não daria por um pote de sorvete agora, nada
mais reconfortante que isso... suspiro, tentando decidir rápido o caminho que
vou seguir.
Tarde demais.
Antes que eu dê dois passos sequer já estou cercada por três ou quatro
homens de terno, dois deles reconheço da fila que se engalfinhou ontem,
enquanto eu e Derek tentávamos escapar para um jantar que acabou
ganhando proporções épicas.
Afasto a lembrança do que aconteceu depois que escapamos dos
brutamontes enfeitiçados, porque só de pensar nas coisas que Derek me disse,
em como me senti diante da sua ânsia em me tocar, já fico quente como um
forno de pizza.
— Oi, princesa — a voz do homem com um hematoma roxo nos
olhos me desperta do transe. Pulo de susto quando sinto a mão dele na minha
lombar. — Vem, vou levar você...
— Me levar? — Encaro-o, confusa.
— Sim, amor, levar você pra um lugar lindo, tenho tudo planejado.
— Ah, é? Então me conta, querido, o que você planejou? — Fecho a
cara, mas ele entende totalmente errado e abre um sorriso todo iluminado e
sexy.
Não, ele não é feio, pelo contrário, é tão gostosão que talvez em uma
situação diferente eu até apreciasse esse seu jeito arrebatado, mas não hoje,
não com esse feitiço maluco pairando sobre nós.
— Vamos pra Vegas, lá podemos nos casar, vou fazer reserva no
hotel mais bonito e caro, minha deusa. Vou servir morangos e champagne
direto nos seus lindos lábios.
Meu Deus, a coisa fica cada vez mais louca.
— Depois... — ele continua, praticamente delirante. — Vamos
consumar nosso amor, formar uma linda família e...
— E ter um final feliz digno de um conto de fadas? — pergunto,
irritada.
— Sim, isso, meu amor, vamos morar em um palacete, vou mimar
você com joias, perfumes, tudo que que quiser.
— Eu não quero mimos. — Afasto as mãos dele de mim. — Eu quero
um amor, um de verdade, com defeitos, qualidades, brigas desnecessárias por
causa de alguma coisa idiota como a toalha molhada na cama. Eu quero
acordar tarde no domingo, disputar o último biscoito do pacote, queimar o
assado da Ação de Graças. Eu quero a coisa real.
— Eu te dou, tudo que quiser, minha rainha — outro engravatado me
diz, empurrando com força meu pretendente de olho roxo.
Esse é loiro e mais alto, tem um porte estilo viking e posso ver o
começo de uma tatuagem escapando pela gola da camisa social. Merda, um
maldito viking? Cleo, sua cigana terrível, assim é maldade.
Olho ao redor para ver se encontro Derek, ele sempre dá um jeito de
me salvar desses doidos, é instintivo e não o ver só aumenta a necessidade de
sentir o conforto e a segurança do seu sorriso, da sua postura protetora. Meu
Deus, de repente sinto falta até da sua pose de briga, com aqueles punhos de
boxeador dos anos 1920 erguidos e a carranca brava no rosto.
Por que é que, mesmo sabendo que ele está agindo assim por causa do
feitiço da Cleo, eu continuo pensando nele, no seu jeito e nas suas
provocações?
Talvez porque conversar com ele sobre todo tipo de coisa tenha me
feito sentir um pouco mais normal no meio de toda essa bagunça, os assuntos
fluíram com muita naturalidade, menos quando estávamos dando uns
amassos, claro.
Queria que ele não estivesse sob o feitiço, queria que fosse de
verdade, eu poderia me apaixonar por aquele jeito torto e o sorriso safado.
Ah, sim, eu poderia sim.
Escapo do grupinho enquanto discutem sobre qual deles vai fugir
comigo para casar em Vegas e entro num dos auditórios. Afundo no primeiro
banco que vejo, puxando a gola do meu terninho para me esconder e
embolando ainda mais o lenço nos meus cabelos.
Mas não dá outra, o apresentador que fala sem parar sobre
mecanismos de segurança empresarial se vira pra mim e abre um sorriso
torto. Merda!
Ele larga o microfone sem se importar com o estrondo e começa a
correr na minha direção. Em pânico, me coloco de pé e começo a olhar para
os lados, em busca de um jeito de chegar à saída antes de ele chegar a mim.
As poucas mulheres do ambiente me olham espantadas e eu não faço
ideia de como explicar a maluquice que se desenrola bem diante dos meus
olhos.
Os mais de cinquenta homens de terno, espalhados pelo auditório,
também se levantam e começam a correr na minha direção, me chamando de
coisas como meu amor, minha rainha, minha princesa, deusa...
Merda, merda, merda.
— Minha nossa senhora das peitudas enfeitiçadas, o que eu faço
agora?
Pulo pra cima do banco, tentando correr pelas cadeiras conectadas que
me lembram muito as salas de cinema. Enquanto me equilibro e dou graças
por ter vindo de calçado baixo, sinto mãos raspando nas minhas costas.
Ai meu pai do céu, me socorre aqui, não nasci para ser o prêmio de
ninguém.
Corro pelas cadeiras, dando pulinhos e rezando para não acabar
estatelada de cara no chão, enquanto isso, a gritaria dos CEOs apaixonados só
aumenta. Alguns se esmurram de um jeito assustador. E as mulheres fogem
por uma porta do lado oposto de onde estou.
— Valeu pela ajuda — grito para a última, que espia antes de bater a
porta com ela para o lado de fora.
Eu me distraio por um instante e alguém agarra meu lenço, só espio
de relance, voltando a correr por todo o auditório entre corredores e cadeiras.
Procuro por uma brecha no tumulto, tentando chegar até a porta que
as mulheres usaram para fugir da loucura, quando noto que o homem que
pegou meu lenço o empunha como um prêmio e três outros se jogam pra
cima dele, criando outro foco de briga.
Corro de um lado, mas um baixinho tranca minha passagem subindo
em um dos bancos e abrindo os braços pra mim, à espera de um abraço, viro
e volto, mas outro me cerca. É agora, agora eu tô ferrada.
Pulo para o corredor, tentando chegar à maldita porta. Os gritos me
deixam nervosa, e juro por Deus que se eu ouvir mais alguém me chamando
de meu amor vou ter um treco.
É quando sinto algo mexer atrás de mim, me puxando com força.
Levo um segundo para entender que estive encostada em uma porta e
que alguém a abriu e me puxou para fora.
Viro, na expectativa de ver Derek e me surpreendo quando me dou
conta de que na verdade é Mila, a empresária que criou a IA que quase me
matou de vergonha no primeiro dia de Convenção.
— Você está bem? — ela pergunta com seu sotaque brasileiro. —
Ouvi uma gritaria e tomei um susto quando a vi em cima dos bancos. Tentei
chamar você, e como não pareceu escutar, esperei que chegasse mais perto.
— Graças a você estou viva, obrigada.
A porta se abre num rompante e eu arregalo meus olhos quando vejo a
confusão de homens se espremendo para passar por ela.
— Tô ferrada.
— Vem comigo.
Mila me guia pelos corredores, entrando e saindo de auditórios e salas
fechadas. Ela é inteligente e ágil, apesar de ser pequena e, ao que tudo indica,
sabe exatamente para onde está me levando.
Paramos diante de uma porta, no último corredor. Ela fala algo,
colocando a mão no ouvido.
— Oscar, a porta. — E então eu entendo que ela está conversando
com sua IA, talvez ele a tenha guiado todo o tempo.
Assim que a porta eletrônica apita e nós entramos, Mila a bate com
força e pede para sua IA trocar a senha enquanto estivermos ali, impedindo
que qualquer pessoa entre.
É um tipo de sala de reuniões menor que os auditórios onde a
convenção ocorre, fica longe das barracas de demonstração, do stand de tiro e
tudo mais, embora tenha um grande ar-condicionado funcionando a todo
vapor, parece não receber ninguém já algum tempo.
Sento em uma das cadeiras e dou uma ajeitada nos meus cabelos,
tentando acalmar meu coração que bate frenético e ansioso, com medo que a
confusão me encontre outra vez.
— Então, o que foi aquilo, Eva?
— Você lembra de mim. — Sorrio, surpresa pra valer.
— Claro, não é todo dia que cruzo com um gênio por aí.
Rio alto e Mila faz uma grande interrogação no seu rosto.
— Gênio é você, eu não passo de uma secretária executiva.
Mila bufa, como se discordando de mim.
— Nem todos os gênios são donos de empresa, alguns são pessoas
comuns, outros são loucos e existe alguns como eu, uma mistura das duas
coisas. Qual deles é você?
— Do tipo que experimenta as coisas.
— Certo, então você ainda está tentando se encontrar, é isso?
— É, acho que sim, a verdade é que na maior parte dos empregos que
tive acabei ficando muito entediada e tentando algo novo.
— Interessante.
— Ah, não me julgue — resmungo e ela sorri. — Eu tenho alguns
investimentos para o futuro, não preciso de um emprego de vinte e quatro
horas, mas eu gosto de estar em movimento.
— Notei, até agora pouco você estava praticamente correndo pelo
auditório do que deveria ser uma das palestras mais tediosas do universo.
— Meu Deus, nem me lembre que chega a me dar nervoso só de
pensar. — Esfrego o rosto, apoiando minha cabeça na mesa e
choramingando. — Isso é tudo culpa daquela velhinha doida.
— Velhinha doida?
Respiro fundo e conto tudo o que passei nos últimos dias, não
escondo absolutamente nada, bem porque depois do que Mila viu, nada pode
piorar a minha imagem. Ela escuta com atenção, seus belos olhos me
analisam bem.
— Uau, é uma história e tanto.
— Nunca mais tento salvar ninguém — resmungo.
— E o que você vai fazer pra sair dessa confusão?
— Você não acha que eu sou doida? — E lá vai ela me surpreender
outra vez, com seu olhar sereno de quem tem a vida ganha.
— Eu já vi muita coisa nessa vida, não duvido de nada mais.
Suspiro outra vez, parece que estou fazendo isso bastante desde que
isso tudo começou.
— Sabe, talvez essa velhinha, essa Cleo, seja um tipo de guia
espiritual te ensinando algo importante.
— Me ensinando a correr de homens lindos e ricos? — ironizo e ela ri
alto, de um jeito natural e lindo.
— Você só precisa descobrir o que é que ela quer que você aprenda,
qual é a lição, quando isso acontecer você vai se livrar dessa confusão. E
quem sabe, o tal do Derek por quem você está caída seja o seu par.
— Como você e o seu magnata?
— Isso.
— Mas o Derek está enfeitiçado, ou melhor, eu estou enfeitiçada e
por isso ele me quer.
— Bom, não tem como ter certeza até que você quebre esse feitiço. O
amor pode surgir de maneiras nada óbvias, Eva e isso não quer dizer que seja
menos verdadeiro por isso.
Mila e eu ficamos conversando por mais algum tempo, ela me conta
um pouco da sua história e de como enfrentou um perigo de quase morte e de
quebra ainda me ofereceu a vaga de secretária na Faces, se um dia eu quiser
experimentar um novo chefe.
Não vou mentir, eu gosto da ideia de trabalhar para uma mulher
extremamente inteligente, sagaz e poderosa, mas não sei se quero continuar
por muito tempo exercendo essa coisa de cuidar da agenda alheia.
Cada dia que passa, a pulguinha nômade me morde um pouco mais,
como faz sempre que está chegando a hora de experimentar algo novo. Será
que algum dia vou descobrir minha vocação?
Eu poderia ser cantora, amo cantar e acho que minha voz até que é
afinada, mas se não consigo lidar com a loucura de alguns homens em uma
convenção, imagina só com uma plateia de fãs. Melhor não.
E nessa história de não descobrir, já coleciono profissões, de babá à
camareira de hotel, de guia turística a sócia de um pet shop. E sim, eu ainda
sou sócia, mas só à distância mesmo, do tipo investidora anjo.
Não sei o que há de errado comigo, além do fato de estar enfeitiçada,
é claro. Eu começo empolgada com o projeto, gosto de investir, fazer os
planejamentos, alocar recursos, mas no fim, quando a rotina se instala, eu
fico tão entediada que preciso sair em busca de um novo desafio.
Até alguns dias, meu desafio atual dizia respeito a fazer meu chefe me
enxergar, me amar e o resultado foi esse, eu enfeitiçada e um monte de
homens que normalmente não me enxergariam me perseguindo.
Merda.
Depois de me despedir de Mila, subo as escadas sem fazer barulho,
meu estômago ronca alto, já sem comer há muitas horas, mas só de pensar em
ir ao restaurante do hotel para pedir alguma coisa meu sangue ferve e o
nervoso se instala por todo meu corpo, sem mentira, até meu dedinho do pé
se arrepia.
O jeito é pedir serviço de quarto e tentar muito não ser vista por
nenhum CEO, nem mesmo por Derek, não é justo com ele e sei que posso
acabar não resistindo.
Meu Deus, por que é que esses homens não podem ser uns feios e
chatos? Porque a maioria deles tem de ser forte, sarada, musculosa. E por que
é que Derek tem que ser o mais bonito, gostoso e safado?
Certo, chega de pensar no bonitão, lembre-se que no normal, sem
feitiço, ele é um babaca arrogante com você, Eva. Ele nunca olharia pra uma
garota com os quadris e os peitos do tamanho dos meus.
Infelizmente, a maioria dos homens não enxerga além da superfície.
Eu enxergo e mesmo assim continuo atraída pelo meu babaca do
aeroporto.
Merda. Preciso encontrar Cleo e acabar com essa confusão.
Ou vou acabar traindo meus princípios e vou direto para os braços
dele.
Não tem mais nada que meu corpo queira nesse momento.
Sacudindo o cartão da minha possível futura chefe entre os dedos,
subo as escadas tentando fazer o mínimo de barulho, e me obrigando a focar
no lado bom dessa coisa toda. Pelo menos conheci Mila e ela foi com a
minha cara.
Imagine todas as coisas que eu poderia aprender com ela. Que sonho.
Se bem que eu preferiria tirar um ano sabático só para viajar e
finalmente conhecer os castelos mais bonitos do mundo. Quem sabe criar um
blog de viagens. Viajando com G, de grande gostosa. Rio comigo mesma.
Embora esteja viajando na maionese, não posso deixar de pensar que
seria bem divertido, levar garotas sonhadoras, que não percebem que
merecem tudo, a conhecer o mundo, castelos, montanhas e quem sabe até
Paris.
Apesar do estresse da tarde, esse início de noite me soa bem mais
animador e com várias ideias sobre meu futuro pipocando na cabeça, abro a
porta do quarto e tomo o maior susto.
— Vou matar você, Cleo!
— Vou matar você, Cleo!
Estacada na porta feito uma planta enraizada, não consigo mexer um
único músculo, enquanto observo a cena que além de maluca, é meio bizarra
e muito inusitada.
Por todo o quarto, baldes, vasos, buquês e arranjos de rosas
vermelhas, caixas de bombons refinados e muitos, muitos cartões disputam a
atenção dos meus olhos.
As coisas estão se complicando, o nível da loucura está subindo e
estou começando a ficar assustada pra valer.
Entro no quarto com uma sensação de que estou mesmo ferrada com
essa história de feitiço, começo a pegar os cartões nos buquês de flores, sobre
as mesinhas e até no chão, tem centenas, muitos repetidos, mas todos da área
bélica. Seriam bons cartões, sérios e sóbrios, não fosse o fato de que alguns
têm corações desenhados atrás e outros tem perfume borrifado. Todos, sem
exceção, têm nome e número pessoal de telefone do dono do cartão.
Um rangido de dentes e uma tosse forçada me fazem virar de susto
para a porta, com o coração pulando no peito e com medo de que seja algum
deles, mas o olhar irritadiço da camareira me faz sentir uma onda de alívio.
— Desculpe, tive de pedir ao gerente para abrir seu quarto com a
chave mestra, por conta dos muitos presentes e das flores. — Ela acena para a
confusão vermelha ao redor.
— Tudo bem, muito obrigada.
— A senhora precisa de alguma coisa?
— Como é mesmo o seu nome? — pergunto e ela arqueia as
sobrancelhas, sem entender.
— Tess.
— Tess, você gosta de chocolate?
— Sim, senhora. — A camareira se anima e eu sei que vou fazê-la
muito feliz.
— Então me ajude a recolher todo esse chocolate pra você e as outras
meninas que trabalham no hotel.
— É sério? Todos eles?
— Sim, eu sou mais do salgado. Adoro um sorvete, mas sou alérgica
a chocolate, ao cacau, na verdade. Então se você não quiser, vai tudo pro lixo.
— Eu quero, as meninas vão amar, obrigada.
Tess e eu nos empenhamos em separar todos os bombons e
equilibramos as caixas por todo o seu carrinho. Ela ainda me ajuda a juntar os
cartões do chão e mandá-los direto para a lixeira.
Depois de três ou quatro viagens de elevador, que eu evito por puro
medo de encontrar algum CEO pelo caminho, ela some com as flores, me
garantindo que vai dar um fim criativo para as plantinhas. Eu odiaria vê-las
no lixo.
Finalmente sozinha no quarto, tomo um banho demorado, tentando
desfazer os nós no meu pescoço e ombros. Acho que nem quando fui me
meter a fazer academia me senti com tanta dor nos músculos. Caramba.
Revejo mentalmente a situação, colocando minha cabeça super
pensante e ansiosa a funcionar, em busca de algum jeito de me livrar desse
rolo.
Eu poderia ir embora, e correr o risco de ser demitida por não fazer o
meu trabalho? Se bem que, será que seria tão ruim assim eu ser demitida? Pra
quem Robert ligaria no meio da noite para pedir pra comprar presente pra sua
namorada?
Suspirando, encho minha mão de shampoo e levo aos cabelos,
massageando o couro e começando a cantar. Sim, eu sou dessas que canta no
banho. Johnny Cash na maioria das vezes, não consigo evitar, amo a voz
daquele homem.
As primeiras notas saem da minha boca no mesmo instante em que a
espuma começa a correr pelas minhas costas. Quem não adora um banho
demorado e regado a uma boa música?
Uma ponta acobreada do meu cabelo me faz viajar direto para ele.
Derek. Sua voz me chamando de ruiva, seu olhar safado para dentro do meu
decote. Jesusinho amado, o calor que percorre meu corpo e se instala bem no
meio das minhas pernas é suficiente para me fazer perder o ritmo e a melodia
da música.
Termino meu banho, me seco e enrolo uma toalha no meu corpo e
outra nos cabelos. Vou até o quarto e abro a porta do guarda-roupa do hotel,
procuro na prateleira onde coloquei meu creme e começo a espalhá-lo por
meus ombros. Pelo menos um pouco de paz, depois de tanta loucura.
Um zumbido chama minha atenção, uma mistura de asas batendo e
algo mais, quase o cruzamento de uma abelha com uma mosca. O som
distante não me prende e eu retomo logo a minha empreitada com o creme.
Ter um tamanho plus size pode não agradar o padrão de beleza, mas
eu gosto de diversas coisas, como o fato de os meus peitos ficarem grandes
em qualquer roupa, além de... mas que barulho é esse?
Começo a procurar pelo quarto, levantando coisas, empurrando
móveis, o zumbido da mosca/abelha só vai ficando mais forte e eu mais
irritada.
Nada.
Até que...
Viro para a minha janela e nada mais e nada menos que um maldito
drone está pairando do lado de fora.
Minhas mãos vão instintivamente para a toalha e eu não sei se grito,
choro ou se quebro a maldita coisa.
Começo a procurar algo para usar para detonar a porcaria. A hora que
eu descobrir quem foi o idiota que resolveu invadir meu quarto com um
drone, juro que vou dar mesmo um golpe ninja, como Derek fala.
Um não, muitos golpes ninja.
O drone entra no quarto e eu pego a única coisa que encontro, um
travesseiro fofo que uso para dormir. O maldito aparelhinho voa para todo
lado, vindo pra cima de mim e quase me jogando no chão.
— Filho da mãe — eu grito, tentando bater com o travesseiro nele. —
Volta aqui, bandidinho.
Caramba, é uma cena dos infernos, meus peitos saltando dentro da
toalha, enquanto eu tento alcançar o drone, que fica indo e vindo na direção
do meu rosto.
Pulo na cama, na cadeira perto da porta do banheiro, quase entro
dentro do guarda-roupas tentando pegar a coisinha escorregadia que está me
espionando.
Lanço meu travesseiro com toda a força e acerto o drone, impedindo-
o de escapar pela janela.
Procuro a câmera e a encaro com toda a minha fúria.
— Escuta bem seu maluco, eu tenho uma amiga que é hacker e a IA
dela vai descobrir quem é você, quando isso acontecer vou dar um chute na
sua bunda. — Faço uma careta e sacudo o drone, depois dou um tchauzinho
para a câmera e o jogo pela janela.
Em queda livre, o drone vai direto para o chão e mal o vejo se
espatifar no piso da calçada. Humpf! Bem-feito bobão. Achou que podia
invadir meu quarto e ia sair impune?! Vai sonhando.
Aperto a toalha no meu corpo, apanho uma camiseta e vou me vestir
no banheiro, era só o que me faltava isso, ter um drone espião tentando me
ver peladona.
Imagina se aquela porcaria conseguisse... amanhã eu poderia estar em
um site de fotos de mulheres plus size nuas. Meus pais não me criaram para
dar essa vergonha pra eles. Não que eu julgue as garotas que tiram fotos nuas,
só não acho que é pra mim, o mais longe que vou nesse sentido é usar biquini
na praia.
De volta ao meu quarto, depois de secar os cabelos de um jeito meia
boca, me jogo na cama e pego o telefone. Peço o serviço de quarto, que inclui
um pedaço grande de lasanha, um vinho, uma fatia de torta e morangos
frescos.
Espero tudo chegar e só abro a porta quando estou certa de que se
trata do meu jantar. Eu sei, é vergonhoso, mas é um mal necessário, não sei
se consigo lidar com mais algum CEO enfeitiçado esta noite.
Logo que termino de jantar, me jogo na cama com o prato de
morangos e começo a procurar alguma coisa boa pra assistir na televisão.
Nada de terror, suspense, acho que não dou conta de ver nem um bom
drama, daqueles que faz a gente chorar até inchar as pálpebras e ficar com
olheiras. Preciso mesmo é de uma comédia romântica.
Assim que a encontro, mergulho o morango na minha boca e o
saboreio quase de olhos fechados, ouvindo as falas iniciais de uma
protagonista que tem um corpo magro, peitos empinados, boca carnuda e
cabelos perfeitos, que caem nos seus ombros como se fosse uma cascata.
Certo, Eva, sem implicar, a atriz não tem culpa que o mundo elegeu o
padrão dela como o ideal de mulher, quando na verdade, isso é forçar a barra.
Eu precisaria de anos e anos passando todos os meus dias na academia e
provavelmente não teria o queixo, o nariz e os peitos assim. Se bem que eu
curto meus peitões...
A história vai rolando e eu vou afundando cada vez mais sobre as
cobertas, deixando minha mente vagar para o filme e se afastando do estresse
que tenho passado desde que meus caminhos cruzaram com os de Cleo.
Tudo vai bem, meus olhos começam a pesar e o meu corpo relaxa, até
que...
A porta do quarto quase explode, abrindo-se num rompante e me
presenteando com um susto dos diabos. Uma latinha roda para dentro e
começa a encher o quarto de fumaça. Uma maldita bomba de fumaça?
A coisa é rápida demais para que eu consiga raciocinar direito. Num
minuto estou numa boa levando um morango aos lábios e no seguinte estou
rolando pela cama, xingando e me jogando do outro lado para me proteger do
que quer que seja que está acontecendo.
Assim que a fumaça começa a dissipar, tusso e esfrego meus olhos
pra ter certeza de que estou mesmo vendo isso.
Quatro homens armados, vestidos como soldados camuflados do
exército se espalham pelo meu quarto. Meu Deus, entrei em um filme de
ação. Eles checam o perímetro e então, um deles acena para a porta.
— Pode vir chefe, tudo limpo.
O tal do chefe faz uma entrada triunfal, dando um tipo de cambalhota
no ar e caindo em pé ao lado da minha cama. Ele usa uma roupa como a dos
outros, uma touca que o cobre até as orelhas e um tipo de óculos de luz
infravermelha, além de uma arma que aponta pra cá e pra lá. Quando me vê,
ele abre os braços e grita:
— Minha princesa, vim regatá-la!
Eu deveria ter ligado pra ela, do que adianta inventar de dar um tempo
pra ela perceber que não estou enfeitiçado e ficar aqui, bufando, morrendo de
vontade de provar aquela boca gostosa outra vez?
Como é que eu posso ser tão cabeçudo às vezes?
Deito com as mãos cruzadas atrás da minha cabeça e estico as pernas.
Vestindo apenas uma bermuda, deixo meus olhos vagarem para o meu pau,
que só de pensar em Eva dá sinal de que quer acordar.
Eu sei, eu sei, poderia bater uma pensando nela, outra na verdade,
mas não é isso que meu corpo quer. O que eu quero é sentir o gosto da pele
dela, da sua umidade que me atiça.
Hoje foi o dia da minha primeira apresentação sobre a carreira como
roteirista e minha entrada na escrita de livros, tão logo acabou, me vi rodeado
de mulheres, várias idades, várias belezas, mas nenhuma era a minha ruiva
desastrada. Por algum tempo eu tive esperanças de que ela aparecesse e me
desmascarasse, assim eu poderia acabar com essa farsa de que sou um
empresário que pode ou não estar enfeitiçado.
Seria simples se eu apenas contasse a verdade, mas como ela vai olhar
pra mim depois que souber que menti, ou se descobrir que sou um roteirista
que ganhou um Oscar e cujo livro já está entre os mais vendidos do The New
York Times?
Não quero que ela me veja como um cara rico, ou um famoso de
quem pode tirar algum proveito. Se bem que não acho que Eva seja assim.
Merda, que confusão. Por fora, a cara de idiota de sempre, por dentro, uma
verdadeira bagunça e um monte de desculpas furadas para justificar minha
cretinice e uma vontade louca de ir até ela e conseguir o que eu quero.
Pego o controle remoto para ligar a televisão e me impedir de ficar
stalkeando as redes sociais da minha ruiva peituda, quando uma barulheira
me chama a atenção.
Desligo o aparelho e aguço meus ouvidos. Gritaria, xingamento, uma
pancada na parede.
— Filho da mãe — escuto e me dou conta de que é a voz de Eva. —
Já disse que não sou sua princesa.
Sem tempo pra me vestir, abro a porta do quarto e vou para o corredor
de pés descalços mesmo. A cena não é só inusitada, mas um pouco
engraçada.
Eva vestida com um camisetão, enfrenta um cara vestido como
soldado do exército (sim, com o rosto pintado e tudo). Ela empunha um tipo
de buquê de rosas como se fosse um cacetete.
O homem está meio acuado e seus companheiros tentam desviar dos
golpes da ruiva briguenta.
— Já disse que não sou sua donzela. E vocês, tirem seu chefe daqui
ou vou processar todos por invasão, assédio e o que mais me der na telha.
— Desculpe, senhora — um deles diz, tentando pegar o chefe, que se
joga no chão, agarrando as pernas dela.
— Solta! Sai. — Ela bate na cabeça dele com as flores, espalhando
pétalas pelo corredor.
— Linda como você — ele declara, pegando uma pétala do chão e
esfregando na panturrilha de Eva.
— Santo Deus, sai, me deixa em paz. — Ela sacode a perna, mas isso
só o faz ronronar como um gato.
— Eva... — chamo e os olhos dela se iluminam quando me vê,
revirando alguma coisa dentro do meu peito.
— Derek, acho que preciso de ajuda — resmunga, sacudindo a perna
sem conseguir se livrar do CEO apaixonado.
Com dois passos grandes, corto a distância da minha porta para a dela
e pego o homem pelo colarinho, colocando-o em pé. Ainda bem que ele está
enfeitiçado mesmo ou ia acabar comigo. A criatura deve ter pelo menos dois
metros e um porte que me lembra o Dwayne Johnson[11].
Contrariando toda e qualquer imaginação de homem durão que eu
teria ao ver um cara grandão como esse vestido como soldado, ele
choraminga e implora, pedindo que eu o deixe com sua amada.
O entrego para os seus homens que o arrastam pelos braços em
direção ao elevador.
Ele ameaça se soltar, mas o sujeito ao seu lado o segura firme e
impele os demais a fazer o mesmo.
Assim que somem de nossas vistas. Eva se joga nos meus braços e
suspira. Desse jeito fica difícil me comportar.
— Você está bem?
— Acredite, isso não foi o pior que me aconteceu hoje.
Pego seu rosto lindo entre as minhas mãos e aprecio a beleza genuína
da ruiva. Com maquiagem, Eva Harris é uma tentação, sem, é perfeição pura.
Droga, agora quem parece o doido?
— Pra um cara enfeitiçado até que você é bem sensato.
— Vem, vou manter você segura essa noite. — Eu a puxo pela mão
em direção ao meu quarto.
— Espera — ela fala, então entra no quarto e volta com alguma coisa
amontoada na sua mão, além do cartão magnético que ela sacode no ar. —
Depois de um drone, uma invasão militar e a perseguição de hoje à tarde,
quero distância daqui.
Puxo Eva para o meu quarto e abro a porta, deixando que ela dê uma
boa olhada no lugar, enquanto começo a pensar que preciso me comportar, ou
vou acabar recebendo umas pancadas também.
A ruiva se senta na beirada da minha cama e esfrega o rosto.
— Eu achei que queria ser vista, agora tudo o que eu mais quero é que
esqueçam de mim.
— Até eu?
— Você está enfeitiçado, vai acabar me esquecendo.
— Mas é isso que você quer?
Ela suspira e me lança um sorriso amarelo. Começo a improvisar uma
cama no chão pra mim, porque se eu dividir a cama com ela, não vai ter
milagre que me faça manter minhas mãos longe dela.
— Sinceramente? Eu poderia gostar de um cara como você, sabe, com
esse jeito rabugento e tudo.
— Mas eu tenho me comportado, não fui arrogante nenhuma vez
desde que te conheci.
Ela ri e esse gesto é suficiente para me fazer sentir poderoso, forte, o
maldito rei do pedaço.
— Além de ter me salvado mais de uma vez — conclui.
Aceno que sim, vendendo meu peixe. É difícil competir com um
bando de empresários cheios de recursos e tecnologia, cada mínimo ponto
conta.
— Bom, vou dormir no chão e você fica com a cama — digo,
rangendo os dentes e me obrigando a não bancar o idiota agora.
— Obrigada. Posso usar seu banheiro? — ela pergunta, mostrando o
pulso fechado com alguma coisa escondida.
Aperto os olhos, tentando descobrir o que é.
Eva esconde a mão nas costas, aguçando ainda mais a minha
curiosidade. Corto a nossa distância e a rodeio, tentando ver. Muito maduro,
eu sei, mas algo me diz que isso vai mudar tudo.
— O que você tá fazendo? — Ela se vira, escondendo a mão.
— Investigando — digo, simplesmente.
— Por quê?
— Não consigo evitar, sou muito curioso.
Quase colo meu corpo à Eva e é quando noto os olhos dela caindo
direto para o meu abdômen, sua respiração fica pesada e eu sei, sem qualquer
sombra de dúvidas, que não vou conseguir me comportar. Eu quero essa
mulher.
— Tá gostando da vista? — pergunto, puxando a mão livre de Eva e
levando ao meu abdômen.
— Não faz isso, eu não posso — ela quase geme, mas eu sou um
desgraçado, só faço me aproximar mais dela, puxar seu rosto para perto e
lamber seu pescoço, bem devagar e quente. — Derek...
Assim que ela se rende um pouco, alcanço sua mão e puxo o tecido
fino que ela está segurando, por uma fresta entre seus dedos.
— Derek! — Ela reclama, mas é tarde, meus olhos estão fixos na
calcinha de renda que estou segurando.
— Droga, Eva, desse jeito você acaba comigo — é tudo que consigo
dizer quando recobro o controle do meu corpo. E então, de súbito, me dou
conta de mais uma coisa. — Você veio pro meu quarto, sem nada aí
embaixo?
Eva fica vermelha como um tomate.
— Eu sempre durmo sem, e não tive tempo de vestir quando aqueles
malucos invadiram meu quarto.
— Você tá sem calcinha? — Balanço a calcinha de renda preta no ar.
— Sem calcinha no meu quarto.
Os olhos de Eva caem para o meu pau, que é claro que está duro,
fazendo volume na bermuda. Ela suspira e eu mando para o espaço qualquer
bom senso que ainda poderia existir em mim.
Sem pensar, arranco minha bermuda e a cueca, deixando todo meu
corpo a vista para que Eva saiba exatamente como me sinto, ao descobrir que
está sem calcinha no meu quarto.
— Derek... — ela sussurra quando enfio minhas mãos nos seus
cabelos. — Não posso... você...
— Eu não tô enfeitiçado, mas em todo caso, assumo o risco.
— Não posso. — Ela geme quando enfio minha mão por dentro da
camiseta e roço meus dedos na sua boceta.
— Diga que não quer e eu paro.
Ela fica muda, os olhos azuis dilatados conforme roço mais meus
dedos.
— Entendo seu silêncio como sim, você me quer como eu te quero.
Arranco a blusa de Eva e ela fica um pouco tensa.
— O que foi? — pergunto, beijando o ombro nu.
— É... que... eu não sou do tipo que homens lindos como você
gostam.
— Você não é mulher?
— Sou, mas sou fora do padrão — ela fala, recuperando o tom forte
da voz.
— Não estou entendendo. — Eu me afasto, buscando a resposta em
seus olhos tensos.
— Eu não sou toda magrinha. — Ela gira sem sair do lugar, erguendo
os braços e mostrando o corpo cheio de curvas. — Eu sou grande, peituda,
bunduda, tenho celulite.
— Você é perfeita — retruco e volto a puxá-la pra mim,
mergulhando-a no meu abraço e deitando minha cabeça no seu pescoço.
Adoro esse cheiro. — Então agora, se você puder parar com o drama, eu
quero muito colocar a boca em vários lugares, a começar por esses seus
peitões. Tô louco por eles desde aquele maldito aeroporto.
Eva geme e sei que acabo de ganhar a batalha. Mal posso esperar pra
me enterrar fundo nessas curvas.
O corpo de Derek é perfeito, o abdômen trincado e firme é tão
gostoso que só de tocar com a ponta dos dedos já fico excitada. E falando as
coisas assim como ele faz, me sinto tão desejada que não há resistência que
aguente.
Que Deus e todas as entidades do universo me perdoem, mas não tem
a menor chance de eu recuar agora, quando ele mergulha na minha boca,
cavando com a língua e me fazendo gemer baixinho.
Derek chupa meu lábio inferior, e eu enfio meus dedos na sua nuca,
puxando de leve os cabelos e abrindo a minha boca outra vez pra receber a
língua dele.
O encaixe é perfeito e uma onda de eletricidade percorre da minha
nuca até o ponto mais sensível.
É intenso e sexy.
Levo meus dedos ao tanquinho dele, que arqueja de um jeito tão
gostoso.
— Quero você na minha cama — ele diz, me guiando de costas e sem
tirar a boca da minha.
Deito devagar, com Derek cuidando para não me deixar bater a
cabeça. É doce e por mais que ele esteja enfeitiçado e eu saiba que isso é
errado, não consigo deixar de imaginar que ele é sempre assim, cuidadoso,
carinhoso. Ele se deita por cima de mim, roçando o pau grande no meu ventre
e apoiando os braços na cama.
Num movimento suave, ele roça mais um pouco e eu arquejo, louca
de desejo.
Com a boca, ele desce desde a ponta da minha orelha, passando pelo
meu pescoço, até se alojar no mamilo. Primeiro passa a língua, arrepiando e
deixando ainda mais pontudo o bico, depois ele o prende no meio dos dentes
e dá uma puxadinha de leve.
Irresistível.
— Mamilo grande e rosado, do jeito que eu gosto — ele diz,
abocanhando com tudo.
Enquanto chupa o bico do meu seio, eu remexo, excitada demais,
precisando de mais contato, buscando por isso. Uma das mãos de Derek vai
ao meu outro seio e ele aperta sem dó, puxando o mamilo com a ponta dos
dedos na sequência.
— Caramba — digo, gemendo sem qualquer controle.
— Você gosta disso? — Ele volta seus olhos para os meus e há
qualquer coisa de selvagem na sua expressão. Algo que me deixa ainda mais
excitada.
Derek desce pela minha barriga, mordiscando, lambendo. Depois ele
para com a língua na minha virilha, onde planta um beijo que me deixa louca.
— Derek — choramingo e ele ri, um som erótico e vitorioso.
Então coloca a boca no meu centro úmido e impele a língua para a
fenda, provocando e lambendo. Agarro seus cabelos e abro mais minhas
pernas, me entregando totalmente a onda de prazer que vai ganhando cada
vez mais força.
Derek sobe com a língua bem devagar, até achar meu clitóris já
inchado e carente. Ele passa a língua de leve e eu solto um gemido bem mais
forte. Impelido por isso, me chupa com força.
Excitada, não consigo pensar em mais nada, nem no medo, na culpa
ou sequer na loucura em que me meti. Tudo o que quero nesse momento, é
que ele me faça sentir todo o prazer que seus olhos prometem.
Sinto dois dedos entrando em mim e os aperto de leve, mordendo com
força meu lábio inferior e apertando o lençol e a cama com minha mão livre.
Isso é tão excitante, tão bom.
— Goza, gostosa, goza que eu quero te lamber toda molhadinha.
Começo a mexer meus quadris no mesmo ritmo em que os dedos
entram e saem e a língua segue lambendo a região mais excitada.
Derek me chupa e lambe, me fazendo gemer cada vez mais. Até que
não resisto e me deixo ser levada por uma onda tão intensa que mal consigo
me dar conta do restante.
Chamo o nome dele quando encontro o ponto alto do meu prazer,
apertando seus dedos dentro de mim e me sentindo em queda livre. Tão livre
que eu mal posso esperar por mais.
— Que delícia sentir você gozando — Derek sussurra no meu ouvido
e depois volta para onde estava e mete os dedos mais uma vez. Ele entra e
sai, até que volta com eles molhados do meu prazer e os leva direto à boca.
— Gostosa.
— Minha vez — declaro, assim que me sinto mais consciente e
pegando ele de surpresa.
Derek me lança um olhar excitado, enquanto eu o faço deitar na cama.
— Agora eu quero sentir você — digo, me sentindo poderosa e sexy.
Primeiro sento na sua cintura, tomando o cuidado para não encaixar,
ainda não estou pronta pra tê-lo dentro de mim. Chupo o lóbulo da sua
orelha, raspo meus dentes no pescoço, mordo seu lábio inferior.
Dessa vez, eu mando.
Com as unhas, raspo o abdômen dele e na sequência desço com a
língua, lambendo cada um dos gomos do tanquinho. Meu Deus, esse homem
é um verdadeiro parque de diversões e eu adoro senti-lo assim arrepiado.
Vou devagar saboreando sua pele, até chegar ao pau, então volto
meus olhos pra ele. Inflamado, Derek espera até que eu o mergulhe dentro da
minha boca, de uma só vez. Ele solta um tipo de rosnado que me excita. O
chupo uma vez e depois o tiro de dentro da minha boca, me concentrando em
lamber a glande e o pré-gozo que escapa.
— Caramba, Eva, isso é muito bom — ele diz e eu lambo toda a
extensão, molhando-o bem, antes de voltar a mergulhá-lo na minha boca.
Chupo Derek, alternando entre bem fundo e a cabeça, criando um
ritmo que o faz afundar mais na cama e se entregar pra mim.
Entro e saio com o membro rígido na minha boca, brincando com as
mãos em suas bolas e depois passando minha língua nelas. Ele estremece e eu
sinto que está bem perto de gozar. Posso ver na forma como está rendido a
mim.
Eu deveria odiá-lo, não é?
Mas então como faço isso se tudo o que quero fazer é sentar nele e me
deixar arrebatar por outro orgasmo delicioso?
— Precisamos de camisinha, ruiva, ou vou acabar gozando na sua
boca.
Suspiro e só pra testar sua resistência, mergulho-o bem no fundo da
minha boca, até onde aguento sem dar vexame. O arquejo dele é um alarme.
— Não tem nada que eu mais queira do que gozar na sua boca e
peitos, mas só depois de entrar em você — diz e aponta para a mesinha de
cabeceira. Abro e tiro uma bolsinha quadrada onde ele guarda barbeador e
algo mais. Pego uma camisinha e rasgo o saquinho.
Subo na cama outra vez e me ajoelho ao seu lado.
A mão de Derek vem para minha bunda e ele a aperta, depois, seus
dedos correm para o meio das minhas pernas e ele enfia o dedo dentro de
mim. É difícil me concentrar, sentindo-o entrar e sair, então deixo que ele
pegue o preservativo.
Ele fica de pé e eu me sento na beirada da cama. Derek me beija, sua
boca faminta chupa meu lábio e sua língua investe por dentro, buscando a
minha. Passo meus braços ao redor do seu pescoço, enquanto ele termina de
desenrolar o preservativo no pau.
Deito de costas na cama, me sentindo exposta e excitada. Derek é
lindo, delicioso e me faz sentir muito desejada. Ele sobe em cima de mim e
chupa meus seios outra vez, deslizando o pau sobre meu ventre e me
provocando.
— Você me quer, Eva? — Sussurra e eu abro os olhos para encarar
sua cara de safado. Eu adoro esse olhar devasso. — Eu quero você, mas só se
você também quiser.
— Eu quero.
— Então me diga o que quer que eu faça.
— Derek... — fico com um pouco de vergonha, mas ele encara de
frente, esperando. — Eu quero você dentro de mim. Quero gozar de novo.
— Então você vai gozar no meu pau agora — diz e afasta minhas
pernas com seus joelhos, se ajeitando entre elas e acariciando a entrada.
Solto um gemido e ele grunhe, excitado;
— Molhada e gostosa — Começa a impulsionar para dentro de mim.
Derek vai aos poucos abrindo passagem e entrando mais e mais. Todo
meu corpo pede por ele, mas levo algum tempo para me ajustar.
— Ai, Derek, quero você — me escuto dizendo entre um gemido e
outro. — Quero você agora.
Ele impele um pouco mais forte, entrando com tudo dessa vez e me
fazendo gemer bem alto.
A boca dele mordisca minha orelha e pescoço e ele começa a colocar
um pouco mais de força.
Criamos o nosso ritmo quando começo a rebolar, fazendo
movimentos circulares que me levam ao caminho sem volta do orgasmo.
— Porra, desse jeito eu não aguento — Derek rosna e eu o aperto com
força contra mim, sentindo o poder do prazer que ele me proporciona.
Ele entra e sai uma e outra vez, depois mais uma e outra. Tantas vezes
quanto preciso para gozar. É tão intenso que todo meu corpo se retesa,
apertando ele dentro de mim.
Nos olhamos sem desviar e sinto o momento em que ele se deixa
levar e alcança o próprio prazer. Derek me beija e estoca mais algumas vezes,
até que seu corpo começa a relaxar.
Ele se deita ao meu lado, tira o preservativo e dá um nó, depois vai até
o banheiro se livrar dele e volta um instante depois.
— Caramba — diz, deitando e me puxando para os seus braços.
— É, caramba — retruco, tocando no seu abdômen e deslizando o
dedo. — E já que eu acabei de abusar de você, um homem enfeitiçado, acho
que vou pisar na jaca e passar mesmo a noite aqui.
— Ótima ideia. Assim posso abusar de você também. Mal posso
esperar pra ver você empinar essa bunda e eu poder te comer de quatro.
— Você é um safado.
— E você uma gostosa.
Eu sei que é errado, mas não consigo me sentir culpada. Esse foi o
melhor sexo que tive em anos e ainda que amanhã eu vá me sentir a pior
pessoa do mundo, esta noite, vou empinar a minha bunda e deixar ele me dar
outro orgasmo incrível.
Na verdade, mal posso esperar por isso.
Depois de finalmente conseguir que Eva se rendesse a mim, ficamos
algum tempo deitados juntos, até que ela foi tomar banho e eu pedi serviço de
quarto, depois que o garçom deixou a bandeja em cima da mesa, me enfiei no
chuveiro com ela e comecei a provocá-la, chupando com força os mamilos
que atiçam o meu lado mais tarado.
Quando voltamos para cama, peguei o controle remoto e coloquei
num canal aleatório, dividimos dois sanduíches de rosbife com queijo e um
vinho. Então a ruiva se aninhou a mim, nua. E aqui estamos, ela nua, roçando
os peitos em mim e eu duro, outra vez. É claro que meu lado safado jamais
vai deixar uma provocação assim passar.
Como quem não quer nada, viro meu corpo pra ela e levo uma das
minhas mãos a sua boceta, ela dá um sorrisinho maroto, mas não diz nada a
respeito.
Começo a acariciar e ela vai ficando molhada, quase como um
convite para que eu meta a cara ali e a chupe até que goze.
Fricciono meu dedo no clitóris, massageando e massageando.
Eva faz menção de se mexer, mas eu a impeço.
— Assista ao filme — declaro, descendo pela cama, me posicionando
no meio das pernas dela e puxando a coberta sobre a minha cabeça.
Bem de mansinho, continuo passando o dedo, brincando com seu
ponto de prazer. Então, a toco minha língua, sentindo seu gosto delicioso.
Passo a língua desde a fenda molhada até em cima, devagar, uma vez
e depois outra.
Eva geme, mas eu não a deixo se mexer. Neste momento, ela é toda
minha, inclusive sua bocetinha molhada. Tudo nela me pertence e eu vou
tomar o que é meu.
Lambo-a por algum tempo, percebendo como ela vai ficando mais
excitada, conforme começa a mexer os quadris e choramingar para me sentir
dentro dela.
Então coloco dois dedos e começo a entrar e sair.
As mãos da ruiva apertam o lençol ao meu lado e ela abre as pernas,
pedindo por mim.
Eu a chupo com força, entrando e saindo com os dedos, mas antes que
ela goze, eu paro e empurro a coberta para longe.
— De quatro — peço e ela nem pensa duas vezes, empinando a bunda
bem redonda e me dando uma visão alucinante.
Enfio a língua na boceta de Eva e ela geme mais alto ainda. Sua
bunda empinada me deixa com muito tesão e mal posso esperar pra encher a
mão quando estiver entrando e saindo dela.
Pego outra camisinha na minha bolsa de higiene pessoal e rasgo o
pacote com o dente, voltando, em seguida, a enfiar a língua da boceta melada
e deliciosa. Desenrolo o preservativo no meu pau, que pulsa, implorando para
estar nela.
Inchado, dolorido e cheio de tesão, me posiciono atrás de Eva, e
encaixo a cabeça do meu pau na sua entrada. Eva, rebola devagar,
acariciando com sua bunda grande e gostosa.
— Com força — ela choraminga, quando começo a entrar bem
devagar, cuidando para não machucá-la com a grossura do meu pau.
Assim que entro um pouco, ela força a bunda e me faz penetrá-la com
tudo, gemendo e começando a rebolar de um jeito que acaba com a minha
força de vontade.
Aperto seus quadris, puxando e empurrando, entrando e saindo na
força e ritmo que ela me exige, tentando não rugir como uma fera e não gozar
antes da hora.
— Vou gozar, minha nossa... — ela rebola mais rápido e eu encho a
mão com tudo, numa palmada suave que acaba num aperto forte. — Derek...
Derek.
— Delícia de bunda. — Curvo meu corpo um pouco sobre o dela,
começando a buscar meu próprio prazer.
Eva não para de responder às minhas estocadas, apertando todo meu
pau dentro da sua boceta deliciosa quando goza.
Tiro meu pau de dentro dela só por um minuto.
— O que foi?
— Nada, quero sentir o sabor do seu orgasmo — respondo e enfio a
língua na sua boceta. — Deliciosa.
Eva dá uma mexidinha pra mim, sensível por causa do orgasmo e eu
volto a me posicionar e a penetro com toda força. Ela geme alto, me deixando
mais louco ainda.
Meto com força, apertando sua bunda com minhas duas mãos e
pairando sobre suas costas. Entro e saio, entro e saio, até que não aguento e
explodo.
Gozo com toda a força e energia. Minha respiração pesada e meu
coração acelerado me impedem de mexer e Eva fica imóvel, recobrando sua
própria calma.
Planto um beijo nas costas dela e saio.
Eu sei, amanhã ela vai se sentir culpada, achando que ficou com um
cara enfeitiçado, mas amanhã eu vou contar a verdade, torcendo para que ela
não me odeie e me deixe fazê-la gozar mais vezes. Tantas vezes quanto for
possível.
Entregue, afundo na cama e a puxo para os meus braços. Não sei o
que está acontecendo, nunca senti tanta necessidade de estar em uma mulher,
de ouvi-la gozar e chamar meu nome.
Pelo jeito, o furacão ruivo bagunçou não apenas minha viagem, mas a
minha vida.
Acordo com a cabeça apoiada no peitoral de Derek. Ele dorme com a
respiração pesada, deve estar bem cansado, depois de toda a ação que
tivemos durante a noite e a madrugada.
No fundo, eu sabia que ele devia ser cheio de fogo, mas não imaginei
que eu pudesse ser tão assim. Tudo bem, vai, eu gosto de sexo como qualquer
mulher deve ou deveria gostar, só que eu não esperava que ele pudesse me
fazer sentir isso tão intensamente.
Se for pra ser bem honesta, acho que nunca namorei um cara que me
fizesse ter tantos orgasmos em uma única noite. Um ou dois e olhe lá ainda.
Derek não apenas me fez sentir muito prazer, como me deixou
completamente desinibida, ousada e com muita vontade de vê-lo sentindo
prazer por minha causa.
E tem mais, com sua comissão debaixo, eu até poderia passar a noite
brincando de chupar pirulito. Não ria, não ria. Eu sei que estou divagando
porque estou nos braços do homem mais bonito, sexy e erótico com quem já
estive, mas o que eu posso fazer? Ele desperta uma gata selvagem em mim.
Mesmo com as possíveis marcas de mãos que deve ter deixado na minha
bunda.
Caramba, só de lembrar já tenho vontade de sentir tudo de novo.
E então a realidade me acerta um tapa na cara com toda a sua força.
Eu não posso fazer isso de novo. O que eu fiz foi terrivelmente errado. Eu fiz
aquilo que prometi não fazer, transei com Derek, abusei da sua
vulnerabilidade por conta do feitiço.
Com um nó na minha garganta, eu vou me arrastando para fora da
cama, tentando não o acordar enquanto fujo da cena do meu crime.
Eu me sinto mesmo como uma criminosa.
Saio sorrateira, tomando o cuidado para não bater a porta e usando,
outra vez, apenas minha camiseta e levando meu cartão de acesso.
Fecho a porta com cuidado e corro para o meu quarto.
Mas o meu quarto não é mais um local seguro e assim que abro a
porta, comprovo isso.
Deitado na minha cama, completamente nu, dorme o homem que
invadiu meu quarto ontem. Sei que é ele porque, apesar de estar peladão, ele
ainda está com a tintura de camuflagem espalhada por todo o rosto.
Sem qualquer reação, fico parada a poucos passos da porta, pensando
em como me livrar desse sujeito sem criar toda uma nova confusão, até
porque agora ele está pelado e isso por si só já vai causar problemas.
Respiro fundo, contando até dez para tomar a decisão de expulsá-lo
ou fugir daqui do jeito em que estou, bagunçada, sem nada por baixo e
cheirando a sexo.
— Mas que porra é essa? — A voz de Derek me faz dar um pulinho
de susto.
— É o maluco de ontem.
— Tô vendo — ele resmunga, entrando e parando ao meu lado, todo
protetor. — Achei que isso ia acabar, mas pelo jeito, só tá ficando pior.
E então eu faço a única coisa que nem mesmo espero, começo a rir
feito uma louca. Rio tanto que acabo acordando o peladão dorminhoco, mas
ele apenas bate as pestanas por um momento e então volta a dormir,
começando um ronco leve de quem está com o nariz congestionado.
— Meu Deus, e eu que achava que seria bom que alguém me notasse
e me achasse bonita, agora daria um dedo, não, eu daria a mão inteira pra me
livrar disso.
Derek respira fundo, a carranca no seu rosto mostra o quanto está
afetado pela cena. Nossa, o que eu fiz com ele foi muito errado, como me
deixei levar a esse ponto?
Será que um dia ele vai me perdoar?
Espero que pelo menos não me odeie.
— Ei, babaca, acorda — Derek começa a sacudir o dorminhoco. —
Eva, esconda-se ali.
Derek aponta para a cortina, e eu faço sem pensar duas vezes. Será
que se ele não me vir vai embora numa boa?
Grogue, escuto um gemido do homem ao se dar conta de que está nu.
— Caralho, onde eu tô? — Até que sua voz normal, sem feitiço, é boa
de ouvir.
Seguro a vontade de sair pra dar uma espiada, porque se ele botar os
olhos em mim ou sentir minha presença vai voltar a ser o mesmo maluco que
invadiu meu quarto ontem.
— Você tá no quarto errado, pega isso e vai embora.
Não sei o que Derek dá pra ele, mas o homem gagueja, resmunga e
então se vai.
— Tudo bem, pode aparecer conquistadora de peladões.
— Você é o meu herói — brinco, mas não temos nem um segundo de
paz.
Assim que escapo da cortina, um som estranho de algo se batendo no
banheiro me faz dar outro pulo de susto.
Merda, ainda não acabou.
Derek vai até o banheiro e eu o sigo, num misto de medo, curiosidade
e raiva. Muita raiva.
— Puta merda, eu morri e não sei se tô no inferno ou num paraíso de
saradões pelados.
O homem é mais baixo que o que estava dormindo na minha cama,
mas é ainda mais musculoso, do tipo baixinho entroncado, sabe?
Ele está apagado, assim como o outro, mas seus países baixos estão
em modo ereção matinal e apesar de não ser lá grande coisa, é difícil não
ficar meio envaidecida né, afinal, tem mais um pelado e duro, no meu
banheiro.
Ah, e não vamos esquecer, o Dom Juan tem uma rosa vermelha
atravessada na boca, acho que colocou ali e acabou dormindo com o cabinho
da flor na boca.
Respiro fundo pra não ter outra crise de riso nervoso, optando por
parar ao lado de um Derek mais do que furioso e tocando de leve no seu
braço.
— Vou voltar para meu esconderijo na cortina — sussurro e ele
concorda sem nem me olhar.
Será que acabou sua temporada de CEO enfeitiçado e ele está bravo?
Não, ele está chocado, assim como eu.
Volto para trás da cortina e prendo a respiração quando escuto Derek
começar a expulsar o homem.
Os dois discutem, o estranho não faz ideia do que está acontecendo e
meu vizinho de quarto diz que ele deve parar de beber em viagens de
negócios, justificando a cena com uma espécie de porre.
Assim que escuto os passos até a porta e os pedidos constrangidos de
desculpa, dou graças a Deus por poder voltar a respirar, saio da cortina e
sento na cadeira. De jeito nenhum vou sentar ou deitar na minha cama até que
todos os lençóis, cobertas e fronhas sejam trocados.
— Obrigada — digo e encaro um olhar frustrado de Derek.
— Tenho um compromisso no começo da tarde, ontem me ligaram da
organização do meu evento e acabei aceitando participar de duas
apresentações hoje.
— Certo.
— Mas depois de tudo o que eu vi, talvez seja melhor cancelar e ficar
aqui...
— Nem pensar, não é sempre que você trabalha e eu não quer ser a
responsável por você não receber um pagamento. Você vai, mesmo que eu
tenha de passar o dia atrás dessa cortina.
Ele sacode a cabeça, afastando uma risada torta que faz meu coração
todo derreter por ele.
— Á noite, quando eu voltar, vou montar guarda aqui, ninguém vai
passar por mim.
— Combinado — digo, mas já pensando na conversa dura que
teremos mais tarde. Preciso afastá-lo pelo seu próprio bem, ou nunca serei
capaz de me perdoar.
Por mais que eu saiba que preciso me afastar dele, meu corpo
discorda em grau, gênero e número, pois assim que ele dá alguns passos e
toma meu rosto entre suas mãos, eu enregelo e esquento ao mesmo tempo,
sentindo a ansiedade e expectativa de ser tocada por ele.
Derek beija minha boca de um jeito doce e se afasta.
— Nem pense em ir embora, ruiva, não me faça virar um perseguidor
maluco — declara, antes de bater a porta às suas costas.
Droga, vai ser difícil fazer o que é certo.
Vai mesmo.
Tudo bem, decidi que está mesmo na hora de contar para Eva a
verdade e lutar para que ela não me odeie. Por quê? Não faço ideia.
A princípio achei que seria bem mais fácil deixá-la pensando o que
bem entendesse, poderia dizer adeus sem me preocupar e ainda não teria de
explicar sobre a minha carreira ou lidar com uma tiete. Se bem que Eva pode
ser tudo, doidinha, atrapalhada, linguaruda, mas não é tiete.
Não contar é uma alternativa para me afastar.
O problema é que agora não quero dizer adeus.
Desde que acordei com a cama vazia e a encontrei encarando um
peladão na sua cama, e outro na banheira, que alguma coisa está me
incomodando, alguma coisa me diz que estou indo de cabeça.
E isso está ferrando o meu humor.
Eu sei que não é amor, desde que fui feito de idiota pela minha ex, não
tem a menor chance de eu cometer o mesmo erro outra vez, amar, me
apaixonar, levar alguém a sério, nada disso é uma opção pra mim.
Então por que é que não quero deixá-la sair ainda da minha vida?
Sacudo a cabeça, afastando os pensamentos e viro para o espelho do
elevador, dou uma ajeitada na gravata e espero a porta abrir.
Ok, vamos lá.
Ando pelo saguão do hotel e me encaminho para uma porta na lateral.
Em uma sala adjacente a que vou me apresentar, onde devo encontrar o
pessoal da organização.
Tudo passa como um borrão, me apresento, pego o microfone da mão
de alguém, escuto o que a organizadora tem a dizer, finjo que escuto, porque
definitivamente minha cabeça está em outro lugar.
O fato de ela estar à três prédios de distância, no centro de eventos,
onde está acontecendo a convenção e eu aqui, no hotel, está corroendo meus
nervos e me deixando ansioso.
É difícil não saber o que está acontecendo com ela, se está bem, se
algum outro maluco invadiu seu quarto. Eu sei, eu sei, Eva sabe se defender,
mas tem qualquer coisa em mim que quer protegê-la, ou mais, que não quer
que mais ninguém a toque.
Merda. Tô muito ferrado.
Sinto como se tivesse sido atropelado por um caminhão ruivo de
língua afiada. Com certeza Eva virou minha vida de cabeça para baixo e
agora tudo em que consigo pensar é nos gemidos dela enquanto eu me
enterrava gostoso entre suas pernas.
Porra. Preciso comê-la de novo, sentir todo aquele fogo.
Escuto o som do outro lado da porta e me forço a respirar fundo e
empurrar para dentro de mim esse caos. O apresentador começa a falar e
imediatamente sinto aquela vontade de sair correndo. Odeio me expor. Odeio.
— Ele é tímido e geralmente não dá entrevistas, mas também é
talentoso e brilhante na construção de personagens memoráveis. É o roteirista
do momento, premiado com o desejado Oscar de melhor roteiro original. E
como se não bastasse, na sequência engatou um best seller. Senhoras e
senhores, por favor recebam Derek Preston.
Abro um sorriso falso e entro no auditório, caminhando com passos
mais duros do que o planejado até o palco.
— Boa noite, obrigado por me receberem. — É a primeira coisa que
digo, sem fazer ideia do que mais vai sair. Odeio aparecer, odeio mesmo.
Começo explicando minha trajetória de desempregado à roteirista de
sucesso, falo sobre os concursos que participei e como desenvolvi meu estilo.
Na sequência, falo do Oscar, faço algumas brincadeiras que nem sabia que
era capaz e começo a explicar por que decidi escrever um livro.
Conto sobre o desafio de criar algo num formato completamente
diferente e nas principais técnicas que pude aproveitar para desenvolver o
projeto do livro. Discorro um pouco sobre inspiração, criatividade e leituras.
Finalizo lendo um trecho do livro, respondendo a algumas perguntas
previamente selecionadas e, por fim, agradecendo a presença de todos.
A organizadora sorteia alguns exemplares do meu livro, enquanto o
apresentador, um baixinho emproado que nem olha na minha cara, encerra a
apresentação de uma hora e meia.
Acho que me saí relativamente bem, consegui manter minha vida
pessoal fora de vista e divulguei minha carreira e livro.
Essa não foi a primeira apresentação do evento, na verdade, já é a
terceira, mas em todas eu sinto um caminhão de nervosismo e ansiedade,
além da habitual vontade de sair correndo e fugindo daqui.
Uma fila de mulheres espera por mim antes mesmo que eu termine de
sair do palco. Algumas seguram meu livro para ganhar um autógrafo, outras
apenas o celular para tirar fotos, e todas, com um sorriso ansioso e exultante.
Começo a tirar fotos e autografar, tudo vai indo bem até que sinto uma
mão boba no meu braço. O toque é sutil, mas desperta um alerta em mim.
Ergo os olhos e encontro um sorriso sedutor de uma mulher de não
mais do que cinquenta e poucos anos. Elegante, bem-vestida, perfume caro.
Ela joga os cabelos louros platinados para o lado, acentuando a curva do
decote em formato de um longo V.
A primeira coisa que penso é: Seus seios podem ser grandes pra média,
mas não chegam nem aos pés dos da ruiva. Aquela ruiva atrevida que virou
minha cabeça.
— Então, o que me diz? — ela pergunta, tocando no meu braço e me
tirando do mundo da lua.
— Desculpe, o que você disse?
— Que tal um jantar, sou agente literária e gostaria de discutir
algumas ideias.
Recuo sutilmente e assumo uma postura distante, a loura, que nem sei
o nome, me lança um olhar confuso, mas eu não faço questão de prolongar a
conversa, então encerro o mais diretamente possível.
— Tenho um agente, mas obrigado.
— Então nós podemos apenas jantar, falar de outras coisas. — Ela
morde o lábio inferior.
— Já tenho um compromisso — declaro e viro para a próxima mulher
da fila. — Oi, como você se chama?
— Jennifer. — A mulher seguinte responde.
Pego o livro e escrevo uma mensagem para Jennifer, que sorri como
se acabasse de receber um prêmio da loteria.
— Posso tirar uma foto? — ela pede e eu sorrio, aceitando com um
aceno.
Não volto a ver a loura e tão logo a fila vai reduzindo, depois de lidar
com mais uma ou duas ou quatro atiradas, eu me apresso a subir para o meu
quarto, para tomar uma ducha e sair em busca daquele par de peitos que tem
me deixado louco.
Coloco um jeans e uma jaqueta, pego minha carteira e penteio meus
cabelos com a mão, empurrando-os de qualquer jeito. Um jato de perfume e
estou pronto.
Bato na porta do quarto de Eva e espero, repito o gesto mais uma ou
duas vezes, até me convencer de que ela não está me esperando. É claro que
não, Eva é dona de si, é linda, forte, não faz o tipo que fica enfurnada em um
quarto de hotel esperando um cara para transar.
“Quero ouvir você gemer o meu nome quando eu me enterrar fundo
em você, ruivinha atrevida.” Penso, enquanto sigo para o elevador.
Cantarolando baixinho, espero o elevador, mal posso esperar para ver
como ela está vestida, que batom enfeita aquela boca gostosa.
Só de me lembrar do seu cheiro, meu pau pulsa dentro da calça. Viu,
um maldito adolescente que não consegue se conter.
Assim que entro na convenção, tenho um vislumbre de um tumulto
mais à frente. Eu me estico na ponta dos pés para tentar captar alguma coisa,
mas só consigo ver um amontoado de homens, braços, pernas, resmungos que
lembram aqueles filmes dos homens das cavernas e... não pode ser. Não. Sim.
Eva Harris.
A senhorita ladra de taxis vem correndo como um furacão, os cabelos
voando como tentáculos de um polvo, os seios pulando pra cima pra baixo.
Suas bochechas estão rosadas e o olhar. Esse é de pânico, puro e simples.
Os homens de terno correm atrás dela, tentando alcançá-la. Eva dá um
tipo de chute para trás, praticamente um coice, no homem que toca numa
mecha de seu cabelo, então se vira para correr outra vez, mas não me vê.
Eu teria rido, se não me desse conta de que ela e um bando de malucos
estão vindo com tudo pra cima de mim.
Eva passa correndo ao meu lado, mas então se dá conta de que sou eu e
volta, para na minha frente, a respiração pesada, o rosto afogueado.
— Você é o menos louco, vamos. — Ela me pega pela mão e quando
me dou conta, estou correndo porta afora do centro de convenções, fazendo
um esforço para segurar na mão dela.
Sem falar nada, com as mãos grudadas uma na outra, nós corremos
pela rua, sem decidir um destino certo, se para o hotel, se para o meio da rua
ou algum outro lugar.
— Você é rápida — digo, com a respiração ofegante, assim que
paramos na frente do hotel. — O que vamos fazer agora?
— Preciso voltar pro meu quarto, não aguento mais esse inferno. — Ela
range os dentes.
Paro na frente da ruiva, ajeito seus cabelos e sorrio, quando noto a cor
de batom que está usando. Roxo brilhante. Como se tivesse comido um saco
de purpurina.
A camisa social se enruga abaixo dos peitos e entra dentro da calça
jeans colada, que vai até a altura do umbigo. As sandálias têm um salto
quadrado não muito alto e uma tira que combina perfeitamente com o batom.
Pois é, como me comportar quando tudo que eu penso é em arrancar
essa roupa e comê-la todinha?
Sem soltar da sua mão, a guio para a rua lateral ao hotel, cuidando para
escondê-la e desviar quando vejo alguém que possa ou não ser um CEO. Não
vou mentir, aproveito pra puxá-la para o meu abraço e sentir os seios
durinhos se chocando contra o meu peito. Tarado, eu sei.
— Vamos sair daqui.
Aceno para um taxi e abro a porta para Eva. Rabugenta, ela afunda no
banco e cruza os braços.
— Nunca mais vou sair daquele maldito quarto.
— Ótimo — retruco, já me imaginando trancado com ela numa rodada
de sexo selvagem, vinte e quatro horas comendo Eva de todos os jeitos
possíveis.
— Sozinha — resmunga, mas eu faço pouco caso, puxando sua mão
para a minha e levando até a minha boca. Planto um beijo casto e ela suspira.
— Vou ter que começar a listar todos os motivos pelos quais você deve
me deixar ficar com você? — pergunto, tentando controlar minha mente
safada, mas perdendo o jogo por completo.
Ela ergue uma sobrancelha desconfiada, motivo suficiente pra eu
chegar perto do seu ouvido, mordiscar o lóbulo da orelha e começar a
provocá-la.
— Quero que você monte em mim, pra eu ver seus peitos subindo e
descendo enquanto entro em você.
— Derek... — ela solta um grunhidinho que mais parece com um
miado de gato do que uma reprimenda.
— Vou chupar sua bocetinha deliciosa, Eva, quero lamber você depois
de gozar...
— Derek...
— Vamos, linda, quero sentir você estremecer todinha.
— Droga!
— Vou entrar e sair até que você grite o meu nome.
— Motorista, por favor, de volta ao hotel — ela manda e eu
comemoro, dando um soquinho no ar, vitorioso.
— Prometo que vou fazer valer a pena — declaro, sorridente.
Eva me lança um olhar irritado.
— A única coisa que você vai fazer é tomar a porcaria de um banho
frio.
— Merda!
— Não quero ouvir mais nada sobre esse feitiço, tudo o que quero
agora é sentir você se derreter na minha cama. — Ele crispa pela milionésima
vez.
Assim que a porta do elevador se abre, eu espio com cuidado e só saio
quando tenho certeza de que a barra está limpa.
Caminhamos até a porta do meu quarto, então me viro e o encaro de
frente.
— Me desculpe por tudo e obrigada por me ajudar, mas não posso
mais ver você.
— Não faz isso, Eva. — Ele encosta a testa na minha. — Eu não
estou enfeitiçado.
— Eu sei, sou eu que estou, e não é justo com você...
Derek me cala com um beijo quente que me faz estremecer e, no
fundo, eu sei que estou perdida, porque agora não tem mais volta, eu quero
isso tanto quanto ele.
Tem algo diferente na forma como ele reage a mim, em como me
sinto quando estamos pertos. Não sei explicar e as coisas só pioram porque
ele não age feito maluco como os demais.
Só que eu sei que ele está enfeitiçado, não tem outra explicação para
um cara que praticamente me odiou desde a primeira vez que me viu, agora
estar caindo de amores por mim.
O pior é que eu sei, de todo meu coração, que Derek é o tipo de
homem que eu escolheria pra viver um grande amor, alguém que eu amaria
sem pensar duas vezes, porque por trás da fachada de ranzinza tem um
homem doce, que consegue mexer com meu coração tanto quanto com meu
corpo. Que não diz algo só pra me agradar, mas fala a verdade por mais torta
que ela possa ser.
Eu poderia amá-lo em uma situação diferente.
Mas como não é o caso, afasto Derek e entro, deixando-o do lado de
fora.
Meu coração aperta, mas é o melhor que posso fazer por ele, é o único
jeito de respeitar sua integridade, seu livre arbítrio. Droga, então por que
sinto que estou cometendo um erro do tamanho do Everest?
Me jogo na cama de roupa e tudo e puxo um travesseiro para cobrir
meu rosto. Meu celular toca algumas vezes, mas eu não quero falar com
ninguém, ainda mais se for o meu chefe idiota que só me liga quando precisa
que eu compre presente pras suas conquistas.
Talvez esteja na hora de deixar tudo para trás e sair em busca de uma
nova experiência. E daí se Robert não vive sem mim, ou melhor, não vive
sem que eu administre sua agenda, funcionários estressados, fornecedores
furiosos e namoradas vingativas que não gostam de levar fora pela secretária
do pretendente. Ele pode muito bem pedir que sua noiva faça tudo isso.
Quando é de interesse, sou a secretária supercompetente, mas para me
amar, eu não passo de uma secretária gorda que só serve para ser alvo de
piadas.

“Mulher gorda é como pantufa, pra usar em casa é gostoso, mas pra
sair na rua só dá vergonha.”

“Um dia quando sua lombriga der cria você me dá uma?”

“Seus saltos devem ser mesmo bons, hein, pra aguentar o peso.”

“Você tem um rosto tão lindo, se emagrecesse um pouco ficaria


perfeita.”

“Será que devemos pedir uma cadeira reforçada?”

“Você é tão fofinha.”

“Você não é gorda, você é linda.”

Esse maldito emprego já me causou mais dor de cabeça do que


qualquer lucro ou experiência boa que eu poderia levar para vida.
Só pra esclarecer uma coisa: EU SOU GORDA.
Já tentei emagrecer? Ah, sim, cansei de mergulhar em dietas malucas
que só me fizeram derramar rios de lágrimas e me sentir mais inadequada que
qualquer outro ser humano no mundo.
Então, eu só preciso aceitar que homens como Robert, Derek e esses
malucos enfeitiçados jamais vão me querer. Mas como fazer isso se tudo o
que quero é correr para o quarto ao lado e me jogar naqueles braços fortes e
safados?
Minha mãe sempre disse que eu deveria colocar a cabeça no lugar,
focar na minha formação e ficar rica e poderosa. Acho que ela tem uma visão
meio exagerada de mim, mas é bom saber que alguém torce por nós, não é?
Meus pais e Olivia são minha base, minha estrutura, sem eles, talvez eu
estivesse mergulhada numa terrível depressão.
Ao longo dos anos reuni um patrimônio que já me permite ter
independência financeira, daquele jeito que o dinheiro rende o bastante para
se viver de renda e só trabalhar se quiser, além de ajudar com o futuro dos
meus pais. Talvez esteja na hora de aproveitar isso e tirar mesmo um ano
sabático, quem sabe eu viaje por aí, conhecendo castelos ao redor do mundo e
descobrindo aquilo que realmente me faz feliz.
Para que serve ter toda essa inteligência se tenho que me submeter a
uma vida que tem me feito infeliz nos últimos três anos? Está na cara que ele
nunca vai me querer, nunca vai enxergar a garota tamanho G que se senta na
mesa do lado de fora do seu escritório.
Nenhum deles jamais será capaz de me enxergar.
Com o coração doendo, aperto o travesseiro contra meu rosto e grito
bem alto, tanto quanto consigo já que estou abafada. Esperneio, chuto as
cobertas.
Se o mundo pode me ferrar, então eu posso dar um chilique.
Pronto, agora sim, posso voltar a ser a Eva de sempre. Bom, ainda
não, primeiro preciso me desculpar com Derek, o que eu fiz foi imperdoável.
Me desculpar pra valer.
Ele não merece ser usado como o fiz, mesmo que seja só mais um
desses caras que só saem com supermodelos. Nada contra elas, longe de mim,
amo moda, mas eu jamais vou fazer parte desse grupo, então talvez eu jamais
encontre um Derek pra mim.
Tudo bem, lista de afazeres:
1 – Me desculpar com Derek e não transar mais com ele mesmo que
seja delicioso e irresistível.
2 – Encontrar Cleo pra ela acabar com essa loucura toda.
3 – Voltar pra casa.
4 – Decidir minha próxima aventura, de preferência sem nada mágico
ou místico pelo caminho.
Certo, vamos ao item um da lista.
Antes de sair do quarto, dou uma olhada no espelho, arrumo a
bagunça dos meus cabelos, dou aquela ajeitada básica nos peitos (só porque
não vou transar com ele não significa que preciso aparecer desengonçada),
retoco o batom, o perfume e respiro fundo.
Abro a porta e saio, um mantra se repetindo sem parar na minha
cabeça:
Não vou transar com Derek.
Não vou transar com Derek.
Não vou transar com Derek.
Não vou transar com Derek.
Não vou transar com Derek.
Como é que eu deixei que Eva entrasse naquele quarto sem me
explicar? Como eu permiti que aquele olhar arrasado me desse adeus?
Porra, por que é que eu me importo? Eva deveria ser só mais uma
transa, uma transa fenomenal, mas só isso, só que agora fico aqui, zanzando
de um lado para o outro, remoendo a merda que fiz, ou melhor, o que eu não
fiz.
Eu não contei a ela que não sou um CEO.
Não disse que adoro sua companhia e que a teria chamado pra sair de
qualquer maneira, mesmo sem estar enfeitiçada.
Não disse que sou louco por aqueles peitos.
Caralho. Eu não fiz nada.
Mas é mais fácil fazer o cara dizer e fazer as coisas certas quando se
trata da ficção, na vida real às vezes a gente é só o idiota que paralisa ao
perceber que a garota está indo embora.
Droga!
Continuo zanzando frustrado, esbarrando nas coisas, resmungando
como o bom e velho Derek de sempre.
Preciso fazer alguma coisa, contar para Eva que não estou sob o
feitiço dela, ou será que estou?
Nunca me senti assim por ninguém, nunca quis tanto uma mulher na
minha cama, não, na minha vida como a quero. Merda, eu também estou
enfeitiçado.
Por isso que quando estamos juntos fico louco, morrendo de ciúme
quando algum babaca se aproxima, sempre cheio de vontade de vê-la
sorrindo ou até sendo respondona.
Não, não é possível.
Ainda resmungando feito um velho ranzinza, vou até a porta e a
escancaro, é hora de ir resolver as coisas. Descobrir se sou parte desses
malucos enfeitiçados ou só um idiota cretino, como ela diz. É hora de dar um
ponto final e seguir adiante.
Assim que termino de abrir a porta, dou de cara com Eva, seus lindos
olhos azuis atormentados acabam com qualquer força de vontade que pensei
que teria. Minha resistência vai pro dedo do pé e nesse momento não estou
nem aí se sou só mais um enfeitiçado ou o cara babaca. Quero Eva, ponto
final.
Sem pensar, a puxo para dentro do quarto, pegando seu rosto entre
minhas mãos e colando nossas bocas.
Não imaginei que pudesse sentir tanta necessidade de algo.
Eva abre a boca e me deixa entrar, cavando faminto pelo encontro das
nossas línguas. Ela leva suas mãos para a minha cintura e me puxa,
precisando do contato tanto quanto eu.
— Derek... por favor... — ela quase choraminga, mas eu não a deixo
continuar, colando nossos corpos e a fechando nos meus braços. Sem
escapatória.
— Shiiiii — sussurro, mordendo o lábio inferior e sugando
devagarinho. — Depois, qualquer coisa fica pra depois, agora preciso de
você.
Ela suspira e eu me afasto.
— Eu não ligo se estou ou não enfeitiçado, não ligo se você não
acredita ou percebe que é linda e gostosa pra cacete. Nesse minuto eu sou um
cara egoísta que só precisa sentir o toque da pele de uma garota bonita.
Entendeu?
Eva geme e acena que sim, então se afasta e começa a se despir.
Primeiro as sandálias, a calça jeans, depois a camisa social. O conjunto de
lingerie é de tirar o fôlego, renda vermelha combina com a minha ruiva
favorita.
Sinto meu pau espremer a calça, pulsando ansioso pra ser tocado por
ela.
— Você me quer, Eva? — pergunto, cortando a distância entre nós e
me obrigando a não avançar o sinal.
— Quero — ela diz e eu vou com a boca ao seu ombro, mordiscando
a pele febril.
Porra, essa mulher é como combustível, me deixa inflamado só de
sentir seu cheiro, seu jeito manhoso e excitado.
— Diz de novo — sussurro no seu ouvido, baixando a alça do sutiã e
a deixando solta no seu braço.
— Eu quero você, Derek, não deveria, mas quero muito.
— Eu também quero você. — Abaixo a outra alça e depois solto a
fivelinha atrás, expondo os seios grandes e o mamilo durinho que pede para
ser chupado. — Porra, você tem os peitos mais gostosos que eu já vi.
Chupo o biquinho do peito e ela geme, começando a relaxar e
entrando no clima. Lambo em movimentos circulares, prendendo de leve o
bico entre os meus dentes.
— Gostosa — falo sem tirar a boca do seio.
Eva reage procurando meu corpo, enfiando suas duas mãos por dentro
da minha camisa e arranhando meu abdômen, é infernal, tudo o que mais
quero é acabar com esse tesão, me afundando nela, mas ainda não tô pronto,
preciso senti-la mais, provar mais.
Deixo-a tirar minha camiseta e sorrio quando a vejo morder o lábio
inferior enquanto olha pro meu corpo. Tiro meus sapatos e os chuto para
longe, arranco a calça e a cueca e exponho um pau duro e carente.
Eva vem até mim, suas mãos descem até a minha ereção e ela começa
a massagear devagar, para cima e para baixo.
— Você é gostoso — ela diz e eu me sinto o cara mais sortudo deste
hotel, ou melhor, de toda Miami. Os outros podem ter recursos tecnológicos,
porte de super-herói, mas sou eu que vai fazê-la gozar.
Baixo a calcinha dela e me ajoelho no chão, abrindo um pouco suas
pernas e enterrando meu rosto na boceta. Ela está molhada e seu cheiro é
como um afrodisíaco que me deixa ainda mais tarado.
Passo a língua desde lá debaixo, brincando na entrada enxarcada e
depois subindo até o ponto mais sensível. Eva rebola na minha cara e eu
adoro seu jeito erótico.
Eu me afasto um pouco para observá-la. Linda, gostosa, um tesão.
E eu sou mesmo um safado, porque mal posso esperar pra fazer com
essa ruiva todas as fantasias loucas que já tive na vida.
Coloco dois dedos da boceta dela, usando meu polegar pra massagear
o clitóris. Fico observando como ela reage, gemendo, rebolando e buscando
um apoio.
Me aproximo mais e ela encontra meus cabelos, enfiando os dedos
entre eles e me guiando para onde quer a minha boca.
Com a língua, lambo o clitóris excitado, mantendo o ritmo de entrar e
sair com os dedos.
— Acho que vou gozar — diz e eu aumento o ritmo, alternando entre
chupar com força e lambê-la, enquanto entro e saio com os dedos.
Eva geme alto, apertando meus dedos dentro dela. Até seu jeito de
gozar me faz querer mais.
A deito na cama e a faço abrir bem as pernas. A umidade brilha e eu
passo o dedo e levo a boca.
— Adoro o seu gosto — digo e ela joga a cabeça para trás, vencida,
entregue a mim.
Pego a camisinha de dentro da minha bolsa, mas antes de rasgar o
pacote, eu fico petrificado. Eva está se tocando enquanto espera por mim. Ela
aperta um seio, brincando com as unhas vermelhas no bico, puxando devagar,
enquanto acaricia seu clitóris e me olha direto nos olhos.
— Porra! Assim não vou aguentar.
Ela continua, um brilho ferino no rosto que me diz que essa mulher
vai acabar comigo.
— O que você quer, linda?
— Quero que você me coma, mas sem camisinha. Eu sempre me
cuido, não estive com ninguém desde o meu último exame, o que acha? —
pergunta, um pouco insegura.
— Meus exames estão em dia, e não costumo transar sem camisinha.
— Ah, tudo bem então — diz, constrangida e parando de se tocar.
Jogo o preservativo na gaveta de qualquer jeito e vou até a cama.
Deito por cima de Eva, apoiando meus braços ao lado de sua cabeça e
fixando nossos olhares.
— Já disse que gosto quando você fala que quer que eu te coma?
— Não.
— Então agora você sabe, repita.
— Quero que você me coma, Derek. — Ela geme, conforme fricciono
meu pau por cima da sua boceta, sem penetrá-la.
— De novo.
— Quero que você me coma sem camisinha.
— Seu desejo é uma ordem — digo, mordendo o ombro de Eva
enquanto me empurro para dentro dela de uma só vez.
A ruiva geme e aperta minhas costas, ditando o ritmo forte que quer.
Adoro como mesmo sem dizer nada, ela sabe bem como quer ser tocada.
E meter dentro de Eva, sem camisinha, sentir sua pele, o calor e a
umidade, é como uma lareira que só vai esquentando mais e mais.
— Diz, linda, diz que você quer que eu te coma — sussurro e ela
chupa minha boca, rebolando os quadris em um movimento circular.
— Me come, Derek, bem forte.
Me enterro com força, com Eva cruzando suas pernas ao redor da
minha cintura e me dando acesso total. Mergulho inteiro nela, arrancando
gemidos intensos e me deixando levar para um lugar feliz, um lugar onde não
sou capaz de pensar ou me preocupar com nada.
Só em Eva, seu corpo ardente e no prazer que estou sentindo.
Ela grita meu nome, fincando as unhas na carne das minhas costas,
mas eu não paro de entrar e sair, entregando até a última gota de energia,
entregando tudo.
Tão logo me aperta dentro dela, eu me entrego a montanha russa de
prazer, gozando apenas um momento depois e soltando um arquejo
desesperado.
Caramba, isso foi a porra de um sexo fenomenal.
E eu quero mais.

Eva e eu tomamos um banho juntos, ela me chupa no chuveiro e esse


se torna meu novo passatempo favorito, sentir os lábios carnudos no meu
pau, molhando, sugando, excitando.
Eu a fodo de quatro, apoiando-a na parede e acariciando sua boceta
deliciosa. Eva geme e rebola, pedindo mais e mais e mais. E eu dou tudo o
que posso e até mais.
Entro e saio dela tantas vezes que nem sei em que momento deixo de
nos ver como dois e vejo apenas um. Um único todo, ritmado, quente,
prazeroso.
Depois disso, tudo o que acontece é instintivo e desconectado do
mundo. Só existimos nós dois e as sensações que provocamos um no outro.
Só existe a respiração dela contra meu peito, seus cabelos esparramados nos
meus cabelos e sua unha dançando no meu abdômen.
Antes de pegar no sono, eu tenho certeza de duas coisas: Não estou
enfeitiçado e não estou pronto para deixá-la ir.
Eu fiz de novo.
De que adianta inventar até um mantra (Não vou transar com Derek)
se assim que coloco meus olhos nele perco completamente o juízo e acabo
tendo uma noite de sexo incrível?
Eu sou o pior ser humano do universo.
Achei que ia conseguir resistir, fiquei repetindo que não ia transar
com ele, mas assim que Derek abriu a porta do quarto, num rompante que
quase me fez sair correndo de susto, e eu vi o seu olhar de cachorrinho sem
dono, não teve mais mantra nenhum.
Nada foi capaz de segurar meu corpo.
E como é que alguém se segura quando o homem mais safado deste
mundo está beijando você, pedindo que você o queira e dizendo que a quer?
E o que foi aquele sexo no chuveiro?
Derek apertou tanto a minha bunda que acho que vou ter hematomas
por semanas, mas foi tão gostoso e acendeu todas as terminações nervosas e
excitadas do meu corpo.
Certo, se for pra admitir a realidade, tenho um pouco de tara por ele,
mas não é só isso, não é? Tem algo mais revirando as coisas dentro de mim,
bagunçando minha cabeça.
— Droga, Cleo, uma ajudinha cairia bem — resmungo, depois de
voltar para o meu quarto e afundar sob as cobertas.
Sei que não vou dormir de novo, então ligo a televisão e fico
mudando de canal sem prestar atenção.
Derek vai ficar chateado ao acordar e não me achar nos seus braços,
mas não consigo lidar comigo agora. A culpa batuca na minha cabeça como
um tambor de guerra tribal e mesmo que eu tente abafar esse sentimento com
o volume da televisão, a sensação só vai piorando.
Antes de o sol nascer completamente, já estou na frente do hotel
esperando um carro de aplicativo para me levar pra longe deste lugar, antes
que todo mundo acorde.
Ai se eu a encontro por aí, aquela velhinha com carinha de meiga vai
ouvir poucas e boas.
Depois de tentar trocar minha passagem no site da empresa aérea e
não conseguir, desisti, vesti uma roupa confortável e aqui estou, tentando
escapar antes que a loucura volte para me perseguir.
Daqui a pouco vou acabar recebendo visitas de esposas, namoradas,
noivas e até amantes, todas furiosas por causa dessa confusão mágica. E o
pior é que sou inocente, a culpa de tudo é da velhinha cigana de sorriso fácil.
Eu deveria ter desconfiado.
Primeiro lugar que paro é no canteiro onde me sentei com Cleo e
contei minha história e ela declarou que eu seria vista por todos os CEOs a
partir de então, mas eu não levei a sério e acabei numa confusão de
proporções épicas.
Não desço do carro, mas dou uma boa olhada pra ver se a danada não
está espreitando por aí, esperando por outra desavisada como eu.
Nada.
Aceno para que o motorista siga e ele me leva até a praia onde tomei
sorvete com Derek, quando ainda nem íamos muito um com a cara do outro.
Desço do carro e caminho pela calçada, vendo o começo de um dia
lindo e animado. Será que as pessoas que vivem por aqui e passam mais
tempo aproveitando a paisagem, fazendo exercícios e vendo gente são mais
felizes?
Eu poderia viver em um lugar assim, acho que uma casa em uma
praia pode ser meu próximo objetivo, depois dos castelos, da Torre Eiffel, de
Stonehenge e do Museu do Louvre.
Ah, e do Big Bang, na Inglaterra.
Respiro fundo e me sento na areia, o som do mar é como um calmante
e consigo, por algum tempo, afastar essa culpa e esse sentimento novo que
fica pinicando meu coração como uma farpa.
Não posso me apaixonar por Derek, não posso amar um homem
enfeitiçado que provavelmente vai se esquecer de mim a qualquer momento.
Só de pensar sobre isso, meu coração aperta, meu estômago revira e eu sinto
que vai ser um estrago tão grande que talvez eu não me recupere por muito
tempo.
O melhor que faço é me afastar agora, imagina como ele vai se sentir
depois que tudo isso acabar. Saber que uma garota se aproveitou de você
quando estava em desvantagem mágica não deve ser algo muito fácil de
digerir, a própria questão dessa magia doida em si já é bem intragável.
Depois de passar o dia todo zanzando pelas ruas de Miami, desviando
de qualquer homem que sequer dê uma olhada na minha direção ou que vista
algum dos itens: gravata, camisa social, terno, volto de taxi para o hotel,
carregando apenas a minha bolsa, uns presentinhos que comprei para Liv e
um amigo do trabalho, e o pouco que resta da minha autoestima.
Eu me esgueiro para dentro do hotel, parecendo uma criminosa,
olhando por cima do ombro, com medo que a loucura recomece. Vejo de
longe que o elevador está vazio, assim que a porta começa a fechar, me lanço
para dentro com passos bem rapidinhos.
A porta fecha e eu respiro aliviada, isso até que ela se abre no andar
seguinte e o mesmo homem que encontrei pelado e dormindo na minha cama
entra. Ele ergue o rosto na direção do meu, e seus olhos se iluminam como se
ele tivesse acabado de ver algo incrível.
No caso, esse algo sou eu.
— Oi, linda — ele diz, num tom mais sóbrio e menos louco que das
outras vezes. — Meu nome é Romeo Smith, sou fundador da CI Army
Security.
Ele tira um cartão do bolso e me entrega.
— O que é isso, um tipo de entrevista?
— Eu sei, eu sei, nós só nos conhecemos recentemente, mas escute o
que digo, linda... — Ele pega as minhas mãos entre as suas. — Nosso futuro
vai ser incrível, como um homem de negócios que tem visão, eu consigo ver
isso com muita clareza. Você e eu seremos incríveis, donos do mundo.
Puxo as mãos e seco na barra da roupa o suor que começa a brotar nas
minhas palmas. Não quero ser ríspida, mas isso já passou do limite que sou
capaz de aturar.
— Olha, senhor Smith, eu agradeço a oferta, mas não tenho interesse.
Nós nem nos conhecemos e além do mais, o que você está sentindo é fruto de
uma mágica, uma hipnose ou como quiser chamar, não é real.
Ele fica me encarando por algum tempo, então respira fundo e se
prepara para falar alguma coisa, argumentar, mas a porta se abre no meu
andar e eu pulo para fora do elevador.
Ando com passos bem rápidos em direção ao meu quarto, mas dou
uma espiada por cima dos meus ombros e percebo que o tal Pompeo Smith
está bem atrás de mim, sorrindo e acenando. Merda, pensei que tinha tirado
uma folga.
Enquanto vou revirando a bolsa para encontrar o cartão magnético
que abre a porta, continuo caminhando com passos longos.
Sinto uma mão no meu ombro, paro e respiro fundo. Viro devagar e
dou de cara com o sorriso meio lunático do meu perseguidor. Ele se prepara
para me beijar, mas eu não penso duas vezes, ergo meu joelho e o acerto bem
nos países baixos.
O homem se encolhe, segurando com as duas mãos suas partes
íntimas nocauteadas. Aproveito para ganhar tempo e tomar o corredor que me
leva direto para o quarto onde estou hospedada. Até agora nunca me pareceu
tão longe.
Antes que eu chegue até minha porta, outro sujeito me encontra,
tentando me abraçar de um jeito que, com certeza, vai arrancar todo o ar dos
meus pulmões. Desvio, mas antes do próximo passo ele me puxa pelo pulso.
Viro, me desequilibrando e caindo por cima dele.
— Puta merda! — grito e ele me envolve nos braços. — Me solta, seu
maluco.
— Meu amor!
— Seu amor é o cacete, me deixa em paz.
Firmo meus braços no chão e impulsiono meu corpo. Deixo-o ali e
corro para o meu quarto, abrindo a porta e batendo com ela às minhas costas.
Ufa. Finalmente.
Só que não.
Um movimento leve atrás da cortina, um volume que não é do vento
e... pés descalços.
Respiro fundo, resmungando enquanto caminho.
— Minha nossa senhora das mulheres vítimas de perseguidores, que
ele não esteja pelado. Que ele não esteja pelado. Que ele não esteja pel...
Sim, ele está pelado.
Pelado, não, ele usa uma gravata. Uma gravata apenas!
E está duro.
E me olhando com uma cara de doido varrido.
Meu primeiro ímpeto é ir com a mão até a orelha dele e o tirar de seu
esconderijo fajuto.
— Você está mostrando a bunda pela minha janela — acuso e ele dá
de ombros, um sorriso torto e sonhador. — Fora daqui!
O guio pela orelha até a porta, abro e o empurro para fora, trancando-
a e arrastando e posicionando uma cadeira para garantir que ninguém vai
realmente passar. O sujeito esmurra a porta algumas vezes, choramingando,
mas eu vou colocar um fone de ouvido e não vou escutar mais nada. Nada
melhor do que um pouco de paz.
Só que não.
A janela está aberta e ainda bem que me estico para fechá-la. É
quando vejo o sujeito sentado no parapeito, olhando para o horizonte e
sacudindo o corpo de leve para frente e para trás, uma rosa vermelha na boca.
Merda ao quadrado.
— Ei — chamo, com medo que ele se distraia e acabe caindo.
— Meu amor! — Ele solta a rosa e ela voa pelos ares, indo se
estatelar lá embaixo. O sorriso reluzente desse estranho é tudo o que uma
garota sonha, lindo, apaixonado, vivo. Só que nada disso é verdade e isso
corrói meu coração, me fazendo sentir pior do que já estou.
— Se era pra me fazer sentir pior que a lombriga do cocô do cavalo
do bandido, bom, você conseguiu isso, Cleo — resmungo, conforme tento me
sentar na janela para salvar o coitado que não tem culpa de ter perdido o
juízo.
— O que você disse, minha Deusa?
— Eu perguntei se você está bem.
Ele sorri ainda mais abertamente e algo no meu coração se parte. Não
é certo fazer essas pessoas que eu nunca vi na vida se arriscarem desse jeito.
Preciso tirá-lo daí, antes que carregue nos meus ombros a culpa por alguém
ter morrido por minha causa.
— Estava pensando em você. Em como seremos felizes — diz,
esticando sua mão e desequilibrando um pouco.
Prendo a respiração, mas ele consegue se manter no parapeito, é por
um fio e meu coração bate tão forte que quase não consigo ouvir mais nada.
Estico meu corpo um pouco e toco a mão dele.
— Por que você não vem pra cá? Aqui dentro tá mais gostoso e
podemos conversar melhor.
— Certo — diz. — Mas perdi a minha rosa.
Ele olha pra baixo e eu congelo.
— Tudo bem, vamos resolver isso. Só vem bem devagar, querido, não
quero que você se machuque.
— Não?
— Claro que não, meu bem, como seremos felizes se você cair?
Merda, é só uma mentirinha em nome de um bem maior. Em nome de
salvar a vida desse cara.
Ainda bem que ele não é grandalhão como os outros, ou já teria ido
parar lá embaixo. Sua bunda magra cabe bem na beirada fina e ele se arrasta
na minha direção, conforme vou incentivando-o com sorrisos e piscadinhas.
Isso é vergonhoso, mas é melhor do que ter que explicar para as
autoridades que matei um homem com mágica.
Saio da janela quando ele está bem perto. Ele se arrasta mais um
pouco e assim que chega à parte que dá para dentro do quarto, o puxo com
meus dois braços em sua cintura.
A força que uso é tanta, que acabo deitada no chão com ele em cima
de mim.
— Eu sabia que você me amava.
— Pode me ajudar a levantar, querido?
— Sim, sim — diz, pulando animado e me ajudando a levantar. —
Então, o que faremos agora?
Penso por um momento.
— Você pode fazer uma coisa por mim? Aquelas coisas que as
pessoas que amam fazem?
— O que você quiser meu amor, minha luz...
— Certo. Vou anotar um endereço e quero que você vá até lá,
conversar com uma pessoa. Só depois disso poderemos ser felizes.
— Claro, agora mesmo.
Pego meu celular e pesquiso o endereço de um psiquiatra do outro
lado do país. Assim que encontro um, copio o endereço em um papel, depois
o dobro e o beijo, dando uma piscadinha para o meu admirador enfeitiçado.
— Não se esqueça, só poderemos ser felizes depois disso — falo e ele
acena, ainda sorrindo. Meu Deus, será que ele não cansa? — Entendeu bem?
— Claro querida, sem dúvida.
Eu o guio até a porta, tiro a cadeira e a abro, dando muitos
tchauzinhos falsos para ele. Será que ele vai mesmo fazer isso? Espero que
sim, não dou conta de lidar com alguém no parapeito outra vez, ainda mais
quando ele se der conta de que não seremos felizes jamais, porque não existe
nós, simples assim.
Depois que meu admirador sai com o bilhetinho, faço uma checagem
e só quando concluo que não há mais ninguém, é que tiro meus calçados,
minha roupa toda e visto um camisetão, me jogo na cama e pego meu celular.
Há várias mensagens de Olivia.
Olivia: Te liguei duas vezes, está tudo bem?
Olivia: Amiga, você tá bem?
Olivia: Sério, tô preocupada, atende a bosta do celular.
Olivia: Se você não der sinal de vida nas próximas horas, vou ligar
para o FBI, Polícia e o que mais existir.
Olivia: A não ser que você esteja com o bonitão do elevador, daí você
tá perdoada.
Olivia: Ok, estou preocupada.
Olivia: Estou mesmo preocupada e um pouco irritada.
Olivia: Você tá bem? Tá viva? Se alguém aí sequestrou ou machucou
minha amiga, este é um aviso de que vou acabar com você. Fiz artes
marciais, sou faixa preta, prepare-se.
Olivia: Certo, estou arrumando as malas, vou até aí.
Leio a última e rio, ela mandou faz alguns instantes, então ainda não
deve ter feito nenhuma maluquice. Minha melhor amiga é como uma irmã e
saber que mesmo que eu não encontre um amor verdadeiro nesta vida ainda a
terei por perto, ajuda a acalmar um pouco meu coração.
Eva: Estou viva, desculpe o sumiço, andei por aí o dia todo e quando
cheguei tinha vários malucos atrás de mim.
Olivia: Ainda bem, estava mesmo arrumando a mala.
Olivia manda uma foto de sua mala pela metade, começo a rir e
quando ela faz uma chamada de vídeo eu ainda estou rindo ao atender.
— Pode começar a contar, você me deixou morrendo de preocupação
aqui — ela diz antes mesmo que eu veja seu rosto.
— Eu tô bem — resmungo e ela bufa. — Só chateada.
— O que é que você está me escondendo?
Minha amiga curva as sobrancelhas daquele jeito que faz sempre que
desconfia que estou mentindo ou omitindo coisas. Neste caso, estou omitindo
o sexo incrível com Derek.
— Nada — eu tento, mas ela aperta mais as sobrancelhas.
— Tá, tá, eu dormi com o Derek, merda, eu não dormi realmente e
esse é o problema.
— Derek é o cara do elevador, certo?
— Isso.
— Legal! — Olivia faz uma dancinha estranha na frente do celular,
comemorando.
— Não, isso não é legal.
— Só na sua cabeça que dormir com um homem gostoso que tá
caidinho por você não é a coisa mais legal do mundo.
— Olivia, ele tá enfeitiçado, ou melhor, eu tô enfeitiçada e todos os
empresários, CEOs, e engomadinhos que cruzam comigo pelo caminho
acabam pagando o pato.
— Ai, amiga, eu acredito nisso, mas é que pelo jeito que você falou
dele... não sei, não parece que ele está.
— Talvez não seja tão intenso com ele por estar desempregado, em
transição de carreira, ai, sei lá.
— Com tanto homem rico aí você se apaixona logo por um que está
em “transição de carreira”? — Ela faz aspas com uma das mãos.
— Quem disse que estou apaixonada, foi só sexo. Sexo bom, safado,
quente.... — Afundo a cabeça no meu travesseiro e solto um grunhido.
Olivia ri.
— Droga, não posso gostar de um cara que vai esquecer de mim.
— Um cara que faz um sexo safado. — Minha amiga pisca. — Quero
todos os detalhes, vamos, desembucha.
E assim, como se nada fosse nada, conto como é que fui parar e como
é que sumi da cama do homem por quem posso ou não estar me apaixonando.

Depois de conversar por duas horas com a minha melhor amiga e de


sentir meu estômago reclamar que poderia comer um boi inteiro, pego minha
bolsa, calço um par de sapatos baixos e um casaquinho leve e me preparo pra
sair, decidida a fazer a única coisa que sei que é certa. Encontrar Cleo e
acabar com essa loucura toda.
Ela precisa dar um jeito nisso, o quanto antes.
Antes de sair do quarto, porém, ligo para a recepção e reconheço que
a voz que me atende, é da moça que fez meu check in quando cheguei, antes
desse rolo todo. Assim que digo meu nome, o tom de voz dela se anima.
Bato um papinho rápido com ela, alargando nosso pouco
relacionamento e falando de umas coisas aleatórias. Por fim, conto uma
mentira, digo que um cara com quem não quero sair está hospedado e
pergunto se teria alguma forma de sair do hotel sem ser vista, caso ele esteja
zanzando.
Prontamente, a recepcionista me explica sobre o elevador de serviço e
a porta dos fundos que tem na cozinha do hotel, além de me contar sobre
como sair pela lavanderia caso eu precise.
Agradeço e desligo, começando meu plano de sair do hotel sem ser
notada por nenhum CEO, ou melhor, por nenhum ser humano.
Arrumo meus cabelos cor de cobre escuro dentro do capuz do
moletom, coloco um par de óculos escuros grandes e ao invés de usar meus
habituais batons coloridos, passo apenas um gloss. Depois, eu coloco uma
calça jeans colada e um par de tênis. Nossa, isso me faz lembrar a época da
escola, quando eu não fazia ideia do que a palavra estilo significava de fato.
Dou uma olhada no espelho e penso, suspirando, que apesar de tudo,
não estou nada mau. Só quero ver pra lidar com o calor de Miami dentro
desse monte de pano.
Tudo bem, vamos nessa.
Abro a porta e congelo. Uma fila de homens. Sem mentira. Uma fila
com mais de trinta homens.
Ai meu Jesusinho. O que é que eu faço?
Abro a porta do quarto por causa do burburinho que só vai
aumentando conforme os minutos passam. É claro que eu sei que tem alguma
coisa rolando no quarto ao lado, mas quando ela foi embora no meio da noite,
eu entendi, Eva teria ficado se me quisesse. Então sei que não tem espaço na
vida de Eva pra mim. E tá tudo bem, a vida é assim.
Está tudo bem.
Só que não está.
Porque por mais que eu repita que é só sexo, que é só diversão, que se
eu quisesse mesmo alguma coisa eu teria contado quem eu sou, nada disso
me convence e a verdade é que estou com medo de falar quem sou e ela
sumir de vez da minha vida.
Logo eu, Derek Preston, o cretino arrogante do elevador.
Respiro fundo e finco os pés no chão. Não vou me meter. Não vou me
meter.
Ok, vamos acabar com essa palhaçada.
Abro a porta e meu queixo cai no chão. Tem pelo menos uns trinta ou
mais homens com flores, chocolates, caixas de presentes, de joias. Assim que
me notam eles suspiram.
— É o seguinte, pessoal, tá na hora de ir — digo, cruzando os braços
e parando na frente da porta de Eva.
— Ei, sai fora, você está atrapalhando a saída da minha rainha —
alguém grita lá do final da fila.
— É isso aí, saí fora.
— E você também, a princesa é minha — um baixinho retruca,
olhando para o outro que acaba de gritar.
Muita testosterona, isso aqui vai complicar rapidinho.
— Quem você pensa que é, seu nanico? Vai embora você.
— Além do mais — outro se mete no bate-boca. — Ela é uma deusa,
não uma princesa.
A discussão começa e em menos de um minuto já está acalorada, com
trocas de acusações sem nenhum sentido, com buquês de flores voando na
cabeça de um aqui, chocolate na cara de outro ali.
A coisa toma tamanha proporção que quando me dou conta estou bem
no meio de um bolo de homens, que se engalfinham com táticas de lutas e até
alguns pontapés esporádicos.
Desvio de um, acerto outro.
Escapo para o lado, mas alguém me puxa de volta pro meio da
confusão.
Um deles atira spray de pimenta em um grandalhão que parece um
viking, ele cai de joelhos gritando. Outro me derruba com um golpe de jiu
jitsu e eu me vejo batendo na cabeça dele com uma caixa de chocolates. Os
bombons se espalham e ao se dar conta disso, o fulano pula pra cima de mim,
tentando me prender em um golpe que vai, sem dúvidas, quebrar alguma
coisa minha.
Escapo por muito pouco, empurrando no meu lugar um baixinho que
está tentando derrubar o viking, já recuperado do spray de pimenta e lutando
feito um touro bravo.
Tento sair engatinhando, mas alguém puxa meu pé e dou com a cara
no chão. Começo a dar coices e a xingar, e ainda mordo uma perna que
aparece na minha frente.
É a porra de uma confusão.
Do tipo que eu nunca pensei que me meteria.
Finalmente livre da massa confusa e barulhenta de músculos, puxo o
ar com dificuldade e me apoio na parede para recuperar as forças.
Droga, parece que corri uma maratona.
Apoio as mãos nos joelhos e impulsiono o corpo. É quando vejo a
solução dos meus problemas bem na minha frente.
Com um sorriso diabólico no rosto, ah, sim, estou mesmo com cara de
quem vai fazer uma merda bem grande, quebro o vidro da caixa metálica que
está no alto da parede e pego o extintor de incêndio.
Tiro o lacre, e com muita vontade, começo a dispersar o produto
branco direto na confusão.
Alguém grita de susto, outro xinga, mas todos vão se separando e
levantando.
O resultado?
Um monte de ternos estragados seja por chocolate, por restos de
flores, rasgos e principalmente pela espuma branca do extintor. O problema é
que ela acaba mais rápido do que eu previ e algo na forma como esses loucos
estão me olhando me faz pensar na porcaria de um apocalipse zumbi.
Bom, pelo menos o extintor é pesado.
Ergo-o como se fosse um bastão de beisebol e ameaço o primeiro que
arrisca a dar um passo na minha direção. Com medo, ele para e quando
percebe que não vou me mover um milímetro sequer acaba recuando.
— Vão embora ou vou acabar mandando alguns pro hospital.
Levo quase meia hora para finalmente me ver livre de todo mundo. O
estrago no corredor vai me custar alguns meses de royaltys[12], mas não posso
dizer que estou arrependido.
Largo o trambolho de metal vazio encostado na parede e me abaixo
para pegar a única rosa intacta. É quando a porta dela se abre.
— Derek...?
— Oi, linda — digo, tentando não parecer um idiota.
Eva olha ao redor e vê a bagunça, suas sobrancelhas se erguem e eu
sorrio. Não sei o que é que há comigo, mas perto dela me sinto mesmo como
um garoto.
— O que aconteceu? — Eva pergunta, sombria.
Minha vontade é cortar nossa distância e mergulhar fundo na sua boca
deliciosa, mas me restrinjo a dar de ombros e encará-la.
— Bancando o herói — digo e ela suspira.
— Obrigada.
— Podemos conversar, Eva? — pergunto, dando o passo que nos
separa e pegando uma de suas mãos para depositar a rosa. — Isso é seu.
— Acho melhor, não... — Ela tenta se afastar, mas eu sou teimoso e
não estou nem um pouco disposto a perder essa batalha.
— Escuta. — Entrelaço meus dedos nos seus cabelos e baixo o capuz
estranho em que ela os enfiou. — Esse disfarce é péssimo. Você sabe, não é?
Ela dá uma risadinha envergonhada.
— Tem flor no seu cabelo e espuma na sua orelha — diz e eu sorrio,
daquele jeito meio constrangido e meio convencido.
Eva leva as mãos ao meu cabelo e tira a pétala amassada, seus olhos
concentrados reviram as coisas dentro de mim. Eu sei, eu odeio as pessoas e
o universo, mas essa mulher venceu minhas barreiras e a cada momento eu
quero estar mais e mais com ela.
Quero Eva nos meus braços, na minha cama, resmungando no café da
manhã. Droga, a quero pra valer.
Merda, tô enrascado.
Mas e como é que eu faço ela me querer também?
Não estou competindo com esses malucos que provavelmente são
muito mais ricos do que eu, mas sim com um feitiço de uma velhinha que
posso jurar que já cruzou o meu caminho. Fica difícil assim.
— Eva... — tento, mas ela vem com as palmas nas minhas bochechas
e fixa seus lindos olhos azuis aos meus.
— Hoje não. — Suspira e eu sinto um nó apertar na minha garganta.
— Eu preciso resolver umas coisas pessoais. Amanhã.
— Amanhã então — digo, a contragosto, mas sem querer forçá-la, até
porque o que eu tenho para contar ou vai fazer Eva me amar ou me odiar e
quem sabe até me bater com o mesmo extintor que ameacei meus rivais.
Dou um beijo comportado nos lábios dela e me obrigo a ir embora.
Qualquer coisa que eu faça pode fazê-la se sentir pressionada e se fechar para
a chance de descobrirmos se o que temos é de verdade.
Ela sente, eu consigo perceber, agora só preciso convencê-la a não me
odiar e me aceitar como eu sou, com todos os muitos defeitos e mau-humor.
— Certo, vou indo, ou vou mudar de ideia — resmungo e ela sorri de
um jeitinho triste. — Amanhã, ruiva.

Depois que Eva fechou a porta do quarto, um sentimento estranho se


alojou dentro de mim, talvez eu não devesse ter aceitado tão facilmente adiar
a conversa. Eu devia ter batido o pé e despejado toda a verdade. Mas não quis
pressioná-la, ainda mais parecendo um ogro como eu estava.
Passei uma parte da noite remoendo essa história louca de feitiço,
velhas ciganas e CEOs apaixonados, até que o cansaço me venceu e acabei
apagando totalmente.
Não foi um sono tranquilo.
No sonho, ou melhor, no pesadelo que tive, me vi de volta ao
aeroporto, mas ao invés de roubarem meus taxis estavam roubando Eva de
mim, e pra piorar tudo, a tal velhinha, Cleo, me dava tchauzinhos do outro
lado da rua, rindo da minha cara de desespero.
Corri, mas ela evaporou no ar, me deixando com um sentimento de
abandono que eu não gosto nem um pouco.
Eu já fui magoado, traído, mas nunca passei por nada como essa
sensação de perda que experimentei ao ver Eva ser arrancada de mim e
enfiada em um taxi.
Acho que depois desta viagem, existe uma grande chance de eu nunca
mais voltar a Miami, acho que estou ficando traumatizado.
Levanto da cama e tomo uma ducha rápida, se Eva pensa que vou
esperar o dia todo pra sentir seu gosto outra vez, está muito enganada. Mal
posso me aguentar de vontade de lamber aquele corpo inteiro.
Só de lembrar dos gemidos dela, das suas unhas na carne dos meus
ombros, fico duro e cheio de fome. Tenho fome de Eva. Tenho fome de uma
vida descobrindo-a.
Visto uma camiseta e uma bermuda jeans, arrumo meus cabelos e
passo desodorante, com um humor renovado pela perspectiva de convencer a
ladra de taxis a me deixar entrar na sua vida e na sua boceta, caminho até a
porta.
Um pedaço de papel dobrado me chama a atenção, me abaixo e o
pego. Alguém deve ter colocado ele por baixo da porta.
Abro, com o coração pressagiando que não vou gostar nada do que
vou ler.
Dito e feito.
Merda!
Saio do quarto e vou até o dela. Bato na porta até o ponto de esmurrá-
la. Droga. Eu não posso acreditar que Eva fez isso comigo.
Confuso, irritado e ainda sentindo o cheiro do shampoo de morango
de Eva por todo lugar, volto para o meu quarto e espatifo um vaso idiota que
alguém achou que ficaria bonito na decoração.
Eu deveria ter contado que não sou da Indústria armamentista, nem
nada do tipo, que não sou a porcaria de um CEO. Deveria ter tido colhões e
esfregado na cara dela meu livro.
— Eu sou um roteirista, Eva. Não estou desempregado nem sou CEO,
só estou variando um pouco as cosias. — Era o que eu deveria ter gritado
para ela e quem mais quisesse ouvir. — Eu sou a porcaria de um roteirista
premiado que acaba de lançar um livro, e é por isso que estou aqui em
Miami, divulgando meu trabalho. E por isso não posso estar enfeitiçado.
MERDA!
MERDA!
MERDA!
Então é isso? Eu quero Eva na minha vida?
Por que outro motivo eu estaria agindo feito um leão preso em uma
jaula? Porque é assim que eu me sinto, um leão grande e faminto, apertado
em uma jaula que mal cabe meu corpo e que até poderia receber o nome de
gaiola.
Tenho que fazer alguma coisa.

Pelo menos é minha última apresentação e com certeza está passando


longe de ser um dos meus melhores momentos. Por quase uma hora e meia
mal consegui raciocinar sobre o que discutir em relação a carreira ou sobre o
livro e trato de ir logo para a leitura de um trecho que não me parece fazer
qualquer sentido.
A organizadora, uma mulher carrancuda de cabelos super pintados,
me lança olhares do tipo: “Que porra é essa?”, mas eu só quero dar o fora
daqui o quanto antes.
Ao terminar a palestra desastrosa, desço com passos rápidos, mas sou
interceptado pela fila de leitoras que espera por autógrafos.
Com a minha habitual cara de imbecil, pego canetas, caderninhos e
livros, e começo a autografar de um jeito mecânico, apressado.
Não pergunto nomes, não faço dedicatórias, só escrevo a porcaria do
meu nome e forço um sorriso amarelo para quem tenta trocar mais do que
algumas palavras ou me pede foto. Não duvido nada que estou saindo com
uma carranca em cada foto, mesmo fazendo um tremendo esforço para
parecer um ser humano normal e feliz. Ou pelo menos normal.
— Oi lindo, nos vemos de novo. — A voz adocicada não me traz
qualquer recordação, mas então ergo meus olhos e vejo a coroa da outra
noite. A que tentou me levar para jantar. — Você está bem?
O olhar dela vai de sexy a curioso num piscar de olhos e eu suspiro,
sem conseguir me manter muito na pose de escritor de sucesso/simpático.
Estou mais para escritor alucinado/desesperado/furioso/confuso/que quer sair
correndo daqui.
— Tudo e com você? — tento ser cordial, mas ela me esquadrinha
como um escâner de aeroporto, aquele em que as malas são vistas por dentro
e por fora, em busca de drogas.
— Tudo bem mesmo? Você parece chateado.
— Tá tão na cara assim?
— Querido, você é um livro aberto, e eu aposto um dedinho que esse
seu olhar tristinho é por causa de uma garota.
Para minha surpresa, a cinquentona que deu em cima de mim na
minha primeira apresentação é uma pessoa bastante agradável. Certo, vou
precisar me desculpar por tê-la tratado mal.
Saímos para tomar um café no bar do hotel e ela, que se chama Carole
Owens, se mostra um ouvido incrível.
Despejo tudo de uma só vez, do roubo de taxi, o café no elevador, a
loucura dos homens dando em cima de Eva, enfeitiçados, do sexo incrível, da
voz deliciosa, do cheiro de shampoo de morango. Tudo.
Ela me escuta com atenção, bebericando o café com um olhar de pura
paciência.
— Interessante — diz. — Então, você se sente melhor?
— Sim, obrigado e desculpe por tudo isso.
— É uma história bem maluca, mas eu já vi tantas coisas nesse
mundo que não duvido de mais nada.
— E o que eu faço? — quase choramingo, me sentindo um cachorro
que acaba de ser abandonado pelo dono.
Carole dá um tapinha de leve na minha mão e sorri.
— Vá atrás da sua garota.
— Ir atrás?
— Sim, vá atrás dela e diga como se sente. Conte tudo, do mesmo
jeito que fez comigo, assim que ela ver esse seu olhar vai se derreter.
— Certo, vou atrás dela.
É isso, vou atrás de Eva.
Só preciso descobrir onde ela está.
O sorriso torto de Derek derrete meu coração e me faz sentir um nó se
torcendo dentro do meu estômago.
Tiro a pétala de rosa do seu cabelo e vejo o brilho nos seus olhos, dói,
mas a única coisa que posso fazer é me afastar, permitir que ele tenha uma
vida verdadeira.
— Eva... — começa a dizer, mas eu o interrompo colocando minhas
duas palmas no seu rosto, cada uma em uma bochecha, o calor do seu rosto
faz uma onda de energia vibrar por todo meu corpo e eu preciso de muita
força de vontade para não desistir da decisão que tomei ao abrir a porta e dar
de cara com o sorriso torto e travesso de Derek.
Ele espantou todo mundo e agora eu preciso espantá-lo.
Só que isso dói.
— Hoje não. — Suspiro e ele me lança um olhar confuso. — Eu
preciso resolver umas coisas pessoais. Amanhã.
— Amanhã então — declara, contrariado.
Derek me dá um beijo casto nos lábios e começa a se afastar. Sinto
cada músculo meu me obrigando a cravar os pés no chão, ou vou acabar
desistindo e correndo para os braços dele.
E eu não posso fazer isso.
— Certo, vou indo, ou vou mudar de ideia — ele resmunga de um
jeitinho bobo que é doce e me faz sentir muito culpada. — Amanhã, ruiva.
Assim que ele sai, tranco a porta e coloco a cadeira de volta, para
impedir que algum CEO com seus recursos tecnológicos dê um jeito de
burlar a tranca eletrônica e me pegue de surpresa.
A primeira coisa que faço é tomar um banho quente e deixar que
várias lágrimas chatas me vençam. Não posso. Não posso.
Não posso estar apaixonada por Derek.
Vestida e exausta pelo tumulto dos últimos dias e da confusão de
sentimentos que estou sentindo, abro meu notebook, entro no site da empresa
aérea e compro uma passagem de avião para voltar pra casa. Já que não posso
trocar a que comprei para volta quando embarquei nessa viagem, e que está
marcada para daqui dois dias, decido deixar pra lá e pegar uma nova com
meu cartão de crédito. Quando estiver com cabeça para pensar nisso, tento
um reembolso.
Agora, a única coisa que eu quero e preciso é voltar pra casa e me
jogar nos braços da minha melhor amiga, chorar o suficiente pra abastecer
um rio de uma pequena cidade e recomeçar.
Arrumo minha mala e a deixo perto da porta, me deito e fico olhando
para o teto escuro. Não vou conseguir dormir, mas ficar zanzando pelo quarto
não vai ajudar em nada.
Em algum momento acabo pegando no sono e mergulhando na
porcaria de um pesadelo, onde estou correndo pelo aeroporto e Derek está
tentando segurar minha mão, mas alguém me puxa para um taxi e me leva
embora.
No sonho, eu fico esperneando, batendo no vidro da janela do banco
de trás, mas Derek está olhando para o outro lado da rua, tentando chegar até
lá, mas sem sair do lugar. Na calçada, incitando-o a correr e rindo de um jeito
assustador, está ninguém mais e ninguém menos que Cleópatra, a velhinha
sacana que me meteu nesse rolo todo.
De dentro do carro eu grito por Derek e grito por Cleo, pedindo ajuda,
mas o taxi ganha velocidade e vira na primeira avenida, que por sinal não é
mais em Miami e sim em São Francisco.
Acordo com o coração acelerado e descubro que faltam apenas cinco
minutos para meu celular despertar. Aliviada por não ter que me obrigar a
voltar dormir e rangendo os dentes por não estar me sentindo nem um pouco
melhor, levanto e vou me arrumar.
Assim que termino, guardo meus últimos pertences na mala, confiro
se meus documentos estão na bolsa e mando mensagem pra Olivia, avisando
o horário programado para a minha chegada, para ela não ficar preocupada.
No corredor e com uma sensação de vazio no peito depois de colocar
a cartinha por baixo da porta, dou uma última espiada na direção do quarto
dele e suspiro. No fundo, meu coração teimoso espera que ele apareça e me
impeça de ir, me dando qualquer motivo pra acreditar que ele não está
enfeitiçado e que realmente me quer. A forma como ele me olhou ontem à
noite, seu toque ansioso... tinha algo de diferente.
Ou talvez seja apenas eu querendo me enganar. Derek estava uma
bagunça por conta da confusão e da barulheira que os CEOs fizeram no
corredor, ou seja, ele estava junto com os enfeitiçados. Só minha cabeça não
quer aceitar isso.
Resignada, arrasto minha mala até o elevador.
Não é de verdade.
Nada foi de verdade.
Fecho a conta do hotel e pago com o cartão corporativo, porque
agora, mais do que nunca, estou morrendo de raiva de Robert, que além de
partir meu coração, me mandou numa viagem onde acabei enfeitiçada,
perseguida e quase fui responsável pelo suicídio de um homem que eu nunca
nem tinha visto antes. E é culpa dele eu ter conhecido Derek e ter me
apaixonado por ele.
Eu me apaixonei por seu sorriso torto.
E mesmo que eu negue para quem quer que seja, pra mim não consigo
mentir, essa é toda verdade, estou apaixonada por um homem enfeitiçado.

Depois que a porta do elevador se abriu e eu fechei a conta no hotel,


tudo passou como um borrão, o taxi, o balcão de check in, o despacho da
mala, a subida no avião, me sentar ao lado de um estranho...
Merda, me sentei ao lado de um CEO e ele não para de colocar sua
mão boba na minha coxa, enquanto discute nosso futuro incrível.
Respiro fundo quando a aeromoça começa a passar para checar se
queremos uma bebida. Assim que ela nota a mão do engravatado na minha
coxa sorri, como se estivesse apreciando um casal lindo e apaixonado.
Só que não.
— O que vocês vão querer?
— Um suco pra mim e pra ela... — o estranho começa a dizer, mas
enrolo a revista de moda que estou segurando e acerto a mão boba dele com
ela.
— Eu gostaria de um outro assento, é possível?
A comissária me olha confusa e eu suspiro, murmurando com os
lábios, mas sem emitir sons, pra que só ela me entenda. “Socorro” é o que
murmuro e os olhos dela se arregalam quando entende que estou numa
enrascada e que esse cara não é nada meu.
— Senhorita, pode vir aqui comigo, por favor? — ela pede e eu solto
todo o ar dos meus pulmões.
Imagina a confusão que seria se esse homem de repente surtasse por
causa do feitiço. Eu acabaria sendo a responsável pela queda de um avião
cheio de gente inocente.
— Aonde você vai querid... — ele tenta segurar minha mão, mas a
comissária o repele com um tapa na mão.
— O senhor fique bem aqui ou vou chamar a polícia quando
aterrissarmos.
Confuso, ele concorda e fica parado, mas eu mal tenho tempo de
pegar minha bolsa e ele já está todo sorridente, me dando tchauzinhos fofos.
— Nossa, que homem esquisito — diz a comissária, me guiando para
o fundo do avião, onde me mostra um lugar vazio ao lado de um velhinho
que sorri com gentileza e nenhum sinal de insanidade provocada por feitiço.
— Obrigada — digo e afundo na cadeira.
— Se aquele sujeito voltar a perturbá-la, juro que vou mandar prendê-
lo. Sujeitinho babaca — a comissária sussurra. — Bem que achei aquele ar
convencido quando entrou no avião demais pro meu gosto...
— Acho que agora vai ficar tudo bem.
Ela acena e sai, me deixando com meu novo colega de viagem.
— Oi, eu sou Frank. — Ele ergue a mão para que eu aperte.
— Você é o segundo Frank que eu conheço nessa viagem, digamos
que o primeiro era meio estranho. — Respondo pegando sua mão e
apertando. — Eva.
— Espero que você não me ache estranho por cumprimentá-la. Sou da
velha guarda, gosto de saber com quem vou morrer caso o avião caia.
Solto um riso alto e estranho e sei que vou gostar muito do velhinho
esquisitão.
— Prefiro pensar em termos de: A mão de quem vou segurar se o
avião chacoalhar muito.
Dessa vez é Frank que sorri e nós engatamos uma conversa animada
imediatamente, até que eu desabafo tudo, de salvar a velhinha até ir pra cama
com Derek. Eu sei, eu sei, eu deveria ficar na minha, mas a conversa com ele
vai tão naturalmente que eu me sinto confortável em contar as coisas loucas
que vivi nos últimos dias.
— Então se eu entendi bem, você estava apaixonada por seu chefe
que a mandou numa convenção...
— Isso.
— Daí lá você salvou uma velhinha de ser atropelada e ela enfeitiçou
você pra que os homens da convenção ficassem loucos por você. E você
acabou se apaixonando por um deles.
— É, falando assim parece uma verdadeira maluquice, mas juro que é
verdade.
Frank ri.
— Já vi coisa demais nessa vida, minha querida, nada me surpreende
— ele diz com toda a naturalidade do mundo. Ele acredita em mim, ou se está
fingindo, está fazendo bem, porque acredito.
— Então o senhor não acha que eu sou doida?
Com um tapinha carinhoso no dorso da minha mão, Frank acena que
não.
— O mundo é mágico, do contrário, pessoas como eu e minha esposa
jamais nos conheceríamos.
— Ah, é? E como foi?
— Quando eu tinha uns dezoito anos, comprei uma passagem de trem,
estava saindo do interior para morar na cidade. Tinha essa moça linda
sentada, olhando pela janela distraída. Sentei de frente para ela e passei uma
boa parte da viagem tentando puxar assunto, mas ela simplesmente me
ignorava.
— Nossa, e como foi que o senhor conseguiu conquistar ela?
— Não consegui, aquela criatura nem me olhou na cara. Até que uma
moça, que estava do outro lado do corredor, percebeu meu fracasso. Acho
que ela ficou com pena de mim, porque veio se sentar do meu lado e
começou a conversar comigo.
— Ai, minha nossa. Que história doida.
— Acredite, ela era ainda mais linda, jamais que uma moça daquele
tipo ia olhar pra um João ninguém como eu, mas ela não apenas olhou como
passou toda a viagem conversando comigo. Foi a melhor conversa que eu tive
na vida.
— Ela era simpática então?
— Ela era apimentada, diferente e cheia de opiniões, não ligava de me
contrariar se discordasse da besteira que eu tava falando e ria alto, de um jeito
tão vergonhoso que ela sempre cobria a boca no final. Falamos sobre tudo,
naquele dia e nos cinquenta anos seguintes. Em todos esses anos ela
continuou rindo do mesmo jeito escandaloso, falando tudo que passa pela
cabeça e me contrariando sem medir as palavras.
— Era a sua esposa?! — Exclamo surpresa e encantada. — Ela é o
amor da sua vida, não é?
— Ela é — diz, pegando a carteira e mostrando uma foto dele com a
esposa. Na foto ele sorri e ela tem uma sobrancelha erguida e um olhar
travesso de quem acabara de falar uma bobagem.
— Vocês ficam lindos juntos, mesmo depois de cinquenta anos. E
onde ela está agora?
— Minha Helen ficou com a nossa filha caçula que acabou de dar à
luz. Eu estou voltando pra casa por alguns dias, pra colocar as coisas em
ordem e dar espaço pras moças.
— Quantos filhos você e a Helen têm?
— Tivemos cinco filhos, dois rapazes e três moças. Agora todos estão
casados já e com família. Já tenho oito netos, quem poderia dizer, não é, uma
garota precisou me esnobar para eu encontrar o amor da minha vida.
— Foi o destino.
— É, pode ser, mas eu vejo mais como agarrar a oportunidade quando
ela aparece. Eu poderia ter feito com Helen a mesma coisa que a estranha fez
comigo, ou pior, Helen poderia ter feito o mesmo, mas nós demos uma
chance pra nos conhecermos e nunca mais ficamos longe. Cinquenta anos.
— É, cinquenta anos é uma vida. E como é que vocês conseguiram
durar tanto tempo?
— Brigando, fazendo as pazes, cuidando um do outro e acima de
tudo, conversando. Sempre conversamos sobre tudo.
— Uau, eu gostaria de ter um amor assim um dia.
— Mas antes você precisa de uma coisa, minha jovem — ele declara
muito sério e eu presto atenção, não é todo dia que a gente conhece alguém
cujo casamento deu certo e é cheio de amor e respeito. — Você precisa parar
por um momento e ver a pessoa linda que é, qualquer homem terá muita sorte
de amar uma moça que se arrisca para salvar a vida de estranhos.
Bufo, mas não digo nada.
— Como você vai ser amada por outra pessoa se nem mesmo você
acredita que merece isso? Primeiro a gente se ama, depois os outros nos
amam. Acredite, minha esposa me ensinou isso ao longo dos anos e ela
sempre está certa. — Ele dá uma piscadinha. — Mesmo quando está errada.
Certo, falar é fácil, difícil vai ser convencer meu cérebro disso.
Eu mereço ser amada. Eu tenho que me amar.
Ah, fala sério, desse jeito eu nunca vou me livrar desse feitiço que já
está parecendo uma maldição.
Assim que cruzo o portão, depois de me despedir do meu novo amigo
Frank, vejo minha melhor amiga segurando uma plaquinha com meu nome.
Sorrio, conforme vou me aproximando, então ela vira a placa. De um
lado: Eva Harris, do outro: Melhor amiga de todo o multiverso.
Nada como uma amiga nerd e geek.
Ela abre os braços assim que paro na frente dela e me puxa para um
abraço. Afundo no seu ombro e embora ela seja tão baixinha quanto eu, de
repente, me sinto tão pequena e cansada.
— Então, quais os planos agora, pequena gafanhota? — Olivia sorri e
limpa minhas lágrimas com seus dedos fininhos.
— Ir pra casa e me jogar de cabeça num pode de sorvete.
— Gostei da ideia, vamos.
Caminhamos lado a lado para a saída do aeroporto.
— Tenho mais um plano — digo, cortando o silêncio.
Olivia para e me encara com paciência.
— Preciso aprender a me amar pra valer, só não sei como.
Minha melhor amiga suspira e pega minha mão na sua, nos incitando
a voltar a caminhar.
— Vamos ter que trabalhar isso.
— É vamos e acho que vou precisar de muita ajuda.
— E muitos espelhos pra ver a mulher maravilhosa que você é. — ela
diz enfática.
— E se eu não conseguir? Se eu nunca quebrar essa porcaria de
feitiço?
— Bom, daí a gente reforça as janelas, coloca mais trancas na porta
ou nos mudamos pra uma ilha deserta, sem CEOs, gravatas, ternos.
Suspiro e Olivia me lança um daqueles seus olhares desconfiados.
— Tem mais coisa aí, não tem?
— Acho que cometi um erro terrível.
— O que você fez? Não me diga que serei cúmplice de um
assassinato.
— Não é isso. Não existe corpo nenhum, na verdade, não tem
assassinato nenhum.
— Então tá tudo bem
— Não está — digo, com uma dor martelando dentro do meu peito.
— Eu... eu me apaixonei. Me apaixonei por um homem enfeitiçado que vai
esquecer de mim.
Olivia para e me puxa para um novo abraço.
— Vai ficar tudo bem, eu tô aqui — ela acaricia meu cabelo.
— Estou tentando ver o lado bom.
— Que é...
— Pelo menos eu esqueci do babaca do Sampson.
— É verdade, pelo menos isso.
Só que nem isso faz doer menos. Não mesmo.
A primeira coisa que faço depois de voltar de Miami é ligar para
James e exigir que ele venha até minha casa. Meu agente reclama um pouco,
mas não dou margem para discussão. Se eu for até lá, vou acabar arrumando
algum tipo de confusão no meio do caminho.
Quando o porteiro avisa que ele chegou, eu já espatifei uma porção de
coisas da decoração idiota, mas nem isso amenizou o quanto me sinto mal.
Frustrado, furioso, ferido, é como me sinto. Um leão em uma jaula.
E é desse jeito que ele me encontra no meu loft. Maldita confusão,
maldita viagem. Maldita ruiva ladra de taxis e viciada em café, shampoo de
morango... porra!
— Nossa, o que aconteceu aqui? — ele diz, ao entrar no apartamento
e ver os cacos espalhados pela sala.
— Eu aconteci aqui, o que você achou que seria?
— Tenho até medo de saber — meu agente e único amigo sorri, do
mesmo jeito debochado que faz sempre que quer me sacanear.
— Merda, a culpa é sua — declaro, começando a andar de um lado
para outro e apontando um dedo acusador na sua direção.
— Pelo jeito vou precisar de uma bebida — diz e vai ao aparador se
servir de whisky, a única coisa alcóolica que tenho em casa, justamente para
quando ele vem aqui.
— Isso, beba, porque você me meteu nessa enrascada e agora vai ter
que me tirar.
James me ignora de propósito. Tudo bem, ele sabe lidar com
praticamente todas as minhas variações de humor, mas hoje a coisa é
diferente. Eu pareço um lunático, eu me sinto mesmo como um.
— Então, vai me contar como foram as apresentações? — ele
pergunta, balançando o gelo dentro do copo com a bebida dourada.
— Foi tudo bem.
Ele caminha pela sala com uma tranquilidade que me faz pensar em
um jaguar, se preparando para dar o bote na presa, esquivo, esperto.
Então ele para e me encara com uma expressão perscrutadora.
— Se foi tudo bem, por que você parece um vulcão prestes a explodir
lava pra todo lado? — fala enquanto vai se sentar no sofá.
Começo a andar de um lado para o outro novamente, rangendo os
dentes.
— Porque foi tudo bem nas apresentações, mas essa viagem bagunçou
minha vida. Bagunçou é apelido, virou minha vida, revirou, fez a porra de um
estrago.
— Como assim?
— Minha vida estava perfeita até eu entrar naquele avião.
— Perfeita? — James ergue as sobrancelhas, começando a me irritar.
— Se por vida perfeita você quer dizer: você, rico, solitário e babaca, ah, sim,
estava perfeita.
Bufo, mas não digo nada, afinal de contas, ele acaba de resumir os
últimos dez anos da minha vida. Rico, solitário e babaca.
— Droga!
— O que está acontecendo? Se você não se explicar não vou
conseguir ajudar.
— Primeiro ela roubou meu taxi, depois derrubou a porcaria de um
café gelado em mim e ainda me fez cair de bunda dentro do elevador. Pra
piorar, se hospedou no quarto ao lado do meu, sempre empinando aqueles
peitos pra cá e pra lá. Sabia que ela é a porcaria de um gênio? Como um
gênio vira secretária executiva de um idiota qualquer?
— Então você conheceu alguém?
— Conheci? Eu fui atropelado por um caminhão ruivo de língua
afiada e agora ela sumiu.
James ri em alto e bom som, sem qualquer preocupação de como vou
me sentir por causa disso. Ele simplesmente não se importa, mas os anos ao
meu lado e a paciência com meus rompantes dão esse direito a ele.
— Por que você está rindo? Eu tô ferrado.
— Você não tá ferrado, Derek, não seja tão dramático. — James se
levanta e ainda rindo vem até mim e me dá um tapa leve nas costas. — Você
está apaixonado.
— Apaixonado? Não, claro que não. Só... só estou com raiva.
Volto a andar pela sala porque parece ser a única coisa que me ajuda a
pensar um pouco melhor. Meu amigo e agente continua rindo da minha cara e
tomando todo meu maldito whisky.
— Aquela criatura... — resmungo. — Teimosa.
— Teimosa e... — ele me instiga.
— Acredita que ela acha que foi enfeitiçada por uma velha cigana? O
pior é que eu acredito nisso, aqueles malucos a perseguindo... meu Deus, eu
devia ter contado que eu não sou CEO, se eu só tivesse explicado... Mas que
pateta. Porra!
— Você não está fazendo nenhum sentido, mas fico feliz que seguiu
adiante, já estava na hora.
— Eu... eu odeio aquela ruiva ladra de taxis.
— Odeia mesmo?
— Não. — Agora é minha vez de afundar no sofá. Apoio meus
cotovelos sobre as pernas e esfrego meu rosto e cabelos, agoniado. — Não
odeio. Eu... eu a amo.
— É isso aí, meu amigo, você está amando e eu espero conhecer essa
santa que fez o milagre de vencer o temperamento ruim e o mau humor
constante. Não é qualquer garota que daria conta de lidar com você.
— Ela me chamou de babaca, cretino e arrogante.
— Ah, é?
— Droga, eu me apaixonei pela garota que roubou meu taxi e que me
chamou de cretino arrogante no elevador.
Começo a rir, de repente, é como se tudo que eu viesse carregando
dentro de mim perdesse o peso e a importância. Toda dor de quando descobri
que minha noiva estava me traindo nas vésperas do casamento, toda a raiva
de ser usado, tratado como uma coisa por causa da minha carreira, meu
dinheiro. Tudo perde o sentido quando penso em Eva, com aquele olhar, os
gemidos, o jeito intrigante...
— Ela pensa que eu estou desempregado — digo, num misto de riso e
resmungo. — Preciso de ajuda pra achá-la.
— Tudo bem, me dê o nome completo e tudo o que você sabe sobre a
garota, não prometo nada.
— Certo, certo — respondo aliviado, pegando meu celular da mesa de
centro e no mesmo instante mandando por mensagem tudo que me lembro.
— O que eu não faço por você?!
James vai até a porta de saída, sacudindo de leve a cabeça, como se
não pudesse acreditar que, justamente o cara que jurou nunca mais se
apaixonar, está apaixonado.
Então é isso? Eu estou apaixonado por Eva?
Não.
Eu a amo.
Passo praticamente os dias seguintes grudado diante da tela do
notebook, escrevendo como se o mundo estivesse a ponto de acabar e esse
fosse o único jeito de salvar a raça humana. Há muito tempo não me sinto
inspirado, na mesma proporção em que estou irritado por ela ter sumido, por
ter desistido sem saber o que eu tinha pra dizer. Sem tentar.
Maldita hora que eu resolvi não a pressionar e fazê-la me ouvir.
Mesmo que eu tivesse de amarrá-la numa cadeira, eu deveria ter obrigado
Eva a escutar cada uma das minhas palavras. O problema é que ela é uma
maldita mula teimosa.
Assim como eu.
Apesar de estar sentindo o buraco crescer e a saudade me matando,
também não posso dizer que ter o coração machucado por um amor não seja
combustível para escrita.
Por enquanto só estou esboçando um projeto, ideias soltas e tentando
decidir o formato em que vou contar essa história, se em um roteiro de filme
ou em outro livro. Gostei da última experiência de deixar tudo sair no papel
sem me preocupar com o tempo de duração de um longa-metragem. O que eu
não gostei foi de ter que lidar com toda a exposição, as apresentações...
Enfim, tento não pensar em Eva, mas sou um completo fracasso e
passo horas fuçando nas suas redes sociais, praticamente babando em suas
fotos, vendo o vídeo dela cantando repetidas vezes, usando-o para embalar
meu sono e me ajudar a dormir. E mandando um monte de mensagens
privadas, na expectativa de ela me dar uma chance de contatar o meu lado da
história.
Por que eu não peguei o número dela? Que panaca.
Todas as noites sonho com minha garota ruiva enfeitiçada, e em todas
as vezes eu peço que ela me escute, que não desista e me deixa fazê-la feliz.
Droga, estou ficando louco.
Fecho a tampa do notebook e suspiro. A xícara de café frio, ao lado,
deixa o cheiro no ar, me fazendo pensar nela mesmo quando tento não fazer
isso.
Abro a gaveta da escrivaninha, tiro meu celular e vou direto para o
aplicativo da rede social, em busca de alguma notícia, novidade, qualquer
sinal de vida. Mas nada. Ainda são as mesmas fotos, os mesmos sorrisos.
Espero que pelo menos essas fotos ajudem James a achá-la. É sempre mais
fácil quando se tem um rosto para conectar com o nome.
Antes de soltar o aparelho, sinto o vibrar e vejo o nome de James
piscar na tela. Atendo, num misto de ansiedade e urgência.
— Você vai ficar me devendo uma — ele diz e eu sorrio, sabendo que
ele conseguiu.
— Te devo até dez, se a notícia for boa.
— Então, eu estava vendo as redes sociais da sua garota e reconheci a
Bay Bridge ao fundo. É uma foto antiga, mas ajudou.
— Você quer dizer a nossa ponte Bay Bridge?
— Ela mesmo.
— Então...
— Isso mesmo, Eva Harris mora em São Francisco.
— Caralho! — Solto, sem conseguir me conter.
— Vou te passar o endereço por mensagem.
— Obrigado, James.
— De nada, mas como eu disse, você vai ficar me devendo uma.
Desligo e corro para o chuveiro, pulando feito um bobo apaixonado,
porque é bem assim que eu me sinto. Vou encontrar minha garota e
finalmente vou obrigá-la a me ouvir. De quebra ainda quero que ela descubra
que também me ama.
Eu sei que ela sente alguma coisa, só preciso descobrir exatamente o
que é.
Termino de me arrumar bem rápido e pego a chave do carro e a
carteira. Dou uma última olhada na minha aparência pelo espelho e então
saio, o coração batendo forte e um gosto de esperança na boca.
Mal posso esperar para chupar aqueles lábios carnudos e ouvir
aqueles gemidos, mal posso esperar pata tê-la nos meus braços, com seus
cabelos espalhados pelo travesseiro e sua respiração ritmada.
Caramba, eu virei mesmo um bobão.
Rindo de mim mesmo, abro a porta do carro e entro. Conheço o bairro
que James me indicou como sendo onde ela mora e não acho que vá ser
difícil encontrar a casa de Eva. Piso no acelerador e sigo.
Aposto que por essa ela não espera.
Só espero que ela não me odeie quando descobrir que eu omiti
algumas informações. Seria irônico se ao invés de cair nos meus braços ela
chamasse a polícia ou me espantasse jogando coisas na minha cabeça.
Não quero nem pensar nisso.
Cerca de vinte e cinco minutos depois de sair de casa, começo a sentir
meu estômago revirar de nervoso, minhas mãos apertam firme o volante,
suando e eu preciso conter minha vontade de começar a rezar.
Rezar para que Eva não me odeie.
Rezar para que ela ainda more no endereço que tenho.
Rezar para que...
Paro diante da porta do sobrado, é uma construção antiga, com tijolos
à vista e uma cortina floral balançando na janela.
Subo os degraus com o coração quase saindo pela boca. Respiro
fundo e bato.
Meu mundo todo para quando escuto a porta abrir. Preparo meu
discurso, limpo as mãos nas calças, penteio os cabelos com os dedos.
Certo, está abrindo.
Porra que demora.
Meu coração quase explode no peito e todo meu sangue gela quando a
porta se abre.
Alguns dias antes
Passei os últimos dois dias de pijama e me entupindo de sorvete de
pistache (pra você ver como a coisa está feia para o meu lado, eu só tomo
sorvete de pistache quando estou no fundo do poço) e choramingando por ter
descoberto que além de cometer o terrível engano de ir pra cama com Derek,
um homem sob o feitiço da Cleo, ainda me apaixonei por ele.
E o pior é que não é apenas uma paixão, eu o amo.
Amo tanto que cada respiração minha, cada pensamento, da hora que
acordo até a hora que durmo, tudo é sobre ele, sobre como pela primeira vez
na vida me senti amada de verdade. Mesmo que nada daquilo tenha sido
verdade, mesmo que tenha sido apenas um feitiço e a essa altura ele já tenha
me esquecido.
Eu o amo e não faço ideia de como deixar de amá-lo.
Me olho no espelho, ajustando meu terninho e sem ânimo para passar
sequer um batom, quem dirá voltar para o escritório e ficar o dia todo fazendo
coisas e mais coisas para o meu chefe.
Ontem à noite revisei e enviei por e-mail o relatório, além disso,
anexei imagens e contatos de empresas que podem se tornar clientes ou
fornecedores de Sampson, pesquisados da internet, porque nós sabemos que a
convenção foi uma confusão e eu não trabalhei nem um único dia lá, bom, eu
conheci Mila e sua IA superlegal, mas tirando isso...
Agora, enquanto calço meus sapatos, tudo o que eu quero é voltar
para a cama e afundar no conforto das minhas cobertas, de preferência com
um pote tamanho família de sorvete de pistache e uma comédia romântica na
televisão.
Não, melhor eu não ver nenhuma comédia romântica, isso só vai me
deixar mais deprimida.
Termino de me arrumar e pego minha bolsa.
Como se o mundo todo estivesse sobre meus ombros, saio para
esperar o carro de aplicativo. Vai ser um longo dia.

O escritório de Robert na Sampson Security é no quinto andar de um


prédio e refinado onde está instalada a empresa, no Financial District, o
centro de negócios da cidade. Mesmo eu tendo vindo aqui quase todos os dias
dos últimos três anos, por causa da alta tecnologia, levo pelo menos cinco
minutos para passar da portaria e chegar ao elevador.
No nosso andar, há pelo menos mais cinco pessoas diariamente e de
vez em quando um dos sócios aparece, mas é sempre assim, pouca gente,
silencioso e tranquilo. Talvez seja disso que eu esteja precisando, um pouco
de sossego na frente do computador.
Só que não.
Assim que o sensor de segurança reconhece minha digital e a porta se
abre, sou arrebatada por um cheiro forte de flores. Meu estômago revira com
a lembrança do quarto de hotel em Miami abarrotado de flores e doces.
E a imagem, tirando o fato de não ter uma cama, é praticamente a
mesma.
Sue, a recepcionista do andar me olha como se estivesse prestes a
comer meu fígado. Ela está brava e não posso culpá-la.
Geralmente ela me ignora como se eu nem mesmo existisse, mas não
hoje, pois assim que me vê, Sue vem marchando na minha direção, as mãos
apertadas em punho e começo a pensar se devo correr ou me preparar para
me defender de um golpe.
— É melhor que você tenha uma explicação Eva.
— Explicação? — me faço de desentendida, mas a verdade é que eu
sei que a porcaria do feitiço de Cleo ainda não acabou.
Merda, estou enrascada.
— Faz três dias que não para de chegar flores e chocolates e cartões,
tive de mandar algumas para o depósito, não tinha mais onde colocar. Até o
presidente da Elemental, da Elemental!
Elemental é uma importante empresa de segurança governamental,
com contratos por todo o mundo e que nunca, nunca mesmo, quis fechar
negócios com a nossa empresa, não compram nem um pirulito de Robert,
nadinha, então posso entender essa reação.
— Acho que fiz um bom trabalho. — Dou de ombros, tentando me
esquivar e fugir para a minha mesa, do outro lado de uma enorme parede de
vidro.
— Bom, se é assim, então você pode fazer seu bom trabalho tirando
todas essas flores daqui e todo o chocolate também, o cheiro está me
deixando com dor de cabeça.
Suspiro e paro de andar. Fugir não é uma opção.
— Você está certa, vou dar um jeito nisso. — Deixo-a falando
sozinha e vou até a minha mesa. Se ficar mais um instante que seja vou
acabar descontando toda a minha frustração nela e não seria justo.
Normalmente Sue não chega a ter coragem de vir falar comigo com
toda essa petulância porque sabe que sou a secretária do chefão e que ele não
vive sem mim. Mas quer saber, não me importo, já tenho coisas demais com
que me preocupar, a começar por me livrar de todo esse chocolate, sou
alérgica e só de pensar em ter tudo isso por perto me deixa com medo de
acabar tendo uma crise anafilática.
Seria uma gracinha, secretária enfeitiçada, apaixonada e totalmente
ferrada, vai parar no hospital por causa de chocolate.
Dou uma espiada no escritório do meu chefe, mas ele ainda não
chegou, então não vai sentir minha falta se eu tirar um tempo pra me livrar
desse rolo todo.
Deixo minhas coisas na mesa, pego meu crachá magnético para ter
acesso a todo o prédio e ligo para a sala de Nick, nosso mensageiro e guru
dos signos, ele adora ler o horóscopo de todo mundo e vive irritando Sue.
Então ele será meu cúmplice.
— Oi, garoto, tudo bem por aí?
— Minha sagitariana favorita resolveu aparecer. Onde foi que você se
escondeu? Já estava quase me demitindo, ninguém aguenta mais a megera.
A megera é Sue, pois ainda que não apronte comigo, ela o faz com
todo o resto do pessoal, parece que pensa que manda em alguma coisa aqui.
Rio.
— Nem me fale, ela está uma fera comigo.
— Por causa das flores? Ninguém fala de outra coisa. O que
aconteceu, você virou algum tipo de celebridade?
— É uma história complicada, mas eu prometo te contar se você me
prometer duas coisas: um, não contar pra Sue, ela não merece saber das
fofocas, bom, seria melhor não contar a ninguém...
— E dois...
— Vir ajudar a me livrar de tudo isso antes que eu perca o meu
emprego.
— Duvido que o doutor Sampson ficaria um dia sem você, nos
últimos dias ele tem andado bem estressado e quase demitiu um dos
encarregados de equipe.
— Talvez seja hora de eu pedir um aumento. Mas e aí, você vem me
ajudar ou não?
— Tô subindo.
Desligo o telefone e fico esperando nosso leitor de horóscopos
profissional subir da sua salinha minúscula no porão. Para alguém relegado
ao último andar, ele até que chega bem rápido e ainda vem carregando seu
carrinho de correspondências, totalmente vazio.
— Você é um gênio — digo e o deixo me abraçar do seu jeito
atrapalhado.
— Sabia que no seu horóscopo de hoje dizia que você está prestes a
descobrir um grande amor? — Ele me dá uma piscadinha, mas eu bufo e
afasto a conversa.
Nick é pelo menos dez centímetros mais baixo do que eu, usa sempre
roupa social e o cabelo bem penteado, gosto do cheiro do seu perfume e
sempre que o elogio ele fica vermelho como um tomate maduro. Mas é seu
sorriso fácil e conversa bem-humorada que o fazem ser uma das pessoas mais
legais da empresa.
Começamos a encher a prateleira de cima do carrinho com todas as
flores que ainda estão bonitas, Sue nãos e deu o trabalho nem de colocar em
copos de água ou potes, ela só foi as jogando onde viu um espaço. São vários
buquês de todas as cores e pequenos arranjos com vários tipos de folhagens
meigas. Separo dois vasinhos com uma suculenta e um cacto para levar pra
casa e o restante vamos acomodando no carrinho, até ficar uma pilha alta. O
que não cabe, eu acabo colocando debaixo do meu braço pra que não reste
mais nada.
Nas duas prateleiras debaixo, colocamos as embalagens de chocolate,
são marcas variadas com todos os tipos de sabor. Eu adoraria provar alguns, o
cheiro é tão bom, mas se eu colocar um pedacinho mínimo que for, posso
acabar morrendo.
Descobri isso bem cedo, quando saí no meu primeiro Dia das Bruxas
para pedir doces. Quase matei meus pais de susto quando viram sua garotinha
de bochechas rechonchudas parecendo um balão prestes a explodir. Eu não
lembro de nada disso, mas prefiro não arriscar.
— Se você vendesse todo esse chocolate caro podia faturar um bom
dinheiro.
— Pois é, mas hoje eu não estou inclinada a fazer renda extra, só o
que eu quero é me livrar disso logo e esquecer o que aconteceu.
Nick e eu saímos distribuindo flores e chocolates para todo mundo do
prédio, inclusive os seguranças e a equipe de limpeza, nem mesmo os
grandalhões das equipes de campo resistem ao mimo. A maioria das
mulheres suspira e sorri abertamente quando percebem que os chocolates são
de boas marcas, pelo menos pra isso os CEOs não são uns muquiranas.
Eu poderia devolver tudo, mas prefiro mimar as pessoas com quem
trabalho, inclusive Sue, que faz uma careta de surpresa ao notar os bombons
de chocolate branco que deposito ao lado do telefone.
— São pra mim? — pergunta e eu aceno, a cinquentona rabugenta
suspira e me dá um sorriso, pelo menos eu acho que é um sorriso. — Como
você sabia que eu gosto de chocolate branco?
— Porque no último Amigo Secreto da empresa você sugeriu
chocolate branco.
— Bem observadora. Obrigada, Eva.
— Obrigada você por fazer um ótimo trabalho e me desculpe por toda
essa confusão.
Pronto, acho que acabo de conquistar a megera.
Assim que voltamos para a minha mesa, Nick dá uma olhada na
direção da recepção e se curva para falar baixo.
— Nunca pensei que esse dia chegaria.
— Que dia? — Já digo rindo, pois sempre que Nick faz essa carranca
engraçada eu sei que vem bomba.
— O dia que a megera daria um sorriso.
— Nem eu. — Me abaixo um pouco e pego minha bolsa. De dentro,
eu tiro um pequeno presente e passo para o meu colega de trabalho favorito,
junto com uma caixa de chocolates de uma marca caríssima, que guardei pra
ele, antes de sairmos pra distribuir meus presentes. — Isso é o pagamento
pelo serviço e essa caixinha é por ser um amigo e guru do zodíaco incrível.
— Você trouxe um presente pra mim?
Nick me abraça e abre a embalagem como se fosse um menino
carente. É legal ver como um simples gesto pode fazer alguém feliz. Eu gosto
dessa sensação, é a única coisa que me faz sentir um pouco melhor hoje.
Só comprei dois presentes em Miami, na tarde em que fiquei
zanzando pela cidade, tentando fugir da confusão com os CEOs que não
cansavam de tentar me conquistar.
— Então, o que acha?
O presente de Olivia eu achei em um antiquário, um tipo de amuleto
egípcio que custou um rim. Ela adorou e o pendurou no pescoço e não tirou
mais. Nada como uma amiga arqueóloga que gosta de coisas velhas. Para
Nick comprei uma gravata Giorgio Armani que estava em liquidação em uma
boutique. Achei ela tão linda que valeu o investimento.
— Meu Deus, é uma gravata Giorgio Armani. Meu Deus. Meu Deus.
Meu Deus.
— E combina com o escuro dos seus olhos — digo, quando ele coloca
na frente do peito, imaginando-se nela.
— Obrigado, Eva. Eu adorei.
— Quero ver você usá-la no dia que for promovido.
Ele bufa, mas eu apenas sorrio.
Saímos para a copa, para tomar um café antes de Robert chegar, que
por sinal já está trinta minutos atrasado e eu aproveito para contar a história
das flores. Pensei em contar uma mentirinha, mas Nick é confiável e sei que
vai manter a minha maluquice só entre nós.
— Caramba, isso explica todas as flores e chocolates.
— Ainda bem que ninguém descobriu onde eu moro, espero que nos
próximos dias eles comecem a esquecer de mim. Parece que quanto mais os
dias passam, mais loucos eles ficam.
— Isso deve ser um pesadelo.
— Com certeza.
— E como você vai se livrar dessa maldição, feitiço ou seja lá o que
for?
— Não faço ideia, só sei que se eu não der um jeito nisso logo, vou
acabar comprando uma passagem só de ida para o polo norte.

Assim que Robert passa pela recepção sinto uma mudança estranha
no ar, algo familiar, mas que não consigo identificar até que ele para bem na
frente da minha mesa com um sorriso torto e meio lunático.
Será?
Não.
Droga.
Robert me pega pela mão e me puxa para sua sala, sem dizer sequer
um bom dia. Ele bate a porta quando entramos e passa a chave, me fazendo
sentir um frio na espinha. Pra piorar, ainda fecha as cortinas que separam sua
sala do restante do escritório.
Sim, ele está enfeitiçado.
— Senti tanta saudade — diz, vindo me abraçar.
— Como é? — Desvio para o lado.
— Até que enfim você voltou, meu amor. — Robert dá mais um
passo na minha direção. Parece um zumbi dos filmes dos anos noventa.
— Primeiro que eu não sou seu amor — crispo, dando a volta na mesa
e empurrando uma cadeira para cima dele. — Segundo, o senhor é noivo.
— Noivo com o nosso amor... — ele cantarola, tentando ter acesso à
mim pela lateral da mesa.
— É melhor você se afastar.
— É melhor amar você, querida.
— Não! Não! O senhor não me ama, o senhor ama a Lara.
— Lara? Que Lara, não conheço ninguém com esse nome, a única
que eu vejo é você.
Paro no meio da sala, ameaçando Robert com uma pasta que peguei
em sua mesa.
— Parado! — Grito e ele para, quase babando na minha direção. —
Ou você para ou vou embora.
— Não, meu amor, vamos embora juntos.
— Ai, meu Jesusinho, o que eu faço?
— Casa comigo! — Ele avança um passo e eu ergo a mão, tentando
fazê-lo parar.
Eu passei os últimos três anos imaginando como seria ter Robert
Sampson apaixonado por mim, me pedindo em casamento, se derretendo com
declarações de amor nada menos do que perfeitas, mas agora, só consigo
pensar em fugir daqui.
— Eu entendo que você está enfeitiçado, mas não vai rolar, ou você
para ou vou quebrar seu nariz. — Pego a cadeira que está entre nós.
— Como você é linda, perfeita, incrível, minha vida...
Empino a cadeira me sentindo uma verdadeira domadora de feras,
tentando afugentar Robert sem quebrar de verdade nenhum osso seu.
Isso vai ser mais difícil do que eu sequer imaginei.

Depois de um dia dos infernos, com Robert no meu pé, parecendo um


doido varrido e deixando todo mundo sem reação, finalmente meu dia
acabou.
Quando descobri que bater no meu chefe não resolveria nada - sim, eu
bati nele com a própria pasta, com um espanador que achei perdido em um
armário e com a minha bolsa – eu fiz um acordo, ele poderia ficar perto de
mim se concordasse em manter sua boca fechada e suas mãos longe.
Toda vez que Robert abria a boca ou esticava a mão na minha
direção, eu o acertava com uma revista enrolada em forma de canudo, foi um
tipo de adestramento que não teve quase nenhum efeito.
Eu sou contra violência, mas às vezes uma garota precisa se defender.
Agora, enquanto saio escondida do meu chefe loucamente
enfeitiçado, sinto cada parte do meu corpo tenso e dolorido. Só espero que
amanhã o dia seja melhor, preciso inventar alguma coisa pra tirá-lo do
escritório, alguma reunião ou viagem de emergência.
E espero, de todo meu coração, que ele esqueça da situação
constrangedora em que nos meteu durante todo esse dia de merda.
Olivia está me esperando do lado de fora do prédio, no seu carro
elétrico fofo. Quando comecei a bolar meu plano de fuga de fim de
expediente, mandei mensagem para minha melhor amiga vir me resgatar. Não
quero nem imaginar o que vai acontecer se Robert descobrir onde eu moro.
Nenhum deles.
— Estou morta — resmungo, entrando no carro e afundando no banco
do passageiro. — Preciso daquele seu macarrão com queijo e uma garrafa de
vinho.
— Seu desejo é uma ordem. — Ela sorri e dá a partida. — Operação
melhor amiga ao resgate em ação.
Rio, mas por dentro estou mortificada.
Nunca pensei que passaria por isso, nunca imaginei que rejeitaria o
homem por quem suspirei por quase mil e noventa e cinco dias, três longos e
torturantes anos. Agora, o que eu não daria para voltar a ser invisível.
— Foi tão ruim assim? — Olivia pergunta, quando para no sinal
vermelho.
— Além de milhares de buquês e chocolates, e até um anel de
diamantes que mandei devolver...?
— Uau, você está vivendo o sonho americano das mulheres
românticas.
— Estou vivendo um inferno astral, terreno e até espacial, isso sim.
— Suspiro. — Robert Sampson passou o dia inteiro em cima.
— Mentira!? — Ela me olha com uma cara de espanto.
— O sinal abriu. — Indico com a cabeça e ela dá a partida.
— E como é? Digo, como é ter seu chefe babaca, que você gostava
até há alguns dias, apaixonado por você?
— Foi horrível. E ele não está apaixonado, só sofrendo por causa de
um feitiço.
O sorriso maroto vem de relance na minha direção, mas sei que Olivia
vai dizer alguma coisa, algo que ou vai me fazer rir ou xingar.
— Isso é tão errado, mas já pensou em... sabe, ficar com ele? Só tirar
uma lasquinha?
— Não, ele está enfeitiçado, isso seria errado.
— Errado e mesmo assim você passou os últimos dias suspirando
pelo tal de Derek do elevador.
Cubro meu rosto com as mãos e solto um grunhido.
— Não me lembre disso, estou tentando me perdoar e esquecer.
— Certo, desculpe.
Olivia e eu passamos no mercado para comprar os ingredientes da
nossa janta e, enquanto ela escolhe os queijos que vai usar na sua receita
mirabolante de macarrão com queijo (o melhor do mundo diga-se de
passagem), eu abasteço nosso carrinho com pelo menos três garrafas de um
vinho barato que vai me dar uma ótima dor de cabeça amanhã.
Já está escuro quando finalmente chegamos em casa e entramos no
nosso pequeno e aconchegante lar carregadas de sacola.
O sobrado que Olivia herdou do pai quando ele faleceu é lindo e se
tornou meu lar desde que saímos da faculdade, tem apenas uma inquilina no
apartamento de cima, uma mulher de uns quarenta anos que mal vemos,
porque ela passa mais tempo viajando a trabalho do que em casa.
É um lugar legal e eu aprendi a amá-lo do mesmo jeito que amo
minha melhor amiga. Sei que não viveremos juntas aqui para sempre, mas
quero aproveitar cada minuto que temos como colegas de casa,
principalmente porque a senhorita arqueóloga importante vive viajando para
sítios arqueológicos pelo mundo. Ainda mais agora que conseguiu sua vaga
de pesquisadora chefe.
Como eu vou viver aqui, amaldiçoada e sozinha, quando ela viajar?
Só de pensar, já volto a mergulhar naquele humor triste que anda me
perseguindo desde que voltei da convenção. Como se não bastasse estar com
saudade dele, com vontade de sentir sua boca em mim, ouvi-lo despejando
sem freio todas as coisas safadas que gosta de fazer, ainda terei de me
preparar para começar a sentir saudade da minha amiga.
Tomo um banho e depois venho ajudar na cozinha.
Eu sirvo o vinho para nós duas, o cheiro do macarrão com queijo de
Olivia abre meu apetite e nós arrumamos a mesa com toda a pompa que
merecemos. Assim que me sento para comer, sinto aquela mesma sensação
estranha que vem antes de alguma coisa dar errada ou algum CEO enfeitiçado
dar as caras.
Meu coração bate depressa e Olivia me lança um olhar de
preocupação.
— Você tá bem?
— Está acontecendo — digo, me levantando e começando a procurar.
— O que tá fazendo?
— Tô procurando o maluco da vez.
Olivia levanta e, mesmo com cara de quem não está entendendo nada,
começa a me ajudar a olhar pela casa, abrimos armários, olhamos embaixo da
cama, investigamos o banheiro e atrás das cortinas. Nada.
— Acho que estou começando a pirar...
Mal termino de falar e a mágica acontece. Num piscar de olhos a
nossa porta se abre. Não, essa não é a palavra certa, a porta se escancara e nos
faz dar um pulo de susto. Um pulo e um gritinho.
— Merda! — grito, pegando Olivia e correndo para trás do sofá.
Vestido de ninja, sim, é isso mesmo, vestido igual aos ninjas dos
filmes, o homem invade a nossa casa, dá uma pirueta no ar e uns golpes de
kung fu.
Nós ficamos espiando enquanto ele apresenta seu pequeno show de
horrores, batendo vai saber lá em quem.
— Com quem ele tá lutando? — Olivia cochicha no meu ouvido. —
Por acaso a gente tá no filme do homem invisível?
— Não sei — sussurro de volta.
— Que loucura, ele tá batendo no ar.
O CEO ninja continua golpeando o ar, ora parecendo um lutador de
artes marciais, ora parecendo um boxeador.
— O que a gente faz? — Olivia pega na minha mão, nós estamos
escondidas atrás do sofá, espiando a cena mais absurda do mundo.
— Vamos esperar, talvez ele desista se achar que não tem ninguém.
Olivia acena concordando e nós nos abaixamos o mais que podemos,
tentando não fazer barulho para evitar que ele nos descubra.
Os sons dos golpes vão aos poucos silenciando, então, quando
finalmente não escuto mais nada e penso que já estamos segura, ergo meus
olhos e tomo a porcaria de outro susto.
Com a touca erguida até a testa, o maluco que invadiu meu quarto de
hotel em Miami está me olhando.
— Oi linda.
— Porra! — Olivia grita, levando a mão ao coração. — Você não
disse que ele ia embora?
— Eu achei que fosse — declaro, me levantando e puxando minha
amiga junto.
O home nos segue com os olhos e tanto Olivia quanto eu tentamos
não fazer nenhum movimento brusco.
— Linda, linda, linda — ele canta, porque pelo jeito além de CEO,
ninja honorário, o homem também é cantor. Um péssimo cantor por sinal. —
Oi linda, sentiu saudade de mim?
— Você está sozinho? — pergunto, enquanto tento colocar alguma
distância entre nós.
— Sim, meu amor, não tem mais ninguém nesse mundo que a queira
tanto quanto eu.
— Você não me quer, é só um feitiço.
— Feitiçoooooo, feiiiiiitiçooooo, feitiço, feitiçooooooo — ele canta
alto.
Enquanto tento distrai-lo, Olivia sai de fininho e vai na direção da
cozinha.
— Então minha linda, está pronta para se entregar ao nosso amor?
— Ah, amor? — Meu Deus, que enrascada.
— Nosso amor será eterno, fantástico. Só penso nisso, vou colocar o
mundo aos seus pés, vou encher você de presentes... — Ele dá alguns passos
e pega nas minhas mãos, tentando me puxar para um beijo. — Vamos selar o
nosso amor.
— Selar coisa nenhuma — Olivia diz e quebra um vaso pesado na
cabeça dele.
O CEO ninja cai desmaiado e eu finalmente consigo respirar. Mas o
alívio dura pouco, porque agora temos literalmente um corpo com que nos
preocupar.
— Sempre achei que eu ajudaria você a esconder um corpo, mas acho
que vai ser o contrário. — Olivia suspira.
Eu me abaixo para ver os sinais vitais dele e está tudo bem. Ainda
bem.
— Ele tá vivo.
— Ainda bem, não quero ser presa por assassinato.
— Você quebrou logo o vaso mais pesado que tínhamos.
— É que eu fiquei na dúvida, já pensou se eu usasse aquele outro que
compramos no mercado e o vidro não fizesse nem cócegas nele? Eu que não
quero ver esse ninja doido perseguindo a gente.
— É, acho que cerâmica foi uma boa escolha.
— O que faremos agora?
— Vamos nos livrar do corpo.
Olivia e eu arrastamos o homem pela escada em frente ao sobrado.
Ele bate a bunda e as costas e geme e eu começo a me preocupar com a
possibilidade de ele acordar outra vez.
— Vai abrindo o carro, vou pegar o outro vaso para o caso de
precisarmos — Minha amiga me passa a chave do carro.
Eu escancaro a porta e olho para todos os lados, é uma noite clara, e
eu que não quero ser confundida com uma criminosa por algum vizinho
fofoqueiro.
Depois que ela volta de dentro de casa, coloca o vaso no chão e me
ajuda a arrastar o pesadão.
— Esse homem parece pesar uns duzentos quilos — ela reclama.
— Homens tem ossos mais pesados — respondo, cansada pra
caramba.
— Ossos pesados e um tanquinho, olha isso.
Minha amiga ergue a camisa preta do invasor ninja e nós duas
babamos por um momento no tanquinho trincado dele.
— Certo, vamos acabar com isso.
Com dificuldade o empurramos para dentro do banco detrás. É uma
visão dos infernos e o homem parece uma geleia molenga. Tirando o
tanquinho, claro, não tem nada de mole ali.
Minha respiração ofegante acompanha meu coração barulhento, é
uma mistura de pânico, adrenalina e algo mais que não sei explicar, mas
quando entro no banco do passageiro estou frenética e meio atordoada.
Olivia me entrega o vaso e suspira.
— Se ele acordar, você o coloca pra dormir com isso.
— Mas e se eu o matar?
— Você não vai matar o sujeito, Eva, esse vaso é feito de um vidro
barato. Bom, talvez você o deixe com alguma sequela, mas é ele ou nós.
— Certo, é ele ou nós. E eu escolho nós, sempre.
— Eu também.
Olivia dá a partida e começa a dirigir pelas ruas de São Francisco,
sem um destino bem definido nós só pensamos em nos livrarmos do ninja que
estava louco pra dar uns amassos comigo.
— Hospital? — pergunta, cruzando a ponte Bay Bridge. — Ou
podemos só jogá-lo daqui de cima.
— Que horror!
— Eu estou brincando, é que eu nunca me imaginei vivendo um
drama mágico de filme, não sei como agir.
— Não acho que exista um manual pra isso.
— Hospital então — ela declara e nós duas começamos a rir feito
doidas.
E rindo, nós seguimos cruzando a ponte em busca do primeiro
hospital que aparecer. Tudo o que eu mais quero é me livrar desse sujeito, de
preferência sem matar o coitado. Sigo rindo até que vejo um movimento no
banco de trás.
— Meu amor, o que está acontecendo? — ele geme, me pegando
desprevenida.
— Eu falei pra você apagar ele — Olivia briga.
— Mas eu não vi ele acordar, o homem é um ninja.
E como um ninja, ele tenta dar um tipo de golpe em Olivia, uma
espécie de gravata torta por causa da posição estranha que o corpão dele fica
no carro pequeno e fofo da minha amiga.
— Socorro! — Olivia grita.
— Meu Deus! Meu Deus! — Eu grito, sem saber o que fazer.
Olivia morde o braço dele e dessa vez quem grita é o ninja, um urro
quase animal. Depois ele me olha de um jeito assustador pra caramba e eu sei
que talvez tenhamos que matá-lo. Torcendo que não, tento afastar as mãos
frenéticas dele.
— Minha linda, não se preocupe, eu vou proteger você, vou salvá-la.
Ele começa a tocar meus cabelos e eu começo a gritar.
O carro dá uma guinada para os lados, porque Olivia tira uma das
mãos do volante para estapeá-lo.
— Larga ela, ninja maluco.
— Sua sequestradora, você vai pagar por tentar roubar minha...
— Eu não sequestrei ninguém — Olivia dá outro tapa nele.
A confusão no carro é tão grande que em um momento estou batendo
no ninja e no segundo seguinte tentando manter o volante em linha reta.
— Essa ponte não acaba nunca? — Grito, mordendo o braço dele.
Então eu vejo o vaso nos meus pés e o pego.
— Pare, não quero matar você — grito, mas ele está tentando vir para
o banco da frente. — Pare!
Esse carro mal cabe nós duas, imagina se esse brutamonte sarado vier
também. Que horror! Como ele não para, eu fecho meus olhos e o acerto com
tudo. O vaso se espatifa, os cacos voam pelo carro todo, mas pelo menos ele
cai desmaiado outra vez.
— Por que você não fez isso antes? — Olivia tosse e puxa o ar com
força.
— Não me lembrei, foi meio assustador, você tem que concordar
comigo.
— Foi mesmo.
— Ainda bem que trouxemos o vaso, não era de cerâmica, mas
apagou ele.
Afundo no banco e fecho os olhos.
— Nunca pensei que ia dizer algo assim, mas eu prefiro voltar a ser
invisível.
Olivia dirige feito um motorista de fuga de roubo a banco. Ela xinga,
desvia, pisa fundo, mas consegue chegar à entrada de um hospital antes que o
louco acorde. Com o carro estacionado, nós ficamos encarando uma à outra.
— E o que a gente faz agora? — pergunto, aflita.
— E eu é que sei? A enfeitiçada aqui é você, então decida.
— Me sinto uma criminosa.
Desço do carro e vou até a porta grande do hospital. Procuro por uma
cadeira de rodas e encontro um enfermeiro, contando uma mentira das
grandes consigo convencê-lo a nos ajudar.
— Então, minha amiga e eu achamos esse homem tentando pular da
ponte, conseguimos tirá-lo de lá, mas ele pirou e nós meio que o apagamos
com um vaso.
— Um vaso? — O enfermeiro me olha confuso.
— Sim, uma pena, era um vaso tão lindo. Mas o que importa é que
esse homem precisa de um bom médico e uma avaliação psiquiátrica, ele é
um suicida.
Mais uma mentira por uma boa causa, estou começando a ficar boa
nisso.
Quando volto ao carro, Olivia está do lado de fora, acho que ficou
com medo que nosso invasor acordasse e desse outro show ninja.
— Olivia, esse é o enfermeiro Jackson, contei que achamos esse
estranho tentando pular da ponte e o trouxemos. — Dou uma levantada nas
sobrancelhas e minha amiga entende a situação. Sempre fomos muito boas
em mentir em dupla, embora ela seja uma péssima mentirosa. — Então, como
eu estava contando, ele entrou no carro pra vir ao hospital, mas surtou e
quase provocou um acidente, fizemos o que foi possível.
— Foi horrível, coitado, tão desorientado — Olivia diz.
O enfermeiro checa os sinais dele e nos explica sobre o procedimento,
precisamos ficar esperando a polícia para dar um depoimento, enquanto isso
eles vão atendê-lo, ver se está bem e talvez sedá-lo, caso fique violento.
Asseguro que vamos pegar nossos documentos e que já vamos em seguida,
mas assim que a porta eletrônica se fecha, com o enfermeiro levando meu
perseguidor na sua cadeira de rodas, eu corro para a porta do passageiro.
— O que você tá fazendo? — Olivia pergunta, apavorada.
— Dando o fora daqui — respondo, abrindo a porta e entrando. —
Vamos, anda logo. Não vai querer explicar pra polícia que acertamos o cara
com dois vasos, ou vai?
— Não — ela diz e entra no carro, dá a partida e nos leva de volta pra
casa. — Agora entendo por que você comprou todo aquele vinho.
— Vamos encher a cara.

Beber não é bem o meu forte, mas ficar sóbria depois de quase cair da
ponte Bay Bridge não está na minha lista de opções para o momento. Então,
vamos ao álcool.
Olivia senta no tapete da sala com uma bacia de pipoca, em algum
canto sombrio da sua mente vinho e pipoca é uma combinação perfeita.
Como eu não tenho nada a perder, me junto a ela.
Nossos copos (sim, estamos tomando vinho no copo, a taça não seria
suficiente para o resultado que estamos buscando, um porre) estão apoiados
em cima dos descansos, na mesa de centro que empurramos para frente, pra
podermos esticar as pernas sem empecilhos.
— Certo, agora que estamos prontas, só precisamos pensar em como
salvar você dessa confusão — minha amiga declara com um tom solene. —
O que foi que a velhinha disse da última vez que falou com ela?
— Você diz da última vez que estive cara a cara com ela ou em sonho
também conta?
— Bom, se a gente considerar que ela é toda poderosa e enfeitiçou
você, acho que conversar com ela em sonho também deve valer alguma
coisa.
— Certo, deixa eu pensar. — Levo o vinho até a boca e tomo um gole
generoso, começando a sentir os efeitos da bebida doce. — Que todos os
CEOs iriam me enxergar, mas que eu deveria me enxergar também, que só eu
posso acabar com essa confusão.
— Eu concordo. — Olivia declara, se levantando. — Vem, vamos
fazer um exercício de aceitação.
— Ai, meu Jesusinho.
— Vamos, não seja preguiçosa.
— Tá, tá, tá, mandona.
Levanto e fico de frente pra minha amiga, ela pega minhas mãos
sobre as suas e começa a respirar fundo.
— É pra eu fazer isso? — pergunto, segurando o riso.
— Leve a sério, Eva, ou vamos ter que despachar muitos caras de
terno para o hospital. Uma coisa assim chama atenção, já pensou se os
federais resolvem bater na nossa porta.
— Eu ia acabar virando um rato de laboratório.
— Exato.
Respiro bem fundo, imitando a minha amiga e com toda a minha boa
vontade. Não gosto nem de pensar na possibilidade de ir parar na prisão por
causar uma revolução mágica na cidade.
— Certo, agora pense em coisas bonitas. Tipo um lugar legal.
— Um castelo medieval na Escócia.
— Nossa, você é bizarra às vezes.
— Falou a mulher que ama múmias.
— Eu não amo múmias, eu só trabalho com elas.
— Sei.
— Se concentra, Eva.
Fecho os olhos.
— Tá, castelo medieval na Escócia, com pedras milenares, uma linda
paisagem verde...
— Isso, respira bem devagar e vai sentindo que você está lá.
Abro os olhos e coloco as mãos na cintura, fazendo minha cara de que
porcaria é essa que você está fazendo?
— Você não está tentando me hipnotizar, está? Nem pense em me
fazer imitar uma galinha dona Olivia Cooper.
— Assim não dá, você não cala a boca nunca.
— Desculpe. Prometo que vou me comportar.
— Tá bom, então vamos começar de novo, e vê se leva a sério.
— Tá. Vamos lá.
Começo a respirar fundo outra vez, puxando o ar pelo nariz e soltando
pela boca, repetindo pra mim mesma várias e várias vezes que estou
passeando em um castelo na Escócia, tocando suas pedras, sentindo o cheiro
da história incrustrado nas paredes...
— Agora que você está concentrada, quero que pense no motivo para
você merecer estar nesse lugar.
Penso por um instante, tentando buscar uma resposta que faça sentido.
— Eu adoro castelos.
— Tudo bem, agora repita comigo: Eu adoro castelos e eu mereço
conhecê-los.
— Eu adoro castelos e eu mereço conhecê-los.
— Eu adoro castelos e eu mereço conhecê-los.
— Eu adoro castelos e eu mereço conhecê-los.
— Eu adoro castelos e eu mereço conhecê-los.
— Eu adoro castelos e eu mereço conhecê-los.
— Então, funcionou? — Olivia pergunta depois de ficarmos repetindo
o mantra do castelo.
— Não sei, mas tô morrendo de vontade de comprar uma passagem
aérea pra Escócia.
Ela cai na gargalhada e eu acompanho. Rimos alto, alternando entre o
vinho, a pipoca e engasgos causado pela risada.
Posso não ter me curado do feitiço/maldição, mas com certeza quero
mais do que nunca conhecer os castelos medievais da Europa.
— Bom, talvez se você repetir que se ama funcione, o castelo parece
que funcionou.
Rindo, tomo o restante do meu vinho e enquanto Olivia volta a se
sentar no chão, eu começo a andar em círculos sobre o tapete, com os olhos
fechados e repetindo um novo mantra.
— Eu me amo, eu me aceito. Eu me amo, eu me aceito.
— Isso, esse é bom, repita aí, sem parar.
— Eu me amo, eu me aceito. Eu me amo, eu me aceito.
E assim eu fico por muito tempo, até que a base dos meus pés começa a
doer e eu resolvo me sentar e beber mais vinho.
— E aí, funcionou?
— Não sei, mas suponho que vamos descobrir amanhã.
A última coisa da qual me lembro é de segurar os cabelos de Olivia
enquanto ela praticamente colocava todo o vinho barato vaso sanitário
abaixo. Minha melhor amiga e eu tomamos duas garrafas e meia de vinho
enquanto riamos e xingávamos nosso invasor ninja que quase nos fez sofrer
um acidente em cima da ponte.
Depois disso a noite só foi ladeira abaixo, com Olivia reclamando das
constantes brigas e descaso do namorado, o coroa que é o coordenador da
equipe de arqueólogos e que ficou enrolando por quase dois anos para dar
uma vaga como chefe de pesquisa para Olivia na Universidade, onde ela está
terminando seu doutorado.
Coloquei minha melhor amiga na cama, com ela declarando que
talvez saia da arqueologia para trabalhar como jornalista, já que escrever
sobre fofoca dá menos trabalho que aturar um namorado que é seu chefe e
acha que manda em você.
Dispensei o assunto com uma risada, porque sei que ela nunca vai
abandonar essa profissão, Olivia Cooper ama mexer com múmias, a não ser
que vá trabalhar em um museu, acho que daí ela não pensaria duas vezes.
Sem tem algo que ela ama mais que múmias é um museu cheio delas.
Deitei na minha cama e logo em seguida apaguei.
Mas não foi a porcaria de um sono tranquilo.
Sonhei com Cleo e sua cara deslavada me mandando pensar direito.
Como é que foram as palavras dela mesmo?
— Para alguém tão inteligente você está meio burrinha — disse, rindo
e chacoalhando aqueles brincos enormes.
Apertei meus olhos e ergui meu dedo indicador, acusando-a.
— A culpa não é minha se você me pediu algo que eu não sei como
fazer. Você acha que eu não me aceito, ou me amo, ou o que seja,
simplesmente por que não quero? Humpf! Cleo, o mundo todo me enxerga
como a garota gordinha que tem um lindo rosto, mas que precisa emagrecer,
como se transar comigo fosse um tipo de favor. É difícil desconstruir a
bagunça que essas coisas provocam na gente. Mas eu tô tentando.
— Você não está tentando coisa nenhuma, só fica aí reclamando e
reclamando, perdendo as oportunidades. Acho até que está gostando de ter
todos esses homens bonitos aos seus pés, morrendo de amor.
— Não estou! E eles não estão realmente morrendo de amor, é só um
feitiço. Vamos, Cleo, uma ajudinha seria bom, sou só uma, não dou conta de
aguentar tanta loucura.
— Bom, pelo menos você não matou ninguém até agora... — Ela deu
um sorrisinho debochado e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, me
mandou um beijo no ar e se foi, como fumaça.
Fumaça de sonho, essa é boa.
Deitada na cama, depois de passar por uma discussão infrutífera em
sonho com a minha personal enfeitiçadora, fico rangendo os dentes.
— Pelo menos não estou de ressaca.
Levanto e começo o longo processo de me arrumar para ir trabalhar.
Só de pensar em ter que lidar com uma versão enfeitiçada do meu chefe, já
fico estressada, e olha que ainda nem tirei o pijama.
Preciso achar um jeito de lidar com aquele homem, não é natural... ou
talvez eu só devesse parar de reclamar e aproveitar as oportunidades que Cleo
tem colocado na minha frente. Quem sabe dar uns amassos no meu chefe...
hum, preciso correr, não quero me atrasar.
Ligo a cafeteira e coloco as fatias de pão na torradeira, enquanto as
coisas funcionam na cozinha, eu calço meus saltos quadrados que me dão um
pouco mais de segurança para enfrentar o dia de hoje e enfio meu planner[13]
de qualquer jeito dentro da bolsa.
Pego um guarda-chuva quando escuto as trovoadas e vou acordar a bela
adormecida do quarto ao lado.
— Ei dorminhoca, você não tem que estar em algum lugar daqui a
pouco?
— Hummmmm... — Ela geme e eu puxo suas cobertas.
— Vamos, você tem que ir assinar o contrato da sua vaga de chefona
da arqueologia, antes que o velhote que você chama de namorado desista e
passe pra outra pessoa.
— Nãoooo, eu quero morrer.
Olivia rola na cama e aperta o travesseiro sobre sua cabeça,
choramingando. Eu pego água e dois comprimidos que sempre funcionam
quando estou de ressaca e coloco na mesinha de cabeceira.
— Você que sabe, suas múmias sempre podem ir parar nas mãos de
outra pess...
— Ok! Você venceu — ela diz, cobrindo a testa com a mão como se
fosse uma atriz do cinema antigo prestes a desmaiar.
Deixo minha amiga dramática resolvendo sua própria vida e tomo
meu café às pressas, pego minhas coisas e saio.
Eu abro a porta de casa e sou arrebatada pelo cheiro de manhã fria, a
neblina baixa me deixa com uma boa visão, mas a chuva e o vento começam
a engrossar. Abro meu guarda-chuva e o posiciono sobre o ombro,
amparando minha bolsa enquanto tranco a porta.
Assim que me viro e desço os primeiros degraus da escadaria, escuto
um grito desesperado. Olho para cima só em tempo de ver um homem de
terno caindo do parapeito do segundo andar.
— Ai, merda! — grito e pulo para o lado, mas o homem leva meu
guarda-chuva e eu com ele, quando se estatela no chão.
Merda.
De bunda pra cima, a roupa imunda e o guarda-chuva completamente
destruído, não consigo nem me mexer, porque o estranho é pesado e está com
os braços em cima de mim. É vergonhoso demais.
— O que é isso, tá chovendo CEO agora, também? — Olivia pergunta
e eu solto um gemido.
— Uma ajudinha, por favor.
— Só porque eu te amo — ela diz, rindo. — Nenhuma ressaca no
mundo me faria perder essa cena. Eva Harris, a encrenqueira da escola, presa
a uma montanha de músculos e terno.
— Socorro... — resmungo e ela empurra o homem para o lado com
ajuda dos joelhos. Ele está completamente apagado e deve pesar uma
tonelada.
— Meu Deus, como ele pesa.
— Eu sei. — Ajudo a empurrá-lo para o lado, ele vira de barriga para
cima e continua desmaiado. — Olha, não tô nem aí se ele morreu, esse corpo
vai ficar aí onde está, o que é que ele tava pensando ao escalar a casa?
— Eu não sei, mas pelo ronco ele está bem vivo.
Limpo minha roupa o melhor que dá, mas o estrago é tanto que só
trocando de novo. Enquanto faço isso, Olivia pega o carro, ela vai me dar
uma carona porque depois de quase ser esmagada por um CEO, não tenho
coragem de sair sozinha pelas ruas de São Francisco.

Uma das vantagens de se relacionar bem com praticamente todo


mundo da empresa é que pedir um favor não é tão complicado. Assim, o
pessoal da portaria não se custou nada em me avisar quando Robert pegou o
elevador.
E o que eu fiz?
Corri para me esconder na sala da copiadora e é onde estou há quase
meia hora, esperando-o fechar aquela maldita porta que o separa do resto de
nós, empregados e reles mortais. Só que ele não fecha nunca e estou
começando a ficar claustrofóbica.
A sala, na verdade, é praticamente um cubículo, com três máquinas de
fotocopias, um armário e uma mesinha no fundo. Mais nada.
Respiro fundo e abro uma fresta da porta para ver se ele finalmente se
isolou no seu mundinho, mas o que eu encontro é um par de olhos muito
vidrados e um sorriso que não me anima em nada.
— Oi. — ele diz e eu levo a mão ao coração.
— Droga, senhor Sampson, o senhor quase me matou de susto.
— Eva, você está proibida de me chamar de senhor Sampson — ele
declara, entrando na sala e fechando a porta às suas costas. Pelo menos dessa
vez ele não passa a chave. — Pra você eu sou amor. Só amor.
Caio na gargalhada, porque essa deveria ser a melhor coisa que ele me
disse em anos, mas acaba sendo a pior.
— Você é um homem comprometido — crispo e ele ergue as
sobrancelhas, dando alguns passos, cortando a nossa distância e me puxando.
Meu corpo se choca com o dele e minha mente vaga no mesmo
instante para outro corpo, um mais firme, mais determinado, mais... Derek. A
saudade é como ácido, ela corrói minha paciência.
— Comprometido com você, querida.
— Não, comprometido com a Lara Jensen, lembra?
— Quem?
— Sua noiva. Ai, caramba, tenha santa paciência.
— Esqueça isso, eu só tenho olhos pra você.
Espalmo minhas duas mãos no peito dele, por trás da camisa social eu
sempre imaginei que teria um abdômen trincado, forte, viril, mas na verdade,
com essa proximidade consigo sentir uma pancinha molenga. Teria sido legal
saber disso antes, pelo menos eu não teria criado essa imagem de um Robert
Divindade Sampson. Ele é muito mais comum do que eu pensava.
Tento empurrá-lo de leve, para impedir que ele cole mais os nossos
corpos, mas ele interpreta esse gesto do jeito errado e acaba me abraçando
mais forte. Sua boca grande e bem desenhada vem na minha direção,
abrindo-se para um beijo, mas eu só consigo pensar que ele está com um
pedaço de salada no dente, e um bafo de alho.
Ele gruda nossas bocas, tentando forçar a barreira dos meus lábios e
enfiar sua língua para dentro, mas eu aperto minha boca e o empurro com
minhas mãos. Droga de homem forte.
— Sai pra lá — grito, mas ele continua de olhos fechados, com ares
sonhadores. — Sai.
— Não resista, minha querida.
— Você está com um bafo horrível — reclamo e ele me olha
envergonhado.
— Me desculpe meu amor, vou escovar os dentes, mas você fica aqui,
esperando por mim.
— Certo — digo, mas já planejando uma fuga.
Ele sai apressado e eu fico espiando enquanto ele corre para sua sala,
acho que vai mesmo escovar os dentes. Tô ferrada.
— Pois é, pra quem queria tanto por um momento a sós e apaixonado
com o chefe, eu tô com muita vontade de abrir um buraco no chão e me
enfiar dentro — resmungo comigo mesma, espiando na direção dele.
Robert me vê e acena de longe, chacoalhando a mão de um jeito
pirado que nunca o vi fazer. Santo Deus das panquecas com xarope de bordo,
onde é que eu fui me meter?!
Fecho a porta bem rapidinho, conto até dez e então espio outra vez. A
porta dele está fechada, que alívio.
Certo, vamos dar um jeito de escapar daqui.
Eu me ajoelho e numa posição nada bonita (obrigada Deus por eu ter
vindo de calça) me esgueiro para fora da salinha de cópias, indo pelo
corredor até chegar perto da minha mesa, só o suficiente para pegar minha
bolsa.
Até aqui tudo bem, penso comigo mesma, mas então a porta da sala
de Robert se escancara com um barulhão que me faz deixar cair minha bolsa
e espalhar tudo pelo chão.
Ergo meus olhos para ver o que houve, enquanto começo a juntar as
coisas e jogá-las dentro da bolsa de qualquer jeito.
Lara, a noiva top model de Robert sai da sala dele com os olhos muito
vermelhos, ela está chorando e nem tenta esconder.
Meu coração se parte nesse momento, porque ainda que eu tenha
sonhado em ser amada por ele, nunca quis que ninguém se magoasse por
minha causa.
Penso em Derek, porque assim como ela se sente arrasada, eu me
sinto pelo meu cretino do elevador. Mesmo enfeitiçado ele conseguiu
conquistar cada espaço do meu coração, cada pedaço de mim e a saudade,
somada a essa loucura que estou vivendo, está acabando comigo.
— Pra mim chega.
Levanto do chão e vou até a sala de Robert. Entro e o encaro com
uma fúria quase assassina, tá, não tanto assim, mas enfim, estou furiosa pra
valer.
— Você precisa parar de ser idiota, Lara e você se amam.
— Não, eu só amo você, minha querida — ele responde, com a boca
cheia de espuma de pasta de dente.
— Você nem me conhece direito, nunca me enxergou e eu preciso
que volte a ser assim ou vai acabar perdendo a mulher da sua vida. Se é que
alguém merece ficar com alguém com todo esse bafo.
Dito isso, giro nos calcanhares e corro até o elevador. A porta acaba
de abrir e uma noiva magoada entra nele com pressa.
— Por favor, espera, é importante.
Lara ergue os olhos encharcados de lágrimas e então leva os dedos até
o botão que segura a porta. Eu entro e suspiro, sem saber exatamente o que
fazer.
— Você está bem? — pergunto e ela acena que não, escondendo o
rosto nas mãos e voltando a chorar.
— Não sei o que aconteceu, tudo estava perfeito, Rob estava tão feliz
com o casamento e agora, do nada, me disse que ama outra pessoa.
— Então, sobre isso... — começo, mas não sei como é que vou
explicar a coisa toda.
— Você sabe quem é? Ele parece tão... tão...
— Maluco?
— Isso, meu Deus, é isso, Rob parece fora de si.
— É porque ele realmente está.
Lara suspira tão fundo que me sinto mortalmente culpada por estar
causando todo esse sofrimento.
— Vamos tomar um café e eu conto o que está havendo, pode ser?
— Foi ele que mandou você? — ela soa esperançosa.
— Não, mas depois de conversarmos você vai entender tudo.
— Tá bom.
Lara e eu seguimos a pé até a cafeteira que tem na esquina, ela pede
um café puro e eu peço o meu latte macchiato de caramelo de sempre.
Caminhamos em silêncio até uma mesa perto da janela e nos sentamos.
A noiva do meu chefe me olha tão triste que sinto vontade de colocá-la
no meu colo e dizer que vai ficar tudo bem. Mas é claro que eu não faço isso,
seria esquisitice maior do que a que estou prestes a contar a ela.
— Você disse que o Rob está fora de si, o que aconteceu?
— Ele foi hipnotizado — decido partir para a mentirinha que já vem
sendo repetida tantas vezes por mim que quase acredito que é verdade.
— Como é?
Forço meu rosto a ficar com uma expressão o mais neutra possível,
porque no fundo, minha vontade é de explodir, xingar o universo e tudo mais.
Espero estar sendo convincente. Robert pode não ser um chefe muito bom,
mas Lara não tem culpa da enrascada em que me meti por causa da paixão
idiota que eu tinha por ele.
— Ele foi a um evento e uma das apresentações era sobre técnicas
psicológicas de interrogatório, é claro que o grande senhor Sampson jamais
acreditaria que um interrogador podia usar de hipnose para conseguir
informações sigilosas.
Lara sorri de um jeito triste, concordando com um meneio.
— Isso é a cara dele.
— Então, acabou hipnotizado e até que passe você precisa ter
paciência. Será que consegue?
Ela suspira, pega um pedaço de guardanapo do suporte na mesa e
limpa o caminho percorrido pelas lágrimas.
— Eu sei que ele ama você, de verdade, e se você o ama também vai
esperar por alguns dias, até que essa coisa toda acabe.
— Como isso é possível?
— O cara que fez a hipnose era bom, fez um brutamontes de dois
metros pular do segundo andar de um sobrado e um outro a dormir pelado em
uma banheira, com uma rosa na boca, acredite, não é bonito de se ver.
— Nossa.
— Eu sei que é difícil ficar longe de quem você ama, mas é por pouco
tempo.
— E a tal mulher por quem ele está apaixonado?
— A tal deusa divina rainha da vida dele?
— Essa. — Ela bufa.
— É... — Rápido Eva, pense em alguma coisa. Rápido. — Olha, eu
não sei bem, mas acho que é uma mulher imaginária.
— Então não existe outra mulher?
— Não existe. Ouça o que eu digo, Robert Sampson não tem olhos
pra mais ninguém além de você.
Principalmente se esse alguém for eu.
— Mas e se ele desistir do casamento, Eva, o que eu faço?
— Então ele será um idiota por perder uma mulher linda, inteligente e
doce como você.
Lara levanta do seu lugar e me abraça.
— Obrigada, acho que consigo aguentar alguns dias.
— Seja forte, assim que eu descobrir como acabar com essa coisa
toda, ele vai voltar pra você e nem vai se lembrar do que aconteceu, pelo
menos eu acho que não. — Pego as mãos dela nas minhas e a olho com
convicção, porque estou decidida a dar um jeito nisso, custe o que custar. —
Eu prometo, eu vou resolver isso.
— Eu acredito em você. Mesmo essa história de hipnose sendo muito
absurda.
— Nem me fale, eu não teria acreditado se alguém me contasse.
Eu não teria acreditado nesse feitiço se não tivesse sido eu a
enfeitiçada, se não houvesse um monte de CEOs alucinados me perseguindo
e até pulando em cima de mim.
Juro por todos os santos, ou eu acabo com essa maldita confusão, ou
me mudo para uma caverna e só saio de lá para o meu túmulo.

Não volto para o escritório depois da minha conversa com Lara. Fico
zanzando um pouco por aí, sem um destino certo e remoendo as coisas. Não
vou mentir, se tudo isso tivesse acontecido há pouco tempo, se Robert tivesse
me encurralado na sala de fotocopias num dia qualquer do mês passado, com
ou sem coisa verde no dente e bafo de alho, eu teria me rendido, ficado feliz e
mesmo que nada disso fosse verdade, que não passasse de magia, eu teria me
achado a mulher mais sortuda do mundo.
Eu o queria.
Mas agora eu não sinto nada, só essa determinação ferrenha de
descobrir um jeito de convencer a mim mesma de que um bom homem pode
me amar, que eu mereço e me aceito.
Eu tentei, até fiquei bêbada tentando, só que não funcionou.
Mas se eu já entendi a coisa toda, por que ainda não deu certo?
Já sei que posso me amar, ser amada, ir pra cama com um gostosão
qualquer, vestir o que eu quero.
Porcaria, acaba maldição!
Fico viajando em pensamentos e caminhando pela calçada, até ver um
taxi, que me leva direto pra ele, Derek. Tudo me faz pensar nele, caramba.
Aceno e o carro para pra mim, entro logo que a chuva recomeça. Casa. É a
única coisa que eu quero agora.
Feitiço de amor é o cacete, eu tô vivendo um apocalipse insano com
rosas vermelhas, caixas de bombons e gravatas.
Só quero que isso acabe.
Então é isso, eu quero mesmo que acabe toda a bajulação e a paixão
melodramática?
Por um lado, é bom ser o alvo da afeição de tantos homens
importantes, de cores e corpos tão diferentes, mas também é como um
maldito tapa na cara, me mostrando que eu preciso de mágica para que um
cara bem-sucedido se interesse por mim.
Mesmo um CEO desempregado que só trabalha de vez em quando
como Derek.
Derek com seu jeito ranzinza, seu sorriso torto e a mente pervertida
que emerge até a superfície quando eu menos espero e me brinda com uma
porção de coisas safadas. Ele é uma incógnita. Não consegue aceitar que não
sou ruiva, que não roubei seu taxi, mas se mete em uma briga para espantar
outros caras enfeitiçados que estão atrás de mim.
Tudo o que eu queria é que com ele fosse de verdade.
Eu me apaixonei pelo sorriso torto, pelo olhar, pela voz, o toque.
Droga, eu amo aquele rabugento.
Como se ter de me livrar de uma maldição em nome da minha
sanidade e da sobrevivência de todos os CEOs que cruzarem meu caminho
não fosse trabalho suficiente, ainda vou precisar aprender a lidar com essa
dor de amar uma pessoa que não pode ser minha.
Mesmo que eu queira muito que ele seja meu.
Assim que o taxi para em frente ao sobrado, eu desço, pago a corrida
e sigo marchando pra casa. Banho, cama e sorvete de pistache, é o que eu
preciso agora. Talvez um pouco da mentalização de aceitação da Olivia me
ajude a pelo menos pegar no sono.
Abro a porta de casa resmungando sobre alguma coisa que
imediatamente me foge da mente assim que vejo o que está acontecendo.
Sentada na única poltrona que temos está Olivia, um olhar muito
travesso e no sofá ao lado, está o único CEO que eu queria que me amasse.
Não, não é a porcaria do Robert Sampson, é ele, o homem que me fez
entender que eu não quero uma pessoa qualquer só porque ela me inspira, ou
porque o admiro. O que eu quero é ser amada pra valer. E Derek é a única
pessoa que me faz sentir que é possível.
— Derek. — O ar foge dos meus pulmões com força.
— Oi, ruiva.
Algumas horas antes

Assim que a porta se abre todo o ar que eu estava prendendo se esvai


dos meus pulmões em um único baque.
A garota que me encara é pequena e usa um par de óculos redondo
grande, um vestido que parece ter sido atacado por um pintor ensandecido e
uma cabeleira bagunçada. Ela me olha com desconfiança e apesar de eu não
estar de terno, algo me diz que ela está achando que sou um dos CEOs
enfeitiçados.
— Você deve ser a amiga arqueóloga e jornalista. — Estendo a mão e
ela a aperta.
— Só arqueóloga — responde com um tom de vitória que me faz
lembrar de Eva contando o quanto a amiga odeia famosos que viram
manchete de sites de celebridades e fofocas. — E você é... pera aí, eu sei
quem você é. Você é aquele cara que ganhou um Oscar ano passado, não é?
Aceno que sim, um pouco sem jeito.
— Eu adorei aquele filme, mas tem um pequeno erro histórico sobre o
perío... — ela para e aperta os olhos na minha direção, empurrando os óculos
com a ponta do dedo, numa careta engraçada. — Se você sabe que eu sou
arqueóloga, a amiga arqueóloga, é porque você está procurando a Eva.
— Sim. Ela está?
— Meu Deus! Você é o Derek babaca do elevador. — A boca dela se
abre, assim como a porta.
Ela abre espaço, mas não tira seus olhos de mim, erguendo as
sobrancelhas num vai e vem desconfiado. Eu entro na casa sob um olhar
investigativo de uma amiga muito curiosa e protetora.
— Na verdade eu sou o Derek babaca do taxi e cretino arrogante do
elevador.
— Caramba!
Não digo nada enquanto a garota que sei se chamar Olivia me guia até
a sala.
— Vem, senta aí, a Eva deve chegar mais tarde, mas nós dois temos
muito o que conversar, Derek do elevador.
— Acho que prefiro ser chamado de Derek Preston ou só Derek. —
Sorrio e ela dá de ombros.
— Você vai ser chamado de homem morto se tentar me enganar.
Ok, talvez eu deva sair correndo em 3...2...1.
— Vou pegar um chá, você quer? — pergunta num tom que me
confunde. Não sei se ela vai com a minha cara ou se está pretendendo me
envenenar.
— Pode ser — tento não contrariar. — Com açúcar se tiver.
— Tá bom, a propósito, eu sou Olivia, a melhor amiga da Eva. — Ela
grita lá da cozinha.
— Eu percebi.
Olivia volta da cozinha equilibrando duas canecas grandes de chá e
um prato com biscoitos que cheiram a amendoim, ela deposita tudo numa
mesa que está claramente fora de lugar na sala pequena.
A casa é aconchegante e colorida, com uma cortina bonita e móveis
que combinam, embora sejam de cores e tons diferentes, azul, cinza, rosa e
branco. É um toque de delicadeza sutil que eu gosto bastante. Diferente do
meu apartamento que é todo em tons de cinza, branco, preto e frio.
— Peraí, vou pegar o açúcar — ela diz, apontando para uma das
canecas.
Quando retorna, vem com um pequeno bule de chá, duas colheres
pequenas e um pote de açúcar que parece um tipo de ave, uma galinha ou,
talvez, um peru. Sim, o pote de açúcar tem aparência de um bicho. Isso é tão
a cara dessas duas.
— Bom, se você é um roteirista então não é um CEO, ou é?
— Não sou — respondo com sinceridade, porque sei que ela já deve
estar ciente do tal feitiço. E saber que Eva falou de mim me enche de
esperança.
— Então você não está...
— Não estou sob o feitiço da tal Cleo.
— Mas acredita.
— Se eu não tivesse visto com meus próprios olhos ia achar que Eva
é doida, mas eu achei um cara pelado na cama dela e outro na banheira, sem
contar que fomos perseguidos na rua, no elevador, no corredor do hotel, e eu
ainda tive que bater em uma fila de caras com um extintor de incêndio.
Olivia cai na risada e eu não sei se está rindo de mim ou da situação,
mas acabo seguindo seu exemplo e rindo com ela.
— Só a Eva pra acabar enfeitiçada.
— E só eu para vir atrás de uma garota enfeitiçada — retruco, ainda
rindo da minha complicada situação.
— Derek, você não está desempregado? Acho que Eva me disse algo
sobre isso.
— Não eu disse que trabalho eventualmente, ou seja, eu entrego o
roteiro, faço os tratamentos solicitados e é só. E agora também lancei um
livro, mas não tenho nenhum vínculo com empresa ou coisas assim.
— Hum...
— Tá, a verdade é que eu a deixei pensar assim, não quis mentir, mas
achei que era melhor ela não saber que eu sou o cara que ganhou um Oscar,
não gosto de usar isso pra conquistar uma transa, só que daí ela foi
enfeitiçada e eu me vi tendo que brigar por uma garota que não sai da minha
cabeça.
Coloco duas colheres de açúcar no chá e o mexo, depois o levo a boca
e suspiro. Tudo bem, Eva não está aqui, mas talvez eu possa transformar sua
amiga em uma aliada, quem sabe se ela me ajudar minha ruiva teimosa escute
o que tenho a dizer.
— Se você não está enfeitiçado, por que a Eva ainda pensa que sim?
— Porque toda vez que eu tento contar ela insiste que é o feitiço
falando por mim e não me deixa explicar porra nenhuma.
— É, ela é um pouco teimosa, mas sabe, acho que nada do que a
gente disser vai resolver, essa ficha precisa cair sozinha.
— E eu faço o que até lá? Fico plantado na porta esperando? Me finjo
de CEO apaixonado? Isso tá me enlouquecendo.
— Meu Deus, você a ama.
— Amo. — Suspiro e admito, porque a verdade é essa, eu amo a Eva
e não quero estar com mais ninguém que não seja ela. — Não queria amar,
mas aquela ruiva linguaruda virou minha vida de cabeça pra baixo e só de
pensar nela por aí, com outros caras fazendo juras de amor e toda aquela
palhaçada eu sinto vontade de quebrar alguma coisa.
— Desculpe, mas já quebramos todos os vasos extras na cabeça de
um CEO ninja que nos fez uma visitinha.
— Tá vendo — digo e levanto e começo a andar de um lado para o
outro, me sentindo ansioso e tenso. — Preciso dar um jeito de fazê-la
entender que o que eu sinto é de verdade.
— Eu vou ajudar. Como, não sei, mas vou.
— Ótimo, preciso mesmo de uma aliada.
Nós selamos nossa cumplicidade com um aperto de mão e passamos a
hora seguinte conversando sobre todo tipo de coisa, de múmias milenares de
gatos sacrificados aos deuses do Egito antigo, até meu novo projeto de livro
ou roteiro, ainda não me decidi sobre o formato.
Quando a maçaneta da porta frente vira e eu escuto a voz de Eva
reclamando porque a porta não está trancada e algum maluco enfeitiçado
pode conseguir entrar na casa, toda a saudade me acerta com força, preciso de
muito esforço para não voar pra cima dela e beijar sua boca resmungona.
Olivia que já está com uma mochila pronta, sorri ao ver a amiga
entrando em casa, não dá pra negar o quanto essas duas são unidas e eu fico
feliz por ter uma aliada na empreitada de convencer sua amiga a me amar e
me deixar amá-la.
— Derek. — Ela para perto da porta, os olhos cravados em mim.
— Oi, ruiva. — Tento soar calmo, mas por dentro meu coração quase
me ensurdece.
— Bom, agora que você chegou eu vou indo — Olivia declara,
levantando e pegando a mochila. — E você, cuide bem da Eva, tem um
monte de maluco nos assombrando nos últimos dias.
— Sim, senhora — respondo e ela pisca e mexe os lábios, me
desejando sorte sem emitir um som sequer.
— Aonde você vai, Liv?
— Vou dormir na casa do meu quase futuro ex.
— Tá, certo.
Olivia abraça Eva e cochicha alguma coisa no seu ouvido, mas eu não
escuto de onde estou.
Assim que ela sai, eu levanto do sofá, mas fico com os pés travados
no lugar. Como é que eu vou explicar tudo sem receber um pé na bunda?
— Eu sei que não deveria ter vindo — começo a dizer, mas Eva vem
para os meus braços e afunda no meu peito.
Seu cheiro de morango invade meu nariz, e todo meu corpo quer
aconchegá-la, dizer que tudo vai ficar bem.
Quando ergue o rosto pra mim, Eva tem lágrimas nos olhos e isso
parte o meu coração em um milhão de pedaços.
— Eu sei que não é de verdade, que você só está aqui por causa do
feitiço, mas senti sua falta.
— Eu também senti muita saudade. — Minha boca vai direto para a
dela e Eva se abre para que eu mergulhe numa espiral de sensações.
Minha língua cava dentro de sua boca enquanto eu seguro seu rosto e
anseio por obter mais dela. Nossas línguas se encontram enquanto minhas
mãos afundam nos cabelos cor de cobre escuro, como ela tanto teima em
dizer.
— Eu preciso contar uma coisa, é importante.
— Por favor, não diz nada. — Ela suspira, se afastando. — Só por
hoje eu não quero ouvir nada sobre feitiço, CEOs ou coisas assim, só quero
ficar abraçada a você.
— Não, nós temos que conversar Eva e vai ser agora.
Assim que termino de falar escuto uma pancada na porta. Eva se
sobressalta, deixando claro o quanto está esgotada com essa perseguição
toda. Assustada, ela me deixa guiá-la para trás de mim, enquanto eu vou até a
porta.
Passo uma segunda volta na chave e mais duas trancas.
— Vai tomar um banho, linda, que eu vou verificar as janelas e ficar de
guarda.
— Tá bom. — Ela vai para o banheiro sem argumentar, mas antes de
sumir completamente das minhas vistas, Eva para e se vira pra mim. — Você
é o menos louco de todos, mesmo quando usa um extintor como arma.
Depois de me certificar que toda casa está bem trancada, sigo o som
do chuveiro e entro no quarto de Eva. Como era de se esperar, o quarto é todo
em cores vivas e alegres. Tem uma luminária engraçada que parece uma
árvore pequena, uma parede de fotos dela com a amiga e com a família, além
de outros estranhos e paisagens, tem uma penteadeira com um fio pendurado
de um lado para outro, cheio de bolinhas. Vou até elas e aperto o botão de
ligar. As bolinhas brilham, deixando o quarto com um ar meigo.
Essa é a Eva, cheia de vida, cheia de detalhes, cores e experiências.
Essa é a mulher que eu amo.
Sem conseguir resistir, tiro minha roupa e entro no banheiro. Antes
que ela possa me rejeitar, entro no box e passo meus braços ao redor dela.
— Não adianta me expulsar porque eu não vou sair daqui.
Eva deita a testa no meu peito, espalhando espuma de sabonete por
onde seus braços me envolvem. O cheiro é delicioso e me acende quase que
imediatamente. Juro, meu plano não era ficar de pau duro no instante que
sentisse os mamilos durinhos dela roçando em mim, mas fica difícil me
comportar desse jeito.
Ergo o rosto de Eva e empino sua boca deliciosa, abocanhando-a e
chupando o lábio inferior.
— Eu adoro sua boca — digo, migrando dos lábios para o pescoço,
onde mordisco e chupo a pele molhada. — Adoro a sua pele.
— Derek — ela geme e eu sei que está tentando resistir.
— É difícil pra você? — pergunto, fixando meus olhos no azul sem
fim dos dela. — Eu não vou facilitar, porque eu quero você.
Desço com os dedos bem devagar, passando pela curva dos seios
cheios e deliciosos e apertando o bico entre os dedos indicador e médio. Eva
puxa meu cabelo e geme, empinando o quadril na minha direção.
Com a boca, começo a sugar o mamilo, rodando com a língua no bico
excitado, enquanto desço com meu dedo até sua boceta e começo a acariciá-
la onde já sei que a faz gozar.
Massageio seu clitóris, pressionando com o dedo em movimentos
circulares.
Eva geme e rebola na minha mão, completamente entregue. Então eu
enfio dois dedos bem devagar, me abaixando e lambendo toda a extensão da
sua boceta.
— Ai, Derek, caramba.
— Senti saudade desse gosto, desses gemidos — digo, sem me afastar
demais.
Chupo o clitóris, saboreando o gosto excitado, enquanto entro e saio
com meus dedos, num movimento que vai me deixando cada vez com mais
vontade de estar dentro dela.
— Espera, eu não quero gozar ainda. — Eva me interrompe e meu
pau lateja carente, implorando pela minha garota.
— O que foi?
— Também senti saudade do seu gosto — ela declara, se ajoelhando
na minha frente e começando a lamber a cabeça do meu pau.
A sensação é tão intensa que eu preciso me esforçar pra não gozar na
boca dela. Não que eu não queira fazer isso, eu quero muito, mas não agora.
Agora eu quero entrar e sair da mulher que eu amo, senti-la gozando embaixo
de mim e me chamando ao fazer isso.
— Porra, Eva, isso é bom demais.
Ela mergulha meu pau na sua boca, entrando e saindo várias vezes.
Sua mão aperta de leve minhas bolas, impulsionando ainda mais meu tesão.
Desligo o chuveiro e ajudo Eva a se levantar, nós secamos um ao
outro, nos beijando e acariciando. Nada mais importa nesse momento, só o
que temos, só nós dois.
Eu a pego pela mão, mas paro na frente da pia do banheiro, vendo um
vidro de shampoo com o desenho de um morango.
Sem pensar, pego a embalagem, abro e aspiro o perfume. Eva me
observa em silêncio, um sorrisinho bobo no rosto.
— Agora, sim, vamos que eu tenho muitos dias de saudade pra
descontar.
— Certo, senhor mandão.
— Não me provoque ou vou ser obrigado a dar uma palmada nessa
bunda gostosa.
— Isso é uma promessa?
Puxo Eva para o quarto, cheio de pressa, a deito em cima da cama e
afasto suas pernas. Instintivamente ela leva as mãos aos seios e os aperta.
Subo sobre seu corpo e apoio meus braços.
— Preciso entrar em você com força — sussurro no seu ouvido e ela
enrosca as pernas na minha cintura. — Tô com muita saudade.
— Eu também quero com força.
Entro em Eva de uma única vez, abrindo espaço e deixando que meu
pau vá descobrindo o mundo de sensações que estar com ela provoca. Estoco
uma vez e ela geme de um jeito manhoso.
— Mais Derek, mais.
— Porra! Quero muito te foder assim — solto, estocando com força
mais uma vez.
Começo a entrar e sair da minha garota, beijando seus lábios e me
deixando levar. Eva acompanha o ritmo com o quadril, me encontrando
quando estou lá dentro. Ela geme, mas não fecha os olhos.
— Acho que vou... acho que — Eva ronrona, apertando meu pau
dentro dela e ficando as unhas nos meus ombros. — Ai, Derek.
— Goza, linda, goza gostoso pra mim.
Eu aumento o ritmo em que entro e saio dela, aproveitando o
movimento intenso para mergulhar na minha própria espiral de prazer. É
como estar à beira de um penhasco. Entro e saio. Entro e saio. Entro e saio,
até que finalmente me jogo do penhasco e me entrego ao ápice.
Não apenas isso, me entrego inteiro para Eva.
É um caminho sem volta para o meu coração e para a minha alma.
Depois de sair de dentro dela, na nossa terceira rodada de sexo para
compensar a saudade, eu puxo Eva para os meus braços e a aninho no meu
peito, senti falta de tê-la assim, respirando contra meu abdômen, brincando
de passar os dedos nos gomos dos meus músculos.
— Eu sempre digo que não vou fazer isso, mas sempre acabo fazendo
— ela diz. — Sou fraca quando se trata de você.
— Você não me pareceu nem um pouco fraca — provoco e ela solta
um rá. — Safadinha sim, fraca não.
— Falou o cara que estava me pedindo pra gozar agora pouco. Se eu
sou safada, você é o quê? — Ela ergue os olhos e eu não resisto, Eva aguça
até o meu lado mais bobo.
— Tarado. — Puxo o corpo de Eva, que ainda está rindo, e o aperto
contra mim.
Eva volta a passar os dedos pelo meu abdômen, brincando
distraidamente, enquanto eu vou sentindo meu coração se acalmar.
Meus olhos começam a pesar, mas sinto que ainda não estou pronto
pra entregar os pontos, tenho coisas a dizer.
— Eu não sou um CEO — me escuto dizendo pouco antes de me
entregar ao sono. — Eu te amo, Eva.
Ouvir Derek sussurrar que me ama e que não é um CEO ao pegar no
sono faz meu coração doer. Queria muito que isso fosse verdade, porque eu o
amo pra valer, amo tanto que não consigo nem me imaginar abrindo mão
desse sentimento.
Só que a verdade é que tudo isso é por causa de Cleo, do feitiço que
ela jogou em mim e que afeta os CEOs que cruzam meu caminho, e não tem
nada a ver com Derek, com quem é de verdade ou o que realmente sente no
seu coração.
Além do mais, mesmo que ele esteja deixando a carreira de CEO,
ainda é um, ainda faz parte desse grupinho, então ele pode achar que me ama,
mas vai esquecer de mim quando eu conseguir acabar com o feitiço.
Fecho meus olhos e puxo na memória a noite em que Cleo cruzou
meu caminho e me deu esse presentinho de grego. Lembro que ela disse que
eu não deveria me preocupar, pois eles esqueceriam de tudo depois. Só que
eu não quero que ele me esqueça e não acho que sou capaz de esquecê-lo
também.
Eu quero que Derek me ame e quero amá-lo de todo meu coração.
Levo um tempão para pegar no sono, durmo muito mal por causa da
sensação de estar perdendo a única coisa verdadeiramente boa da minha vida,
um sentimento que eu nem imaginei que seria capaz de sentir.
Quando acordo, a primeira coisa que faço é me virar para o lado, só
pra acabar dando de cara com o lado dele vazio na cama. Puxo o travesseiro e
tampo meu rosto, seu cheiro gostoso ainda está no tecido e isso aquece meu
coração.
Abraço o travesseiro e fecho os olhos, tentando não pensar em como o
cheiro de Derek acende meu corpo e me faz sentir úmida entre as pernas. O
toque dele é tão intenso, seu corpo encaixa tão bem em mim... eu só quero
poder sentir isso sem culpa, sem remorso por causa de um feitiço jogado em
mim.
Até semana passada eu nem acreditava nessas coisas e agora, tudo o
que eu mais quero é encontrar um antídoto, um contrafeitiço, qualquer coisa.
Talvez eu possa conquistá-lo quando tudo acabar...
Sento na cama de súbito, sentindo aquela mesma estranha sensação
que me incomoda no cantinho da mente quando algum dos meus admiradores
decide aprontar alguma.
Me debruço na cama e espio debaixo dela, mas não tem ninguém.
Certo, acho que estou ficando doida.
Pulo e visto uma camiseta, talvez eu esteja sentindo Derek. E ele eu
quero mesmo sentir, mesmo que mais tarde eu vá me enxergar como uma
bruxa má que está abusando de um homem indefeso.
Não é estranho?
Saio do quarto de pés descalços, imaginando como fazer para quebrar
o feitiço de Cleo sem perder o homem que amo quando o vejo.
Eu não estava sentindo Derek, pelo menos não apenas ele.
Derek está com as mãos erguidas para o alto e o homem de frente pra
ele é muito familiar, acho que é o cara que estava no parapeito do hotel.
Droga.
Dou um passo para perto deles e então vejo a arma. Meu Deus, ele
está apontando uma arma para Derek.
— Eva, fique atrás de mim — ele diz e eu sinto o início de um tremor.
— Você tá bem? — falo baixo, mas o homem me vê e abre um
sorriso doentio, assustador.
— Oi, minha rainha. Eu senti tanta saudade.
— Oi, você está bem? — pergunto de novo e Derek acena de leve,
compreendendo que a pergunta é pra ele.
— Eu não tô bem — o cara armado declara, empunhando a arma na
direção do homem que eu amo. — Eu não sei o que está acontecendo, eu não
consigo trabalhar, eu... eu só penso em você, em ter você.
Saio de detrás de Derek e paro na sua frente.
— Eva, não — ele tenta, mas eu aceno que está tudo bem.
— Ele não vai me machucar, não é querido?
— Não amor, não, eu vim resgatar você — ele diz, mas ainda mantém
a arma no ar. — Eu encontrei esse cara na sua cozinha.
Olhando de mim para Derek, o invasor começa a andar de um lado
para o outro, levando a arma para perto da cabeça, estapeando-se.
— Eu não sei o que tem de errado comigo, mas eu preciso ter você.
— Você pode baixar a arma pra gente conversar? — pergunto e ele
acena que não, tentando apontar para Derek, mas eu me paro na frente dele.
De jeito nenhum esse homem vai atirar no meu cretino do elevador.
— Querido, se você machucar alguém, a polícia virá e nós não
poderemos ficar juntos.
— Mas esse daí tem que sair do caminho, ele tem que morrer.
O homem aponta a arma, sua mão treme um pouco e eu noto que ele
está ensandecido, tão perturbado que definitivamente alguém vai acabar
machucado aqui. preciso fazer alguma coisa.
Um movimento de relance me faz olhar de canto de olho para as
janelas, é quando a confusão explode de vez.
— Eu vou te salvar meu amor! — Um segundo invasor grita, quando
entra de rapel, espatifando a janela e voando direto para cima do invasor
número um.
Derek se joga em cima de mim, me afastando do alcance dos cacos de
vidro e cobrindo meu corpo com o seu.
Sinto uma dor aguda na cabeça e solto um gemido, não consigo atinar
exatamente o que está acontecendo, mas noto Derek se mexer sobre mim,
procurando meus olhos.
— Você tá bem?
— Sim — digo e meu peito dói, mas não é nada demais.
A confusão na minha pequena sala é barulhenta e confusa, Derek
tenta me fazer fugir para o quarto, assegurando que vai cuidar do caos, mas
eu me afasto um pouco dele, decidida.
— Chega! Já chega! Eu não quero mais isso.
O invasor número dois empina a arma para o invasor número um que
choraminga louco. É a maldita cena de um filme de quinta categoria. Puta
que pariu.
— Me dá essa arma. — Estico a mão para o invasor número dois.
— Não se preocupe meu amor, eu faço isso...
— Eu disse pra me dar a porra da arma agora!
Ele entrega e suspira, com ares sonhadores. Não, sonhadores não, ele
parece drogado.
— Agora eu quero vocês três sentados no sofá.
— Como é? — Derek tenta vir na minha direção, mas eu espalmo a
mão e o impeço de se aproximar.
— Agora!
Os três se amontoam no meu sofá. Tá, é meio estranho ter três caras
apertados em um sofá de dois lugares, olhando pra mim com um misto de
frustração (Derek), paixão insana (invasor número 1), paixão drogada
(invasor número dois).
— É o seguinte, vocês não me amam, o que está acontecendo é que
estão enfeitiçados e por isso estão agindo assim, sentindo essas coisas. Mas
ou isso acaba agora ou eu vou sair daqui, vou caminhar até a Bay Brigde e
vou me jogar lá de cima. É isso que vocês querem?
— Não — os três dizem em coro.
— Então, por favor, vão embora, eu não quero mais passar por isso.
— Mas... — o invasor número um tenta, mas eu aponto a arma pra
ele, na verdade, eu sacudo a arma irritada pra caramba.
— Não tem mas, vocês todos vão embora e eu vou dar um jeito de
acabar com essa merda de feitiço.
O invasor número dois e o número um discutem enquanto estão
recolhendo seus pertences. Derek continua parado, em pé, olhando para mim
com uma expressão furiosa, desesperada.
Assim que noto que os outros dois estão enrolando, eu aponto para a
porta da rua.
— E não esqueçam, sua amada vai se jogar da ponte se vocês
voltarem aqui.
Cabisbaixos, os dois saem.
— Eu já disse que não estou enfeitiçado. — Derek dá um passo na
minha direção quando estamos a sós, mas meu rosto fechado o faz parar.
— Eu não posso fazer isso, não é certo.
— Você não me ama, Eva? — a voz dele faz meu coração se partir.
— Não importa o que eu sinto, eu não aguento mais tudo isso, eu... eu
preciso que você vá embora, por favor.
Derek engole em seco, mas não tenta se aproximar de mim outra vez.
Ele recolhe seus tênis e casaco e para na porta, me olhando de um jeito que é
pura raiva.
— Eu vou provar que você está errada. Eu te amo. — Ele sai batendo
a porta com força.
Assim que me vejo completamente sozinha, deixo meu corpo pender
e caio sentada no chão. As lágrimas descem furiosas pelo meu rosto e eu
choro com todas as forças dos meus pulmões, sacudindo meu corpo e
tremendo.
Eu acabei de mandar o amor da minha vida embora. Eu o perdi.
Foi o certo a fazer, repito várias e várias vezes, lutando contra a dor e
as lágrimas que inundam meus olhos e destroçam meu coração em
pedacinhos.
— Meu Deus, amiga, o que aconteceu aqui?
— Liv... eu... ai, Liv, meu coração dói. — Ela corre da porta até mim,
desviando dos cacos e me abraçando com força.
— Tá tudo bem, eu tô aqui.
— Ai, Liv — não consigo falar, tudo que meu corpo quer fazer é se
acabar de tanto chorar.
E abraçada a minha melhor amiga, a pessoa que sei que realmente me
ama, eu deixo que a dor faça seu estrago, até que não reste nem mais uma
única gota. Choro pelo resto do dia.
Finalmente sem ter mais forças para chorar, deixo que a minha
melhor amiga me leve para o quarto dela, acho que não consigo entrar no
meu agora. Ela afofa o travesseiro e eu deito. Olivia me abraça.
— Eu tô aqui pra você amiga, sempre vou estar aqui.
— Obrigada — sussurro, um pouco antes de me deixar vencer pela
exaustão de passar um dia inteiro chorando.
Meu último pensamento é nele, dizendo que vai provar pra mim que
estou errada e que ele me ama.
Eu te amo Derek, mas amanhã, tudo vai mudar.
Levanto bem cedo e tomo um banho demorado, depois me visto e
coloco só as coisas importantes na minha bolsa, como a agenda de Robert,
meu crachá magnético e as cópias reservas das chaves do meu chefe, que eu
guardo para emergências.
Quando chego na sala, encontro Olivia preparando café e preparando
uma mesa que em outro momento me faria soltar gritinhos animados, tem
frutas, torradas, omelete, bacon e panqueca.
— Você passou a noite cozinhando? — pergunto e ela vem me
abraçar.
— Como você está?
— Com a cara de uma bolacha, meus olhos estão inchados e minha
garganta dói, nem sei por que, mas estou bem.
A sala está toda arrumada, Olivia juntou os cacos e há uma série de
tábuas pregadas na janela.
— Você é a melhor amiga do mundo — digo e ela sorri. — Vou
pagar o conserto e obrigada por cuidar de mim.
— Eu sempre vou cuidar de você e você de mim. Vamos comer?
Sento com Olivia mais por pura consideração do que fome, meu
estômago está revirado desde o momento em que deixei Derek ir embora.
Além disso, tem algo importante que eu preciso fazer e não posso mais adiar.
Tomo uma xícara de café, como um pedaço de panqueca, explico
meus planos e Olivia decide que vai comigo.
— Já estava na hora — declara, pegando a bolsa e a chave do carro.
— Você não precisa fazer isso, eu posso ir...
— Você lembra quando o menino que eu gostava na sétima série
derrubou pudim em mim?
— David Korelli. Nunca me esqueci daquele bandidinho.
— E o que você fez?
— Eu quebrei o dente dele, é claro.
— E ficou suspensa por uma semana.
— É, mas eu não me arrependo. — Sorrio. — Valeu cada minuto do
castigo.
— Agora é a minha vez de quebrar alguns dentes por você. — Ela
coloca a chave na porta. — Vamos?
Olivia estaciona bem em frente ao prédio onde trabalho, aviso aos
seguranças que ela está comigo, e que não precisam se preocupar. Depois
passo o meu crachá, sabendo que é a última vez que vou fazer isso.
Não posso dizer que estou realmente chateada com isso, na verdade,
já está mais do que na hora de partir para a próxima aventura, talvez eu
descubra meu dom, aquilo que poderia fazer pelo resto da vida, ou talvez só
inicie outra fase de experimentar coisas. O que importa é que minha fase
Sampson chegou ao fim.
Entro no elevador, aperto o botão e espero. Estranhamente calma, é
assim que me sinto quando as portas se abrem e eu vejo a recepção.
Cumprimento todo mundo que vai passando por mim e caminho firme
para enfrentar um desafio que já tenho adiado por alguns anos, hoje vou pedir
minha demissão.
Bato na porta de Robert e ele pula feliz quando me vê, parecendo um
garotinho na entrada do parque de diversões. Fecho a porta depois que entro
na sala e faço o possível para ignorar o olhar furtivo que ele me lança.
— Eva, tô tão feliz...
— Pode parar aí, eu preciso conversar com você, então sente-se, por
favor.
— Tá bom, meu amor.
— Senhor Sampson, eu fui enfeitiçada por uma velhinha que conheci
em Miami, isso que você está experimentando é efeito desse feitiço.
Robert apoia os cotovelos na mesa e o queixo nas palmas das mãos,
suspirando enquanto, com certeza, não escuta uma única palavra do que eu
digo.
— É o seguinte, aqui está minha carta de demissão, infelizmente não
vou poder cumprir o aviso de trinta dias e o senhor pode descontar isso do
nosso acerto, se achar necessário. Aqui está sua agenda, as chaves e meu
crachá.
Coloco tudo sobre a mesa e espero que ele diga alguma coisa.
— Certo, agora podemos nos casar, vamos fugir?
— Fugir?
— Sim, podemos ir para uma ilha, vamos nos casar na praia, tomar
bebidas doces e sentir o cheiro do mar...
Ele vem até mim, pega minhas mãos e me faz levantar da cadeira.
— Vai ser mais difícil do que pensei — resmungo.
— Não, querida, com você tudo vai ser fácil... sol, mar...
— Sol? Mar?
Jogo meus braços para o alto, irritada, frustrada, furiosa.
— Em que mundo você vive? Que espécie de pessoa acha que a vida
se resume a praia, sol, mar e um casamento com bebidinhas de frutas?
— Perfeito, não é?
— Não! — Eu o afasto e aponto um dedo na direção do seu nariz. —
Seu babaca egocêntrico, você é o pior chefe do mundo. Nos últimos três anos
eu passei atendendo ligações no meio da noite com você me pedindo as
coisas mais bizarras do mundo. De camisinhas de uma farmácia vinte e
quatro horas à presentinhos de consolo para as garotas que você dispensava.
Uma atrás da outra. Ano após ano, tudo isso na expectativa de um dia você
me notar.
Ele me olha confuso e eu continuo irritada.
— Eu estive aqui suspirando por você todo esse tempo e você nunca
me viu como nada além de uma escrava assalariada. É o seguinte, eu não sou
uma escrava, e não nasci pra ser secretária de um babaca que não compra
nem as próprias camisinhas. Além do mais, bobão, eu tenho um QI bem
maior que o seu. Mas sabe, a culpa não é sua por não me notar, a culpa é
minha que fiquei esperando por um cara que não vale meu tempo.
— Mas, meu amor...
— Eu não terminei de falar. Você sempre foi assim e agora, você tem
uma noiva, que estranhamente o ama, então, ela que cuide da sua agenda,
chaves e os presentinhos no meio da madrugada. Eu estou indo embora,
cuidar da minha vida, viajar pelo mundo e encontrar o amor verdadeiro. E se
eu não encontrar tudo bem, eu gosto da minha própria companhia.
— Você é maravilhosa.
— Não precisa dizer, eu sei que eu sou. Sou uma boa amiga, sou uma
pessoa boa, gosto de ser do meu jeito, com minhas curvas, meus peitos
grandes, minha bunda, até a porcaria da celulite é uma parte de mim, então a
verdade é que é um favor que você me faz em continuar sem me enxergar,
porque eu não preciso de nada disso. Eu não preciso que ninguém me
enxergue. Eu sei quem eu sou e, mesmo que leve uma vida toda, eu descobrir
como me amar do jeito que eu sou. Na verdade, eu me amo já.
Fecho meus olhos por um instante, sentindo como se todo o peso que
eu vinha carregando por toda a minha vida finalmente me deixasse. Toda a
dor, as lágrimas por causa da balança, a tristeza por comentários dolorosos,
de pessoas maldosas, nada disso importa.
Eu tenho uma melhor amiga, e ainda que Derek não me ame de
verdade, eu sei que sou capaz de amá-lo e sou capaz de me amar.
Assim que abro os olhos, Robert está com a carta de demissão na
mão, me olhando de um jeito meio apavorado. Apesar desse olhar, eu sei,
consigo sentir que acabou, esse é apenas o chefe que está prestes a perder
uma secretária competente e não o homem enfeitiçado que queria fugir pra se
casar numa praia.
— Você está se demitindo, Eva?
— Sim, senhor.
— E se eu oferecer um aumento, você sabe que é parte importante da
equipe.
— Eu sei e agradeço, mas eu sou parte importante de mim e nesse
momento preciso muito cuidar do que é prioridade.
— Você está doente ou talvez precisando tirar férias?
— Não, está tudo bem, mas eu realmente preciso me demitir. Antes,
porém, tomei a iniciativa de mandar flores para Lara, ela é uma boa pessoa.
— Ah, por isso que não posso perdê-la Eva, você pensa em tudo.
— Sabe, tem uma pessoa lá no porão, ele se chama Nick e é o
mensageiro, ele é inteligente, conhece a rotina da empresa e é muito
competente. Sempre que preciso recorro a ele. Com um incentivo financeiro e
uma promoção ele pode ser um excelente secretário.
— Nick, é? Tá, pode ser.
— Pode ser? Aquele garoto é muito capaz, não o perca, vai ser difícil
achar alguém tão bom.
— Alguém além de você? — Ele dá um sorriso triste.
Termino de acertar as coisas com Robert Sampson e depois recolho
meus pertences em uma caixa que Sue faz a gentileza de arrumar pra mim.
Ela parece mesmo triste com a minha saída e eu não deixo de agradecer por
tudo, principalmente por ser uma excelente profissional. Eu sei, eu sei, ela é
uma megera com todo mundo, mas não estou na vibe de baixar a autoestima
de outra mulher.
Dou uma passada no cubículo onde meu amigo mensageiro trabalha,
me despeço dele com todo o carinho e digo para ele usar a gravata Giorgio
Armani, pois talvez ele receba uma visita mais tarde. Felicidade é apelido
para a reação de Nick.
Espero que ele tenha muito sucesso e que não deixe Robert abusar
demais das suas habilidades, algo me diz que essa é só a primeira de muitas
promoções que ele ainda vai receber.
Com uma caixa e uma profunda sensação de liberdade, saio do prédio
e caminho para o carro de Olivia, que acena feliz da vida quando vê que fui
até o fim com meu plano de começar uma vida nova.
O que eu vou fazer? Não sei, mas mal posso esperar para descobrir.
Finalmente acabou.
Só que não.

Faz dois dias que me demiti e mesmo que eu goste da nova fase, estou
arrasada. Tento ser forte, mas meu coração ainda está em pedaços e não tem
uma única noite que eu não pense nele ao me deitar, que eu não sonhe com
ele ou pense nele ao acordar.
Derek se infiltrou em cada pedaço meu e esquecê-lo parece uma
tarefa cada vez mais difícil. Bom, pelo menos agora ele está livre para viver
sua vida.
— Ei rainha da pipoca, vai demorar ainda? — Olivia grita da sala, me
arranco do devaneio triste.
— Já vai, já vai, senhorita nervosinha.
Termino de encher a bacia de pipoca e a levo para sala, Olivia está
sentada no sofá com uma coberta e um travesseiro. Passo a bacia para a
devoradora de pipocas e me jogo na outra ponta.
Meus olhos correm de relance para a janela coberta com tábuas que
minha amiga improvisou até que o cara que contratamos conserte. Tento não
pensar na confusão que foi aquele dia, ainda mais porque isso me leva direto
para ele, para sua dor e raiva.
— Você tem certeza que acabou? — Olivia me dá um olhar astuto e
misterioso.
Ela está toda estranha, passou o dia trocando mensagens com alguém
que não quis me contar e agora me vem com essa mesma pergunta que tem
feito desde que acordamos.
— Sim, eu sinto que acabou, além do mais você está vendo algum
CEO maluco por aí?
— É, você está certa. — Diz, e digita alguma coisa.
— Então, o que vamos assistir senhorita misteriosa?
— Você já vai saber. Na verdade, você já deveria saber disso há
algum tempo, mas você tem um pouco de talento para o drama.
— Do que você tá falando?
— Disso. — Ela aponta para a televisão.
— Um programa de auditório? Toda essa falação é por causa disso?
Fala sério, Olivia.
— Não, Eva, a minha falação é porque você não escuta nada do que a
gente fala quando se refere ao Derek, mas agora você vai sentar aí bem quieta
e ouvir o que ele tem a dizer.
Meus olhos correm para a tela e eu o vejo sentado em uma cadeira,
perto de uma apresentadora que nem me lembro o nome, ele está lindo, com
o cabelo bagunçado e a barba por fazer, mas ainda assim perfeito.
— Como...?
— Shiiii, eu disse quietinha.
Volto a olhar para a tela quando a apresentadora loura começa a falar.
— E hoje, senhoras e senhores, temos aqui conosco ninguém mais e
ninguém menos que Derek Preston, o roteirista premiado com o Oscar e
grande Best Seller do ano. Obrigada por ter vindo, Derek, estamos felizes de
recebê-lo.
— Obrigado por me receber, April.
— Então... — April começa a falar, um olhar especulativo para ele.
Meu coração contorce de nervosismo. — Achei que você viria contar um
pouco do seu trabalho, mas a produção me informou que você tem algo
totalmente diferente pra nos dizer.
— É isso mesmo — ele declara, visivelmente constrangido pela
exposição.
Olho para a minha amiga e ela está me observando com muita
atenção.
— Você sabia? — pergunto, mas Olivia dá de ombros. — Ele não é
mesmo um CEO?
— Não, amiga, mas escuta, tem mais.
— Bom, há alguns anos eu fiquei noivo e pretendia me casar, mas as
circunstâncias mudaram e o casamento foi cancelado.
A voz de Derek prende meus olhos à tela, não consigo nem respirar
direito, quem dirá pensar com clareza.
— Ah, sinto muito.
— Tudo bem, foi melhor assim — ele diz e suspira pesado. — Mas eu
passei muitos anos sem acreditar no amor, até que fiz essa viagem e conheci a
mulher mais incrivelmente linguaruda do mundo. Sabe, ela roubou meu taxi,
derrubou café em mim, me mandou lavar minhas próprias roupas e roubou o
meu coração.
A plateia e a apresentadora fazem um grande ohhhh em coro e eu
prendo a minha respiração.
— Eu achei que não era capaz de amar, mas ela mostrou que sim e
por isso eu vim aqui hoje.
— Não é fácil, não é? Nós sabemos que você faz mais o tipo recluso e
tem evitado aparecer muito.
— Eu não lido muito bem com a exposição.
— Mas decidiu vir aqui mesmo assim. — April acena, impressionada.
— E pelo jeito ainda virei mais vezes, porque tive de prometer
algumas entrevistas para conseguir esse espaço.
A plateia ri e Derek baixa os olhos, envergonhado. Até assim ele é
lindo.
— Mas então Derek, o que você diria pra...
— Eva.
— O que você diria para Eva se ela pudesse ouvir nesse momento?
— Eu sei que você não acredita, que acha que o universo está
conspirando contra, mas a verdade é que você me ensinou a amar outra vez,
me fez ver que é possível realmente ser visto por alguém, ser aceito com
defeitos e qualidades. Eu me apaixonei pela garota que roubou meu taxi. Eu
te amo e prefiro passar a vida espantando os malucos daquela convenção do
que ficar longe de você. A propósito, o livro na sua mesa de cabeceira,
autografei enquanto você dormia, e fui eu mesmo que escrevi.
Meu coração bate tão forte quando o escuto lidar com a comoção do
auditório. Derek, o CEO desempregado, enfeitiçado, na verdade é um
roteirista de sucesso, um escritor de sucesso.
Corro até o quarto e pego o livro, abro e encontro a dedicatória.

“Você é a pessoa mais teimosa que eu conheço, não percebe o quanto


é linda, inteligente e doida. Eva, entenda de uma vez por todas duas coisas:
primeira, você é ruiva, a segunda: eu te amo pra caralho. Com todo meu
coração, Derek Preston.”

Viro as páginas, mal consigo ouvir o som por causa da força como
meu coração espanca meu peito, e então eu acho a foto e a biografia de Derek
Preston na contracapa.
— Ele me ama de verdade.
— Ama mesmo — Olivia fala ao entrar e me encontrar fora dos eixos
pelo que acabo de descobrir.
Eu a abraço e nós duas pulamos e rimos pelo quarto.
— Ele me ama, ele me ama.
Comemoro.
— Mas o que é que eu ainda tô fazendo aqui? Eu... preciso ir e você
vai me levar.
— Não é melhor esperar ele vir?
— Não, eu preciso ir.
Olivia corre para o quarto e pega a chave do carro e a bolsa, enquanto
eu termino de calçar o primeiro sapato que encontro.
— Pronta?
— Sim — respondo, sem pensar em mais nada.
Minha melhor amiga tem um pé pesado, ela pisa no acelerador sem
dó, aproveitando que o movimento da noite está mais tranquilo. Ela nos leva
por ruas que eu nunca nem entrei antes, mas nem questiono, afinal, tudo o
que eu quero é ir encontrar o homem que me ama e a quem eu amo
perdidamente.
Batuco impaciente na porta do carro e Olivia resmunga que está indo
o mais rápido que pode.
Ela se aproxima do portão da emissora e eu nem espero que ela pare o
carro para correr. Passo feito uma louca pelo guardinha, me esquivando do
homem e correndo para a porta lateral, onde vejo um movimento de gente
saindo.
— Por favor, Derek, Derek Preston. — Respiro ofegante, apoiando a
minha mão no joelho.
— Então você é ela? — Uma voz sonora e doce me faz erguer o
corpo. April está me encarando com um sorriso. O sorriso das mulheres que
ainda acreditam no amor.
— Eu sou ela, Eva. — Estico a mão e ela aperta de leve. — Derek
está aí?
— Ele foi atrás de você, querida. Aquele homem te ama de verdade.
— Ama mesmo — eu concordo, rindo. — E eu amo aquele
rabugento. Eu preciso ir.
— Boa sorte e não deixe de mandar um convite se acabar em
casamento.
Aceno de longe.
— Pode deixar — grito e volto para o carro.
Sento no banco do passageiro e puxo o ar com força, uma dorzinha na
minha lateral me faz arquear o corpo.
— Você está bem? — Olivia pergunta e ainda curvada eu aceno.
— Casa. — Solto um grunhido e ela ri.
— Eu disse que a gente deveria ter ficado em casa esperando.
— É, é, você sempre tá certa, mas sabe como eu sou.
— Teimosa pra caramba.
— Melhor teimosa do que enfeitiçada.
Eu sei, o que eu fiz foi uma loucura, mas aquela cabeça dura não me
escuta, eu tinha que dar um jeito de fazê-la entender que, quando digo que
não estou enfeitiçado, não é o feitiço falando por mim e, sim, eu mesmo.
E eu a amo.
Então, momentos desesperados, medidas desesperadas.
Dirijo e estaciono na frente da casa dela. Desço e bato na porta várias
vezes, mas ninguém atende.
É claro que ela não podia fazer o previsível, fazer o que eu espero que
faça. Eva é um caos e eu estou louco de saudade de sentir o cheiro de
morango do seu cabelo, ouvir seus resmungos quando não concorda com
algo.
Sento no degrau da frente da porta, de jeito nenhum vou sair daqui
sem me entender com minha garota. Ela vai entender de uma vez por todas
que meu coração é dela e que o dela é meu.
Meu celular apita e eu pego logo, procurando o nome dela no visor.
Bufo quando vejo que a mensagem é do meu agente.
James: Foi um show e tanto, vamos vender milhões de livros depois
disso.
Derek: Esse não é o objetivo.
James: Por isso mesmo. Então, já se entendeu com sua ruiva?
Derek: Ela não está em casa.
James: HAHAHAHA
Derek: Eva quer me enlouquecer.
James: Essa garota tem meu total respeito, ela colocou o maior
rabugento do país no devido lugar.
Derek: Muito engraçado. Traidor.
James: Qual é, Derek? É muito mais divertido ver você correndo
atrás dela como um cachorrinho do que enfiado num apartamento sozinho e
raivoso.
Derek: É bom que ela me aceite, porque até o meu único amigo ela já
roubou.
James: #TeamEva.
Não respondo mais nada, porque James está começando a me irritar.
Sei que não vai ser uma tarefa fácil mudar meu gênio ruim, mas não me
importo de mover montanhas se for pra ficar com Eva. E mesmo o meu
agente e único outro ser humano na face da terra que me aguenta já percebeu
isso.
Respiro fundo, passo a mão nos cabelos, bagunçando tudo, ansioso
como se minha vida dependesse disso.
E o que eu faço se ela não me quiser? Se ela decidir que fui um
cafajeste que mentiu e por isso ela me odeia?
Eu sei que vou viver, afinal o mundo não para. Mas a verdade é que
não quero viver sem ela. Eva é o amor da minha vida e só quando estou com
minha ruiva rebelde é que me sinto completo.
O carro de Olivia aparece na outra esquina e eu sinto todo meu corpo
enregelar. Quanto mais perto elas estão, mais meu coração bate forte, tão alto
que quase me deixa surdo.
Olivia para o carro no meio da rua e baixa o vidro, ela acena e dá uma
risadinha travessa que não sei se me alivia ou me deixa mais tenso. É quando
eu finalmente a vejo.
Eva desce do banco do passageiro e vem até mim, seu rosto
impassível é mistério puro e eu me sinto como um desses caras de uma
comédia romântica, esperando para ser perdoado pela garota que ama.
Neste caso, as coisas são um pouco mais complicadas.
Eva para antes da escada e vira para a amiga, acena com um
tchauzinho rápido e a outra acelera o carro e vai embora. Só então a ruiva
ergue os olhos azuis na minha direção.
Seu olhar enche meu coração de medo, há marcas de lágrimas nos
cantinhos e uma expressão triste que se espalha por todo semblante e eu
provavelmente sou o culpado por seu sofrimento.
— Vamos entrar — ela diz e eu suspiro, sem conseguir conter o
nervosismo.
Eu a sigo para dentro de casa, passando a mão pela minha calça jeans
para limpar o suor das palmas. Me sinto como um criminoso a espera do
veredicto, mas nem isso vai me fazer desistir dessa mulher. Nada no mundo
me faz sair daqui antes de dizer tudo.
— Eva, eu...
Ela me cala com um aceno e eu insuflo o ar com força. É um
sacrifício enorme me manter calmo, minha vontade é pular em Eva, pegar seu
rosto e grudar nossas bocas.
Eva acende a luz e para bem no meio da sala, é quase como se
estivéssemos no centro de um palco com os holofotes todos em nós, à espera
do grande clímax da peça teatral. Concentre-se, idiota, ou vai perder a
chance.
— Quer dizer que você ganhou um Oscar?
— Ganhei, mas não é nada demais.
— E você escreveu um best seller?
— Escrevi.
— E não é nada demais?
— Não é — digo, com toda honestidade. — Eu não gosto da
exposição, mas amo escrever.
— É o que você se vê fazendo pelo resto da vida, não é? — Ela me
lança um olhar sereno e eu não posso mais esperar.
— Eu tentei contar, mas você só escuta o que quer — digo e ela ergue
uma sobrancelha. — No começo eu não queria, pensei que seria mais fácil
me afastar se você achasse que eu estava enfeitiçado, depois eu fiquei com
medo que me odiasse e me desse um pé na bunda. E quando você finalmente
me deu o pé na bunda eu percebi o erro de não ter contado. Me desculpe.
Eva fica me olhando por um instante e então faz o que sempre faz,
algo imprevisível que me desconcerta por completo, ela cai na gargalhada.
— Você tem uma mania sabia? — diz, ainda rindo. — Você tem essa
mania de despejar as coisas, parece que nem vai respirar e sai falando tudo
que vem na sua cabeça.
Ela me puxa para sentar ao seu lado no sofá e eu me vejo rindo com
ela, um pouco por ainda estar nervoso e outro tanto porque seu sorriso enche
meu coração de felicidade e esperança.
— Droga, eu tinha que me apaixonar logo pelo cretino do elevador?
Eva sorri, sua mão tocando meu rosto. E isso é tudo que eu preciso
para saber que nada mais importa, ela vai me perdoar e eu vou poder amar
essa mulher que quase acabou com os meus nervos.
— Então você não está brava porque eu não estou enfeitiçado? —
pergunto, rindo feito um idiota.
— Só se você escrever um final feliz para o seu livro, eu odiei o que
você fez com ele, precisava matá-lo?
— Eu escrevo quantos finais você quiser. Escrevo mil finais felizes.
— Eu te amo, Derek Preston. Estou feliz que tenha sido real e não um
feitiço.
Ela sorri e eu me rendo. Eva tem meu coração, minha alma, eu sou
dela e agora eu sei que ela também é minha.
Levanto do sofá e começo a comemorar, rio, dou um pulinho. Não
consigo me conter, Eva me ama.
— E o cretino arrogante ganha a partida, senhoras e senhores —
começo a falar, puxando Eva do sofá direto para os meus braços. — Ele
conquistou a ruiva genial que tem mania de roubar taxis.
— Eu não roubei o taxi — declara com um bico.
— Eu não ligo — digo, puxando o rosto dela para me olhar bem de
pertinho.
Beijo os lábios carnudos que mesmo sem batom continuam sendo a
coisa mais apetitosa do mundo. Meu corpo reage e o olhar travesso da minha
ruiva deixa bem claro que ela está sentindo como me deixa, duro, ansioso e
louco pra levá-la pra cama.
— Eu te amo, Eva. De verdade e de todo meu coração. Você é a única
capaz de me fazer sentir como um ser humano de verdade, completo, e agora
não tem mais volta, eu sou seu, cada pedaço meu pertence a você.
— E eu sou sua. — ela deita a cabeça para trás e eu aproveito para
mergulhar o nariz no seu pescoço. — Todinha sua.
— Nossa, como eu senti saudade desse cheiro. — Passo a língua na
curva do pescoço da minha ruiva atrevida, sentir sua pele se arrepiando é
como brasa para um fogo que ela acendeu quando derrubou café gelado em
mim e tão cedo não vai apagar. — Agora vou fazer jus ao meu bom hábito.
— Bom hábito?
Ela aperta as sobrancelhas, sem entender que estou prestes a despejar
nela todas as coisas safadas que estou planejando fazer. Sexo de
reconciliação, não, sexo safado de reconciliação, isso sim.
Derek me pega pela mão para evitar que a gente perca o avião por eu
cair no meio do caminho para o portão de embarque. É interessante como as
coisas entre nós começaram em um aeroporto e estão recomeçando do
mesmo jeito.
A diferença é que agora viemos juntos no taxi.
Essa é nossa primeira grande viagem como marido e mulher. Fizemos
outras durante o ano, mas essa é nossa lua de mel. E adivinha só o que nós
vamos fazer.
Acertou se disse conhecer castelos por toda a Europa.
Derek fez uma reserva em um hotel cinco estrelas na Escócia e
comprou vários pacotes turísticos com castelos na programação. Dá pra
acreditar que vamos passar um mês inteiro conhecendo castelos milenares
onde pessoas de verdade lutaram por seus reinos?
Certo, estou exagerando, mas é que estou muito empolgada.
Os últimos três livros do meu amor foram um sucesso total e por isso
resolvemos nos dar essas férias barra lua de mel. James não reclamou, mas
também pudera, está nadando em dinheiro.
Eu ainda não sei o que quero fazer pelo resto da minha vida, por isso,
eu me demiti e mandei, literalmente, Robert Sampson achar outra pessoa para
pedir pra comprar seus presentinhos pra sua noiva. Bom, não foi bem assim.
Mas o resultado foi o mesmo.
Ela acabou perdoando-o, mesmo com ele garantindo que não se
lembrava de nada, o que só a fez acreditar ainda mais na mentira da hipnose.
Olhando para trás hoje, percebo como eles são perfeitos e como têm
coisas em comum, além do mais, a gente não escolhe a quem amar, não é?
E eu não poderia ter descoberto o amor verdadeiro se continuasse
acreditando que o que eu sentia era amor, que a pessoa que eu queria jamais
me amaria ou que eu não merecia o amor.
A verdade é que não importa se eu sou uma garota plus size, magra ou
um alienígena azul. São milhares de pessoas nesse mundo enorme em que
vivemos, existe a pessoa certa para cada um de nós, só precisamos entender
que os quilos a mais na balança ou alguma coisa que nos faça diferente dos
outros não nos diminuem em nada, que ser diferente faz parte de ser um ser
humano em um planeta enorme.
E se a gente não se amar de verdade, como poderemos encontrar a
pessoa que vai nos amar acima de tudo e que vai fazer aquele sexo gostoso de
deixar as pernas bambas?
Derek me lança um olhar estranho, quando paramos perto do portão
de embarque.
— Você está bem, amor?
— Estou ótima — digo, pegando seu rosto e plantando um beijo
comportado nos seus lábios.
Dá última vez que decidi provocá-lo com um beijo mais safadinho
quase perdemos a hora do embarque, transando feito loucos no nosso duplex,
pra onde nos mudamos há alguns meses, quando Derek resolveu que não
dormiria nem mais uma única noite longe de mim. Não demorou muito para
ele fazer o pedido, antecipar o casamento e nos mandar nessa viagem de lua
de mel.
Como o apartamento em que eu morava é de Olivia, decidi que não
era justo fazê-la ficar convivendo com nossa rotina sexual, ainda mais depois
que ela terminou o namoro e resolveu mergulhar de cabeça no seu trabalho de
arqueóloga. Nesse momento ela está no Egito escavando múmias de gente, de
gatos e do que mais achar por aí.
Acabamos comprando um duplex lindo, com uma suíte espaçosa, um
escritório, um quarto de hóspedes e um que reservamos para um bebê. Nunca
se sabe quando pode acontecer.
— No que está pensando? — ele pergunta, ansioso.
— Em como eu estou feliz. Nunca pensei que isso fosse possível.
Derek sorri de um jeito torto e convencido, o mesmo sorriso que me
conquista todas as manhãs quando acordo e que me aquece antes de dormir.
— Eu te amo, Derek Preston.
— Eu te amo, ruiva ladra de taxis.
Passamos pelo processo de embarque e começamos a descer pela
rampa que dá acesso ao avião. Antes, porém, Derek aperta minha mão e me
faz olhá-lo de frente.
— Me prometa uma coisa.
— O que quiser — digo, rindo.
— Aconteça o que acontecer você não vai salvar nenhuma velhinha
surda por aí, não quero ter que lidar com mais nenhum CEO enfeitiçado.
— Agora eu não preciso, eu já sei que mereço o amor.
— O meu amor.
— Certo, certo, eu mereço o seu amor. E não vamos esquecer, eu
mereço o meu amor também.
Mais do que o amor de qualquer pessoa nesse mundo, eu mereço o
meu amor.
Eu mereço.
Sinto um ligeiro tremor no joelho e decido me sentar. Não se
preocupe, pois não estou morrendo ainda, só cansada. Não é fácil carregar
essa velha carcaça por tantos séculos, ainda mais quando estou nessa... como
explicar sem assustar você? Digamos que, nesta aparência de velha ossuda.
Não adianta perguntar, não vou dizer a minha idade. Ninguém nunca
te disse que é uma tremenda falta de educação perguntar isso para uma dama?
Mas saiba que estou por aqui há muito, muito tempo, então nem pense
que pode me passar a perna.
E tem mais, ao contrário do que aquela jovenzinha cabeça dura pensa,
eu escuto muito bem, melhor do que bem, tanto é que escutei a dor dela lá de
onde eu estava.
E escutei a dor dele também. Derek e seu enorme coração partido.
Todo aquele rancor e tristeza já estavam soando como um disco arranhado e
eu já estava ficando irritada. Então decidi dar um empurrãozinho e colocar
esses dois corações no mesmo lugar, pra ver se resolviam logo suas questões.
Espere um pouco, já vou explicar melhor.
Eles estavam destinados a cruzar o caminho um do outro em algum
momento e poderiam ou não ficar juntos, mas como eu não gosto de deixar
tudo nas mãos do acaso, e como as lamurias dessas almas carentes estavam
cansando a minha beleza, decidi adiantar o encontro.
E não poderia ter feito melhor.
Não precisei nem me esforçar muito, eles se atraíram como imãs.
Acho que nasceram um para o outro.
Mas você tem que concordar que a coisa dos CEOs enfeitiçados foi
um toque e tanto, hein?
Acho que meu humor está ficando mais aguçado conforme o tempo
vai passando.
Arrumo o lenço na minha cabeça, a roupa colorida e cheia de contas e
medalhinhas barulhentas faz parte da proposta, embora eu esteja louca para
me livrar delas.
Por que não?
Respiro fundo e estalo meu pescoço e costas, estico as pernas e com
um único piscar de olhos toda a minha aparência se transforma. De velha
colorida à jovem linda e exótica.
Minha roupa de cigana se transforma num lindo terninho de alta
costura, bem cortado e muito mais confortável do que todos os badulaques
que estiveram pendurados em mim nos últimos tempos.
Ah, eu não me apresentei direito, não é?
Bom, prazer, meu nome é Cleópatra, mas Eva me apelidou de Cleo e
eu gostei, deu uma modernizada nas coisas.
Por falar em Eva, vejo-a sacudindo aquele cabelo ruivo bagunçado
enquanto dá uma corridinha para pegar o avião. Derek a puxa pela mão,
tentando não fazer ambos caírem de cara no chão.
É estranho como esses dois parecem atrair coisas como café, taxis e
tombos.
Mas eu gosto deles, tenho um carinho especial por essas duas almas
que estiveram em busca um do outro por muito tempo.
É tão gostoso ver o amor, você não acha?
Para ser sincera, eu não costumo me meter na vida alheia, mas tenho
que admitir também que bancar o cupido pode ser muito divertido, mesmo
que para isso seja necessário enfeitiçar um hotel cheio de homens poderosos.
Satisfeita por ver o belo resultado do meu projetinho pessoal, olho ao
redor e solto o ar dos pulmões com leveza.
Missão cumprida.
Mas então por que é que sinto que esse é só o começo?
Dando de ombros, pego a mala de rodinhas e a guio até o portão de
embarque. A jovem comissária me dá um olhar simpático.
— Bom dia — ela diz e eu entrego o bilhete.
— Está me parecendo mesmo bom — respondo, deixando que o ar
fresco penetre nos meus pulmões.
— Boa viagem, senhora. — Ela devolve o bilhete e pega minha mala.
Ah, vai ser uma ótima viagem. Férias no Egito, o que pode dar
errado?
Oi! Vamos conversar um pouquinho?
E aí gostou da Eva e do Derek?
Tenho que dizer que foi um enorme desafio contar e viver essa
história de amor atravessada, mas agora aqui, enquanto termino o livro e me
pego escrevendo pra você, eu sinto de todo meu coração que valeu a pena.
Eva precisava vir ao mundo aprender a ver a si mesma, a superar as
suas dores e se entregar ao amor. E o Derek, bom, ele precisava, ainda
precisa, aprender a lidar melhor com ladrões de taxi.
Espero sinceramente que você tenha gostado da leitura e que continue
caminhando comigo pelas próximas jornadas literárias.
Tenho alguns projetos muito legais que quero dividir com você esse
ano e pra começarmos bem, vou deixar um bônus do meu próximo livro.
Então, nas páginas a seguir você vai conhecer uma garota brasileira
que tenta muito não se meter em confusão, mas que sempre acaba enrascada.
Nos vemos nas próximas leituras e não deixe de me acompanhar no
Instagram, tem sempre alguma novidade por lá.
Instagram: @gracirocha_autora
Iris
Fecho a porta da rua com cuidado, porque tenho a impressão de que
se batê-la vai cair mais um pedaço do telhado. Maldita casa velha. Corro até
o carro sob um véu de chuva fina, tentando proteger minha cabeleira sob uma
mão espalmada. Como se fosse possível, tenho tantos cachos que nem mesmo
se cortá-los, minha mão pequena seria capaz evitar que ficassem encharcados.
Eu adoro chuva, pelo menos normalmente eu adoro chuva. Hoje é um
dia de exceção, meu humor e minha aura estão tão cinzentos que nem mesmo
um dia de sol me faria sentir melhor e a culpa não é do tempo.
Encaro por um segundo a porta do meu carro, faz quase um ano que
ele foi pichado com a palavra BRUXA e eu decidi deixá-lo assim, só por que
se mandasse pintar, não levaria muitos dias para que a palavra bruxa voltasse
a ser pichada nele.
É um pecado estragar um carrinho tão lindo.
Dou uma sacudida na água dos meus cabelos e mergulho no calor
abafado do carro, ligo o rádio, mas a estática me vence. Estou tão carregada
hoje que nada funciona direito.
Comprovo isso quando dou a partida, ou melhor, tento dar a partida e
o carro não dá o menor sinal de que está disposto a sair do lugar.
— Vamos lá, carro teimoso, ou você liga ou vou me atrasar, acabar
sendo presa e sabe o que fazem com carros de condenadas? Ainda mais
depois que foram pichados com palavras como Bruxa... Vão para o ferro
velho, viram picadinho. SUCATA. É isso que você quer?
Tento dar a partida e nada.
— Tudo bem, ferro velho então — digo e giro a chave. Dessa vez,
meu carro teimoso funciona de imediato. — Isso garoto, é assim que se faz,
vamos enfrentar a fogueira. Não literalmente, claro.
Sigo dirigindo com cuidado para não aquaplanar na rodovia, enquanto
viajo para a cidade vizinha para chegar ao fórum em tempo de dizer para
aquela velha maluca que esse processo não tem cabimento. Eu não sou uma
bruxa e mesmo que fosse, a gente não vive mais na Idade Média, não é?
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[1]
Sala de roteirista é uma prática muito comum nos Estados Unidos quando se está criando uma série. Há um
showrunner, que é o roteirista chefe e criador da série geralmente, um roteirista sênior ou dois, um assistente que não
abre a boca para nada e roteiristas juniores, que geralmente são os que escrevem a maioria dos episódios. No Brasil, é
uma prática que está começando a ganhar uma forma mais robusta, conforme a produção de séries se intensifica.
[2]
Episódio piloto é o primeiro episódio de uma série, geralmente usado para testar a série, argumentos e sinopses são
etapas do roteiro, contendo elementos da história e podendo ser usados para venda. Assim como a Bíblia da série que é
de fato um documento de apresentação que contém vários aspectos da série, cujo objetivo é vendê-la para produtores ou
outros.
[3]
Morning Show é um tipo popular de programa da manhã nos Estados Unidos, com entrevista e jornal.
[4]
É um tipo de café com leite.
[5]
Refere-se a protagonista do livro Green Card – Um magnata em minha vida.
[6]
Inteligência Artificial criada no livro Green Card.
[7]
Howard Gardner é um psicólogo cognitivo e educacional dos Estados Unidos, responsável pela teoria das múltiplas
inteligências.
[8]
Josh Howard é o bilionário, CEO do Conglomerado bancário Howard e marido de Mila, é também o protagonista de
Green Card- um magnata em minha vida, lançado em 2021.
[9]
Referência à série CSI Miami, muito popular nos Estados Unidos há alguns anos.
[10]
Refere-se a Jacqueline Kennedy Onassis.
[11]
Astro de diversos filmes, como “Treinando o papai”, “Bem-vindo à Selva” e outros.
[12]
Refere-se ao valor pago para algum artista, músico, escritor, a título de direitos autorais.
[13]
É um tipo de agenda.

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