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Departamento de Química

REAPROVEITAMENTO DA ÁGUA PRODUZIDA NA CONDENSAÇÃO DE


APARELHOS DE AR CONDICIONADO

Aluno: Guilherme Meziat


Orientadora: Adriana Gioda
Coorientadora: Daniela Soluri

Introdução
Mais do que qualquer nutriente ou alimento que se possa imaginar, a água é de suma
importância para a proliferação da vida. Compondo mais da metade do corpo humano em
massa (COHEN, 2000) e cobrindo por volta de 71 % da superfície da Terra (GROTZINGER,
2013), ela é considerada pela literatura científica geral como solvente universal pela sua alta
capacidade de dissolução de substâncias, criando um meio apropriado para reações químicas
essenciais.
No entanto, segundo Grotzinger (2013), 96 % de toda a água do planeta é água salgada
e, dos 4 % restantes de água doce, três quartos estão armazenadas em geleiras e permafrost,
impossibilitando o seu consumo de forma direta. Do último ponto percentual restante,
aproximadamente 99 % são reservas subterrâneas (como, por exemplo, o aquífero Guarani),
levando míseros 0,009 % de toda a água terrestre sendo compostos por rios e lagos,
diretamente disponíveis para consumo após um tratamento adequado. Mesmo assim, em
termos absolutos, essa quantidade é equivalente a mais de dez mil quilômetros cúbicos de
água doce à disposição para a população. Porém, é preciso entender que essa água não está
uniformemente distribuída pelo mundo inteiro. Por exemplo, o Brasil detém
aproximadamente 13,3 % de toda a água doce disponível no mundo. Em contraste, o MENA
(Middle East and North Africa) detém apenas 0,5 % dessas águas, das quais 71 % se
encontram no Irã e no Iraque (Banco Mundial e AQUASTAT, s.d.). Vale notar também que a
população mundial não é distribuída uniformemente. De acordo com dados da ONU (2019), a
população conjunta dos países do MENA é de 456 milhões, enquanto a população do Brasil é
de somente 211 milhões de habitantes.
Essa desigualdade na distribuição populacional e de recursos hídricos causa o que é
chamado hoje em dia de estresse hídrico. De acordo com a UNESCO (2019), dos 53 países
que apresentam algum nível de estresse hídrico (> 25 %), 22 deles apresentam um nível
grave, acima de 70 % (Figura 1). Continuando no tema de falta de recursos hídricos,
atualmente uma em cada três pessoas não possui acesso constante à água potável (OMS,
2019) e, devido ao crescimento populacional, a demanda por água deve crescer em 30 % até
2050 (UNESCO, 2019), denotando uma necessidade urgente de repensar o seu consumo.
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Figura 1: Nível de estresse hídrico físico ao redor do mundo. Vale notar a presença de países
como China e Índia, que somam mais de um terço da população mundial, na classe de países
em estresse hídrico. Fonte: UNESCO, Relatório Mundial das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2019. 2019.
O maior vilão nesse contexto é o setor de agropecuária e aquicultura, respondendo por
quase 70 % do consumo mundial de água anualmente, enquanto o setor industrial responde
por 19 % (UNESCO, 2019). Com esse pensamento, já existe atualmente um esforço para
reaproveitar o que se chama de “águas cinzas” para utilização em atividades onde não se
necessita de uma água de alta pureza ou qualidade, como limpeza de pisos, irrigação e
descargas. As águas cinzas são águas residuais geradas por processos domésticos, à exceção
do esgoto sanitário. Uma boa fonte de águas cinzas, que ainda não é suficientemente
explorada, provém da operação de aparelhos de ar-condicionado.
Existem em torno de 1.500 quilômetros cúbicos de água na atmosfera, em forma de
umidade do ar (GROTZINGER, 2013). Parte dessa água, quando ventilada por um aparelho
de ar condicionado, precipita devido à rápida diminuição na temperatura do ar na qual ela está
dissolvida, provocando o gotejamento observável em qualquer aparelho que esteja exposto ao
ar livre. ( --- ) Com isso em mente, a Lei Nº 2749 de 23 de março de 1999 Rio de Janeiro
proíbe o gotejamento em vias públicas, sujeito à multa, recomendando a disponibilidade de
calhas e/ou encanamento para a coleta dessa água, sinalizando então uma facilidade para o seu
reuso.
Ferreira e Tose (2016) concluíram que a água condensada produzida pelos
condicionadores de ar do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) supria 40 % da demanda
total. A reutilização dessa água para atividades menos nobres dentro do instituto acarreta um
retorno financeiro do investimento na implementação do projeto em 14 meses. Rocha (2017),
no mesmo tema, encontrou um suprimento de 89,5 % da demanda local através do
reaproveitamento das águas do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), com um período de retorno de um pouco mais de um ano para um
investimento de R$ 28.000,00.
Mais adiante, Ferreira et al (2019) comparou o uso de água de poço com água de
aparelhos de ar-condicionado para a irrigação de plantações de pimentão, encontrando
resultados promissores. Além disso, a análise química da água dos A/Cs (ar condicionados)
indicou uma condutividade de apenas 11 µS cm-1, metade da condutividade encontrada na
água de poço, além de concentrações menores de vários metais como K, Na, Mg e Ca. Nesse
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caminho, percebe-se um potencial no tratamento dessa água para a geração de água


deionizada.
A norma mais utilizada internacionalmente para água ultrapura é a norma ISO 3696,
que classifica a água ultrapura em diferentes tipos, como segue na Tabela 1.

Tabela 1: Características dos diferentes tipos de água de acordo com a ISO 3696:1997. O
Tipo I* indica a maior pureza atualmente alcançável através de equipamentos analíticos.
Fonte: ELGA LabWater, Uma perspectiva geral essencial das aplicações de purificação de
água para laboratórios, monitorização e normas. VEOLIA, 2009.

Resistividade TOC Endotoxinas


Bactérias
(MΩ cm) (PPB) (EU ml-1)
Tipo I* 18,2 <5 <1 <0,03
Tipo I >18 <10 <1 <0,03
Tipo II* >10 <50 <10 NA
Tipo II >1 <100 <100 NA
Tipo III >0,05 <1000 <1000 NA

Utilizando a relação inversa entre condutividade e resistividade, percebe-se que a água


Tipo I a 25 °C necessita de uma condutividade menor do que 0,06 µS cm-1. Esse é o nível
mais desejável para a utilização em laboratórios para experimentos sensíveis.
Com esse pensamento, Álvaro Pereira, técnico em Química do Departamento de
Química da PUC-Rio, criou um sistema de coleta, tratamento e armazenamento de água
condensada de dois dos aparelhos de ar-condicionado em seu laboratório. O sistema passa por
um processo de limpeza anual. As etapas do sistema estão mostradas no fluxograma da Figura
2.

Figura 2: Fluxograma retratando o sistema de tratamento de água utilizado por Álvaro em


seu laboratório.
Álvaro informou que, em condições normais, a água armazenada apresenta uma
condutividade em torno de 1 µS cm-1, o que a classifica como Tipo II nesse quesito. Atingir
uma pureza Tipo I em recipientes de armazenamento é essencialmente impossível, inclusive
uma das indicações da ISO 3696 é de utilizar uma água Tipo I imediatamente após a sua
produção, para que não haja chance dessa água acumular algum tipo de impureza. Mesmo
assim, a água Tipo II pode ainda ser utilizada para a realização de experimentos menos
seletivos, preparação de reagentes, enxágue de vidrarias e, principalmente, como alimentação
para sistemas de geração de água Tipo I. Sendo assim, essa água possui um potencial de
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substituir completamente a água obtida através de destiladores, utilizada em grandes


quantidades pelos laboratórios de Química.
Porém, de acordo com a Tabela 2, o sistema de Álvaro carece de uma etapa de
tratamento para a remoção de substâncias orgânicas, visto que, de acordo com BREDA
(2001), a utilização de radiação por UV só é eficiente para a sua degradação durante o
armazenamento. Com isso em mente, é importante notar o custo-benefício desse sistema e o
seu potencial em substituir a utilização de destiladores com as devidas alterações.

Tabela 2: Desempenho de diferentes processos de purificação na remoção de diferentes tipos


de impurezas. E = Excelente, B = Bom, R = Ruim. Fonte: BREDA, Água grau reagente
para laboratórios e outros fins especiais. Instituto de Química da UNICAMP, 2001.
Gases
Sólidos Substância Material
Processo de dissolvido Pirogênico
Dissolvido s orgânicas particulad Bactérias
purificação s s
s ionizados dissolvidas o
ionizados
Adsorção com
R R B/E R R R
carvão ativado
Deionização E E R R R R
Destilação B/E R B E E E
Filtração R R R E E R
Osmose reversa B R B E E E
Oxidação
R R B/E R B R
ultravioleta
Ultrafiltação R R B E E B/E

Com a implementação de um projeto de reaproveitamento das águas dos aparelhos de


ar-condicionado, existe o potencial para uma economia substancial de água e equipamentos,
levando a um menor gasto financeiro e diminuindo o desgaste ambiental que alguns dos
métodos atuais causam. Porém, é preciso antes analisar a vazão do sistema e comparar as
características químicas dessa água com as da água atualmente utilizada nos destiladores e em
alguns aparelhos de purificação para testar essa hipótese.
Para esse projeto, será analisada a parcela do sistema que diz respeito à fachada do
Bloco E do edifício Cardeal Leme (Figura 3). A demanda a ser suprida também diz respeito
aos laboratórios de química que se encontram nesse bloco.

Materiais e Metodologia
A fachada do prédio Cardeal Leme possui 6 canos de dreno ligados a um total de 23
aparelhos de ar-condicionado. Exclui-se aqui os aparelhos utilizados pelo técnico Álvaro, por
estarem conectados internamente a um sistema separado de tratamento.
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Figura 3: Encanamento do sistema de drenagem dos aparelhos de A/C O cano 6 se encontra à


direita da foto. O cano 2 se encontra imediatamente à esquerda da marcação “2”. Existem
aparelhos em andares superiores que também estão conectados ao sistema.

A água foi coletada na saída dos canos em intervalos de tempo definidos utilizando
recipientes de plástico e a medição da quantidade de água coletada foi feita com uma proveta
de 250 mL, que foi trocada para uma de 2 L após a primeira semana para acomodar aos altos
níveis de vazão encontrados (Figuras 4 e 5). Essa vazão foi então extrapolada para se obter
uma estimativa para o fornecimento mensal do sistema. Para os canos mais altos, foi feita uma
conexão com mangueiras de silicone para levar a água até o recipiente de forma a evitar o
espirro excessivo de água para fora do mesmo devido ao seu gotejamento de uma grande
altura, o que prejudicaria a coleta.
Outras medidas de menor magnitude foram tomadas para prevenir perdas de água. Por
exemplo, durante a coleta foram utilizados recipientes altos e volumosos, na medida do
viável, para manter o nível da água dentro do recipiente o mais baixo possível. Isso causa um
aumento na diferença de altura entre o nível da água e as paredes do recipiente, dificultando o
escape de gotículas espirradas pelo gotejamento.
Todos os recipientes foram tampados parcialmente durante a coleta, de forma a
apresentar uma segunda barreira para o caso de o nível de água se elevar muito dentro do
recipiente. Além disso, a utilização de tampas também contém a maior parte da parcela da
água que evapora devido à exposição direta dos recipientes ao sol em certas partes do dia,
condensando na parte interna da tampa. Entre o final da coleta e a medição da quantidade de
água coletada, drenou-se a água retida pela tampa de volta para dentro dos recipientes.
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Figura 4: Foto tirada num dos primeiros dias da pesquisa. Percebe-se que as caixas utilizadas
são pequenas e que a proveta utilizada ainda é a de 250 mL.

Figura 5: Caixas maiores, compradas após o início da pesquisa, de forma a acomodar os altos
níveis de vazão encontrados. Percebe-se a diferença de tamanho entre essas caixas e as caixas
da Figura 4.

A medição da vazão da água foi feita nos meses de janeiro, fevereiro e na primeira
metade de março de 2020, de duas a três vezes por semana. Para cada dia, somou-se a vazão
de cada um dos canos para obter a vazão total do sistema, Qdia. A partir desse valor e do
tempo total de coleta de cada dia, criou-se uma relação para calcular uma vazão mensal
nominal do sistema, Qmês (Equação 1). Essa vazão foi então utilizada para calcular o
fornecimento mensal do sistema de dreno. Para tal, foi levado em consideração um tempo de
atividade diário de 8 horas e um mês com 21 dias úteis. Quanto ao tempo de coleta diário, em
alguns casos, houve uma pequena variação entre os seis canos analisados. Por essa variação
ser desprezível, utilizou-se a média tm entre os tempos de cada cano, como visto abaixo.
𝑄!"# !
𝑡! 𝑉!"# 𝑉!ê! 𝑡!
𝑄!ê! = = = , 𝐨𝐧𝐝𝐞 𝑡! = 𝐞 𝑡! = 𝑡!
𝑡! 𝑡! 𝑡! 6
!!!
Equação 1: Cálculo da vazão nominal do sistema em um mês
Foram também coletadas amostras de água de cada um dos canos para análise por
Cromatografia de Íons. O cromatógrafo utilizado foi o Thermo Scientific™ Dionex™ ICS-
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5000+ (Figura 6). Os íons analisados e suas curvas analíticas, bem como seus limites de
detecção e quantificação seguem nas Tabelas 3 e 4. As amostras coletadas foram congeladas
até o momento de sua análise e, quando necessário, foram diluídas para que suas
concentrações estivessem dentro da faixa das curvas analíticas utilizadas. As correções foram
aplicadas e os dados foram comparados com a água abastecida pela tubulação da PUC-Rio.

Figura 6: Cromatógrafo Thermo Scientific™ Dionex™ ICS-5000+, utilizado na análise das


amostras de coletadas dos A/Cs.
Curva de 35 a 300 µg L-1
LD (µg L- LQ (µg L-
1 1
) ) Curva de 15 a 150 µg L-1
LD (µg L- LQ (µg L-
CH3COO- 1 1
1,45 4,36 ) )
- -
CHOO 11,89 35,68 F 3,00 8,99
Cl- 3,94 11,82 NO2- 8,81 26,42
-
NO3 5,73 17,18 Br- 5,88 17,64
SO42- 12,63 37,89 CH2(COO)22- 0,55 1,64
2- +
C2O4 4,89 14,68 Li 0,17 0,50
P- 6,89 20,67 NH4+ 5,47 16,42
+
Na 1,75 5,25 Mg2+ 0,90 2,71
K+ 1,22 3,65
2+
Ca 3,24 9,73
Tabelas 3 e 4: Informações sobre os limites de detecção (LD) e quantificação (LQ) de cada
íon, separados pelas curvas analíticas utilizadas.

De acordo com os dados coletados em campo e baseado em dados já previamente


conhecidos, projetou-se então um sistema de tratamento das águas reaproveitadas.
Juntamente, projetou-se um sistema de armazenamento e transporte da água para o local de
tratamento, de onde a água seria então distribuída para outros laboratórios.
Por fim, foi feito um orçamento para a compra e o mantimento dos materiais para o
sistema de tratamento, bem como para a implementação do sistema de armazenamento e
transporte. Esse orçamento foi então comparado aos gastos atuais para a destilação da água,
de forma a estimar o custo-benefício da remoção completa de destiladores como forma de
produção de água deionizada.
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As visíveis limitações na metodologia de análise da água provêm do cenário de


isolamento devido à pandemia do SARS-CoV-2, que infelizmente interrompeu o projeto em
março. Sendo assim, não foi possível medir a vazão em meses importantes, como junho e
julho, por serem frios e secos. Além disso, não foi possível analisar a água por ICP-MS para a
análise de metais e nem por CG/EM, para uma análise mais abrangente dos orgânicos
presentes.

Resultados e Discussão

A. Demanda de água dos laboratórios e custo de operação dos destiladores


Atualmente, na PUC-Rio, uma boa parte da geração de água deionizada para
laboratórios de química é feita através da utilização de destiladores. Como se sabe, esse
equipamento utiliza grandes quantidades de água de resfriamento para poder produzir água
destilada, com a proporção entre litros água descartada e litros água destilada de, em média,
35:1. Essa média foi estimada a partir de dados de pesquisas feitas por Ziolkoski (2010),
Veiga (2014), Costa (2015), Medeiros (2017), e Rondon (2017). Porém, Conrado et al (2017),
em uma pesquisa anterior na PUC-Rio, analisaram um destilador amplamente utilizado em
um dos laboratórios do subsolo para suprir a demanda de laboratórios de aulas práticas e
encontraram uma razão de 58 L de água de refrigeração para 1 L de água destilada.
Outros métodos, como a utilização de purificadores, servem para desviar dos
destiladores, porém alguns laboratórios utilizam água do sistema de tubulação da universidade
como alimentação, degradando o equipamento rapidamente, o que torna o processo custoso.
Existem outros laboratórios que utilizam águas mais puras (Tipo II ou II*) como alimentação
para esses purificadores, porém acabam dependendo dos destiladores para obter essa água.
De acordo com Conrado (2017), a demanda mensal de água destilada para laboratórios
de aula na PUC-Rio é de 400 L. Complementando essa demanda, foi feita uma pesquisa sobre
a demanda de água destilada dos laboratórios de Química voltados para pesquisa da
universidade, encontrando uma demanda de, aproximadamente, 350 L por mês. Sendo assim,
a demanda mensal total de água destilada é de 750 L por mês. Para a razão entre água
descartada e água destilada, tirou-se uma média aritmética entre a estimativa feita pelas
pesquisas e a razão encontrada por Conrado (2017). Assim, têm-se uma proporção de 46,5:1,
sendo necessário então um total de 34,8 m3 de água por mês para suprir a demanda total de
água destilada dos laboratórios. A tarifa de fornecimento de água informada pela Prefeitura da
PUC-Rio é de R$ 13,30 por m3. Sendo assim, há um gasto mensal de R$ 463,84 para suprir a
demanda mensal de água dos laboratórios.
Quanto à energia gasta, o destilador analisado por Conrado (2017) apresenta uma
produção de cerca de 5 L de água destilada por hora, com uma potência útil de 4 kW.
Considerando que todos os destiladores utilizados sejam similares ao analisado nesse sentido,
é necessário um total de 150 horas de operação para que os 750 L de água destilada sejam
produzidos, resultando num gasto de energia mensal de 600 kWh. Sendo assim, com uma
tarifa de R$ 0,85 por kWh cobrada da PUC-Rio de acordo com a Prefeitura, há um gasto
mensal de R$ 510 para a operação dos destiladores. Somados ao custo de fornecimento da
água necessária, o custo total é de R$ 973,84 (Tabela 5).
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Tabela 5: Tabela representando os custos totais atuais dos laboratórios de química da PUC-
Rio para destilar a água necessária para suprir a demanda.
Água Energia
Demanda total hidráulica
750 Tempo de operação (h) 150,0
(L)
Razão AR:AD do destilador 46,5 Potência (kW) 4,0
Gasto hidráulico (m^3) 34,875 Demanda energética (kWh) 600,0
Tarifa por metro cúbico R$ 13,30 Tarifa por kWh R$ 0,85
Custo da água necessária R$ 463,84 Custo da energia necessária R$ 510,00
Custo total de operação dos destiladores R$ 973,84

B. Fornecimento do sistema de dreno dos aparelhos de ar-condicionado


O primeiro dado analisado foi a quantidade de água fornecida pelos aparelhos de ar-
condicionado, de modo a compará-lo à demanda total de água. A Figura 7 mostra que, até em
meses de pouca atividade na Universidade, como em janeiro, a vazão do sistema supre a
demanda dos laboratórios. Nota-se também que, em março, o fornecimento supre mais do que
o triplo da demanda. Como será visto mais adiante, isso significa que toda a água e grande
parte da energia gasta para operar os destiladores poderá ser economizada.

3.0 2.8

2.5

2.0
Metros cúbicos

1.4
1.5

1.0 0.8 0.75

0.5

0.0
Janeiro Fevereiro Março Demanda mensal

Figura 7: Fornecimento de água tratável pelo sistema de dreno em relação à demanda mensal
de água destilada dos laboratórios de química.

C. Análise Química da água fornecida


As amostras de água dos aparelhos de ar-condicionado coletadas foram analisadas por
Cromatografia de Íons e os resultados dos íons analisados foram comparados com os VMPs
(Valores Máximos Permitidos) de referência para água potável de acordo com a Portaria de
Consolidação Nº5, de 28 de setembro de 2017, como mostrado na Tabela 6. As células
marcadas em vermelho mostram valores acima dos VMPs definidos pela PRC.
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Tabela 6: Comparação da concentração de íons presentes na água de cada cano amostrado


com os Valores Máximos Permitidos de acordo com a PRC Nº 5/2017.

F- Cl- NO2- NO3- SO42- Na+


Cano
(mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1)
1 0,00 1,54 0,64 5,53 0,59 0,81
2 0,08 1,40 1,18 3,30 0,46 0,38
3 0,00 0,08 0,20 0,24 0,01 0,03
4 0,01 3,06 0,01 22,80 0,94 1,11
5 0,00 0,54 0,20 1,08 0,33 0,10
6 0,00 0,44 0,19 3,62 0,19 0,25
PRC N° 5 1,5 250 1 10 250 200

Percebe-se que a maioria dos canos apresenta uma água pura o bastante para ser
considerada potável pela portaria, as duas exceções sendo os canos 2 e 4, contendo um
excesso de nitrito e nitrato, respectivamente. Porém, outros canos, especialmente o cano 1,
também possuem quantidades elevadas de nitrito e nitrato em suas águas, quando se leva em
consideração os seus VMPs, o que provavelmente se deve à presença de vida dentro dos
canos, mais especificamente, micro-organismos que contribuem para o ciclo do nitrogênio.
Mais pistas sobre a presença desses micro-organismos podem ser observadas nas tabelas
7 e 8, de outros íons analisados nas amostras que não possuíam um VMP especificado na
PRC de 2017. Outro dado interessante a se observar é a presença de substâncias
potencialmente nocivas em quantidades detectáveis, como o brometo e o malonato. Vale
lembrar que esses aparelhos, em sua maioria, estão conectados à laboratórios de pesquisa, o
que pode explicar a presença dessas e outras substâncias em pequenos valores nessa água.

Tabela 7: Concentração de outros ânions presentes na água dos A/Cs.

CH3COO- CHOO- Br- CH2(COO)22- C2O42- P-


Cano
(mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1)
1 0,24 0,35 0,01 0,12 0,00 0,01
2 2,03 1,08 0,04 0,08 0,19 0,02
3 2,33 0,97 0,04 0,00 0,00 0,00
4 0,21 0,09 0,00 0,00 0,11 0,00
5 0,03 1,32 0,00 0,00 0,14 0,01
6 0,11 0,21 0,00 0,00 0,01 0,00

Tabela 8: Concentração de outros cátions presentes na água dos A/Cs.


NH4+ K+ Mg2+ Ca2+
Cano
(mg L-1) (mg L-1) (mg L-1) (mg L-1)
1 4,73 0,13 0,08 0,20
2 5,61 0,09 0,05 0,13
3 5,16 0,00 0,01 0,19
4 3,22 0,22 0,25 1,33
5 3,97 0,01 0,10 0,17
6 2,58 0,01 0,03 0,23
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Apesar de a portaria não possuir valores para esses dados em específico, é possível fazer
duas deduções a partir dessa tabela. A primeira é que as concentrações do íon amônio estão
altas, o que leva a crer que as concentrações de amônia também estão altas, provavelmente
mais altas do que o VMP de 1,5 mg L-1 determinado pela portaria. A segunda é que as
concentrações de acetato e de formiato também estão relativamente altas, o que indica uma
alta concentração de substâncias orgânicas.
Ambas deduções podem ser interpretadas como argumentos a favor da presença de
microrganismos dentro dos canos, levando a duas conclusões em relação ao sistema de
tratamento projetado por Álvaro. A primeira conclusão é de que adição de uma lâmpada UV
no tratamento foi correta, ao degradar as formas de vida presentes na água. A segunda
conclusão é de que há necessidade de uma etapa de tratamento para a remoção de substâncias
orgânicas dessa água. De acordo com a Tabela 2, um bom candidato é o filtro de carvão
ativado.

D. Projeção de um sistema de transporte, armazenamento e tratamento


Com o suprimento completo da demanda dos laboratórios de Química pelo sistema de
drenagem dos aparelhos de ar-condicionado, pode-se descomissionar a operação de
destiladores por completo dentro do departamento de química, substituindo-o por um sistema
que não desperdice água em excesso e nem demande um excesso de energia. Sendo assim, na
Figura 8, estão definidas as etapas do projeto.

Figura 8: Fluxograma retratando as etapas sistema projetado de transporte e tratamento de


água.
Em relação ao transporte através de um sistema de tubulação, é possível ligar esse
sistema ao laboratório do subsolo, onde o tratamento é feito, através de uma janela que dá
acesso à área onde a água dos condicionadores de ar é drenada. Na figura 4, é possível ver
duas dessas janelas, porém a janela de interesse fica à direita da foto, perto do cano 6. Os
materiais necessários para essa parte estão detalhados na Tabela 9, na seção “Tubulação”.
Para o armazenamento, uma caixa de 1.750 L oferece um bom amortecimento para o
caso de a baixa produção em períodos mais frescos não suprir completamente a demanda dos
laboratórios, pois os condicionadores de ar não são utilizados com tanta frequência e a
umidade do ar é mais baixa.
Para a etapa de tratamento, primeiro deve-se esterilizar a água, com radiação UV, para
interromper o metabolismo dos microrganismos presentes e degradá-los. Depois, deve-se
passar a água por um sistema simples de troca iônica, como feito no sistema criado por
Álvaro. A diferença vem na adição de uma etapa de filtração por carvão ativado, para retirar o
carbono orgânico e parte do material particulado presente na água. Como o diferencial de
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pressão entre o sistema de tratamento e o local de armazenamento da água é desprezível, é


necessário bombear a água pelo sistema. A bomba utilizada se encontra na seção de
“Armazenamento e bombeamento” na figura abaixo.
Tabela 9: Balanço de custos para a implementação de um sistema de tratamento de água
reaproveitada dos aparelhos de ar-condicionado do bloco E.
Preço
Material Especificação Quantidade unitário Total
Tubo PVC 25mm 24 m R$ 1,50 R$ 36,00
Joelho Soldável 25mm 45° Tigre 2 R$ 0,70 R$ 1,40
Joelho Soldável 25mm 90° Tigre 2 R$ 1,20 R$ 2,40
Tê Soldável 90° 25mm Amanco 5 R$ 1,49 R$ 7,45
Adaptador soldável 25mm 2 R$ 1,49 R$ 2,98
Niple roscável 1/2'' Tigre 3 R$ 1,49 R$ 4,47
Tubulação
Válvula globo 1/2'' Tigre 2 R$ 19,99 R$ 39,98
Tê Roscável 90° 1/2'' Amanco 1 R$ 4,00 R$ 4,00
Joelho Roscável 1/2'' 90° Tigre 1 R$ 1,37 R$ 1,37
Adaptador para mangueira Rosca
1/2'' 3 R$ 0,80 R$ 2,40
Mangueira cristal 1/2'' 2m R$ 3,87 R$ 7,74
Caixa d'água Acqualimp
Polietileno 1750L 1 R$ 1.151,01 R$ 1.151,01
Armazenamento Bomba Submersa Sarlo Better S
e bombeamento 520 8W 1 R$ 48,93 R$ 48,93
Lâmpada UV Germicida 10 W 1 R$ 323,89 R$ 323,89
Tratamento Resina Aniônica A400 6L R$ 49,90 R$ 299,40
preliminar Resina Catiônica C100 6L R$ 25,90 R$ 155,40
Filtro de carvão ativado BSP 1 R$ 201,12 R$ 201,12
TOTAL R$ 2.289,94

A implementação desse projeto, apesar de razoavelmente cara, implica em uma


economia mensal massiva de água e energia, ao possuir o potencial de substituir os
destiladores por completo. O cálculo do gasto de energia do sistema atual levou em
consideração a vazão de operação dos trocadores iônicos normalmente recomendada pela
maioria dos fornecedores, que é de cerca de 10 litros por hora. Com essa vazão, para que a
demanda de água seja suprida, o sistema deve permanecer ativo por pelo menos 75 horas, o
que acarreta um gasto energético de 1,35 kWh. No condizente ao gasto de água, toda a água
utilizada provém dos aparelhos de ar-condicionado, portanto não há gasto de água abastecida
pela tubulação. Sendo assim, a economia financeira mensal seria de R$ 972,69, o que
resultaria em um período de retorno total do investimento feito para a implementação do
sistema de 2,4 meses.
Uma comparação entre o gasto financeiro mensal dos dois sistemas na Tabela 10
permite uma visão melhor dessa economia.
Departamento de Química

Tabela 10: Gasto mensal financeiro de operação do sistema projetado em comparação ao


gasto atual de operação dos destiladores.
Bomba Hidráulica + Lâmpada Destiladores
Operação (h) 75,0 150,0
Potência total (W) 18,0 4000,0
Gasto energético
(kWh) 1,35 600,0
Gasto Hidráulico
(m^3) 0,0 34,9
Gasto financeiro R$ 1,15 R$ 973,84

No entanto, este tempo de retorno foi calculado a partir de várias estimativas, assim
como os custos de operação dos destiladores atualmente utilizados. Não existe um controle
rígido de consumo de água nos laboratórios, portanto os dados não são perfeitamente
consistentes. Sendo assim, a maior fonte de erros provém dessa esfera da pesquisa. Quanto ao
sistema projetado, leva-se em consideração que não será necessário nenhum desvio excessivo
na tubulação em direção ao sistema de tratamento. Porém, como os materiais da tubulação
não são muito caros, esses desvios não devem afetar o preço final de forma significativa.
Vale notar que as comparações econômicas mostradas nesse trabalho são somente as
mais tangíveis e imediatas. Existem outros benefícios financeiros latentes provindos do
suprimento da demanda de água com a pureza de uma água destilada a partir de outros
métodos, como por exemplo um menor estresse em sistemas de purificação mais avançados,
devido a uma alimentação mais adequada. Isso leva a um desgaste menor, o que acarreta
numa diminuição de custos com substituição de equipamento.
Dito isso, o potencial da reutilização das águas dos aparelhos de ar-condicionado é
claro. Ao mesmo tempo em que oferece uma vantagem financeira, representa também um
grande passo rumo à sustentabilidade hídrica. Os destiladores, além de descartarem água
exacerbadamente, a descartam em altas temperaturas, especialmente se operados
incorretamente, pondo as tubulações para o esgoto em risco. Em comparação, o sistema de
filtração e troca iônica projetado é completamente isolado do sistema de fornecimento e
dreno, ao tratar uma água gratuita e não necessitar de nenhuma fonte extra de água para a sua
operação.
Além disso, assim como financeiramente, existem benefícios indiretos ambientais que a
implementação desse projeto oferece. Um bom exemplo é a redução do gasto de energia. Um
gasto reduzido de energia implica em uma menor necessidade de usinas, levando à redução
dos impactos ambientais causados por elas. No caso de usinas hidrelétricas, menos áreas
sofrem inundações e menos ecossistemas são prejudicados ou destruídos. No caso de usinas
termelétricas, menos gases nocivos são emitidos, implicando em uma melhor qualidade do ar.
Outra vantagem do método atual sobre os destiladores é a segurança na operação dos
deionizadores. Os destiladores, após alguns meses de operação, criam uma camada de
sedimentos ao redor do seu resistor, provindas das impurezas da água de alimentação,
potencializando perigos de segurança, como curtos-circuitos e, consequentemente, incêndios.
Além disso, essa camada torna os destiladores menos eficientes, levando a um gasto ainda
maior de energia ao longo do tempo, eventualmente superaquecendo os aparelhos e
inutilizando-os. Os deionizadores, por sua vez, não potencializam nenhum perigo a medida
em que se desgastam e podem ser facilmente regenerados anualmente, dando-os uma vida útil
maior do que a de destiladores comuns.
Departamento de Química

Conclusão
Em suma, demonstrou-se o potencial econômico, bem como ambiental da reutilização
das águas condensadas dos aparelhos de ar-condicionado do Bloco E do edifício Cardeal
Leme da PUC-Rio. Demonstra-se plausível adaptar o sistema de tratamento criado por Álvaro
para purificar a água provinda dos condicionadores de ar de forma mais abrangente, de forma
a gerar água Tipo II, seja para alimentar outros sistemas de purificação, seja para utilizar na
limpeza de vidrarias ou na preparação de reagentes.
Demonstrou-se também que são poucas as dificuldades para implementar esse projeto
no Bloco E da PUC-Rio, denotando uma possível direção rumo ao aposento dos destiladores
por completo. Como discutido anteriormente, esse é um passo fundamental rumo à
sustentabilidade hídrica, mostrando que a colaboração com a natureza é o melhor caminho a
se tomar.

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