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O USO DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS

EM TEXTOS PUBLICITÁRIOS1

Glaucia Muniz Proença Lara*

Resumo

Situado no quadro da semântica argumentativa, o presente artigo focaliza o estudo dos operadores argumentativos
em anúncios publicitários publicados em duas revistas brasileiras de ampla circulação: Veja, revista semanal
informativa, voltada para um público mais generalizado, e Criativa, revista mensal, direcionada para um público
específico: o feminino. As conclusões indicam que, no contexto da presente pesquisa (em andamento), o tipo de
publicação não interfere na maior ou menor utilização desses recursos lingüísticos e mesmo na preferência pelos
operadores de um ou de outro grupo, predominando, em ambas as publicações analisadas, os operadores de
conjunção, seguidos dos operadores de contrajunção, de conclusão, de comparação e de explicação/justificativa.

Palavras-chave: Publicidade, Discurso, Operadores, Argumentação.

Résumé

Situé dans le cadre de la sémantique argumentative, cet article se centre sur l’étude des opérateurs argumentatifs
présents dans des annonces publicitaires parues dans deux magazines brésiliens à large diffusion:Veja,
hebdomadaire d’actualités destiné à un public plus large, et Criativa, magazine mensuel adressé à un public
spécialisé: les femmes. Les conclusions de cette étude indiquent que le type de publication ne joue pas un rôle
déterminant dans la plus ou moins grande occurrence de ces mécanismes linguistiques, voire même dans la
préférence pour les opérateurs d’un groupe donné. Ce qui se vérifie de manière générale dans les deux types de
publications c’est une prédominance des opérateurs de conjonction, suivis des opérateurs de contrajonction, de
conclusion, de comparaison et d’explication/justification.

Mots-clés: Publicités, Discours, Opérateurs, Argumentation.

1 Introdução
Inserida no âmbito dos estudos pragmáticos, a semântica argumentativa ou semântica da enunciação,
fundada, na França, por Oswald Ducrot, é uma semântica fundamentada na concepção de que a linguagem
constitui o mundo, afastando-se, assim, de uma semântica do referente, que se apóia na realidade
extralingüística: as palavras “representam” as coisas.

Desloca, dessa forma, o eixo da produção do sentido para o que se passa não entre a linguagem humana e o
mundo (na relação palavra-coisa), mas, sim, entre homens ou, mais especificamente, entre o fazer persuasivo
de um locutor e o fazer interpretativo de um interlocutor, num “jogo de argumentação”.

Uma tal concepção semântica esteia-se, entre outros, no seguinte princípio teórico descrito por Ducrot
(1982):

... um enunciado é composto de palavras às quais não se pode conferir nenhum valor intrínseco
estável (...) seu valor semântico não estaria, pois, inscrito nele mesmo, mas somente nas relações que
ele mantém com outros enunciados, os enunciados que ele está destinado a fazer admitir ou aqueles
supostamente capazes de fazer admitir (p. 157).2

Trata-se, pois, de uma semântica de base lingüística, em que a noção de argumentação é crucial. Segundo
Anscombre e Ducrot (1983):

Um locutor faz uma argumentação quando apresenta um enunciado E1 (ou um conjunto de


enunciados) destinado a fazer admitir um outro (ou um conjunto de outros) E2. Nossa tese é a de
que existem na língua coerções que regem essa apresentação3 (p. 8: grifo dos autores).

Dentro desse quadro, considera-se constitutivo de um enunciado o fato de apresentar-se como orientando
a seqüência do discurso, ou seja, de determinar os encadeamentos possíveis com outros enunciados capazes
de continuá-lo, fixando, nesse sentido, um certo limite que impõe ao destinatário por sua própria
enunciação. Em outras palavras, é preciso admitir que existem enunciados cujo traço constitutivo é o de
serem utilizados com a pretensão de orientar o interlocutor para certos tipos de conclusão, com a
exclusão de outras. Cumpre, portanto, determinar sua “orientação argumentativa”, isto é, as conclusões para
as quais podem servir de argumento, o que, de acordo com Koch (1984, p. 104-105), introduz, no âmbito de
uma pragmática integrada à descrição lingüística, uma “retórica integrada” que se manifesta por meio da
relação entre enunciados: ser argumento para. Nessa perspectiva, a argumentatividade não constitui algo
apenas acrescentado ao uso lingüístico; pelo contrário, está inscrita na própria língua ou, em outras palavras,
constitui o ato lingüístico fundamental.
Ora, entre os fenômenos que restringem os encadeamentos discursivos, determinando o valor
argumentativo dos enunciados, encontram-se os operadores argumentativos, que têm sido estudados por

vários pesquisadores tanto na França, berço da semântica argumentativa, quanto em outros países4.

Cabe, em primeiro lugar, distinguir os operadores argumentativos, objeto do presente estudo, dos chamados
conectores do tipo lógico, uma vez que tanto uns quanto os outros são responsáveis pela coesão textual. Nas
relações de tipo lógico, assevera-se uma relação (de causalidade, de condicionalidade, de mediação, de
temporalidade etc.) entre o conteúdo de duas orações, ao passo que, no caso dos encadeadores de tipo
discursivo, produzem-se dois (ou mais) enunciados distintos, encadeando-se o segundo sobre o primeiro,
que é tomado como tema. Tais enunciados, resultantes cada um de um ato de fala particular, poderiam ser
apresentados sob a forma de dois períodos, ser proferidos por locutores diferentes ou até encadear com
elementos da situação extralingüística. Dito de outra forma: os elementos conectados podem perfeitamente
ser de natureza distinta. Além disso, ao introduzirem um enunciado, os operadores determinam-lhe a
orientação argumentativa, estabelecendo relações variadas com outros enunciados na seqüência do
discurso, como as relações de conjunção, contrajunção, conclusão, explicação etc.

Assim, grande parte da força argumentativa de um texto está na dependência desses elementos. Daí a
importância de um estudo que enfoque sua utilização, sobretudo em determinados gêneros textuais – como
os anúncios publicitários – que vivem do seu poder de atuar sobre o outro (leitor/destinatário) para obter
dele determinadas reações (verbais ou não-verbais). É o que pretendemos fazer aqui, examinando anúncios
publicitários publicados em duas revistas de ampla circulação nacional (Veja e Criativa).

Trata-se, na verdade, de parte de uma pesquisa maior, ainda em andamento, cujo objetivo principal é mostrar
como a publicidade brasileira (impressa) se serve desses elementos para influenciar seu público-alvo.
Considerando que Veja é uma revista semanal de cunho informativo, direcionada para o público em geral
(ainda que pressuponha um leitor mais culto, mais elitizado), e que Criativa é uma publicação mensal, voltada
para um setor específico da população – o feminino –, pretendemos verificar: 1) se o tipo de publicação
interfere no maior ou menor uso dos operadores argumentativos; 2) que operadores são utilizados com
maior freqüência numa e noutra revista; e 3) que efeitos de sentido são construídos, em cada caso, na/pela
língua.

Com isso, buscamos dar nossa contribuição – mesmo que modesta – para o panorama de estudos
pragmáticos sobre os usos atuais do português do Brasil. Cabe esclarecer, no entanto, que nosso estudo é
de natureza eminentemente qualitativa. Por essa razão, não nos deteremos em porcentagens e relações
numéricas rígidas, mesmo porque o número de exemplares examinados não seria suficiente, a nosso ver,
para permitir uma pesquisa quantitativa mais abrangente. Além disso, fundamentaremos nossa análise nos
autores franceses mencionados (vide nota 4), mas também – e principalmente – nos autores brasileiros que
se têm debruçado sobre o estudo dos operadores argumentativos para o português do Brasil, como os já
mencionados Koch, Guimarães e Vogt (ver nota 4).

2 Considerações sobre a Publicidade e sobre a Constituição do Corpus

Tomamos – aleatoriamente – seis exemplares de cada revista, entre os que foram publicados em 2006. No
caso da Veja, os exemplares são os de 11/01, 15/02, 29/03, 12/04, 17/05 e 27/12; no caso de Criativa, os
números de fevereiro, março, abril, maio, setembro e outubro. Foram analisados, respectivamente, 137 e 90
anúncios publicitários em cada conjunto de exemplares. Para chegar a esses números e, num certo sentido,
uniformizar o corpus, eliminamos os anúncios publicitários inferiores a uma página, os encartes, os informes
publicitários e as propagandas de governo. Além disso, os anúncios publicados duas ou mais vezes foram
computados uma única vez.

Antes de passar à análise do corpus selecionado para o estudo aqui apresentado, cumpre explicitar o que
entendemos por publicidade, distinguindo-a, por exemplo, da propaganda. Embora ambas proponham agir
sobre o outro (destinatário), a propaganda é algo ligado a uma campanha que tenta influenciar
comportamentos no seio de uma coletividade ou de um grupo social. Em outras palavras: visa alertar,
chamar a atenção para uma ação a ser empreendida no âmbito social (Machado, 2006, p. 80). Já a
publicidade, visa especificamente vender um determinado produto de uma dada marca ou fazer conhecer
um dado serviço para que o destinatário queira, ou mesmo deva, utilizá-lo. Como afirma Charaudeau (2004,

p. 23), o gênero publicidade é caracterizado por uma “visada” 5 dominante de incitação, construída
duplamente por um “fazer/dever acreditar”, ou seja, o eu quer “mandar fazer”, mas, como não está em
posição de autoridade, deve “fazer acreditar” (por persuasão ou sedução) ao tu que ele será beneficiário de
seu próprio ato. O tu está, pois, em posição de “dever-acreditar” que, se ele age (compra um produto, adere
a um serviço), é para o seu bem.

Como as duas revistas remetem a públicos diferentes – um público mais indiferenciado no caso da Veja e um
público mais específico (feminino) no caso da Criativa – constatamos, num primeiro momento, que são
igualmente diferentes os produtos e serviços anunciados, preferencialmente, numa e na outra. Como seria
de esperar, na Veja predominam os anúncios de instituições financeiras (bancos), de veículos automotivos
(principalmente, automóveis), de publicações (divulgação de livros e revistas, sobretudo aqueles publicados
pela Editora da Veja: a Abril) e de produtos eletro-eletrônicos e de informática. Já na Criativa, o destaque é
dado a produtos e artefatos de beleza e também a roupas e acessórios femininos. Os anúncios de livros,
revistas e DVDs (estes ausentes da Veja) aparecem, com certa freqüência, mas diferentemente da Veja, em
que se trata basicamente de publicações de cunho informativo (revistas de negócios como Exame, Você etc.),
na Criativa, destacam-se, preferencialmente, outras revistas femininas (por exemplo, Marie Claire) ou
publicações que abordam temas de interesse prioritário – embora não exclusivo – da mulher (fertilidade,
educação de filhos etc.). Mas vamos à análise dos operadores argumentativos nas duas revistas, buscando
responder às perguntas feitas na seção introdutória.

3 Análise dos Operadores Argumentativos

Tanto na Veja quanto na Criativa predominam os anúncios que trazem operadores explícitos. Uma vez que as
conexões podem ser estabelecidas sem a intervenção de um conectivo explícito ou se valerem de uma
relação do tipo lógico, o fato de os operadores serem explicitados mostra a preocupação da instância
produtora em direcionar o leitor para uma determinada conclusão (em detrimento de outras), o que
reforça o caráter argumentativo do texto.

Além disso, em ambas as revistas os operadores que aparecem com maior freqüência são os operadores de
conjunção, ou seja, aqueles que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão (principalmente, e,
também, ainda e além de/disso), apoiando-se, pois, na noção de classe argumentativa. Essa noção designa um
conjunto de enunciados que podem igualmente servir de argumento para (apontam para →) uma mesma
conclusão (designada, convencionalmente, por R). Observemos no exemplo a seguir o “funcionamento” dos
operadores de conjunção e da noção correlata de classe argumentativa:

(1) O BankBoston inova mais uma vez e traz mais conveniência para você: BankBoston Mobile Bank.
Em um único aparelho, você encontra várias soluções (...) Consulte saldos e extratos da conta
corrente e investimentos on-line, autorize pagamentos (pessoa jurídica) e realize pagamentos (pessoa
física), tudo pelo Nokia 9500 ou 9300 (...) Além disso, os aparelhos reúnem as funções de um
minilaptop; permitindo acesso à internet com transmissão de dados, com a mobilidade de um
telefone celular, além da máxima segurança da certificação digital (Veja, abr. 2006).

Vejamos que, num mesmo movimento, legitima-se o banco e o serviço por ele prestado, oferecendo-se
vários argumentos que apontam para uma mesma conclusão:

O BankBoston é um banco eficiente (conclusão R).


Arg. 1 – inova mais uma vez classe argumentativa
Arg. 2 – traz mais conveniência para você.

O serviço oferecido (uso do Nokia) facilita a vida do cliente (conclusão R).


Arg. 1 – (permite) consultar saldos e extratos on-line
Arg. 2 – (permite) autorizar pagamentos
Arg. 3 – (permite) realizar pagamentos classe argumentativa
Arg. 4 – (permite) acessar a internet
Arg. 5 – (permite) ter segurança.

O uso acentuado de operadores de conjunção, no espaço publicitário das duas revistas, é compreensível se
levarmos em conta que o objetivo maior é “vender” um dado produto ou serviço. Desse modo, quanto mais
argumentos forem somados para convencer ou persuadir o outro (leitor/consumidor) da relevância ou
excelência do “objeto” anunciado, dos benefícios que ele pode trazer (conclusão), tanto melhor “funcionará”
a argumentação. É o que o texto do BankBoston, analisado acima, permite constatar.

Diferentemente da classe argumentativa, a noção de escala argumentativa implica, em relação aos


enunciados ou argumentos apresentados, uma gradação de força crescente no sentido de uma mesma
conclusão. Embora os operadores que aí se enquadram (os que assinalam o argumento mais forte de uma
escala) não sejam tão freqüentes quanto os de conjunção, eles também aparecem nas duas revistas. Vejamos
um exemplo:

(2) ... No UNIBANCO até investir é descomplicado. Com o SuperPoupe, você tem a mesma
segurança da poupança, maior rendimento e ainda pode resgatar o seu dinheiro a qualquer momento.
Aplique no SuperPoupe e veja, todo mês, seu dinheiro gerar um belo dinheirinho (Veja, fev. 2006).

Examinemos apenas a parte inicial do anúncio, uma vez que, no restante do texto, predominam os
operadores de comparação e de conjunção:

O UNIBANCO é um banco acessível ao cliente (conclusão R)


arg. + forte p’’ - investir é descomplicado
(p’ – fazer pagamentos é descomplicado)
(p – tirar saldos e extratos é descomplicado) etc.

O argumento mais forte (introduzido por até) faz pressupor outros argumentos (apresentados entre
parênteses acima) que apontam para a mesma conclusão numa escala ascendente. Observemos que o
argumento mais forte refere-se, em geral, àquilo que se considera mais difícil ou menos habitual.

Além dos operadores de conjunção (mais freqüentes), aparecem, combinados ou não com eles, outros
operadores, como os de contrajunção, os de conclusão, os de comparação e os de explicação ou
justificativa.

Os operadores de contrajunção são aqueles que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias. O representante mais típico desse grupo é o mas, considerado por Ducrot o “operador
argumentativo por excelência”, que é, aliás, o que predomina no corpus. O funcionamento do mas (e seus
similares) é o seguinte: o locutor introduz em seu discurso um argumento possível (p) para a conclusão R;
logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo (q) para a conclusão contrária não-R, aquela que prevalece.
No caso do mas, teríamos, portanto, a seguinte instrução: de p tire a conclusão R; de q, a conclusão não-R; de
p mas q, a conclusão não-R. Entrechocam-se, portanto, no discurso, “vozes” que falam de perspectivas, de
pontos de vista diferentes, o que remete ao fenômeno da polifonia, como mostra Koch (1992, p. 35). O
exemplo a seguir ilustra esse funcionamento:

(3) Mulheres sofrem de prisão de ventre. Mas a boa notícia é que ninguém precisa perder o sono por
causa disso. A receita? Levar uma vida saudável, mas [contando] com uma ajudinha de Naturetti ...
(Criativa, out. 2006)

No primeiro caso, teríamos o seguinte esquema:

arg. p = mulheres sofrem de prisão de ventre


conclusão R = a situação é preocupante.
arg. q = a boa notícia é que ninguém precisa perder o sono por causa disso
conclusão não-R = a situação não é preocupante.

De p mas q, tira-se, portanto, a conclusão (não-R): a situação não é (mais) preocupante, graças ao novo
produto anunciado (Naturetti). Na seqüência do texto, temos o segundo mas, cujo funcionamento reforça a
importância de Naturetti na solução do problema de prisão de ventre: é ele que dá a “ajudinha” necessária
(diríamos mesmo, o “empurrão final”), já que apenas levar uma vida saudável (consumindo, por exemplo,
produtos naturais – conclusão R) não é suficiente.6

Os operadores de conclusão (logo, portanto, por conseguinte, conseqüentemente etc.), como o próprio
nome indica, introduzem uma conclusão relativamente a argumentos apresentados em enunciados
anteriores. Nos exemplares das duas revistas analisados, a preferência é pelos operadores assim, portanto e,
principalmente, por isso. Vejamos, a seguir, uma combinação eficaz do operador de contrajunção mas com o
operador de conclusão portanto. Do ponto de vista da persuasão, essa articulação entre os dois operadores
vai destacar a seriedade e o compromisso da instituição – no caso, uma farmácia – com a população,
compromisso esse firmado pelo próprio presidente (argumento de autoridade), o que confere autenticidade
e confiabilidade ao que é dito:

(4) COMUNICADO

O governo autorizou o aumento dos medicamentos, mas eu negociei com todos os laboratórios de
Genéricos do Brasil e vou manter o preço antigo por mais 60 dias.
Portanto, ATÉ 31 DE MAIO, na Ultrafarma, você vai poder comprar seus GENÉRICOS SEM O
AUMENTO e ainda com os descontos que a Ultrafarma sempre ofereceu... Sidney Oliveira –
Presidente (Veja, abr. 2006).

Vejamos, sumariamente, o funcionamento do mas: de p (o governo autorizou o aumento dos


medicamentos) tira-se a conclusão R = os preços vão subir; de q (eu negociei com todos os laboratórios...),
a conclusão não-R = os preços não vão subir; de p mas q, a conclusão não-R = os preços não vão subir
(serão mantidos), pelo menos no que diz respeito à Ultrafarma. Esse “movimento” introdutório serve de
argumento para a conclusão que segue, introduzida pelo operador portanto (e reforçada pela presença de e
ainda, ambos operadores de conjunção, que servem para introduzir uma “vantagem” adicional: o de poder
comprar com descontos). A presença dessas “marcas”, no seu conjunto, leva à conclusão maior: a de que o
consumidor deve optar pela Ultrafarma. Mais um exemplo, dessa vez com por isso, o mais utilizado entre os
operadores de conclusão nas duas revistas. Trata-se do anúncio publicitário de uma lavadora de roupas da
marca Consul. No caso, criar a lavadora em questão é a conclusão que se apresenta em relação ao
enunciado anterior: a Consul pensa em você.

(5) ... A Consul pensa em você. Por isso, criou uma lavadora automática com o exclusivo Super Jato,
um jato de água que limpa melhor as roupas. E tudo isso pelo preço que você queria: apenas R$
799,00 (Criativa, abr. 2006).

Os operadores que introduzem uma justificativa ou explicação relativamente ao enunciado anterior (pois,
porque, já que etc.) também se fazem presentes nos exemplares das duas revistas, como mostra o texto que
segue (anúncio publicitário de produtos de beleza da marca Dove, especialmente feitos para o verão):

(6) Vergonha é não aproveitar o verão. Verão sem vergonha DOVE. Porque o sol nasceu para todas
(Criativa, fev. 2006).

Nesse anúncio, a justificativa para o que foi dito anteriormente vem introduzida pelo porque, ou seja,
aproveitar o verão sem vergonha é um direito de todas as mulheres (o que é garantido pelo uso dos
produtos Dove). Não se trata de uma relação causal, como poderia parecer à primeira vista (já que, em
português, o porque também pode ser um conector do tipo lógico que indica causalidade), mas explicativa.
Em outras palavras: o fato de o sol nascer para todas não se apresenta como causa para que se aproveite o
verão sem vergonha, mas uma explicação para essa última afirmação (enunciado anterior na seqüência do
anúncio).

Um caso interessante é o do operador afinal (presente tanto em Veja quanto em Criativa), que, de acordo
com Koch (1984, p. 197), fica a meio caminho entre a justificativa e a conclusão. O texto reproduzido a
seguir (anúncio de um banco estatal para o Dia das Mães) ilustra bem esse funcionamento.

(7) Cliente CAIXA tem crédito para fazer um Dia das Mães do jeito que quiser. Cartões de Crédito,
CDC, Cheque Especial. Afinal, a CAIXA quer criar momentos inesquecíveis. Para você e para quem
sempre quis o seu bem. CAIXA (Criativa, maio 2006: destaques do autor).

Observe-se que o afinal serve tanto para introduzir uma explicação para o que foi dito nos enunciados
anteriores (cliente da CAIXA pode comprar presentes de várias maneiras para o Dia das Mães) quanto
encaminhar para a conclusão: o empenho da CAIXA em criar “momentos inesquecíveis” para a mulher e
seus familiares (os que lhe compram presentes na data em questão).

Outros operadores que aparecem com certa freqüência nas duas revistas, além dos que já foram citados,
são aqueles que indicam comparação. Tais operadores estabelecem, entre um termo comparante e um
termo comparado, uma relação de igualdade (tanto... quanto, como, tal), de superioridade (mais... do que) ou
de inferioridade (menos... do que). Como o que interessa, no caso da publicidade, é valorizar um dado
produto ou serviço, destacando-o no mar de ofertas que cercam o consumidor no dia-a-dia, predominam
os operadores que estabelecem relações de superioridade, mas também – e principalmente – os
superlativos (relativos), que encerram comparação, mas com omissão dos termos comparantes (todos os
demais elementos do conjunto): o/a mais... Seguem exemplos:

(8) DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO VEJA LAROUSSE (...) mais completo que
dicionário, mais objetivo que enciclopédia... (Veja, maio 2006).

(9) Gol. O carro mais vendido há 5 moedas, 5 presidentes e 4 Copas do Mundo. (...) O carro mais
querido do Brasil há 19 anos (Veja, jan. 2006).

No exemplo (8), a relação de comparação introduzida pelo mais que (duplamente utilizado) ressalta a
superioridade do produto (um dicionário enciclopédico), nos itens completude e objetividade, sobre seus
possíveis concorrentes: o dicionário e a enciclopédia, tomados isoladamente. Já no exemplo (9), o Gol é
destacado no conjunto de automóveis oferecidos ao consumidor brasileiro. O emprego, por duas vezes, do
superlativo (relativo) o...mais deixa implícito (omite) os termos comparantes (os demais carros disponíveis
no mercado) nos quesitos venda e aceitação do público.

A relação comparativa, segundo Vogt (1977, 1980), possui um caráter eminentemente argumentativo, uma
vez que se faz com vistas a uma dada conclusão a favor ou contra a qual se pretende argumentar. Assim, no
enunciado abaixo que introduz o anúncio do UNIBANCO já apresentado (vide exemplo 2), a argumentação
é favorável ao SuperPoupe (novo serviço oferecido pelo UNIBANCO) e não à poupança, embora o
operador utilizado (tão... quanto) estabeleça, do ponto de vista sintático, uma relação de igualdade entre os
elementos (os serviços) comparados:

(10) SuperPoupe. Tão seguro quanto a poupança e, no fim do mês, seu dinheiro gera muito mais
dinherinho (Veja, fev. 2006).

Como vimos, ao longo das análises aqui apresentadas, há anúncios que se valem de um único operador
(exemplo 6); outros que empregam vários operadores, mas todos do mesmo tipo (exemplo 1, em que
aparecem apenas operadores de conjunção), o que depende de vários fatores, entre os quais a extensão do
texto (verbal): há textos mais longos; outros bem mais curtos, constituídos, às vezes, de um único enunciado.
Nesse caso, a ênfase é dada à imagem (texto não-verbal), estratégia bastante comum na publicidade.

Há, no entanto, textos que “combinam” diferentes tipos de operadores. Assumem, com isso, um potencial
argumentativo muito forte, uma vez que os elementos utilizados para estabelecer relações de várias ordens
restringem os encadeamentos discursivos, determinando, por extensão, o valor argumentativo dos
enunciados: as conclusões para as quais apontam. O leitor fica, assim, praticamente “coagido” a consumir o
produto ou a utilizar o serviço anunciado. Vejamos um exemplo: a parte inicial do anúncio de uma clínica
que trabalha com reprodução humana:

(11) TER FILHOS. A Corplus sabe que gerar um filho é o grande sonho de milhares de casais com
problemas de infertilidade. Por isso, trabalha e investe na realização deste sonho por meio de
tecnologias de ponta, infra-estrutura completa (...)
VOCÊ PODE. Além da infertilidade, alguns casais também enfrentam outra dificuldade: tratamentos
caros que nem sempre dão os resultados esperados. Mas agora a Corplus inova mais uma vez e lança
o PROGRAMA CORPLUS LIFE... (Criativa, abr. 2006).

A combinação de operadores de conjunção (e, também, além de), que somam argumentos a favor de uma
dada conclusão, com por isso (operador que introduz uma conclusão relativamente aos enunciados
anteriores) e mas (operador de contrajunção, que, partindo do argumento q, favorece a conclusão não-R)
resulta num texto argumentativamente rico que leva a leitora (sobretudo aquela que sofre de infertilidade)
à conclusão geral de que a Corplus é a solução perfeita para o seu problema.

4 Algumas Palavras para Concluir

Com o presente estudo, esperamos ter podido “desvendar” algumas das estratégias utilizadas pela
publicidade brasileira para orientar argumentativamente seus textos, que visam, em última análise, a seduzir
o(a) leitor(a), consumidor(a) potencial do produto/serviço anunciado. Cabe ressaltar que estamos falando
aqui de elementos – os operadores – que fazem parte da gramática da língua, o que comprova a existência
de relações retóricas ou argumentativas inscritas na própria língua. Esses elementos, verdadeiras “instruções
codificadas”, ao selecionarem enunciados capazes de constituírem a seqüência do discurso, tornam-se
responsáveis pela sua (do discurso) orientação argumentativa global, levando o interlocutor a tirar
determinadas conclusões, em detrimento de outras.

No caso das duas revistas focalizadas, acreditamos poder afirmar que o tipo de publicação – voltado para
um público mais genérico (Veja) ou mais específico: feminino (Criativa) – não é determinante da maior ou
menor utilização dos operadores argumentativos. A conclusão de que o tipo de publicação não interfere na
maior ou menor utilização desses recursos diz respeito ao corpus restrito da presente pesquisa. Eles são
empregados, em ambas as revistas, na maior parte dos anúncios publicitários (pelo menos, no que diz
respeito aos exemplares examinados). Os tipos de operadores empregados também não parecem diferir
muito de uma revista para a outra. Em ambas, os operadores de conjunção (sobretudo e, também, ainda,
além de/disso) predominam – largamente – sobre os demais. Numa proporção menor – mas, mesmo assim,
significativa – figuram os operadores de contrajunção (quase exclusivamente o mas), os que introduzem
conclusão (principalmente, por isso, seguido de assim e portanto), os que apresentam explicação ou
justificativa (com predominância de pois e porque – explicativo) e os de comparação (sobretudo mais... que
e o/a mais...). Esses operadores mantêm entre si uma relação mais ou menos equilibrada nas duas revistas,
não sendo possível avaliar, pelo menos do ponto de vista que adotamos no presente trabalho – o qualitativo
–, qual(is) seria(m) o(s) mais utilizado(s). Outros operadores, que criam efeitos de sentido interessantes,
como o afinal (que funciona, ao mesmo tempo, como explicativo e conclusivo) e o até (que assinala o
argumento mais forte de uma escala argumentativa) são menos freqüentes, mas também se fazem presentes
nas duas publicações.

Tais conclusões são, evidentemente, parciais e provisórias. Apenas o término da pesquisa nos permitirá
corroborá-las ou refutá-las, substituindo-as, nesse último caso, por outras mais adequadas. Fica, pois, no
momento, nossa modesta contribuição para o panorama de estudos sobre os usos atuais do português do
Brasil no domínio da publicidade (impressa).

Notas

1
Trabalho apresentado na 10ª Conferência Internacional de Pragmática, realizada em Göteborg – Suécia, em julho de
2007. Nossa participação no referido evento contou com o apoio financeiro da FAPEMIG e do POSLIN-FALE/UFMG.
2
Nossa tradução de: “... un enoncé est composé de mots auxquels on ne peut assigner aucune valeur intrinsèque
stable (…) sa valeur sémantique ne saurait donc résider en lui-même, mais seulement dans les rapports qu’il a avec
d’autres énoncés, les énoncés qu’il est destiné à faire admettre, ou ceux qui sont censés capables de faire admettre.”

3
Nossa tradução de: “Un locuteur fait une argumentation lorsqu’il présente un énoncé E1 (ou un
ensemble d’énoncés) comme destiné à en faire admettre un autre (ou un ensemble d’autres) E2.
Notre thèse est qy’il y a dans la langue des contraintes régissant cette présentation.”

4
Ver entre outros, os trabalhos de Ducrot (1980); Ducrot et al. (1980); Anscombre e Ducrot
(1983) e, no Brasil, Koch (1984, 1989, 1992), Guimarães (1987) e Vogt (1977, 1980).

5
As visadas correspondem a uma intencionalidade psico-sócio-discursiva que determina a
expectativa da troca linguageira (cf. Charaudeau, 2004).

6
Outros operadores de contrajunção têm funcionamento semelhante aos do grupo do mas, ou seja, opõem
argumentos enunciados de perspectivas diferentes, que orientam, portanto, para conclusões contrárias, porém não
empregam as mesmas estratégias argumentativas. Referimo-nos aos operadores do grupo do embora (apesar de, apesar
disso etc.). Citando Guimarães (1987), Koch (1992, p. 36-37) mostra que os primeiros seguem a “estratégia do suspense”:
fazem vir à mente do interlocutor a conclusão R, para depois introduzir o(s) argumento(s) que irá(irão) levar à
conclusão não-R, que prevalece (como vimos na análise do mas acima). Já para os segundos, o locutor usa a “estratégia
de antecipação”: anuncia, de antemão que o argumento introduzido pelo embora (ou similares) vai ser anulado. Os
operadores desse segundo grupo praticamente não aparecem no corpus da pesquisa.

Referências

ANSCOMBRE, Jean-Claude; DUCROT, Oswald. L’argumentation dans la langue. Liège: Mardaga, 1983. CHARAUDEAU,
Patrick. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. In: MACHADO, Ida Lúcia; MELLO, Renato de.
Gêneros: reflexões em análise do discurso. Belo Horizonte: NAD/POSLIN/FALE, 2004. p. 13-41.

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Dados da autora:

Glaucia Muniz Proença Lara

* Doutora em Semiótica e Lingüística Geral – USP – Pós-doutora em Semiótica – Paris – e Professora da


Faculdade de Letras – UFMG

Endereço para contato:

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras

Av. Antônio Carlos, 6627

31270-901 Belo Horizonte/MG – Brasil

Endereço eletrônico: gmplara@gmail.com

Data de recebimento: 28 abr. 2007

Data de aprovação: 20 ago. 2007

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