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O milagre chinês terminará em breve, diz ministro do Meio Ambiente do

país

Crescimento está acabando com os recursos naturais da China

Nos últimos anos o mundo ficou fascinado com os progressos econômicos feitos
pela China. Mas tal progresso implicou um alto custo para o meio ambiente do país.
A poluição é um problema sério e caro. Pan Yue, do Ministério do Meio Ambiente,
diz que esses problemas logo sobrepujarão o país e criarão milhões de refugiados
ambientais.

Der Spiegel - A China está fascinando o mundo com a sua próspera economia, que
cresceu 9,5%. Você não está satisfeito com tal velocidade de crescimento?

Pan Yue - É claro que estou satisfeito com o sucesso da economia da China. Mas ao
mesmo tempo estou preocupado. Estamos usando matérias-primas demais para
sustentar esse crescimento. Para produzir bens no valor de US$10 mil, por
exemplo, necessitamos de sete vezes mais recursos do que o Japão, seis mais do
que os Estados Unidos, e, talvez o mais embaraçoso, quase três vezes mais do que
a Índia. Não se pode e não se deve permitir que as coisas caminhem desse jeito.

Der Spiegel - Tal ponto de vista não é exatamente generalizado no seu país.

Pan Yue - Muitos fatores se integram nesta questão: temos escassez de matérias-
primas, não possuímos terras suficientes e a nossa população cresce
constantemente. Atualmente, há 1,3 bilhão de pessoas vivendo na China, o que
representa o dobro da população de 50 anos atrás. Em 2020, haverá 1,5 bilhão de
habitantes na China. As cidades estão crescendo, mas, ao mesmo tempo, os
desertos estão se expandindo. A quantidade de terras habitáveis e utilizáveis caiu
pela metade nos últimos 50 anos.

Der Spiegel - Mesmo assim a cada ano a China consolida a sua reputação de terra
maravilhosa da economia.

Pan Yue - Esse milagre acabará em breve porque o meio ambiente não consegue
mais acompanhar tal ritmo. A chuva ácida cai sobre um terço do território chinês,
metade das águas de nossos sete maiores rios está completamente inutilizável,
enquanto um quarto da nossa população não possui acesso a água potável. Um
terço da população urbana respira ar poluído, e menos de 20% do lixo produzido
nas cidades é tratado e processado de forma ambientalmente sustentável.
Finalmente, cinco das dez cidades mais poluídas do planeta ficam na China.

Der Spiegel - Qual a magnitude dos efeitos dessa degradação ambiental sobre a
economia?

Pan Yue - É maciça. Devido ao fato de ar e água estarem poluídos, estamos


perdemos entre 8% e 15% do nosso produto interno bruto. E isso não inclui os
custos com a saúde. Além disso, há o sofrimento humano. Só em Pequim, entre
70% e 80% dos cânceres fatais estão relacionados ao problema ambiental. O
câncer de pulmão emergiu como a principal causa de óbitos.

Der Spiegel - Como a população está reagindo a esses problemas de saúde? As


pessoas se mudam para regiões do país mais saudáveis?

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Pan Yue - Mesmo agora, as regiões ocidentais da China e as áreas ecologicamente
estressadas do país não conseguem mais sustentar as pessoas que nelas vivem. No
futuro, precisaremos transferir 186 milhões de habitantes de 22 províncias e
cidades. No entanto, as outras províncias e cidades só são capazes de absorver 33
milhões de pessoas. Isso significa que a China terá mais de 150 milhões de
migrantes ecológicos, ou, se vocês preferirem, refugiados ambientais.

Der Spiegel - O seu governo não tenta controlar a poluição?

Pan Yue - Sim, e em algumas cidades, tais como Pequim, a qualidade do ar, na
verdade, melhorou. Além disso, as águas de alguns rios e lagos são hoje mais
limpas do que no passado. Atualmente há mais áreas de conservação e algumas
cidades-modelo se focalizam especificamente na proteção ambiental. Estamos
replantando florestas. Aprovamos leis adicionais e regulamentações mais rígidas do
que as do passado e elas estão sendo aplicadas de forma mais rigorosa.

Der Spiegel - Mas os fanáticos pelo crescimento econômico em Pequim ainda


continuarão atuando como antes.

Pan Yue - Eles ainda estão desempenhando o papel de liderança - por ora. Para
eles, o produto interno bruto é o único parâmetro para avaliar a performance do
governo. Mas nós também estamos cometendo outro erro: estamos convencidos de
que uma economia próspera é automaticamente acompanhada de estabilidade
política. Creio que isso é uma grande tolice. Quando mais rapidamente cresce a
economia, mais depressa corremos o risco de enfrentarmos uma crise política caso
as reformas políticas não acompanhem esse ritmo. Se a lacuna entre ricos e pobres
se ampliar, regiões da China e a sociedade como um todo se tornarão instáveis. Se
a nossa democracia e o nosso sistema legal ficarem para trás do desenvolvimento
econômico geral, vários grupos na população serão incapazes de proteger os seus
interesses. E há um outro erro quanto a esse raciocínio...

Der Spiegel - Que erro?

Pan Yue - A idéia de que o crescimento econômico nos fornecerá os recursos


financeiros para lidarmos com as crises relativas ao meio ambiente, às matérias-
primas e ao crescimento populacional.

Der Spiegel - E por que isso não pode dar certo?

Pan Yue - Não haverá dinheiro suficiente, e estamos simplesmente perdendo a


corrida contra o tempo. Países desenvolvidos com uma renda per capita entre
US$8.000 e US$10.000 podem arcar com este custo, mas este não é o nosso caso.
Antes de atingirmos uma renda per capita de US$4.000, diferentes crises, de todos
os formatos, nos atingirão. Não estaremos suficientemente fortes sob o ponto de
vista econômico para superar essas crises.

Der Spiegel - Você defendeu a adoção do chamado produto interno bruto verde. No
que isso implicaria?

Pan Yue - É um modelo que leva em conta os custos do crescimento, como, por
exemplo, a poluição ambiental, e é um tópico que estamos discutindo com
especialistas alemães. Queremos que a performance dos funcionários seja avaliada
não só em termos de crescimento econômico, mas também de como eles resolvem
problemas ambientais e questões sociais.

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Der Spiegel - A sua agência tem autonomia para coibir os crimes ambientais?

Pan Yue - Recentemente cancelamos 30 projetos, incluindo várias usinas de energia


elétrica - uma delas na Represa de Três Gargantas. As empresas envolvidas no
projeto descumpriram a lei ao deixarem de avaliar que efeito os seus novos
investimentos teriam sobre o meio ambiente.

Der Spiegel - Mas houve permissão para que 26 outros projetos tivessem
continuidade. Eles só tiveram que pagar pequenas multas - uma ninharia,
comparado aos bilhões que investiram.

Pan Yue - Infelizmente, isso é verdade. E é por isso que as nossas leis e
regulamentações precisam ser reformadas. Ainda que tenhamos pouco poder,
cancelaremos projetos ilegais, incluindo as economicamente poderosas fábricas de
aço, cimento, alumínio e papel. E ignoraremos as agendas seguidas por autoridades
e companhias influentes.

Der Spiegel - Vários agressores do meio ambiente estão oferecendo muito dinheiro
ou se aproveitam de suas conexões políticas...

Pan Yue - A minha agência sempre se voltou contra a tendência majoritária.


Durante esse processo, sempre houve conflitos com poderosos grupos lobistas e
governos locais fortes. Mas o povo, a mídia e a ciência nos apóiam. Na verdade, a
pressão é para mim um motivador. Ninguém vai me desviar da minha rota atual.

Der Spiegel - A China não possui um movimento ambiental de base. Até o


momento, os cidadãos tiveram poucas oportunidades para contestarem projetos
questionáveis. Os tribunais às vezes sequer aceitam as acusações feitas pelos
cidadãos, e a manifestação oposicionista não é permitida.

Pan Yue - A co-determinação política deve ser parte de qualquer democracia


socialista. Quero que haja mais discussões com as pessoas afetadas. No entanto,
não sou o tipo de pessoa que age no sentido de parecer democrático para o mundo
exterior. Precisamos de uma lei que permita e garanta a participação pública,
especialmente quando se tratar de projetos ambientais. Se for politicamente seguro
se envolver com e ajudar o meio ambiente, todas as partes serão beneficiadas.
Temos que tentar convencer a liderança central quanto a isso.

Fonte
LORENZ, Andréas. O milagre chinês terminará em breve, diz ministro do Meio
Ambiente do país. Der Spiegel, Berlim, 20 mar. 2005.

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