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USO DO PLANEJAMENTO REVERSO EM OFICINAS DIDÁTICAS EM

LICENCIATURA DE CIÊNCIAS EM MANAUS/AM

Saulo Cézar Seiffert Santos, UFAM, sauloseiffert@ufam.edu.br; Aldeniza de Lima Cardoso, UFAM,
aldenizalima@ufam.edu.br

Palavras-chave: prática de ensino; planejamento reverso; saúde.

Contexto da experiência

O curso de Licenciatura em Ciências Naturais em Manaus/AM, propõe-se à


formação de professores para o nível fundamental (6º ao 9º ano) em uma instituição
federal de ensino superior. Na primeira metade do curso, há a disciplina de Prática de
Ensino voltada para o eixo "Ser Humano, Saúde e Sociedade".
A Educação em Saúde e a Literacia em Saúde ainda são objetos de poucas
propostas e pesquisas no campo da Educação em Ciências (ZÔMPERO; CARVALHO;
CRIVELARO, 2022), uma vez que os conteúdos e habilidades nessa disciplina ocupam
o maior espaço nos currículos. Desta forma, os trabalhos devem despertar atenção,
associar dados relevantes e propor assistência, compreensão e promoção da saúde,
bem como estimular uma postura crítica para desfavorecer a desinformação (PERES;
RODRIGUES; SILVA, 2021).
Foram trabalhadas as turmas dos períodos de 2021 e 2022, sendo que a primeira
tinha 8 estudantes e a segunda, 13 estudantes. A idade variou entre 22 e 30 anos. A
disciplina foi ministrada por um professor e uma professora do quadro permanente da
instituição com formação stricto sensu na área de ensino de Ciências.
A disciplina possui objetivo de elaboração de propostas didáticas nas temáticas
de saúde humana, na qual realizaram-se cinco Unidades Didáticas – UD – que
expuseram e refletiram sobre saberes docentes, aprendizagem focada no aluno,
ancoragem, práticas de ciência e engenharia, e planejamento reverso. Foram aplicadas
duas sequências didáticas baseadas no planejamento reverso na temática Genética
Clássica e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), sendo as mesmas,
posteriormente analisadas com as estudantes. As duas últimas UDs focaram na
construção e implementação em sala de aula de um planejamento reverso1 baseado em
Wiggins e McTighe (2019).
Este relato busca refletir sobre as duas oficinas didáticas de construção e
implementação do planejamento reverso, ocorridas nas UDs 4 e 5 nas turmas dos
períodos 2021 e 2022.

Discussão sobre a atividade

As duas edições da oficina (UD04 e UD05) dividiram-se nas seguintes atividades:


aula2 um, com pergunta provocativa (Atividade 1), e sorteio de equipes (Atividade 2);
aula dois, com a construção do estágio um e dois do planejamento reverso (Atividade 3);
aula três, com a construção do estágio três e cartões de atividades e recursos (Atividade
4); e aula 4, com aplicação do planejamento e reflexão sobre pontos positivos e a serem
melhorados (Atividade 5). Todas acompanhadas por entregas e devolutivas via sistema
Google Sala de Aula.
Na UD4 de ambas as turmas, houve a apropriação das atividades já realizadas,
no caso, as sequências didáticas em Genética Clássica e em ISTs. Na nova rodada, da
UD5, houve por parte das equipes modificações das propostas e até criação de novas
propostas, buscando levar as turmas a realizar uma prática de planejar, avaliar, aplicar e
reavaliar.
A prática em ISTs consistiu em realizar uma pergunta sobre o que seria
importante abordar em uma aula sobre saúde humana. Depois, organizou-se um
momento dançante, onde cada aluno recebeu um peitoral com formas geométricas
colantes e, em cada dança com outro colega, trocavam-se símbolos das formas
geométricas colantes do peitoral. Após algumas rodadas de dança, contou-se quantos
1
“A estratégia do planejamento reverso, intitulada originalmente como “Backward Design” pelos
educadores Grant Wiggins (1950-2015) e Jay McTighe, sugere três etapas que devem ser
construídas: identificar os resultados desejados [Estágio 1], determinar evidências aceitáveis [Estágio
2] e, por fim, planejar as atividades [Estágio 3].” Disponível em: D'MASCHIO, A. L. Inverter o
planejamento de aula torna os objetivos de aprendizagem mais claros. Postado em 27 jun. 2022.
Disponível em: https://encurtador.com.br/cwxCV. Acessado em 19 jun. 2023.
2
Cada aula possui 120 minutos, presencial e em laboratório didático com os recursos de impressora
e materiais de expediente.
símbolos cada um obteve, e se estabeleceu uma analogia, na qual cada símbolo
representava uma IST e cada relação de dança associava-se a uma relação sexual sem
proteção contra IST (mediado por cartões de atividade e de recurso). Assim,
relacionou-se como é possível a transmissão de várias ISTs. Posteriormente, realizou-se
uma pequena exposição do tema e uma reflexão sobre se a aula vivida observou os
focos na estudante, na avaliação, na comunidade e no ensino.
Da mesma forma, a prática de Genética Clássica aproveitou a ideia já realizada
nos treinamentos PED com a confecção de bonecos a partir das orientações de cartões
de atividade e recursos, e refletiu-se nos mesmos pontos da atividade anterior. Em
ambas as aulas, houve uma excelente recepção afetiva e conceitual das ideias
planejadas.

Figura 1: Peitoral antes e depois da dinâm Figura 2: Cartão de atividade sobre o registr
dançante sobre ISTs. reflexão das trocas de símbolos.
Fonte: Das pesquisadoras. Fonte: Das pesquisadoras.

Figura 3: Boneco de montagem dinâmica confo Figura 4: Cartão de atividade sobre o registr
sorteio. reflexão dos códigos de características do boneco
Fonte: Das pesquisadoras.

Fonte: Das pesquisadoras.


Com base nas entregas de cada aula, construímos o Gráfico 1, que indica o
desenvolvimento das atividades 1 a 5 por Unidade Didática (UD) e períodos, em função
do aproveitamento de 0 a 1. O valor zero representa nenhum aproveitamento, enquanto
o valor um indica aproveitamento total da atividade, conforme o objetivo da oficina
didática.

Gráfico 1: Aproveitamento das atividades com organização das Unidades Didáticas (UD) 4 e 5 dos
períodos 2021 e 2022 em função da aferição de 0 a 1.

Fonte: Das pesquisadoras.

Percebemos que em cada tarefa nas UDs houve variações entre uma e outra,
sendo as medições da Atividade 4 entre as UDs 04 e 05 e nos períodos de 2021 e 2022
possuem maiores médias (construção do estágio 3 do planejamento reverso), e a
Atividade 5 as menores (aplicação e reflexão). Todavia, os coeficientes de variação das
UDs variaram de 12% a 39%, não sendo médias para comparação estatisticamente
relevantes. Contudo, é interessante observar que:

a) Na primeira atividade, com a pergunta provocadora que foi feita sobre o que é
importante para uma atividade em saúde, na UD04 houveram mais respostas com
entusiasmo na turma 2021, mais baixa adesão de resposta na turma de 2022, enquanto
na UD05, houveram menos - talvez em razão da experiência de aplicá-la;

b) Na Atividade 2, a escolha do tema foi melhor na UD04, e na UD05 da turma


2021 houve uma entrega reduzida, devido a se presumir que poderiam informar o tema
na atividade 3, já na turma 2022 não houve essa falha de comunicação, pelo contrário,
houve melhor entrega da atividade;

c) Na atividade 3, a construção dos estágios um e dois, baseados no


planejamento já aplicado, houve uma melhor apropriação na UD04. Já na UD05, na
busca de realização de propostas mais originais levou ao enfrentamento de dificuldades,
como a coerência entre objetivos e metodologia;

d) Na atividade 4, uma vez finalizados os estágios um e dois, e a construção do


estágio três e seus materiais necessários, houve um avanço sensível na produção com
clareza da proposta;

e) Na aplicação da atividade, houve a percepção da ausência de informações


sobre possíveis estratégias de como aplicar uma atividade planejada e a variação do
tempo que poderia ser desenvolvido. Depois, as próprias estudantes se autoavaliaram
com conceitos entre o razoável e o bom.

Aprendizados gerados

Percebemos com as duas turmas que há a necessidade de vivenciar o


planejamento antes de desenvolvê-lo com as estudantes. A atividade de vivenciar e
avaliar o planejamento reverso com elas, no primeiro momento, contribuiu para uma
visualização inicial não totalmente articulada e, às vezes, abstrata da percepção das
atividades. No momento de construir e aplicar o mesmo, houve a descoberta da
importância de cada estágio e de cada relação entre indicar os objetivos e
compreensões (Estágios 1) e as verificações/evidências e indicadores de aprendizagem
(Estágio 2) em função da sequência didática no Estágio 3.
Houve uma descoberta sobre a possibilidade de ministrar atividades práticas e
conceituais simultaneamente, ou pelo menos, uma atividade de modelagem que
funciona como um pseudo-organizador prévio para criar a partir do conhecimento
anterior relevante para relacionar com os conteúdos de Ciências.
As dificuldades percebidas foram: a necessidade de introduzir e manter a
formação sobre a construção de objetivos com um parâmetro comum entre disciplinas,
pois alguns usavam a Taxonomia de Bloom (SILVA; MARTINS, 2014), enquanto outros
não tinham nenhuma referência.
Houve resistência pela manutenção de um modelo pedagógico de aulas iniciais
teóricas e depois práticas, e com relação ao papel do educador enquanto um expositor
de conteúdos, e não um facilitador da construção do conhecimento. Isso foi recorrente
até o final da disciplina, uma vez que mesmo que os alunos compreendam a
possibilidade didática diversa, há uma tendência de repetir as formas enraizadas
expositivas.
A maior contribuição foi perceber a valorização do trabalho docente no
planejamento reverso, ao reconhecer no educador científico um planejador e um
avaliador das suas atividades. Isso foi uma questão repetida por elas nas reflexões da
atividade 5.
Essa abordagem precisará de refinamentos, especialmente no tocante às
devolutivas individuais, pois houve equipes em que ainda alguns integrantes não
realizaram participação efetiva, e ainda não se desenvolveu um repertório ético
educativo do desenvolvimento profissional, pois alguns ainda não se enxergam como
possíveis professores em formação profissional. Todavia, alguns se aproximaram
rapidamente dessa perspectiva profissional por meio das oficinas.

Referências

PERES, F.; RODRIGUES, K. M.; SILVA, T. L. Literacia em Saúde. Rio de Janeiro:


Editora Fiocruz, 2021.
SILVA, V. A. da; MARTINS, M. I. Análise de questões de Física do Enem pela taxonomia
de Bloom revisada. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.
16, p. 189-202, 2014.
WIGGINS, G. McTIGHE, J. Planejamento para a compreensão – alinhando currículo,
avaliação e ensino por meio do planejamento reverso. 2. ed. (ampliada). Porto Alegre:
Penso, 2019.
ZÔMPERO, A. F.; CARVALHO, A. A. S.; CRIVELARO, B. L. Educação científica e
convergências com a Literacia em Saúde: reflexões para a formação do indivíduo. In:
ANDRADE, M. A. B. S. PECEM: 20 anos de pesquisas em ensino de ciências e
educação matemática. São Paulo: Livraria da Física, 2022. pp. 97-120.

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