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REAPROVEITAMENTO ENERGÉTICO NO PROCESSO DE

PRODUÇÃO DO BIOETANOL: REUSO DA VINHAÇA

A. C. A. GONCALVES1, H. CASSEMIRO1, S. J. M. SILVA1, E. J. de MELO1, J. I. S. da SILVA1


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Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Instituto de Ciência e Tecnologia
E-mail para contato: carlabct@yahoo.com.br

RESUMO – A vinhaça constitui um problema para as indústrias uma vez que ela não
pode ser descartada indiscriminadamente no meio ambiente devido ao seu baixo pH e
alta concentração de sólidos – orgânicos e inorgânicos. A vinhaça deixa a coluna de
destilação a uma temperatura em torno de 105 °C e, portanto, possui potencial energético
que pode ser reintegrado ao processo. Esse trabalho teve como objetivo avaliar o
potencial térmico da vinhaça, visando a otimização da planta de produção de bioetanol.
Foi sugerido a implementação de um sistema de troca térmica para reaproveitamento do
calor da vinhaça no preaquecimento do vinho delevedurado. Esse sistema foi modelado e
utilizou-se o software Excel 2010® para simular o processo. Observou-se que o novo
sistema de recuperação de calor contribui para economia de significativa quantidade de
energia, que pode ser comercializada, constituindo fonte alternativa de receita para a
indústria sucroalcooleira.

1. INTRODUÇÃO
O etanol vem sendo apontado como um dos biocombustíveis mais promissores. O etanol
brasileiro, produzido a partir da cana-de-açúcar, é o biocombustível mais produtivo do mundo hoje,
com 6.000 litros/hectares-ano, a um custo de US$ 0,22 por litro (anidro). Esta produtividade pode
crescer até 14.000 litros/hectares-ano, com o desenvolvimento de novas tecnologias (Linardi, 2010).

O Balanço Energético Nacional de 2014 aponta para crescimento da produção e consumo do


etanol. Este representou 4,7% de toda a demanda energética do Brasil. No setor de transportes, a
participação foi de 14,3%, ficando atrás do Óleo Diesel (46,4%) e da Gasolina (29,4%). O principal
fator responsável pelo aumento de cerca de 20% na demanda vêm da determinação do governo de
aumentar o teor de álcool anidro na gasolina.

A eficiência energética da produção do etanol (a energia despendida para elaborar o produto)


depende do destino dado aos subprodutos do seu processo produtivo (Farrell et al., 2006). Uma
grande vantagem do etanol elaborado a partir da cana de açúcar é que a vinhaça tem efeito positivo
neste balanço. Ao invés de gastar esforços para se tratar este efluente, a vinhaça poderia ser utilizada
nos próximos ciclos como fertilizante ou em um processo de reaproveitamento energético
(Christofoletti, 2013).

A fertirrigação com vinhaça é largamente utilizada nos plantios de cana no Brasil. A vinhaça é
rica em nutrientes minerais e apresenta elevado teor de matéria orgânica, o que justifica sua intensa
utilização na fertirrigação de áreas cultivadas com cana (Szymanski et al., 2010). No entanto, essa
prática deve ser muito bem planejada, uma vez que pode causar salinização dos solos e contaminação
dos lençóis freáticos (Silva et al., 2007).

A biodigestão da vinhaça tem sido outra vertente de pesquisas no reaproveitamento energético


deste resíduo. O processo é dividido em duas etapas. Na primeira, denominada acidogênese, os
compostos orgânicos mais complexos são hidrolisados em ácidos orgânicos mais simples. Na segunda
etapa, denominada metanogênese, os ácidos são convertidos em metano, gás carbônico e outros
ácidos orgânicos. Após estas conversões, o metano pode ser utilizado para produção de energia e a
vinhaça reduzida ainda pode ser utilizada como fertilizante (Szymanski et al., 2010).

Uma alternativa de utilização da vinhaça ainda pouco explorada é o reaproveitamento da sua


energia térmica. A vinhaça deixa a coluna de destilação a uma temperatura em torno de 105°C e,
portanto, possui potencial energético considerável que poderia ser reintegrado ao processo de
produção no preaquecimento do vinho delevedurado, que alimenta a coluna de destilação. Este
processo atualmente é feito utilizando-se vapor de água proveniente de caldeiras que utilizam bagaço
de cana como combustível. O vapor, que antes seria destinado ao aquecimento do vinho, poderia ser
usado no acionamento de turbinas para geração de energia. Uma vez que as usinas sucroalcooleiras no
Brasil são energeticamente autossuficientes, essa energia excedente poderia ser vendida como fonte
alternativa de receita.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade da recuperação do calor da
vinhaça por meio de um sistema de reaproveitamento energético integrado à planta de produção do
bioetanol para preaquecimento do vinho delevedurado.

2. METODOLOGIA
Um diagrama do sistema de reaproveitamento energético da vinhaça, sugerido neste estudo, é
apresentado na Figura 01.
Figura 01 – Diagrama de processo do sistema de aproveitamento energético da vinhaça.

O dimensionamento do trocador de calor foi realizado utilizando o Método da Diferença de


Temperatura Média Logarítmica (DTML) e o dimensionamento da bomba foi conduzido por meio
dos cálculos de Altura Manométrica Total (AMT) e potência requerida. As propriedades da vinhaça,
mostradas na Tabela 01, foram determinadas considerando-se temperatura média de 100°C e 9% de
porcentagem de sólidos totais, de acordo com Larsson & Tengberg (2014). As propriedades do vinho
delevedurado foram obtidas com as médias ponderadas, considerando-se uma composição de 90%
água e 10% etanol e uma temperatura média de 50°C.

Tabela 01 – Propriedades da vinhaça e do vinho delevedurado.

Propriedade Vinhaça Vinho

Cp (J kg-1 K-1) 1270 985,2

ρ (kg m-3) 1112 4032

K (W m-1 K-1) 0,640 0,265

μ (g cm-1 s-1) 0,005 0,006


Além desses cálculos, realizou-se uma avaliação econômia baseada no lucro líquido obtido com
a implantação do sistema proposto. Para isso, levou-se em consideração os custos de aquisição,
instalação e manutenção dos equipamentos e o lucro obtido em virtude da economia de energia no
preaquecimento do vinho. Os cálculos tiveram como base uma usina sucroalcooleira de pequeno a
médio porte, com uma produção de etanol de 3000 L/h, com 5000 horas de operação anual.

Foram utilizados os softwares Microsft Excel 2010, para dimensionamento dos equipamentos e
cálculos da análise econômica, e o Edraw Max (versão livre), para desenho do diagrama de processo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As Tabelas 02 e 03 apresentam os resultados de dimensionamento dos equipamentos bem
como da análise de viabilidade econômica do projeto, respectivamente.

Tabela 02 – Especificações dos equipamentos.

Trocador de calor

Área (m2): 97

Quantidade de tubos: 220

Comprimento dos tubos (m): 5,25

Bombas

Bomba AMT (m) Potência (CV)

1 60,77 11,56

2 29,17 2,43

Na análise de viabilidade econômica, para o cálculo da receita bruta, foi considerada a


economia de energia obtida pela implantação do projeto e o preço atual da venda de energia elétrica
nos leilões de energia no Brasil, que em outubro do ano passado estava em torno de R$ 200/MWh
(Fonte: Abraceel). A base de cálculo utilizada foi de sete meses, relativo ao período da safra da cana
de açúcar.

Tabela 03 – Análise de viabilidade econômica

Custos Fixos

Qtde Item Valor

1 Bomba centrífuga 24 cv R$ 6.000,00

1 Bomba centrífuga 4 cv R$ 3.000,00

1 Trocador de calor R$ 15.000,00

22m Tubulação R$ 4.000,00

- Instalação dos equipamentos R$ 4.200,00

Total: R$ 32.200,00

Pagamento anual*: R$ 6.415,92

Custos variáveis

Manutenção dos equipamentos R$ 12.000,00

Total dos custos: R$ 18.415,92

Receita bruta: R$ 809.068

Receita líquida: R$ 790.652,27


*Valor total dos custos fixos, pago em dez parcelas anuais a 15% de juros.

4. CONCLUSÕES
De acordo com os resultados da análise econômica, a implantação desse projeto implicará na
arrecadação de lucros consideráveis para uma usina sucroalcooleira de pequeno a médio porte. A
venda de energia elétrica para a rede poderá afetar positivamente a distribuição de energia para
residências e indústrias. Estima-se que a venda de eletricidade pelas usinas no ano de 2014 tenha
economizado cerca de 14% da água dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Portanto, a
implantação do sistema proposto nesse trabalho poderá elevar esses números, somando esforços no
combate à crise hídrica no Brasil.

5. REFERÊNCIAS
Christofoletti, C. A; Escher, J. P.; Correia, J. E.; Marinho, J. F. U.; Fontanetti, C. S. Sugarcane
vinasse: Environmental implications of its use. Waste management, v. 33, n. 12, p. 2752-2761, 2013.

EPE. Empresa De Pesquisa Energética. 2014. Balanço Energético Nacional 2014: Ano base 2013.
Disponível em: https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2014.pdf. Acesso em: 05 de
abril de 2015.

Farrell, A. E. Plevin, R. J.; Turner, B. T.; Jones, A. D.; O'hare, M.; Kammen, D. M. Ethanol can
contribute to energy and environmental goals. Science, v. 311, n. 5760, p. 506-508, 2006.

Larsson, E.; Tengberg, T. Evaporation of Vinasse. Göteborg, Sweden: Chalmers University of


Technology, 2014. Dissertação (Innovative and Sustainable Chemical Engineering).

Linardi, M. Introdução à ciência e tecnologia de células a combustível. Art Lieber Editora, São Paulo,
SP. 2010.

Silva, M. A. S. da; Griebeler, N.P.; Borges, L.C. Uso de vinhaça e impactos nas propriedades do solo
e lençol freático. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 11, n. 1, p. 108-114,
2007.

Szymanski, M. S. E.; Balbinot, R.; Schirmer, W. N. Biodigestão anaeróbia da vinhaça:


aproveitamento energético do biogás e obtenção de créditos de carbono–estudo de caso. Semina:
Ciências Agrárias, v. 31, n. 4, p. 901-912, 2010.

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