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Aula 20 – 27 de Setembro de 2023

Prof. Antonio Caminha M. Neto

O teorema do núcleo e da imagem


Resolverei, a seguir, os problemas 6 e 7 da aula 16. Antes, contudo, tenho
alguns comentários.
Eu não deveria ter colocado o problema 6 nas notas. Do jeito que está,
(a)⇒(b) é relativamente simples (usa, essencialmente, a demonstração do
teorema do núcleo e da imagem), e foi por isso que o coloquei (fiz (a)⇒(b)
e, mentalmente, pensei “(b)⇒(a)” também é verdadeiro, logo, vou pedir pra
mostrar que são equivalentes).
Entretanto, (b)⇒(a) é falso! Um contra-exemplo é dado por T : R2 →
2
R tal que T (x, y) = (0, y). Tem-se N(T ) = {(x, 0); x ∈ R} e Im(T ) =
{(0, y); y ∈ R}, logo, N(T ) ̸= Im(T ). No entanto, se W = {(x, x); x ∈ R},
então W é um complemento para Im(T ), tal que T|W : W → Im(T ) é um
isomorfismo.
Ocorre que o problema está “quase” correto, e o enunciado correto seria
o seguinte:

Problema 6. Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita sobre K e


T : V → V é um operador linear. Prove que as condições a seguir são
equivalentes:

(a) N(T ) ≃ Im(T ).

(b) dimK (N(T )) = dimK (Im(T )).

(c) Existe um complemento W para Im(T ), tal que T|W : W → Im(T ) é um


isomorfismo.
1
Ademais, conclua que, nesse caso, dimK (N(T )) = dimK (Im(T )) = 2
dimK (V ).
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Ler e entender a demonstração a seguir é um excelente exercı́cio para


sedimentar boa parte dos conceitos vistos no começo do curso. Entretanto,
se você achá-la muito difı́cil, não se desespere: eu nunca a colocaria numa
prova.

Prova. É imediato que (a)⇔(b).


Suponha, agora, que dimK (N(T )) = dimK (Im(T )) = k. Pelo teorema do
núcleo e da imagem, temos

dimK (V ) = dimK (N(T )) + dimK (Im(T )) = 2k.

Por outro lado, pelo problema pelo problema 5 da Aula 7, temos

dimK (N(T ) + Im(T )) + dimK (N(T ) ∩ Im(T )) =


= dimK (N(T )) + dimK (Im(T )) = 2k.

Assim, sendo l = dimK (N(T ) + Im(T )), temos dimK (N(T ) ∩ Im(T )) = 2k − l.
Como dimK (N(T )) − dimK (N(T ) ∩ Im(T )) = k − (2k − l) = l − k (e
analogamente para dimK (Im(T )) − dimK (N(T ) ∩ Im(T ))), podemos tomar
vetores e1 , . . . , el−k ∈ N(T ), f1 , . . . , fl−k ∈ Im(T ) tais que

N(T ) = (N(T ) ∩ Im(T )) ⊕ Span{e1 , . . . , el−k },


(1)
Im(T ) = (N(T ) ∩ Im(T )) ⊕ Span{f1 , . . . , fl−k }.

Também, como dimK (V ) − dimK (N(T ) + Im(T )) = 2k − l, podemos tomar


vetores g1 , . . . , g2k−l ∈ V tais que

V = (N(T ) + Im(T )) ⊕ Span{g1 , . . . , g2k−l }. (2)

Se W = Span{g1 , . . . , g2k−l , e1 + f1 , . . . , el−k + fl−k }, afirmamos que W é


um complemento para Im(T ) (em V ) e T|W : W → Im(T ) é um isomorfismo.
Para tanto, se mostrarmos que W ∩ Im(T ) = {0} e os vetores em W são
LI, teremos dimK (W ) = (2k − l) + (l − k) = k e (novamente pelo problema
5 da Aula 7),

dimK (W + Im(T )) = dimK (W ) + dimK (Im(T )) − dimK (W ∩ Im(T ))


= 2k − 0 = dimK (V ),

de sorte que W + Im(T ) = V . Mas aı́, V = W ⊕ Im(T ), conforme desejado.


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Para mostrar que W ∩ Im(T ) = {0}, suponha que


2k−l
X l−k
X
αi gi + βj (ej + fj ) = T (u) (3)
i=1 j=1

para algum u ∈ V . Então,


2k−l
X l−k
X
αi gi = T (u) − βj (ej + fj )
i=1 j=1
l−k
X l−k
X
=− βj ej + T (u) − βj f j
j=1 j=1
| {z } | {z }
∈ N(T ) ∈ Im(T )

∈ (N(T ) + Im(T )) ∩ Span{g1 , . . . , g2k−l },


e (2) garante que
2k−l
X l−k
X l−k
X
αi gi = − βj ej + T (u) − βj fj = 0.
i=1 j=1 j=1

Como {g1 , . . . , g2k−l } é LI, segue que αi = 0 para 1 ≤ i ≤ 2k − l. Também,


l−k
X l−k
X
βj ej = T (u) − βj fj ⇒
j=1 j=1
l−k
X
⇒ βj ej ∈ N(T ) ∩ Im(T )
j=1
l−k
X
⇒ βj ej ∈ (N(T ) ∩ Im(T )) ∩ Span{e1 , . . . , el−k } = {0}
j=1

⇒ βj = 0, ∀ 1 ≤ j ≤ l − k
⇒ T (u) = 0,
em que utilizamos (1) na antepenúltima linha. Portanto,
Por fim, para mostrar que os vetores em W são LI, temos de tomar uma
combinação linear da forma
2k−l
X l−k
X
α i gi + βj (ej + fj ) = 0
i=1 j=1
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e deduzir que os αi e os βj valem 0. Isso é um caso particular de (3), logo,


verdadeiro.
Para terminar, mostremos que (c)⇒(b). Sejam n = dimK (V ), k =
dimK (N(T )), k ′ = dimK (Im(T )) e W um subespaço de V tal que W ⊕
Im(T ) = V , com W ≃ Im(T ). Então, dimK (W ) = k ′ e
n = dimK (V ) = dimK (W ) + dimK (Im(T )) = 2k ′ .
Por outro lado, pelo teorema do núcleo e da imagem,
n = dimK (V ) = dimK (N(T )) + dimK (Im(T )) = k + k ′ .
Portanto, k + k ′ = n = 2k ′ , logo, k = k ′ , conforme desejado.
O problema 7 é bem mais simples, mas não é exatamente “fácil”.

Problema 7. Dado um corpo K, mostre que, para cada k ∈ N, existem um


espaço vetorial V sobre K, de dimensão 2k, e um operador linear T : V → V
tal que N(T ) = Im(T ).
Prova. Quando V = K 2 , um pouco de tentativa e erro gera a possibilidade
T (x, y) = (0, x). Realmente, nesse caso, (x, y) ∈ N(T ) ⇔ x = 0, de sorte que
N(T ) = {(0, y); y ∈ K} = {(0, x); x ∈ K} = Im(T ).
Sendo e1 = (1, 0) e e2 = (0, 1), temos T (e1 ) = (0, 1) = e2 e T (e2 ) =
(0, 0) = 0. Portanto, somos levados à construção de um exemplo geral to-
mando uma base {e1 , . . . , ek , ek+1 , . . . , e2k } de V e definindo T : V → V
por
X 2k  X k
T αi ei = αi ei+k .
i=1 i=1
(Preste atenção aos ı́ndices!)
Se W = Span{ek+1 , ek+2 , . . . , e2k }, então a arbitrariedade de α1 , . . . , α2k
dá ( 2k ) ( 2k )
X X
N(T ) = αi ei ; α1 = . . . = αk = αi ei = W
i=1 i=k+1
e, da mesma forma,
( k )
X
Im(T ) = αi ei+k = W.
i=1
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Sistemas lineares
Sejam V e W espaços vetoriais de dimensão finita sobre K e T : V → W um
operador linear. Fixadas bases BV = {e1 , . . . , en } de V e BW = {e′1 , . . . , e′m }
de W , seja [T ]BBW
V
= (aij )m×n .
Dado v ∈ W , consideremos o problema  de encontrar,
 se houver,
  os vetores
b1 x1
u ∈ V tais que T (u) = v. Se [v]BW =  ...  e [u]BV =  ... , sabemos
   
bm xn
BW
que T (u) = v se, e só se, [T ]BV [u]BV = [v]BW ou, ainda, se, e só se,
   
x1 b1

a11 a12 . . . a1n
 a21 a22  x2   b2
. . . a2n 

 = . (4)
  
. . . . . .   ...   ..

 ... ... 
. 
am1 am2 . . . amn xn bm

Portanto, nosso problema se resume àquele de resolver o sistema linear


de equações 
 a11 x1 + a12 x2 + . . . + a1n xn = b1

a21 x1 + a22 x2 + . . . + a2n xn = b2

. (5)

 ..................
am1 x1 + am2 x2 + . . . + amn xn = bm

Em particular, o problema de encontrar o núcleo N (T ) de T equivale àquele


de resolver o sistema linear homogêneo correspondente a (5).
Por outro lado, se u0 ∈ V é tal que T (u0 ) = v e u ∈ V é outra solução
de T (u) = v, então T (u − u0 ) = T (u) − T (u0 ) = v − v = 0, de sorte
que u − u0 ∈ N (T ); reciprocamente, se u − u0 ∈ N (T ), então T (u) =
T (u0 ) + T (u − u0 ) = v + 0 = v, de sorte que

T (u) = v ⇔ T (u − u0 ) = {0} ⇔ u − u0 ∈ N (T ) ⇔ u ∈ u0 + N (T ). (6)

Em termos de sistemas lineares de equações, (6) deixa claro que resol-


ver (5) equivale a encontrar uma solução particular de (5), juntamente com
resolver o sistema linear homogêneo correpondente a (5).
Essa discussão concorda com o fato de que a nulidade de T coincide com
a dimensão do espaço de soluções do sistema homogêneo acima e o posto de
T coincide com o posto-coluna de (aij ).
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Por outro lado, se dim(V ) = dim(W ) (isto é, se n = m), sabemos que T
é um isomorfismo se, e só se, T é injetivo, ou, o que é o mesmo, se, e só se,
N (T ) = {0}. Ademais, nesse caso, temos que [T −1 ]BBVW = (aij )−1 , a inversa
da matriz (aij ).
O que fizemos até aqui evidencia a importância de desenvolvermos métodos
computacionalmente eficientes para:

(1) Resolver sistemas lineares.

(2) Calcular o posto-coluna de uma matriz e a dimensão do espaço de


soluções de um sistema linear homogêneo.

(3) Decidir se uma matriz quadrada A é invertı́vel.

(4) Caso A seja invertı́vel, calcular A−1 .

O propósito desta seção é discutir um tal método para o problema (1),


aplicando-o, em seguida, à análise dos problemas (2), (3) e (4). Tal método
é denominado o algoritmo de eliminação de Gauss-Jordan ou de esca-
lonamento. Começamos com a definição a seguir.

Definição 1. Dois sistemas lineares de equações nas incógnitas x1 , . . . , xn


são equivalentes se possuı́rem exatamente as mesmas soluções.

O lema a seguir coleciona o primeiro conjunto de observações que nos


permitirão implementar o algoritmo de escalonamento.

Lema 2. Dado um sistema linear de equações da forma (5), a execução de


uma qualquer das operações a seguir fornece um sistema linear equivalente:

(i) Permutar duas equações do sistema.

(ii) Multiplicar uma das equações do sistema por um escalar não nulo.

(iii) Trocar uma das equações do sistema pela soma da mesma com um
múltiplo de outra equação.

Prova. Inicialmente, observe que permutar duas equações do sistema não


altera o conjunto das equações do mesmo e, portanto, também não altera
suas soluções.
Por outro lado, ao multiplicarmos a i−ésima equação de (5) por uma
constante α ̸= 0, obtemos um sistema linear de equações em x1 , x2 , . . . ,
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xn que tem as mesmas equações que (5), exceto pela i−ésima equação, que
agora é
(αai1 )x1 + (αai2 )x2 + . . . + (αain )xn = αbi . (7)
Como toda solução de ai1 x1 + ai2 x2 + . . . + ain xn = bi também é solução de
(7) e vice-versa (pois α ̸= 0), concluı́mos que a troca da equação ai1 x1 +
ai2 x2 + . . . + ain xn = bi por (7) não afeta o conjunto de soluções do sistema.
Por fim, suponha que troquemos a i−ésima equação de (5) pela soma da
mesma com α vezes a j−ésima equação, para algum j ̸= i. Então, em (5), a
equação ai1 x1 + ai2 x2 + . . . + ain xn = bi será trocada pela equação

(ai1 + αaj1 )x1 + (ai2 + αaj2 )x2 + . . . + (ain + αajn )xn = bi + αbj ,

enquanto todas as outras equações permanecerão as mesmas. Logo, se a


n−upla (x1 , x2 , . . . , xn ) resolver (5), então teremos em particular que ai1 x1 +
ai2 x2 + . . . + ain xn = bi e aj1 x1 + aj2 x2 + . . . + ajn xn = bj , de maneira que
n
X
(aik + αajk )xk = (ai1 x1 + ai2 x2 + . . . + ain xn )
k=1
+ α(aj1 x1 + aj2 x2 + . . . + ajn xn )
= bi + αbj .

Portanto, a n−upla (x1 , x2 , . . . , xn ) também resolverá o sistema linear de


equações modificado.
Como podemos voltar ao sistema original trocando a i−ésima equação do
sistema modificado pela soma da mesma com −α vezes sua j−ésima equação
(que coincide com a j−ésima equação do sistema original), um raciocı́nio
análogo ao do parágrafo anterior permite concluir que toda solução do sistema
linear modificado também é solução do sistema linear original. Portanto,
a execução da operação (iii) também perserva o conjunto das soluções do
sistema e, assim, fornece um sistema equivalente ao original.

A segunda observação importante para a implementação do algoritmo


de escalonamento é a seguinte: ao afetarmos as equações de (5) de uma
qualquer das operações (i), (ii) ou (iii) do lema anterior, podemos fazê-lo
com o sistema em sua forma matricial (4). Nesse caso, isso é o mesmo que
executar a operação escolhida às linhas da matriz aumentada de (5) (ou
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(4)), isto é, a matriz m × (n + 1)


 
a11 a12 . . . a1n b1
 a21 a22 . . . a2n b2 
 . (8)
 ... ... ... ... ... 
am1 am2 . . . amn bm

O propósito do algoritmo de escalonamento é executar uma sequência de


operações (i), (ii) ou (iii), de forma a obter, a partir da matriz (8), uma
matriz m × (n + 1) na qual:

(1) Cada linha não nula venha antes de todas as linhas nulas.

(2) A primeira entrada de cada linha não nula seja igual a 1.

(3) A coluna da primeira entrada de cada linha não nula tenha 0 em todas
as demais posições.

Uma vez feito isso, diremos que a matriz assim obtida estará em forma
escalonada ou reduzida à forma-escada.
Por exemplo, a matriz
 
1 0 3 0 0 5
 0 1 4 0 0 2 
 0 0 0 1 0 −2  .
 

0 0 0 0 1 3

está em forma escalonada, e podemos utilizá-la para ver porque colocar uma
matriz em forma escalonada é tão útil para resolver sistemas lineares de
equações.
De fato, supondo que chegamos à matriz acima escalonando a matriz
aumentada do sistema linear (5), com m = 4 e n = 5, concluı́mos, a partir
do Lema 2, que tal sistema é equivalente ao sistema linear
 
  x1  
1 0 3 0 0  5
 0 1 4 0 0   x2   2 

 0 0 0 1 0   x3  =  −2  .
    
 x4 
0 0 0 0 1 3
x5
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Escrevendo explicitamente as equações correspondentes, obtemos o sistema




 x1 + 3x3 = 5
x2 + 4x3 = 2

,

 x4 = −2
x5 = 3

o qual pode ser resolvido imediatamente e fornece

(x1 , x2 , x3 , x4 , x5 ) = (5 − 3x3 , 2 − 4x3 , −2, 3),

para todo x3 ∈ K.
Assim, em palavras, podemos dizer que a vantagem imediata de colocar
matrizes em forma escalonada reside no fato de que sistemas lineares (4)
com matrizes aumentadas em forma escalonada podem ser resolvidos por
uma simples inspeção.

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