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1.

O Jantar

– Eu não escondi nada de você, Henrique! É um jantar


com o pessoal do trabalho – Maya tentava controlar a própria
voz para não falar alto ao telefone, pois ainda estava descendo o
elevador do prédio da Ivory.

– Não estou pedindo que me leve com você, Maya,


apenas não entendo por que você não me falou sobre isso antes
– A voz ao telefone respondeu.

Maya esperou a porta do elevador abrir e as três


pessoas que estavam com ela saírem. Andando devagar para se
afastar dos demais que se apressavam em retornar para suas
casas ao fim do expediente, respirou fundo antes de continuar:

– Preciso ir, estou atrasada. Depois nos falamos, amor –


E desligou, sem dar-lhe chance de resposta.

Maya e Henrique se conheceram na faculdade, oito


anos atrás. Os dois eram os únicos bolsistas do curso de
engenharia mecânica e não demorou muito para que se
aproximassem. Desde o princípio Maya fora galanteada por
Henrique que não escondia seu interesse amoroso na moça. Mas
ela estava focada. Num curso onde prevalecia o domínio
masculino ela precisava ser a melhor da turma. Então o
romance ficou para depois.

Somente ao terminar os cinco anos do curso Maya


cedeu aos encantos de Henrique, que não deixou de cortejá-la.

Henrique era um homem apaixonado, isso era


indiscutível. Mas para Maya era diferente. O relacionamento,
para ela, não se tratava de paixão. Ela sequer acreditava nesse
sentimento já que, no auge dos seus 27 anos, nunca havia se
apaixonado por alguém. Isso era irônico, já que costumava
fantasiar com os relacionamentos dos amigos e guardar dentro
de si um sonho vívido de amor verdadeiro. Mas a essa altura já
tinha desistido. Tinha se conformado com a ideia de que o amor
era isso: duas pessoas construindo uma vida juntas, sem nada de
romântico envolvido.

Começara a pensar nisso na adolescência, quando


passou a ver suas amigas desesperarem-se por amores não
correspondidos e términos trágicos. Ela nunca passara por nada
disso. Havia tido namorados, claro, e conseguira aproveitar bem
o tempo que viveu ao lado deles, mas nunca sentiu um terço do
que as amigas costumavam relatar: palpitações, nervosismo,
uma vontade incontrolável de estar na presença do outro. Aos
poucos, convenceu-se de que essa tal de paixão simplesmente
não aconteceria com ela.

Mas seria mentira dizer que ela planejara passar o resto


da vida sozinha, sem viva alma para acompanhá-la no findar
dos anos. Por isso, assim que terminou seus estudos e se viu
menos preocupada com sua vida profissional, deu uma chance
para o homem que a cortejava e que também despertava sua
admiração.

Dizer que Maya não gostava de Henrique também era


uma mentira. Ela o apreciava muitíssimo. Ele era inteligente,
bonito, educado e a tratava com respeito e carinho. Muitas
pessoas pelo mundo afora não têm nada disso em um parceiro,
então ela se sentia sortuda. Mas, apesar de dizer para si mesma
que estava satisfeita, insistia em evitar a companhia do
namorado no máximo de compromissos que podia. Por isso não
o convidara para aquele jantar, mesmo sabendo que devia. Ela
gostava da companhia dele, esse não era o problema. O
problema era que Henrique gostava de manifestar seu apreço
por ela tratando-a como um membro da realeza. Ela até sabia
lidar com isso em particular, mas em público era constrangedor,
pois não fazia ideia de como retribuir de forma convincente.
Maya sabia que estava agindo mal, pois percebia
desapontamento em Henrique toda vez que ela inventava algo
para não sair com ele. Mais tarde pensaria em uma maneira de
se redimir, mas precisava se apressar. Decidida a não perder
mais tempo, dirigiu até sua casa para que pudesse se arrumar e
assim que ficou pronta chamou um carro por aplicativo. Não foi
dirigindo porque planejava beber o quanto conseguisse, na
expectativa de esquecer que teriam uma longa discussão pela
frente quando se reencontrassem.

Vestida de um elegante vestido branco com decote


profundo e seu único par de Louboutin – que guardava para
ocasiões especiais – adentrou as portar do Barontine Restaurant.

Maya era uma mulher bonita. Tinha a pele branca como


leite, cabelos negros e compridos e um adorável par de olhos
castanhos. Não era do tipo que chamava a atenção à primeira
vista, mas que encantava aos que se devam a esforço de pousar
os olhos nela.

Ao ser direcionada à mesa reservada, encontrou quatro


das sete pessoas esperadas: Sabrina, Jorge, Igor e sua esposa.
Sabrina, sua colega de trabalho e amiga íntima, não fora
selecionada para o mais novo projeto da Ivory, como a maioria
ali, mas fizera questão de prestigiar os amigos e colegas. Maya
era grata por isso, já que a presença graciosa da ruiva tornava
qualquer ambiente mais leve.

Igor, por outro lado, era soberbo e arrogante. Maya,


Sabrina e muitos outros funcionários da Ivory o detestavam.
Sua presença só parecia ser apreciada por Jorge, seu melhor
amigo, que era muito mais agradável e gentil.

– Os outros ainda não chegaram? – Maya perguntou ao


sentar-se ao lado de Sabrina.

– Já estão chegando – Respondeu a amiga.


– Não trouxe seu namorado, Maya? – Atalhou Igor.

Maya, pega de surpresa, piscou algumas vezes,


boquiaberta. Já devia ter se acostumado com a falta de
delicadeza do colega de trabalho, mas simplesmente não
conseguia pensar numa resposta apropriada.

– Ah, olha só, o chefe chegou – Anunciou Sabrina,


quebrando o silêncio constrangedor.

Monteiro, o supervisor geral, chegara acompanhado de


Victor, o membro faltante da equipe.

Monteiro era um senhor muito elegante, divertido e


amável. Dotado de uma aparência privilegiada que ainda era
muito perceptível, apesar de já ter sido beijada pelo tempo. O
homem despertava atenção por onde passava. Geralmente,
qualquer um que ousasse caminhar ao seu lado era totalmente
ofuscado pelo charme do homem, mas nem mesmo a beleza de
Monteiro ofuscava o jovem que caminhava ao seu lado. Victor,
rapaz para o qual Monteiro havia escolhido ser uma espécie de
padrinho dentro da Ivory, era de longe o homem mais bonito do
restaurante.

Aproveitando o momento de distração, reação muito


comum em um grupo de pessoas quando Monteiro ou Victor se
aproximavam, Sabrina cutucou o braço de Maya. Se não
estivessem rodeados de outras pessoas, certamente ela também
diria "não olha agora, amiga, mas um deus grego está vindo em
nossa direção". Sabrina sempre fazia essa brincadeira. Em
resposta, Maya apenas revirou os olhos.

Sabrina costumava chamá-los de trindade divina – Igor,


Victor e Jorge. Jorge era o deus da gentileza, ela dizia, Victor o
deus da beleza e Igor o deus dos babacas. Em parte, Maya
concordava.
– Minhas queridas! – Monteiro as cumprimentou,
fazendo uma pequena reverência – Rapazes – Cumprimentou os
outros.

Aquela era uma noite de comemoração, e quando as


bebidas começaram a chegar não demorou para que se
soltassem e se divertissem.

Recentemente, a Ivory vendeu uma inovação para a Sea


Stars Cruzeiros. Tratava-se de um equipamento ultratecnológico
que implantado junto ao motor dos navios prometia reduzir de 8
a 12% o combustível usado em longas viagens. O equipamento
ainda não tinha sido patenteado, mas era informalmente
chamado de TechMarine.

Depois de meses de análise, o TechMarine foi instalado


em um dos cruzeiros, a título de teste. Se tudo ocorresse bem as
empresas fechariam um contrato multimilionário. Para garantir
o sucesso da operação, a Ivory enviaria quatro dos seus
melhores engenheiros para a primeira viagem feita com o
protótipo. Uma viagem de 60 dias à bordo do Pollux Stars, onde
partiriam do Rio de Janeiro, dariam a volta pela América do
Sul, cruzando o Canal do Panamá, e desembarcariam em
Savona, Itália, depois de dezenas de paradas.

Para Monteiro, aquela seria apenas mais uma viagem de


trabalho, mas para os outros seriam os melhores dias de
trabalho de suas vidas, onde poderiam experimentar uma
amostra de férias luxuosas que não tinham a menor
possibilidade de pagar.

– Então, Henrique não vem? – Perguntou Sabrina,


quando a conversa da mesa tornou-se alta o suficiente para
esconder seu sussurro.

Maya respondeu balançando a cabeça negativamente.

Sabrina bufou.
– Meio estranho ele não querer vir ao seu último jantar
antes de partir.

– Na verdade, eu não o chamei.

– O quê? Por quê? – Sabrina não tentou esconder a


confusão em que se encontrava – Eu não entendo...

Maya permaneceu calada, e quando ela pensou em


perguntar uma última vez se algo havia acontecido, o garçom
trouxe as entradas. Logo a mesa inteira começou a participar de
uma só conversa, em meio às taças de vinho bourbon, e Sabrina
desistiu de perguntar. Alguns minutos de conversa depois,
Monteiro pediu para dizer algumas palavras.

– Eu mesmo fiz questão de presentear todos vocês com


esse jantar para que tivessem uma oportunidade de aproveitar a
noite antes da viagem. Espero que estejam se divertindo. Se
estão aqui é porque são os melhores, tenho orgulho de tê-los na
minha equipe e eu tenho certeza de que no fim desses 60 dias,
trarão boas notícias para a Ivory.

Todos levantaram suas taças para brindar e voltaram a


beber.

– E você, minha querida, só não vai com eles porque a


Ivory colapsaria sem você – Completou o velho, voltando-se
para Sabrina.

– Que os deuses me defendam! – A moça ergueu uma


das mãos para o teto – Eu prefiro ser enterrada viva a passar 60
dias em alto-mar. Vocês já leram Moby Dick?!

– Não diga uma coisa dessas – Monteiro gargalhava.

– Estou falando sério, eu tenho medo até de ir à praia.


Maya adorava observar as interações de Monteiro e
Sabrina. Ele era realmente um homem digno e respeitoso, e
costumava tratá-la com um afeto quase paternal.

Enquanto pensava sobre isso, Maya passeava os olhos


pelos colegas do outro lado da mesa. Jorge, fazendo jus ao seu
título, ajudava Évila com o guardanapo que a mesma havia
deixado cair no chão. O rapaz era o mais velho entre os três,
tinha uma pele dourada e olhos castanhos. Sua feição
transpareceria a gentileza da sua alma. Évila compartilhava uma
beleza parecida com a do marido. Ambos tinham a pele negra
retinta e rostos perfeitamente simétricos. Poderiam ser modelos,
Maya pensou. Pena que a falta de noção e arrogância de Igor
tornava-o muito menos atraente para qualquer um que se
dispusesse a conversar com ele por mais de dez minutos.

Victor, por outro lado, era belo não só na aparência


física – e que aparência física! –, ele era alto, moreno e dotado
do par de olhos azuis e queixo quadrado mais sexys que Maya
já havia visto. Além disso sua paixão por esportes lhe fornecia
músculos nos lugares certos. Ele também era educado e gentil,
mas seu principal traço de personalidade era a descontração. Ele
era divertido e tinha uma facilidade absurda em fazer as pessoas
rirem com suas piadas dúbias. Mas tudo isso, claro,
acompanhava uma fama de libertino – era o que diziam as más
línguas.

Apesar de reconhecer a beleza de seus colegas de


trabalho, Maya sentia apenas empatia – ou nojo, no caso de
Igor – por eles. Não havia para ela nenhuma razão para se
aproximar pessoalmente dos colegas homens da Ivory. Igor era
prepotente e arrogante, Jorge era doce, porém entediante, e no
fundo julgava Victor um tanto quanto superficial. Passar o
expediente ao lado deles podia ser divertido, mas qualquer coisa
mais que isso seria um pesadelo.

Algumas garrafas de vinho depois, as pessoas


começaram a se retirar. Sabrina voltou para casa com Jorge,
para a total surpresa de Maya, que anotou em seu bloquinho de
notas mental que deveria perguntar a ela sobre isso depois. E
antes que ela solicitasse um carro para ir embora, foi interpelada
por Victor que se aproximou dela sem que ela percebesse.

– Você vai demorar um pouco para achar um carro


disponível a essa hora, posso te levar em casa – Convidou-a.

– Não foi você quem secou a última garrafa?

– Não sei para onde você estava olhando, mas eu não


bebi uma gota de álcool.

Maya tentou lembrar-se se o que Victor dizia era


verdade, mas deu-se conta de que não havia prestado atenção
em qual bebida o colega havia tomado. Sem pensar muito,
aceitou.

– Mal consigo acreditar que a exatamente quarenta e


oito horas estaremos em alto-mar – Victor disse. Ele não
parecia só querer quebrar o silêncio, parecia apreensivo.

– Eu também não acredito. Parece tão...

– Irreal – Concluíram juntos.

– É, isso – Maya concordou, sorrindo.

– Esse é provavelmente o momento mais importante da


minha carreira e eu só consigo pensar em como deve ser olhar
para todas as direções e só ver o mar.

Maya havia estado muito nervosa com a viagem, mas


não pelo motivo citado por Victor. Sua preocupação era com o
namorado perfeito que insistiria em mandar mensagem todos os
dias e com a sensação sufocante que seu relacionamento
começara a lhe despertar. Ouvir o comentário de Victor a fez
desligar-se por alguns segundos e imaginar a vista do mar.
– Deve ser lindo – Concluiu.

– E assustador – Completou ele.

– Você está dando muita atenção para as histórias de


Sabrina – Disse rindo.

– Gosto das histórias dela. Ela não tem vergonha de


expor seus medos e faz isso de maneira cômica.

Estavam passando por uma rua estreita que estava


bastante escura. Maya virou-se para Victor, detectando uma
expressão pensativa que a surpreendeu. Victor não costumava
ser o cara que refletia sobre as coisas, ele era o cara que fazia
piada sobre elas. E naquele momento ele parecia estar
processando pensamentos tão barulhentos que ela quase podia
ouvi-los.

No milésimo de segundo em que ela percebeu que


talvez estivesse o constrangendo ao fitá-lo daquela maneira, o
telefone dele tocou.

Ele apertou um botão no painel do carro, atendendo a


ligação em viva-voz para não soltar o volante.

– Onde está você, Victor? Preciso entregar o material


para o comprador e você sumiu! – Disse uma voz impaciente
que mal podia ser ouvida pois um barulho de pessoas
conversando e música alta se misturavam à sua voz.

– Puta, merda! Eu estou indo, chego aí em dez minutos.


Enrola ele.

– Está bem, mas não demora, cara.

Enquanto apertava novamente o botão, terminando a


ligação, pediu para passarem em um lugar antes de deixá-la em
sua casa.
– Preciso entregar um pen-drive para um amigo, você
se importaria se eu passasse lá antes de te deixar em casa? Juro
que não vai demorar.

– Tudo bem, não tem problema.

Cerca de sete minutos depois, pararam diante de uma


das maiores boates da cidade. Maya nunca havia estado ali
antes, mas já tinha ouvido falar do lugar.

– Vem comigo, eu só preciso encontrar ele. Vou te


levar até o bar para que não precise esperar dentro do carro.
Não sei se é seguro.

Victor e Maya nunca saíram sem os outros funcionários


da Ivory presentes. Apesar de ser frequente os encontros em
grupo, jamais tinham ficado a sós. Ela o seguiu boate adentro e
ficou ao lado do bar, onde ele pediu para ela esperá-lo, depois
de dizer algo para o barman que parecia conhecê-lo.

Cerca de dez minutos depois, decidiu verificar se


Sabrina tinha chegado bem e, quem sabe, aproveitar para
perguntar o que estava acontecendo entre ela e Jorge já que ela
sempre voltava de carona com Monteiro. Mas, ao invés disso,
se deparou com três ligações perdidas e algumas mensagens de
Henrique. A última podia ser lida, escrita em caixa alta "ONDE
ESTÁ VOCÊ, MAYA???".

Abriu as mensagens que diziam o quanto ele estava


preocupado por não ter conseguido falar com ela e avisando que
iria comemorar o aniversário do amigo Daniel. Maya sentiu um
arrepio na coluna ao lembrar-se de Henrique falando com ela
sobre esse aniversário e convidando-a. Ela negou, claro, pois
teria o jantar. E ela havia negado com a desculpa de que não
gosta de boates, o que era verdade. E que, mais precisamente,
não gostava daquela boate. Estava muito enrascada.
Enquanto analisava a multidão dançante, não se
surpreendeu ao ver os rostos conhecidos de Henrique e Daniel,
depois de alguns minutos de procura. Aquilo não podia estar
acontecendo. Se Henrique a visse ali, não haveria desculpa que
pudesse dar para acalmá-lo, principalmente depois de não tê-lo
convidado para o jantar. Precisava sair dali antes que fosse vista
ou estaria perdida.

Ao virar-se de costas para voltar para o carro esbarrou


na parede musculosa que era o peito de Victor.

– Calma, o que tá rolando? Viu um fantasma? –


Perguntou o rapaz ao deparar-se com a palidez de Maya.

O ambiente estava barulhento e agitado. Maya precisou


gritar para ser ouvida.

– Eu preciso sair daqui!

– Precisa fazer xixi?

– Não! – Ela gritou mais alto, tentando disfarçadamente


encontrar Henrique – Vem, vem, vem! – Agarrou o braço de
Victor e tentou arrastá-lo para longe quando viu que Henrique e
Daniel estavam indo em direção ao bar. Estavam na companhia
de mais pessoas, algumas já conhecidas por Maya por serem
amigas de Henrique, e todas estavam indo pegar mais bebidas.

Maya tentou desesperadamente achar espaço no meio


das pessoas para sair dali, mas haviam muitas pessoas e mesas
ao redor do bar. Além de que ela tinha um homem com três
vezes seu tamanho a acompanhando. Foi ao pensar nisso que
sua mente se iluminou.

– Vou te pedir uma coisa estranha, por favor não me


pede pra explicar agora – Ela disse, dando a volta ao redor de
Victor, ficando atrás dele.
– Mas o que você...

Antes de Victor terminar sua pergunta, Maya envolveu


seus braços nos ombros dele, escondendo o rosto no pescoço do
rapaz.

– Finge que está me beijando.

Victor demorou para responder qualquer coisa, ficando


totalmente imóvel. Então Maya pegou uma das mãos dele e
enlaçou sua própria cintura.

– Por favor, só finge.

Mesmo sem entender o que estava acontecendo, Victor


obedeceu. O homem que geralmente é confiante e brincalhão
estava claramente constrangido. Ele sabia que Maya namorava,
a moça deixara mais que claro para todo mundo. Mas ali estava
ela, pendurada em seu pescoço.

O contato íntimo e inadequado entre ambos fez Maya


sentir-se nervosa. De onde estava, podia até mesmo sentir o
perfume fresco que ele usava e que ela nunca havia notado. E
embora também se sentisse envergonhada, precisava continuar.

– Você pode me explicar o que está acontecendo? –


Victor ousou perguntar depois de alguns segundos,
aproximando sua boca do ouvido de Maya para que ela
conseguisse ouvi-lo em meio ao som alto.

– Ele está aqui – Foi a resposta dela.

– Ele quem?

Ela não respondeu, ao passo que ele discretamente olhou à sua


volta.

– Está bem, vem comigo.


Victor a guiou em direção ao lado de fora na boate,
servindo como proteção entre o alcance visual de Henrique.
Depois de um tempo considerável, conseguiram chegar à saída.

– Era o seu namorado? – Ele perguntou, mesmo


sabendo a resposta, quando já estavam dentro do carro. Maya
não respondeu – Vocês terminaram? – Tentou perguntar
novamente, na expectativa de entender o que tinha acontecido e
satisfazer a própria curiosidade.

– Não! – Ela irrompeu – Quer dizer, não – Disse mais


calma.

– Desculpe-me, estou sendo invasivo.

– Não precisa se desculpar. É só que, é uma situação


complicada e não quero falar sobre isso.

– Como quiser. Posso muito bem fingir que nada


aconteceu, até porque espero que as coisas não fiquem
estranhas entre nós já que você terá de ver minha cara pelos
próximos dois meses – Tentou fazê-la rir, o que quase
funcionou.

– Não se preocupe com isso.

Passaram o restante da viagem em silêncio. Maya


questionava-se se Henrique a havia visto e Victor tentava
entender o que tinha se passado na boate.

– Vai passar a noite sozinha? – Victor a perguntou,


assim que estacionou em frente à casa dela. Maya, ao ouvir a
pergunta peculiar, não conseguiu esconder a expressão
confusa – Ah, não, eu não quis dizer que... não estou
sugerindo... – Ele pigarreou – Só estou preocupado com você.
Maya acabou gargalhando do constrangimento de
Victor. Suas bochechas ficavam vermelhas como pimenta
quando ele estava envergonhado.

– Eu vou ficar bem. Boa noite, Victor. E, obrigada pela


carona – E despediu-se dele com um beijo na bochecha, como
sempre fazia com os amigos. Mas, desta vez, o beijo lhe
pareceu um tanto quanto inadequado.

– Boa noite.

Maya se jogou na cama, sentindo-se o pior ser humano


da terra. Parte dela pensava em terminar seu namoro quase
todos os dias. Seu amigo, Thomás, vivia lhe dizendo que não
fazia sentido estar num relacionamento sem amor. Acontece
que Maya achava que aquilo era amor. Estavam bem,
compartilhavam planos para o futuro, apreciavam a presença
um do outro e ela não tinha a menor intenção de conhecer outra
pessoa. Mas outra parte dela dizia que Henrique merecia
alguém que conseguisse amá-lo com toda a intensidade que ele
a amava, e que ela também merecia sentir isso por alguém.

Mas Maya costumava ignorar esses pensamentos, pelo


menos até muito recentemente. Ela estava feliz, e quando
envelhecesse ao lado de Henrique não se sentiria arrependida de
sua escolha. Mas, nas últimas semanas, estava pensando cada
vez mais em um término. Talvez porque quanto mais ela
percebia que Henrique era um homem incrível, mais achava que
estava estragando a vida dele.

Antes de dormir, ligou para seu melhor amigo.

– Como é que é? Você não o chamou para o jantar? –


Thomás perguntou logo após o questionamento sobre a
noite – Gata, esse relacionamento já passou da data de validade
e se você não perceber isso logo vai acabar com uma
intoxicação alimentar.
Maya não conseguiu segurar a risada, embora não
quisesse concordar com o amigo.

– Essa nem é a pior parte. Tive que me esconder dele.

– Como assim?

– Voltei de carona com o Victor e ele passou na boate


Queen para entregar algo para um amigo. Henrique estava lá
com o Daniel. Eu tinha esquecido completamente.

– Ah, mon chérie, você não consegue enxergar o


problema disso, não é? Você está tão perdida, estrelinha...

Maya não respondeu; era exatamente assim que se


sentia.

– Não ficarei com você esta noite porque estou com o


João, mas amanhã nós passaremos o dia juntinhos, está bem?

– Vou aceitar como uma promessa.

Maya pensou que teria dificuldade para dormir, mas o


álcool a ajudou nisso.

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