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UNIVERSIDADE

DA REDE APAE

AUTISMO E MÓDULO 4
EDUCAÇÃO
INCLUSIVA: A
MEDIAÇÃO
PEDAGÓGICA
Mara Monteiro da Cruz
E-mail: secretariauniapae@apaebrasil.org.br

telefone: (61) 3224-9922


ÍNDICE

04 A tecnologia da informática como ferramenta


de acessibilidade do currículo

25 Questões para reflexão e debate

26 Fórum de debate
PROFESSORES
IZABEL NEVES FERREIRA
MARA MONTEIRO DA CRUZ

A TECNOLOGIA DA
INFORMÁTICA COMO
FERRAMENTA DE
ACESSIBILIDADE AO
CURRÍCULO
• “Foi mais fácil ler e escrever. Quando eu entrei, não sabia
quase nada. No computador, foi ficando fácil. [...] Estou
pensando diferente. Estou aprendendo. Agora está bom
até demais.” (Fala de aluno com D.I. CRUZ, 2004, p. 229)
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1.A tecnologia da informática


como ferramenta de acessibilidade
ao currículo
Quantas vezes não nos surpreendemos quando vemos
crianças pequenas utilizando equipamentos eletrônicos com facili-
dade, sem precisar de explicações? Explicações que, muitas vezes,
os adultos nem saberiam dar. Parece que as crianças “já nascem sa-
bendo” usar os computadores, enquanto nós, adultos, sempre pre-
cisamos de alguma ajudinha, não é mesmo? Por que isso acontece?
A tecnologia da informática, presente nos equipamentos
digitais, mais do que possibilitar novas formas de conhecimento,
traz consigo uma nova ecologia cognitiva. Isto significa que os pro-
gramas e equipamentos eletrônicos são desenvolvidos como tec-
nologia intelectual e provocam modificação em nosso modo de
perceber e pensar sobre os objetos (LÉVY, 1998, p.16).
A informática se encontra em diversos tipos de equipa-
mentos, como nos jogos, telefones celulares, televisores, cartões
eletrônicos e onde mais houver a possibilidade de processar auto-
maticamente a informação digital. Usando estes equipamentos, as
crianças logo descobrem que as tecnologias digitais possuem uma
lógica própria e também uma linguagem, que é a hipermídia, mis-
tura de texto, imagens fixas e em movimento, som, música e ruído,
e, por isso constitui-se em “uma nova linguagem híbrida, mestiça,
complexa” (SANTAELLA, 2007, p.286), produzida pelo ser humano
com o objetivo de expressar e construir sentidos

Achamos que basicamente você assiste à televisão para


desligar seu cérebro, e trabalha em um computador quando
quer ligá-lo (JOBS, 2011, p. 115).

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Além dos equipamentos em si, a tecnologia da informáti-

MÓDULO 4
ca possibilitou a construção de uma rede mundial, a Internet, que
tem modificado a relação das pessoas entre si e até mesmo com
o conhecimento. O chamado ciberespaço é um espaço público,
onde as pessoas podem se encontrar, ou se esconder, passar o
tempo sem nenhuma intenção específica ou realizar aprendi-
zagens formais e informais. Estas novas formas de aprender e
se comunicar produziram novos tipos de leitores. Como afirmou
Magda Soares, diferentes tecnologias de escrita criam diferentes
letramentos (SOARES, 2002), que produzem determinados efei-
tos cognitivos e culturais, provenientes das múltiplas formas e
contextos de interação com a palavra escrita, bem como com o
próprio mundo.

Santaella (2009) analisou os diferentes perfis cognitivos


dos leitores e percebeu que os textos tradicionais, escritos em
papel, bem como as pinturas, gravuras e mapas formaram leito-
res contemplativos, meditativos. Estes leitores geralmente fica-
vam quietos em locais silenciosos, a fim de se concentrarem na
leitura.
Com a Revolução Industrial surgiram meios de comuni-
cação mais ágeis que o livro, como os jornais, com textos mais
curtos e variados. O leitor do jornal, do outdoor e outros cartazes

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impressos pregados pelas ruas precisou acompanhar esta agilida-


de, tornando-se assim um leitor movente (SANTAELLA, 2009). Este
leitor tem menos facilidade de concentração que o leitor contem-
plativo, porque seu cotidiano, principalmente nas grandes cidades,
é inundado por signos: por todos os lados há imagens, palavras,
sinais para serem vistos e decodificados de passagem. Ao contrá-
rio do leitor contemplativo, que ia ao encontro dos livros, o leitor
movente se depara com os signos, que vêm ao seu encontro, onde
quer que ele esteja. Este leitor “precisa esquecer, pelo excesso de
estímulos e falta de tempo para retê-los. Um leitor de fragmentos,
leitor de tiras de jornal e fatias de realidade.” (SANTAELLA, 2009, p.
29).
“A minha mãe pede para eu ir no açougue para começar a
andar sozinha. A minha mãe me deu dinheiro para comprar bife. Eu
perguntei o preço, e a carne que tem e a minha mãe me deu total o
dinheiro, aí eu comprei. Eu vejo tudo na rua: as placas da rua... eu li! Eu
sei ver a placa que não pode botar carros na esquina – aí multa”. (Fala
de aluna de 26 anos, com deficiência intelectual. CRUZ, 2004, p. 48)

Santaella (2009) argumenta que as características deste


leitor, como modificações na atenção, que oscila entre a distração e

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a intensidade da penetração no instante perceptivo, na acelera-

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ção da percepção e na senso-motricidade, prepararam a sensibi-
lidade perceptiva humana para o surgimento do leitor imersivo
ou virtual, típico da cibercultura.
Este terceiro tipo de leitor, o imersivo, navega nos espa-
ços virtuais, usando como interface não mais um objeto manipu-
lável, como o livro, mas uma tela na qual o texto eletrônico é lido
com total liberdade de escolha – no hipertexto, não há rotas pré-
-definidas, é o leitor quem define a sequência com que percorre
os nós e conexões, instaurando um tipo completamente novo
de leitura. A possibilidade de escolha, de definição das rotas de
leitura constitui-se como uma forma de autoria. “O navegador
participa, portanto, da redação do texto que lê.” (LÉVY, 1999, p.
57) O perfil cognitivo do leitor imersivo é caracterizado pela e
formado na interatividade. É um leitor cuja mente é distribuída,
“capaz de realizar simultaneamente um grande número de ope-
rações. Observar, absorver, entender, reconhecer, buscar, esco-
lher, elaborar e agir ocorrem em simultaneidade.” (SANTAELLA,
2009, p. 182).
A existência de diferentes tipos de leitor deve inspirar
práticas pedagógicas voltadas não somente para a tradicional
alfabetização, processo de formação essencialmente de leitores
do tipo contemplativo ou movente, mas também para o letra-
mento digital, contemplado pela educação do leitor imersivo.

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Os jovens não necessitam de ensino formal para aprende-


rem a navegar na Internet, mas este se faz imprescindível para que
muitas possibilidades de aprendizagem na rede se concretizem e
para que desenvolvam uma postura crítica na leitura dos hipertex-
tos, tal como a escola tem se proposto a fazer na leitura dos textos
lineares.

Alfabetização e letramento digital não são processos distin-


tos ou conceitos que se relacionam hierarquicamente entre si, pois
os tipos de leitores – contemplativo, movente e imersivo coexistem
(SANTELLA, 2009).
Apesar de toda a facilidade com que os estudantes utilizam
as tecnologias digitais, o papel do professor não perdeu nem um
pouco de sua importância. O professor precisa exercer o papel de
mediador das aprendizagens, organizando e regulando o ambiente
para que seja rico em possibilidades de interação e experimenta-
ção, o que pode ser chamado de docência online. Além de acom-
panhar e incentivar a participação do estudante, é importante que
fomente o debate, o trabalho colaborativo, favorecendo o desen-
volvimento dos processos de autoria e autonomia.
De acordo com Moran (2000), o professor deve tornar-se
um orientador/mediador da aprendizagem, atuando como media-
dor intelectual, emocional, gerencial e comunicacional e ético (MO-
RAN, 2000).

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A mediação intelectual acontece no apoio à escolha de

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informações importantes, trabalhando para que se tornem signi-
ficativas. Fazer a mediação emocional significa incentivar a tur-
ma, estimular, organizar os limites com equilíbrio, credibilidade,
autenticidade, empatia. Já quando o professor organiza grupos,
propõe atividades de pesquisa, favorece interações, organiza o
processo de avaliação, ajuda a desenvolver todas as formas de
expressão, está agindo como mediador gerencial e comunicacio-
nal. A mediação ética, por sua vez, atende à necessidade de se
vivenciar valores construídos individual e socialmente.
Ensinar e aprender usando as tecnologias digitais envol-
ve estabelecer relações interpessoais e educacionais, ou seja, o
estabelecimento de interações e transações entre os sujeitos e
entre os sujeitos e os “objetos” de aprendizagem. São estas que
suportam, quer a aprendizagem, quer o ensino, e que diferen-
ciam o ato de aprender e o ato de ensinar de um ato mecânico,
socialmente descontextualizado e isolado (QUINTAS-MENDES,
MORGADO & AMARANTE, 2010).
Em uma pesquisa de mestrado, Cruz (2004) trabalhou
durante trinta meses com 15 alunos com deficiência intelectual,
de 19 a 38 anos, em um laboratório de informática. Na primei-
ra fase da investigação foram observadas as aulas, que usavam
softwares infantilizados e instrucionistas, isto é, eram jogos ou
atividades que esperavam do aluno uma resposta certa, sem que
favorecessem uma reflexão sobre o sistema da escrita. Como são
atividades fechadas, também não são contextualizadas nem con-
sideram a realidade dos alunos.
Podemos citar como exemplo, a atividade do software
ABC da Turma da Mônica (Editora Melhoramentos). No Jogo da
Rima havia diferentes questões, como a que solicitava ao aluno
que identificasse a palavra que rimava com RAINHA. Veja na figu-
ra abaixo:

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Os alunos não identificavam que a segunda opção da ativi-


dade era “tachinha”, pois falavam “prego” e clicavam aleatoriamen-
te na resposta, resolvendo a tarefa por ensaio-e-erro, sem refletir
sobre a rima.
Em outra proposta, identificar uma palavra que rimasse com
tambor, alguns alunos ficavam frustrados porque clicavam na 3a
opção, considerada incorreta porque se tratava de uma “tulipa” e
não de uma flor. Isso, porém, não era explicado no jogo, foi dedu-
zido pelas professoras, já que o vocábulo “ tulipa” nem fazia parte
do repertório de nossos estudantes, já que esta flor não é comum
onde moram. E, cá entre nós, tulipa não é flor?

Nos últimos meses da pesquisa, no tempo correspondente


a um ano letivo, a autora desenvolveu, em colaboração com as pro-
fessoras, atividades de produção de texto digital.
A metodologia desenvolvida contava com a participação

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ativa dos alunos, escolhendo o tema das aulas e refletindo sobre

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a escrita a partir de sua manipulação no software Power Point.
Este aplicativo foi escolhido porque já estava instalado no labo-
ratório, não implicando em custo para sua aquisição, e também
porque favorece a produção de atividades totalmente criadas
pelo aluno, com recursos de sua escolha e elementos de sua pre-
ferência, como sons, imagens e cores.
Após um momento inicial, de conversa na roda ou leitura
coletiva de algum material de interesse do grupo, cada aluno es-
colhia o que gostaria de escrever no computador para apresentar
para a turma.
Eles faziam a primeira escrita espontânea, que depois
era refeita com a mediação das pesquisadoras ou das professo-
ras. Esta mediação era feita com base no diálogo, sempre ques-
tionando ao aluno o que ele queria escrever e como ele achava
que deveria fazer isso. O objetivo era levá- lo a pensar sobre a
escrita, pois sabemos que é elaborando hipóteses que se avança
nesta produção.

“A.F. havia digitado, espontaneamente: ‘K AO R XC F EM D’


(apartamento). [...] A pesquisadora perguntou:
- Como é que se escreve A?
- É o A. (digitou a letra A)
- E depois vem o que? A...par...
- É o A de novo?
- É. (A.F. digitou outro A)
- E depois? A... par... ta...
- Outro A não pode!
- Que som você está ouvindo?
- ‘A’ mesmo.
- Então, o que você quer fazer?
- Tem que botar, né? (digitou outro A.)

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- Vamos lá. A...par...ta...men...


- É o E. (A.F. digitou a letra E)
- A...par...ta...men...to. O que falta agora? – a pesquisadora con-
tinuou dando apoio verbal.
A.F. repetiu a sílaba oralmente: ‘to, to..’. Digitou a letra D, dele-
tou, dizendo ‘não é esse.’ Mostrou a letra B para a pesquisadora, per-
guntando : ‘é esse?’
- Fala devagar... Que som você escuta?
- To... to… ‘Tô’ com dor de cabeça. (risos) to... to... Doril! Não,
Doril não. To... to... Já sei! (digita o O). (CRUZ, 2004, p. 110-111)

Observa-se, neste exemplo, que o aluno escreve esponta-


neamente a partir da hipótese pré-silábica (‘K AO R XC F EM D’ =
apartamento), o que justifica também seu questionamento acerca
da repetição da letra na escrita (“É o A de novo?”), através da me-
diação, eles conseguem atuar em sua Zona de Desenvolvimento
Proximal. Então, realiza, ele mesmo, a correspondência som – letra,
identificando os sons vocálicos das sílabas, avançando em direção
à hipótese silábica, mas entra em conflito com a hipótese anterior,
quando diz: “outro A não pode!”. A mediadora o ajuda a lidar com o
conflito, evitando, no entanto, dizer ao aluno o que deve fazer:
“- Que som você está ouvindo”?
- ‘A’ mesmo.
- Então, o que você quer fazer?
- Tem que botar, né? (digitou outro A.)”
O aluno, a seguir, demonstra refletir sobre a língua escrita,
levantando hipóteses para digitar a última sílaba da palavra, “to”.
Neste momento, diferentemente das sílabas anteriores, parece ter
identificado o som da consoante (D? B?), mas demonstra inseguran-
ça e pede ajuda. A mediadora, mais uma vez, “o ajuda a pensar”, pe-
dindo que fale devagar, levando-o a prestar atenção ao que escuta.
“- Fala devagar... Que som você escuta?

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- To... to… ‘Tô’ com dor de cabeça. (risos) to... to... Doril!

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Não, Doril não. To... to... Já sei! (digita o O).”
Como resultado da mediação, surge uma “tempestade de
ideias”, onde o aluno identifica o mesmo som, “to” em outros
contextos, inclusive conseguindo diferenciar, sem ajuda, as síla-
bas “to” e “do” (“Doril não”). Finalmente, a satisfação expressa
pelo aluno (“já sei!”) revela o valor de permitir ao estudante que
realize suas próprias descobertas.
O texto com mediação era produzido em “caixinhas”, a
fim de desenvolver consciência das palavras na frase ou das síla-
bas nas palavras. Após este processo de reescrita nas caixinhas,
os alunos deveriam produzir nova escrita espontânea em outro
slide, a fim de verificarmos se sua hipótese inicial havia sido mo-
dificada.

(Fonte: Cruz, 2004, p. 140, 215)

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EDUCAÇÃO

Depois de produzirem seus slides e de apresentarem para


a turma, o grupo se reunia em roda novamente para avaliar a aula.
Esta estratégia se mostrou muito importante também para estimu-
lar a postura ativa dos alunos em seus processos de aprendizagem.
Para avançar na leitura e escrita, é fundamental se ver como al-
guém capaz de aprender.

“Ao final da atividade, Bi. disse:


- Foi muito interessante aprender. Naquela hora que eu cha-
mei a senhora, eu abri a caixa de texto sozinha. Eu estava aqui sozi-
nha: ‘ai, que saco, não estou conseguindo abrir’. Aí, na segunda vez,
eu consegui fazer sozinha.” (CRUZ, 2004, p. 129)
“- Antigamente, eu escrevia de qualquer jeito, agora estou escreven-
do melhor.” (CRUZ, 2004, p. 124).

Quer saber mais?
Leia o livro “Caminhos das letras”, de Izabel N. Ferreira e
Mara M. da Cruz. O livro pode ser adquirido pelos correios.
Solicite pelo e-mail izabelnferreira16@gmail.com.

Nascimento (2017) investigou o uso da informática na es-


colarização de dois estudantes com autismo, matriculados em uma
escola pública do Rio de Janeiro, nas séries iniciais do Ensino Fun-
damental.
A autora entrevistou os responsáveis pelos estudantes par-
ticipantes da pesquisa e descobriu que eles utilizavam com habili-
dade, fora da escola, aparelhos como telefones celulares e tablets.
Uma professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE)
da escola também foi entrevistada e contou que já tinha trabalhado
com o tablet, com uma aluna com TEA, que só começou a desenvol-
ver a escrita neste suporte:
“Olha, é na verdade... a maioria... os nossos alunos que eu te-

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nho atualmente, eles conseguem trabalhar com o material da sala

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de aula, igual aos outros colegas. Passei obrigatoriamente a neces-
sitar com uma aluna só que... (fala o nome da aluna) que teve um
momento, tem uns dois anos, que ela não escrevia, que não queria
escrever, se recusava e aí teve um projeto do Instituto “tablet na
escola” pros alunos autistas e aí nós recebemos um para ela. Então
esse ano foi assim um ganho porque ela adora, adora joguinho de
celular, adora tátil, adora computador, na casa é a coisa que chama
a atenção dela, atividades que ela consegue se interessar, e aí nós
passamos: tudo era colocado no tablet, ela fazia, depois a gente
imprimia pra professora ter e pros responsáveis. Então foi um ano
assim que a gente usou como coisa necessária. Os outros não. Às
vezes a gente trabalha uma produção de texto, uma ortografia nos
computadores, mas como uma atividade assim, diferente, enten-
deu? Mas não que tenha essa coisa de só não escrever ou por não
conseguir, por não ter interesse, né? Graças a Deus eles conseguem
trabalhar assim (NASCIMENTO, 2017, p. 88).

Percebam que a professora considera o recurso da Infor-


mática como algo “diferente” dos recursos comumente utilizados
na escola, apesar de que, em nossa sociedade, este é um recurso
bem comum e de fácil acesso aos alunos, como as mães haviam
dito. Temos aí um exemplo do que Vigotski (1995) enfatizava
como “a importância de se promover o desenvolvimento cultural
da pessoa com deficiência”, tendo em vista de que é na cultura
que se desenvolvem as possibilidades de compensação dos dé-
ficits que precisa enfrentar. Além disso, é no meio social que pri-
meiramente se desenvolvem as funções psicológicas superiores,
em interação com pessoas mais experientes e com a mediação
dos instrumentos culturais.
Assim como outras crianças e jovens de sua geração, es-
tudantes com TEA parecem compreender a linguagem digital,

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navegando intuitivamente em seus dispositivos, onde interagem e


aprendem com permanente motivação.
Na pesquisa de Nascimento (2017), no entanto, a professo-
ra da sala de aula informou, na entrevista, que não usava recursos
tecnológicos em sala de aula respondeu:
“Porque eu não tenho um aluno que precise assim de um tra-
balho diferenciado. Porque você vê o (cita o nome do aluno com TEA)
acompanha e entende tudo que eu falo. Ontem até a Cet Rio veio fazer
um trabalho aqui e viu. Ele fala espanhol e sabe como é que ele está
aprendendo a falar espanhol? Pela televisão... desenho em espanhol.
Ele é inteligentíssimo, aquele menino. Ele conversou com a garota em
inglês, ele não está num curso... só jogando pela internet ele sabe falar
inglês; agora... (NASCIMENTO, 2017, p.92)

É uma contradição o fato de a escola não se apropriar des-


ses instrumentos com o objetivo de enriquecer o processo de en-
sino-aprendizagem, sintonizando-os com a cultura contemporânea.
Por outro lado, é importante considerar que a instituição escolar,
na maior parte das vezes ainda é administrada por adultos que não
têm familiaridade e consideram novas as tecnologias digitais, uti-
lizando-as apenas como um acessório de luxo desenvolvido para
projetos especiais - o que nos parece ser o caso do relato da pro-
fessora. O currículo escolar, por este motivo, ainda é o mesmo de-
senvolvido para as gerações pré-digitais (CRUZ, 2013).
Compreendemos, porém, que seria necessário um investi-
mento da escola para familiarizar os professores com uso destas
tecnologias. Santaella (2009) destaca três grupos de usuários da
tecnologia:

* o experto: aquele sujeito que encontra com facilidade


tudo o que necessita na rede;
* o leigo: não domina, mas circula na rede, conseguindo

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fazer algumas buscas;

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* o novato: não conhece a rede e, por isso, a utiliza de
maneira muito limitada. Anderi e Toschi (2012) afirmam
que geralmente os professores encontram-se no nível
de leigo a novato, o que nos parece a ir de encontro
com a afirmação de Cruz (2013), sobre o currículo ser
desenvolvido para as gerações pré-digitais.

A familiaridade com a tecnologia diz respeito não somen-


te aos programas, mas também aos próprios dispositivos. Em um
primeiro momento, na realização das atividades, os alunos tive-
ram dificuldades em usar o mouse, no computador disponível na
escola. Foi disponibilizado, então, para a pesquisa, um notebook
com tecnologia touchscreen que, assim como os smartphones e
tablets, permite ser acessado apenas com o toque dos dedos na
tela. É uma característica da tecnologia da informática a rapidez
com que os aparelhos se tornam obsoletos.
Nascimento desenvolveu, em parceria com a professo-
ra do AEE, atividades utilizando o Power Point, tal como Cruz
(2003), mas abordando os conteúdos curriculares, visando tor-
ná-los mais acessíveis para dois alunos com TEA.
As atividades de leitura e interpretação de textos foram
elaboradas a partir de um livro paradidático1.

(Fonte: NASCIMENTO, 2017)

1 REIS, Lucia. A esquisita aranha Rita. SP: Editora Paulinas, 2008.

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EDUCAÇÃO

Para a apresentação das atividades, Nascimento (2017)


seguiu as orientações do Guia Change para elaboração de textos
acessíveis (CHANGE, s/d), que faz algumas recomendações, como:
utilizar frases curtas e claras, uma fonte limpa e que não seja de-
senhada com um tamanho mínimo de 14 pontos, usar tons pastéis
para fundo de tela; e para as gravuras: as imagens devem represen-
tar aquilo que está escrito e serem preferencialmente alinhadas a
esquerda da tela.
Atualmente, outra pesquisadora desenvolveu um guia de
adaptação de textos, compilando as orientações que constam em
publicações de diferentes países.

(MARQUES, 2018)

Assim, as histórias foram digitalizadas e os enunciados das


questões foram digitados com letras em caixa alta (maiúscula) sem

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desenhos e com uma fonte limpa. Além das frases escritas, foram

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disponibilizados os mesmos enunciados em áudio. Todas estas
medidas são importantes para favorecer o acesso aos conteúdos
escritos para quem possui dificuldade na aprendizagem da lín-
gua escrita.

(Tela da atividade desenvolvida por Nascimento (2017) a partir do livro de


Reis (2008)2

Mesmo nas atividades de matemática, houve o cuidado


com o tipo e a disposição das imagens, de forma que estas ilus-
trassem o texto de forma clara e objetiva, dando apoio ao racio-
cínio do estudante. Além de o fato da contextualização favorecer
a associação de ideias, tornando o problema mais “concreto”,
foram utilizados recursos gráficos. Por exemplo, na atividade
ilustrada a seguir, os alunos deveriam riscar as bolas que teriam
que ser retiradas do conjunto para dar ideia da operação de sub-
tração.
2 A reprodução das imagens deste livro foi autorizada pela autora
da obra e pela editora Paulinas.

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EDUCAÇÃO

Fonte: Nascimento (2017)

Foram feitas, também, na pesquisa, adaptações de ativida-


des do material didático, seguindo as orientações para a elaboração
de textos acessíveis e com as vantagens dos recursos do computa-
dor, como a interatividade e os recursos de customização de acordo
com as necessidades e interesses de cada estudante. As figuras a
seguir mostram a atividade inicial, no livro didático, e a elaborada
no PowerPoint, contextualizada a partir de um livro paradidático.

Atividade apostila SME/RJ – 2º. ano/2º. bimestre/pag. 62

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MÓDULO 4
Atividade de adaptada a partir da história ‘Bolo fofo’, de Mary França.
Editora Ática.
Além das atividades no Power Point, Nascimento (2017)
também utilizou atividades educativas e disponibilizadas em si-
tes na internet para trabalhar os conteúdos que estavam sendo
abordados pela professora regente em sala de aula. Apresenta-
dos no computador, os mesmos conteúdos curriculares aborda-
dos em sala de aula pareciam despertar imediatamente e com
maior intensidade o interesse dos estudantes.

Jogo Forma PALAVRAS – www.escolagames.com.br

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EDUCAÇÃO

A pesquisadora observou que as medidas de acessibilidade


variam de aluno para aluno, ainda que todos tivessem o mesmo diag-
nóstico de TEA. Por exemplo, um dos estudantes sentia-se incomoda-
do com o som das atividades (efeitos sonoros de transição dos slides),
por isso este foi desabilitado durante sua utilização. O outro partici-
pante, pelo contrário, não demonstrava desconforto algum e acessava
tais recursos sonoros com frequência. Além disso, comandos simples,
histórias curtas, cores atraentes, imagens explicativas e fontes aumen-
tadas parecem ter despertado o interesse de ambos, favorecendo que
a concentração dos alunos permanecesse nas tarefas até concluí-las, o
que não acontecia quando estavam diante do livro didático.

Azaleia (a professora), observando de longe, ao final da ati-


vidade (no computador) ficou animada dizendo que ele (o
estudante) rendeu em trinta minutos o que não conseguia
render a semana inteira, seja na sala de aula ou na SRM.
(NASCIMENTO, 2017, p. 119)

O aluno que chega hoje à escola, e dentre os quais o que tem


diagnóstico de autismo, não é um leitor contemplativo, ou seja, aquele
que consegue se concentrar em lugar calmo e silencioso, tampouco o
movente que segue a sequência de um livro ou do material didático
disponível, ele é um leitor imersivo, que navega pelo ciberespaço em
busca daquilo que é interessante para ele. Seu comportamento pode
parecer um tanto inquieto e seu olhar não direcionado, mas ele sabe
exatamente aquilo que deseja conhecer.

Pesquisadora: Ele faz uso dessa tecnologia sozinho


ou acompanhado por alguém?

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Mãe: Sozinho.

MÓDULO 4
Pesquisadora: Sabe fazer tudo?
Mãe: Sabe
Pesquisadora: Ele sabe escrever o nome que ele
quer do vídeo que ele quer...
Mãe: Ele não sabe não. Ele aperta um botão lá
que eu nem sabia que tinha ele aperta e fala:
“- vídeo tal” Ai vai lá sozinho e consegue.
Pesquisadora: Ah, ele usa o mecanismo de bus-
ca por voz?
Mãe: Isso. Eu nem sabia que tinha. E no dia que
eu comprei o tablet. Ele ligou sozinho sem eu
mexer e eu falei: “- caramba, ele sabe mexer
mais do que eu.” Aí ele mexeu, ele ligou, ele fez
o que tinha que fazer e... sozinho. (NASCIMENTO,
2017, p.93)

Nascimento (2017) constatou que, ao realizarem as ativida-


des no computador, as crianças não apresentaram as dificuldades
de comportamento observadas na sala de aula, como ficar rodo-
piando, se jogar no chão ou arremessar materiais. A autora concluiu
que isto se deve ao interesse deles pela atividade, que favoreceu
que se mantivessem atentos.

“Com a educação se pode desenvolver e potencializar, ensinando es-


tratégias, o que se chama de inteligência. As estratégias e o processo
de aprendizagem são mais importantes que o conteúdo. A atenção, a
memória, a comunicação e a observação devem ser ensinadas como
se fossem disciplinas iguais à matemática, à história,...Saber pergun-
tar, a quem perguntar, quando perguntar e como perguntar fazem

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EDUCAÇÃO

parte da autonomia do “aprender a aprender”. Os ritmos e os conteúdos


da aprendizagem não se processam de forma retilínea, uniformemente
acelerada, somatória e linear. A aprendizagem não é um tiro de fuzil, mas
sim um vôo de borboleta” (CUOMO et al., 1997).

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QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DEBATE

MÓDULO 4
Pesquise e descreva uma atividade de leitura e escrita, na qual
seja utilizada a tecnologia do computador. Não se esqueça de
relatar, principalmente, como você acha que deve ser feita a me-
diação.

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EDUCAÇÃO

FORÚM DE DEBATE

Poste no fórum e opine sobre as postagens dos colegas.

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