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IMAGINOLOGIA

Josiane Maria Thomé


Panorama histórico,
fundamentos básicos e
introdução à radiologia
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever os acontecimentos históricos que levaram ao uso das téc-


nicas radiológicas.
„„ Listar o uso da radiologia dentro e fora da imaginologia.
„„ Diferenciar radiação ionizante e não ionizante e suas aplicações.

Introdução
A radiologia é uma área importante, que abrange diversas técnicas que
utilizam radiação. A descoberta da radiação e de seus usos, no final do
século XIX e início do XX, resultou em grandes avanços na medicina, agri-
cultura, odontologia, veterinária e indústria. Na medicina, por exemplo, a
radiologia possibilita o diagnóstico por imagem, bem como o tratamento,
o acompanhamento e a prevenção de doenças.
Neste capítulo, você vai estudar a história da radiologia, conhecendo
os principais acontecimentos que marcaram o seu desenvolvimento.
Além disso, vai ver como as técnicas radiológicas são empregadas em
diferentes áreas e vai ter uma noção geral do que são as radiações ioni-
zante e não ionizante.
2 Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia

História da radiologia
No dia 8 de novembro de 1895, na tentativa de bloquear o efeito da luminosidade
externa sobre a fluorescência que emanava naturalmente de um novo tipo de tubo,
denominado de Crookes-Hittorf, o físico alemão Wilhelm C. Röntgen colocou
o tubo dentro de uma caixa de papelão e escureceu o ambiente. Ao fazer isso,
notou, espantado, que uma cartolina com platinocianeto de bário, colocada a
alguns metros do aparelhamento, fosforescia no escuro. Alguma coisa estava
sendo emitida pelo tubo, pois, ao desligá-lo, a fosforescência desaparecia.
Röntgen começou então uma série de experimentos que duraram semanas,
procurando entender a natureza do fenômeno. Sendo assim, testou colocar
vários objetos entre o tubo e a cartolina e percebeu que todos ficavam com
aparência transparente. Sua maior surpresa, porém, foi quando sua própria
mão escorregou para frente e ele pode ver seus ossos no papel.
A partir desse momento, a humanidade podia observar o interior do corpo
em um organismo intacto, por meio daquilo que foi, por muitos anos, conhecido
pelo nome de seu descobridor: o roentgenograma.
Röntgen registrou essas imagens em seus estudos e somente em período
posterior percebeu que estava diante de algo novo. Em 28 de dezembro de
1895 ele entregou à Sociedade Físico-Médica de Wurzburg, um relatório
preliminar da descoberta, descrevendo a pesquisa que fizera nas sete semanas
anteriores, na qual os objetos se tornavam transparentes diante de raios ainda
desconhecidos — motivo pelo qual ele chamou esses raios de raios X.
Em 1901, Röntgen foi laureado pela descoberta com o primeiro Prêmio
Nobel da Física. Posteriormente, por sua importância histórica, seu nome foi
dado como o elemento número 111 da tabela periódica.

Röntgen descobriu os raios X por acaso — sobre isso parece não haver dúvidas. De
qualquer forma, não se sabe qual foi o acidente que proporcionou essa descoberta
e em que momento exato ela ocorreu pela primeira vez. É difícil imaginar que, no
primeiro arranjo experimental, ele tenha realmente envolvido o tubo com a cartolina.
O que, de fato, ele esperava ver atravessando a cartolina, será que era mesmo o raio
X? Seria possível alguém abordar aquela quantidade de aspectos fundamentais de
um fenômeno totalmente desconhecido em questão de meses, por mais genial que
seja? Acidente ou não, o fato é que a repercussão da descoberta foi de tal ordem que,
com justiça, ele recebeu o primeiro Prêmio Nobel de Física.
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Röntgen seguiu suas investigações com outros colegas, em países diversos.


Em dado momento, enquanto investigava a capacidade de vários materiais de
pararem os raios X, ele colocou uma peça de chumbo em posição enquanto
ocorria a descarga do tubo; com isso, viu pela primeira vez uma imagem
radiográfica. Seis dias depois de radiografar a mão de Anna Bertha Röntgen,
sua esposa, ele apresentou seu achado aos colegas da Universidade de Wur-
zburg, na Alemanha.
A imprensa noticiou o fato com destaque em 5 de janeiro de 1896. Logo
que ocorreu a descoberta, todos queriam ver o seu próprio esqueleto através
dos raios X — um exemplo é a radiografia a mostrada na Figura 1, da mão do
neurocientista Albert von Kölliker. Nesse mesmo ano os médicos adotaram a
novidade, pois, graças a essa descoberta, poderiam observar ossos quebrados e
órgãos doentes dentro do corpo humano, por meio de imagens. Logo a técnica
também seria utilizada nos tratamentos do câncer, o que causou na sociedade
uma reação de deslumbre.

Figura 1. Uma das primeiras imagens de radio-


logia com humanos.
Fonte: Tokus (2014, documento on-line).
4 Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia

Rapidamente, o americano Thomas Alva Edison inventou um instru-


mento com uso de telas fluorescentes, que permitia ver as radiografias sem a
necessidade de revelação de filmes. Entretanto, o verdadeiro risco da radia-
ção continuou sendo ignorado em sua utilização, mas rapidamente as lesões
provocadas pelos raios X começaram a surgir. As primeiras vítimas seriam
os próprios operadores dessas máquinas, pois sofriam exposições repetidas
a quantidades grandes. Por esse motivo, vários acabaram perdendo as mãos.
Conforme relata Alan Bleich (1960), a radiografia passou a ser objeto de
curiosidade e até de preocupação, pois invadia a privacidade do corpo humano,
oferecendo uma representação fotográfica inestética do corpo.

Marcos históricos da radiologia


O francês Pierre Curie e a polonesa Marie Curie (cujo nome de solteira era
Marya Sklodowska), foram notáveis pesquisadores e, juntos, formaram o
famoso casal Curie. Marie se interessou por trabalhos do físico Antoine H.
Becquerel quando estava em busca de um tema para sua tese de doutorado e,
a partir daí, o casal iniciou uma pesquisa pela origem das radiações, que fora
anteriormente observada por Becquerel com o minério de urânio.
Para melhor observar esse minério, o casal se instalou em um lugar úmido
dentro da Escola de Física e Química de Paris com alguns instrumentos de
detecção, incluindo um que fora construído pelo irmão de Pierre, Jacques.
Com a utilização de seu novo piezoeletrômetro, o casal conseguiu medir efeti-
vamente as radiações, podendo afirmar que eram uma propriedade intrínseca
do elemento urânio. Descobriu ainda que a intensidade era proporcional à
quantidade de urânio, não dependendo de uma combinação química na fase
de agregação e nem de condições exteriores.
Outra descoberta do casal foi que o urânio não era o único elemento que
apresentava essa propriedade, pois os sais de tório também eram emissores de
radiação. Como resultado desse trabalho, nasceu o estudo do famoso fenômeno
da radioatividade. Por essas descobertas, Becquerel, Pierre e Marie Curie
foram vencedores do Prêmio Nobel de Física de 1903.
As pesquisas realizadas por Marie Curie resultaram ainda na descoberta
de mais dois novos elementos químicos: o polônio, que foi nomeado assim
em homenagem ao país natal de Marie, e o rádio. As pesquisas realizadas
pelo casal Curie foram de extrema importância para a humanidade, pois eles
foram percursores do tema e deixaram um legado para a pesquisa científica
e médica. Além do resultado direto de suas pesquisas, eles foram inspiração
para muitos cientistas que estudaram posteriormente esses assuntos.
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Com a morte de Pierre, em 1906, Marie Curie não parou seus estudos sobre
radioatividade, mas seguiu, principalmente, na linha de estudo de técnicas de
uso da radiologia para aplicações terapêuticas. Em consequência disso, em
1911, mais uma vez recebeu um Prêmio Nobel, mas dessa vez de Química,
devido a suas pesquisas com o uso do elemento rádio, sendo a primeira pessoa
a ganhar o Prêmio Nobel duas vezes. Em atitude totalmente altruísta, optou por
tornar públicas suas descobertas, não patenteando o processo de isolamento
com uso do elemento rádio, permitindo que investigação das propriedades
pudessem continuar por toda a comunidade científica.

Em um período da história em que a ciência era totalmente dominada por homens,


Marie Curie fez importantes descobertas, que foram uma revolução na história da
ciência. Ela se tornou a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel e a primeira pessoa
a receber dois Prêmios Nobel — sendo, até hoje, a única mulher a ter recebido dois
prêmios.

Marie Curie ainda fundou o Instituto do Rádio, situado em Paris, local onde
se formaram diversos e importantes cientistas, reconhecidos no mundo inteiro
por suas contribuições cientificas. Em 1922, Marie Curie também se tornou
membro da Academia de Medicina. Seu falecimento, em 1934, foi uma perda
inestimável à comunidade científica, mas o seu legado já era concreto. A causa
da sua morte está associada à uma leucemia, provavelmente provocada pela
exposição aos elementos radioativos que tanto estudava em suas pesquisas.
O legado de Marie não acabou com seu falecimento. Sua filha Irène Joliot-
-Curie, totalmente inspirada pela mãe, trabalhou com o seu marido, Frédéric
Joliot, na análise de campos da estrutura dos átomos e em física nuclear, estu-
dando as estruturas de nêutrons. Assim descobriu a radioatividade artificial,
feito que lhe rendeu também um Prêmio Nobel de Química, 1935.
Expondo um pouco mais da história da radioatividade, a Agência Inter-
nacional de Energia Atômica (Iaea) nos mostra aonde ocorreram alguns fatos
considerados “acidentes”. Veja a seguir.
6 Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia

O projeto Manhattan
Em carta enviada ao presidente Franklin Roosevelt em agosto de 1939, o
conhecido físico Albert Einstein, ganhador do Prêmio Nobel de Física de
1921, afirmava que os Estados Unidos deveriam priorizar o desenvolvimento
de uma bomba baseada em energia nuclear, antes que os alemães a fizessem.
Dessa forma, em outubro de 1939, o presidente resolveu custear uma pesquisa
atômica por meio do Advisory Committee on Uranium. Em fevereiro de 1940,
um contrato foi assinado para iniciar a construção de em reator nuclear na
Universidade de Columbia.
Na Universidade de Chicago, Arthur Compton observava o progresso
da pesquisa com grande interesse, pois tinha por objetivo estabelecer um
laboratório de pesquisa em física atômica naquela universidade. Usando seus
contatos com importantes cientistas, Compton assegurou a participação da
Universidade de Chicago nessas pesquisas pioneiras sobre energia nuclear.
Nesse mesmo ano, surgia o Projeto Manhattan, que tinha por objetivo
desenvolver e construir armas nucleares. O projeto recebeu esse nome pela
ligação que tinha com o Distrito de Engenharia de Manhattan, e, principal-
mente, pelo fato de toda a pesquisa inicial desse projeto ter sido realizada
nesse distrito, situado na cidade de Nova York.
O sucesso do projeto não demorou e, em julho de 1945, no estado do Novo
México, no meio do deserto, a cerca de 100 km da cidade de Alamogordo,
região habitada apenas por formigas, aranhas, cobras e escorpiões, a primeira
bomba atômica da história, conhecida como Gadget, foi detonada. A compo-
sição da bomba era de duas porções pequenas (bolas) de plutônio, cobertas
por níquel; em seu centro, havia berílio e urânio. O que ativava a explosão
eram explosivos convencionais.
Esse foi o início do desenvolvimento da indústria nuclear, e foi um marco
histórico na Segunda Guerra Mundial.

Bomba de Hiroshima e Nagasaki


Em agosto de 1945, em Hiroshima, Japão, um avião americano soltou uma
bomba atômica denominada Little Boy, alusão a Franklin Roosevelt. Ela tinha
3,2 metros de comprimento, 74 centímetros de diâmetro, pesava 4,3 toneladas
e tinha uma potência equivalente a 12,5 mil toneladas de TNT, porém era
provido de uma bala de apenas 2,26 kg de 235U. Quando as duas peças se
encontram, ocorre uma reação em cadeia. Pelo intenso calor e ocorrência
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de diversos incêndios, Hiroshima foi totalmente destruída e mais de 90 mil


pessoas morreram.
Após três dias dessa destruição, um novo avião atacou Nagasaki. A bomba
utilizada, chamada de Fat Man, em alusão a Winston Churchill, consistia em
dois hemisférios de plutônio unidos por explosivos convencionais, tinha 3,25
metros de comprimento e 1,52 metros de diâmetro e pesava 4,5 toneladas. O
ataque resultou em mortes imediatas de mais 40 mil pessoas. As consequências
não foram maiores porque o terreno montanhoso acabou protegendo o centro
da cidade.
Os estragos materiais foram menores do que os de Hiroshima, porém,
12 horas após o ataque, era visível fogo em Nagasaki há mais de 320 km de
distância. Nagasaki, na verdade, era o objetivo secundário, pois foi atingida
porque as condições meteorológicas de Kokura, alvo principal, impediriam
que os efeitos destrutivos da bomba fossem verificados.
Até o final do ano de 1945, houve mais de 145 mil mortes em Hiroshima
e mais de 75 mil mortes em Nagasaki. Além disso, milhares de pessoas so-
freram os efeitos devastadores da radiação, que causa ferimentos sérios. Em
consequência, muitas mortes, além do nascimento de bebês com má formação
genética, ocorreram nos anos seguintes.
A grande maioria das vítimas afetadas pelas bombas atômicas eram civis.
Aquelas que estavam mais próximas do epicentro das explosões foram inci-
neradas imediatamente, enquanto as que estavam mais distantes receberam a
radiação em altas doses, o que provocou mortes dolorosas. Ainda hoje, mesmo
muito tempo após o ataque com as bombas nucleares, os sobreviventes sofrem
com as lembranças dos ataques.
Assim como as pessoas, as estruturas físicas das duas cidades sofreram
consequências gravíssimas com a radiação, e o meio ambiente também foi
inteiramente afetado. A ação americana foi considerada por alguns como uma
demonstração desnecessária de crueldade contra a população civil japonesa.
O governo dos Estados Unidos justificou alegando que essa era a forma mais
rápida de encerrar de uma vez por todas a Segunda Guerra Mundial.

O acidente nuclear de Chernobyl


Em na madrugada de 26 de abril de 1986 ocorreu em Chernobyl, na Ucrânia,
o acidente nuclear mais grave de toda a história mundial. A explosão de um
dos quatro reatores da usina nuclear lançou na atmosfera uma nuvem radio-
ativa gigantesca, que atingiu a parte oeste da antiga União Soviética — hoje
os países de Belarus, Ucrânia e Rússia — e todo o norte e centro da Europa.
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Três dias após a explosão, nenhum comunicado ainda havia sido feito pelo
governo soviético a respeito do acidente nuclear em Chernobyl. As autorida-
des soviéticas somente assumiram o ocorrido após o governo da Suécia ter
detectado altos níveis de radiação no Sul de seu país.
Um satélite americano varreu a região da Ucrânia, encontrando uma usina
com o teto destruído e o reator ainda em chamas, com fumaça vertendo do
interior. Mikhail Gorbachev, então presidente, demorou 18 dias para comentar
o acidente, só fazendo isso em maio de 1986. O total de mortos diretamente
relacionado ao acidente foi de 31 pessoas, devido a sua participação direta no
combate aos incêndios. Outros 237 trabalhadores foram hospitalizados com
sintomas da exposição, e muitas dessas vítimas apresentaram queimaduras
e outros tipos de lesões. Com base em dados oficiais, estima-se que mais de
8,4 milhões de pessoas foram expostas à radiação.
Mais de 40 radionuclídeos diferentes escaparam do reator em consequência
do incêndio nos primeiros 10 dias após o acidente, entre eles elementos e
compostos altamente voláteis, como iodo, sais de césio e estrôncio. O césio
radioativo foi o mais perigoso, tendo contaminado uma região entre 125.000
e 146.000 km2.
Com uso de helicópteros, foram jogadas toneladas de uma mistura de areia,
argila, bicarbonato de cálcio, magnésio, boro e chumbo sobre os reatores.
Após o incêndio ser controlado, a unidade 4 do reator foi selada com aço e
concreto. Apesar disso, essa estrutura não é resistente e, atualmente, há planos
para sua reconstrução.
Além das mortes diretas, houve um aumento contínuo no número de casos
de câncer, principalmente os de tireoide, em especial nas pessoas que eram
crianças ou jovens na época do acidente. O problema ocorreu por falta de
tempo hábil para a distribuição de comprimidos de iodeto de potássio, que é a
melhor maneira de evitar a presença de iodo radioativo na tireoide. O atraso na
administração dos comprimidos foi causado pela demora no aviso do acidente
por parte do governo. Os comprimidos foram distribuídos a tempo na Polônia
e em outros países da Europa, fazendo com que nesses lugares o número de
casos de câncer relacionados ao acidente de Chernobyl tenha sido desprezível.
O material radioativo segue presente no solo da região, por isso, outra
consequência seríssima e presente é a radioatividade distribuída pelo efeito
de chuvas e derretimento da neve, erosão pelo vento, incêndios na floresta e
transporte pelos rios.
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As lições com o acidente foram numerosas, incluindo a segurança do


reator e administração em caso de acidentes severos, critérios de intervenção,
procedimentos de emergência, comunicação, tratamento médico das pessoas
irradiadas, métodos de monitoramento, processos radioecológicos, supervisão
da região e da agricultura, informação pública, e muitos outros.
Esse acidente também mostrou que, provavelmente, um acidente nuclear
grave teria implicações não só no local, mas também poderia afetar, direta
ou indiretamente, muitos países no entorno. Muitos países foram induzidos a
estabelecer planos de emergência, nas áreas científicas e técnicas, junto a novas
pesquisas com relação à segurança nuclear, especialmente no gerenciamento
de acidentes nucleares sérios. De qualquer forma, a comunidade internacional
demonstrou a capacidade de aprender lições extraídas desse evento, de modo
que estará mais bem preparada para lidar com desafios futuros dessa natureza.

O acidente radioativo de Goiânia


Em 13 de setembro de 1987, uma cápsula de césio, abandonada dois anos antes
nos escombros do antigo Instituto Goiano de Radiologia (IGR), desativado
depois de sofrer uma ação de despejo, foi removida por dois sucateiros, violada
e vendida como ferro-velho. Entre essa retirada e a descoberta do fato por
especialistas, dezenas de pessoas conviveram com material radioativo com
alta periculosidade de contato.
Atraídos pela luminescência de cor azul do elemento sal do Césio-137,
muitas pessoas, entre adultos e crianças, tiveram contato e distribuíram o
material. Os principais sintomas dessa contaminação eram náuseas, vômitos,
tonturas e diarreia, que já podiam ser percebidos logo nas primeiras horas
após a contaminação. As pessoas contaminadas procuraram farmácias e
hospitais, sendo, inicialmente, medicadas como vítimas de alguma doença
infectocontagiosa.
Somente no dia 29 de setembro os efeitos biológicos puderam ser identi-
ficados como característicos da síndrome da radiação. Alguns pacientes já
tinham sido recebidos pelo Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia (HDT),
e um dos médicos consultou a Secretaria de Saúde de Goiás, cabendo ao
físico Walter M. Ferreira, que ali trabalhava, dar o alarme. Ferreira obteve da
agência local da NUCLEBRÁS um cintilômetro e foi até a sede da Vigilância
Sanitária, onde uma peça da cápsula tinha sido posta sobre uma cadeira, e o
medidor confirmou a hipótese. Ali estava a origem de tudo. Com essa evidência
se desencadeou uma grande operação para tratar as pessoas contaminadas.
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Por fim, ocorreram quatro mortes diretas de pessoas, amputação de braço


em uma pessoa e contaminação em mais de 200 pessoas, com efeitos incal-
culáveis — um encadeamento de fatos que resultou na contaminação de três
ferros-velhos e diversas residências, além de muitos locais públicos. Foi preciso
remover todos os traços da radioatividade dos locais contaminados, e esse
procedimento foi realizado com sucesso, sob a supervisão de funcionários da
Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Uso da radiologia na imaginologia


A radiologia utiliza a radiação em benefício da população, e uma das grandes
áreas que se beneficiam do uso de radiação e material radioativo é a medicina.
Um dos principais ramos na área da saúde para diagnóstico é a medicina
nuclear, que utiliza a cintilografia óssea. Esse exame é uma das grandes
tendências atuais, pois pode ser considerado como uma das técnicas mais
eficientes para a obtenção de diagnóstico de patologias por uso de imagens,
como, por exemplo, para a descoberta de câncer. Tais avanços evoluem, sig-
nificativamente, a precisão dos exames de diagnóstico por imagens e, por
consequência, a área médica. São importantes inovações o avanço do uso de
radionuclídeos e de radiação ionizante voltada à medicina.
O exame de cintilografia tem o poder de avaliar o funcionamento fisiológico
de algumas estruturas, diferentemente de outras técnicas, como exames de
raio X, tomografia computadorizada, ultrassonografia e ressonância magné-
tica. Seu objetivo é visualizar toda a anatomia, mostrando más formações ou
patologias. Esses exames geralmente empregam a chamada câmara gama, que
detecta a radiação proveniente de substâncias radioativas, que são previamente
ingeridas pelos pacientes. As substâncias ingeridas são atraídas pelos órgãos,
e assim é possível detectar possíveis alterações no funcionamento de órgãos,
em qualquer grau de estágio, dos mais iniciais até os mais avançados.
Na área médica, o uso da radiologia para tratamentos foi iniciado pela
radioterapia, que utilizava a aplicação do elemento rádio para destruir células
cancerosas. Em sua evolução, outros radioisótopos começaram a ser utilizados,
que apresentaram um rendimento ainda maior do que o do rádio.
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O uso terapêutico da radiação apresenta muitas vantagens, mas também


exige muitos cuidados e normas de radioproteção, que devem ser seguidas
para que haja uma limitação de dose nos tecidos sadios presentes, evitando
possíveis danos. Essas normas servem para garantir que os benefícios da
radiação não tragam aos pacientes efeitos e toxicidades durante os tratamentos.
O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) mostra como
a radiologia está dividida em especialidades nem sempre ligadas à área de
imaginologia para diagnostico ou tratamento. Vejamos algumas delas a seguir.

Radioesterilização
A esterilização por radiação ionizante é uma técnica altamente eficiente, que
vem sendo utilizada para minimizar a imunogenicidade, matar bactérias e
reduzir o risco de transferência de doenças contagiosas em todos tipos de
materiais biológicos transplantáveis (pele, osso, âmnion etc.).
A radioesterilização também vem sendo utilizada na área alimentícia,
na eliminação de bactérias e fungos. Nessa área é preciso haver um grande
cuidado, pois a radiação usada para matar todo e qualquer tipo de fungo e
bactéria é de alta potência. O problema dessa técnica é que ela eleva o preço
dos alimentos; por outro lado, a durabilidade dos alimentos aumenta em 1/3,
em muitos casos.

Radiologia industrial
A radiologia industrial é utilizada como método de inspeção, com emprego
de radiação ionizante em processos industriais, principalmente para controle
de qualidade de produtos (como peças, placas e soldas), ou em serviços de
segurança, como em portos, e aeroportos e aviões.
Em processos industriais, a aplicação de radiação em peças possibilita
inspecionar, conforme a penetração da radiação, se elas possuem falhas no
seu processo produtivo, como você pode visualizar na Figura 2. Em serviços
de segurança, o raio X é utilizado para identificar cargas indevidas em ae-
roportos e portos.
12 Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia

Figura 2. Acelerador de elétrons e Gammacell inspecionando


peças na indústria.
Fonte: Brasil (2007, documento on-line).

Radiologia ambiental
É muito utilizada no tratamento de solos. Utilizando radionuclídeos, a técnica
aumenta a conservação do solo, ajudando no controle de erosões e da qualidade
de nutrientes. Os radionuclídeos são uma ferramenta poderosa para avaliar a
eficácia das medidas de conservação do solo. Segundo a Agência Internacional
de Energia Atômica (AIEA), o uso dessas técnicas pode melhorar a agricultura
sustentável, pois minimiza a degradação da terra.

Radiologia odontológica
A radiologia odontológica auxilia dentistas na saúde bucal, sendo o método de
diagnóstico por imagem mais efetivo e preciso disponível para a odontologia.
É utilizada, por exemplo, para diagnosticar lesões, fraturas ósseas, dentes
supranumerários e dentes inclusos, permitindo o planejamento, para a melhor
intervenção cirúrgica, e o acompanhamento. Acompanhe um exemplo de
emprego da radiologia odontológica a Figura 3.
Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia 13

Figura 3. Exemplo de raio X panorâmico buco facial.


Fonte: mkarco/Shutterstock.com.

Radiologia veterinária
A radiologia veterinária tem uso, principalmente, em exames de diagnóstico,
para acompanhamento e tratamento de patologias em animais, que podem ser
de pequeno e grande porte. Exemplos de uso são a tomografia computadori-
zada, a ressonância magnética e o raio X. A radioterapia também é uma área
importante dentro da medicina veterinária, porque o câncer é a causa mais
comum de morte de animais pequenos com mais de 10 anos. Veja na Figura
4 um exemplo de raio X em uso veterinário.
14 Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia

Figura 4. Exemplo de raio X em uso veterinário.


Fonte: PRESSLAB/Shutterstock.com.

Radiologia médica
Na medicina, as radiações são utilizadas para a realização de diagnósticos,
o controle e o tratamento de doenças. Ela permite a visualização de ossos,
órgãos ou estruturas por meio do uso de radiações ionizantes e não ionizantes.

Radiação ionizante e não ionizante

Radiação ionizante
As radiações ionizantes são ondas eletromagnéticas de frequência elevada com
capacidade de arrancar elétrons de átomos ou moléculas e, ainda, de produzir
íons. Elas possuem energia suficiente para produzir ionização mediante ruptura
dos enlaces atômicos.
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Conforme Oliveira e Mota (1999), os efeitos da radiação irão depender da


quantidade e da qualidade da radiação incidente e da natureza do material com
a qual ela está interagindo. Os autores classificam as radiações ionizantes em
diretamente ionizante e indiretamente ionizante. São consideradas diretamente
ionizantes todas as partículas carregadas (alfa, beta, prótons, íons pesados
etc.), pois produzem ionizações ao perder energia. Nas radiações indireta-
mente ionizantes (raios X, raios gama e nêutrons), a energia é transmitida
para a matéria por meio das ionizações produzidas pelas partículas carregadas
secundárias, geradas pela radiação primária.
A radiação ionizante penetra de acordo com o seu tipo e energia. As par-
tículas alfa e beta possuem massa e carga elétrica relativamente maiores do
que as dos raios X e raios gama, porém são facilmente barradas. As partículas
alfa podem ser barradas por uma folha de papel, e as partículas beta penetram
apenas alguns milímetros do tecido humano, sendo barradas até por uma placa
de madeira com, no mínimo, 2,5 cm de espessura. Os raios X e raios gama
possuem alto poder de penetração, sendo barrados apenas por grossas placas
de chumbo ou paredes de concreto.
De todas as ondas eletromagnéticas, somente os raios X e gama são ra-
diação ionizante, porque possuem energia suficiente para ionizar átomos.
Os fótons de raios X e gama perdem toda ou quase toda energia quando entram
em interação com átomos, ejetando elétron e ionizando átomos até pararem.
Os fótons, ao interagirem, podem não perder energia, pois não existe
uma forma de blindá-los — esse é um dos motivos porque é necessário haver
proteção radiológica. Cada país tem um órgão que regula o uso das radiações,
adequando às normas internacionais. No Brasil esse órgão é a Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
No final do século XIX, com o uso das radiações ionizantes em medicina,
foram percebidos efeitos da radiação na saúde humana. Tais efeitos foram
identificados, principalmente, a partir de situações nas quais o homem já se
encontrava exposto. Esses efeitos decorreram de exposições às radiações sem
uso de proteção, e foram pouco estudados. Recentemente, novos estudos estão
sendo realizados para entender os efeitos, e a expectativa é que surjam novos
conceitos a respeito dos efeitos biológicos das radiações ionizantes.
16 Panorama histórico, fundamentos básicos e introdução à radiologia

Radiação não ionizante


As radiações ultravioletas (UV) são consideradas radiações não ionizantes,
pois não possuem energia suficiente para interagir com os elétrons dos prin-
cipais átomos que constituem o corpo humano, como hidrogênio, oxigênio,
carbono e nitrogênio.
Segundo o site do INCA, a radiação não ionizante é uma modalidade de
radiação de baixa frequência e baixa energia, também denominada de campo
eletromagnético, que se propaga através de uma onda eletromagnética, consti-
tuída por um campo elétrico e um campo magnético, podendo ser provenientes
de fontes naturais e não naturais.
Os campos eletromagnéticos são divididos em dois principais tipos:

1. Campos eletromagnéticos de frequência baixa: são ondas de rádio,


ondas de rede elétrica e equipamentos eletrônicos.
2. Campos de radiofrequência ou micro-ondas: são emitidos por tele-
fones celulares, antenas de telefonia, transmissores de rádio e TV, luz
elétrica, fiação elétrica em construções, equipamentos que emitem
radiação infravermelha e redes Wi-Fi.

A exposição do homem a radiações não ionizantes significativas no tra-


balho ocorrerá em atividades profissionais realizadas próximas aos sistemas
elétricos de grande potência por um longo período de tempo, como em locais
próximos a geradores ou cabos de força. As maiores exposições geralmente
ocorrem entre soldadores e eletricistas.
Essas exposições à radiação não ionizante aumentaram muito nos últimos
anos, principalmente com o aumento de uso de equipamentos tecnológicos
eletrônicos, e devem ser observadas, pois, comprovadamente, têm efeito de
produzir uma estimulação em nervos e músculos e até de afetar processos bio-
lógicos. Por esse motivo, a exposição a campos eletromagnéticos de frequência
baixa podem aumentar o risco de câncer nas pessoas.
Para dirimir esses riscos, existem medidas de controle físico e administra-
tivo, como os programas de proteção individual e os exames de acompanha-
mento médico periódico. Esses controles têm por objetivo manter os níveis de
exposição dos trabalhadores dentro dos padrões estabelecidos pelas normas.
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Hoje a principal fonte de radiação eletromagnética não ionizante ao ser


humano é a radiação solar, emitida pelo sol, que gera uma radiação UV. Seu
nível de emissão varia de acordo com fatores ambientais, como época do
ano, latitude, horário, posição de nuvens, poluição atmosférica e neblinas.
Para reduzir a exposição natural a essa radiação, é aconselhado usar roupas
de proteção e filtro solar, e evitar a exposição ao sol das 10 h e 16 h, horário
de maior radiação de raios UV. Profissionais diariamente expostos à radiação
solar estão sob maior risco de câncer de pele.

Mesmo à sombra, uma pessoa pode estar exposta às radiações UV emitidas pelo sol.
Existem superfícies, como pisos e areia da beira da praia, que são refletoras dessa
radiação, principalmente, as de cores claras, superfícies metálicas ou reflexivas. As
zonas do corpo que mais sofrem com essa exposição e, por consequências, apresentam
maior risco à saúde, são a pele e os olhos.

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