Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
II
Para se ler um texto escrito é preciso, antes de tudo, saber decifrar o que
está escrito. No mundo, ainda há vários sistemas de escrita que ainda não
foram decifrados (disco de Faistos, linear A, Maia, escrita de Mohenjo-Daro, da
Ilha de Páscoa, etc. (Jensen, 1970; Cagliari, 1987)). Ao tentarem uma
decifração, os cientistas começam a fazer hipóteses sobre o sistema,
procurando qualquer evidência que os ajude a ir, aos poucos, descobrindo tudo
o que precisam saber para ler este sistema de escrita. Esse foi o trabalho
realizado por muitos sábios que, nos últimos duzentos anos, decifraram muitos
sistemas antigos de escrita, como o egípcio, o cuneiforme, o linear B, etc.
(Doblhofer, 1962).
1 Meu objetivo, neste texto, é discutir fatos e não teorias. Sinto-me, portanto, à vontade para
dizer o que penso. Mas sei, também, que não existe análise sem teoria por trás, definindo o
ângulo pelo qual se comenta os fenômenos. Neste caso, há toda uma orientação lingüística
de minha formação.
2 Uma vez que pretendo, apenas, comentar certos fatos da aquisição da leitura e da escrita por
crianças na alfabetização e não, discutir teorias ou interpretações diferentes, não faço, aqui,
uma revisão da literatura a respeito do assunto tratado. A curiosidade do leitor, porém, será
recompensada, se este se dispuser a realizar essa tarefa, uma vez que há muitos trabalhos
interessantes a respeito, sobretudo os da linha cognitivista, socio-interacionista ou do chamado
”construtivismo”.
35
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
Uma pessoa qualquer que vive no meio urbano, mesmo sendo uma
criança, logo percebe que a escrita é uma realidade do mundo em que vive. Ao
tentar entender melhor como a escrita é, essa pessoa começa a fazer
especulações a respeito do uso desse objeto e de sua estrutura interna e
organização externa, como, aliás, faz com qualquer coisa do mundo que queira
conhecer.
Assim como o cientista anda por vários caminhos até chegar à verdade e
decifrar um sistema de escrita antigo, assim também, uma criança envereda
por muitos caminhos, até chegar a descobrir o que precisa saber para decifrar
e ler o nosso sistema de escrita e poder escrevê-lo adequadamente.
O sábio progride à medida que compara o que já fez com uma nova
descoberta. A criança procede da mesma maneira. Por essa razão, é
importante que as descobertas parciais já feitas sejam explicitadas, registradas,
para que possam ir se constituindo em elementos com os quais as pessoas
vão construindo o seu conhecimento a respeito do objeto que investigam e
estudam.
III
36
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
IV
37
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
alunos, esse ”caminho” até que é ”suave” no começo, mas depois, quando
acaba a cartilha e se vêem na situação de terem de lidar não apenas com
elementos já dominados, como na cartilha, mas com o novo e desconhecido,
então, não sabem mais progredir, aprender, e a escola, que parecia tão
organizada, torna-se uma enorme confusão para essas crianças. Aquilo que
parecia tão organizado na cartilha, torna-se um caos fora dela e o aluno,
geralmente, não tem mais a quem recorrer.
Por outro lado, aquele aluno que tem seu espaço para revelar suas
hipóteses, através de sua iniciativa, em trabalhos escolares, parece, no
começo, em meio a um enorme caos. Mas, aos poucos, vai aprendendo a
organizar seus conhecimentos e a adequá-los à realidade e, aos poucos, tudo
vai achando seu lugar e sua razão de ser, de tal modo que esse aluno acaba
aprendendo não só o que deve, em termos de conteúdo, mas também aprende
a aprender: aprende como ele, do jeito que é, deve fazer para construir seus
conhecimentos. A escola precisa se preocupar antes com a aquisição do
processo de aprendizagem e depois com os resultados obtidos pelas crianças.
Alfabetizar pelas cartilhas (isto é, pelo BABEBIBOBU) é desastroso e,
quando o aluno aprende e progride nos estudos, faz isto apesar da escola.
Para outros alunos, o método é catastrófico e sem solução para os seus
problemas, dificuldades e perplexidades, ao tentarem construir os seus
conhecimentos na alfabetização.
VI
38
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
39
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
VII
40
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
VIII
41
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
42
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
IX
43
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
(spelling), quando quer esclarecer seu interlocutor que não o entendeu ou não
sabe escrever o seu nome. Um falante de português, por outro lado, é levado a
dizer a palavra silabando-a. Falantes não alfabetizados são levados, em geral,
a repetir a palavra como um todo, confiando na semântica e não na fonética.
As pessoas ouvem um indivíduo, querendo saber como se escreve uma
palavra, perguntar: ”‘cachorro’ se escreve com X? ‘úmido’ se escreve com H?”
ou, se estiver em fase de alfabetização: ”‘cachorro’ se escreve com CA de
‘caneca’? ‘hoje’ se escreve com O de ‘homem’?”, etc. Isto não ocorre só na
escola; ocorre também em casa, no trabalho, enfim, onde se precisa escrever.
O modelo da escola fica na vida. Esses modos de se referir ao sistema de
escrita, impregnados na cultura, revelam métodos de alfabetização e processos
de uso do conhecimento sobre a escrita e a leitura que as pessoas usam na
sociedade. A maioria das crianças, quando entram na escola para se
alfabetizarem, já tomaram contato com este tipo de comportamento alguma vez
em sua vida e, não raramente, esperam que a escola faça exatamente isso
(mais do que as crianças, seus pais têm essa expectativa e tudo que é
diferente, parece inadequado).
XI
Apesar da sílaba ser uma unidade fonética muito evidente e saliente para
qualquer falante, a linguagem não é só sons; é também significados. Por isso,
algumas crianças, além de aprenderem que se escreve com letras e que as
letras representam consoantes (articulações) e vogais (sonoridades), escrevem
apresentando problemas de segmentação. Aqui também, será a ortografia
quem irá dar a palavra final. A complexidade e a riqueza deste assunto, como
tópico de pesquisa, pode ser visto em trabalhos de Abaurre (1989a, 1989b).
XII
44
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
Uma outra perspectiva apoiada no caráter alfabético das letras e que leva
alguns alunos a escreverem errado é a observação da própria fala, quando a
fala apresenta formas lexicais diferentes daquelas contempladas pela
ortografia. Isto se deve, basicamente, à variação lingüística, ou seja, ao modo
como se dizem as palavras em diferentes dialetos. É o caso do aluno que fala
DRENTU, PRANTA, PATIO, PSICRETA e tem que escrever ”dentro”, ”planta”,
”patinho”, ”bicicleta” e assim por diante. O mesmo se aplica a questões de
concordância: ele diz: OZOMI TRABAIA, UZLIVRU, NOIZ VAI... e tem que
escrever: ”os homens trabalham”, ”os livros”, ”nós vamos”.
XIII
XIV
45
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
XV
46
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
XVI
47
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abaurre, M. B. (1989a) Oral and written texts: Beyond the descriptive illusion of
similarities and differences. Mimeo, inédito.
3 A própria autora tem dito e enfatizado que seu trabalho não resulta num método de
alfabetização. Mas, como ela o chama de ”psicogênese da leitura e da escrita” e trabalha
numa linha piagetiana construtivista, fica muito fácil para seu leitor concluir que, se aquilo
que ela diz é a maneira natural como as crianças adquirem o conhecimento da leitura e da
escrita, seguindo as várias etapas e estágios mostrados pelas suas conclusões de
pesquisa, então, esse é o caminho que a escola deve seguir. De fato, apesar dos protestos
da autora, muitos professores alfabetizadores viram, no trabalho de Emília Ferreiro, não
apenas uma pesquisa acadêmica, mas uma proposta metodológica de alfabetização e
relutam muito, ou mesmo ficam muito frustrados, quando ouvem que ”devem seguir Emília
Ferreiro”, mas ”sem o seu método, porque ele não existe”.
4 O construtivismo piagetiano não é a única teoria psicológica a querer explicar a gênese do
conhecimento. Há outras teorias psicológicas (filosóficas e lingüísticas), com propostas
muito diferentes. O trabalho de Emília Ferreiro, seguindo o construtivismo piagetiano, é uma
hipótese que tenta interpretar os dados colhidos e observados, de determinado modo,
procurando aplicar à realidade assim configurada uma das várias teorias psicológicas sobre
o conhecimento. O construtivismo tem se mostrado uma boa teoria em muitos casos e,
desde Piaget, tem evoluído, enfatizando, mais recentemente, o lado social e interacionista,
onde o conhecimento é algo compartilhado já na sua construção e não se reduz apenas a
uma tarefa solitária do indivíduo.
48
Alfabetização e Letramento: Perspectivas Lingüísticas
Cagliari, L. C. (1988) A leitura nas séries iniciais. Leitura: Teoria & Prática, 12:
4-11, ano 7, dezembro. P. Alegre: ALB.
Jensen, H. (1970) Sign, Symbol and Script. London: George Allen & Unwin
Ltd.
49