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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.506 - RJ (2009/0030733-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA
EMENTA

PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. DIREITOS REAIS. SERVIDÃO DE


ÁGUA. ESTABELECIMENTO. CONDIÇÃO RESOLUTIVA. EXTINÇÃO
PELA AUTOSSUFICIÊNCIA EM CAPTAÇÃO DA ÁGUA PELO PRÉDIO
DOMINANTE, POR FONTE INDEPENDENTE. AÇÃO PLEITEANDO O
CUMPRIMENTO DA SERVIDÃO. PROPOSITURA POR CONDOMÍNIO.
LEGITIMIDADE. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA.
HIPÓTESE DE LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO UNITÁRIO.
LITISOCONSÓRCIO PASSIVO ENTRE O PRÉDIO SERVIENTE E A UNIÃO.
INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INEXISTÊNCIA.
JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO PELO TRIBUNAL
LOCAL. CONSIDERAÇÃO DE QUE FOI IMPLEMENTADA A CONDIÇÃO
ESTABELECIDA PARA QUE SE EXTINGUISSE A SERVIDÃO.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, EM SEU ASPECTO
DE VEDAÇÃO DE COMPORTAMENTOS CONTRADITÓRIOS. SUPRESSIO.
EQUÍVOCO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO INCIDENTAL
DA INEFICÁCIA DO REGISTRO PÚBLICO. NECESSIDADE DE AÇÃO
AUTÔNOMA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA INAPLICÁVEL PARA
GERAR A EXTINÇÃO DE UM DIREITO, NA ESPÉCIE. DEVER DE
COLABORAÇÃO ADIMPLIDO PELOS TITULARES DO PRÉDIO
DOMINANTE. NECESSIDADE DE ÁGUA. BEM PÚBLICO ESSENCIAL À
VIDA. PONDERAÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE DE SE
PRIVILEGIAR O USO COMERCIAL DA ÁGUA EM DETRIMENTO DE SEU
USO PARA O ABASTECIMENTO DAS NECESSIDADES HUMANAS.
RECURSO ESPECIAIS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. É cabível a interposição de embargos de declaração por terceiro interessado, para
esclarecimento de acórdão que julgou recursos de apelação. Hipótese em que o
terceiro é titular de uma das unidades integrantes do condomínio e o processo,
ajuizado por esta entidade, discutia o adimplemento de servidão de água instituída em
favor dos condôminos.
2. Não é possível considerar, como fez o Tribunal de origem, que para ingressar no
processo o proprietário teria de se valer do instituto da oposição. Se o condomínio
não tem personalidade jurídica de direito civil, salvo para fins tributários, é incoerente
dizer que ele possa ostentar um direito em oposição ao direito dos condôminos,
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notadamente quando se fala de direito real de servidão que, por determinação
expressa de lei, é bem indivisível.
3. O condomínio está legitimado, por disposição de lei taxativa, a representar em juízo
os conôminos quanto aos interesses comuns. O adimplemento da servidão de água,
conquanto seja direito de cada condômino, representa interesse comum de todos, de
modo que é adequada a propositura, por ele, de ação para discutir a matéria.
4. Qualquer dos titulares de direito indivisível está legitimado a pleitear, em juízo, o
respectivo adimplemento. Não há, nessas hipóteses, litisconsórcio ativo necessário.
Há, em lugar disso, litisconsórcio ativo facultativo unitário, consoante defende
renomada doutrina. Nessas hipóteses, a produção de efeitos pela sentença se dá
secundum eventum litis: somente os efeitos benéficos, por força de lei, estendem-se
aos demais titulares do direito indivisível. Eventual julgamento de improcedência só
os atinge se eles tiverem integrado, como litisconsortes, a relação jurídica processual.
5. Conquanto a água seja, por disposição de lei, considerada bem público, não há
litisconsórcio necessário passivo entre o proprietário do terreno serviente e a União
em uma ação que pleiteie o adimplemento de uma servidão de água, por vários
motivos: (i) primeiro, porque a União pode delegar a Estados e Municípios a
competência para outorga de direito à exploração da água; (ii) segundo, porque não é
necessária tal outorga em todas as situações, sendo possível explorar a água para a
satisfação de pequenos núcleos populacionais independentemente dela. Assim, numa
ação que discuta a utilização da água, a União não é litisconsorte passiva necessário
podendo, quando muito, ostentar interesse jurídico na solução da lide, nela
ingressando na qualidade de assistente.
6. Sendo de mera assistência a hipótese, não é possível ao juízo estadual declinar de
sua competência para julgar a causa sem que a União tenha, em algum momento,
manifestado interesse de participar do processo. Sem tal manifestação, o processo
deve tramitar normalmente perante a Justiça Comum.
7. Não é possível ao juízo negar cumprimento a uma servidão estabelecida em
registro público, com fundamento na invalidade ou na caducidade desse registro, se
não há uma ação proposta para esse fim específico pelo titular do prédio serviente. O
que motiva a existência de registros públicos é a necessidade de conferir a terceiros
segurança jurídica quanto às relações neles refletidas. Para que se repute ineficaz a
servidão, é preciso que seja retificado o registro, e tal retificação somente pode ser
requerida em ação na qual figurem, no pólo passivo, todos os proprietários dos
terrenos nos quais tal servidão se desmembrou, notadamente considerando a
indivisibilidade desse direito real.
8. Não obstante, a lei é expressa em reputar a água bem essencial à vida. Se há
escassez no condomínio que fora beneficiado pela servidão, não é possível, em
ponderação de valores, privilegiar o uso comercial da água, pelo titular do prédio
serviente, em detrimento de seu uso para o abastecimento humano.
9. A falta de requerimento de implementação da servidão por anos após firmado o
contrato indica que o condomínio cumpriu com seu dever de colaboração, buscando
seu abastecimento por fontes autônomas. Uma vez constatada a insuficiência dessas
fontes, contudo, não se pode reputar caduca a servidão com fundamento no instituto
da supressio. O princípio da boa-fé objetiva não pode atuar contrariamente a quem
colaborou para o melhor encaminhamento da relação jurídica de direito material.
10. Se não há intuito protelatório na interposição de embargos de declaração, é
imperativo o afastamento da multa fixada pelo art. 538 do CPC.
11. Recursos especiais conhecidos e parcialmente providos.
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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira


Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas
constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei
Beneti, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO e,
por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial do CONDOMÍNIO VALE DE SÃO
FERNANDO E OUTRO. Vencido o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Participaram do
julgamento os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva.

Brasília (DF), 19 de junho de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI


Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.506 - RJ (2009/0030733-0)

RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO


ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recursos especiais interpostos por CONDOMÍNIO VALE DE SÃO


FERNANDO, JOSÉ HAROLDO RIBEIRO FALCÃO e por FRANCISCO FERNANDO
RIBEIRO FALCÃO, em petição conjunta, e por FLAVIO GODINHO, em petição autônoma,
ambos impugnando acórdão exarado pelo TJ/RJ no julgamento de recurso de apelação.
Ação: de cumprimento de obrigação de fazer, cumulada com pedido de reparação
de danos materiais e morais, ajuizada por CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO,
JOSÉ HAROLDO RIBEIRO FALCÃO e FRANCISCO FERNANDO RIBEIRO FALCÃO
em face do ESPÓLIO DE PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO.
Na inicial, os autores afirmaram que os irmãos VERA MARIA FALCÃO
BHERING DE MATTOS, JOSÉ HAROLDO RIBEIRO FALCÃO e o falecido PAULO
WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO eram proprietários, em condomínio, de uma gleba de terra
chamada Fazenda Arayçoaba, em Petrópolis, Rio de Janeiro, posteriormente desmembrada para
a criação de um Loteamento que deu origem ao Condomínio recorrent. Por ocasião desse
desmembramento, teriam firmado contrato de servidão mediante o qual PAULO WALDEMAR,
hoje falecido, que ficara com a propriedade sobre parte da gleba onde se encontrava uma
nascente de água (fonte Kelau), obrigou-se a fornecer parte da respectiva vazão às demais
propriedades. Referida servidão foi estabelecida com a condição resolutiva de valer somente até
que o condomínio que seria estabelecido na gleba remanescente se tornasse autônomo, obtendo
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toda a água necessária às suas necessidades por fontes independentes
Anteriormente à assinatura do contrato de servidão, contudo, o de cujus teria
formalizado, perante o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), um pedido de
pesquisa para exploração comercial da água, com exclusividade, constituindo para tanto uma
empresa de nome "Mineração Acquafine Ltda." Tal pedido foi deferido, ocasionando a
inviabilização do abastecimento de água dos então condôminos.
Tendo isso em vista, a ação de servidão foi proposta com o objetivo de: (i)
condenar o réu a fornecer 1/3 (um terço) da vazão de água da Fonte Kelau ao condomínio; (ii)
indenizar o equivalente, caso o fornecimento seja impossível; (iii) reparar o dano moral causado.
Sentença: julgou improcedentes os pedidos formulados (fls. 410 a 417, e-STJ).
A sentença foi impugnada mediante recurso de apelação, tanto do ESPÓLIO DE
PAULO WALDEMAR (fls. 406 a 423, e-STJ), como do CONDOMÍNIO, de JOSÉ
HAROLDO e de FRANCISCO FERNANDO (fls. 433 a 457, e-STJ).
Acórdão: deu parcial provimento ao recurso do ESPÓLIO, majorando os
honorários advocatícios, e negou provimento ao recurso do CONDOMÍNIO e OUTROS, nos
termos da seguinte ementa (fls. 520 a 540, e-STJ):

"APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DESFAZER. INDENIZAÇÃO


POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE SERVIDÃO DE
ÁGUAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
Valor da causa. Pedidos subsidiários. Valor do pedido principal.
Cumprimento contratual. Contrato sem conteúdo econômico registrado.
Abastecimento de água a outro imóvel. Estimativa em R$ 50.000,00.
Razoabilidade. Benefício econômico que carecia de certeza e determinação.
Mérito. Verificação da subsistência do contrato e da possibilidade do
implemento da obrigação. Contrato de servidão de água. Condição resolutiva
expressa consistente na auto-suficiência quanto ao abastecimento de água. Prova
dos autos. Memorial descritivo do condomínio-autor, que revela a implementação
da condição. Auto-suficiência para abastecimento de água, que também foi
admitida pelo condômino e apelante-autor em assembléia condominial.
Implementada a condição resolutiva, a obrigação de fornecer água restou extinta.
Uma vez desfeito o pacto, não pode a superveniente escassez de água - seja
oriunda dos condôminos - pretender ressuscitá-lo.
Danos morais. Inocorrência de conduta que configure violação aos direitos
dos apelantes-autores. Fatos que, em tese, estariam exauridos do dano
patrimonial.
Honorários advocatícios. Reforma da sentença para fixá-los na forma do
art. 20, §4º, do CPC. Apreciação eqüitativa do magistrado. Complexidade da
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causa, existência de incidente processual e zelo profissional, a justificar a sua
majoração para R$ 10.000,00.
PARCIAL PROVIMENTO DO PRIMEIRO RECURSO E
DESPROVIMENTO DO SEGUNDO.

No acórdão o i. Des. Luís Felipe Salomão, então pertencente aos quadros do


TJ/RJ, proferiu voto vencido, reconhecendo que a servidão anteriormente estabelecida para os
imóveis integrantes do Condomínio representava um acréscimo de valor para as propriedades, de
modo que sua extinção, provocada por ato do réu, somente poderia ser admitida mediante
indenização.
Embargos de declaração: interpostos três vezes pelo condomínio, foram
rejeitados, com imposição de multa.
Embargos de terceiro prejudiciado: interpostos por FLÁVIO GODINHO,
proprietário de duas unidades no Condomínio-Autor, foi rejeitado com aplicação de multa.
Recursos especiais: interpostos, autonomamente, pelo CONDOMÍNIO e seus
litisconsortes, e por FLÁVIO GODINHO.
No recurso de FLÁVIO GODINHO, fundamentado na alínea 'a' do permissivo
constitucional, alega-se, como matéria preliminar, a violação dos arts.: (i) 535 do CPC, pela
rejeição dos embargos de declaração interpostos; (ii) 499, §1º, do CPC, porquanto o TJ/RJ não
reconheceu a legitimidade de FLÁVIO GODINHO para recorrer na qualidade de terceiro
prejudicado; (iii) art. 6º do CPC, porquanto o condomínio não teria legitimidade para pleitear, em
juízo, direito próprio dos condôminos; (iv) 111, 267, IV, 267, § 3º e 301, inc. II e § 4º, todos do
CPC, porquanto a justiça comum estadual seria incompetente para julgar a matéria, já que a
propriedade das águas no subsolo é da União, sendo possível sua exploração particular mediante
concessão; (v) 47 e respectivo parágrafo único, do CPC, porquanto haveria, na espécie,
litisconsórcio unitário que, desrespeitado, deveria levar à extinção do processo sem resolução de
mérito; e (vi) 538 do CPC, para afastamento da multa por litigância de má-fé aplicada.
Como matéria principal, o recorrente FLÁVIO GODINHO argui, ainda, a
violação dos arts. (i) 1.387, 1.383 e 1.388 do CC/02, porquanto a servidão somente poderia ser
cancelada por meio de ação judicial, não se podendo reconhecer sua caducidade incidentalmente;

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(ii) 71, § 3º do Código de Águas (Dec. 24.643/34), bem como 1º, III, da Lei 9.433/97, que
estabelecem, como prioridade para a utilização dos recursos hídricos, as necessidades da vida, o
consumo humano e a dessedentação de animais.
O recurso do CONDOMÍNIO e de seus litisconsortes, por sua vez, também
pautado na alínea 'a' do permissivo constitucional, veicula o pedido de reconhecimento da
violação dos arts.: (i) 538 do CPC, para afastamento da multa por litigância de má-fé aplicada
ao condomínio; (ii) 1.387, 1.383, 1.388, do CC/02, bem como 71, § 3º, do Código de Águas e
1º, III, da Lei 9.433/97, por motivos semelhantes aos expostos por FLÁVIO GODINHO em
seu recurso.
Recurso extraordinário: também interposto por FLÁVIO GODINHO.
Admissibilidade: o recurso não foi admitido na origem, motivando a interposição
do Ag. 1.053.693/RJ, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia.
É o relatório.

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RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
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ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O mérito deste processo diz respeito à discussão sobre: (i) a possibilidade de


extinção de uma servidão de água por mero desuso, sem que haja acordo expresso entre os
proprietários do prédio dominante e serviente, nem ação judicial em que tal extinção tenha sido
requerida pela via principal; (ii) a efetiva ocorrência de tal extinção na hipótese concreta, dada as
disposições legais que estabelecem ser a água um bem de consumo essencial.
Antes, contudo, da discussão do mérito, há a necessidade de se decidir uma série
de preliminares processuais, a saber: (i) se o proprietário de uma unidade tem o direito de
ingressar, como terceiro interessado, em ação proposta por condomínio para a discussão da
vigência da servidão de água que beneficiaria todos os condôminos; (ii) se o condomínio seria
parte legítima para pleitear, autonomamente, esse direito; (iii) se a competência para o julgamento
dessa ação é da Justiça Federal, já que a água do subsolo, como recurso mineral, é bem da
União; (iv) se há litisconsórcio passivo necessário entre os réus desta ação e a União, pelo
mesmo motivo; (v) se há litisconsórcio ativo necessário, já que a sentença que extingue a
servidão, para ser eficaz, somente poderia ser proferida em ação da qual participassem todos os
proprietários de imóveis em cuja matrícula ela estivesse registrada.
Os temas de mérito foram arguídos em ambos os recursos especiais apresentados.
As preliminares processuais foram apresentadas, em sua totalidade, apenas no recurso de

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FLÁVIO GODINHO. Assim, para melhor ordenação deste julgamento, apreciarei, em primeiro
lugar, o recurso do terceiro interessado, que é mais abrangente para, ao final, se necessário,
apreciar também o recurso especial do CONDOMÍNIO.

I - Recurso especial de FLÁVIO GODINHO

I.a) Preliminares
I.a.1) A legitimidade para recorrer. Violação da norma do art. 499 do CPC.

A primeira questão a ser enfrentada, para a apreciação do recurso de FLÁVIO


GODINHO, é a de sua legitimidade para interpô-lo. Isso porque ele ingressou no processo após
o julgamento do recurso de apelação, afirmando-se titular de uma das residências integrantes do
condomínio e, portanto, na qualidade de terceiro interessado. Seu interesse decorreria do fato de
que a servidão de água discutida está registrada, de modo individual, na matrícula dos dois
imóveis que adquiriu na área controvertida. Assim, ele defenderia, neste processo, direito próprio.
Sua legitimidade foi afastada pelo TJ/RJ sob o fundamento de que o recorrente
não poderia jamais ingressar no processo na qualidade de terceiro interessado, mas, quando
muito, valendo-se do instituto da oposição. Isso porque:

"(...) ao alegar que é titular do direito real de servidão, está a negar o direito
real de servidão pretendido pelo condomínio, o que o afasta da figura do assistente
e o aproxima da figura do opoente, eis que vai de encontro ao fito de defender a
parte sucumbente, presente no instituto do recurso de terceiro prejudicado."

O recorrente afirma que há ofensa ao art. 499, §1º, do CPC, nessa passagem do
acórdão recorrido.
A jurisprudência do STJ tem se orientado no sentido de admitir o recurso de
terceiro interessado na hipótese em que ele alegue prejuízo por uma decisão que, em seu parecer,
deveria ter sido proferida em processo na qual ele tivesse figurado como parte, por força de
litisconsórcio necessário unitário. Nesse sentido, por todos, cite-se os EDcl no REsp
883.398/MT (Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 15/12/2010). Se há, de fato, o litisconsórcio

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necessário afirmado, trata-se de matéria de mérito. A legitimidade, todavia, tem de ser verificada
in status assertionis, ou seja, não se pode dizer que a parte é ou não legitimada para o processo,
dependendo da procedência ou improcedência de seu pedido.
Além disso, ao admitir, como se fez neste processo, que o Condomínio
propusesse esta ação para a defesa dos interesses comuns dos condôminos (art. 1.348, II, do
CC/02), o Tribunal, por um imperativo lógico, também deve aceitar que cada um desses
condôminos ostente interesse jurídico no resultado do processo. Isso porque, salvo para fins
tributários (REsp 1.256.912/AL, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 13/2/2012), o
condomínio não tem personalidade jurídica civil e não pode, portanto, ostentar um direito
próprio, em oposição ao direito do condômino a quem ele representa.
De tudo decorre que há violação ao art. 499, §1º do CPC: o proprietário de
unidades autônomas tem direito de recorrer, como terceiro interessado, do acórdão desfavorável
ao condomínio, ainda que em sede de embargos de declaração. Os embargos e,
consequentemente, este ponto do recurso especial, têm de ser admitidos.

I.a.2) Negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC.

Se os embargos de declaração interpostos pelo terceiro prejudicado deveriam ter


sido admitidos e não o foram, seria imperioso determinar a anulação do julgado por ofensa à
norma do art. 535 do CPC, conjugada com a norma do art. 499, §1º desse mesmo diploma
legal. Contudo, em reiterados precedentes esta Corte tem se posicionado no sentido de não
decretar tal nulidade se, pelos elementos do processo, for possível analisar o mérito da
controvérsia sem que a suposta omissão cujo esclarecimento fora pleiteado represente um óbice.
Pela análise dos termos do processo e das alegações dos litigantes, especialmente
no que elas têm de uniforme, reputo possível compreender a controvérsia de maneira integral,
sem a necessidade de revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos. Rejeito, assim, por
uma questão de economia processual e em obediência ao imperativo constitucional do respeito à
razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF), o pedido de anulação do acórdão
recorrido por ofensa ao art. 535 do CPC.

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I.a.3) A legitimidade do Condomínio para propor a ação e o litisconsórcio


ativo necessário e unitário. Violação dos arts. 6º e 47, parágrafo único, ambos do CPC.

O recorrente FLÁVIO GODINHO afirma que a ação que deu origem a este
recurso especial não poderia ter sido proposta pelo Condomínio, a quem faleceria legitimidade.
Na verdade, tendo em vista a potencial produção de efeitos nocivos a todos os proprietários de
unidades condominiais, na hipótese de sentença que cancelasse a servidão de água, esta ação,
para o recorrente, somente poderia ter sido ajuizada por todos os proprietários, em
litisconsórcio ativo necessário e unitário.
São duas questões interligadas e que, portanto, serão apreciadas em conjunto.
Em primeiro lugar, o art. 1.348, II, do CC/02 dispõe que o Condomínio, através
de seu síndico, tem legitimidade para representar os condôminos, ativa e passivamente,
"praticando, em juízo ou fora dele, os atos necesários à defesa dos interesses comuns". Não há
dúvidas de que o abastecimento de água para as unidades, ainda que consubstancie direito
individual de cada condômino, é um interesse comum dos proprietários que integram o
condomínio, de modo que é possível sustentar a legitimidade do síndico para representá-los nesta
ação.
Acrescente-se a isso o fato de que o art. 1.386 do CC/02 estabelece que "as
servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de
cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio
serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro".
Comentando o dispositivo, GUSTAVO TEPEDINO, MARIA HELENA BARBOZA e MARIA
CELINA BODIN DE MORAES sustentam que:

"Na lição de San Tiago Dantas, 'se o prédio dominante se loteia, se divide
em dois, três, quatro fragmentos, a servidão não se parte entre eles. O que sucede
é que os quatro prédios, por exemplo, que foram extraídos do primeiro, tornam-se
todos os quatro dominantes e, a favor de cada um deles, é íntegra a servidão,
embora não seja permitido agravar a situação do serviente. Se se estabelece,
suponha-se, numa servidão 'silvae cedendae', que o prédio dominante pode fazer
lenha, dia sim, dia não, no prédio serviente, e de cada vez levar um carro, os
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quatro dominantes devem se acomodar, de modo que cada um deles leve uma
fração, de tal sorte que a soma seja um carro, mas cada um deles é titular de uma
servidão autônoma; não existe entre eles condomínio na servidão. O mesmo se
deve notar quanto ao prédio serviente, quando o mesmo tipo de divisão ocorrer
com relação a este: cada uma das partes em que ele se divide sofre com a
servidão".

Note-se que, não obstante a passagem supra transcrita defina que não há
condomínio sobre a servidão, ela evidencia que há interesse comum, de todos os prédios
oriundos da divisão do prédio dominante, na servidão integral. Cada um deles, portanto, tem
direito autônomo à integralidade desse bem jurídico, mas gozando-o nos limites em que o
gravame foi estabelecido para o prédio serviente, consoante a divisão interna a ser definida pelos
titulares dos direitos. A propositura de ação pelo condomínio, portanto, pleiteando a garantia
desse direito, é, do ponto de vista jurídico, perfeitamente adequada. Trata-se, sem dúvida, de um
interesse comum, conquanto os direitos possam ser interpretados, do ponto de vista ontológico,
de forma autônoma.
O problema, contudo, é saber se, especificamente para a hipótese de exigência de
cumprimento de uma servidão de água, há a necessidade de formação de litisconsórcio ativo
necessário e unitário, como se sustenta no recurso especial. E para o enfrentamento da matéria,
é necessário abordar a tortuosa questão da existência de litisconsórcio em ações para defesa
de direitos de titularidade plural, sobre bens indivisíveis.
A definição de bens indivisíveis se obtém pela interpretação a contrario sensu
do que o art. 87 do CC/02 reputa serem bens divisíveis. Assim, seriam indivisíveis os bens que
não se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor
ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87, caput), além dos bens naturalmente divisíveis
que tenham se tornados indivisíveis por disposição de lei ou pela vontade das partes (art.
87, parágrafo único). A servidão, por disposição expressa do art. 1.386 do CC/02, já citado, é
um bem indivisível.
Aos bens ou direitos indivisíveis correspondem, naturalmente, obrigações
indivisíveis. Ao regular essa modalidade de obrigações, o CC/02 dispõe, em seu art. 260, que "se
a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira", desobrigando-se o

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devedor mediante o pagamento a todos conjuntamente, ou a um dos credores, mediante caução.
Se é possível, por expressa disposição de lei, a propositura isolada, por um dos credores, de
uma ação para pleitear o adimplemento de uma obrigação indivisível, naturalmente não se pode
falar, nesta hipótese, de litisconsórcio ativo necessário. O litisconsorcio é, por força de lei,
facultativo.
A questão que levou o recorrente a sustentar a existência de litisconsórcio
necessário, contudo, é sua preocupação com os efeitos negativos da sentença de improcedência
proferida neste processo, caso ela seja mantida. Para ele, seria absurdo imaginar que uma
servidão que está registrada, autonomamente, na matrícula de seu imóvel, possa ser cancelada
numa ação de que ele não fez parte.
Sua preocupação é procedente, mas pode ser resolvida mediante a compreensão
de que, na hipótese, há em verdade um litisconsórcio ativo facultativo e unitário. A disciplina
legal dada a essa modalidade de litisconsórcio, segundo a doutrina especializada, pode apresentar
solução para o temor do recorrente.
Em estudo minucioso sobre o tema ("Obrigações solidárias e indivisíveis,
litisconsórcio e coisa julgada", in Revista da ESMESC, ano 3, Vol. 3, 1997, págs. 91 a 120),
FERNANDO NORONHA sustenta a necessidade de se identificarem quatro modalidades de
litisconsórcio: (i) o litisconsórcio facultativo não unitário; (ii) o litisconsórcio necessário, unitário e
não unitário; (iii) o litisconsórcio facultativo com unitariedade total; (iv) e o litisconsórcio
facultativo com unitariedade parcial.
A hipótese deste processo, segundo esse autor, seria esta última: litisconsórcio
ativo facultativo, com unitariedade parcial. Essa modalidade de litisconsórcio se forma nas
situações em que "uma decisão proferida num processo não vincula necessariamente os
interessados não participantes, embora dentro do processo tenha de ser idêntica para todos os
litisconsorciados" (pág. 104). Sobre o tema, FERNANDO NORONHA pontua:

"São situações em que parece possível continuar falando em incindibilidade,


ou talvez melhor, em indivisibilidade, mas sempre somente dentro do próprio
processo. Dentro deste não são possíveis soluções diferenciadas. Fora do
processo, nestas hipóteses os não litisconsorciados poderão invocar decisões
previamente proferidas em favor de outros, quando elas lhes forem favoráveis e
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se fundarem em meios de defesa comuns.
Aqui também existe uma certa unitariedade e o litisconsórcio ainda é
facultativo. E também aqui a unitariedade é imposta pelo regime jurídico da
relação subjacente à processual.
Esta modalidade litisconsorcial tem para nós especial importância, porque
parece ser aqui que podemos enquadrar as obrigações indivisíveis e solidárias".

Nas hipóteses de litisconsórcio facultativo com unitariedade parcial, a coisa julgada


se forma, para os que não participaram da ação, apenas com relação aos efeitos benéficos da
sentença (coisa julgada secundum eventum litis). Ocorre, assim, o fenômeno da eficácia in
utilibus non etiamsi in damnosis da sentença, ou seja: se um dos titulares do direito indivisível
propõe ação para a respectiva defesa, o resultado positivo do processo se estende a todos,
porque o bem jurídico por ele obtido aproveita a todos em função de sua indivisibilidade. Mas
eventual resultado negativo pode novamente ser questionado por outro titular desse mesmo
direito, salvo se o impeça a prescrição, já que o terceiro não pode ser atingido pela coisa julgada
formada num processo de que não participou. Nesse sentido, ainda Fernando Noronha (pág.
109):

"Numa segunda subdistinção enquadrável no litisconsórcio com unitariedade


parcial, caberiam aqueles casos em que existe simples 'indivisibilidade dentro do
processo', sem incindibilidade da relação jurídica material. Casos típicos dessa
modalidade parecem ser as obrigações indivisíveis e solidárias. Nessas os
credores ou devedores que se tiverem litisconsorciado também estarão sujeitos a
um só e único regime jurídico, à semelhança do que ocorre nos casos anteriores.
Já os credores ou devedores que não tiverem estado no processo poderão
impugnar a sentença precedentemente proferida contra outro credor ou devedor,
que não faz coisa julgada em relação a eles, ainda que estes possam aproveitar-se
dela, naquilo que lhes for favorável"

A lei indica, em muitos dispositivos, a tendência a essa produção parcial de efeitos


da coisa julgada. Por exemplo, o art. 177 do CC/02 determina de maneira expressa que, em
ações que discutam invalidade de negócio jurídico que tenha por objeto obrigações indivisíveis, os
efeitos positivos da sentença são estendidos àqueles que não participam da relação jurídica
processual. Do mesmo modo, o art. 291 do CPC dispõe que "na obrigação indivisível com
pluralidade de credores, aquele que não participou do processo receberá a sua parte, deduzidas
as despesas na proporção de seu crédito". Quanto aos efeitos negativos da sentença, por outro
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lado, o art. 274 do CC/02, tratando de obrigações solidárias (que, para o fim desta análise,
assumem o mesmo comportamento das obrigações indivisíveis), dispõe que "o julgamento
contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável
aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve". Como se vê,
trata-se de regime semelhante ao estabelecido, para ações coletivas para defesa de direitos
individuais homogêneos, pelo art. 103, III, cumulado com art. 81, ambos do CDC.
De tudo isso resulta que a solução para o receio do recorrente, na qualidade de
terceiro prejudicado, é a seguinte: todos os proprietários do condomínio se beneficiariam de uma
eventual procedência do pedido formulado pela entidade, obtendo sua parcela na servidão de
água; mas cada um deles manteria a capacidade de discutir, em ação própria, o seu direito à
servidão, na hipótese de improcedência da ação do condomínio. Não há litisconsórcio necessário,
nem há ofensa a direito pessoal dos proprietários em decorrência da relação jurídica processual
que não integraram. Uma sentença de improcedência na ação proposta pelo condomínio não
pode ter o condão de cancelar a servidão registrada em cada uma das matrículas individualizada
dos imóveis.
Rejeito, portanto, o argumento de que há ofensa aos arts. 6º e 47, parágrafo único,
ambos do CPC.

I.a.4) Da competência da justiça comum. Violação dos arts. 111, 267, IV,
267, §3º e 301, inc. II e §4º, todos do CPC

Ainda em preliminar, o recorrente FLÁVIO GODINHO argumenta que a Justiça


Estadual seria absolutamente incompetente para julgamento deste processo. O motivo seria o de
que a água objeto de servidão, no subsolo, seria um bem público da União, por força do art. 20,
IX, da CF. Assim, a destinação desse bem, com o adimplemento da servidão estabelecida sobre
ele ou mesmo o reconhecimento de sua caducidade, somente poderia ser decidida em processo
que contasse com a participação da União. Tal ação seria, portanto, da competência da Justiça
Federal por força do art. 109, I, da CF, sendo nulos todos os atos decisórios praticados pela
Justiça Estadual. A ofensa, aqui, se daria quanto aos arts. 111, 267, IV e seu §3º, e 301, II, §4º,

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todos do CPC.
Para o enfrentamento da matéria, é necessário analisá-la sob dois pontos de vista:
o da hipotética participação da União como ré; e o de sua participação como assistente ou
oponente. Isso porque não é possível a remessa do processo à Justiça Federal sem que uma
dessas duas condições esteja preenchida (art. 109, I, da CF).
A União não foi incluída como ré no processo. Portanto, sem qualquer
consideração acerca do acerto do autor em montar dessa forma sua estratégia processual, a
competência, em princípio, seria mesmo da Justiça Estadual. Contudo, uma questão inicial deve
ser colocada neste ponto: Seria possível propor esta ação sem incluir a União como ré, ou há,
aqui, um litisconsórcio passivo necessário que não foi observado pelos autores?
Uma ação que pleiteie a entrega de um bem público da União, naturalmente tem de
ser ajuizada em face da titular do direito, ou seja, da União, ainda que em litisconsórcio com
terceiro que, por qualquer motivo de fato ou de direito, integre a relação jurídica controvertida. A
água que se encontra no subsolo é considerada um recurso mineral, e, nessa qualidade, é de fato
bem da União, como observado pelo recorrente (CF, art. 20, IX).
Mas a discussão deste processo não se dá, ao menos em princípio, quanto à água
localizada no subsolo. Discute-se, em vez disso, um direito de servidão de águas, ou seja, o
direito de utilizar, mediante desvio, a água que se encontra na superfície. Trata-se da discussão
acerca de uma nascente de água, chamada fonte Kelau.
A água é, hoje, em qualquer circunstância, considerada bem de domínio público
consoante dispõe o art. 1º, I, da Lei 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos. Não há mais sentido, portanto, em se falar de águas particulares, como fazia o art. 8º
do Código de Águas (Decr. 24.643/34). Contudo, ainda que se considere bem público, a
intervenção da União para autorizar o aproveitamento da água situada em propriedade particular
não é imprescindível em todas as hipóteses. Há situações em que o aproveitamento da água é
livre, podendo ser feito independentemente de qualquer outorga, conforme assevera o art. 12 da
Lei 9.433/97, verbis:

Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos
seguintes usos de recursos hídricos:
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I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de


água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo
produtivo
II - extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo
de processo produtivo;
(...)

§1º Independem de outorga pelo Poder Público:

I - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de


pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;
II - as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes;
III - as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.

Vale dizer: a utilização da água, ainda que se trate de bem público, pode, em
algumas situações, demandar outorga da União (ou de Estados ou Municípios, conforme o caso -
art. 14 da Lei 9.433/97) e pode, em outros, não demandá-la. Tudo depende das circunstâncias
de cada situação concreta. Sendo assim, não se pode afirmar que em todas as situações a União
tenha interesse em atuar no processo, a ponto de justificar a necessidade de estabelecimento de
um litisconsórcio passivo necessário. O que há, quando muito, é a possibilidade de que a
União, dependendo de cada situação concreta, manifeste interesse em atuar no feito, nele
ingressando como assistente de uma das partes em litígio.
Aqui entramos na segunda das questões acima delineadas. Esse interesse de
participar do processo jamais pode ser imposto pelo juiz à União Federal, fora das hipóteses de
litisconsórcio passivo necessário. É a União que tem de manifestá-lo. Quando muito, o juiz, por
prudência, pode remeter um processo à União para que, avaliando o litígio, apure se sua
intervenção no processo é necessária. Mas a ausência desse ato, e a consequente ausência de
intervenção, não tornam nulo todo o processo.
Na ação que deu origem a este recurso especial não há a intervenção de nenhum
ente federal. Portanto, não há óbice à competência para seu julgamento pelo Justiça Comum
Estadual.
Importante ressaltar que a servidão que se discute neste processo disciplina-se
pelos arts. 34 e 35 do Código de Aguas, que dispõe:

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Art. 34. É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de
águas, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a
torne acessível.
Art. 35. Se não houver este caminho, os proprietários marginais não podem
impedir que os seus vizinhos se aproveitem das mesmas para aquele fim, contanto
que sejam indenizados do prejuízo que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios.
§1º. Essa servidão só se dará, verificando-se que os ditos vizinhos não
podem haver água de outra parte, sem grande incômodo ou dificuldade.
§2º O direito do uso das águas, a que este artigo se refere, não prescreve,
mas cessa logo que as pessoas a quem ele é concedido possam haver, sem
grande dificuldade ou incômodo, a água de que carecem.

Eventual sentença que garanta ao condomínio o direito à referida servidão não


conflita, de modo algum, com eventual necessidade de autorização, a ser emitida pelo Poder
Público, para a implementação desse direito. Nada impede que, no futuro, de posse da sentença
judicial, o condomínio dirija-se ao órgão competente para solicitar, nos termos da Lei, que seja
regulamentada a servidão de água, estabelecendo-se, conforme o caso e se necessário, o sistema
de captação. A necessidade de autorização é uma questão que não se coloca antes, mas depois
do reconhecimento do direito do condomínio à utilização, nos termos da lei, da água da nascente
aqui discutida.
Rejeita-se, portanto, o argumento de que há violação dos arts. 111, 267, IV e seu
§ 3º, e 301, II, § 4º, todos do CPC. A competência para este processo é da Justiça Comum
Estadual.
Superadas as preliminares arguídas, passa-se a apreciar o mérito do recurso
especial. Tendo em vista o entrelaçamento de todas as matérias de mérito arguídas por todos os
recorrentes, tanto FLÁVIO GODINHO, como o CONDOMÍNIO e seus litisconsortes, a
análise dos recurso será, a partir de agora, promovida em conjunto.

II) Mérito dos recursos. A possibilidade de extinção da servidão ou a


determinação de seu cumprimento. Violação dos arts. 1.387, 1.383 e 1.388 do CC/02, 71,
§3º do Código de Águas (Decr. 24.643/34), bem como 1º, III, da Lei 9.433/97

O acórdão recorrido não garantiu ao condomínio (e, por extensão, aos

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condôminos) o direito à servidão de águas porque a considerou extinta. Os fundamentos de tal
extinção foram dois. Em primeiro lugar, as partes haviam acordado que a servidão perduraria
apenas até que o condomínio se tornasse autossuficiente em captação de água, estabelecendo,
com isso, uma condição resolutiva do contrato. Referida condição teria sido implementada
porque, tanto no memorial descritivo apresentado para viabilização da construção do condomínio,
como pela análise de atas de assembleias juntadas aos autos, ficaria evidente que "o condomínio
conseguiu abastecer-se de água durante vários anos" independentemente da servidão. Tendo
ocorrido a autossuficiência do condomínio, portanto, ainda que temporariamente, a servidão teria
sido automaticamente extinta, não obstante a necessidade de água tenha se feito presente em
momento posterior.
O segundo fundamento para a rejeição do pedido foi o de que, não obstante a
servidão contratada, o condomínio passou vários anos sem pleitear o respectivo fornecimento de
água, buscando obtê-la sempre por fontes próprias. Essa omissão do condomínio, que perdurou
por oito anos, teria criado na contraparte a expectativa de que o direito à servidão não seria mais
exercido. Incidiria assim, segundo o TJ/RJ, o instituto da supressio (Verwirkung), corolário do
princípio da boa-fé objetiva, confiscando-se à parte seu direito, pelo desuso.
Ambos os argumentos são impugnados no recurso especial, por duas linhas
distintas. Preliminarmente, argumenta-se que o Tribunal, ao considerar extinta a servidão, teria
descumprido o comando dos arts. 1.387 e 1.388 do CC/02, que dispõem, por um lado, que uma
servidão registrada só extingue quando cancelada e, por outro, que o cancelamento do registro
deve ser requerido pelo dono do prédio serviente por via de ação judicial em que se formule
tal pedido pela via principal. Eis a redação dos dispositivos:

Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só


se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada.
(...)

Art. 1.386. O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao
cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne:
(...)
II - quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a
comodidade, que determinou a constituição da servidão;
(...)

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Assim, independentemente da consideração de que a condição resolutiva teria sido


implementada, o TJ/RJ somente poderia ter negado aos autores o direito real que pleitearam no
processo se o respectivo registro tivesse sido cancelado. Fora dessa hipótese, a procedência
seria imperativa.
A segunda linha de argumentos, ligada ao mérito, direciona-se no sentido de que,
quando da apresentação do memorial descritivo, o condomínio ainda não existia, de modo que
seria impossível analisar com precisão se a água contratada seria utilizada. Além disso, a
constante busca de fontes de abastecimento próprias, e mesmo o fato de tais fontes terem sido
encontradas, jamais poderia indicar que a condição resolutiva se implementou, ou mesmo que
houve renúncia tácita dos condôminos ao direito à servidão. Ao contrário: buscando fontes
próprias o condomínio estaria apenas cumprindo seu compromisso de procurar abastecer-se
para, no futuro, não precisar da água contratada. Esse ato poderia ser visto como um ato de
colaboração do condomínio, portanto um ato de cumprimento de seu dever de boa-fé, jamais
uma renúncia decorrente de comportamento contraditório. Por fim, a água é bem essencial à vida
e, em hipótese alguma, a sua utilização para fins comerciais poderia preponderar sobre sua
utilização para fins de consumo humano.
Essas duas linhas de argumentos, conquanto interligadas, devem ser analisadas de
maneira escalonada. Primeiramente, a possibilidade de denegação dos efeitos do registro sem
ação própria. Depois, a possibilidade de se impor o cumprimento da servidão.
No processo ora em julgamento, há uma servidão regularmente registrada na
matrícula dos imóveis integrantes do condomínio autor, conferindo aos titulares o direito real de
usufruir da água, nos termos do respectivo contrato. Tal registro é válido e não foi, até este
momento, objeto de um pedido de anulação ou de cancelamento, pela via principal. A pergunta
que se deve fazer, portanto, é: É possível negar eficácia a esse registro, criativo de direito real de
servidão, sem o respectivo cancelamento?
A questão é tortuosa. Via de regra, a nulidade de um contrato ou a caducidade de
um direito podem ser reconhecidas pela via incidental, se alegadas em matéria de defesa, sem
necessidade de propositura de ação própria.

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Contudo, esse raciocínio não pode ser estendido à hipótese presente. Quando se
trata de direito real, que pela peculiar característica de ser oponível contra todos necessita de
registro em órgão público, o reconhecimento da respectiva caducidade deve trazer, como
consequência, a anulação ou modificação do respectivo registro, sob pena de profunda
insegurança jurídica. Basta pensar que um terceiro, desconhecendo o fato de a servidão ter sido
reputada insubsistente pelo Poder Judiciário, pode perfeitamente adquirir, por alto preço, um
imóvel sob a crença de poder contar com a parcela de água garantida pelo contrato de servidão
registrado. É justamente para a proteção da boa-fé e da segurança jurídica que o registro público
existe.
Pode-se argumentar, em oposição a esse raciocínio, que a sentença proferida
nesta ação seria passível de apresentação ao registro público para cancelamento da servidão,
resolvendo-se, com isso, a insegurança jurídica apontada acima. Mas na hipótese dos autos isso
não poderia ser feito. Como já dito, do desmembramento da área em favor da qual a servidão foi
constituída decorreu a criação de matrículas autônomas para cada imóvel, fazendo-se constar
dessas matrículas, individualmente, o direito à servidão. Nessas circunstâncias, uma ação que
pleiteasse o cancelamento desse registro, para ser eficaz, deveria ter sido proposta pelo
proprietário do prédio serviente em face de cada um dos proprietários dos imóveis
dominantes, em litisconsórcio passivo necessário. Neste processo não há a participação de
todos, como já amplamente abordado nesta decisão.
Também poderia ser argumentado, ainda para justificar o caminho trilhado pelo
acórdão recorrido, que a improcedência da ação produz efeitos apenas perante o condomínio,
não prejudicando os proprietários individuais (coisa julgada secundum eventum litis formada nas
causas em que há litisconsórcio ativo facultativo unitário). Assim, o direito à servidão poderia ser
denegado ao condomínio e cada condômino poderia procurar, por via individual, garantir esse
mesmo direito, até que o titular do prédio serviente decidisse propor uma ação em face de todos,
pleiteando o cancelamento da servidão.
Essa solução, contudo, também não seria adequada. Em primeiro lugar, a
insegurança para o eventual terceiro que porventura decidisse adquirir algum dos imóveis com
registro da servidão permaneceria, já que ele não terá ciência do grande risco de se ver

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impossibilitado de exercer esse direito real, no futuro. Vale lembrar, neste ponto, que ainda que a
coisa julgada não prejudique o direito de terceiros, a sentença aqui proferida produziria
significativa influência em eventuais ações futuras. Em segundo lugar, se permitisse que a servidão
fosse discutida em cada processo, individualmente, o judiciário estaria a incentivar a multiplicação
de ações judiciais, em lugar de fomentar a sua concentração.
Fazendo-se uma pequena digressão, vale lembrar que esta 3ª Turma julgou,
recentemente, um processo que não tratava de direito a servidão de água, tampouco de qualquer
outro direito real mas, não obstante, contém reflexões bastante preciosas para os fins da ação ora
em julgamento. Trata-se do REsp 1132449/PR, de minha relatoria, ainda não publicado, julgado
em 13/3/2012. Nele a questão enfrentada era a seguinte: se uma parte obtém, perante o INPI, o
registro de um desenho industrial, seria lícito ao juízo estadual, pela via incidental, negar à parte o
direito à exclusividade decorrente de tal registro, sem ação própria em que se pleiteasse a
respectiva nulidade?
Na espécie, um desenho industrial havia sido copiado por uma empresa e a titular
do registro buscava coibir a comercialização ilegal do produto contrafeito. O juiz estadual,
reputando nulo o registro - mas sem declará-lo, porque não seria materialmente competente para
tanto - permitiu que a mercadoria contrafeita fosse regularmente comercializada.
Ao apreciar a questão, esta Corte a decisão local deveria ser reformada. Sem a
anulação do registro público, seus efeitos próprios deveriam ser regularmente produzidos e a
comercialização de mercadoria contrafeita, discutida naquele precedente, deveria ser impedida.
Eis a ementa do julgado:

PROCESSO CIVIL E DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECUTAL.


REGISTRO DE DESENHO INDUSTRIAL E DE MARCA. ALEGADA
CONTRAFAÇÃO. PROPOSITURA DE AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO.
NULIDADE DO REGISTRO ALEGADO EM MATÉRIA DE DEFESA.
RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL, COM REVOGAÇÃO DE LIMINAR
CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. REVESÃO DO
JULGAMENTO. NULIDADE DE PATENTE, MARCA OU DESENHO DEVE
SER ALEGADA EM AÇÃO PRÓPRIA, PARA A QUAL É COMPETENTE A
JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1. A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca, patente ou
desenho industrial perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é
competente a Justiça Federal. Ao juiz estadual não é possível, incidentalmente,
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considerar inválido um registro vigente, perante o INPI. Precedente.
2. A impossibilidade de reconhecimento incidental da nulidade do registro não implica
prejuízo para o exercício do direito de defesa do réu de uma ação de abstenção. Nas
hipóteses de registro irregular de marca, patente ou desenho, o terceiro interessado
em produzir as mercadorias indevidamente registrada deve, primeiro, ajuizar uma
ação de nulidade perante a Justiça Federal, com pedido de antecipação dos efeitos
da tutela. Assim, todo o peso da demonstração do direito recairia sobre o suposto
contrafator que, apenas depois de juridicamente respaldado, poderia iniciar a
comercialização do produto.
3. Autorizar que o produto seja comercializado e que apenas depois, em matéria de
defesa numa ação de abstenção, seja alegada a nulidade pelo suposto contrafeitor,
implica inverter a ordem das coisas. O peso de demonstrar os requisitos da medida
liminar recairia sobre o titular da marca e cria-se, em favor do suposto contrafeitor,
um poderoso fato consumado: eventualmente o prejuízo que ele experimentaria com
a interrupção de um ato que sequer deveria ter se iniciado pode impedir a concessão
da medida liminar em favor do titular do direito.
4. Recurso especial provido, com o restabelecimento da decisão proferida em
primeiro grau.

A mesma ideia, com alguma adaptação, poderia ser transferida à hipótese dos
autos. Também aqui não se pode negar a produção dos efeitos naturais do registro público da
servidão, sem uma ação em que tal matéria seja questionada pela via direta.
Vale lembrar - e aqui ingressamos na segunda linha de argumentos aduzida nos
recursos especiais - que a água é um bem público de fundamental importância, que conta com
disciplina jurídica especial. O art. 1º, III, da Lei 9.433/97 disciplina que "em situações de
escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos
animais". O art. 71, §3º, do Código de Águas, disciplina que "terá sempre preferência sobre
quaisquer outros, o uso das águas para as primeiras necessidades da vida".
A escassez de água do condomínio não é negada pelo acórdão recorrido, que
apenas ponderou que, por um determinado período de tempo, este conseguiu atingir certo nível
de autossuficiência. Ora, se não se nega a escassez, como negar o acesso à água? Não há uma
menção sequer no acórdão recorrido à circunstância de que o condomínio pretenda se valer da
servidão para qualquer outro fim, que não seja o de se abastecer. Não se cogita que o
condomínio queira comercializar a água, em vez de simplesmente utiliza-la para consumo humano.
Não há, portanto, sentido em que se lhe negue o exercício desse direito essencial.
No confronto entre a necessidade de água para subsisistência e a necessidade de

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água para comércio, é evidente que privilegiar o comércio ofende os arts. 1º, III, da Lei 9.433/97
e 71, §3º, do Código de Águas. As necessidades do condomínio, garantidas por contrato de
servidão registrado, devem ser atendidas com urgência.
O provimento dos recursos especiais, portanto, é de rigor.

III - A multa do art. 538 do CPC

Por fim, observa-se que a interposição dos embargos apresentados, tanto por
FLÁVIO GODINHO, como pelo CONDOMÍNIO e seus litisconsortes, na origem, buscou o
aprimoramento da prestação jurisdicional com melhor esclarecimento das matérias abordadas
pelo TJ/RJ no julgamento dos recurso de apelação. Assim, a aplicação da multa fixada no art.
538 do CPC consubstanciou, para todos os recorrentes, medida exagerada. Fica, portanto,
afastada essa penalidade.

Forte nessas razões, conheço dos recursos especiais e dou-lhes parcial provimento
para, rejeitando as matérias preliminares apresentadas, reconhecer, no mérito, o direito do
CONDOMÍNIO e, por extensão, de seus condôminos (entre os quais o recorrente FLÁVIO
GODINHO) à servidão de água, afastando as multas impostas pelo acórdão recorrido.
O exercício desse direito deve se dar, conforme o caso, mediante pedido de
autorização às autoridades públicas competentes, se necessário, nos termos da Lei.
No que diz respeito ao dano moral, não há, nos recursos especiais, pedido para
que seja renovada sua apreciação, de modo que ele resta afastado.
Ficam invertidos os ônus da sucumbência.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2009/0030733-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.124.506 / RJ

Números Origem: 20050790016082 200700135213 200813400954 200813502342

PAUTA: 10/04/2012 JULGADO: 10/04/2012

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Servidão

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, dando parcial provimento aos recursos
especiais, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Aguardam os
Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.506 - RJ (2009/0030733-0)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Pedi vista dos autos
para melhor exame da controvérsia, especialmente, quanto ao mérito das irresignações
recursais.
Trata-se de dois recursos especiais, o primeiro interposto por FLÁVIO GODINHO,
e o segundo por CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO, ambos com fundamento
na alínea "a" do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal e interpostos contra acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Noticiam os autos que, em 21.9.2005, CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO,
JOSÉ HAROLDO RIBEIRO FALCÃO e FERNANDO RIBEIRO FALCÃO propuseram ação de
cumprimento de obrigação de fazer contra o ESPÓLIO DE PAULO WALDEMAR RIBEIRO
FALCÃO, representado pela inventariante NELIA CAMPELLO FALCÃO, objetivando a
condenação do réu ao fornecimento, "na forma do Contrato de Servidão de Água, 1/3 (um
Terço) da vazão da Fonte Kelau à 'Data de terras Remanescentes', onde foi instalado o
Condomínio Vale de São Francisco, ou, alternativamente, constatada a impossibilidade material
do cumprimento, a conversão do inadimplemento em perdas e danos, na forma do artigo 461 e
seu parágrafo 1º, do Código de Processo Civil" (e-STJ fl.14). Pugnaram, ainda, pela
condenação por danos morais.
O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos (e-STJ fls. 410-417).
Irresignadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação (e-STJ fls.
406-423 e 433-457).
A Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do ESPÓLIO, para majorar o valor
arbitrado a título de honorários advocatícios, e, por maioria de votos dos seus integrantes,
negou provimento ao recurso do CONDOMÍNIO E OUTROS.
O aresto ficou assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE SERVIDÃO DE ÁGUAS. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA.
Valor da causa. Pedidos subsidiários. Valor do pedido principal. Cumprimento
contratual. Contrato sem conteúdo econômico registrado. Abastecimento de água
a outro imóvel. Estimativa em R$ 50.000,00. Razoabilidade. Benefício econômico
que carecia de certeza e determinação.
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Mérito. Verificação da subsistência do contrato e da possibilidade do implemento
da obrigação. Contrato de servidão de água. Condição resolutiva expressa
consistente na auto-suficiência quanto ao abastecimento de água. Prova dos
autos. Memorial descritivo do condomínio-autor, que revela a implementação da
condição. Auto-suficiência para abastecimento de água, que também foi admitida
pelo condômino e apelante-autor em assembléia condominial. Implementada a
condição resolutiva, a obrigação de fornecer água restou extinta. Uma vez
desfeito o pacto, não pode a superveniente escassez de água - seja oriunda de
fatores climáticos, seja do aumento da demanda dos condôminos - pretender
ressuscitá-lo.
Danos morais. Incorrência de conduta que configure violação aos direitos dos
apelantes-autores. Fatos que, em tese, estariam exauridos no dano patrimonial.
Honorários advocatícios. Reforma da sentença para fixá-los na forma do art. 20,
§4º, do CPC. Apreciação eqüitativa do magistrado. Complexidade da causa,
existência de incidente processual e zelo profissional, a justificar a sua majoração
para R$ 10.000,00.
PARCIAL PROVIMENTO DO PRIMEIRO RECURSO e DESPROVIMENTO DO
SEGUNDO" (e-STJ fl. 525).

Os embargos de declaração opostos pelo CONDOMÍNIO E OUTROS foram


rejeitados (e-STJ fls. 642-646), e aqueles opostos por FLÁVIO GODINHO, na condição de
terceiro prejudicado, não foram conhecidos, com imposição de multa (e-STJ fls. 637-640).
Os novos aclaratórios opostos pelo CONDOMÍNIO E OUTROS foram rejeitados
com a imposição de multa (e-STJ fls. 656-659).
CONDOMÍNIO E OUTROS opuseram, ainda, terceiros embargos de declaração,
também rejeitados (e-STJ fls. 672-676).
Em suas razões (e-STJ fls. 696-734), FLÁVIO GODINHO alega, inicialmente,
negativa de prestação jurisdicional no julgamento dos embargos de declaração (art. 535, inciso
II, do Código de Processo Civil).
Em sequência, aponta ofensa aos seguintes dispositivos legais com as
respectivas teses: (i) artigo 499, § 1º, Código de Processo Civil - legitimidade para recorrer na
qualidade de terceiro prejudicado; (ii) não cabimento da multa por litigância de má-fé; (iii) artigo
109, inciso I, da Constituição Federal e artigos 111, 267, inciso IV, § 3º, 301, inciso II, § 4º, do
Código de Processo Civil - incompetência da Justiça estadual; (iv) artigo 47, parágrafo único, do
Código de Processo Civil - litisconsórcio necessário entre os proprietários das unidades
autônomas do Condomínio; e (v) artigo 6º do Código de Processo Civil - ilegitimidade ativa.
No mérito, defende a violação dos artigos 1.383, 1.387 e 1.388, inciso II, do
Código Civil, argumentando que:
(a) "Não se pode pretender que uma área de matas, sem qualquer residência
construída, como assim era em dezembro de 1995, reivindique servidão para abastecimento das

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casas..., pois naquela época não existia nenhuma casa" (e-STJ fls. 727-728);
(b) "afronta a lógica mais elementar que no início da implantação de um
loteamento de 64 unidades autônomas, em 1998, quando apenas 3 ou 4 residências já haviam
sido construídas, pudesse o prédio serviente considerar implementada a cláusula resolutiva de
auto-suficiência de água de todo o empreendimento" (e-STJ fl. 728);
(c) "Nos autos nada existe que indique que a 'Fonte Kelau' tenha iniciado suas
atividades comerciais. (...) Na realidade, embora a concessão de lavra tenha sido outorgada em
1998, jamais a fonte entrou em operação" (e-STJ fl. 729);
(d) "entre a data da interdição - 2000 - e o ajuizamento da interpelação - 2004 - ,
está demonstrado nos autos, ad nauseam, o inconformismo aos Autores, pela interdição do
poço pelo DNPM, com iniciativas de instauração de feitos contra a mineração desde 2001, junto
à Delegacia Policial (fls. 298/299 e fls. 296/297), à Justiça Estadual (fls. 146/150), ao Ministério
Público (fls. 151/164) e ao Departamento Nacional de Produção Mineral (fls. 120/123)" (e-STJ fl.
729);
(e) "o v. acórdão desconsiderou as provas produzidas a respeito da escassez de
água desde a construção das primeiras casas, nas épocas de estiagem (meses de junho, julho,
agosto e setembro), o que é comprovado pelas Atas Assembleares, sendo, ademais, fato
público e notório na Região Serrana" (e-STJ fl. 730);
(f) "o cancelamento de uma servidão não pode ser unilateral (à revelia do prédio
dominante) e subordina-se à observância dos dispositivos legais apontados como violados"
(e-STJ fl. 730);
(g) "a questão da 'auto-suficiência de água' é matéria está inserida na categoria
de 'conceitos jurídicos indeteminados (...)'. Nessa categoria de 'conceito jurídico
indeterminado', e levando em conta a inexistência de perícia a respeito da questão da
'auto-suficiência', seria indispensável o expresso pronunciamento judicial a respeito das provas
e alegações produzidas pelos Autores, pronunciamento esse em que se omitiu o v. acórdão
recorrido" (e-STJ fl. 730);
(h) "O documento de (fl. 18) mostra que no mês de dezembro a precipitação
pluviométrica é de 281,9 mm., enquanto que no mês de julho é de apenas 28,9 mm., ou seja,
dez vezes menos" (e-STJ fl. 731);
(i) "não é lícito supor-se, como fez o v. acórdão recorrido, extinto um contrato sem
haja no documento 'pretensamente extintivo', qualquer menção expressa a essa extinção"
(e-STJ fl. 731);
(j) "não obstante o artigo 474 do Código Civil estabeleça que a 'cláusula

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resolutiva' opera de pleno direito', a verdade é que há necessidade de submissão ao crivo do
judiciário, para análise das circunstâncias que justificam ou não a resolução" (e-STJ fl. 731); e
(k) "O direito real de servidão que beneficia o Recorrente encontra-se, assim, em
pleno vigor, seja porque: a) - não foi comprovada a implementação da condição resolutiva; b) -
não foi declarada esta, previamente, pelo Judiciário e c) - não foi averbado no registro
imobiliário" (e-STJ fl. 732).
O recorrente FLÁVIO GODINHO entende, ainda, que malferidos os artigos 71, §
3º, do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e 1º, inciso III, da Lei nº 9.433/1997, pelas
seguintes razões:

"O acórdão também violou o § 3º do artigo 71 do Código de Águas, que


dispõe que 'terá sempre preferência sobre quaisquer outros, o uso das águas
para as primeiras necessidades de vida', e o artigo 1º, inc. III, da Lei nº 9.433/97,
que instituiu Política Nacional de Recursos Hídricos, que dispõe que 'em
situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo
humano e a dessentação de animais.'
Nesse ponto cabe notar, d.v., um importante equívoco do v. acórdão, ao
afirmar, à fl. 630, no julgamento dos primeiros Em. Declaração, que os
dispositivos mencionados 'são normas de cunho principiológico e não permitem o
malferimento do direito de propriedade'. (sic)
Com efeito, 'direito de exploração mineral' não se confunde com 'direito
de propriedade', como afirma o v. acórdão recorrido. O v. acórdão equivocou-se.
Com efeito, data maxima venia, 'substância mineral', ainda que com outorga
federal para exploração, é propriedade da União Federal, de acordo com o art.
da Constituição, e não 'propriedade' do concessionário. 'Propriedade' do
concessionário é apenas o produto elaborado final da substância" (e-STJ fl. 733).

CONDOMÍNIO E OUTROS (e-STJ fls. 771-808), por sua vez, apontam violação
dos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil, visando o afastamento da multa imposta em
sede de embargos de declaração, e dos artigos 1.383, 1.387 e 1.388 do Código Civil, artigo 71,
§ 3º, do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e artigo 1º, inciso III, da Lei nº 9.433/1997,
reproduzindo as mesmas alegações do recurso especial de FLÁVIO GODINHO.
Após apresentação de contrarrazões (e-STJ fls. 815-836 e 838-851), os recursos
foram inadmitidos na origem (fls. 874-878), ascendendo os autos a esta Corte por força do
provimento dado em agravo de instrumento (e-STJ fl. 883).
Levado o feito a julgamento pela egrégia Terceira Turma, em 10.4.2012, após a
prolação do voto da ilustre relatora, Ministra Nancy Andrighi, conhecendo dos recursos
especiais e dando-lhes parcial provimento, pedi vista antecipada dos autos e ora apresento
meu voto.
É o relatório.

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No tocante à alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, sustenta
o recorrente FLÁVIO GODINHO que o acórdão impugnado teria deixado de se manifestar
acerca de questões relevantes para o deslinde da controvérsia suscitadas em sede de
embargos de declaração consistente nos seguintes pontos: "a) - legitimidade do terceiro
prejudicado, na forma no art. 499, § 1º, do CPC; b) - nulidade do v. acórdão em virtude de
violação do art. 47, § único, do CPC - Falta de litisconsorte necessário unitário; c) - nulidade do
v. acórdão em virtude de violação do princípio do contraditório - art. 5º, inc. LIV e LV da CF. d) -
nulidade do v. acórdão em virtude da ilegitimidade ad causam do Condomínio - violação do art.
6º do CPC. e) - nulidade do v. acórdão em virtude da incompetência absoluta da Justiça
Estadual - violação ao art. 109, inc. I, da CF e art. 111 do CPC." (e-STJ fl. 711).
O que se depreende dos autos é que os embargos de declaração opostos pelo
recorrente não foram conhecidos porque afastada pelo Tribunal de origem a sua condição de
terceiro prejudicado, pois teria comparecido no feito ostentando a qualidade de titular do direito
real de servidão em oposição ao direito pleiteado pelo Condomínio.
É o que se colhe do seguinte excerto:

"É cediço que o art. 499, caput e §1º, do CPC confere legitimidade para
recorrer ao terceiro prejudicado, desde que este demonstre o nexo de
interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida
à apreciação judicial.
Humberto Theodoro Júnior, ao tratar do tema, in Curso de Direito
Processual Civil, Vol. I, 20ª edição, Ed. Forense (p. 554 e 144), assim preleciona:

'O recurso do terceiro interessado apresenta-se como forma ou


modalidade de 'intervenção de terceiro' na fase recursal. (...) Como
interveniente, apenas para coadjuvar a parte assistida, o terceiro que
recorre no processo alheio não pode defender direito próprio que exclua
o direito dos litigantes. Isto só é possível através da ação de oposição
(art. 56). O recurso do terceiro, portanto, há de ser com o fito de
defender a parte sucumbente, tão apenas.
(...)
Dessa maneira, o terceiro que tem legitimidade para recorrer é aquele
que, antes, poderia ter ingressado no processo como assistente ou
litisconsorte.
É importante ressaltar que o recurso de terceiro não se equipara aos
embargos de terceiro ou a uma nova espécie de rescisória, em que o
recorrente pudesse exercer uma nova ação, alegando e defendendo
direito próprio, para modificar, em seu favor, o resultado da sentença.
Mesmo porque seria contrário a todo o sistema do devido processo legal
vigente entre nós imaginar que o terceiro pudesse iniciar, sem forma
nem figura de Juízo, uma ação nova já no segundo grau de jurisdição.
Exata, a respeito da matéria, é a lição de Vicente Greco Filho: ‘... Ao
recorrer, o terceiro não pode pleitear nada para si, porque ação não
exerce. O seu pedido se milita à lide primitiva e a pretender a
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procedência ou improcedência da ação como posta originariamente
entre as partes. Desse resultado, positivo ou negativo para as partes, é
que decorre o seu benefício, porque sua relação jurídica é dependente
da outra’(Da intervenção de Terceiros, 2ª edição, São Paulo, 1986,
p.103)' (grifos nossos)

Ora, ao asseverar no item 09 de fls.541 que é titular de direito real sobre


a fonte Kelau, o embargante proprietário de 2 unidades imobiliárias está a
apontar fato que não se subsume na norma do art. 499 do CPC, mas sim no art.
56 do CPC. Isso porque, ao alegar que é titular do direito real de servidão, está a
negar o direito real de servidão pretendido pelo condomínio, o que o afasta da
figura do assistente e o aproxima da figura do opoente, eis que vai de encontro
ao fito de defender a parte sucumbente, presente no instituto do recurso de
terceiro prejudicado. E tal escopo de disputar eventual indenização com o
condomínio se corrobora através da assertiva recursal de que todos os
proprietários de unidades autônomas deveriam ser chamados ao processo para
fins de avaliação do prejuízo acarretado, frise-se, aos proprietários das unidades
autônomas (itens 18 e 19 de fls.544)" (e-STJ fls. 639-640) .

Sobre o art. 499, § 1º, do Código de Processo Civil, portanto, pronunciou-se


expressamente a Corte de origem, ainda que em sentido contrário às pretensões do recorrente.
No ponto, contudo, tenho que merece reparos o acórdão recorrido por entender
que o proprietário de unidade autônoma tem direito de recorrer, como terceiro interessado,
diante de acórdão desfavorável em demanda proposta pelo condomínio.
Segundo o referido dispositivo legal, terá legitimidade recursal o terceiro que
demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica
submetida à apreciação judicial.
Na linha da jurisprudência desta Corte, o terceiro prejudicado é aquele que sofre
um prejuízo na sua relação jurídica em virtude da decisão.
Nesse sentido, a título exemplificativo:

"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO


DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. CESSÃO DE CRÉDITOS. DECISÃO
DEFERITÓRIA DE PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL, QUE ALCANÇA OS
CRÉDITOS CEDIDOS. TERCEIRO PREJUDICADO. LEGITIMIDADE RECURSAL.
NÃO CONHECIMENTO PELA ALÍNEA 'C'. DECISÃO PROFERIDA POR MAIORIA
DE JUÍZES FEDERAIS CONVOCADOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ
NATURAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE ENTRE OS JULGADOS
CONFRONTADOS. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO AO ART.
535, II, DO CPC, NÃO CONFIGURADA.
1. O terceiro prejudicado, legitimado a recorrer por força do nexo de
interdependência com a relação sub judice (art. 499, § 1º, do CPC), é aquele
que sofre um prejuízo na sua relação jurídica em razão da decisão.
(Precedentes: AgRg na MC 7.094/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA
TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 07/06/2010; AgRg no REsp 782.360/RJ,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
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17/11/2009, DJe 07/12/2009; REsp 927.334/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 06/11/2009; REsp 695.792/PR,
Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2009,
DJe 19/10/2009; REsp 1056784/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 29/10/2008; REsp 656.498/PR,
Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 14/06/2007, DJ 03/09/2007; REsp 696.934/PB, Rel. Ministro HÉLIO
QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 04/06/2007;
REsp 740.957/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em
06/10/2005, DJ 07/11/2005; REsp 329.513/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2001, DJ 11/03/2002)
(...)
9. É que, a teor do art. 499, § 1º, do CPC, a faculdade de recorrer de terceiro
prejudicado é concedida ante a demonstração da ocorrência de prejuízo jurídico,
vale dizer, o terceiro, titular de direito atingível, ainda que reflexamente, pela
decisão e, por isso, pode impugná-la.
10. A doutrina de Barbosa Moreira é escorreita nesse sentido, verbis: 'O
problema da legitimação, no que tange ao terceiro, postula o esclarecimento da
natureza do prejuízo a que se refere o texto legal. A redação do § 1º do art. 499
está longe de ser um modelo de clareza e precisão: alude ao nexo de
interdependência entre o interesse do terceiro em intervir 'e a relação jurídica
submetida à apreciação judicial', quando a rigor o interesse em intervir é que
resulta do 'nexo de interdependência' entre a relação jurídica de que seja titular o
terceiro e a relação jurídica deduzida no processo, por força do qual,
precisamente, a decisão se torna capaz de causar prejuízo àquele. ... (...)
observe-se que a possibilidade de intervir como assistente reclama do terceiro
'interesse jurídico' (não simples interesse de fato!) na vitória de uma das partes
(art. 50). Apesar, pois da obscuridade do dispositivo ora comentado, no particular,
entendemos que a legitimação do terceiro para recorrer postula a titularidade de
direito (rectius: de suposto direito) em cuja defesa ele acorra. Não será
necessário, entretanto, que tal direito haja de ser defendido de maneira direta
pelo terceiro recorrente: basta que a sua esfera jurídica seja atingida pela
decisão, embora por via reflexa.' (in Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. V, 15ª ed., Ed. Forense, p. 295/296).
(...)
11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para admitir
o recurso do terceiro prejudicado, retornando os autos para ser julgado pela
instância a quo. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da
Resolução STJ 08/2008".
(REsp 1.091.710/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em
17/11/2010, DJe 25/03/2011 - grifou-se)

No caso, é patente o prejuízo jurídico do proprietário de unidade autônoma de


condomínio em demanda que controverte a extinção de servidão de água. Daí porque tenho
como malferido o dispositivo em comento. De consequência, impõe-se o afastamento da multa
fixada em sede de embargos de declaração.
Entretanto, assim como a relatora, amparado nos postulados da economia
processual e da razoável duração do processo, aliados à possibilidade de apreciação das

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preliminares arguidas no recurso obstado diretamente por esta Corte, considero desnecessário
o retorno dos autos à origem.
E nesses aspectos (legitimidade ativa do Condomínio, inexistência de
litisconsórcio ativo necessário e competência da Justiça estadual) deixo de emitir
pronunciamento nesta oportunidade por acompanhar integralmente as conclusões da ilustre
relatora, que afastou as referidas preliminares, reportando-me aos bens lançados fundamentos
de fls. 8-16 de seu voto.
No tocante à irresignação recursal do CONDOMÍNIO E OUTROS, quanto à
imposição de multa em sede de embargos de declaração, compulsando os autos, verifica-se
que, após ter rejeitados os primeiros declaratórios opostos (e-STJ fls. 642-646), recorreu
novamente o embargante pugnando pelo pronunciamento da Corte de origem acerca de
dispositivo legal que sequer havia sido mencionado em seus anteriores aclaratórios.
Não buscava o embargante, portanto, a meu ver, a correção de nenhum dos
vícios ensejadores dos aclaratórios, mas, sim, a alteração do julgado por via inadequada.
Logo, não escapa o recorrente da imposição da multa imposta ante a oposição de
declaratórios de caráter manifestamente protelatório.
Assim, tendo a Corte de origem vislumbrado o caráter protelatório dos embargos
opostos, não há falar em ofensa ou negativa de vigência aos artigos mencionados, mas em seu
fiel cumprimento, pelo que descabido o apelo nobre no ponto.
No mérito, também apresento posicionamento divergente.
Compulsando os autos, verifica-se que no instrumento particular de servidão de
água, firmando em 1992, constou a seguinte cláusula:

"I) O proprietário da data de terras n.01 (um), PAULO WALDEMAR


RIBEIRO FALCÃO, institui em favor da data de terras n. 02 (dois), e igualmente
em favor da data de terras remanescente, uma SERVIDÃO DE ÁGUA, para o seu
abastecimento, da nascente existente - na DATA DE TERRAS n.01 (um), sendo
que o abastecimento, das três áreas, será feito com uma SAÍDA, para cada uma,
como o mesmo diametro. Fica, outrossim, acordado que, quando a data de
terras remanescente POSSUIR água com capacidade própria para o seu
abastecimento, a presente servidão estará automaticamente extinta, para
todos os efeitos de direito. Esta extinção em nada se relaciona com a servidão
de água estabelecida acima, para a data de terras n.02, (dois), por ser para esta
última, uma servidão perpétua" (e-STJ fl. 95 - grifou-se).

É fato incontroverso entre as partes - que se extrai da simples leitura da cláusula


acima transcrita - que a servidão foi constituída por meio de contrato particular no qual constou
cláusula resolutiva expressa que previu a extinção automática da servidão no momento em que

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o imóvel dominante possuísse água com capacidade própria para o seu abastecimento.
A tese central dos recursos especiais foi resumida pelos recorrentes em três
pontos:

"a) - não foi comprovada a implementação da condição resolutiva;


b) - não foi declarara esta, previamente, pelo Judiciário e
c) - não foi averbado no registro imobiliário" (e-STJ fls. 732 e 804).

No tocante ao primeiro tópico - implemento da condição resolutiva - as conclusões


da Corte de origem decorreram da análise do conjunto fático-probatório carreado aos autos, o
que se pode facilmente aferir da leitura dos fundamentos do julgado atacado, que ora se
colaciona, na parte que interessa:

"(...)
No que concerne ao inconformismo da parte autora, cinge-se à
verificação da subsistência do contrato e à possibilidade do implemento da
servidão de água.
A prova dos autos demonstra que a servidão de água foi estabelecida
através de documento particular, em 19/06/1992 (fls.90). No ano de 1995 foi
criado o condomínio, cujo memorial descritivo menciona nascente própria,
capaz de abastecer a caixa d'água e suprir o abastecimento de água potável
(fls.200/204). No ano de 1999, enfrentando dificuldades quanto ao
abastecimento de água, o condomínio busca alternativas, inclusive com
aproveitamento de nova fonte, conforme se verifica da cópia da ata de assembléia
juntada às fls.215/218. Em 2000, verifica-se (documento de fls. 267/269) que as
dificuldades persistem, levando o condomínio a contratar empresa para
perfuração de poço artesiano, que restou interditado, em dezembro de 2000, pelo
DNPM (fls.213), após denúncia feita por Mineração Aquafine (fls.212). Em junho
de 2004 ajuizou-se interpelação judicial em face dos réus, para fins de
cumprimento do mencionado contrato de servidão de água. Em setembro de
2005, foi ajuizada a presente ação, cujo pedido principal é o cumprimento, pelos
réus, da servidão de água firmada em 1992.
(...)
Com efeito, o pacto de fls.89/91 instituiu a servidão de água para as
terras da apelante-autora, mas também expressou a sujeição dessa obrigação à
condição resolutiva da auto-suficiência no abastecimento de água, nos seguintes
termos: 'Fica, outrossim, acordado que, quando a data de terras remanescentes
possuir água com capacidade própria para o seu abastecimento, a presente
servidão estará automaticamente extinta, para todos os efeitos de direito'.
Por seu turno, o memorial descritivo do condomínio-autor (fls.204)
revela a implementação da aludida condição, uma vez que, acerca do
abastecimento de água, dispõe, in verbis: 'De acordo com o projeto aprovado
pela CAEMPE, em 28/07/95, foi feita a captação de nascente própria, que,
com seu reservatório adequado irá abastecer a caixa d'água de 100.000
(cem mil) litros de capacidade. Situada dentro da Reserva, será possível o
abastecimento dágua potável, integralmente por gravidade, a todas as 64
unidades, reservando-se uma pena dágua para cada uma.'
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 34 de 10
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Logo, em sendo patente o implemento da condição resolutiva, não pode
a obrigação contratual persistir.
Ademais, a mencionada auto-suficiência para abastecimento de
água também foi admitida pelo condômino e apelante-autor, Sr. José Haroldo
Ribeiro Falcão, em assembléia condominial, consignada em ata (fls.261) nos
seguintes termos: 'E) Discussão sobre o fornecimento de água. Com a
palavra, o condômino José Haroldo Ribeiro Falcão fez explanação sobre o atual
sistema de fornecimento de água potável para todos os lotes do Condomínio.
Durante vários anos a nascente existente acima da caixa dágua central de 100 mil
litros funcionou normalmente, inclusive nos meses tradicionalmente mais secos
(julho/agosto/setembro). E esses anos foram cheios de demanda por essa água
tanto na implantação da infra-estrutura do condomínio, como na construção das
primeiras casas. Fenômenos climáticos, conhecidos e repetidos nas mais diversas
regiões do país, criaram a necessidade de buscar um reforço para esse
abastecimento, pelo menos como reserva para épocas de maior seca'.
Assim sendo, se o condomínio conseguiu abastecer-se de água
regularmente durante vários anos, a condição resolutiva foi implementada e,
por conseqüência, a obrigação de fornecer água extinguiu-se. Portanto, uma
vez desfeito o pacto, não pode a superveniente escassez de água – seja oriunda
de fatores climáticos, seja do aumento da demanda dos condôminos – pretender
ressuscitá-lo.
(...)
Pelas datas em que ocorreram os fatos relevantes para o deslinde da
presente causa, é forçoso reconhecer que os proprietários da data de terras
remanescente em favor da qual foi instituída a servidão de água, que veio a se
transformar no condomínio-autor, passou pelo menos 8 anos sem fazer qualquer
tipo de uso da referida servidão. Só veio a pretendê-lo em 2000, quando abriu o
poço artesiano, interditado pelo DNPM. Mesmo após tal interdição, ainda levou 4
anos para ajuizar interpelação judicial, de forma que se configura, no presente
caso, de forma clara e inconteste, a ocorrência da supressio relativamente ao
direito de utilizar-se da servidão de água. Isso porque, ao deixar de utilizar-se da
água do imóvel dos réus, os autores, por sua omissão, geraram nestes a
expectativa de que não necessitariam mais dela. Este fato deve ser considerado
junto com duas outras circunstâncias: a) a fonte de águas Kelau é explorada
economicamente pelos réus, o que faz com que a expectativa que lhes foi gerada
(surrectio) pela omissão dos autores seja extremamente relevante; b) o próprio
instrumento que instituiu a servidão traz, de forma expressa, condição resolutiva
consistente na obtenção da auto-suficiência no abastecimento de água, o que
reforça a expectativa dos réus de que, por não terem os autores se utilizado da
servidão durante 8 anos ininterruptos, dela não mais necessitavam e
implementada estava a condição" (e-STJ fls. 529-531 - grifou-se).

Da leitura dos trechos selecionados extrai-se que a conclusão alcançada pelas


instâncias ordinárias, soberanas na análise do contexto fático-probatório, é a de que a condição
se implementou com a autossuficiência do condomínio no abastecimento de água potável por
meio de nascente própria com capacidade para atender todas as 64 unidades.
Tais conclusões decorreram inquestionavelmente do exame do memorial
descritivo do condomínio, de atas de assembleia, bem como da análise de todo o conjunto

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fático-probatório dos autos.
A revisão desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do recurso
especial, nos termos das Súmulas nº 5 e nº 7/STJ.
Quanto ao cancelamento da servidão, a Corte de origem, provocada por meio da
oposição de embargos declaratórios, esclareceu:

"(...) O cancelamento da servidão em favor da gleba de terras


remanescente decorre do assentamento no Registro de Imóveis, sob a epígrafe
R-6/16.676 (fls. 257), do memorial descritivo do condomínio junto à matrícula do
imóvel dominante, eis que a implementação da condição resolutiva, restou
demonstrada pelo teor do aludido memorial descritivo (fls. 204).
2 - O documento de fls. 252 indica que a averbação da servidão em
apreço no Registro de Imóveis foi feita em 19/01/06, de forma retroativa, e
posteriormente ao assentamento supra citado" (e-STJ fl. 644).

Para o Tribunal de origem, o cancelamento da servidão se operou com o registro


do memorial descritivo do condomínio, que retratava o implemento da condição, na matrícula do
imóvel, sem a necessidade de pronunciamento judicial prévio.
Penso que o acórdão não merece reforma.
É que o artigo 1.388, inciso II, do Código Civil ("O dono do prédio serviente tem
direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante
lho impugne: (...) II - quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a
comodidade, que determinou a constituição da servidão;"), apontado pelo recorrente como
malferido, não tem aplicação no caso dos autos.
No caso em apreço, consoante já explanado, havia cláusula resolutiva expressa
no documento que instituiu a servidão, de modo que inaplicável a regra legal invocada,
reservada, a meu sentir, para os casos em que não há nenhuma previsão contratual.
De fato, ao lado do artigo 1.388, o Código Civil prevê, ainda, em seu art. 1.389,
outras hipóteses de extinção das servidões, não atreladas necessariamente à exigência de
pronunciamento judicial para o cancelamento do registro:

"Art. 1.389. Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente


a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção:
I - pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa;
II - pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título
expresso;
III - pelo não uso, durante dez anos contínuos".

A doutrina especializada indica, além disso, que esse rol legal é meramente
exemplificativo enunciando que "Outras hipóteses de extinção, além das enumeradas, há que

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possibilitam o cancelamento: I - pela destruição do prédio dominante, como a invasão das águas
do mar, ou a inundação definitiva em virtude do erguimento de uma barragem; II - pela
destruição do prédio serviente, nos mesmos casos do inciso anterior; III - por se ter realizado a
condição ou por se ter chegado ao termo que se marcou, ao se constituir; IV - pela
preclusão do direito da servidão, em virtude de atos opostos; V - por decisão judicial, como na
hipótese de desapropriação, e pela resolução do domínio do prédio serviente" (grifou-se)
(RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 912).
No mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa: "A exemplo da propriedade resolúvel,
também a servidão pode ser estabelecida sob termo ou condição, embora não seja regra geral.
O decurso de prazo ou o implemento da condição nessas hipóteses também extingue a
servidão" (Direito civil: direitos reais. 12. ed. v. 5. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 468).
Em tais situações, sendo expressa a previsão de extinção, como no caso, é
dispensável a tutela judicial.
É o que nos ensina Maria Helena Diniz: "Dispõe o art. 1.389, in fine, do nosso
Código Civil que, extinta a servidão por qualquer dessas causas, cabe ao proprietário do prédio
serviente o direito de fazê-la cancelar, mediante prova da extinção. E os arts. 256 e 257 da Lei
n. 6.015/73 prescrevem que o dono do prédio serviente tem direito de cancelar a servidão"
(Curso de Direito Civil brasileiro. 26 ed. v. 4. São Paulo: saraiva, 2011, pág. 441).
No caso dos autos, não houve a necessidade de o proprietário do prédio
serviente requerer o referido cancelamento porque o próprio CONDOMÍNIO levou a registro o
memorial descritivo da sua criação, que revelava a implementação da condição resolutiva.
Daí porque tenho que não houve malferimento dos artigos 1.383, 1.387 e 1.388,
inciso II, do Código Civil apontados como violados.
Quanto aos artigos 71, § 3º, do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e 1º,
inciso III, da Lei nº 9.433/1997 - ao disporem, genericamente, que "Terá sempre preferência
sobre quaisquer outros, o uso das águas para as primeiras necessidades da vida" e "em
situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a
dessedentação de animais" -, não contêm comando normativo suficiente para infirmar as
conclusões do acórdão.
E quanto ao ponto, cingiram-se os recorrentes a apontar violação sem
demonstrar, sequer de modo implícito, de que maneira o acórdão recorrido teria malferido tais
artigos de lei federal.
A deficiência na fundamentação do recurso atrai à hipótese a incidência da
Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a

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deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia."
Registre-se, por fim, que a servidão, por constituir forma de limitação ao direito de
propriedade, deve ser interpretada restritivamente no momento da solução de conflitos surgidos
entre as partes envolvidas. Vale citar a lição de Arnaldo Rizzardo:

"Servitus non praesumitur. Há de ser explícita. A interpretação é sempre


restrita, pois envolve o ônus uma limitação ao exercício da propriedade. Na
dúvida, não é reconhecida, competindo a prova a quem afirma a sua existência.
Os tribunais decidem neste rumo, partindo do então art. 696 do Código
Civil revogado, cujo conteúdo está no art. 1.378 do Código atual, quando dispõe
que a servidão se constitui mediante declaração expressa do dono do imóvel:
'Estabelece o art. 696 do CC que a servidão não se presume, na dúvida
reputa-se não existir, isto é, no conflito de provas apresentadas pelo autor e pelo
réu, decide-se contra a servidão'" (Direito das coisas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, pág. 875).

Ante o exposto, com a devida vênia da eminente relatora, conheço dos recursos
especiais para: 1) NEGAR PROVIMENTO ao recurso especial do CONDOMÍNIO E OUTROS e 2)
DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO, em menor extensão,
apenas para afastar a multa imposta nos seus embargos de declaração.
É o voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.506 - RJ (2009/0030733-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):


Sr. Presidente, eminentes Ministros, eu havia recebido, na sessão
do dia 10 de abril de 2012, o voto da eminente Ministra Relatora, que dava parcial
provimento ao recurso, rejeitando as matérias preliminares e reconhecendo, no mérito,
o direito do condomínio e, por extensão, dos seus condôminos, entre os quais o
recorrente Flávio Godinho à servidão de água, afastando as multas.
A conclusão do voto do eminente Ministro Villas Bôas Cueva no
que diz respeito ao afastamento da multa em relação ao recurso de Flávio Godinho é
conforme a mesma conclusão da eminente Relatora. A divergência está que a Sra.
Ministra Relatora conhece do recurso do condomínio e lhe dá provimento, e o Sr.
Ministro Villas Bôas Cueva nega-lhe provimento.
Cotejando as duas posições, com todo respeito à divergência ora
inaugurada pelo eminente Ministro Villas Bôas Cueva, estou em acompanhar o voto da
eminente Relatora, porque a questão aqui versa sobre o acesso ao consumo de água, e
o condomínio, pela leitura, aqui, do voto, é constituído por 64 unidades residenciais, e
não está aqui em jogo a questão da eventual comercialização dessa água. E, na
verdade, o terceiro interessado, o condômino Flávio Godinho, também faz parte desse
condomínio. Parece-me, então, que negar acesso a esse bem essencial, que é a água,
não é adequado, no sentido de estabelecer, no campo do relacionamento condominial,

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um direito a que têm todos. Então, não podemos privilegiar apenas esse condômino,
que faz parte de toda a unidade condominial.
Com isso, acompanho a eminente Ministra Relatora, no sentido
também de dar provimento parcial ao recurso do condomínio e, na extensão aos seus
condôminos também, entre os quais o próprio Flávio Godinho, à servidão de água,
afastando a multa imposta pelo acórdão recorrido.

Ministro MASSAMI UYEDA

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2009/0030733-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.124.506 / RJ

Números Origem: 20050790016082 200700135213 200813400954 200813502342

PAUTA: 05/06/2012 JULGADO: 05/06/2012

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Servidão

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, negando provimento ao recurso especial de CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO
e Outro e dando parcial provimento ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO, e o voto do Sr.
Ministro Massami Uyeda, acompanhando a Sra. Ministra Relator, no sentido de dar parcial
provimento aos recursos especiais, pediu vista o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Aguarda o Sr.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.506 - RJ (2009/0030733-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

VOTO-VISTA (Convergente com o Voto da E. Relatora)

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.- O CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO, JOSÉ HAROLDO


RIBEIRO FALCÃO e FRANCISCO FERNANDO RIBEIRO FALCÃO (condôminos,
estes, do referido Condomínio), moveram, em 21.9.2005, ação de Cumprimento de
Obrigação de Fazer e, alternativamente, de Indenização por Perdas e Danos, contra o
ESPÓLIO DE PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO (representado pela inventariante
Nélia Campello Falcão), pedindo: a) condenação (CC, art. 436) do Réu (o Espólio) a
fornecer 1/3 da água da vazão da “Fonte Kelau”, à parte de terras remanescentes em que
instalado o Condomínio Vale de São Fernando; b) perdas e danos (CC, art. 461, e § 1º), se
constatada impossibilidade de fornecimento.

Extrai-se do relatório da sentença (e-STJ fls. 410; autos físicos, fls. 390)
que: a) por documento particular (fls. 90 dos autos físicos), Paulo (ora seu Espólio, acionado)
pactuou, por documento particular, a instituição de uma servidão de água em favor de área de
terras então de propriedade sua, de José Haroldo, Francisco e Vera Maria, área sobre a qual
foi constituído o loteamento de que se originou o Condomínio autor; b) anteriormente,
contudo, ao pacto de instituição da servidão, Paulo dera início a procedimento administrativo
para obter direito de lavra sobre a nascente, cujos direitos veio a ceder a Empresa Mineradora
Acquafine, fato ocorrido sem conhecimento do Condomínio e condôminos autores, que viram
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inviabilizado o abastecimento da água proveniente da servidão.

2.- A sentença (e-STJ fl. 410/417; físicos, fls. 380/396) julgou


improcedente a ação, condenando os autores ao pagamento de “custas processuais e
honorários de advogado, arbitrados estes em 10% sobre o valor dado à causa, devidamente
corrigido a partir da data da propositura da ação” (R$ 50.000,00, em 21.9.2005).

O fundamento da sentença consiste em que a nascente foi objeto de


concessão por meio de Portaria de Lavra em favor de Aquafine e que o contrato jamais
levado a registro público, sendo obrigação apenas pessoal e inoponível a terceiros.

3.- O Acórdão ora recorrido (e-STJ fls. 525/531, rejeitados Embargos,


e-STJ fls. 656/676), Relª Desª CELIA MARIA VIDAL MELIGA PESSOA, com o voto do
Des. ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA, vencido o Revisor, Des. LUIS FELIPE
SALOMÃO), deu provimento em parte à Apelação do Réu, o Espólio de Paulo Waldemar
Ribeiro Falcão, tão somente para elevar o valor dos honorários advocatícios, e negou
provimento à Apelação dos Autores, Condomínio Vale de são Fernando e condôminos. O
Voto-Vencido dava provimento em parte ao recurso dos autores, “para julgar procedente, em
parte, o pedido subsidiário, condenando-se o réu ao pagamento de indenização, apurando-se
o valor em sede de liquidação por arbitramento”, prejudicado o apelo do réu (o Espólio),
sendo que, 'diante da sucumbência recíproca, as custas devem ser rateadas e os honorários
advocatícios compensados” (e-STJ fls. 540; originários, fls. 532).

É o relatório.

4.- Quanto às numerosas matérias preliminares, meu voto segue os Votos


antecedentes, proferidos pela E. Minª relatora, NANCY ANDRIGHI, acompanhado pelo
Voto do E. Min. MASSAMI UYEDA, e Voto-Vista, divergente quanto ao mérito, do E. Min.
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, supero as preliminares, a todas, nos exatos termos de
aludidos votos, inclusive quanto ao conhecimento da Apelação do interveniente Flávio
Godinho.

5.- No mérito, indo diretamente ao fulcro da controvérsia e dispensado

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demonstrar a importância e a necessidade da água para quem vive em condomínio residencial,
meu voto dá provimento aos Recursos Especiais, julgando procedente a ação, nos termos do
pedido inicial principal, isto é, condenando o Espólio, proprietário do prédio serviente, ao
cumprimento da servidão de água em prol do prédio dominante (condomínio e condôminos).

a) É que se tem, no caso, servidão de águas averbada no Registro de


Imóveis (ao contrário do que entrevisto pela sentença, mas nos termos em que expressamente
firmado pelo Acórdão, corrigindo, nesse ponto, a sentença).

Enquanto estiver registrada em Cartório, o condomínio e os condôminos do


prédio dominante podem exigir o cumprimento da obrigação de servir, por parte do prédio
serviente, o qual, para desligar-se da servidão, deve promover-lhe o cancelamento no Registro
de Imóveis.

b) Não basta o simples sentir, da parte do Espólio acionado, que a servidão


tenha se exaurido por implemento de condição consistente na cessação da necessidade da
servidão, por autossuficiência do condomínio (cláusula pacificamente tida por existente na
instituição da servidão), quando os contrários sustentam a persistência da necessidade,
alegando, inclusive, que em períodos de estiagem têm de solicitar o fornecimento por
caminhões-pipa (Acórdão, e-STJ, fls. 643 e autos físicos, fls. 629).

A decisão a respeito do já implemento da condição de necessidade, ou não,


da água, para a extinção, ou não, da servidão, repousa, se houver, no comum acordo das
partes, ou, no caso de discórdia, à decisão judicial, que o Espólio proprietário do imóvel
serviente não providenciou antes do início deste processo, limitando-se a argui-la na
contrariedade, ou seja, formulando exceção.

Podia o Espólio, realmente, excepcionar, necessitando, mas precisava, em


seguida, provar os fundamentos da exceção, isto é, a desnecessidade da servidão, ou seja,
ainda, que o condomínio tinha água suficiente para manter-se.

Nesse ponto o Acórdão, conquanto cuidadoso, valorou equivocadamente os


elementos vindos para os autos, pois, não se tendo produzido prova pericial ou testemunhal (e,

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se o houvesse, incidiria a Súmula 7/STJ, que veda o reexame fático), atribuiu consequências
jurídicas, que realmente não existem, dos atos de instituição do condomínio (em 1995),
pressupondo a captação de água de nascente própria (memorial descritivo e registro no
Registro de Imóveis, R-6/16.676, e-STJ fls. 204 e 257 dos autos físicos).

Essas manifestações, na constituição do condomínio, não exoneravam da


cláusula instituidora da servidão, porque não tinham a finalidade de reconhecimento, perante o
Espólio, da desnecessidade, ante os aludidos “recursos próprios”, mas, sim, e apenas, tinham
por finalidade satisfazer os requisitos da lei para a instituição de condomínios.

Os “recursos próprios”, aludidos nos atos registrários do Condomínio, não


excluíam a conta, entre eles, das águas decorrentes da servidão, que é claro que também se
incluíam entre os “recursos próprios”, tanto que constantes da servidão anteriormente
avençada.

Não havia razão para restringir a expressão “recursos próprios” a águas


oriundas de “poços próprios”, cavados no próprio terreno.

c) Acresça-se que, quando o condomínio procurou auto-manter-se de água,


mediante a construção de poços artesianos próprios, veio a ser impedido de fazê-lo, por
proibição do órgão governamental, em virtude de denúncia feita pelo próprio Espólio.

Contraditório, assim, que o Espólio, proprietário do imóvel serviente,


sustente, para o implemento da condição da servidão, consistente em ter o prédio dominante
“recursos próprios”, o fato de possuir água proveniente de poço que ele mesmo, o Espólio, se
encarregou de alegar inviável perante as normas governamentais

d) Além, disso, de “supressio” e “surrectio” não se pode cogitar para


bloquear o exercício do direito de servidão por parte dos autores.

Com efeito, o fundamento último dos institutos da “supressio” e


“surrectio” é a boa-fé objetiva do por eles beneficiado.

No caso, contudo, seria contraditório reconhecer essa boa-fé objetiva em


prol dos titulares do imóvel serviente, pois na verdade, pelo antecessor Paulo, quando

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pactuada a instituição de servidão (em 19.6.1992), já protocolara, ele, na Junta Comercial (em
3.6.1991), pedido de exploração e pesquisa de água mineral no DNPM (Departamento
Nacional da Produção Mineral), em seguida já se registrando, na Junta Comercial (em
23.11.1994), a empresa de mineração “Mineração Acquafine Ltda.”, à qual vieram a ser
cedidos (em 13.5.1995), os direitos minerários.

A discussão dos autos não mergulhou em razões subjetivas do agir do


instituidor da servidão – as quais podem ter existido, escusáveis ou não, consentidas, ou não,
por titulares do imóvel serviente – mas a verdade é que os atos praticados arredam a
configuração de boa-fé de caráter objetivo, isto é, aquela que se evidencia “a batter
d'occhio”, em seu prol.

6.- Essa linha de considerações, que se torna angusta no âmbito estreito da


modalidade recursal exercitada perante esta Corte, não permite trilhar o enfoque de solução da
controvérsia, consistente na conclusão indenizatória, constante do Voto Vencido, declarado
pelo então Desembargador LUIS FELIPE SALOMÃO na origem, ou seja, de que “a
servidão, regularmente constituída e registrada, correspondeu a vantagens de ordens diversas
ao loteamento, dentre elas e econômica, porquanto acarretou valorização pecuniária do bem
('mais valia')” (e-STJ fls. 538 e autos físicos, fls. 530).

Mas a síntese certeira desse Voto bem indica o prejuízo efetivo e o valor
econômico perdido, ante a recusa de servir, havendo imóvel serviente de servidão viva,
constante de registro no Registro de Imóveis não cancelado.

7.- Por esses fundamentos, pedindo vênia ao E. Min. VILLAS BÔAS


CUEVA, meu voto acompanha o voto da E. Relatora, nos exatos termos em que proferido.

Ministro SIDNEI BENETI

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.124.506 - RJ (2009/0030733-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


(Relator):
Srs. Ministros, pedindo vênia ao Sr. Ministro Villas Bôas Cueva, estou
acompanhando o voto da eminente Ministra Relatora, dando parcial provimento aos recursos
especiais.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2009/0030733-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.124.506 / RJ

Números Origem: 20050790016082 200700135213 200813400954 200813502342

PAUTA: 19/06/2012 JULGADO: 19/06/2012

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Servidão

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, a Turma,
por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO e, por
maioria, deu parcial provimento ao recurso especial do CONDOMÍNIO VALE DE SÃO
FERNANDO E OUTRO. Vencido o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Participaram do
julgamento os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo
Villas Bôas Cueva.

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