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ACÓRDÃO
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 3 de 10
Superior Tribunal de Justiça
RELATÓRIO
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(ii) 71, § 3º do Código de Águas (Dec. 24.643/34), bem como 1º, III, da Lei 9.433/97, que
estabelecem, como prioridade para a utilização dos recursos hídricos, as necessidades da vida, o
consumo humano e a dessedentação de animais.
O recurso do CONDOMÍNIO e de seus litisconsortes, por sua vez, também
pautado na alínea 'a' do permissivo constitucional, veicula o pedido de reconhecimento da
violação dos arts.: (i) 538 do CPC, para afastamento da multa por litigância de má-fé aplicada
ao condomínio; (ii) 1.387, 1.383, 1.388, do CC/02, bem como 71, § 3º, do Código de Águas e
1º, III, da Lei 9.433/97, por motivos semelhantes aos expostos por FLÁVIO GODINHO em
seu recurso.
Recurso extraordinário: também interposto por FLÁVIO GODINHO.
Admissibilidade: o recurso não foi admitido na origem, motivando a interposição
do Ag. 1.053.693/RJ, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia.
É o relatório.
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VOTO
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FLÁVIO GODINHO. Assim, para melhor ordenação deste julgamento, apreciarei, em primeiro
lugar, o recurso do terceiro interessado, que é mais abrangente para, ao final, se necessário,
apreciar também o recurso especial do CONDOMÍNIO.
I.a) Preliminares
I.a.1) A legitimidade para recorrer. Violação da norma do art. 499 do CPC.
"(...) ao alegar que é titular do direito real de servidão, está a negar o direito
real de servidão pretendido pelo condomínio, o que o afasta da figura do assistente
e o aproxima da figura do opoente, eis que vai de encontro ao fito de defender a
parte sucumbente, presente no instituto do recurso de terceiro prejudicado."
O recorrente afirma que há ofensa ao art. 499, §1º, do CPC, nessa passagem do
acórdão recorrido.
A jurisprudência do STJ tem se orientado no sentido de admitir o recurso de
terceiro interessado na hipótese em que ele alegue prejuízo por uma decisão que, em seu parecer,
deveria ter sido proferida em processo na qual ele tivesse figurado como parte, por força de
litisconsórcio necessário unitário. Nesse sentido, por todos, cite-se os EDcl no REsp
883.398/MT (Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 15/12/2010). Se há, de fato, o litisconsórcio
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necessário afirmado, trata-se de matéria de mérito. A legitimidade, todavia, tem de ser verificada
in status assertionis, ou seja, não se pode dizer que a parte é ou não legitimada para o processo,
dependendo da procedência ou improcedência de seu pedido.
Além disso, ao admitir, como se fez neste processo, que o Condomínio
propusesse esta ação para a defesa dos interesses comuns dos condôminos (art. 1.348, II, do
CC/02), o Tribunal, por um imperativo lógico, também deve aceitar que cada um desses
condôminos ostente interesse jurídico no resultado do processo. Isso porque, salvo para fins
tributários (REsp 1.256.912/AL, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 13/2/2012), o
condomínio não tem personalidade jurídica civil e não pode, portanto, ostentar um direito
próprio, em oposição ao direito do condômino a quem ele representa.
De tudo decorre que há violação ao art. 499, §1º do CPC: o proprietário de
unidades autônomas tem direito de recorrer, como terceiro interessado, do acórdão desfavorável
ao condomínio, ainda que em sede de embargos de declaração. Os embargos e,
consequentemente, este ponto do recurso especial, têm de ser admitidos.
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O recorrente FLÁVIO GODINHO afirma que a ação que deu origem a este
recurso especial não poderia ter sido proposta pelo Condomínio, a quem faleceria legitimidade.
Na verdade, tendo em vista a potencial produção de efeitos nocivos a todos os proprietários de
unidades condominiais, na hipótese de sentença que cancelasse a servidão de água, esta ação,
para o recorrente, somente poderia ter sido ajuizada por todos os proprietários, em
litisconsórcio ativo necessário e unitário.
São duas questões interligadas e que, portanto, serão apreciadas em conjunto.
Em primeiro lugar, o art. 1.348, II, do CC/02 dispõe que o Condomínio, através
de seu síndico, tem legitimidade para representar os condôminos, ativa e passivamente,
"praticando, em juízo ou fora dele, os atos necesários à defesa dos interesses comuns". Não há
dúvidas de que o abastecimento de água para as unidades, ainda que consubstancie direito
individual de cada condômino, é um interesse comum dos proprietários que integram o
condomínio, de modo que é possível sustentar a legitimidade do síndico para representá-los nesta
ação.
Acrescente-se a isso o fato de que o art. 1.386 do CC/02 estabelece que "as
servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de
cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio
serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro".
Comentando o dispositivo, GUSTAVO TEPEDINO, MARIA HELENA BARBOZA e MARIA
CELINA BODIN DE MORAES sustentam que:
"Na lição de San Tiago Dantas, 'se o prédio dominante se loteia, se divide
em dois, três, quatro fragmentos, a servidão não se parte entre eles. O que sucede
é que os quatro prédios, por exemplo, que foram extraídos do primeiro, tornam-se
todos os quatro dominantes e, a favor de cada um deles, é íntegra a servidão,
embora não seja permitido agravar a situação do serviente. Se se estabelece,
suponha-se, numa servidão 'silvae cedendae', que o prédio dominante pode fazer
lenha, dia sim, dia não, no prédio serviente, e de cada vez levar um carro, os
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quatro dominantes devem se acomodar, de modo que cada um deles leve uma
fração, de tal sorte que a soma seja um carro, mas cada um deles é titular de uma
servidão autônoma; não existe entre eles condomínio na servidão. O mesmo se
deve notar quanto ao prédio serviente, quando o mesmo tipo de divisão ocorrer
com relação a este: cada uma das partes em que ele se divide sofre com a
servidão".
Note-se que, não obstante a passagem supra transcrita defina que não há
condomínio sobre a servidão, ela evidencia que há interesse comum, de todos os prédios
oriundos da divisão do prédio dominante, na servidão integral. Cada um deles, portanto, tem
direito autônomo à integralidade desse bem jurídico, mas gozando-o nos limites em que o
gravame foi estabelecido para o prédio serviente, consoante a divisão interna a ser definida pelos
titulares dos direitos. A propositura de ação pelo condomínio, portanto, pleiteando a garantia
desse direito, é, do ponto de vista jurídico, perfeitamente adequada. Trata-se, sem dúvida, de um
interesse comum, conquanto os direitos possam ser interpretados, do ponto de vista ontológico,
de forma autônoma.
O problema, contudo, é saber se, especificamente para a hipótese de exigência de
cumprimento de uma servidão de água, há a necessidade de formação de litisconsórcio ativo
necessário e unitário, como se sustenta no recurso especial. E para o enfrentamento da matéria,
é necessário abordar a tortuosa questão da existência de litisconsórcio em ações para defesa
de direitos de titularidade plural, sobre bens indivisíveis.
A definição de bens indivisíveis se obtém pela interpretação a contrario sensu
do que o art. 87 do CC/02 reputa serem bens divisíveis. Assim, seriam indivisíveis os bens que
não se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor
ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87, caput), além dos bens naturalmente divisíveis
que tenham se tornados indivisíveis por disposição de lei ou pela vontade das partes (art.
87, parágrafo único). A servidão, por disposição expressa do art. 1.386 do CC/02, já citado, é
um bem indivisível.
Aos bens ou direitos indivisíveis correspondem, naturalmente, obrigações
indivisíveis. Ao regular essa modalidade de obrigações, o CC/02 dispõe, em seu art. 260, que "se
a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira", desobrigando-se o
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devedor mediante o pagamento a todos conjuntamente, ou a um dos credores, mediante caução.
Se é possível, por expressa disposição de lei, a propositura isolada, por um dos credores, de
uma ação para pleitear o adimplemento de uma obrigação indivisível, naturalmente não se pode
falar, nesta hipótese, de litisconsórcio ativo necessário. O litisconsorcio é, por força de lei,
facultativo.
A questão que levou o recorrente a sustentar a existência de litisconsórcio
necessário, contudo, é sua preocupação com os efeitos negativos da sentença de improcedência
proferida neste processo, caso ela seja mantida. Para ele, seria absurdo imaginar que uma
servidão que está registrada, autonomamente, na matrícula de seu imóvel, possa ser cancelada
numa ação de que ele não fez parte.
Sua preocupação é procedente, mas pode ser resolvida mediante a compreensão
de que, na hipótese, há em verdade um litisconsórcio ativo facultativo e unitário. A disciplina
legal dada a essa modalidade de litisconsórcio, segundo a doutrina especializada, pode apresentar
solução para o temor do recorrente.
Em estudo minucioso sobre o tema ("Obrigações solidárias e indivisíveis,
litisconsórcio e coisa julgada", in Revista da ESMESC, ano 3, Vol. 3, 1997, págs. 91 a 120),
FERNANDO NORONHA sustenta a necessidade de se identificarem quatro modalidades de
litisconsórcio: (i) o litisconsórcio facultativo não unitário; (ii) o litisconsórcio necessário, unitário e
não unitário; (iii) o litisconsórcio facultativo com unitariedade total; (iv) e o litisconsórcio
facultativo com unitariedade parcial.
A hipótese deste processo, segundo esse autor, seria esta última: litisconsórcio
ativo facultativo, com unitariedade parcial. Essa modalidade de litisconsórcio se forma nas
situações em que "uma decisão proferida num processo não vincula necessariamente os
interessados não participantes, embora dentro do processo tenha de ser idêntica para todos os
litisconsorciados" (pág. 104). Sobre o tema, FERNANDO NORONHA pontua:
I.a.4) Da competência da justiça comum. Violação dos arts. 111, 267, IV,
267, §3º e 301, inc. II e §4º, todos do CPC
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todos do CPC.
Para o enfrentamento da matéria, é necessário analisá-la sob dois pontos de vista:
o da hipotética participação da União como ré; e o de sua participação como assistente ou
oponente. Isso porque não é possível a remessa do processo à Justiça Federal sem que uma
dessas duas condições esteja preenchida (art. 109, I, da CF).
A União não foi incluída como ré no processo. Portanto, sem qualquer
consideração acerca do acerto do autor em montar dessa forma sua estratégia processual, a
competência, em princípio, seria mesmo da Justiça Estadual. Contudo, uma questão inicial deve
ser colocada neste ponto: Seria possível propor esta ação sem incluir a União como ré, ou há,
aqui, um litisconsórcio passivo necessário que não foi observado pelos autores?
Uma ação que pleiteie a entrega de um bem público da União, naturalmente tem de
ser ajuizada em face da titular do direito, ou seja, da União, ainda que em litisconsórcio com
terceiro que, por qualquer motivo de fato ou de direito, integre a relação jurídica controvertida. A
água que se encontra no subsolo é considerada um recurso mineral, e, nessa qualidade, é de fato
bem da União, como observado pelo recorrente (CF, art. 20, IX).
Mas a discussão deste processo não se dá, ao menos em princípio, quanto à água
localizada no subsolo. Discute-se, em vez disso, um direito de servidão de águas, ou seja, o
direito de utilizar, mediante desvio, a água que se encontra na superfície. Trata-se da discussão
acerca de uma nascente de água, chamada fonte Kelau.
A água é, hoje, em qualquer circunstância, considerada bem de domínio público
consoante dispõe o art. 1º, I, da Lei 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos. Não há mais sentido, portanto, em se falar de águas particulares, como fazia o art. 8º
do Código de Águas (Decr. 24.643/34). Contudo, ainda que se considere bem público, a
intervenção da União para autorizar o aproveitamento da água situada em propriedade particular
não é imprescindível em todas as hipóteses. Há situações em que o aproveitamento da água é
livre, podendo ser feito independentemente de qualquer outorga, conforme assevera o art. 12 da
Lei 9.433/97, verbis:
Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos
seguintes usos de recursos hídricos:
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Vale dizer: a utilização da água, ainda que se trate de bem público, pode, em
algumas situações, demandar outorga da União (ou de Estados ou Municípios, conforme o caso -
art. 14 da Lei 9.433/97) e pode, em outros, não demandá-la. Tudo depende das circunstâncias
de cada situação concreta. Sendo assim, não se pode afirmar que em todas as situações a União
tenha interesse em atuar no processo, a ponto de justificar a necessidade de estabelecimento de
um litisconsórcio passivo necessário. O que há, quando muito, é a possibilidade de que a
União, dependendo de cada situação concreta, manifeste interesse em atuar no feito, nele
ingressando como assistente de uma das partes em litígio.
Aqui entramos na segunda das questões acima delineadas. Esse interesse de
participar do processo jamais pode ser imposto pelo juiz à União Federal, fora das hipóteses de
litisconsórcio passivo necessário. É a União que tem de manifestá-lo. Quando muito, o juiz, por
prudência, pode remeter um processo à União para que, avaliando o litígio, apure se sua
intervenção no processo é necessária. Mas a ausência desse ato, e a consequente ausência de
intervenção, não tornam nulo todo o processo.
Na ação que deu origem a este recurso especial não há a intervenção de nenhum
ente federal. Portanto, não há óbice à competência para seu julgamento pelo Justiça Comum
Estadual.
Importante ressaltar que a servidão que se discute neste processo disciplina-se
pelos arts. 34 e 35 do Código de Aguas, que dispõe:
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Art. 34. É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de
águas, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a
torne acessível.
Art. 35. Se não houver este caminho, os proprietários marginais não podem
impedir que os seus vizinhos se aproveitem das mesmas para aquele fim, contanto
que sejam indenizados do prejuízo que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios.
§1º. Essa servidão só se dará, verificando-se que os ditos vizinhos não
podem haver água de outra parte, sem grande incômodo ou dificuldade.
§2º O direito do uso das águas, a que este artigo se refere, não prescreve,
mas cessa logo que as pessoas a quem ele é concedido possam haver, sem
grande dificuldade ou incômodo, a água de que carecem.
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condôminos) o direito à servidão de águas porque a considerou extinta. Os fundamentos de tal
extinção foram dois. Em primeiro lugar, as partes haviam acordado que a servidão perduraria
apenas até que o condomínio se tornasse autossuficiente em captação de água, estabelecendo,
com isso, uma condição resolutiva do contrato. Referida condição teria sido implementada
porque, tanto no memorial descritivo apresentado para viabilização da construção do condomínio,
como pela análise de atas de assembleias juntadas aos autos, ficaria evidente que "o condomínio
conseguiu abastecer-se de água durante vários anos" independentemente da servidão. Tendo
ocorrido a autossuficiência do condomínio, portanto, ainda que temporariamente, a servidão teria
sido automaticamente extinta, não obstante a necessidade de água tenha se feito presente em
momento posterior.
O segundo fundamento para a rejeição do pedido foi o de que, não obstante a
servidão contratada, o condomínio passou vários anos sem pleitear o respectivo fornecimento de
água, buscando obtê-la sempre por fontes próprias. Essa omissão do condomínio, que perdurou
por oito anos, teria criado na contraparte a expectativa de que o direito à servidão não seria mais
exercido. Incidiria assim, segundo o TJ/RJ, o instituto da supressio (Verwirkung), corolário do
princípio da boa-fé objetiva, confiscando-se à parte seu direito, pelo desuso.
Ambos os argumentos são impugnados no recurso especial, por duas linhas
distintas. Preliminarmente, argumenta-se que o Tribunal, ao considerar extinta a servidão, teria
descumprido o comando dos arts. 1.387 e 1.388 do CC/02, que dispõem, por um lado, que uma
servidão registrada só extingue quando cancelada e, por outro, que o cancelamento do registro
deve ser requerido pelo dono do prédio serviente por via de ação judicial em que se formule
tal pedido pela via principal. Eis a redação dos dispositivos:
Art. 1.386. O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao
cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne:
(...)
II - quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a
comodidade, que determinou a constituição da servidão;
(...)
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Contudo, esse raciocínio não pode ser estendido à hipótese presente. Quando se
trata de direito real, que pela peculiar característica de ser oponível contra todos necessita de
registro em órgão público, o reconhecimento da respectiva caducidade deve trazer, como
consequência, a anulação ou modificação do respectivo registro, sob pena de profunda
insegurança jurídica. Basta pensar que um terceiro, desconhecendo o fato de a servidão ter sido
reputada insubsistente pelo Poder Judiciário, pode perfeitamente adquirir, por alto preço, um
imóvel sob a crença de poder contar com a parcela de água garantida pelo contrato de servidão
registrado. É justamente para a proteção da boa-fé e da segurança jurídica que o registro público
existe.
Pode-se argumentar, em oposição a esse raciocínio, que a sentença proferida
nesta ação seria passível de apresentação ao registro público para cancelamento da servidão,
resolvendo-se, com isso, a insegurança jurídica apontada acima. Mas na hipótese dos autos isso
não poderia ser feito. Como já dito, do desmembramento da área em favor da qual a servidão foi
constituída decorreu a criação de matrículas autônomas para cada imóvel, fazendo-se constar
dessas matrículas, individualmente, o direito à servidão. Nessas circunstâncias, uma ação que
pleiteasse o cancelamento desse registro, para ser eficaz, deveria ter sido proposta pelo
proprietário do prédio serviente em face de cada um dos proprietários dos imóveis
dominantes, em litisconsórcio passivo necessário. Neste processo não há a participação de
todos, como já amplamente abordado nesta decisão.
Também poderia ser argumentado, ainda para justificar o caminho trilhado pelo
acórdão recorrido, que a improcedência da ação produz efeitos apenas perante o condomínio,
não prejudicando os proprietários individuais (coisa julgada secundum eventum litis formada nas
causas em que há litisconsórcio ativo facultativo unitário). Assim, o direito à servidão poderia ser
denegado ao condomínio e cada condômino poderia procurar, por via individual, garantir esse
mesmo direito, até que o titular do prédio serviente decidisse propor uma ação em face de todos,
pleiteando o cancelamento da servidão.
Essa solução, contudo, também não seria adequada. Em primeiro lugar, a
insegurança para o eventual terceiro que porventura decidisse adquirir algum dos imóveis com
registro da servidão permaneceria, já que ele não terá ciência do grande risco de se ver
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impossibilitado de exercer esse direito real, no futuro. Vale lembrar, neste ponto, que ainda que a
coisa julgada não prejudique o direito de terceiros, a sentença aqui proferida produziria
significativa influência em eventuais ações futuras. Em segundo lugar, se permitisse que a servidão
fosse discutida em cada processo, individualmente, o judiciário estaria a incentivar a multiplicação
de ações judiciais, em lugar de fomentar a sua concentração.
Fazendo-se uma pequena digressão, vale lembrar que esta 3ª Turma julgou,
recentemente, um processo que não tratava de direito a servidão de água, tampouco de qualquer
outro direito real mas, não obstante, contém reflexões bastante preciosas para os fins da ação ora
em julgamento. Trata-se do REsp 1132449/PR, de minha relatoria, ainda não publicado, julgado
em 13/3/2012. Nele a questão enfrentada era a seguinte: se uma parte obtém, perante o INPI, o
registro de um desenho industrial, seria lícito ao juízo estadual, pela via incidental, negar à parte o
direito à exclusividade decorrente de tal registro, sem ação própria em que se pleiteasse a
respectiva nulidade?
Na espécie, um desenho industrial havia sido copiado por uma empresa e a titular
do registro buscava coibir a comercialização ilegal do produto contrafeito. O juiz estadual,
reputando nulo o registro - mas sem declará-lo, porque não seria materialmente competente para
tanto - permitiu que a mercadoria contrafeita fosse regularmente comercializada.
Ao apreciar a questão, esta Corte a decisão local deveria ser reformada. Sem a
anulação do registro público, seus efeitos próprios deveriam ser regularmente produzidos e a
comercialização de mercadoria contrafeita, discutida naquele precedente, deveria ser impedida.
Eis a ementa do julgado:
A mesma ideia, com alguma adaptação, poderia ser transferida à hipótese dos
autos. Também aqui não se pode negar a produção dos efeitos naturais do registro público da
servidão, sem uma ação em que tal matéria seja questionada pela via direta.
Vale lembrar - e aqui ingressamos na segunda linha de argumentos aduzida nos
recursos especiais - que a água é um bem público de fundamental importância, que conta com
disciplina jurídica especial. O art. 1º, III, da Lei 9.433/97 disciplina que "em situações de
escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos
animais". O art. 71, §3º, do Código de Águas, disciplina que "terá sempre preferência sobre
quaisquer outros, o uso das águas para as primeiras necessidades da vida".
A escassez de água do condomínio não é negada pelo acórdão recorrido, que
apenas ponderou que, por um determinado período de tempo, este conseguiu atingir certo nível
de autossuficiência. Ora, se não se nega a escassez, como negar o acesso à água? Não há uma
menção sequer no acórdão recorrido à circunstância de que o condomínio pretenda se valer da
servidão para qualquer outro fim, que não seja o de se abastecer. Não se cogita que o
condomínio queira comercializar a água, em vez de simplesmente utiliza-la para consumo humano.
Não há, portanto, sentido em que se lhe negue o exercício desse direito essencial.
No confronto entre a necessidade de água para subsisistência e a necessidade de
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água para comércio, é evidente que privilegiar o comércio ofende os arts. 1º, III, da Lei 9.433/97
e 71, §3º, do Código de Águas. As necessidades do condomínio, garantidas por contrato de
servidão registrado, devem ser atendidas com urgência.
O provimento dos recursos especiais, portanto, é de rigor.
Por fim, observa-se que a interposição dos embargos apresentados, tanto por
FLÁVIO GODINHO, como pelo CONDOMÍNIO e seus litisconsortes, na origem, buscou o
aprimoramento da prestação jurisdicional com melhor esclarecimento das matérias abordadas
pelo TJ/RJ no julgamento dos recurso de apelação. Assim, a aplicação da multa fixada no art.
538 do CPC consubstanciou, para todos os recorrentes, medida exagerada. Fica, portanto,
afastada essa penalidade.
Forte nessas razões, conheço dos recursos especiais e dou-lhes parcial provimento
para, rejeitando as matérias preliminares apresentadas, reconhecer, no mérito, o direito do
CONDOMÍNIO e, por extensão, de seus condôminos (entre os quais o recorrente FLÁVIO
GODINHO) à servidão de água, afastando as multas impostas pelo acórdão recorrido.
O exercício desse direito deve se dar, conforme o caso, mediante pedido de
autorização às autoridades públicas competentes, se necessário, nos termos da Lei.
No que diz respeito ao dano moral, não há, nos recursos especiais, pedido para
que seja renovada sua apreciação, de modo que ele resta afastado.
Ficam invertidos os ônus da sucumbência.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, dando parcial provimento aos recursos
especiais, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Aguardam os
Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino.
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VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Pedi vista dos autos
para melhor exame da controvérsia, especialmente, quanto ao mérito das irresignações
recursais.
Trata-se de dois recursos especiais, o primeiro interposto por FLÁVIO GODINHO,
e o segundo por CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO, ambos com fundamento
na alínea "a" do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal e interpostos contra acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Noticiam os autos que, em 21.9.2005, CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO,
JOSÉ HAROLDO RIBEIRO FALCÃO e FERNANDO RIBEIRO FALCÃO propuseram ação de
cumprimento de obrigação de fazer contra o ESPÓLIO DE PAULO WALDEMAR RIBEIRO
FALCÃO, representado pela inventariante NELIA CAMPELLO FALCÃO, objetivando a
condenação do réu ao fornecimento, "na forma do Contrato de Servidão de Água, 1/3 (um
Terço) da vazão da Fonte Kelau à 'Data de terras Remanescentes', onde foi instalado o
Condomínio Vale de São Francisco, ou, alternativamente, constatada a impossibilidade material
do cumprimento, a conversão do inadimplemento em perdas e danos, na forma do artigo 461 e
seu parágrafo 1º, do Código de Processo Civil" (e-STJ fl.14). Pugnaram, ainda, pela
condenação por danos morais.
O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos (e-STJ fls. 410-417).
Irresignadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação (e-STJ fls.
406-423 e 433-457).
A Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do ESPÓLIO, para majorar o valor
arbitrado a título de honorários advocatícios, e, por maioria de votos dos seus integrantes,
negou provimento ao recurso do CONDOMÍNIO E OUTROS.
O aresto ficou assim ementado:
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casas..., pois naquela época não existia nenhuma casa" (e-STJ fls. 727-728);
(b) "afronta a lógica mais elementar que no início da implantação de um
loteamento de 64 unidades autônomas, em 1998, quando apenas 3 ou 4 residências já haviam
sido construídas, pudesse o prédio serviente considerar implementada a cláusula resolutiva de
auto-suficiência de água de todo o empreendimento" (e-STJ fl. 728);
(c) "Nos autos nada existe que indique que a 'Fonte Kelau' tenha iniciado suas
atividades comerciais. (...) Na realidade, embora a concessão de lavra tenha sido outorgada em
1998, jamais a fonte entrou em operação" (e-STJ fl. 729);
(d) "entre a data da interdição - 2000 - e o ajuizamento da interpelação - 2004 - ,
está demonstrado nos autos, ad nauseam, o inconformismo aos Autores, pela interdição do
poço pelo DNPM, com iniciativas de instauração de feitos contra a mineração desde 2001, junto
à Delegacia Policial (fls. 298/299 e fls. 296/297), à Justiça Estadual (fls. 146/150), ao Ministério
Público (fls. 151/164) e ao Departamento Nacional de Produção Mineral (fls. 120/123)" (e-STJ fl.
729);
(e) "o v. acórdão desconsiderou as provas produzidas a respeito da escassez de
água desde a construção das primeiras casas, nas épocas de estiagem (meses de junho, julho,
agosto e setembro), o que é comprovado pelas Atas Assembleares, sendo, ademais, fato
público e notório na Região Serrana" (e-STJ fl. 730);
(f) "o cancelamento de uma servidão não pode ser unilateral (à revelia do prédio
dominante) e subordina-se à observância dos dispositivos legais apontados como violados"
(e-STJ fl. 730);
(g) "a questão da 'auto-suficiência de água' é matéria está inserida na categoria
de 'conceitos jurídicos indeteminados (...)'. Nessa categoria de 'conceito jurídico
indeterminado', e levando em conta a inexistência de perícia a respeito da questão da
'auto-suficiência', seria indispensável o expresso pronunciamento judicial a respeito das provas
e alegações produzidas pelos Autores, pronunciamento esse em que se omitiu o v. acórdão
recorrido" (e-STJ fl. 730);
(h) "O documento de (fl. 18) mostra que no mês de dezembro a precipitação
pluviométrica é de 281,9 mm., enquanto que no mês de julho é de apenas 28,9 mm., ou seja,
dez vezes menos" (e-STJ fl. 731);
(i) "não é lícito supor-se, como fez o v. acórdão recorrido, extinto um contrato sem
haja no documento 'pretensamente extintivo', qualquer menção expressa a essa extinção"
(e-STJ fl. 731);
(j) "não obstante o artigo 474 do Código Civil estabeleça que a 'cláusula
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resolutiva' opera de pleno direito', a verdade é que há necessidade de submissão ao crivo do
judiciário, para análise das circunstâncias que justificam ou não a resolução" (e-STJ fl. 731); e
(k) "O direito real de servidão que beneficia o Recorrente encontra-se, assim, em
pleno vigor, seja porque: a) - não foi comprovada a implementação da condição resolutiva; b) -
não foi declarada esta, previamente, pelo Judiciário e c) - não foi averbado no registro
imobiliário" (e-STJ fl. 732).
O recorrente FLÁVIO GODINHO entende, ainda, que malferidos os artigos 71, §
3º, do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e 1º, inciso III, da Lei nº 9.433/1997, pelas
seguintes razões:
CONDOMÍNIO E OUTROS (e-STJ fls. 771-808), por sua vez, apontam violação
dos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil, visando o afastamento da multa imposta em
sede de embargos de declaração, e dos artigos 1.383, 1.387 e 1.388 do Código Civil, artigo 71,
§ 3º, do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e artigo 1º, inciso III, da Lei nº 9.433/1997,
reproduzindo as mesmas alegações do recurso especial de FLÁVIO GODINHO.
Após apresentação de contrarrazões (e-STJ fls. 815-836 e 838-851), os recursos
foram inadmitidos na origem (fls. 874-878), ascendendo os autos a esta Corte por força do
provimento dado em agravo de instrumento (e-STJ fl. 883).
Levado o feito a julgamento pela egrégia Terceira Turma, em 10.4.2012, após a
prolação do voto da ilustre relatora, Ministra Nancy Andrighi, conhecendo dos recursos
especiais e dando-lhes parcial provimento, pedi vista antecipada dos autos e ora apresento
meu voto.
É o relatório.
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No tocante à alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, sustenta
o recorrente FLÁVIO GODINHO que o acórdão impugnado teria deixado de se manifestar
acerca de questões relevantes para o deslinde da controvérsia suscitadas em sede de
embargos de declaração consistente nos seguintes pontos: "a) - legitimidade do terceiro
prejudicado, na forma no art. 499, § 1º, do CPC; b) - nulidade do v. acórdão em virtude de
violação do art. 47, § único, do CPC - Falta de litisconsorte necessário unitário; c) - nulidade do
v. acórdão em virtude de violação do princípio do contraditório - art. 5º, inc. LIV e LV da CF. d) -
nulidade do v. acórdão em virtude da ilegitimidade ad causam do Condomínio - violação do art.
6º do CPC. e) - nulidade do v. acórdão em virtude da incompetência absoluta da Justiça
Estadual - violação ao art. 109, inc. I, da CF e art. 111 do CPC." (e-STJ fl. 711).
O que se depreende dos autos é que os embargos de declaração opostos pelo
recorrente não foram conhecidos porque afastada pelo Tribunal de origem a sua condição de
terceiro prejudicado, pois teria comparecido no feito ostentando a qualidade de titular do direito
real de servidão em oposição ao direito pleiteado pelo Condomínio.
É o que se colhe do seguinte excerto:
"É cediço que o art. 499, caput e §1º, do CPC confere legitimidade para
recorrer ao terceiro prejudicado, desde que este demonstre o nexo de
interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida
à apreciação judicial.
Humberto Theodoro Júnior, ao tratar do tema, in Curso de Direito
Processual Civil, Vol. I, 20ª edição, Ed. Forense (p. 554 e 144), assim preleciona:
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preliminares arguidas no recurso obstado diretamente por esta Corte, considero desnecessário
o retorno dos autos à origem.
E nesses aspectos (legitimidade ativa do Condomínio, inexistência de
litisconsórcio ativo necessário e competência da Justiça estadual) deixo de emitir
pronunciamento nesta oportunidade por acompanhar integralmente as conclusões da ilustre
relatora, que afastou as referidas preliminares, reportando-me aos bens lançados fundamentos
de fls. 8-16 de seu voto.
No tocante à irresignação recursal do CONDOMÍNIO E OUTROS, quanto à
imposição de multa em sede de embargos de declaração, compulsando os autos, verifica-se
que, após ter rejeitados os primeiros declaratórios opostos (e-STJ fls. 642-646), recorreu
novamente o embargante pugnando pelo pronunciamento da Corte de origem acerca de
dispositivo legal que sequer havia sido mencionado em seus anteriores aclaratórios.
Não buscava o embargante, portanto, a meu ver, a correção de nenhum dos
vícios ensejadores dos aclaratórios, mas, sim, a alteração do julgado por via inadequada.
Logo, não escapa o recorrente da imposição da multa imposta ante a oposição de
declaratórios de caráter manifestamente protelatório.
Assim, tendo a Corte de origem vislumbrado o caráter protelatório dos embargos
opostos, não há falar em ofensa ou negativa de vigência aos artigos mencionados, mas em seu
fiel cumprimento, pelo que descabido o apelo nobre no ponto.
No mérito, também apresento posicionamento divergente.
Compulsando os autos, verifica-se que no instrumento particular de servidão de
água, firmando em 1992, constou a seguinte cláusula:
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o imóvel dominante possuísse água com capacidade própria para o seu abastecimento.
A tese central dos recursos especiais foi resumida pelos recorrentes em três
pontos:
"(...)
No que concerne ao inconformismo da parte autora, cinge-se à
verificação da subsistência do contrato e à possibilidade do implemento da
servidão de água.
A prova dos autos demonstra que a servidão de água foi estabelecida
através de documento particular, em 19/06/1992 (fls.90). No ano de 1995 foi
criado o condomínio, cujo memorial descritivo menciona nascente própria,
capaz de abastecer a caixa d'água e suprir o abastecimento de água potável
(fls.200/204). No ano de 1999, enfrentando dificuldades quanto ao
abastecimento de água, o condomínio busca alternativas, inclusive com
aproveitamento de nova fonte, conforme se verifica da cópia da ata de assembléia
juntada às fls.215/218. Em 2000, verifica-se (documento de fls. 267/269) que as
dificuldades persistem, levando o condomínio a contratar empresa para
perfuração de poço artesiano, que restou interditado, em dezembro de 2000, pelo
DNPM (fls.213), após denúncia feita por Mineração Aquafine (fls.212). Em junho
de 2004 ajuizou-se interpelação judicial em face dos réus, para fins de
cumprimento do mencionado contrato de servidão de água. Em setembro de
2005, foi ajuizada a presente ação, cujo pedido principal é o cumprimento, pelos
réus, da servidão de água firmada em 1992.
(...)
Com efeito, o pacto de fls.89/91 instituiu a servidão de água para as
terras da apelante-autora, mas também expressou a sujeição dessa obrigação à
condição resolutiva da auto-suficiência no abastecimento de água, nos seguintes
termos: 'Fica, outrossim, acordado que, quando a data de terras remanescentes
possuir água com capacidade própria para o seu abastecimento, a presente
servidão estará automaticamente extinta, para todos os efeitos de direito'.
Por seu turno, o memorial descritivo do condomínio-autor (fls.204)
revela a implementação da aludida condição, uma vez que, acerca do
abastecimento de água, dispõe, in verbis: 'De acordo com o projeto aprovado
pela CAEMPE, em 28/07/95, foi feita a captação de nascente própria, que,
com seu reservatório adequado irá abastecer a caixa d'água de 100.000
(cem mil) litros de capacidade. Situada dentro da Reserva, será possível o
abastecimento dágua potável, integralmente por gravidade, a todas as 64
unidades, reservando-se uma pena dágua para cada uma.'
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Logo, em sendo patente o implemento da condição resolutiva, não pode
a obrigação contratual persistir.
Ademais, a mencionada auto-suficiência para abastecimento de
água também foi admitida pelo condômino e apelante-autor, Sr. José Haroldo
Ribeiro Falcão, em assembléia condominial, consignada em ata (fls.261) nos
seguintes termos: 'E) Discussão sobre o fornecimento de água. Com a
palavra, o condômino José Haroldo Ribeiro Falcão fez explanação sobre o atual
sistema de fornecimento de água potável para todos os lotes do Condomínio.
Durante vários anos a nascente existente acima da caixa dágua central de 100 mil
litros funcionou normalmente, inclusive nos meses tradicionalmente mais secos
(julho/agosto/setembro). E esses anos foram cheios de demanda por essa água
tanto na implantação da infra-estrutura do condomínio, como na construção das
primeiras casas. Fenômenos climáticos, conhecidos e repetidos nas mais diversas
regiões do país, criaram a necessidade de buscar um reforço para esse
abastecimento, pelo menos como reserva para épocas de maior seca'.
Assim sendo, se o condomínio conseguiu abastecer-se de água
regularmente durante vários anos, a condição resolutiva foi implementada e,
por conseqüência, a obrigação de fornecer água extinguiu-se. Portanto, uma
vez desfeito o pacto, não pode a superveniente escassez de água – seja oriunda
de fatores climáticos, seja do aumento da demanda dos condôminos – pretender
ressuscitá-lo.
(...)
Pelas datas em que ocorreram os fatos relevantes para o deslinde da
presente causa, é forçoso reconhecer que os proprietários da data de terras
remanescente em favor da qual foi instituída a servidão de água, que veio a se
transformar no condomínio-autor, passou pelo menos 8 anos sem fazer qualquer
tipo de uso da referida servidão. Só veio a pretendê-lo em 2000, quando abriu o
poço artesiano, interditado pelo DNPM. Mesmo após tal interdição, ainda levou 4
anos para ajuizar interpelação judicial, de forma que se configura, no presente
caso, de forma clara e inconteste, a ocorrência da supressio relativamente ao
direito de utilizar-se da servidão de água. Isso porque, ao deixar de utilizar-se da
água do imóvel dos réus, os autores, por sua omissão, geraram nestes a
expectativa de que não necessitariam mais dela. Este fato deve ser considerado
junto com duas outras circunstâncias: a) a fonte de águas Kelau é explorada
economicamente pelos réus, o que faz com que a expectativa que lhes foi gerada
(surrectio) pela omissão dos autores seja extremamente relevante; b) o próprio
instrumento que instituiu a servidão traz, de forma expressa, condição resolutiva
consistente na obtenção da auto-suficiência no abastecimento de água, o que
reforça a expectativa dos réus de que, por não terem os autores se utilizado da
servidão durante 8 anos ininterruptos, dela não mais necessitavam e
implementada estava a condição" (e-STJ fls. 529-531 - grifou-se).
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fático-probatório dos autos.
A revisão desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do recurso
especial, nos termos das Súmulas nº 5 e nº 7/STJ.
Quanto ao cancelamento da servidão, a Corte de origem, provocada por meio da
oposição de embargos declaratórios, esclareceu:
A doutrina especializada indica, além disso, que esse rol legal é meramente
exemplificativo enunciando que "Outras hipóteses de extinção, além das enumeradas, há que
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possibilitam o cancelamento: I - pela destruição do prédio dominante, como a invasão das águas
do mar, ou a inundação definitiva em virtude do erguimento de uma barragem; II - pela
destruição do prédio serviente, nos mesmos casos do inciso anterior; III - por se ter realizado a
condição ou por se ter chegado ao termo que se marcou, ao se constituir; IV - pela
preclusão do direito da servidão, em virtude de atos opostos; V - por decisão judicial, como na
hipótese de desapropriação, e pela resolução do domínio do prédio serviente" (grifou-se)
(RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 912).
No mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa: "A exemplo da propriedade resolúvel,
também a servidão pode ser estabelecida sob termo ou condição, embora não seja regra geral.
O decurso de prazo ou o implemento da condição nessas hipóteses também extingue a
servidão" (Direito civil: direitos reais. 12. ed. v. 5. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 468).
Em tais situações, sendo expressa a previsão de extinção, como no caso, é
dispensável a tutela judicial.
É o que nos ensina Maria Helena Diniz: "Dispõe o art. 1.389, in fine, do nosso
Código Civil que, extinta a servidão por qualquer dessas causas, cabe ao proprietário do prédio
serviente o direito de fazê-la cancelar, mediante prova da extinção. E os arts. 256 e 257 da Lei
n. 6.015/73 prescrevem que o dono do prédio serviente tem direito de cancelar a servidão"
(Curso de Direito Civil brasileiro. 26 ed. v. 4. São Paulo: saraiva, 2011, pág. 441).
No caso dos autos, não houve a necessidade de o proprietário do prédio
serviente requerer o referido cancelamento porque o próprio CONDOMÍNIO levou a registro o
memorial descritivo da sua criação, que revelava a implementação da condição resolutiva.
Daí porque tenho que não houve malferimento dos artigos 1.383, 1.387 e 1.388,
inciso II, do Código Civil apontados como violados.
Quanto aos artigos 71, § 3º, do Decreto nº 24.643/1934 (Código de Águas) e 1º,
inciso III, da Lei nº 9.433/1997 - ao disporem, genericamente, que "Terá sempre preferência
sobre quaisquer outros, o uso das águas para as primeiras necessidades da vida" e "em
situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a
dessedentação de animais" -, não contêm comando normativo suficiente para infirmar as
conclusões do acórdão.
E quanto ao ponto, cingiram-se os recorrentes a apontar violação sem
demonstrar, sequer de modo implícito, de que maneira o acórdão recorrido teria malferido tais
artigos de lei federal.
A deficiência na fundamentação do recurso atrai à hipótese a incidência da
Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a
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Superior Tribunal de Justiça
deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia."
Registre-se, por fim, que a servidão, por constituir forma de limitação ao direito de
propriedade, deve ser interpretada restritivamente no momento da solução de conflitos surgidos
entre as partes envolvidas. Vale citar a lição de Arnaldo Rizzardo:
Ante o exposto, com a devida vênia da eminente relatora, conheço dos recursos
especiais para: 1) NEGAR PROVIMENTO ao recurso especial do CONDOMÍNIO E OUTROS e 2)
DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO, em menor extensão,
apenas para afastar a multa imposta nos seus embargos de declaração.
É o voto.
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 38 de 10
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VOTO
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 39 de 10
Superior Tribunal de Justiça
um direito a que têm todos. Então, não podemos privilegiar apenas esse condômino,
que faz parte de toda a unidade condominial.
Com isso, acompanho a eminente Ministra Relatora, no sentido
também de dar provimento parcial ao recurso do condomínio e, na extensão aos seus
condôminos também, entre os quais o próprio Flávio Godinho, à servidão de água,
afastando a multa imposta pelo acórdão recorrido.
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 40 de 10
Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, negando provimento ao recurso especial de CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO
e Outro e dando parcial provimento ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO, e o voto do Sr.
Ministro Massami Uyeda, acompanhando a Sra. Ministra Relator, no sentido de dar parcial
provimento aos recursos especiais, pediu vista o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Aguarda o Sr.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
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Superior Tribunal de Justiça
Extrai-se do relatório da sentença (e-STJ fls. 410; autos físicos, fls. 390)
que: a) por documento particular (fls. 90 dos autos físicos), Paulo (ora seu Espólio, acionado)
pactuou, por documento particular, a instituição de uma servidão de água em favor de área de
terras então de propriedade sua, de José Haroldo, Francisco e Vera Maria, área sobre a qual
foi constituído o loteamento de que se originou o Condomínio autor; b) anteriormente,
contudo, ao pacto de instituição da servidão, Paulo dera início a procedimento administrativo
para obter direito de lavra sobre a nascente, cujos direitos veio a ceder a Empresa Mineradora
Acquafine, fato ocorrido sem conhecimento do Condomínio e condôminos autores, que viram
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Superior Tribunal de Justiça
inviabilizado o abastecimento da água proveniente da servidão.
É o relatório.
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 43 de 10
Superior Tribunal de Justiça
demonstrar a importância e a necessidade da água para quem vive em condomínio residencial,
meu voto dá provimento aos Recursos Especiais, julgando procedente a ação, nos termos do
pedido inicial principal, isto é, condenando o Espólio, proprietário do prédio serviente, ao
cumprimento da servidão de água em prol do prédio dominante (condomínio e condôminos).
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 44 de 10
Superior Tribunal de Justiça
se o houvesse, incidiria a Súmula 7/STJ, que veda o reexame fático), atribuiu consequências
jurídicas, que realmente não existem, dos atos de instituição do condomínio (em 1995),
pressupondo a captação de água de nascente própria (memorial descritivo e registro no
Registro de Imóveis, R-6/16.676, e-STJ fls. 204 e 257 dos autos físicos).
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 45 de 10
Superior Tribunal de Justiça
pactuada a instituição de servidão (em 19.6.1992), já protocolara, ele, na Junta Comercial (em
3.6.1991), pedido de exploração e pesquisa de água mineral no DNPM (Departamento
Nacional da Produção Mineral), em seguida já se registrando, na Junta Comercial (em
23.11.1994), a empresa de mineração “Mineração Acquafine Ltda.”, à qual vieram a ser
cedidos (em 13.5.1995), os direitos minerários.
Mas a síntese certeira desse Voto bem indica o prejuízo efetivo e o valor
econômico perdido, ante a recusa de servir, havendo imóvel serviente de servidão viva,
constante de registro no Registro de Imóveis não cancelado.
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VOTO
Documento: 1135841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/11/2012 Página 47 de 10
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FLÁVIO GODINHO
ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO ROMERO PARENTE E OUTRO(S)
RECORRENTE : CONDOMÍNIO VALE DE SÃO FERNANDO E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ M DE A MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : PAULO WALDEMAR RIBEIRO FALCÃO - ESPÓLIO
REPR. POR : NÉLIA CAMPELLO FALCÃO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : PATRÍCIA FELIX TASSARA E OUTRO(S)
LAURA MENDES BUMACHAR
ANDRÉ MACEDO DE OLIVEIRA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, a Turma,
por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial de FLÁVIO GODINHO e, por
maioria, deu parcial provimento ao recurso especial do CONDOMÍNIO VALE DE SÃO
FERNANDO E OUTRO. Vencido o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Participaram do
julgamento os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo
Villas Bôas Cueva.
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